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O controle externo da atividade policial e a investigao a cargo do Ministrio Pblico

MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DE SO PAULO

Procuradoria-geral de Justia

a investigao a cargo do Ministrio Pblico e o controle externo da atividade policialDemercian & Maluly

Para que fosse assegurado, na sua plenitude, o exerccio da ao penal, atribuiu-se ao Ministrio Pblico o controle externo da atividade policial, que se desenvolve, fundamentalmente, na prpria realizao do inqurito policial. E este mera atividade administrativa, prvia ao exerccio da ao penal, que tem por escopo proporcionar ao dominus litis elementos que o habilitem a instaurar a instncia penal.

Por outro lado, como cedio, os centros de competncia de um ente estatal interagem e convm, por isso, coorden-los. A fiscalizao entre rgos paralelos, no mbito de cada pessoa poltica, traduz precisamente esse propsito.

Essa funo de viglia, peculiar a um Estado Democrtico, deriva da prpria concepo de poder: o controle serve para aferi-lo e funciona, portanto, como a sua pedra de toque. Bem expressiva, a propsito, a clssica advertncia de Montesquieu: uma experincia eterna que a autoridade ou o rgo que exerce o poder tende a abusar do seu exerccio e dele se vale at encontrar limites e freios.

Da a interdependncia funcional e o aprimoramento contnuo dos instrumentos de fiscalizao externa.

Convm demarcar, entretanto, as fronteiras e a intensidade desse controle. