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O CONTO COMO INTERVENÇÃO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO LEITOR

Julcemara Zanineli1

Aline Cantarotti2

RESUMO

O presente artigo é composto pelo relato das atividades de leitura e escrita realizadas em uma sala de aula, por meio de contos maravilhosos. Tais atividades fizeram parte da implementação da proposta de intervenção pedagógica na escola, referente ao PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional/PR em 2010, proposta essa associada à necessidade de formação de leitores autônomos e competentes. A proposta foi realizada com base na concepção histórico-cultural de Vygotsky, para quem, no desenvolvimento da linguagem, devem ser promovidas relações de mediação entre o conhecimento científico e a realidade do aluno. Também seguiu os caminhos de compreensão da linguagem responsiva e ativa de Bakhtin. A aplicação efetivou-se no Colégio Estadual Vital Brasil, em Maringá, com alunos de uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental, no ano letivo de 2011. O conto maravilhoso foi o foco do trabalho: por considerá-lo adequado à faixa etária dos alunos e na expectativa de que ele promoveria a motivação, o gosto e o prazer pela leitura, ele foi utilizado como uma das estratégias para o aperfeiçoamento da compreensão e da interpretação textual. Ao longo do processo, reconhecendo que a leitura é indispensável para o aprimoramento da língua e para a organização do pensamento e na tentativa de torná-la significativa, foram realizadas atividades metodológicas diversificadas para a discussão e análise da estrutura, conteúdo e temáticas sociais abordadas nos textos. As novas tecnologias foram introduzidas como um dos recursos para aguçar a curiosidade, incentivar e aperfeiçoar o conhecimento dos alunos, de modo geral.

Palavras-chave: Leitura. Conto. Formação de leitores. Interação.

1 Especialista em Didática e Metodologia do Ensino pelas Faculdades Integradas Norte do Paraná – UNOPAR. Graduada em Letras/Português pela Universidade Estadual de Maringá. Professora da rede estadual de ensino e participante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), turma 2010 – UEM.2 Mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina/PR. Professora mestre pela Universidade Estadual de Maringá/PR.

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1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresentam-se os resultados da implementação da Proposta de

Intervenção Pedagógica na Escola – Sequência Didática – O conto como

intervenção no processo de formação do leitor, cujo objetivo foi promover a leitura

em sala de aula como uma atividade habitual e fonte de apropriação de

conhecimento sobre a língua. Priorizando a leitura de contos de diferentes gêneros,

a finalidade dessa prática pedagógica foi gerar a participação ativa e crítica do leitor,

tendo em vista sua contribuição para a criação de uma sociedade mais justa e

igualitária.

Muitos professores demonstram grande preocupação com a “incompreensão”

de muitos textos, os quais são escritos sem coerência, sem criatividade e com

vocabulário muito simples. Conclui-se que isso ocorre porque muitos alunos não

fazem uma leitura compreensiva e interpretativa eficiente.

Considerando que o domínio da leitura é um dos fatores essenciais para se

obter sucesso em qualquer esfera social, a escola enfrenta, entre seus vários

desafios, o de fazer com que os alunos aprendam a ler corretamente. Muitas vezes,

exige-se que estes tenham boa fluência na leitura, mesmo não tendo consciência de

sua importância. Os professores têm dificuldades para manter um trabalho eficiente

porque, muitas vezes, os alunos, sentindo-se desmotivados pela obrigatoriedade,

mostram aversão à leitura, que é transformada em algo não prazeroso. Ou seja, eles

não encontram nas histórias boas motivações para ler e escrever.

Segundo Solé (1998, p. 36), “[...] é possível ensinar aos alunos outras

estratégias que propiciem a compreensão leitora e a utilização do que foi lido para

múltiplas finalidades”, ou seja, ao se realizar uma leitura, procura-se alcançar uma

finalidade. A prática da leitura deve ser prazerosa e entendida como indispensável,

razão pela qual o professor deve sugerir atividades significativas que promovam a

interação entre o leitor e o texto. O gosto pela leitura não acontece repentinamente,

nem é resultante de um único método, mas vai ocorrendo à medida que o leitor

interage com as pessoas em seu ambiente, dependendo também de sua maturidade

e do contexto social em que está inserido. Assim, como uma atividade significativa,

expressiva, pontual e prazerosa, a leitura pode proporcionar ao leitor muitos

benefícios.

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Ler é indispensável para quem quer se expressar bem. Oferecendo várias

possibilidades de expressão da língua, de enriquecimento do vocabulário, de

organização do pensamento, essa atividade tem como resultado a formação de um

leitor ativo e crítico. Utilizando-se várias estratégias, é possível levar o indivíduo ao

domínio da leitura, contribuindo para a formação de um cidadão com condições de

se realizar plenamente e conquistar seu espaço no mundo. Conforme Kleiman

(2004, p.10)

[...] refletir sobre o conhecimento e controlar os nossos processos cognitivos são passos certos no caminho que leva à formação de um leitor que percebe relações e que forma relações com um contexto maior, que descobre e infere informações e significados mediante estratégias cada vez mais flexíveis e originais.

Nesse sentido, a compreensão de um texto escrito não envolve apenas o

aspecto cognitivo, pois a leitura é um ato social, o que implica a interação entre

leitor-autor com objetivos e necessidades socialmente determinados.

Para Kleiman (2004), a compreensão de um texto escrito abrange várias

dimensões, tais como: a compreensão de frases e sentenças, de argumentos, de

provas formais e informais, de objetivos, de intenções, ações e motivações. Com o

objetivo de buscar significados e sentidos do texto, é importante que o professor

considere essas dimensões e conheça os aspectos utilizados. No desenvolvimento

da atividade de leitura, ele pode utilizar, em primeira instância, o conhecimento

prévio do leitor, levá-lo a expor seu conhecimento de mundo. Pode também explorar

os objetivos e as expectativas de leitura por meio de atividades metacognitivas

(reflexão e controle consciente sobre o próprio conhecimento, sobre o próprio fazer e

a própria capacidade) e da formulação de hipóteses em relação à estrutura e ao

conteúdo do texto. Em seguida, pode explorar as estratégias de processamento do

texto (as marcas formais, os elementos linguísticos) e, por último, propor a interação

entre leitor e autor, o que acontece quando se leva o leitor a expor seu

posicionamento crítico diante do texto. Conforme a autora,

[...] conhecendo o professor as características e dimensões do ato de ler, menores serão as possibilidades de propor tarefas que trivializem a atividade de ler, ou que limitem o potencial do leitor de engajar suas

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capacidades intelectuais, e, portanto, mais próximo estará esse professor do objetivo de formação de leitores. (Kleiman, 2004, p.11)

Desse modo, para poder aplicar com eficiência várias estratégias de

intervenção, favorecendo o posicionamento do aluno em relação ao texto, o

professor precisa ser um leitor maduro e estar sempre em contato com os diferentes

tipos de leitura. É necessário privilegiar a codificação das palavras de forma a dar

um novo sentido à compreensão e à interpretação dos diferentes textos, atribuindo-

lhes um novo significado.

Tendo em vista esse grande desafio relacionado às atividades de leitura e de

produção textual e considerando a escola como um local adequado para o

desenvolvimento integral do aluno, direcionamos nossa proposta de intervenção

pedagógica para os alunos do 6º ano (5ª série) do Ensino Fundamental. Optando

pelo gênero “Conto Maravilhoso”, procuramos levar esses alunos à apropriação do

conhecimento e à realização da aprendizagem.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Os princípios teóricos que norteiam nosso trabalho estão baseados na

concepção histórico-cultural de Vygotsky, que busca no processo de ensino-

aprendizagem estabelecer relações de mediação entre o conhecimento científico e a

realidade do aluno, interagindo e estabelecendo as diversas relações existentes no

mundo, sejam elas de ordem cultural e social, entre outras. De acordo com Oliveira,

Os sistemas de representações da realidade − e a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos − são, portanto, socialmente dados. É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo (Oliveira, 1993, p.36)

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Entendendo o homem como ser social, histórico e cultural, Vygotsky aborda a

importância das relações sociais no desenvolvimento do indivíduo e considera a

linguagem como formadora do pensamento e da consciência. Ele considera também

que todo o comportamento humano é produzido por intermédio de signos.

Além de Vygotsky, baseamo-nos também na concepção de compreensão da

linguagem responsiva e ativa de Bakhtin.

A verdadeira substância da língua não é construída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da intervenção verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1999, p. 123).

A palavra só tem significado na relação dialógica quando está inserida no

contexto de produção do enunciado e de interação dos aspectos sociais e históricos.

Nesta concepção, a linguagem só provoca efeito quando promove a interação entre

os indivíduos envolvidos em uma prática social, ou seja, quando a língua passa a

ser um instrumento de interação verbal: quem fala, fala para alguém ouvir; quem lê,

lê para compreender, interpretar algo e quem escreve, escreve seus conhecimentos,

discute ou propõe algo para alguém ou um determinado grupo social.

Para definir estratégias de interação e conduzir o educando ao

desenvolvimento da aprendizagem e ao seu aprimoramento quanto aos

conhecimentos linguísticos e discursivos, baseamo-nos nas seguintes formulações.

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Língua Portuguesa (2008), a

linguagem é um fenômeno social, de interação e, por isso, os aspectos sociais e

históricos em que o sujeito está inserido devem ser considerados. Cabe ao professor

proporcionar ao educando a prática da leitura, a reflexão e discussão de textos

diversificados e, ao mesmo tempo, tentar integrar a linguagem verbal com outros

tipos de linguagem.

Em seu estudo sobre Vygotsky, Oliveira afirma: “a interação entre indivíduos

particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser humano”

(Oliveira, 1993, p.38). Por isso, é importante utilizar diversos gêneros textuais como

forma de dialogar e estabelecer relações de sentidos entre os textos.

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Para Bakhtin (1992, p.354) “[...] mesmo enunciados separados um do outro

no tempo e no espaço e que nada sabem um do outro, se confrontados no plano de

sentido, revelarão relações dialógicas.” Dessa forma, o texto apresenta um caráter

responsivo diante de outros textos, estabelecendo com eles relações dialógicas.

Entendendo, com base nisso, que o conto se apresenta como um texto

atraente, receptivo, reflexivo e capaz de dialogar com outros gêneros textuais, o

elegemos como o foco do nosso trabalho para a formação de leitores. Para tanto,

baseamo-nos na seguinte definição de Bosi:

O conto cumpre a seu modo o destino da ficção contemporânea. Posto entre as exigências da narração realista, os apelos da fantasia e as seduções do jogo verbal, ele tem assumido formas de surpreendente variedade. Ora é o quase – documento folclórico, ora a quase – crônica da vida urbana, ora o quase drama – do cotidiano burguês, ora o quase – poema do imaginário às soltas, ora, enfim, grafia brilhante e preciosa votada às festas da linguagem (BOSI, 2006, p.7).

A leitura é um processo interativo que se realiza por meio da recepção e a

compreensão do texto é concretizada quando o leitor utiliza seus conhecimentos

prévios para ler. Na visão de Kleiman (2004, p.13), “é mediante a interação de

diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o

conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.” O leitor

utiliza na leitura o seu conhecimento adquirido ao longo da vida, porque sem o

engajamento desse conhecimento com o ato de ler não haverá compreensão. Cabe

ao professor propor atividades que desenvolvam a interação e o gosto pela leitura,

tornando o ato de ler um hábito cotidiano.

Conforme as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008), a leitura é

vista como um ato dialógico e interativo. Um bom leitor é aquele que age como um

coprodutor que formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões e utiliza

estratégias de acordo com o seu conhecimento linguístico, suas experiências e sua

vivência sociocultural. Por isso, uma leitura significativa depende do entrosamento

entre leitor, autor e texto. De acordo com Souza (2003, p. 211), o leitor possui várias

crenças, que vão desde ideologias pessoais até autoconceito e intenções, as quais

interferem na forma como ele interpreta um determinado texto. Atentando para os

estudos de Schraw & Bruning (1996), citados no trabalho de Souza (in Gimenez,

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2003), cada leitor traz uma epistemologia do texto, ou seja, um modelo mental de

leitura, que é utilizado em sua mediação com o autor e o texto. Para os autores, há

três diferentes modelos mentais relacionados ao processo de leitura: o de

transmissão, em que o leitor é apenas um receptor passivo das informações; o de

tradução, em que o leitor decodifica a mensagem sem apresentar suas experiências

próprias de conhecimento ou as possíveis intenções do autor, e o modelo

transacional, em que a leitura é baseada no conhecimento prévio do assunto do

texto, nas experiências anteriores de leitura e em objetivos situacionais. Neste

último, a leitura é mais subjetiva e são utilizados objetivos e propósitos pessoais no

âmbito de um contexto específico. Para os autores, as dificuldades de leitura

ocorrem porque muitos leitores têm uma crença centrada somente no autor/texto.

Isso se dá pela falta de experiência com leitura crítica, pelo medo de discordar da

interpretação privilegiada pelo professor e pela convicção de que os modelos de

transmissão e tradução serão mais aprovados no contexto de sala de aula. Em

geral, os leitores mais apegados aos modelos de transmissão/tradução apresentam

pouca criticidade em relação ao texto. Já os que adotam o modelo transacional têm

maior facilidade em relacionar a informação textual com o conhecimento prévio,

demonstram ter maior criticidade e sabem argumentar melhor na discussão do texto.

Nas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008, p. 56) consta que

“... a leitura deve ser um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais,

históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado

momento.” Por isso, em nossa proposta de trabalho com a leitura, enfatizando a

linguagem viva, dialógica, dinâmica e constantemente reflexiva e produtiva, foram

utilizados diversos gêneros textuais.

Na tentativa de tornar o aluno um leitor competente e autônomo, estudamos a

linguagem de uma perspectiva sócio-interacionista e estivemos atentos a diferentes

concepções e estratégias de leitura. De acordo com Castela (2010, p. 202), a visão

ascendente de leitura é aquela em que o leitor, com base em um processo de

decodificação, vai retirando informações do texto. O significado do todo é construído

por meio de análise e síntese das partes menores e sequenciais (palavras, frases,

parágrafos) do texto. Na visão descendente ou psicolinguística, centrada nos

aspectos cognitivos, os sentidos se constroem por meio dos conhecimentos prévios

linguísticos, textuais e enciclopédicos do leitor. Por meio da leitura

ascendente/descendente, chega-se a uma ação interacionista ou interativa em que

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se consideram tanto as informações verbais ou não verbais presentes no texto

quanto, por exemplo, o conhecimento prévio do leitor. Neste caso, são considerados

alguns tipos de interação, como o que ocorre entre os processos de informação,

leitor-autor, leitor-texto, entre os diferentes tipos de conhecimento e entre um leitor e

outro. Ainda, segundo Castela (2010, p. 204), para que o aluno corresponda ao

conceito idealizado de leitor, precisa de informações sobre o autor, o contexto sócio-

histórico, cultural, ideológico e pragmático do texto. Também é necessário dominar a

linguagem, o gênero discursivo e o conhecimento partilhado pelo grupo que produz

e lê esse determinado texto. Nesse sentido, a leitura passa a ser de ordem coletiva,

dialógica, interlocutiva e social.

2.1 A concepção de leitura no ambiente escolar

Como já foi afirmado, para uma grande parte dos alunos, tanto do Ensino

Fundamental quanto do Médio, é muito difícil ler e escrever determinados textos.

Isso porque eles não se sentem motivados, não mostram interesse pela leitura e,

quando lêem, são apenas decodificadores de palavras. Grande parte dos

professores, por sua vez, propõe atividades limitadas à decodificação e à avaliação

dos conhecimentos, sem lançar mão de atividades críticas e cognitivas nas quais se

leve em consideração o conhecimento de mundo do próprio aluno. Por isso, é

necessário que o professor conheça e utilize estratégias de leitura que a torne

significativa e interacional. A leitura exige motivação e estratégias. De acordo com

Solé,

O problema do ensino de leitura na escola não se situa no nível do método, mas na própria conceitualização do que é a leitura, da forma em que é avaliada pelas equipes de professores, do papel que ocupa no Projeto Curricular da Escola, dos meios que se arbitram para favorecê-la e; naturalmente, das propostas metodológicas que se adotam para ensiná-la. (SOLÉ, 1998, p.33)

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A preocupação com os aspectos metodológicos, mesmo que estes sejam

construtivos, não é suficiente para uma leitura eficaz, porque resultaria somente em

uma assimilação. Faltaria analisar os aspectos de compreensão e estratégias que

facilitam a leitura.

Muitos professores trabalham a linguagem continuamente e as atividades que

eles propõem para a leitura são: ler em voz alta, cada aluno lê um fragmento

enquanto os outros “acompanham” em seu próprio livro, responder questões

(geralmente formuladas pelo professor) relacionadas aos aspectos de sintaxe,

morfologia, ortografia, vocabulário e compreensão do texto. Nesta proposta de

trabalho, os alunos limitam-se a ler o texto, responder algumas perguntas contidas

nos manuais e guias didáticos ou formuladas pelos professores. Este procedimento,

segundo a autora, não colabora para a evolução da leitura, pois limita-se às

habilidades de decodificação.

As estratégias de leitura são procedimentos que facilitam o trabalho com a

compreensão e a interpretação de textos escritos. As principais são: definição do

objetivo da leitura, atualização de conhecimentos prévios, previsão, inferência e

resumo (SOLÉ, 1998, p.72). A leitura é um processo complexo e não há um método

específico para se ensinar a ler. Aprender a ler é aproveitar o que os textos trazem

para transformar o nosso próprio conhecimento, agir com prontidão perante o texto,

questionar-se a respeito da própria compreensão, interagir e, assim, começar a

pensar de outra maneira.

De acordo com Buzzo (1998), para que o aluno crie o hábito da leitura e

desenvolva o raciocínio crítico, o professor pode desenvolver aulas de leitura sócio-

interativa, valorizando o desenvolvimento da competência responsiva e ativa. Não

basta decodificar os signos linguísticos ou interpretar as palavras de um autor; é

necessário promover uma interação entre os dois sujeitos por meio do texto. A

leitura assume também características próprias, conforme os diferentes grupos

sociais: “... não é apenas uma atividade cognitiva, mas, sobretudo uma prática

cultural” (Buzzo, 1998, p.58). Considerando-se a interação dialógica, o discurso não

é considerado simplesmente uma construção do autor; o leitor, no ato da leitura,

também contribui para sua elaboração, seja compreendendo-o, posicionando-se,

acrescentando, concordando ou discordando daquilo que o texto apresenta. Por

isso, para ir além das atividades do livro didático, pode-se acrescentar o diário de

leitura dos alunos. A autora afirma que, na inter-relação da leitura e escrita, o aluno

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pode se apropriar das diferentes formas de dizer produzidas na sociedade. Portanto,

essa é uma opção importante para o ensino de leitura e de produção de texto.

É necessário conscientizar sobre a importância da leitura, mas de todo o tipo

de leitura. O estudo deve contemplar os diversos gêneros do discurso, os quais

podem ser adaptados, transformados, renovados, multiplicados ou até mesmo

criados, segundo a necessidade que o homem tem de se comunicar com o outro:

“todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”

(BAKHTIN, 1992, p.261). O professor não pode se limitar ao livro didático; deve

ensinar de uma maneira que o aluno possa entender, compartilhar e interagir por

meio de seu saber.

Ao escolher o texto, é necessário verificar se ele atrai, se expressa algo que

seja do interesse do leitor. Neste sentido, por sua forma breve, concisa e

concentrada, o conto apresenta-se como um gênero cativante que está de acordo

com a realidade do aluno, provocando nele pensamentos e emoções. Ao trazer uma

linguagem rica que atrai a atenção e o interesse, pode ocasionar a interação entre o

autor e o leitor, bem como a apropriação do sentido do texto. Assim, aos poucos, a

leitura de contos deve introduzir valores que não são do conhecimento do aluno e

não deve ser algo imposto e cansativo. Se o hábito da leitura estivesse presente no

cotidiano das pessoas e, se estas realmente soubessem ler de forma crítica e

atuante, não seriam tão facilmente iludidas, as crianças teriam mais interesse pelo

estudo e este seria uma forma de ascensão não apenas social, mas também

pessoal.

2.2 Gêneros textuais e sua importância para a compreensão e produção de

textos

Os gêneros textuais estão diretamente relacionados à linguagem e são

fenômenos históricos, culturais e sociais em constante transformação. Embora

apresentem uma identidade, ao mesmo tempo em que estabelecem padrões,

também oferecem oportunidades para escolhas, estilos, variação e criatividade.

Segundo Marcuschi, os gêneros textuais:

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[...] contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita (2005, p.19).

Antigamente, em povos de cultura oral, o número de gêneros era limitado,

mas, com o aparecimento da escrita alfabética e o florescimento da imprensa, esse

número se ampliou. Atualmente, com a explosão da cultura eletrônica (TV, rádio,

telefone, computador, internet e muitos outros), os gêneros se multiplicaram ou

modificaram; alguns desapareceram e outros surgiram repentinamente. Os gêneros

que vão surgindo não são totalmente inovadores, pois criaram-se com referência

nos já existentes; por terem como elemento comum a linguagem, acabam

aproximando cada vez mais a linguagem oral da escrita.

Para Marcuschi, a comunicação verbal só é possível pela existência de algum

gênero textual. Outros autores também defendem essa teoria porque trabalham a

língua em seus aspectos discursivos e enunciativos e não somente em suas

particularidades formais. Entendendo a língua como uma atividade social, histórica e

cognitiva, esses autores privilegiam a questão funcional e interativa, mas não

desprezam os aspectos formal e estrutural da língua, pois estes são os elementos

organizadores do texto e, muitas vezes, determinam o gênero em questão.

Os grandes suportes tecnológicos da comunicação (rádio, jornal, TV, internet,

etc.) por terem uma presença marcante e estarem sempre atuando nas atividades

comunicativas da sociedade, ajudam a criar gêneros novos bastante característicos

e possibilitam as novas formas discursivas. É o caso dos editoriais, dos artigos de

fundo, das notícias, dos telefonemas, dos telegramas, das telemensagens,

teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-

mails), dos bate-papos virtuais (chats) e outros.

É necessário fazer uma distinção entre gênero e tipo textual para trabalhar

com a compreensão e a produção de textos.

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Conforme Marcuschi (2005, pp22-23), o gênero textual é utilizado como uma

noção vaga para se referir aos diferentes textos que encontramos em nossa vida

diária, os quais apresentam características sócio-comunicativas definidas por

conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Dentre a

variedade de gêneros textuais, podemos mencionar alguns exemplos: telefonema,

sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística,

aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita

culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de

uso, outdoor, etc..

Já a expressão tipo textual, é usada para designar uma espécie de sequência

teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos

lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, representam as

poucas categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição,

descrição, injunção.

2.2.1 O gênero textual conto

O papel da escola é colocar as crianças e os jovens em contato com as boas

obras literárias, levando-os intencionalmente a expandir suas experiências de leitura

e escrita. Por isso, entendendo que essa seria uma forma de envolver os alunos,

despertando o interesse pela leitura, utilizamos um conto adequado à faixa etária

deles.

De acordo com os estudos de Araújo (2007), o conto surgiu com a civilização

humana, pois as pessoas sempre tiveram o hábito de contar histórias reais ou

fabulosas, de modo oral ou escrito. O conto se caracteriza por uma linguagem

simples, direta, acessível e dinâmica; embora o fato nele representado possa ser

inusitado, poderia acontecer na vida das pessoas.

No Brasil, como narrativa oral, o conto foi trazido pelos portugueses, com as

chamadas “estórias de trancoso”; como narrativa escrita, surgiu no início do

Romantismo, embora os escritores românticos brasileiros não tenham se destacado

por produzir esse tipo de texto. O primeiro grande contista brasileiro, Machado de

Assis, surgiu no início do realismo.

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Podemos considerar o conto (do latim contare: falar) como uma narrativa

breve de um fato autêntico ou romanesco. Sua característica central é condensar

conflitos, temas e espaço. Desenrolando-se com poucas personagens, apresenta

apenas um drama, privilegia o diálogo e possui uma linguagem objetiva. Embora

seja uma narrativa de tipo tradicional, isto é, já adotada por muitos autores nos

séculos XVI e XVII, como Cervantes e Voltaire, adquiriu características diferentes

como a de deixar de lado a intenção moralizante e adotar o fantástico ou o

psicológico para elaborar o enredo. (Gancho, 1999, p.8). Assim, esse gênero é muito

apreciado por autores e leitores atuais. Mediante a leitura do conto, podemos

facilitar a interação de nossos leitores, levando-os ao descobrimento de diferentes

tempos e ambientes e de diversas maneiras de pensar, ser e agir.

Araújo (2007), menciona algumas características que podem facilitar a

identificar ou produzir um conto. São elas:

• A narrativa é linear e curta, tanto na extensão do texto quanto no tempo em

que a ação ocorre.

• A linguagem é simples e direta, não sendo utilizadas muitas figuras de

linguagem ou de expressões com pluralidade de sentidos.

• Todas as ações se encaminham diretamente para o desfecho.

• Envolve poucas personagens, e as que existem se movimentam em torno

de uma única ação.

• As ações se passam em um só espaço, constituem um só eixo temático e

um só conflito.

• São usadas muitas alusões ou sugestões, por isso a habilidade com as

palavras é muito importante.

Assim, entendemos que, por apresentar essas características, aguçar a

curiosidade e favorecer a interação leitor-autor-texto, o conto é um gênero textual

privilegiado, cuja utilização é necessária no trabalho com a leitura e a escrita.

2.2.2 O surgimento das narrativas maravilhosas

Segundo Coelho (1991), desde a origem dos tempos, o homem vem sentindo

a presença de poderes maiores que a sua vontade e de mistérios que sua mente

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não consegue explicar ou compreender. A ciência tentou explicar de forma definitiva

esses fenômenos, mas, atualmente, tem sido levada a reconsiderar o sobrenatural,

a aceitar o mistério e a buscar um novo sentido para a transcendência. No campo da

literatura, percebe-se o interesse dos leitores por histórias de ficção científica, de

super-heróis, de máquinas “mágicas”, ou seja, o “maravilhoso” volta a ser um de

seus focos mais importantes. “O maravilhoso, o imaginário, o onírico, o fantástico...

deixaram de ser vistos como pura fantasia ou mentira, para ser tratados como portas

que se abrem para determinadas verdades humanas.” (Coelho, 1991, p.9). Para

abrandar o desejo permanente de saber e de dominar a vida, surgem as narrativas

populares. Assim, forma-se uma heterogênea matéria narrativa. Todas essas formas

de narrar surgiram entre os povos antigos e foram sendo transformadas,

acrescentadas, confundidas, espalhadas por todo o mundo e estão vivas até hoje

nos livros, na memória, nas rodas de histórias, etc.

O conto maravilhoso faz parte da Literatura Popular e da Literatura Infantil.

Por meio dele, guardamos na memória heróis, vilões, objetos mágicos e forças

sobrenaturais. As personagens deslocam-se, contrariam as leis da gravidade,

sofrem metamorfoses, defrontam-se com as forças do bem e do mal, enfrentam

profecias que se cumprem, são favorecidas com milagres e convivem com

fenômenos que desafiam as leis da lógica.( Coelho, 2010, p.172).

Nesta linha, duas formas de narrativas se destacam, tanto por sua perenidade

quanto por terem sido produzidas em muitos lugares: os Contos de Fadas e os

Contos Maravilhosos. É importante diferenciá-las, seja por suas fontes seja por seus

enfoques.

2.2.3 Diferenças entre Conto de Fadas e Conto Maravilhoso

De acordo com Coelho (1991, pp.12-14), o Conto de Fadas é de origem celta

e expressa a luta do eu, em um ponto de vista existencial. Em geral, a ação gira em

torno da relação homem x mulher. Já os Contos Maravilhosos mencionam as

realizações no plano material e profissional, ou seja, realizações externas, de nível

social.

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Também chamados de Contos da Carochinha, os Contos de Fadas surgiram

no Brasil e em Portugal no final do século XIX, e nem sempre sua ação se refere a

fadas, como sugere o nome. A história se desenvolve no âmbito da magia feérica

(reis, rainhas, príncipes, bruxas, gigantes, anões, animais, objetos mágicos, tempo e

espaço fora da realidade conhecida, etc.), apresentando sempre uma problemática

existencial. O desígnio do herói ou da heroína é atingir objetivos intimamente ligados

à união homem-mulher; para atingi-los, de forma a alcançar a auto-realização, eles

precisam vencer obstáculos ou provas. Em sua estrutura básica, um conto de fadas

é uma narrativa curta, dotada de tempo, espaço, clímax, enredo e com número

reduzido de personagens.

Os contos maravilhosos surgiram das narrativas orientais e destacam a parte

material, sensorial e ética do ser humano. O herói ou anti-herói encontra a auto-

realização na conquista de bens e de poder material, sendo que o desejo dessa

conquista surge quando ele se encontra em uma situação de miséria ou de

necessidade de sobrevivência física.

Geralmente o conto é definido por sua extensão, ou seja, por ser uma

narrativa menor do que o romance e a novela; mas não é apenas isso que o

diferencia das outras formas narrativas, ele possui outras características estruturais

próprias. “Ao invés de representar o desenvolvimento ou o corte na vida das

personagens, visando a abarcar a totalidade, o conto aparece como amostragem,

como um flagrante ou instantâneo, pelo que vemos registrado literariamente, um

episódio singular e representativo” (SOARES, 2000, p.54). Caracterizando-se como

uma unidade acabada, a narrativa se restringe ao essencial; quanto mais

concentrado, maior será a harmonização dos elementos selecionados.

Em razão das mensagens construtivas trazidas pelos contos, os jovens e as

crianças podem construir concepções positivas para a sua vida. Ou seja, a leitura de

contos é importante para a formação de leitores mais reflexivos e críticos.

2.2.4 O conto maravilhoso como estímulo à leitura

Conforme as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008. p.57), a

leitura deve ter uma dimensão dialógica. Desde a alfabetização, à medida que ouve

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ou lê uma história, sendo capaz de comentá-la, fazer perguntas, duvidar ou discuti-la

a criança realiza uma interação verbal. Para Bakhtin (1992), quando ideias e

pensamentos se confrontam com os textos, há uma interação de natureza coletiva e

social. Pode-se afirmar assim que a linguagem é constitutiva, pois o sujeito constrói

seu pensamento com base no pensamento do outro. Ou seja, a linguagem é

dialógica. Para Bakhtin:

A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar de um diálogo: interrogar, escutar, responder, concordar, etc. Neste diálogo, o homem participa todo e com toda a sua vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com as suas ações. Ele se põe todo na palavra e esta palavra entra no tecido dialógico da existência humana, no simpósio universal. (BAKHTIN, 1992, p.112)

Considerando a natureza interativo-social e dialógica da linguagem,

utilizamos o conto maravilhoso como uma estratégia para trabalhar a leitura no nível

existencial, social e cultural do educando.

Na visão de Bettelheim (2008), a criança, como está em fase de

desenvolvimento, precisa ser orientada a encontrar significado na vida para poder

entender melhor a si e aos outros e tornar seu relacionamento social mais

satisfatório e significativo. Como professores, quando utilizamos recursos corretos

que enriqueçam as emoções, imaginação e intelecto do aluno, contribuímos

positivamente para sua formação. A literatura é um dos recursos que favorece o

desenvolvimento da mente e da personalidade da criança. No entanto, na escola, o

trabalho literário está muitas vezes mais voltado às habilidades necessárias à leitura

do que à compreensão do significado do texto e isso não contribui para que a

criança seja estimulada a lidar com seus difíceis problemas íntimos. Para

Bettelheim, a “literatura infantil” procura divertir e informar, porém, muitos livros não

trazem quase nada significativo: além de serem ineficientes para desenvolver as

habilidades de leitura, não acrescentam algo relevante à vida da criança. Para ele,

as histórias que a criança escuta ou lê devem ser expressivas, surtir significado,

prender sua atenção, entreter e despertar sua curiosidade.

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Contudo, para enriquecer a sua vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar em harmonia com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. (Bettelheim, 2008, p.11)

No conjunto da literatura infantil, o conto de fadas popular é enriquecedor e

satisfatório tanto para a criança quanto para o adulto; ele nos dá subsídios para

entender os problemas íntimos dos seres humanos e para adotar soluções corretas

diante das dificuldades que aparecem na sociedade.

Para Coelho (2010), a partir dos 8/9 anos, o leitor entrelaça o significado

pessoal de suas leituras de mundo com os vários significados que ele encontra ao

longo da história de um livro: “... o texto começa a ter mais presença, interagindo

com a ilustração” (Coelho, 2010, p.208). Nessa idade, a criança tem mais condições

de refletir sobre temas mais complexos, de relacionar situações objetivas do dia a

dia com problemas subjetivos e de realizar reflexões de natureza interior, as quais

envolvem sentimentos, emoções, ideias, desejos e impulsos. Torna-se um leitor

mais amadurecido, crítico e os textos precisam ser diversificados para corresponder

aos seus interesses. Ele é capaz de analisar ilustrações mais simbólicas e

complexas.

Com o objetivo de envolver as subjetividades dos alunos para formar a

relação obra/autor/leitor, introduzimos a leitura de contos maravilhosos. A finalidade

foi discutir e analisar a estrutura, o conteúdo e os aspectos temáticos sociais

abordados nos textos.

2.3 O uso das novas tecnologias como instrumento para a leitura e análise de

contos

A constante transformação mundial implica o avanço das tecnologias de

informação e de comunicação, as quais, por sua vez, favorecem a sociedade na

tomada de novos rumos sociais, econômicos e culturais.

Segundo Stahl (1997), as novas tecnologias da informação estão sendo

aplicadas em muitas áreas da sociedade, configurando um novo contexto para a

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educação, em âmbito tanto social quanto tecnológico. Nesse novo contexto em que

a educação se diversifica, os estudantes precisam dominar novos conhecimentos e

novas formas de aprendizagem e os educadores precisam prepará-los para que

dominem as habilidades e ferramentas de pesquisa, exercitando-os nas novas

formas de comunicação e no trabalho coletivo. Como boa parte da educação terá

como aliados os computadores e as telecomunicações, os educadores precisam

saber manusear esses instrumentos tecnológicos para orientar os alunos sobre a

melhor forma de utilizá-los na obtenção de informações.

O componente tecnológico não pode ser ignorado no meio educacional. O

professor precisa selecionar e explorar as tecnologias adequadas ao processo de

ensino-aprendizagem e, por meio delas, pode não só facilitar as tarefas de ensino

como também melhorar a aprendizagem de seus alunos. Por isso, segundo a

autora, é necessário que, nos currículos escolares, sejam incluídas as habilidades e

competências adequadas para se trabalhar com as novas tecnologias,

especialmente porque os alunos já têm um estreito contato com computadores fora

da escola e a tendência é esse contato aumentar. O uso das novas tecnologias pode

se tornar um aliado dos professores e escolas que procuram despertar o interesse

dos educandos, de forma a prepará-los para atuar na sociedade moderna.

A sociedade atual passa por profundas mudanças, dentre as quais se observa

a valorização da informação. De acordo com Mercado (1998), a introdução das

novas tecnologias nos currículos escolares pode auxiliar o professor no

desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas que promovam os intercâmbios

de dados científicos e culturais de diferentes naturezas, na produção de textos em

língua estrangeira, na elaboração de jornais interescolas, na organização de

ambientes de aprendizagem centrados na atividade dos alunos, na promoção da

interação social e no desenvolvimento do espírito de colaboração e de autonomia

entre os alunos.

Um dos objetivos da educação é formar um profissional crítico, criativo,

reflexivo, que saiba trabalhar em grupo e se conhecer como indivíduo. Para isso,

não basta que o professor passe instruções; ele precisa trabalhar com o

desenvolvimento de novas competências, com a capacidade de inovar, de criar o

novo a partir do conhecido, de se adaptar ao novo, de adquirir autonomia e de se

comunicar. Para tanto, é imprescindível integrar o conhecimento das novas

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tecnologias no currículo, utilizando-as como ferramenta de mediação no processo

ensino-aprendizagem.

Embora se reconheçam as dificuldades de, pelos meios convencionais, se

preparar professores para utilizar adequadamente as novas tecnologias, é preciso

formá-los do mesmo modo que se espera que eles atuem (Mercado, 1998). Na nova

sociedade do conhecimento, é necessário que o educador seja comprometido com

as transformações sociais e políticas, com o projeto político pedagógico, tenha uma

sólida cultura geral, seja crítico e promova um ensino interativo, levando o aluno a se

desenvolver em todas as dimensões: cognitiva, afetiva, social, moral, física e

estética. A formação continuada também é importante porque dá condições para

que o professor construa conhecimentos sobre as novas tecnologias, entenda por

que e como integrá-las em sua prática pedagógica.

Para Chaves (2011), nos últimos anos, a leitura vem se tornando um hábito

cada vez maior em razão da explosão de novas tecnologias, como: telemóvel,

computador e Internet. A cada dia, as novas tecnologias invadem os lares e locais

de trabalho das pessoas, dando origem a novas formas de leitura e escrita,

colocando a escola diante da responsabilidade pelo ensino e aprendizagem de

novos gêneros textuais. Conforme a autora, como o computador, a internet e os

celulares invadem a vida das pessoas, tornando-se cada vez mais acessíveis a uma

grande parte da população, pode-se observar que houve mudanças nas formas de

leitura e de aprendizagem das pessoas. Na Internet, surgem novos textos, com

novas estruturas e novos elementos: além de palavras eles também são

acompanhados de imagens e sons. Novos gêneros textuais, marcados pela

agilidade, brevidade e uso de regras próprias, inserem-se na vida diária de

adolescentes e adultos, por meio dos blogs, fotoblogs, e-books, e-mails, lista de

discussões, chats, scraps e muitos outros. Portanto a escola não pode ignorar essas

mudanças.

Nesse contexto, novas formas de leitura e escrita estão sendo introduzidas no

meio social por intermédio dos aparelhos eletrônicos. Como explicita Soares:

É que estamos vivendo, hoje, a introdução, na sociedade, de novas e incipientes modalidades de práticas sociais de leitura e de escrita, propiciadas pelas recentes tecnologias de comunicação eletrônica ─ o computador, a rede (web), a Internet. (Soares, 2002, p.146).

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Com a introdução da tecnologia, estamos na era do letramento característico

da cibercultura, na qual grupos sociais ou indivíduos que têm o domínio da leitura e

da escrita estão habilitados a participar ativamente e competentemente, via online,

com outros grupos sociais ou com o mundo que os cerca. Isso determina que vários

modos de interação, atitudes, competências discursivas e cognitivas estabeleçam

seu estado ou condição na sociedade letrada.

Dentre os novos elementos, instaura-se o hipertexto como uma nova forma de

leitura, na qual se pode começar a ler um texto, linkar para outro texto e ir

navegando para outros, sucessivamente. Segundo Lévy (1999), o hipertexto seria o

oposto a um texto linear. Ele o descreve como um texto estruturado em rede,

constituído por nós (elementos de informação, parágrafos, imagens, sequências

musicais) e por links entre esses nós (referências, notas, ponteiros, “botões”), os

quais indicam a passagem de um nó a outro. “Agora é um texto móvel,

caleidoscópico, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e desdobra-se à vontade

frente ao leitor.” (Lévy, 1999, p.56). O texto na tela não apresenta uma ordem

predefinida. Ao passo que o texto escrito no papel segue a ordem linear, sequencial,

da esquerda para a direita, de cima para baixo, uma página após outra, o hipertexto

é escrito e lido de forma multilinear e, multisequencial, caracterizando-se com uma

multiplicidade de possibilidades. No hipertexto, o leitor não tem uma dimensão e um

lugar definido para parar: um texto o lança para novos textos, criando um novo tom

de oralidade e emoção. Ainda que o livro seja o instrumento mais acessível, temos

que estar abertos a todas as formas de leitura. Nesse sentido, é importante trazer

para o ambiente escolar os diversos gêneros textuais e os hipertextos, dando a

oportunidade para que os alunos também reflitam sobre os mesmos.

A Internet e o computador colaboram para a aprendizagem da língua;

tornando a aula mais diversificada, podem motivar os alunos, fazer com que eles

ampliem seus conhecimentos. Para isso é necessário que eles estejam integrados

aos novos conhecimentos adquiridos com a leitura, aos conhecimentos prévios, aos

objetivos e ao tipo de leitura realizada.

A internet oferece muitos dados e leitura de boa qualidade. Muitos livros,

dentre eles, os de contos, estão disponíveis nesse meio de comunicação. Assim, as

novas tecnologias tornam-se indispensáveis para o estímulo à leitura e para a

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inovação nas formas de leitura e escrita, ou seja, no processo de ensino-

aprendizagem, a escola necessita desses novos textos. Utilizando as novas

tecnologias no ensino da leitura e da escrita do gênero textual “conto”, procuramos

aguçar a curiosidade dos alunos, incentivar e aprimorar seu conhecimento, com a

finalidade de torná-los leitores e escritores autônomos e competentes.

3 METODOLOGIA

Reunindo a teoria pesquisada à prática, as atividades foram propostas com

base na ideia da leitura como interação, apoiando-se em três eixos fundamentais:

oralidade, leitura e escrita, ou seja, compreensão, interpretação e produção textual.

Para que houvesse a apropriação do conhecimento e o estudo se tornasse mais

significativo, o trabalho didático foi dividido em três módulos, os quais foram

desenvolvidos por meio de atividades metodológicas diversificadas: apresentação do

projeto de intervenção aos alunos estimulando a participação de todos; sondagem

sobre as dificuldades, hábitos e preferências a respeito da leitura e da escrita;

levantamento do conhecimento prévio sobre o tema proposto; pesquisa na Internet

sobre a biografia dos autores e os contos escolhidos; leitura, compreensão e

interpretação das narrativas, estudo da estrutura, da temática e dos elementos que

compõem as narrativas; produção de textos no gênero narrativo de acordo com a

compreensão do texto lido e estudado; reestruturação e reescrita do conto com

alteração do final; organização de uma coletânea de contos produzidos pelos alunos

e afixação no mural da escola. Foram desenvolvidas atividades individuais e

coletivas e o professor atuou como mediador das questões propostas e,

desenvolvendo metodologias diversificadas, partiu do conhecimento prévio para a

realização de inferências e levantamento de hipóteses.

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3.1 Descrição das Atividades

Quanto ao módulo I, por meio da oralidade, foi feita uma sondagem inicial dos

conhecimentos prévios relacionados à leitura. Começando pela análise da pintura

Study for ‘Romans Parisiens’ de Vincent Van Gogh, foi estabelecida uma interação

com o vídeo de Ricardo Azevedo, no qual este aborda a importância do ato de ler.

Nesse momento, os alunos puderam comentar suas dificuldades, hábitos e

preferências de leitura. Em seguida, realizou-se a atividade com o “diário de leitura”.

Cada aluno providenciou um caderno para anotar todas as leituras que fez durante

quinze dias − livros, revistas, jornais, gibis, outdoors e outros − e delas registrar um

breve comentário. O professor, por sua vez, encarregou-se de estimular os alunos,

comentando a importância dessa atividade, lembrando-os de fazer suas anotações.

No final de cada quinzena, avaliou e deu um parecer no diário de cada aluno.

Como já foi mencionado, dentre os diversos gêneros textuais, o escolhido

para este trabalho foi o conto. Como sua característica principal é o ato de narrar,

contar, a próxima proposta organizou-se por meio de contação de histórias.

Previamente, o professor pediu para cada aluno relembrar uma história interessante

que já tivesse lido ou ouvido dos pais, avós ou amigos. Em seguida, foram

organizadas equipes de cinco alunos, no interior da qual estes contaram as histórias

que lembraram. Ao final, cada equipe escolheu a melhor que seria narrada para os

demais alunos da sala, e indicou um contador para representar a equipe. O desafio

era contar de uma maneira que provocasse a curiosidade e o interesse dos demais.

