O CONTO LITERÁRIO: UMA FORMA DE APROXIMAR OS ......O método recepcional no ensino da literatura...

14

Transcript of O CONTO LITERÁRIO: UMA FORMA DE APROXIMAR OS ......O método recepcional no ensino da literatura...

  • O CONTO LITERÁRIO: UMA FORMA DE APROXIMAR OS ALUNOS DA LITERATURA CLÁSSICA

    Autora: Cristiani Schneider

    Orientadora: Professora Dra. Anna Beatriz da Silveira Paula

    Resumo

    Este artigo descreve a aplicação da Unidade Didática O conto literário como

    meio de aproximar os alunos e a literatura clássica. No desenvolvimento desse

    material, realizaram-se rodas de leitura utilizando estratégias de leitura baseadas

    nos pressupostos da Estética da Recepção e em sugestões das autoras Maria da

    Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar. Colocou-se como tema maior de reflexão a

    concepção de Literatura como uma forma de arte que leva os indivíduos a pensarem

    sobre a condição humana. Na aplicação do projeto foram envolvidos alunos do 9º

    ano (8ª série) do Ensino Fundamental e buscou-se desenvolver sua capacidade de

    compreender e interpretar materiais de leitura. Optou-se pelo conto literário como

    ponto de partida para esse trabalho devido sua brevidade, o que pode ser um

    elemento aproximador entre os alunos e a literatura clássica. Os autores escolhidos

    foram Luiz Vilela, Carlos Drummond de Andrade e Anton P. Tchekhov.

    Palavras-chave: Literatura; leitura; conto literário

    Abstract

    This article describes the implementation of Curriculum Unit The literary tale

    as a means of bringing students and classical literature. In developing this material,

    held reading groups using reading strategies based on the assumptions of the

    Reception Aesthetics and suggestions of the authors Maria da Gloria Bordini and

    Vera Teixeira de Aguiar. Put as major theme of reflection designing Literature as an

  • art form that leads individuals to think about the human condition. In the

    implementation of the project involved students were in 9th grade (8th grade)

    elementary school and sought to develop their ability to understand and interpret

    reading materials. We chose the literary tale as a starting point for this work because

    of its brevity, which can be an approximator among students and classical literature.

    The authors were chosen Luiz Vilela, Carlos Drummond de Andrade and Anton P.

    Chekhov.

    Keywords: Literature, reading, literary tale

    1 Introdução

    Faz parte das funções da escola habilitar os alunos na leitura da palavra, de

    imagens, das mídias atuais e do mundo que os cerca. O ensino da leitura da palavra

    tem se mostrado um grande desafio não só no que se refere à simples decodificação

    e compreensão das palavras, como também em conseguir com que a leitura faça

    parte da vida das pessoas não apenas como uma tarefa escolar, mas como uma

    forma de prazer. Como observa Alberto Manguel, é sabido que a leitura traz

    qualidade para a vida pessoas, mas ainda não encontramos a fórmula exata para

    transformar nossos alunos em leitores. “Ler em voz alta, ler em silêncio, ser capaz

    de carregar na mente bibliotecas inteiras de palavras lembradas são aptidões

    espantosas que adquirimos por meios incertos.” (MANGUEL, 1997, p. 86).

    Ainda sobre o aprendizado da leitura, em outro momento, o autor reitera:

    Ainda estamos longe de uma resposta. Misteriosamente, continuamos a ler sem uma definição satisfatória do que estamos fazendo. Sabemos que a leitura não é um processo que possa ser explicado por meio de um modelo mecânico; sabemos que ocorre em certas áreas do cérebro, mas sabemos também que essas áreas não são as únicas a participar; sabemos que o processo de ler, tal como o de pensar, depende de nossa capacidade de decifrar e fazer uso da linguagem, do estofo de palavras que compõem texto e pensamento. (MANGUEL, 1997. p. 54 – 5)

    Quando elaboramos nosso Plano de Trabalho Docente e refletimos sobre os

  • porquês do ensino da Literatura, um objetivo se mostra essencial: fazer com que a

    leitura se torne uma atividade prazerosa para os alunos. Gostaríamos de formar

    leitores. No entanto, temos constatado que muitos alunos que concluem o Ensino

    Médio não gostam de ler. Entre aqueles que afirmam gostar de ler fica clara a

    preferência pela “literatura da moda”, ou seja, livros de auto-ajuda e aqueles que

    seguem uma receita de sucesso de venda: linguagem simples e enredo instigante.

    Aquelas obras que ficaram conhecidas como “clássicos da literatura” não

    aparecem nas preferências desses leitores, talvez por exigirem mais esforço

    intelectual, persistência e concentração, mas são livros que não “envelhecem” nem

    saem de moda porque apresentam temas de interesse universal e atemporal. Ítalo

    Calvino define o clássico como aqueles livros que nunca terminam o que têm a

    dizer, provocando contínuas alterações em quem os lê. Eles proporcionam uma

    espécie de transmissão de tradições e saberes, já que se mantêm universais no

    tempo. Esses conhecimentos supõem a formação de padrões de pensamento e

    comportamento, os quais o leitor pode aceitar ou rejeitar. (CALVINO, 1991)

    A leitura do texto literário clássico não promete prazer ou uma utilidade

    imediatos. Ao falar sobre a literatura como uma forma de arte, Haquira Osakabe

    comenta “... ela, a arte, tem sim uma particularidade nem sempre acessível à

    percepção estereotipada que nunca se dispõe à tarefa de despojar-se dos lugares

    comuns e enfrentar a nem sempre óbvia fruição da arte.” (OSAKABE, 2005, p. 41).

    Não existe nada de condenável na leitura da chamada literatura de consumo,

    mas essa não precisa ser “ensinada”, não precisa da intervenção do professor para

    que o aluno a entenda, ele já tem habilidades de leitura suficientes para perceber

    tudo o que o texto oferece, já que linguagem e os temas são atuais. Maria da Glória

    Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1988, p. 84) afirmam que “Diante de um texto que

    se distancia de seu horizonte de expectativas, o leitor, (...) precisa adotar uma

    postura de disponibilidade, permitindo à obra que atue sobre seu esquema de

    expectativas...”. O texto, quanto mais se distancia do que o leitor espera dele por

    hábito, mais altera os limites dos seus horizontes de expectativas e os amplia. Onde

    mais, se não for na escola, o leitor poderá enriquecer suas leituras e exercer seu

    direito ao consumo de textos clássicos?

    Com o intuito de contribuir para a melhoria da competência leitora dos alunos

    do 9º ano D do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Macedo Soares, foram

    organizadas rodas de leitura semanais, de acordo com as indicações das autoras

  • Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar. Optou-se pelo conto literário como

    ponto de partida para esse trabalho, pois sua brevidade pode ser um elemento

    aproximador entre os alunos e a literatura clássica. Então, a partir de uma proposta

    de leitura de contos de Luis Vilela, Carlos Drummond de Andrade e Anton P.

    Tchekhov, foram aplicadas estratégias de leitura literária que tinham como objetivo

    levar os estudantes envolvidos a ampliar sua capacidade de compreender e

    interpretar materiais de leitura e a descobrir a beleza da literatura, passar a vê-la

    como uma forma de arte que os fizesse refletir sobre a condição humana.

    2 Desenvolvimento

    2.1 A Estética da Recepção

    As Diretrizes Curriculares do Paraná, fundamentadas nas ideias de Hans

    Robert Jauss, apontam a literatura como parte importante na formação dos alunos e

    direcionam seu ensino a partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção,

    a qual se fundamenta na relação entre obra, autor e leitor. A obra traz a

    representação de mundo do autor que se contrapõe a representação de mundo do

    leitor. No livro A formação do leitor: alternativas metodológicas, essa relação é assim

    apresentada:

    ... o processo de concretização como interação do leitor com o texto, em que este atua como pauta e tudo o que não diz ou silencia cria vazios que forçam aquele a interferir criadoramente no texto, a dialogar com ele, de igual para igual, num ato de comunicação legítimo. (BORDINI e AGUIAR, 1988, p. 82)

    O método recepcional no ensino da literatura propõe a evolução do aluno

    como leitor e enfatiza justamente as chamadas “obras difíceis” porque elas se

    afastam daquilo que é conhecido e esperado e, por isso, têm poder transformador.

    Se o livro escolhido por alguém está muito próximo do sistema de valores desse

    leitor, seu horizonte de expectativas permanece o mesmo e sua posição psicológica

    é confortável e ele, muito provavelmente, classificará a leitura como boa e

    recomendável. Por outro lado, as obras que desafiam a compreensão e geram

    conflito por não refletirem as mesmas concepções de mundo do leitor ou por se

  • distanciarem muito no tempo e espaço não têm muita aceitação. Os objetivos a

    serem alcançados e que garantem o sucesso do método recepcional são os

    seguintes:

    (1) Efetuar leituras compreensivas e críticas; (2) ser receptivo a novos textos e a leituras de outrem; (3) questionar as leituras efetuadas em relação a seu próprio horizonte cultural e (4) transformar os próprios horizontes de expectativas bem como os do professor, da escola, da comunidade familiar e social. (BORDINI e AGUIAR, 1988, p. 86)

    Para a aplicação de atividades de literatura a partir desse método, há cinco

    etapas a serem seguidas (BORDINI e AGUIAR, 1988, p. 88 – 90). A primeira delas é

    a determinação do horizonte de expectativas, ou seja, um diagnóstico da turma em

    relação aos seus gostos de leitura, seus valores, preconceitos, preferências de lazer

    e crenças. Essas informações podem ser levantadas através de conversas com os

    alunos, discussões, observação do comportamento da turma, questionários ou

    dinâmicas. Neste projeto optei por verificar na biblioteca da escola quais foram os

    livros mais procurados pelos alunos no ano de 2010.

    Conhecidos os interesses do grupo, passa-se ao atendimento dos horizontes

    de expectativas. Este estágio do projeto consiste em levar para a classe texto que

    satisfaçam aos gostos observados. Esses textos podem ser literários ou pertencer a

    outros meios de expressão como histórias em quadrinhos, charges entre outros.

    Escolhi para primeira leitura o conto As formigas, de Luiz Vilela, por atender ao

    gosto dos alunos e por ser uma narrativa simples – ainda que guarde conteúdos

    profundos – com linguagem de fácil compreensão.

    A terceira etapa é chamada de ruptura do horizonte de expectativas. É o

    momento em que são ofertados aos alunos textos que os levem ao questionamento

    de suas concepções de mundo, suas certezas. Entretanto, é necessário que esses

    textos se assemelhem aos anteriores em um aspecto, seja a temática, a estrutura ou

    a linguagem para manter um vínculo com a etapa anterior. Os demais elementos,

    porém, devem ser completamente diferentes para que os alunos se deem conta de

    que estão sendo apresentados a algo novo.

    A seguir ocorrerá a etapa do questionamento do horizonte de expectativas.

    Aqui a turma deverá fazer uma comparação entre as etapas anteriores, decidindo

  • quais textos lhes exigiram maior grau de reflexão, maior descoberta de sentidos e,

    por consequência, maior grau de satisfação. Espera-se que o grupo faça um debate

    sobre seu comportamento em relação às leituras realizadas, que juntos visualizem o

    processo de superação dos obstáculos na compreensão do material de leitura. Além

    disso, é preciso, nesse momento, levar os alunos a perceberem que conhecimentos

    por eles adquiridos anteriormente lhes proporcionaram condições para entender

    muitas situações descritas nos textos, resultando numa reflexão sobre as relações

    entre a leitura e a vida.

    Parte-se então para a ampliação do horizonte de expectativas, última etapa

    do processo. Como resultado da reflexão anterior, os leitores tomam consciência

    das mudanças de sua visão de mundo a partir das experiências que tiveram com a

    literatura. Conscientes do que a literatura oferece para seu crescimento, a partir

    dessa etapa, espera-se que o aluno dê continuidade ao processo, numa busca

    constante de leituras mais desafiadoras e enriquecedoras.

    A avaliação dos alunos acontece a cada etapa do processo. No decorrer dos

    trabalhos, eles devem ser capazes de comparar todas as leituras realizadas e de

    revisar criticamente seu próprio comportamento, o que resultará na ruptura do

    horizonte de expectativas e, consequentemente, sua ampliação. O professor deve

    ser capaz de provocar a participação dos alunos nesse processo e de criar situações

    que propiciem as discussões do grupo.

    2.2 Aplicação do material didático

    A Unidade Didática elaborada propôs a realização de encontros para leitura

    de contos de Luiz Vilela, Carlos Drummond de Andrade e de Anton P. Tchekhov e,

    como estratégia, propôs a aplicação da teoria da Estética da Recepção. As

    atividades de leitura foram direcionadas aos alunos da 8ª série (hoje 9º ano) E do

    Ensino Fundamental do período noturno, do Colégio Estadual Macedo Soares, de

    Campo Largo, região metropolitana de Curitiba. O colégio atende a

    aproximadamente mil alunos, em três turnos. Está localizado na região central da

    cidade e há uma grande diversidade entre seus alunos quanto a condições sociais e

    culturais. A turma escolhida para a aplicação do Material Didático tinha 20 alunos

    matriculados, sendo que apenas 12 frequentavam as aulas normalmente. Essa

  • situação é muito comum no ensino noturno, já que muitos alunos são trabalhadores

    e acabam não conseguindo conciliar o trabalho com os estudos.

    Foram dezoito encontros de leitura, nos quais se desenvolveram atividades

    antes e depois da leitura de cada um dos três contos selecionados e, a partir deles,

    foram aplicados exercícios de recepção e compreensão. De Luiz Vilela optou-se por

    As formigas; de Carlos D. de Andrade, A incapacidade de ser verdadeiro e de

    Tchekhov, Gricha. Em todos eles, os autores descreveram o mundo sob os olhos da

    infância.

    O trabalho foi desenvolvido de acordo com as indicações de Maria da Glória

    Bordini e Vera Teixeira de Aguiar, no livro A formação do leitor: alternativas

    metodológicas. Segundo as autoras, o processo de recepção deve se iniciar antes

    do contato do leitor com o texto, portanto, os contos não foram apresentados de

    imediato aos alunos. Mas antes foi feita a determinação do horizonte de expectativas

    do grupo. Nesse momento, buscou-se conhecer as preferências de leitura e opiniões

    em relação aos temas que aparecem nos textos selecionados. Para a elaboração

    deste material fez-se uma pesquisa na biblioteca da escola sobre os livros mais

    procurados pelos alunos. Entre as obras mais lidas do ano de 2010 encontramos o

    livro Contos da infância e da adolescência, de Luiz Vilela, do qual escolhemos o

    conto As formigas cuja linguagem é atual e a temática da infância se repete nos

    contos de Drummond e Tchekhov, trabalhados nas etapas seguintes.

    1º ENCONTRO: Para haver diálogo entre leitor e texto é preciso motivação e

    envolvimento, por isso, foi escolhida a dinâmica conhecida como “Jogo dos Rótulos”.

    Essa dinâmica é um exercício de sensibilização que procura motivar os participantes

    a partilharem sentimentos e impressões com o grupo. Por se tratar de uma atividade

    diferente, cujo desenrolar era imprevisível, houve um pouco de relutância por parte

    dos alunos em se apresentarem como voluntários para que lhes fosse colocado nas

    costas um rótulo. Mas assim que o primeiro aluno se propôs a participar, outros

    também quiseram e foi possível desenvolver todas as etapas da dinâmica.

    2º ENCONTRO: A intenção nesse encontro era conversar com os alunos

    sobre o universo infantil - necessidades, linguagem e interação com os adultos –

    com o objetivo de aproximá-los do tema dos contos que seriam lidos. Não se falou

    muito sobre a infância de forma generalizada, pois os participantes acabaram

  • direcionando a conversa para relatos sobre a sua infância, principalmente de

    situações em se sentiram incompreendidos pelos pais. Considero essa discussão

    muito importante, pois, através dela, foi alcançado o objetivo de aproximar e

    preparar os alunos para a leitura dos contos que viria em seguida.

