O Controle de Constitucionalidade No Direito Brasileiro. SARAIVA. Luis Roberto Barroso

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    ISBN 978-85-02-17037-7Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Barroso, Lus RobertoO controle de constitucionalidade no direitobrasileiro : exposio sistemtica da doutrina e anlisecrtica da jurisprudncia / Lus Roberto Barroso. 6.ed. rev. e atual. So Paulo : Saraiva, 2012.Bibliografia.1. Brasil - Direito constitucional 2. Controle deconstitucionalidade das leis I. Ttulo.

    CDU-340.131.5(81)

    ndice para catlogo sistemtico:1. Brasil : Constitucionalidade das leis : Controle : Direito 340.131.5(81)2. Brasil : Controle de constitucionalidade das leis : Direito 340.131.5(81)

    Diretor editorial Luiz Roberto CuriaDiretor de produo editorial Lgia AlvesEditora assistente Rosana Simone Silva

    Produtora editorial Clarissa Boraschi MariaPreparao de originais Ana Cristina Garcia / Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan / Liana Ganiko Brito Catenacci

    Arte e diagramao Cristina Aparecida Agudo de Freitas / Muiraquit Editorao GrficaReviso de provas Rita de Cssia Queiroz Gorgati / Marie Nakagawa

    Servios editoriais Ana Paula Mazzoco / Vinicius Asevedo VieiraCapa Denise Aires

    Produo grfica Marli RampimProduo eletrnica Ro Comunicao

    Data de fechamento da edio: 31-10-2011

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    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao daEditora Saraiva.

    A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

  • Para Judith e Roberto,Ana Paula e Nelson Diz,

    Tereza, Luna e Bernardo.

  • ABREVIATURAS

    ACO Ao Cvel OriginriaADC Ao Direta de ConstitucionalidadeADIn Ao Direta de InconstitucionalidadeADPF Arguio de Descumprimento de Preceito FundamentalADV Informativo Semanal Advocacia DinmicaAg AgravoAgRg Agravo RegimentalAI Agravo de InstrumentoAO Ao OriginriaAP Ao PenalAR Ao RescisriaBVerfGE Entscheidungen des BundesverfassungsgerichtsCC Conflito de competnciaDJE Dirio de Justia EletrnicoDJU Dirio de Justia da UnioDORJ Dirio Oficial do Estado do Rio de JaneiroEC Emenda ConstitucionalED Embargos de DeclaraoEDiv Embargos de DivergnciaExtr ExtradioFA Frum AdministrativoHC Habeas CorpusIF Interveno FederalInf. STF Informativo do Supremo Tribunal FederalInq. InquritoIP Revista Interesse PblicoMC Medida CautelarMI Mandado de InjunoMS Mandado de SeguranaPET PetioQO Questo de OrdemRcl ReclamaoRBEP Revista Brasileira de Estudos PolticosRDA Revista de Direito AdministrativoRDAC Revista de Direito Administrativo e ConstitucionalRDDT Revista Dialtica de Direito TributrioRDP Revista de Direito PblicoRDPGERJ Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de JaneiroRE Recurso ExtraordinrioRep RepresentaoREsp Recurso Especial

  • RF Revista ForenseRI Representao de InconstitucionalidadeRILSF Revista de Informao Legislativa do Senado FederalRMS Recurso em Mandado de SeguranaRP Revista de ProcessoRPGR Revista da Procuradoria Geral da RepblicaRSTJ Revista do Superior Tribunal de JustiaRT Revista dos TribunaisRT-CDCCP Revista dos Tribunais Cadernos de Direito Constitucional e Cincia PolticaRT-CDTFP Revista dos Tribunais Cadernos de Direito Tributrio e Finanas PblicasRTDC Revista Trimestral de Direito CivilRTDP Revista Trimestral de Direito PblicoRTJ Revista Trimestral de JurisprudnciaSTF Supremo Tribunal FederalSTJ Superior Tribunal de JustiaTJRJ Tribunal de Justia do Rio de JaneiroTJRS Tribunal de Justia do Rio Grande do SulTRF Tribunal Regional Federal

  • NDICE

    AbreviaturasNota 6 edioIntroduo

    Captulo I CONCEITOS FUNDAMENTAIS, REFERNCIA HISTRICA E DIREITOCOMPARADO

    I Generalidades. Conceito. PressupostosII O primeiro precedente: Marbury v. Madison

    1. O contexto histrico2. O contedo da deciso3. As consequncias de Marbury v. Madison

    III O fenmeno da inconstitucionalidade1. Existncia, validade e eficcia dos atos jurdicos e das leis

    1.1. O plano da existncia1.2. O plano da validade1.3. O plano da eficcia

    2. Nulidade da norma inconstitucional3. Kelsen v. Marshall: a tese da anulabilidade da norma inconstitucional4. Algumas atenuaes teoria da inconstitucionalidade como nulidade

    IV Espcies de inconstitucionalidade1. Inconstitucionalidade formal e material

    1.1. Inconstitucionalidade formal1.2. Inconstitucionalidade material

    2. Inconstitucionalidade por ao e por omisso2.1. Inconstitucionalidade por ao2.2. Inconstitucionalidade por omisso

    2.2.1. Da legislao como faculdade e como dever jurdico2.2.2. Da omisso total2.2.3. Da omisso parcial

    3. Outras classificaesV Modalidades de controle de constitucionalidade

    1. Quanto natureza do rgo de controle1.1. Controle poltico1.2. Controle judicial

    2. Quanto ao momento de exerccio do controle2.1. Controle preventivo2.2. Controle repressivo

    3. Quanto ao rgo judicial que exerce o controle3.1. Controle difuso

  • 3.2. Controle concentrado4. Quanto forma ou modo de controle judicial

    4.1. Controle por via incidental4.2. Controle por via principal ou ao direta

    VI Legitimidade do controle de constitucionalidadeVII Sistema brasileiro de controle de constitucionalidade

    1. Antecedentes do modelo em vigor2. O sistema de controle judicial de constitucionalidade na Constituio de 19883. Atuao do Executivo e do Legislativo no controle de constitucionalidade

    3.1. Controle de constitucionalidade pelo Poder Executivo3.1.1. O poder de veto (CF, art. 66, 1)3.1.2. Possibilidade de descumprimento de lei inconstitucional3.1.3. Possibilidade de propositura de ao direta

    3.2. Controle de constitucionalidade pelo Poder Legislativo3.2.1. Pronunciamento da Comisso de Constituio e Justia3.2.2. Rejeio do veto do Chefe do Executivo3.2.3. Sustao de ato normativo do Executivo3.2.4. Juzo prvio acerca das medidas provisrias3.2.5. Aprovao de emenda constitucional superadora da interpretao fixadapelo Supremo Tribunal Federal3.2.6. Possibilidade de propositura de ao direta por rgos do Legislativo3.2.7. Possibilidade de revogao da lei inconstitucional, mas no da declaraode inconstitucionalidade por ato legislativo

    4. A questo da modulao dos efeitos temporais5. A smula vinculante

    5.1. Introduo5.2. Objeto5.3. Requisitos e procedimento5.4. Eficcia

    Captulo II CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA INCIDENTALI Caractersticas

    1. Pronncia de invalidade em caso concreto1.1. Quem pode suscitar a inconstitucionalidade1.2. Onde pode ser suscitada a questo constitucional1.3. Que normas podem ser objeto de controle incidental

    2. Questo prejudicial3. Controle difuso

    3.1. Qualquer juiz ou tribunal pode exercer controle incidental3.2. Maioria absoluta e reserva de plenrio3.3. Procedimento da declarao incidental de inconstitucionalidade perante rgofracionrio de tribunal

  • 3.4. Controle difuso pelo Superior Tribunal de Justia e pelo Supremo TribunalFederal

    3.4.1. Cabimento do recurso extraordinrio3.4.2. Objeto do recurso extraordinrio3.4.3. A repercusso geral3.4.4. A reserva de plenrio3.4.5. Cabimento simultneo dos recursos especial e extraordinrio

    II Efeitos da deciso1. Eficcia subjetiva e objetiva. Inexistncia de coisa julgada em relao questoconstitucional2. Eficcia temporal3. Deciso pelo Supremo Tribunal Federal e o papel do Senado Federal

    III O mandado de injuno1. Generalidades2. Competncia3. Legitimao4. Objeto5. Procedimento6. A deciso e seus efeitos

    Captulo III CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA DE AO DIRETAI Caractersticas gerais

    1. Pronunciamento em abstrato acerca da validade da norma2. Questo principal3. Controle concentrado

    II A ao direta de inconstitucionalidade1. Competncia2. Legitimao3. Objeto4. Processo e julgamento

    4.1. Procedimento4.2. Medida cautelar4.3. Deciso final

    5. Efeitos da deciso5.1. A coisa julgada e seu alcance5.2. Limites objetivos da coisa julgada e efeitos objetivos da deciso5.3. Limites subjetivos da coisa julgada e efeitos subjetivos da deciso5.4. Efeitos transcendentes5.5. Efeitos temporais

    5.5.1. A questo da modulao dos efeitos temporais5.5.2. Outras questes

    6. Repercusso da deciso em controle abstrato sobre situaes j constitudas

  • 6.1. Distino entre os efeitos da deciso no plano abstrato e no plano concreto6.2. Deciso em controle abstrato e coisa julgada6.3. O debate acerca da relativizao da coisa julgada

    III A ao declaratria de constitucionalidade1. Generalidades2. Competncia3. Legitimao4. Objeto5. Processo e julgamento

    5.1. Procedimento5.2. Medida cautelar5.3. Deciso final

    6. Efeitos da deciso6.1. Limites objetivos da coisa julgada e efeitos objetivos da deciso6.2. Limites subjetivos da coisa julgada e efeitos subjetivos da deciso6.3. Efeitos temporais

    7. Repercusso da deciso em controle abstrato sobre as situaes j constitudas7.1. Distino entre os efeitos da deciso no plano abstrato e no plano concreto7.2.Deciso em controle abstrato e coisa julgada

    IV A ao direta de inconstitucionalidade por omisso1. Generalidades2. O fenmeno da inconstitucionalidade por omisso3. Competncia4. Legitimao5. Objeto6. Processo e julgamento6.1. Procedimento6.2. Medida cautelar6.3. Deciso final7. Efeitos da deciso

    7.1. Da omisso inconstitucional total7.2. Da omisso inconstitucional parcial7.3. Efeitos objetivos, subjetivos e temporais

    Captulo IV DUAS HIPTESES ESPECIAIS DE CONTROLE CONCENTRADO:ARGUIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL E AO DIRETAINTERVENTIVA

    I Arguio de descumprimento de preceito fundamental1. Generalidades2. Espcies3. Pressupostos de cabimento

    3.1. Pressupostos gerais

  • 3.1.1. Descumprimento de preceito fundamental3.1.2. Inexistncia de outro meio idneo (subsidiariedade)

    3.2. Pressuposto especfico da arguio incidental: relevncia da controvrsiaconstitucional sobre lei ou ato normativo

    4. Competncia5. Legitimao6. Objeto

    6.1. Atos do Poder Pblico e atos privados6.2. Atos normativos

    6.2.1. Direito federal, estadual e municipal6.2.2. Direito pr-constitucional6.2.3. Atos infralegais

    6.3. Atos administrativos6.4. Atos jurisdicionais6.5. Controle da omisso legislativa

    7. Processo e julgamento7.1. Procedimento7.2. Medida liminar7.3. Deciso final

    8. Efeitos da deciso9. Estudo de casos: as ADPF n. 45 e 54

    9.1. A ADPF n. 45/DF9.2. A ADPF n. 54/DF

    II A ao direta interventiva1. Generalidades

    1.1. A interveno federal1.2. A ao direta interventiva

    2. Competncia3. Legitimao4. Objeto5. Processo e julgamento

    5.1. Procedimento5.2. Medida cautelar5.3. Deciso final

    6. Efeitos da deciso

    POST-SCRIPTUM CONSTITUIO, DEMOCRACIA E SUPREMACIA JUDICIAL:DIREITO E POLTICA DO BRASIL CONTEMPORNEO

    I IntroduoParte I A ascenso institucional do JudicirioI A jurisdio constitucionalII A judicializao da poltica e das relaes sociais

  • III O ativismo judicialIV Crticas expanso da interveno judicial na vida brasileira

    1. Crtica poltico-ideolgica2. Crtica quanto capacidade institucional3. Crtica quanto limitao do debate

    V Importncia e limites da jurisdio constitucional nas democracias contemporneasParte II Direito e poltica: a concepo tradicional

    I Notas sobre a distino entre direito e polticaII Constituio e poderes constitudosIII A pretenso de autonomia do Judicirio e do direito em relao poltica

    1. Independncia do Judicirio2. Vinculao ao direito posto e dogmtica jurdica3. Limites da separao entre direito e poltica

    Parte III Direito e poltica: o modelo realI Os laos inevitveis: a lei e sua interpretao como atos de vontadeII A interpretao jurdica e suas complexidades: o encontro no marcado entre o direito e apoltica

    1. A linguagem aberta dos textos jurdicos2. Os desacordos morais razoveis3. As colises de normas constitucionais4. A interpretao constitucional e seus mtodos

    III O juiz e suas circunstncias: influncias polticas em um julgamento1. Valores e ideologia do juiz2. Interao com outros atores polticos e institucionais

    2.1. Preservao ou expanso do poder da Corte2.2. Relaes com outros Poderes, rgos e entidades estatais

    3. Perspectiva de cumprimento efetivo da deciso4. Circunstncias internas dos rgos colegiados5. A opinio pblica

    IV A autonomia relativa do direito em relao poltica e a fatores extrajudiciaisV Entre a razo e a vontade

    CONCLUSO

    Bibliografia

  • NOTA 6 EDIO1

    A presente edio incorpora as novidades relevantes da jurisprudncia constitucional,notadamente no mbito do Supremo Tribunal Federal. Merecem especial destaque as decisesrelacionadas aplicao dos institutos da repercusso geral e da smula vinculante,introduzidos pela Reforma do Judicirio e ainda em fase de consolidao. Foram acrescentadas,igualmente, decises em que o Tribunal discutiu novos aspectos da chamada modulaotemporal, pela qual so restringidos os efeitos tpicos da declarao de nulidade dos atosinconstitucionais. Ainda carente de uma sistematizao definitiva por parte do Supremo, cresceo nmero de precedentes em que a tcnica foi aplicada ou, quando menos, teve a sua aplicaocogitada com seriedade. J constitui, de certa forma, uma tradio polmica.

    Pela relevncia das questes jurdicas envolvidas e pela repercusso que obtiveram, duasdecises foram objeto de comentrio um pouco mais detido. A primeira envolveu a discussosobre a aplicabilidade imediata da Lei Complementar n. 135, de 4 de junho de 2010, que ganhounotoriedade como Lei da Ficha Limpa. A segunda foi produzida no julgamento em que oSupremo Tribunal Federal, por unanimidade, assentou o dever estatal de reconhecer plenamenteas unies estveis entre pessoas do mesmo sexo. Trata-se de precedente histrico por razesvariadas, inclusive por ter fornecido Corte a oportunidade de discutir seu prprio papel naconstruo de sentido do Direito em geral e, em particular, dos direitos fundamentais. O amplodebate pblico que permeou o processo decisrio e se prolonga at os dias de hoje confirma oprotagonismo assumido pelo Judicirio na vida nacional. No uma proeminncia baseada nafora porque o comando das armas e a chave do cofre encontram-se em mos diversas , massim um protagonismo discursivo, que faz com que o sistema poltico e a sociedade busquemaportes da jurisdio quando precisam resolver suas questes de princpio.

    A nota edio passada terminava com uma profisso de f no constitucionalismo e no papeltransformador que ele vem exercendo no panorama institucional brasileiro. Falava-se nocaminho para a modernidade, tanto mais tardia quanto necessria. Ainda no chegamos l, masestamos mais perto.

    Rio Braslia Petrpolis, outubro de 2011.

    1 Sou grato, uma vez mais, a Eduardo Mendona, pela ajuda na pesquisa de atualizao e pela interlocuo valiosa.

  • INTRODUO1

    O direito constitucional brasileiro, nos ltimos anos, passou por uma revoluo profunda esilenciosa. A redemocratizao do pas abriu as portas para um mundo plural e efervescente.Alguns marcos desse processo de transformao virtuosa foram a conquista de efetividade pelasnormas constitucionais, o reconhecimento de normatividade aos princpios e o desenvolvimentode novas ideias e categorias na interpretao constitucional. Temas comoneoconstitucionalismo, ps-positivismo e argumentao jurdica, entre outros, ocupam hoje umespao importante no debate terico nacional.

    Em meio enxurrada de modernidades, pareceu-me boa a hora para revisitar um dos captulosmais tradicionais do direito constitucional, lanando sobre ele o olhar da maturidade. Ajurisdio constitucional, em geral, e o controle de constitucionalidade, de modo particular, soinstrumentos essenciais para o desenvolvimento prtico e a concretizao das ideias que hojeanimam o constitucionalismo, como dignidade da pessoa humana, centralidade dos direitosfundamentais e participao democrtica no exerccio do poder.

    Este livro procura ordenar as minhas prprias anotaes e reflexes sobre a fiscalizaojurisdicional de constitucionalidade, vista das mudanas constitucionais e legislativas, e tendoem conta a vasta jurisprudncia que se produziu nos ltimos anos. Nele tambm se materializaum pouco da experincia acumulada ao longo de muitos anos de atuao perante o SupremoTribunal Federal, em causas s vezes polmicas, s vezes difceis, algumas impossveis. Asfceis j pegaram todas, disse-me certa vez um experiente advogado e professor eminente. Notenho qualquer pretenso revolucionria em relao ao conhecimento convencional na matria.Mas penso que a rearrumao didtica dos conceitos pode ser til compreenso do sistema e explorao de suas melhores potencialidades.

    Passados pouco mais de vinte anos da promulgao da Constituio de 1988, a teoriaconstitucional no Brasil vive um momento venturoso de ascenso cientfica e institucional. AConstituio passou para o centro do sistema jurdico, desfrutando de uma supremacia que jno to somente formal, mas tambm material, axiolgica. Tornou-se a lente atravs da qualdevem ser lidos e interpretados todas as normas e institutos do direito infraconstitucional. Nessecontexto, o direito constitucional passou a ser no apenas um modo de olhar o direito, mastambm de pensar e de desejar o mundo: baseado na busca por justia material, nos direitosfundamentais, na tolerncia e na percepo do prximo, do outro, tanto o igual como o diferente.

    luz de tais premissas, toda interpretao jurdica tambm interpretao constitucional.Qualquer operao de realizao do direito envolve a aplicao direta ou indireta daConstituio. Direta, quando uma pretenso se fundar em uma norma constitucional; e indiretaquando se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razes: a) antes de aplicar anorma, o intrprete dever verificar se ela compatvel com a Constituio, porque, se no for,no poder faz-la incidir; e b) ao aplicar a norma, dever orientar seu sentido e alcance realizao dos fins constitucionais.

    Lembro-me dos dias difceis de pouco mais de duas dcadas atrs, quando a Constituio eraum documento menor, submissa aos atos institucionais e aos desmandos da ditadura.Percorremos um longo caminho. Nesse percurso, o direito constitucional passou dadesimportncia ao apogeu em menos de uma gerao. Um triunfo incontestvel, absoluto, que

  • merece ser celebrado. Mas com humildade. Na vida devemos ser janela, e no espelho. AConstituio deve servir como uma forma de olhar para a vida, e no para si mesmo. Apropsito: se voc acredita na dignidade da pessoa humana, nas possibilidades transformadorasdo direito e na tica como fundamento de um mundo melhor, seu lugar pode ser aqui. Estamosrecrutando.

    Villa Luna (Petrpolis) e Braslia, maro de 2009.Lus Roberto Barroso

    1 Sou grato FAPERJ Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro pela bolsaconcedida ao acadmico Eduardo Mendona, que prestou preciosa ajuda na pesquisa e reviso da 1 edio deste trabalho, que de 2003. De l para c, Eduardo tornou-se mestre pela UERJ, onde atualmente faz doutorado, e um dos nomes mais brilhantesda novssima gerao. Tambm para esta edio, contei com suas pesquisas, reflexes e interlocuo construtiva. Um parceiro etanto.

  • Captulo ICONCEITOS FUNDAMENTAIS, REFERNCIA HISTRICA E

    DIREITO COMPARADO

    I GENERALIDADES. CONCEITO. PRESSUPOSTOSO ordenamento jurdico um sistema. Um sistema pressupe ordem e unidade1, devendo suas

    partes conviver de maneira harmoniosa. A quebra dessa harmonia dever deflagrar mecanismosde correo destinados a restabelec-la. O controle de constitucionalidade um dessesmecanismos, provavelmente o mais importante, consistindo na verificao da compatibilidadeentre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Constituio. Caracterizado ocontraste, o sistema prov um conjunto de medidas que visam a sua superao, restaurando aunidade ameaada. A declarao de inconstitucionalidade consiste no reconhecimento dainvalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficcia.

    Em todo ato de concretizao do direito infraconstitucional estar envolvida, de formaexplcita ou no, uma operao mental de controle de constitucionalidade. A razo simples dedemonstrar. Quando uma pretenso jurdica funda-se em uma norma que no integra aConstituio uma lei ordinria, por exemplo , o intrprete, antes de aplic-la, devercertificar-se de que ela constitucional. Se no for, no poder faz-la incidir, porque noconflito entre uma norma ordinria e a Constituio esta que dever prevalecer. Aplicar umanorma inconstitucional significa deixar de aplicar a Constituio.

    Duas premissas so normalmente identificadas como necessrias existncia do controle deconstitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituiorevela sua posio hierrquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de formaescalonada, em diferentes nveis. ela o fundamento de validade de todas as demais normas.Por fora dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo na verdade, nenhum ato jurdico poder subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituio.

    A rigidez constitucional igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar comoparmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucionalprecisa ter um processo de elaborao diverso e mais complexo do que aquele apto a gerarnormas infraconstitucionais. Se assim no fosse, inexistiria distino formal entre a espcienormativa objeto de controle e aquela em face da qual se d o controle. Se as leisinfraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que as normas constitucionais, em casode contrariedade ocorreria a revogao do ato anterior e no a inconstitucionalidade.

    Um dos fundamentos do controle de constitucionalidade a proteo dos direitosfundamentais, inclusive e sobretudo os das minorias, em face de maiorias parlamentareseventuais. Seu pressuposto a existncia de valores materiais compartilhados pela sociedadeque devem ser preservados das injunes estritamente polticas. A questo da legitimidadedemocrtica do controle judicial um dos temas que tm atrado mais intensamente a reflexode juristas, cientistas polticos e filsofos da Constituio, e a ele se dedicar um tpico destaexposio.

    Duas observaes so ainda pertinentes neste tpico. Em primeiro lugar, deve-se registrar

  • que, nas ltimas dcadas, a doutrina e a jurisprudncia tm dado ateno, igualmente, denominada inconstitucionalidade por omisso, que consiste na no edio de ato exigido pelaConstituio. O tema ser estudado em detalhe mais adiante. E, em segundo, cabe observar quea expresso controle de constitucionalidade com frequncia empregada em relao a atosmaterialmente normativos, isto , queles que disciplinam condutas e tm carter geral eabstrato. As leis, emanadas do Poder Legislativo, so o exemplo mais tpico de atos dessanatureza, mas tambm se incluem nessa categoria atos editados pelo Executivo (como asmedidas provisrias e certos tipos de atos normativos administrativos) e pelo Judicirio (comoos regimentos internos dos tribunais). Mas no so apenas estes.

    De fato, os atos materialmente administrativos, em geral oriundos do Executivo (mas,eventualmente, tambm do Legislativo e do Judicirio), sujeitam-se, da mesma forma, ao testede constitucionalidade e so invalidveis por juzes e tribunais. O mesmo se passa com asdecises judiciais, que comportam recursos tendo por fundamento sua contrariedade Constituio. De modo que, em sentido amplo, o controle de constitucionalidade exercidosobre atos de quaisquer dos Poderes. Todavia, estas duas ltimas hipteses impugnao deatos administrativos ou de decises judiciais so muito mais corriqueiras, no tendo acomplexidade e as implicaes da declarao de inconstitucionalidade de uma norma. Por estarazo no exigem estudo parte.

    Por fim, uma nota conceitual e terminolgica. As locues jurisdio constitucional econtrole de constitucionalidade no so sinnimas, embora sejam frequentemente utilizadas demaneira intercambivel. Trata-se, na verdade, de uma relao entre gnero e espcie.Jurisdio constitucional designa a aplicao da Constituio por juzes e tribunais. Essaaplicao poder ser direta, quando a norma constitucional discipline, ela prpria, determinadasituao da vida. Ou indireta, quando a Constituio sirva de referncia para atribuio desentido a uma norma infraconstitucional ou de parmetro para sua validade. Neste ltimo casoestar-se- diante do controle de constitucionalidade, que , portanto, uma das formas deexerccio da jurisdio constitucional.

    II O PRIMEIRO PRECEDENTE: Marbury v. Madison2

    1. O contexto histricoNas eleies realizadas no final de 1800, nos Estados Unidos, o Presidente John Adams e seus

    aliados federalistas foram derrotados pela oposio republicana, tanto para o Legislativo comopara o Executivo. Thomas Jefferson viria a ser o novo Presidente3. No apagar das luzes de seugoverno, John Adams e o Congresso, no qual os federalistas ainda detinham maioria,articularam-se para conservar sua influncia poltica atravs do Poder Judicirio. Assim, em 13de fevereiro de 1801, fizeram aprovar uma lei de reorganizao do Judicirio federal (theCircuit Court Act), por via da qual, dentre outras providncias: a) reduzia-se o nmero deMinistros da Suprema Corte, para impedir uma nova nomeao pelo Presidente que entrava4; b)criavam-se dezesseis novos cargos de juiz federal, todos preenchidos com federalistas aliadosdo Presidente derrotado.

    Logo frente, em 27 de fevereiro de 1801, uma nova lei (the Organic Act of the District ofColumbia) autorizou o Presidente a nomear quarenta e dois juzes de paz, tendo os nomes

  • indicados sido confirmados pelo Senado em 3 de maro, vspera da posse de Thomas Jefferson.John Adams, assim, assinou os atos de investidura (commissions) dos novos juzes no ltimodia de governo, ficando seu Secretrio de Estado, John Marshall, encarregado de entreg-losaos nomeados. Cabe o registro de que o prprio Marshall havia sido indicado pelo Presidenteque saa para ocupar o cargo de Presidente da Suprema Corte (Chief Justice). E, embora seunome tivesse sido aprovado pelo Senado e ele j tivesse prestado compromisso desde 4 defevereiro de 1801, permaneceu no cargo de Secretrio de Estado at o ltimo dia do mandato deAdams. Pois bem: tendo um nico dia para entregar os atos de investidura a todos os novosjuzes de paz, Marshall no teve tempo de concluir a tarefa antes de se encerrar o governo, ealguns dos nomeados ficaram sem receb-los.

    Thomas Jefferson tomou posse, e seu Secretrio de Estado, James Madison, seguindoorientao do Presidente, recusou-se a entregar os atos de investidura queles que no oshaviam recebido. Entre os juzes de paz nomeados e no empossados estava William Marbury,que props ao judicial (writ of mandamus), em dezembro de 1801, para ver reconhecido seudireito ao cargo. O pedido foi formulado com base em uma lei de 1789 (the Judiciary Act), quehavia atribudo Suprema Corte competncia originria para processar e julgar aes daquelanatureza. A Corte designou a sesso de 1802 (1802 term) para apreciar o caso.

    Sucede, contudo, que o Congresso, j agora de maioria republicana, veio a revogar a lei dereorganizao do Judicirio federal (the Circuit Court Act, de 1801), extinguindo os cargos quehaviam sido criados e destituindo seus ocupantes. Para impedir questionamentos a essa decisoperante a Suprema Corte, o Congresso suprimiu a sesso da Corte em 1802, deixando-a sem sereunir de dezembro de 1801 at fevereiro de 1803. Esse quadro era agravado por outroselementos de tenso, dentre os quais possvel destacar dois: a) Thomas Jefferson noconsiderava legtima qualquer deciso da Corte que ordenasse ao governo a entrega dos atos deinvestidura, e sinalizava que no iria cumpri-la; b) a partir do incio de 1802, a Cmaradeflagrou processo de impeachment de um juiz federalista, em uma ao poltica que ameaavaestender-se at os Ministros da Suprema Corte5.

    Foi nesse ambiente politicamente hostil e de paixes exacerbadas que a Suprema Corte sereuniu em 1803 para julgar Marbury v. Madison, sem antever que faria histria e que este setornaria o mais clebre caso constitucional de todos os tempos.

    2. O contedo da decisoMarbury v. Madison foi a primeira deciso na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de

    exercer o controle de constitucionalidade, negando aplicao a leis que, de acordo com suainterpretao, fossem inconstitucionais. Assinale-se, por relevante, que a Constituio noconferia a ela ou a qualquer outro rgo judicial, de modo explcito, competncia dessanatureza. Ao julgar o caso, a Corte procurou demonstrar que a atribuio decorreria logicamentedo sistema. A argumentao desenvolvida por Marshall acerca da supremacia da Constituio,da necessidade do judicial review e da competncia do Judicirio na matria tida comoprimorosa. Mas no era pioneira nem original.

    De fato, havia precedentes identificveis em perodos diversos da histria, desde aAntiguidade6, e mesmo nos Estados Unidos o argumento j havia sido deduzido no perodocolonial, com base no direito ingls7, ou em cortes federais inferiores e estaduais8. Alm disso,

  • no plano terico, Alexander Hamilton, no Federalista n. 78, havia exposto analiticamente atese, em 17889. Nada obstante, foi com Marbury v. Madison que ela ganhou o mundo eenfrentou com xito resistncias polticas e doutrinrias de matizes diversos10.

    No desenvolvimento de seu voto, Marshall dedicou a primeira parte demonstrao de queMarbury tinha direito investidura no cargo11. Na segunda parte, assentou que, se Marbury tinhao direito, necessariamente deveria haver um remdio jurdico para assegur-lo12. Na ltimaparte, enfrentou duas questes distintas: a de saber se o writ of mandamus era a via prpria e,em caso positivo, se a Suprema Corte poderia legitimamente conced-lo13.

    primeira questo respondeu afirmativamente. O writ of mandamus consistia em uma ordempara a prtica de determinado ato. Marshall, assim, examinou a possibilidade de se emitir umadeterminao dessa natureza a um agente do Poder Executivo. Sustentou, ento, que havia duascategorias de atos do Executivo que no eram passveis de reviso judicial: os atos de naturezapoltica e aqueles que a Constituio ou a lei houvessem atribudo a sua exclusivadiscricionariedade. Fora essas duas excees, onde a Constituio e a lei impusessem um deverao Executivo, o Judicirio poderia determinar seu cumprimento. Estabeleceu, dessa forma, aregra de que os atos do Poder Executivo so passveis de controle jurisdicional, tanto quanto asua constitucionalidade como quanto a sua legalidade14.

    Ao enfrentar a segunda questo se a Suprema Corte tinha competncia para expedir o writ, Marshall desenvolveu o argumento que o projetou na histria do direito constitucional.Sustentou, assim, que o 13 da Lei Judiciria de 1789, ao criar uma hiptese de competnciaoriginria da Suprema Corte fora das que estavam previstas no art. 3 da Constituio, incorriaem uma inconstitucionalidade. que, afirmou, uma lei ordinria no poderia outorgar uma novacompetncia originria Corte, que no constasse do elenco constitucional. Diante do conflitoentre a lei e a Constituio, Marshall chegou questo central do acrdo: pode a SupremaCorte deixar de aplicar, por invlida, uma lei inconstitucional?

    Ao expor suas razes, Marshall enunciou os trs grandes fundamentos que justificam ocontrole judicial de constitucionalidade. Em primeiro lugar, a supremacia da Constituio:Todos aqueles que elaboraram constituies escritas encaram-na como a lei fundamental esuprema da nao. Em segundo lugar, e como consequncia natural da premissa estabelecida,afirmou a nulidade da lei que contrarie a Constituio: Um ato do Poder Legislativocontrrio Constituio nulo. E, por fim, o ponto mais controvertido de sua deciso, aoafirmar que o Poder Judicirio o intrprete final da Constituio: enfaticamente dacompetncia do Poder Judicirio dizer o Direito, o sentido das leis. Se a lei estiver emoposio constituio a corte ter de determinar qual dessas normas conflitantes reger ahiptese. E se a constituio superior a qualquer ato ordinrio emanado do legislativo, aconstituio, e no o ato ordinrio, deve reger o caso ao qual ambos se aplicam15.

    3. As consequncias de Marbury v. MadisonA deciso proferida pela Suprema Corte sujeitou-se a crticas diversas, muitas respaldadas

    por argumentos slidos. Vejam-se algumas delas. Por haver participado direta e ativamente dosfatos que deram origem demanda, Marshall deveria ter se dado por impedido de participar dojulgamento. A deciso foi estruturada em uma sequncia ilgica e equivocada do ponto de vistado direito processual, pois deveria ter se iniciado e encerrado no reconhecimento da

  • incompetncia da Corte. Havia inmeros argumentos de natureza infraconstitucional quepoderiam ter sido utilizados para indeferir o pedido, como o de que o direito ao cargo somentese adquire com a entrega efetiva do ato de investidura. A interpretao que levou Marshall aconsiderar a lei inconstitucional no era a nica cabvel, podendo-se reconhecer aincompetncia da Corte ou o descabimento do writ por outras razes. E a falta de legitimidadedemocrtica no desempenho desse papel pelo Judicirio16.

    indiscutvel que o voto de Marshall reflete, intensamente, as circunstncias polticas de seuprolator. Ao estabelecer a competncia do Judicirio para rever os atos do Executivo e doLegislativo luz da Constituio, era o seu prprio poder que estava demarcando, poder que,alis, viria a exercer pelos trinta e quatro longos anos em que permaneceu na presidncia daCorte. A deciso trazia, no entanto, um toque de inexcedvel sagacidade poltica. que as tesesnela veiculadas, que em ltima anlise davam poderes ao Judicirio sobre os outros dois ramosde governo, jamais seriam aceitas passivamente por Jefferson e pelos republicanos doCongresso. Mas, como nada lhes foi ordenado pelo contrrio, no caso concreto foi a vontadedeles que prevaleceu , no tinham como descumprir ou desafiar a deciso.

    Na sequncia histrica, e vista do modelo de Estado federal adotado nos Estados Unidos, aSuprema Corte estabeleceu sua competncia para exercer tambm o controle sobre atos, leis edecises estaduais em face da Constituio e das leis federais, conhecendo de recursos contrapronunciamentos dos tribunais dos Estados17. Em 1819, no julgamento de McCulloch v.Maryland18, voltou a apreciar a constitucionalidade de uma lei federal (pela qual o Congressoinstitua um banco nacional), que, no entanto, foi reconhecida como vlida. Somente em 1857,mais de cinquenta anos aps a deciso em Marbury v. Madison, a Suprema Corte voltou adeclarar uma lei inconstitucional, na polmica deciso proferida em Dred Scott v. Sandford 19,que acirrou a discusso sobre a questo escravagista e desempenhou papel importante naecloso da Guerra Civil.

    Marbury v. Madison, portanto, foi a deciso que inaugurou o controle de constitucionalidadeno constitucionalismo moderno, deixando assentado o princpio da supremacia da Constituio,da subordinao a ela de todos os Poderes estatais e da competncia do Judicirio como seuintrprete final, podendo invalidar os atos que lhe contravenham. Na medida em que sedistanciou no tempo da conjuntura turbulenta em que foi proferida e das circunstnciasespecficas do caso concreto, ganhou maior dimenso, passando a ser celebrada universalmentecomo o precedente que assentou a prevalncia dos valores permanentes da Constituio sobre avontade circunstancial das maiorias legislativas.

    III O FENMENO DA INCONSTITUCIONALIDADE20

    Uma das grandes descobertas do pensamento moderno foi a Constituio, entendida como leisuperior, vinculante at mesmo para o legislador21. A supremacia da Constituio se irradiasobre todas as pessoas, pblicas ou privadas, submetidas ordem jurdica nela fundada. Semembargo, a teoria da inconstitucionalidade foi desenvolvida levando em conta, destacadamente,os atos emanados dos rgos de poder e, portanto, pblicos por natureza. As condutas privadasvioladoras da Constituio so igualmente sancionadas, mas por via de instrumentos diversosdos que so aqui considerados22.

  • A Constituio, como norma fundamental do sistema jurdico, regula o modo de produo dasleis e demais atos normativos e impe balizamentos a seu contedo. A contrariedade a essesmandamentos deflagra os mecanismos de controle de constitucionalidade aqui estudados. Cabeindagar: um ato inconstitucional inexistente, invlido ou ineficaz? Ou tudo isso,simultaneamente? O domnio adequado desses conceitos e a uniformizao da terminologia, nemque seja por mera conveno, ajudam a superar dificuldades aparentes e reduzem os problemasa sua dimenso real23.

    1. Existncia, validade e eficcia dos atos jurdicos e das leisA funo social do Direito a disciplina da vida social, com base em valores e fins

    legitimamente estabelecidos. O constituinte, o legislador e, em certos casos, o administradorsubmetem normatividade do Direito determinados fatos humanos e naturais, transformando-osem fatos jurdicos. Os fatos jurdicos resultantes de uma manifestao de vontade denominam-seatos jurdicos. nessa categoria que se inserem as normas jurdicas, que so atos emanadosdos rgos constitucionalmente autorizados, tendo por fim criar ou modificar as situaes nelascontempladas.

    Os atos jurdicos em geral, e as normas jurdicas especificamente, comportam anlise em trsplanos distintos e inconfundveis: o de sua existncia, o de sua validade e o de sua eficcia.Por fora de infindveis controvrsias havidas no mbito do direito civil, essas categorias, queintegram na verdade a teoria geral do Direito, no foram plenamente exploradas pelo direitopblico. Nada obstante, notadamente em tema de inconstitucionalidade, sua valia inestimvel.

    1.1. O plano da existncia24

    Como j se viu, nem todos os fatos da vida so relevantes para o Direito. Apenas algunsdeles, pelo fenmeno da juridicizao, passam do mundo dos fatos para o mundo jurdico. Aexistncia de um ato jurdico que pressupe, naturalmente, uma manifestao no mundo dosfatos verifica-se quando nele esto presentes os elementos constitutivos definidos pela leicomo causa eficiente de sua incidncia25. possvel distinguir, dentre esses elementos, os quese poderiam dizer comuns, porque indispensveis a qualquer ato jurdico (como agente, objetoe forma), e os que so especficos de determinada categoria de atos26.

    A ausncia, deficincia ou insuficincia dos elementos que constituem pressupostos materiaisde incidncia da norma impedem o ingresso do ato no mundo jurdico. Ser, por via deconsequncia, um ato inexistente, do qual o Direito s se ocupar para repeli-lo adequadamente,se necessrio. Seria inexistente, por exemplo, uma lei que no houvesse resultado deaprovao da casa legislativa, por ausente a manifestao de vontade apta a faz-la ingressar nomundo jurdico.

    1.2. O plano da validadeExistindo o ato, pela presena de seus elementos constitutivos, sujeita-se ele a um segundo

    momento de apreciao, que a verificao de sua validade. Aqui, cuida-se de constatar se oselementos do ato preenchem os atributos, os requisitos que a lei lhes acostou para que sejamrecebidos como atos dotados de perfeio. No basta, por exemplo, para a prtica de um ato

  • administrativo, que exista o elemento agente pblico. De tal agente exige-se algo mais, umatributo: que seja competente. Por igual, exteriorizado o ato, estar presente a forma. Mas estah de subsumir-se prescrio legal: verbal ou escrita, pblica ou privada, conforme o caso. E,ainda, no suficiente que o ato tenha um determinado objeto, pois este tem de ser lcito epossvel.

    Em sntese: se estiverem presentes os elementos agente, forma e objeto, suficientes incidncia da lei, o ato ser existente. Se, alm disso, estiverem presentes os requisitoscompetncia, forma adequada e licitude-possibilidade, o ato, que j existe, ser tambm vlido.A ausncia de algum dos requisitos conduz invalidade do ato, qual o ordenamento jurdico,considerando a maior ou menor gravidade da violao, comina as sanes de nulidade eanulabilidade.

    Dentro da ordem de ideias aqui expostas, uma lei que contrarie a Constituio, por vcioformal ou material, no inexistente. Ela ingressou no mundo jurdico e, em muitos casos, tertido aplicao efetiva, gerando situaes que tero de ser recompostas. Norma inconstitucional norma invlida, por desconformidade com o regramento superior, por desatender os requisitosimpostos pela norma maior. Atente-se que validade, no sentido aqui empregado, no seconfunde com validade tcnico-formal, que designa a vigncia de uma norma, isto , suaexistncia jurdica e aplicabilidade27.

    1.3. O plano da eficcia28

    A eficcia dos atos jurdicos consiste em sua aptido para a produo de efeitos, para airradiao das consequncias que lhe so prprias. Eficaz o ato idneo para atingir afinalidade para a qual foi gerado. Tratando-se de uma norma, a eficcia jurdica designa aqualidade de produzir, em maior ou menor grau, seu efeito tpico29, que o de regular assituaes nela indicadas. Eficcia diz respeito, assim, aplicabilidade, exigibilidade ouexecutoriedade da norma30.

    A inconstitucionalidade, portanto, constitui vcio aferido no plano da validade. Reconhecida ainvalidade, tal fato se projeta para o plano seguinte, que o da eficcia: norma inconstitucionalno deve ser aplicada. Veja- -se um exemplo ilustrativo. Suponha-se que a AssembleiaLegislativa de um Estado da Federao aprove um projeto de lei definindo um tipo penalespecfico de pichao de bem pblico, cominando pena de deteno. No momento em que oGovernador do Estado sancionar o projeto aprovado, a lei passar a existir. A partir de suapublicao no Dirio Oficial, ela estar em vigor e ser, em tese, eficaz. Mas a lei invlida,porque flagrantemente inconstitucional: os Estados-membros no podem legislar sobre direitopenal (CF, art. 22, I). Tal circunstncia dever ser reconhecida por juzes e tribunais, que,diante da invalidade da norma, devero negar-lhe aplicao e eficcia.

    Conforme a modalidade de controle de que se esteja tratando (v., infra), a ineficcia se darapenas em relao s partes do processo ou a todas as pessoas indistintamente. E o queacontece com a lei, no plano da existncia? No sistema brasileiro, a exemplo do modeloamericano, a lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal seja em aodireta, seja incidentalmente, com a subsequente suspenso pelo Senado Federal no devermais ser aplicada, mas no h um ato formal que a elimine do mundo jurdico. Embora ela passe

  • a ser letra morta, no retirada expressamente de vigncia.O reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma no se confunde, quer em suas

    causas, quer em seus efeitos, com sua revogao. A revogao consiste na retirada de umanorma do mundo jurdico, operando, portanto, no plano da existncia dos atos jurdicos31. Comoregra, decorrer de nova manifestao de vontade do prprio rgo que a havia editado, e seusefeitos somente se produzem para o futuro, ex nunc. A declarao de inconstitucionalidade, aorevs, competncia judicial, e, de ordinrio, seus efeitos sero retroativos.

    2. Nulidade da norma inconstitucionalNenhum ato legislativo contrrio Constituio pode ser vlido. E a falta de validade traz

    como consequncia a nulidade ou a anulabilidade32. No caso da lei inconstitucional, aplica-se asano mais grave, que a de nulidade. Ato inconstitucional ato nulo de pleno direito. Taldoutrina j vinha proclamada no Federalista33 e foi acolhida por Marshall, em Marbury v.Madison:

    Assim, a particular linguagem da constituio dos Estados Unidos confirma e refora oprincpio, que se supe essencial a todas as constituies escritas, de que uma lei contrria constituio nula.34

    A lgica do raciocnio irrefutvel. Se a Constituio a lei suprema, admitir a aplicao deuma lei com ela incompatvel violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder regerdada situao e produzir efeitos regulares e vlidos, isso representaria a negativa de vignciada Constituio naquele mesmo perodo, em relao quela matria. A teoria constitucional nopoderia conviver com essa contradio sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Dapor que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito quedenuncia o vcio de origem e a impossibilidade de convalidao do ato35.

    Corolrio natural da teoria da nulidade que a deciso que reconhece a inconstitucionalidadetem carter declaratrio e no constitutivo , limitando-se a reconhecer uma situaopreexistente. Como consequncia, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a leidesde o momento de sua entrada no mundo jurdico. Disso resulta que, como regra, no seroadmitidos efeitos vlidos lei inconstitucional, devendo todas as relaes jurdicas constitudascom base nela voltar ao status quo ante. Na prtica, como se ver mais frente, algumassituaes se tornam irreversveis e exigem um tratamento peculiar, mas tm carter excepcional.

    A tese de que norma inconstitucional nula prevaleceu nos Estados Unidos, embora tenhasofrido algumas atenuaes a partir dos anos 60 do sculo passado36. Foi acolhida, ademais, empraticamente todos os pases que adotaram o modelo de controle judicial deconstitucionalidade, sem embargo da previso expressa ou tcita de uma ou outra exceo,como em Portugal37, Espanha38, Alemanha39 e Itlia40. Somente na ustria, fiel doutrina deKelsen (v., infra), prevaleceu o entendimento de que a lei inconstitucional meramenteanulvel, de modo que a deciso que reconhece tal situao tem efeito constitutivo e, comoregra, efeitos prospectivos, isto , ex nunc.

    A teoria da nulidade da norma inconstitucional foi amplamente acolhida no Direito brasileirodesde o incio da Repblica, quando Ruy Barbosa averbou que toda medida legislativa, ouexecutiva, que desrespeitar precedentes constitucionais, , de sua essncia, nula41. Na mesma

  • linha seguiram os autores de textos clssicos sobre o tema como Francisco Campos42,Alfredo Buzaid43, Castro Nunes44 e Lcio Bittencourt45 , em substancial reproduo dadoutrina americana na matria. Esse o entendimento que prevalece ainda hoje, mas que j no absoluto. Ao longo do tempo, a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal fez algunstemperamentos aplicao rgida da tese, e, j agora, a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de1999, ampliou a competncia discricionria da Corte relativamente pronncia de nulidade e oconsequente carter retroativo da deciso. A questo voltar a ser tratada logo frente.

    3. Kelsen v. Marshall: A tese da anulabilidade da norma inconstitucionalHans Kelsen foi o introdutor do controle de constitucionalidade na Europa, atravs da

    Constituio da ustria, em 1920, aperfeioado com a reforma constitucional de 1929.Professava ele uma viso doutrinria bem diversa daquela que prevaleceu nos Estados Unidoscom a instituio do judicial review. O assunto tratado em mais detalhes adiante, mas cumpredestacar que, para Kelsen, o controle de constitucionalidade no seria propriamente umaatividade judicial, mas uma funo constitucional, que melhor se caracterizaria como atividadelegislativa negativa. Idealizador do controle concentrado em um tribunal constitucional,considerava que a lei inconstitucional era vlida at que uma deciso da corte viesse apronunciar sua inconstitucionalidade. Antes disso, juzes e tribunais no poderiam deixar deaplic-la. Aps a deciso da corte constitucional, a lei seria retirada do mundo jurdico.

    Por essa linha de entendimento, a lei inconstitucional no seria nula, mas meramente anulvel.Vale dizer: a inconstitucionalidade no geraria uma nulidade, mas to somente a anulabilidadedo ato. Como consequncia, a deciso que a reconhecesse teria natureza constitutiva negativa eproduziria apenas efeitos ex nunc, sem retroagir ao momento de nascimento da lei. CitandoVolpe, Garca de Enterra procura demonstrar uma razo histrica para a posio restritiva daatuao do Judicirio: Kelsen queria com isso evitar um governo de juzes, numa poca em quehavia certa revolta dos juzes contra a lei. O mundo germnico vivia a influncia de algumasposies romnticas, como as da Escola livre do direito e da Jurisprudncia livre. Proibindoos juzes de deixar de aplicar as leis, procurava submeter a jurisdio legislao e primaziado Parlamento46.

    A tese da anulabilidade da lei inconstitucional e do carter constitutivo negativo da decisoque reconhece a inconstitucionalidade no teve adeso expressiva da doutrina nem dosordenamentos positivos. Exceto pela ustria, tal formulao no prevaleceu nem mesmo naAlemanha, tampouco nos demais pases da Europa. No Brasil, foi defendida com brilho porRegina Macedo Nery Ferrari47, em sede doutrinria, e pelo Ministro Leito de Abreu, em votovencido proferido no Supremo Tribunal Federal48. inegvel, porm, que a teoria da nulidadeda lei inconstitucional, conquanto vencedora, teve de fazer concesses e abrir excees.

    4. Algumas atenuaes teoria da inconstitucionalidade como nulidadeComo visto, prevalece no Brasil, em sede doutrinria e jurisprudencial, com chancela do

    Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que lei inconstitucional nula de pleno direito eque a deciso de inconstitucionalidade tem eficcia retroativa, restando invlidos todos os atospraticados com base na lei impugnada49. A Constituio brasileira no contempla apossibilidade, admitida expressamente na Carta portuguesa, de limitao dos efeitos retroativos

  • da deciso de inconstitucionalidade (v., supra). E, assim, como regra geral, os tribunaispermaneceram fiis ao dogma da nulidade da lei inconstitucional.

    A vida, contudo, na aguda observao de Clmerson Merlin Clve, muito mais rica ecomplexa que a melhor das teorias. Foi inevitvel, assim, que em algumas hiptesesexcepcionais se admitisse o temperamento da regra geral, suprimindo ou atenuando o carterretroativo do pronunciamento de inconstitucionalidade, em nome de valores como boa-f,justia e segurana jurdica. Vejam-se alguns exemplos, colhidos em decises do prprioSupremo Tribunal Federal ou em manifestaes bem fundadas da doutrina:

    a) Em nome da boa-f de terceiros e da teoria da aparncia, o STF deixou de invalidar atospraticados por funcionrio investido em cargo pblico com base em lei que veio a ser declaradainconstitucional50.

    b) Em nome da irredutibilidade de vencimentos, o STF pronunciou-se, relativamente remunerao indevida percebida por servidores pblicos (magistrados), no sentido de que aretribuio declarada inconstitucional no de ser devolvida no perodo de validadeinquestionada da lei declarada inconstitucional mas tampouco paga aps a declarao deinconstitucionalidade51.

    c) Em nome da proteo coisa julgada, h consenso doutrinrio em que a declarao deinconstitucionalidade, com eficcia erga omnes, no desconstitui automaticamente a decisobaseada na lei que veio a ser invalidada e que transitou em julgado, sendo cabvel aorescisria, se ainda no decorrido o prazo legal. Caso se tenha operado a decadncia para aresciso, j no ser possvel desfazer o julgado52.

    d) Em nome da vedao do enriquecimento sem causa, se a Administrao tiver sebeneficiado de uma relao jurdica com o particular, mesmo que ela venha a ser tida porinvlida, se no houver ocorrido m-f do administrado, faz ele jus indenizaocorrespondente53.

    Os autores cogitam, ainda, de algumas situaes previstas no direito comparado, notadamenteo alemo, que igualmente envolveriam juzo de inconstitucionalidade sem nulidade ou semefeitos ex tunc, como por exemplo: a declarao de incompatibilidade da norma com aConstituio sem a pronncia de nulidade, a declarao de norma ainda constitucional mas emtrnsito para a inconstitucionalidade e o apelo ao legislador54. Essas construes serocomentadas adiante, na medida em que representem subsdio para o tratamento das questesconstitucionais no direito brasileiro. Outras tcnicas que no importam em nulidade da norma,j incorporadas ao direito brasileiro, so a interpretao conforme a Constituio e adeclarao de inconstitucionalidade sem reduo de texto (v., infra)55. A doutrina temadmitido, ainda, a hiptese de inconstitucionalidade superveniente56, resultante de alterao najurisprudncia57 ou da mudana substancial das circunstncias fticas sobre as quais incidia anorma58. Tambm nesses casos os efeitos da deciso somente se produzem para o futuro.

    Por ocasio da Assembleia Constituinte que elaborou a Constituio de 1988, foi apresentadaproposta que permitiria ao Supremo Tribunal Federal determinar se a declarao deinconstitucionalidade em ao direta retroagiria ou no59. A ideia foi rejeitada. Durante oincipiente processo de reviso levado a efeito em 1994, procurou-se uma vez mais autorizar oSupremo Tribunal Federal a limitar os efeitos retroativos de suas decises declaratrias de

  • constitucionalidade60. Novamente sem sucesso.Todavia, mais frente, foi aprovada a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, que disps

    sobre o processo e julgamento da ao direta de inconstitucionalidade e da ao declaratria deconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Nela se permitiu, de forma expressa,pela primeira vez, a atenuao da teoria da nulidade do ato inconstitucional, admitindo-se, porexceo, que a declarao de inconstitucionalidade no retroagisse ao incio de vigncia da lei.O art. 27 do novo diploma assim disps:

    Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vistarazes de segurana jurdica ou de excepcional interesse social, poder o Supremo TribunalFederal, por maioria de dois teros de seus membros, restringir os efeitos daqueladeclarao ou decidir que ela s tenha eficcia a partir de seu trnsito em julgado ou deoutro momento que venha a ser fixado.

    O dispositivo enfrenta crticas quanto a sua convenincia e oportunidade61, assim comoobjees relativamente a sua constitucionalidade62. Argumentou-se, contrariamente a suaintroduo, que a orientao do Supremo Tribunal Federal, at ento, era a de reconhecerhierarquia constitucional ao postulado da nulidade da lei inconstitucional63, o que exigiria umaemenda Constituio para introduzir a novidade. Em suporte da tese, alis, possvel invocaras duas tentativas, noticiadas acima, de insero no texto constitucional de norma que visavaobjetivo anlogo ao do art. 27 transcrito. Se a providncia pudesse ser tomada no planoinfraconstitucional, tornar-se-ia difcil justificar que se tivesse optado pela via mais complexada previso no texto da prpria Constituio. A discusso, todavia, comporta diversas sutilezase complexidades que sero examinadas por ocasio do estudo da eficcia temporal dadeclarao de inconstitucionalidade.

    No mrito, respeitvel a tese de que, por vezes, a produo de efeitos retroativos podetrazer consequncias indesejadas pelo prprio texto constitucional. Mas a jurisprudncia doSupremo Tribunal Federal j vinha tratando a questo de forma equilibrada e construtiva. Nohavia necessidade de ato legislativo interferindo nesse mandato. Alis, em testemunho dariqueza do universo da interpretao constitucional, possvel uma leitura singular e muitorazovel do dispositivo, embora contrria ao legislador histrico (isto , mens legislatoris): ade que, na verdade, veio ele restringir a liberdade de ponderao at ento exercida peloSupremo Tribunal Federal, ao impor o quorum de dois teros de seus membros. Nesse caso,tambm caberia questionar se o legislador ordinrio poderia impor condies para aponderao de valores constitucionais.

    Registre-se, a bem da verdade, que a providncia contida no art. 27 da Lei n. 9.868/99 erareclamada por parte da doutrina64, e, com efeito, a flexibilizao do dogma da nulidade da leiinconstitucional foi saudada como positiva por juristas que nela viram a concesso de umamargem de manobra para o Judicirio ponderar interesses em disputa65. A inovao tem sidoutilizada com moderao e prudncia pelo Supremo Tribunal Federal, em hipteses raras eexcepcionais, que no provocaram maior reao66.

    IV ESPCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE

  • A inconstitucionalidade de uma norma pode ser aferida com base em diferentes elementos oucritrios, que incluem o momento em que ela se verifica, o tipo de atuao estatal que aocasionou, o procedimento de elaborao e o contedo da norma, dentre outros. Este tpicoprocura selecionar e sistematizar as categorias mais importantes de inconstitucionalidade.

    1. Inconstitucionalidade formal e materialA Constituio disciplina o modo de produo das leis e demais espcies normativas

    primrias67, definindo competncias e procedimentos a serem observados em sua criao. Departe isso, em sua dimenso substantiva, determina condutas a serem seguidas, enuncia valores aserem preservados e fins a serem buscados. Ocorrer inconstitucionalidade formal quando umato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de competncia oucom o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurdico. A inconstitucionalidadeser material quando o contedo do ato infraconstitucional estiver em contrariedade comalguma norma substantiva prevista na Constituio, seja uma regra ou um princpio.

    1.1. Inconstitucionalidade formalA primeira possibilidade a se considerar, quanto ao vcio de forma, a denominada

    inconstitucionalidade orgnica, que se traduz na inobservncia da regra de competncia para aedio do ato. Se, por exemplo, a Assembleia Legislativa de um Estado da Federao editaruma lei em matria penal68 ou em matria de direito civil69, incorrer em inconstitucionalidadepor violao da competncia da Unio na matria70. De outra parte, haverinconstitucionalidade formal propriamente dita se determinada espcie normativa forproduzida sem a observncia do processo legislativo prprio.

    O processo ou procedimento legislativo completo compreende iniciativa, deliberao,votao, sano ou veto, promulgao e publicao71. O vcio mais comum o que ocorre notocante iniciativa das leis. Pela Constituio, existem diversos casos de iniciativa privativa dealguns rgos ou agentes pblicos, como o Presidente da Repblica (art. 61, 1), o SupremoTribunal Federal (art. 93) ou o Chefe do Ministrio Pblico (art. 128, 5). Isso significa quesomente o titular da competncia reservada poder deflagrar o processo legislativo naquelamatria. Assim, se um parlamentar apresentar projeto de lei criando cargo pblico, modificandoo estatuto da magistratura ou criando atribuies para o Ministrio Pblico, ocorrerinconstitucionalidade formal por vcio de iniciativa72.

    Outros exemplos. H matrias que so reservadas pela Constituio para serem tratadas porvia de uma espcie normativa especfica. Somente lei complementar pode dispor acerca denormas gerais de direito tributrio (art. 146, III) ou sobre sistema financeiro nacional (art. 192).Se uma lei ordinria contiver disposio acerca de qualquer desses temas, ser formalmenteinconstitucional. que o quorum de votao de uma lei complementar diverso do da leiordinria73. De vcio formal padecer, igualmente, emenda constitucional ou projeto de lei que,sendo emendado na casa revisora, no voltar casa de onde se originou (arts. 60, 2, e 65). Ajurisprudncia do Supremo Tribunal Federal no admite, como regra, o controle judicial datramitao de projetos74, salvo quando se trate de proposta de emenda constitucional violadorade clusula ptrea75, alm de ser extremamente restritiva na discusso judicial das questes

  • regimentais em geral, referidas como interna corporis76.

    1.2. Inconstitucionalidade materialA inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de contedo, substantiva,

    entre a lei ou ato normativo e a Constituio. Pode traduzir-se no confronto com uma regraconstitucional e.g., a fixao da remunerao de uma categoria de servidores pblicos acimado limite constitucional (art. 37, XI) ou com um princpio constitucional, como no caso de leique restrinja ilegitimamente a participao de candidatos em concurso pblico, em razo dosexo ou idade (arts. 5, caput, e 3, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. Ocontrole material de constitucionalidade pode ter como parmetro todas as categorias de normasconstitucionais: de organizao, definidoras de direitos e programticas77.

    Nada impede a coexistncia, em um mesmo ato legislativo, de inconstitucionalidade formal ematerial, vcios distintos que podem estar cumulativamente presentes. Alis, para que asemelhana terminolgica no induza a qualquer tipo de confuso, cabe explicitar que a naturezada causa geradora da inconstitucionalidade formal ou material no tem relao com aclassificao das normas constitucionais, em razo de seu contedo, em normas constitucionaisformais e materiais (v., supra). So categorias totalmente distintas e distantes.

    O reconhecimento da inconstitucionalidade de um ato normativo, seja em decorrncia dedesvio formal ou material, produz a mesma consequncia jurdica: a invalidade da norma, cujatendncia ser ter sua eficcia paralisada. H uma nica situao em que o carter formal oumaterial da inconstitucionalidade acarretar efeitos diversos: quando a incompatibilidade se derentre uma nova Constituio ou uma emenda constitucional e norma infraconstitucionalpreexistente.

    Nessa hiptese, sendo a inconstitucionalidade de natureza material, a norma no podersubsistir78. As normas anteriores, incompatveis com o novo tratamento constitucional damatria, ficam automaticamente revogadas ( minoritria, no direito brasileiro, a corrente quesustenta que a hiptese seria de inconstitucionalidade, passvel de declarao em ao diretaajuizada para esse fim). No o que ocorre, porm, quando a incompatibilidade entre a leianterior e a norma constitucional nova de natureza formal, vale dizer: quando a inovaointroduzida apenas mudou a regra de competncia ou a espcie normativa apta a tratar damatria. Nesse caso, a norma preexistente, se for materialmente compatvel com o novoordenamento constitucional, recepcionada, passando apenas a se submeter, ad futurum, novadisciplina. Dois exemplos ilustram a tese que se est demonstrando:

    a) O Cdigo Tributrio Nacional (CTN) foi promulgado como lei ordinria (Lei n. 5.172, de25-10-1966), sob o regime da Constituio de 1946. Sobreveio a Emenda Constitucional n. 18,de 1 de dezembro de 1965, que passou a prever que o sistema tributrio seria regido por leiscomplementares. Pois bem: o CTN continuou em vigor, naquilo em que materialmentecompatvel com a emenda, mas passou a desfrutar do status de lei complementar, e, portanto,essa era a espcie normativa requerida para sua alterao.

    b) Na maior parte dos Estados da Federao, o cdigo de organizao judiciria era editadopor via de Resoluo do Tribunal de Justia. Com a promulgao da Constituio de 1988,passou a ser exigida lei para tratar da matria. Os cdigos existentes continuaram todos em

  • vigor, vlidos e eficazes, mas qualquer nova modificao passou a depender igualmente de lei.Por fim, diversos autores incluem no estudo da inconstitucionalidade material a questo do

    desvio ou excesso de poder legislativo, caracterizado pela edio de normas que se afastamabusivamente dos fins constitucionais e/ou dos fins declarados79. A ascenso e difuso doprincpio da razoabilidade, com sua exigncia de adequao entre meio e fim, de necessidadeda medida (com a consequente vedao do excesso) e de proporcionalidade em sentido estrito,de certa forma atraiu o tema para seu domnio, tornando- -se, na atualidade, um dos principaisparmetros de controle da discricionariedade dos atos do Poder Pblico80.

    2. Inconstitucionalidade por ao e por omissoA Constituio uma norma jurdica. Atributo das normas jurdicas a sua imperatividade.

    No prprio de uma norma constitucional, nem de qualquer norma jurdica, sugerir,recomendar, alvitrar. Normas jurdicas contm comandos. A maior parte dos comandosconstitucionais se materializa em normas cogentes, que no podem ter sua incidncia afastadapela vontade das partes, como ocorre, no mbito privado, com as normas dispositivas. Asnormas cogentes se apresentam nas verses proibitiva e preceptiva, vedando ou impondodeterminados comportamentos, respectivamente. possvel, portanto, violar a Constituiopraticando um ato que ela interditava ou deixando de praticar um ato que ela exigia. Porqueassim , a Constituio suscetvel de violao por via de ao, uma conduta positiva, ou porvia de uma omisso, uma inrcia ilegtima.

    2.1. Inconstitucionalidade por aoAs condutas passveis de censura luz da Constituio podem se originar de rgos

    integrantes dos trs Poderes do Estado. Um ato inconstitucional do Poder Executivo, praticadopor agente da administrao pblica, por exemplo, suscetvel de controle pelo Judicirio. Osprprios atos judiciais sujeitam-se ao exame de sua conformidade com a Constituio, por viados diferentes recursos previstos no texto constitucional e na legislao processual. Nadaobstante, no contexto aqui considerado, os atos relevantes no mbito do controle deconstitucionalidade so aqueles emanados do Poder Legislativo, cuja produo normativa tpica a lei.

    A referncia a inconstitucionalidade por ao, portanto, abrange os atos legislativosincompatveis com o texto constitucional. Foi em torno dessa situao, diga-se de passagem, quese construiu toda a teoria e jurisprudncia do controle de constitucionalidade, desde o seuadvento at pelo menos meados da dcada de 70 (do sculo passado, o XX). Os mltiplosmodelos de controle de constitucionalidade americano, austraco, francs , bem como asvariadas modalidades de controle poltico ou judicial, prvio ou repressivo, difuso ouconcentrado, principal ou incidental , foram concebidos para lidar com o fenmeno dos atosnormativos que ingressam no mundo jurdico com um vcio de validade. Todos essesmecanismos se destinam, de uma forma ou de outra, a paralisar a eficcia ou a retirar doordenamento um ato que foi praticado, que existe. Uma lei inconstitucional.

    2.2. Inconstitucionalidade por omisso

  • Tal como no caso da inconstitucionalidade por ao, tambm a omisso violadora daConstituio pode ser imputvel aos trs Poderes. Pode ocorrer de o Executivo deixar de tomaras medidas poltico-administrativas de sua competncia, no entregando determinadasprestaes positivas a que esteja obrigado, por exemplo, em matria de educao (CF, art. 208).Pode-se igualmente cogitar de omisso na entrega de prestao jurisdicional. Juridicamente, certo, no possvel a denegao de justia mesmo na eventualidade de inexistir lei especficasobre a matria discutida81; mas, no mundo real, no incomum a falta de acesso justia (e.g.,por ausncia ou deficincia nas condies de assistncia judiciria) ou o excesso de demoraque frustra na prtica o direito das partes.

    Todas essas questes relatadas acima, que guardam suas prprias complexidades, esto forado domnio que se vai aqui estudar. A inconstitucionalidade por omisso, como um fenmenonovo, que tem desafiado a criatividade da doutrina, da jurisprudncia e dos legisladores, aque se refere inrcia na elaborao de atos normativos necessrios realizao doscomandos constitucionais. O instrumental desenvolvido para o combate s leis inconstitucionais isto , a atos comissivos praticados em desacordo com a Constituio no tem sidosuficiente nem adequado para enfrentar a inconstitucionalidade que se manifesta atravs de umnon facere.

    Em termos de direito positivo, o fenmeno da inconstitucionalidade por omisso s recebeupreviso nos textos constitucionais, e mesmo assim timidamente, a partir da dcada de 1970,com sua incorporao Constituio da ento Iugoslvia (1974) e de Portugal (1976). Nadaobstante, em sede jurisprudencial, o tema j vinha sendo discutido em alguns pases desde ofinal da dcada de 50 e incio da dcada de 1960, como na Itlia e na Alemanha. E tambm naEspanha, a partir da Constituio de 1978. Nesses pases, a fiscalizao da omisso tem sidoefetuada pelos tribunais constitucionais, independentemente da existncia de qualquer normaregendo a matria82.

    No Brasil, o tema da inconstitucionalidade por omisso foi amplamente debatido nos anos queantecederam a convocao e os trabalhos da Assembleia Constituinte, que resultaram naConstituio de 1988. A nova Carta concebeu dois remdios jurdicos diversos para enfrentar oproblema: (i) o mandado de injuno (art. 5, LXXI), para a tutela incidental e in concreto dedireitos subjetivos constitucionais violados devido ausncia de norma reguladora; e (ii) aao de inconstitucionalidade por omisso (art. 103, 2), para o controle por via principal eem tese das omisses normativas. Ambos os institutos sero tratados em detalhe nos doisprximos captulos. Por ora, de proveito entender a inconstitucionalidade por omisso comofenmeno jurdico e suas diferentes formas de manifestao.

    2.2.1. Da legislao como faculdade e como dever jurdicoA simples inrcia, o mero no fazer por parte do legislador no significa que se esteja diante

    de uma omisso inconstitucional. Esta se configura com o descumprimento de um mandamentoconstitucional no sentido de que atue positivamente, criando uma norma legal. Ainconstitucionalidade resultar, portanto, de um comportamento contrastante com uma obrigaojurdica de contedo positivo83.

    Como regra, legislar uma faculdade do legislador. Insere-se no mbito de sua

  • discricionariedade ou, mais propriamente, de sua liberdade de conformao a deciso de criarou no lei acerca de determinada matria. De ordinrio, sua inrcia ou sua deciso poltica deno agir no caracterizaro comportamento inconstitucional. Todavia, nos casos em que aConstituio impe ao rgo legislativo o dever de editar norma reguladora da atuao dedeterminado preceito constitucional, sua absteno ser ilegtima e configurar caso deinconstitucionalidade por omisso.

    A Constituio de 1988 prev, em diversos dispositivos, a necessidade da edio de leisintegradoras da eficcia de seus comandos. Isso pode ocorrer (i) em relao s normasconstitucionais de organizao84; e (ii) em relao s normas definidoras de direitos85. Ainrcia do legislador em qualquer dos dois casos configurar inconstitucionalidade poromisso. No primeiro, embora haja um dever jurdico constitucional para o legislador de editaras normas requeridas pelo texto, seria controvertida a invocao de um direito subjetivofundamental legislao86. No segundo, h claramente direito subjetivo outorgado pelo textoconstitucional, investindo o indivduo no poder jurdico de exigir a criao da norma (v., infra).Em relao s normas programticas, onde se prev genericamente a atuao do Poder Pblico,mas sem especificar a conduta a ser adotada, no ser possvel, como regra, falar em omissoinconstitucional. Salvo, por certo, se a inrcia inviabilizar providncias ou prestaescorrespondentes ao mnimo existencial87.

    A inrcia ilegtima do legislador poder ser total ou parcial.

    2.2.2. Da omisso totalA omisso inconstitucional total ou absoluta estar configurada quando o legislador, tendo o

    dever jurdico de atuar, abstenha-se inteiramente de faz-lo, deixando um vazio normativo namatria. Nesta situao, abrem-se, em tese, trs possibilidades de atuao judicial no mbito dajurisdio constitucional:

    (a) reconhecer autoaplicabilidade norma constitucional e faz-la incidir diretamente;(b) apenas declarar a existncia da omisso, constituindo em mora o rgo competente para

    san-la;(c) no sendo a norma autoaplicvel, criar para o caso concreto a regra faltante.No primeiro caso, possuindo a norma constitucional densidade jurdica para sua aplicao

    direta, o tribunal estar em condies de resolver a demanda. De todo modo, comum quedefira prazo razovel ao rgo ao qual se imputa a mora legislativa, para que atue suprindo alacuna. Persistindo a omisso, o tribunal decide o caso concreto, dando autoaplicabilidade disposio da Constituio. H precedentes nesse sentido, tanto no direito comparado88 comono mbito do Supremo Tribunal Federal89. bem de ver, no entanto, que a situao nesse caso menos complexa, pela desnecessidade de criao de um ato normativo.

    A segunda possibilidade de atuao judicial ser normalmente adotada nas hipteses em que anorma constitucional no seja autoaplicvel, inexistindo meio de concretiz-la sem a edio deum comando integrador. Nesse caso, frequente que os tribunais apenas declarem ainconstitucionalidade da omisso, constituindo em mora o rgo responsvel pela frustrao documprimento da norma constitucional. Esta a prtica jurisprudencial mais comum no direitobrasileiro90 e, bem assim, tambm no direito alemo, onde se desenvolveu a tcnica da

  • declarao de inconstitucionalidade sem pronncia de nulidade. Por no ser possvel declarar anulidade de uma lacuna, a deciso limita-se a constatar a inconstitucionalidade da omissolegislativa91.

    A terceira atuao possvel a menos comum, embora a mais eficiente para a tutela dosdireitos subjetivos envolvidos. Reconhecida a omisso e a mora em san-la, o tribunal formula,no mbito do caso concreto que lhe dado conhecer, a norma faltante e necessria para aresoluo da controvrsia. O tribunal suprir a lacuna com base na frmula tradicional do art. 4da Lei de Introduo s normas do Direito Brasileiro, utilizando a analogia, os costumes e osprincpios gerais de direito. Essa soluo no prestigiada no direito comparado. No Brasil,embora contando com amplo apoio doutrinrio, h poucos precedentes nessa linha, um delesrelatado por Jos Carlos Barbosa Moreira, quando desembargador no Tribunal de Justia doEstado do Rio de Janeiro92.

    2.2.3. Da omisso parcialA omisso parcial comporta a identificao de duas espcies: a chamada omisso relativa e a

    omisso parcial propriamente dita. Diz-se que a omisso relativa quando a lei exclui do seumbito de incidncia determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de umbenefcio, em violao ao princpio da isonomia. Tambm aqui h trs linhas possveis deatuao judicial:

    (a) a declarao da inconstitucionalidade por ao da lei que criou a desequiparao;(b) a declarao de inconstitucionalidade por omisso parcial da lei, com cincia ao rgo

    legislador para tomar as providncias necessrias;(c) a extenso do benefcio categoria dele excluda.A primeira soluo, embora encontre amparo na ordem constitucional, traria o inconveniente

    de universalizar a situao desvantajosa, em lugar de beneficiar os excludos. claro que, se adesequiparao fosse pela criao de um nus para determinada categoria, e no um benefcio,a declarao de inconstitucionalidade seria soluo indiscutvel. A segunda possibilidade j foiacolhida no Brasil, em sede de ao direta de inconstitucionalidade, mas sem fixao de prazopara o legislador93. A terceira enfrenta dificuldades relativamente a princpios como separaode Poderes, legalidade, oramento e reserva do possvel. A posio tradicional dajurisprudncia no Brasil a de rejeio de pleitos dessa natureza com base na Smula 339 doSupremo Tribunal Federal94, que, todavia, abriu uma controvertida exceo a sua prpriajurisprudncia95.

    Um caminho possvel, em situaes como esta, seria a deciso judicial determinar a extensodo benefcio categoria excluda, a partir de um termo futuro. Poderia ser determinada data ouevento, como, por exemplo, o incio do exerccio financeiro seguinte. Essa frmula permitiria aponderao dos diferentes princpios envolvidos: de um lado, a separao de Poderes, alegalidade (o Legislativo, no intervalo, poderia inclusive prover sobre a questo), o oramentoe, de outro, a supremacia da Constituio e a isonomia.

    Por fim, cabe uma referncia inconstitucionalidade por omisso parcial propriamente dita.Nessa hiptese, o legislador atua sem afetar o princpio da isonomia, mas de modo insuficienteou deficiente relativamente obrigao que lhe era imposta. O exemplo tpico no direito

  • constitucional brasileiro tem sido a lei de fixao do salrio mnimo, em valor que no satisfaza exigncia constitucional: ser capaz de atender as necessidades vitais bsicas de umtrabalhador e de sua famlia com moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vesturio,higiene, transporte e previdncia social.

    Sucede, todavia, que a declarao de inconstitucionalidade por ao da lei instituidora doreajuste peridico do salrio mnimo traria consequncias piores do que sua manuteno: ou ovcuo legislativo ou a restaurao da lei anterior, fixadora de valor ainda mais baixo. Talsoluo, portanto, h de ser rejeitada. Resta, to somente, a frmula da declarao deinconstitucionalidade por omisso parcial da lei, por ter o legislador se desincumbido de mododeficiente do mandado constitucional recebido. Essa a linha assentada na jurisprudncia doSupremo Tribunal Federal96.

    3. Outras classificaesA doutrina identifica, ainda, outras espcies de inconstitucionalidade, cuja diferenciao tem

    relevncia didtica ou prtica. Dentre elas, as que classificam a inconstitucionalidade em totalou parcial, direta ou indireta e superveniente ou originria.