Nessa fase, foi formado um círculo e o professor narrou um conto, utilizando a

técnica da contação de histórias. Em seguida, solicitou que o representante de cada

equipe contasse a história escolhida; um aluno ficou encarregado de anotar o nome

do texto contado e do contador. Logo após, a turma escolheu a história que mais

chamou a atenção e o melhor contador. No final, partindo dos textos narrados pelos

alunos, o professor explorou a definição, os elementos e as características da

narrativa e, atentando exclusivamente para o conto maravilhoso, falou sobre a

origem, o conceito e as principais características de tal gênero. Para que a

apreensão dos conteúdos deixasse de ser teórica e se tornasse prática, foram

distribuídos dois textos dessa categoria para cada dupla. Foi solicitado que os

alunos identificassem seus elementos e suas características e, conforme as foram

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apontando, o professor encarregou-se de explicar os aspectos fundamentais do

gênero.

Em seguida, a sala foi dividida em três equipes, cada uma das quais ficou

responsável pela pesquisa sobre a vida, as características e a obra dos autores dos

contos estudados. Posteriormente, os alunos expuseram oralmente o conteúdo

pesquisado atentando-se para as referências e sempre citando a fonte pesquisada.

Para que a atividade didático-pedagógica fosse mais diversificada, foram

utilizadas as novas tecnologias como instrumento para a leitura e análise dos

contos. Após ativar o conhecimento prévio e inferir hipóteses, os alunos foram

levados à sala de informática e leram, na Internet, o conto “Pequeno Polegar” de

Charles Perrault. Após a leitura do texto, fez-se um breve comentário sobre o

enredo, sendo verificado se as expectativas e as hipóteses dos alunos se

confirmavam. Em seguida, foram executadas as atividades de compreensão e de

interpretação, observando-se a estrutura, o conteúdo e os elementos da narrativa.

Ao término da atividade, os alunos pesquisaram as várias versões desse conto na

Internet e, contando seus resultados para os colegas, aprofundaram ainda mais o

trabalho com a leitura.

No módulo II, a utilização de um novo conto foi precedida do levantamento de

hipóteses e da exploração das expectativas a respeito do título, do tema e do

assunto. Em seguida, foi apresentado o texto impresso “A Bela e a Fera” dos irmãos

Jacob e Wilhelm Grimm, e os alunos realizaram uma leitura silenciosa e

compartilhada: cada aluno leu uma parte do texto e, logo após, foram efetuadas

atividades de compreensão e interpretação.

Nossa perspectiva foi a de utilizar a intertextualidade no ensino-aprendizagem

de leitura e produção escrita, em pleno acordo com a visão de Bakthin (1992, p.354),

quando afirma que, ”mesmo enunciados separados um do outro no tempo e no

espaço e que nada sabem um do outro, se confrontados no plano de sentido,

revelarão relações dialógicas”. Com base nisso, propusemos a leitura comparativa

do texto “A Bela e a Fera” com a música “Eduardo e Mônica” do compositor Renato

Russo, levando o aluno a refletir sobre semelhanças e diferenças quanto à época, a

estrutura, a linguagem e a temática abordada nos textos.

Tendo assistido ao filme “A Bela e a Fera”, a próxima etapa foi trabalhar com

sinopses. Num primeiro momento, os alunos pesquisaram a definição desse termo

no dicionário, leram sinopses dos filmes Avatar, Alice no País das Maravilhas e as

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Crônicas de Nárnia III e depois, em dupla, elaboraram e ilustraram a sinopse do

filme “A Bela e a Fera”, com o objetivo de incentivar os demais colegas a assistir ao

filme. Ao término da atividade, foi preparado um cartaz com as produções dos

alunos para ser exposto no mural da escola.

No módulo III, começando pelos comentários sobre a vida e a característica

da obra do autor Hans Christian Andersen, foi utilizado o conto “A menina dos

fósforos”. Os alunos foram instigados a pensar sobre o título e o tema e também a

fazer previsões sobre o assunto e as ações da personagem. Em seguida, fez-se a

leitura silenciosa e em voz alta do texto, de forma a confirmar ou refutar as predições

e as informações consideradas relevantes pelos alunos.

Uma das estratégias para a compreensão e a interpretação do texto é instigar

o próprio aluno a elaborar questões referentes a esse texto. Assim, foram formadas

equipes de três integrantes: cada uma delas ficou encarregada de formular seis

questões com respostas, depois uma questionou a outra por meio das perguntas

formuladas e assim alternadamente. Ao término da atividade, houve a troca de

ideias a respeito do tema com perguntas formuladas pelo professor.

Depois de pesquisar em livros, jornais, revistas ou na Internet assuntos

referentes aos “Direitos da criança”, os alunos fizeram a exposição dos textos

pesquisados em forma de leitura e comentários.

Com base em alguns exercícios de observação atenta dos tipos de

narradores e das marcas que definiam a mudança de narração da 3ª para 1ª

pessoa, os alunos produziram um texto, cujo objetivo era recontar a história de “A

menina dos fósforos” na visão da personagem, alterando o final e inventando uma

ilustração. Os textos produzidos pelos alunos foram reunidos e afixados no mural da

escola.

3.2 Resultados

Tendo analisado a pintura de Van Gogh e assistido ao vídeo de Ricardo

Azevedo sobre a importância da leitura e sobre como adquirir esse hábito desde a

infância, os debates e comentários foram se desenvolvendo e os alunos expuseram

ativamente suas opiniões e contribuições. Verificou-se que as respostas foram

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diversificadas. O que mais chamou a atenção foi que a maioria dos alunos

demonstrou ter consciência da importância da leitura, porém poucos afirmaram que

fazem dela um hábito cotidiano. Muitos responderam que só realizam essa atividade

quando são obrigados. Os pais e professores são os que mais os estimulam a ler e

o gênero textual mais requisitado por eles são as histórias em quadrinhos. Muitos

não vão à biblioteca para fazer empréstimos de livros por iniciativa própria, só o

fazem quando são instados a fazer alguma pesquisa ou quando a professora pede

algum trabalho com livros de literatura. Quando se dispõem a ler livros, procuram as

histórias de terror, humor ou romance, por considerá-las mais interessantes. Quando

foi sugerido o “Diário de leitura” e explicada sua função, os alunos logo trataram de

providenciar o material para a execução da atividade e, durante algumas aulas,

faziam comentários com entusiasmo sobre as leituras que mais lhes chamavam a

atenção. Percebeu-se que essa ação foi se tornando contínua, satisfatória e

prazerosa, já que gradativamente foi aumentando o número de participantes.

A “Contação de histórias” foi uma atividade muito gratificante que provocou a

atenção e o desejo de contar e ouvir histórias. Alguns alunos, ao fazer o papel de

contadores, dramatizavam, faziam suspense, emocionavam-se e prendiam a

atenção dos ouvintes, destacando-se na arte de contar as histórias. Os alunos

tiveram a oportunidade de comentar, debater e expressar suas opiniões a respeito

do tema e em alguns momentos se emocionar com as histórias contadas.

Nas pesquisas sobre os autores dos contos, de acordo com os dados

apresentados pelos alunos, uma informação foi complementando a outra, tornando o

assunto mais enriquecedor. Com a utilização do laboratório de informática e a

leitura na tela do computador, algo novo para alguns alunos, percebeu-se uma

grande motivação e interação. O questionário elaborado pelo professor foi

respondido pelos alunos em sala, em duplas, por escrito, para a entrega do

professor. A dupla teve a oportunidade de dialogar sobre o assunto e realizar as

atividades em tempo hábil. Quanto à pesquisa a respeito dos contos na Internet, os

alunos acharam a atividade interessante e proveitosa ao perceber que os contos

apresentavam personagens, contextos, estruturas e enredos diferenciados sem

mudar a essência.