    3º ENCONTRO: Como continuidade da atividade do encontro anterior, foi

    solicitada aos participantes uma produção de texto na qual relatassem a sensação

    ou lembrança infantil mais remota que guardam na lembrança. Seguem trechos de

    relatos dos alunos:

    “Quando minha casa pegou fogo eu e meu pai estávamos perto do fogão e

    minha mãe estava sentada na cama. Meu pai gritou para ela tirar meus irmãos lá de

    dentro. Saímos correndo e os vizinhos chamaram os bombeiros para eles apagarem

    o fogo...”

    “Lembro de um dia que minha mãe foi me visitar. Ela levou um brinquedo

    para mim,uma tartaruga com rodinhas, aquelas que você coloca uma cordinha e sai

    puxando ... mas um dia eu acordei de manhã e vi minha tartaruga queimada e

    jogada lá fora...”

    4° ENCONTRO: Cada aluno leu sua produção do encontro anterior. Todas as

    leituras foram acompanhadas com bastante interesse pelos colegas, que fizeram

    comentários e contaram situações semelhantes por eles vividas.

    5° ENCONTRO: as carteiras foram distribuídas em círculo para a leitura do

    conto As formigas, de Luis Vilela, do qual cada um recebeu uma cópia. Trata-se de

    uma narrativa curta, que tem como personagem principal um menino que se diverte

    conversando com as formigas que saem da rachadura da parede de seu quarto.

    Esse mundo de fantasias é desfeito pelo pai que conserta a rachadura na parede e

    provoca no filho uma grande revolta e frustração.

    Após a leitura, solicitou-se aos alunos que falassem sobre as impressões que

    tiveram sobre a personagem principal do conto e os motivos de sua revolta contra o

    pai. Alguns temas comentados no segundo encontro foram relembrados pelos

    alunos e associados à situação vivida pela personagem.

    6° ENCONTRO: A atividade para esse dia era produzir uma história em

    quadrinhos ou uma notícia de jornal adaptando o enredo do conto As formigas. O

    trabalho foi realizado em duplas, depois ficou exposto por alguns dias na sala de

  • aula e, depois, recolhido. No texto abaixo, os alunos optaram por fazer uma

    paráfrase do texto original.

    “Na tarde do último sábado, 10, um pai rebelde acabou com a alegria do filho.

    O menino adorava umas formiguinhas que moravam em uma rachadura da

    parede do quarto. As formigas conversavam com ele e eram suas amigas. Mas o pai

    não entendeu isso e vendo a rachadura a tapou com cimento.

    Então o menino entrou no quarto e viu a mancha de cimento na parede, ficou

    muito triste e o pai muito nervoso, mas a mãe pediu calma e tudo se resolveu.”

    7° ENCONTRO: Cada aluno recebeu uma cópia do conto A incapacidade de

    ser verdadeiro, de Carlos Drummond de Andrade. Paulo – personagem do conto – é

    um menino conhecido pelas histórias incríveis que inventava e que, por causa disso,

    era castigado com frequência. Certo dia, “... o menino voltou falando que todas as

    borboletas da terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um

    tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico”

    (ANDRADE, 2009, p. 31). Após examiná-lo, o doutor conclui que o garoto seria um

    caso de poesia.

    Fiz uma leitura do conto para a turma e, percebendo um pouco de dificuldade

    por parte de alguns alunos para entender o conto que, na opinião deles, estava

    incompleto, não tinha sentido, falei sobre a importância de Carlos Drummond de

    Andrade para a literatura brasileira e sobre o significado da frase proferida pelo

    médico no final do conto.

    8° ENCONTRO: Foi proposto aos alunos o seguinte tema para discussão:

    Paulo era realmente um menino mentiroso? A turma foi dividida em dois grupos, um

    para defender que Paulo mentia com intenção de enganar e outro para defender a

    ideia de que ele não mentia, mas acreditava nas histórias que contava. A intenção

    era de que, ainda naquele encontro, acontecessem as discussões entre os

    componentes dos grupos, no entanto o tempo da aula se esgotou ainda durante as

    explicações de como funcionaria a atividade, devido a dificuldade da turma em

    elaborar respostas e argumentos sem materiais de apoio ou da interferência ou

    opiniões do professor. Esgotado o tempo da aula, estabeleceu-se que a atividade

    seria realizada no próximo encontro.