    A inconstitucionalidade ser total quando colher a ntegra do diploma legal impugnado. E serparcial quando recair sobre um ou vrios dispositivos, ou sobre frao de um deles, inclusiveuma nica palavra97. A lei no perde, contudo, sua valia jurdica, por subsistirem outrosdispositivos que lhe do razo para existir. Como regra, ser total a inconstitucionalidaderesultante de vcio formal, seja por defeito de competncia ou de procedimento98. Ainconstitucionalidade material, por sua vez, poder macular a totalidade do ato normativo ouapenas parte dele.

    A inconstitucionalidade se diz direta quando h entre o ato impugnado e a Constituio umaantinomia frontal, imediata. Ser indireta quando o ato, antes de contrastar com a Constituio,conflita com uma lei. O regulamento de execuo que desborda dos limites da lei, por exemplo,conquanto importe em violao do princpio constitucional da legalidade (art. 5, II), ter antesviolado a lei que pretendeu regulamentar, configurando uma ilegalidade previamente a suainconstitucionalidade. Por tal razo, a jurisprudncia no admite controle de constitucionalidadede atos normativos secundrios (inaptos para criar direito novo), de que so espcies, alm doregulamento, as resolues, instrues normativas e portarias, dentre outros99. Em matria decabimento de recurso extraordinrio por violao Constituio, a regra exigir que a afrontatambm seja direta, inadmitindo-se o recurso se ela for indireta100.

    Por fim, diz-se a inconstitucionalidade originria quando resulta de defeito congnito da lei:no momento de seu ingresso no mundo jurdico ela era incompatvel com a Constituio emvigor, quer do ponto de vista formal ou material101. A inconstitucionalidade ser supervenientequando resultar do conflito entre uma norma infraconstitucional e o texto constitucional,decorrente de uma nova Constituio ou de uma emenda. Como j assinalado, no existe nodireito brasileiro inconstitucionalidade formal superveniente: a lei anterior subsistirvalidamente e passar a ter status da espcie normativa reservada pela nova normaconstitucional para aquela matria. J a inconstitucionalidade material superveniente resolve-seem revogao da norma anterior, consoante orientao consolidada do Supremo TribunalFederal (v., supra).

  • V MODALIDADES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADEA doutrina costuma identificar trs grandes modelos de controle de constitucionalidade no

    constitucionalismo moderno: o americano, o austraco e o francs102. Dessas matrizes surgiramvariaes de maior ou menor sutileza, abrigadas nos sistemas constitucionais de diferentespases. possvel sistematizar as caractersticas de cada um levando em conta aspectossubjetivos, objetivos e processuais, ordenados na classificao abaixo:

    1. Quanto natureza do rgo de controle1.1. Controle poltico1.2. Controle judicial

    2. Quanto ao momento de exerccio do controle2.1. Controle preventivo2.2. Controle repressivo

    3. Quanto ao rgo judicial que exerce o controle3.1. Controle difuso3.2. Controle concentrado

    4. Quanto forma ou modo de controle judicial4.1. Controle por via incidental4.2. Controle por via principal ou ao direta

    Veja-se, a seguir, breve comentrio acerca de cada uma dessas modalidades.

    1. Quanto natureza do rgo de controle

    1.1. Controle polticoA expresso controle poltico sugere o exerccio da fiscalizao de constitucionalidade por

    rgo que tenha essa natureza, normalmente ligado de modo direto ao Parlamento. Essamodalidade de controle costuma ser associada experincia constitucional francesa. De fato,remonta ao perodo revolucionrio o empenho em criar um rgo poltico de controle deconstitucionalidade103. Razes histricas e ideolgicas levaram os franceses desconfiana emrelao ao poder dos juzes e dos tribunais, com a consequente adoo de um modelo rgido deseparao de Poderes. Da a rejeio frmula do controle judicial104.

    A Constituio francesa em vigor, instituidora da V Repblica, em 1958, criou o ConselhoConstitucional (v., supra e infra), composto de nove conselheiros escolhidos pelo Presidente daRepblica e pelo Parlamento, tendo ainda como membros natos os ex-Presidentes da Repblica.Como regra, o Conselho se manifesta previamente promulgao de determinadas leis. Areforma constitucional de 2008, no entanto, produziu relevante alterao, passando a preverhiptese de controle de constitucionalidade de lei j vigente105. Embora o modelo francs sejafrequentemente referido como o arqutipo do controle poltico de constitucionalidade dasleis106, afigura-se mais apropriada a designao de controle no judicial107. que, no fundo, o fato de no integrar o Poder Judicirio e de no exercer funo jurisdicional o que maisnotadamente singulariza o Conseil Constitutionnel junto com o carter prvio de suaatuao108. Quanto ao mais, tanto o critrio de nomeao de seus integrantes como afundamentao jurdica de suas decises aproximam-no do padro das cortes constitucionais

  • europeias.No Brasil, onde o controle de constitucionalidade eminentemente de natureza judicial isto

    , cabe aos rgos do Poder Judicirio a palavra final acerca da constitucionalidade ou no deuma norma , existem, no entanto, diversas instncias de controle poltico daconstitucionalidade, tanto no mbito do Poder Executivo e.g., o veto de uma lei porinconstitucionalidade como no do Poder Legislativo e.g., rejeio de um projeto de leipela Comisso de Constituio e Justia da casa legislativa, por inconstitucionalidade. Oassunto ser tratado mais frente.

    1.2. Controle judicialComo visto, o controle judicial de constitucionalidade teve origem no direito norte-americano,

    tendo se consolidado e corrido mundo a partir da deciso da Suprema Corte no caso Marbury v.Madison, julgado em 1803. Embora herdeiro da tradio inglesa do common law, o direitoconstitucional americano no acolheu um dos fundamentos do modelo britnico, a supremaciado Parlamento, cujos elementos essenciais foram assim caracterizados por Dicey, em pginaclssica:

    (i) poder do legislador de modificar livremente qualquer lei, fundamental ou no;(ii) ausncia de distino jurdica entre leis constitucionais e ordinrias;(iii) inexistncia de autoridade judiciria ou qualquer outra com o poder de anular um ato do

    Parlamento ou consider-lo nulo ou inconstitucion109.No sistema americano, justamente ao contrrio, o princpio maior o da supremacia da

    Constituio, cabendo ao Judicirio o papel de seu intrprete qualificado e final110. A lgica dojudicial review, conquanto engenhosa em sua concepo, de enunciao singela: se aConstituio a lei suprema, qualquer lei com ela incompatvel nula. Juzes e tribunais,portanto, diante da situao de aplicar a Constituio ou uma lei com ela conflitante, deverooptar pela primeira. Se o poder de controlar a constitucionalidade fosse deferido aoLegislativo, e no ao Judicirio, um mesmo rgo produziria e fiscalizaria a lei, o que o tornariaonipotente.

    A tcnica do controle de constitucionalidade somente ingressou na Europa com a Constituioda ustria, de 1920, seguindo a concepo peculiar de Hans Kelsen. Adotou-se ali uma frmuladistinta, com a criao de rgos especficos para o desempenho da funo: os tribunaisconstitucionais, cuja atuao tem natureza jurisdicional, embora no integrem necessariamente aestrutura do Judicirio. O modelo se expandiu notavelmente aps a 2 Guerra Mundial, com acriao e instalao de tribunais constitucionais em inmeros pases da Europa continental,dentre os quais Alemanha (1949), Itlia (1956), Chipre (1960) e Turquia (1961). No fluxo dademocratizao ocorrida na dcada de 70, foram institudos tribunais constitucionais na Grcia(1975), Espanha (1978) e Portugal (1982). E tambm na Blgica (1984). Nos ltimos anos dosculo XX, foram criadas cortes constitucionais em pases do leste europeu (como Polnia,Repblica Tcheca, Hungria) e africanos (Arglia e Moambique)111.

    No Brasil vigora o controle judicial, em um sistema ecltico que combina elementos domodelo americano e do europeu continental.

    2. Quanto ao momento de exerccio do controle

  • 2.1. Controle preventivoControle prvio ou preventivo aquele que se realiza anteriormente converso de um

    projeto de lei em lei e visa a impedir que um ato inconstitucional entre em vigor. O rgo decontrole, nesse caso, no declara a nulidade da medida, mas prope a eliminao de eventuaisinconstitucionalidades. , como visto, o modo tpico de atuao do Conselho Constitucionalfrancs112, sendo tambm adotado em Portugal113. No Brasil h, igualmente, oportunidade para ocontrole prvio, de natureza poltica, desempenhado:

    (i) pelo Poder Legislativo, no mbito das comisses de constituio e justia, existentes nascasas legislativas em geral, que se manifestam, usualmente, no incio do procedimentolegislativo, acerca da constitucionalidade da espcie normativa em tramitao114;

    (ii) pelo Poder Executivo, que poder apor seu veto ao projeto aprovado pela casa legislativa,tendo por fundamento a inconstitucionalidade do ato objeto de deliberao, impedindo, assim,sua converso em lei (como regra, uma lei nasce com a sano, isto , com a anuncia do Chefedo Executivo ao projeto aprovado pelo Legislativo)115.

    Existe, ainda, uma hiptese de controle prvio de constitucionalidade, em sede judicial, quetem sido admitida no direito brasileiro. O Supremo Tribunal Federal tem conhecido demandados de segurana, requeridos por parlamentares, contra o simples processamento depropostas de emenda Constituio cujo contedo viole alguma das clusulas ptreas do art.60, 4. Em mais de um precedente, a Corte reconheceu a possibilidade de fiscalizaojurisdicional da constitucionalidade de propostas de emenda Constituio que veicularemmatria vedada ao poder reformador do Congresso Nacional116.

    2.2. Controle repressivoControle repressivo, sucessivo ou a posteriori aquele realizado quando a lei j est em

    vigor, e destina-se a paralisar-lhe a eficcia. No direito brasileiro, como regra, esse controle desempenhado pelo Poder Judicirio, por todos os seus rgos, atravs de procedimentosvariados, que sero estudados oportunamente. H alguns mecanismos de atuao repressivapelo Legislativo (como a possibilidade de sustar atos normativos exorbitantes editados peloExecutivo) e pelo Executivo (como a recusa direta em aplicar norma inconstitucional). Emqualquer caso, havendo controvrsia acerca da interpretao de uma norma constitucional, altima palavra do Judicirio.

    O controle judicial no Brasil, no que diz respeito ao rgo que o exerce, poder ser difuso ouconcentrado e, no tocante ao modo em que suscitada a questo constitucional, poder dar-se porvia incidental ou principal.

    3. Quanto ao rgo judicial que exerce o controle

    3.1. Controle difusoDo ponto de vista subjetivo ou orgnico, o controle judicial de constitucionalidade poder ser,

    em primeiro lugar, difuso. Diz-se que o controle difuso quando se permite a todo e qualquerjuiz ou tribunal o reconhecimento da inconstituc