No estudo comparativo entre o conto “A Bela e a Fera” e a música “Eduardo e

Mônica” e cujo intuito foi levar os alunos a perceber as relações existentes entre os

textos, foram analisados os aspectos estruturais, temporais, lingüísticos e temáticos.

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Os alunos foram cooperativos ao fazer comentários sobre a compreensão e a

interpretação dos enunciados, expor fatos ou experiências de vida conhecidas por

eles e emitir opiniões a respeito do tema. Depois de assistirem ao filme “A Bela e a

Fera”, foi elaborado um quadro comparativo sobre as semelhanças e as diferenças

entre o texto impresso e o filme. Com base na pesquisa sobre a definição e sobre

alguns exemplos de sinopse, eles produziram uma sinopse do filme. Em alguns

momentos, notou-se que grande parte dos alunos tinha dificuldade para organizar o

enredo. Com as intervenções da professora, eles foram orientados a revisar o texto,

a utilizar adequadamente as marcas lingüísticas que caracterizam o texto escrito, a

pontuação, o vocabulário, a sequência narrativa e as características do gênero em

questão. Tendo reestruturado o texto, os alunos o ilustraram, seja com desenhos

criados por eles seja com recorte e colagem de figuras relacionadas ao tema, e

elaboraram um cartaz para a apresentação do trabalho na sala e depois no mural da

escola.

No módulo III, durante a leitura do conto “A menina dos fósforos”, foram

selecionadas as informações relevantes e também analisadas as predições

anteriores à leitura. Após a elaboração das questões de compreensão e

interpretação, uma equipe questionou a outra, tornando a atividade mais agradável

de ser desenvolvida e possibilitando uma maior interação entre leitor e texto. Os

alunos apresentaram oralmente as respostas referentes ao tema, relatando histórias

reais semelhantes à da personagem principal e apresentando suas ideias e

opiniões. Os resultados das pesquisas a respeito do tema “Direitos da criança” foram

importantes, pois, com base neles, os alunos puderam, nos debates e comentários,

expor suas opiniões e argumentos com qualidade e consistência. Por fim, eles

efetuaram uma produção escrita, recontando o texto “A menina dos fósforos” na

visão da protagonista e inventando um final diferente para a história. Antes da

elaboração do texto, ao perceber que uma das maiores dificuldades seria

transformar a narrativa de 3ª para 1ª pessoa, foram realizadas atividades

relacionadas às marcas gramaticais da narração em 1ª pessoa, observando-se o

ponto de vista do narrador-personagem. Na fase da produção do texto, os alunos

demonstraram muita imaginação e criatividade, inventando novas histórias, novos

enredos, criando novos personagens, utilizando o diálogo e inventando um final

original. Na medida em que as dificuldades iam surgindo, trabalhavam-se conteúdos

como: paragrafação, concordância, pontuação, adequação vocabular, discurso

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direto, construção de personagens, sequência narrativa, estrutura do texto e outros.

Alguns alunos tiveram dificuldade em adequar a linguagem formal a determinadas

situações do texto, utilizando frequentemente as marcas da oralidade. Após um

trabalho a respeito do uso da linguagem formal ou informal, algumas expressões

foram revistas e reestruturadas a fim de que os alunos atentassem para estas

marcas e utilizassem adequadamente expressões próprias da língua escrita. Os

textos foram ilustrados e, depois de entregues à professora para as correções

necessárias, foram reestruturados pelos alunos. Com as leituras pesquisadas e a

temática analisada, comentada e debatida, a imaginação foi fluindo, alguns textos

foram mais criativos do que os outros, mas o entusiasmo foi geral. Embora alguns

alunos demonstrassem dificuldades para expor suas ideias e estruturar as frases,

todos apresentaram coerência e coesão, continuidade temática e linguagem

adequada. Os alunos expuseram seus textos em sala de aula com leituras e

dramatizações, depois montaram um cartaz e afixaram no mural da escola. A

atividade com a produção foi relevante porque, com a mediação da professora, as

dúvidas foram sanadas, os textos foram escritos com coerência e os alunos

mostraram-se muito participativos e criativos. Com a leitura e o estudo dos contos

maravilhosos percebeu-se que os alunos se encantam com esse gênero textual. As

estratégias de leitura foram eficientes, proporcionando aos educandos condições de

adquirir novos conhecimentos, aperfeiçoar a leitura e, por meio da reflexão e

imaginação, demonstrar, na escrita, sua capacidade crítica e criativa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho com a produção didática foi gratificante, já que os alunos

demonstraram grande interesse em realizar as atividades propostas. No estudo da

linguagem, por meio da leitura de contos maravilhosos, foram utilizadas várias

estratégias relevantes, tais como: a leitura compartilhada em voz alta, a contagem e

recontagem de histórias, as dramatizações, os debates, as discussões, as pesquisas

na internet e a interpretação de textos diversificados levando em conta a

intertextualidade e a produção escrita. Na exploração desse gênero textual, partindo

do princípio de que existe um diálogo interativo entre leitor e texto, procurou-se dar

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enfoque à unidade temática, à estrutura composicional e ao estilo. Isso permitiu que

o educando, conhecendo os elementos narrativos e os aspectos discursivos, fizesse

inferências, debates, refletisse e construísse relações dialógicas com outros textos.

Nas atividades realizadas, pautadas nas práticas da oralidade, leitura e escrita e

tendo em vista leitura como interação, foi dado destaque também aos

conhecimentos prévios dos alunos. O fato de trabalhar com atividades variadas e de

utilizar os recursos tecnológicos disponíveis na escola, contribuiu para que o ato de

ler não se restringisse a uma atividade mecânica e se tornasse prazeroso e

significativo. Ficou evidente que o conto maravilhoso é uma importante ferramenta

para iniciar os alunos no universo da leitura e da linguagem literária. Esse gênero

textual tem o poder de provocar sentimentos e sensações diversas no leitor,

levando-o a refletir sobre os problemas do dia-a-dia, as situações banais do

cotidiano e os problemas sociais e a entender que estes podem ser discutidos e

avaliados para melhor compreensão da realidade que o cerca. É necessário atrair,

encantar o leitor com o poder que vem dos livros, e o conto, no caso, consegue

agradar a todos. Quanto maior o interesse pela leitura, naturalmente, maior será a

busca por outros gêneros textuais.

Entendemos que o professor deve ser sempre um conhecedor, um

pesquisador, para que, em seu trabalho pedagógico, possa utilizar novas

metodologias e alternativas, de forma a melhorar a qualidade de ensino-

aprendizagem. Assim, esperamos que esse trabalho contribua para que novas

estratégias e possibilidades didáticas sejam adotadas nos futuros anos letivos.

A intervenção do professor foi fundamental em todas as etapas do projeto.

Ao estimular a participação dos alunos em todas as atividades previstas, explicando

e orientando para que estas fossem realizadas de modo reflexivo e crítico, ele atuou

como mediador no desenvolvimento integral do educando, nos aspectos cognitivos,

sociais e emocionais. Acreditamos que a leitura compartilhada e um projeto bem

definido quanto ao encaminhamento a ser dado no trabalho com a leitura são

requisitos fundamentais para a formação de leitores proficientes.

As atividades realizadas giraram em torno da leitura, pois ela é imprescindível

em todas as idades e em todas as ocasiões da vida, levando-nos ao conhecimento,

ao desenvolvimento de nossas capacidades intelectuais, à reflexão. É por meio

desses elementos que devemos conduzir nosso cotidiano para viver bem na

sociedade. Em síntese, procuramos desenvolver no educando as competências de

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leitura porque, por esse meio, ele pode se transformar em um leitor ativo, crítico,

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