    9º ENCONTRO: Retomou-se o assunto do encontro anterior e os grupos

  • reuniram-se para organizar seus argumentos e escolheram um dos componentes da

    equipe para fazer a exposição. Os alunos sentiram muita dificuldade para elaborar

    uma linha de raciocínio coerente e houve a necessidade de várias interferências.

    10º ENCONTRO: O objetivo era realizar um exercício de oralidade em que um

    representante apresentaria os argumentos que o grupo elaborara e, em seguida, os

    demais componentes poderiam intervir. Apesar das dificuldades iniciais, a

    apresentação ocorreu satisfatoriamente.

    11º ENCONTRO: O conto A incapacidade de ser verdadeiro termina com a

    frase “- Não há nada a fazer, Dona Coló. Esse menino é mesmo caso de poesia.” A

    partir desse trecho, os alunos responderam individualmente à questão: O poeta é

    aquele que mente? Na sequência, vários participantes leram suas respostas e

    alguns comentaram as falas de colegas.

    12º ENCONTRO: Fui com o grupo até a biblioteca da escola. Previamente,

    havia selecionado um grande número de livros de poesia, os quais estavam

    espalhados sobre as mesas. Os alunos puderam manusear os livros e ler o que lhes

    agradasse. Cada um deles levou emprestado um livro de poesia e, como tarefa,

    deveria selecionar o poema de que gostara e que comprasse a resposta à questão

    proposta no 11° encontro.

    13° ENCONTRO: Cada aluno leu e comentou seu poema.

    14° ENCONTRO: Todos receberam uma cópia do conto Gricha, de Anton P.

    Tchekhov. Fizeram a leitura do texto individualmente e em silêncio. Depois, li o conto

    para os alunos e, por se tratar de um texto longo e repleto de palavras e expressões

    pouco comuns para a turma, esclareci dúvidas sobre seu significado. O domínio do

    léxico é fundamental para a compreensão do texto. Muitas vezes o aluno “não gosta”

    do livro simplesmente porque não domina o significado de grande parte das

    palavras.

    15° ENCONTRO: Conversa sobre o enredo do conto que, assim como o

    vocabulário, retrata situações incomuns em nossa cultura. Também apresenta uma

    estrutura composicional mais complexa do que os textos anteriores. O narrador, por

    exemplo, “fala” sob a perspectiva do menino Gricha, de dois anos de idade. Esses

    aspectos não foram percebidos pela maioria dos alunos.

    No mundo chamado quarto de criança, há uma porta que dá para um

  • espaço, onde as pessoas jantam e tomam chá. Ali, ficam a cadeirinha alta de Gricha e o relógio de parede, que existe unicamente para balançar o pêndulo e soar de vez em quando. Da sala de jantar, pode-se passar para um quarto com poltronas vermelhas. Ali, sobre o tapete, aparece uma grande mancha, por causa da qual se costuma, até hoje, ameaçar Gricha com o dedo. Além desse quarto, há um outro, onde não deixam entrar e onde aparece papai, uma personagem extremamente misteriosa! A babá e mamãe são compreensíveis: elas vestem Gricha,servem-lhe comida e deitam-no para dormir, mas para que existe o papai, não se sabe. Existe ainda outra personagem misteriosa: a tia que presenteou Gricha com o tambor. Ora aparece, ora desaparece. Para onde é que ela vai? Mais de uma vez, Gricha espiou embaixo da cama, atrás do baú e debaixo do divã, mas ela não estava lá... (TCHEKHOV, 1999, p. 144 – 5)

    16° ENCONTRO: compreendidas todas as nuances do conto, alguns

    quiseram repetir a leitura da história. Leu-se o conto pela terceira vez e, sanadas as

    dificuldades iniciais, o enredo agradou bastante a todos.

    17° ENCONTRO: A partir da atividade do terceiro encontro, os alunos

    produziram um conto, empregando também seus conhecimentos, adquiridos

    previamente, sobre os elementos que compõem uma narrativa.

    18° ENCONTRO: Concluída a produção, todos os alunos leram seu texto que

    foram recolhidos. Fragmentos de uma das narrativas estão transcritos abaixo:

    “ ...estava engatinhando, observava minha mãe limpando a casa, ela lavando

    a louça ... atrás da porta avistei um saco com bolinhas coloridas. Quando minha

    mãe se deu conta, eu estava sentadinha comendo as bolinhas, na hora só vi o

    desespero dela, eu havia comido veneno para adubar plantações ... Fiquei internada

    seis meses, me alimentando por sonda, entre a vida e a morte...”

    No decorrer das atividades foi sempre levado em consideração que a leitura

    é um processo de interação entre leitor-texto-autor. De acordo com Angela Kleiman

    “é mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento

    linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o

    sentido do texto” (KLEIMAN, 2002, p. 13). Assim, a leitura é um processo ativo e

    interativo.

    3 Conclusão

  • Postos em prática todas as etapas previstas na Produção Didático Pedagógi-

    ca e comparados os resultados aos objetivos pretendidos, pode-se dizer que estes

    foram alcançados. Algumas vezes foi preciso reconhecer que atividades que pare-

    ciam ideais no papel, na prática mostraram-se incompletas e, então, rever as estra-

    tégias e conscientizar-se de que não existem modelos prontos. Em vários momentos

    houve a necessidade de intervir, explicar, comentar e exemplificar, pois os alunos

    não conseguiam entender o texto e ninguém gosta daquilo que não entende, como

    confirmam as palavras de Angela Kleiman:

    Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue extrair o sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente porque não faz sentido. (KLEIMAN, 2002, p. 16)

    Por se tratar de encontros dedicados exclusivamente à leitura, houve tempo

    para auxiliar os alunos a compreenderem as relações, informações e significados

    presentes no texto. Isso dificilmente ocorre na prática cotidiana das aulas de Língua

    Portuguesa, já que os professores estão presos ao cumprimento de prazos de que

    gerem notas. Além disso, a maioria dos professores ainda apresenta o texto literário

    ao aluno e solicita que dele sejam retiradas informações, identificação de palavras e

    da “mensagem” que o autor pretende passar.

    Superados os contratempos, foi possível diminuir a distância entre os alunos

    e a literatura. Eles conseguiram perceber que “... ao lermos um texto, qualquer texto,

    colocamos em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refle-

    tem o grupo social em que se deu nossa socialização primária...” (KLEIMAN, 2002,

    p. 10). Num primeiro momento, os leitores ficaram sensibilizados porque algumas si-

    tuações vividas pelas crianças personagens dos contos lidos foram vivenciadas tam-

    bém por eles na infância. Assim, pode-se confirmar que existe uma situação dialógi-

    ca entre texto e leitores.

    4 Referências

    ANDRADE, Carlos Drummond. Contos Plausíveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Best Seller,

    2009.

  • BORDINI, Maria da Glória & AGUIAR, Vera Teixeira de. A formação do leitor:

    alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

    CALVINO, Ítalo. Porquê ler os clássicos? Lisboa: Teorema, 1991.

    Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa, Paraná, 2009.

    http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br

    KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática. 9. ed. São Paulo: Pontes,

    2002.

    MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras,

    1997.

    OSAKABE, Haquira. Poesia e indiferença. In: PAIVA, Aparecida (Org.). leituras

    literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Ceale, 2005.

    Publicação da segunda edição da pesquisa Retratos da leitura no Brasil. Disponível

    em: WWW.funarte.gov.br/literatura/publicacao-da-segunda-edicao-da-pesquisa-

    retratos-da-leitura-no-brasil. Acesso em: 10/11/2010.

    TCHEKHOV, Anton Pavlovitch. A dama do cachorrinho e outros contos. São Paulo:

    1999.

    VILELA, Luiz. Contos da infância e da adolescência. São Paulo: Ática, 2005.

    http://WWW.funarte.gov.br/literatura/publicacao-da-segunda-edicao-da-pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasilhttp://WWW.funarte.gov.br/literatura/publicacao-da-segunda-edicao-da-pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil

    Página em branco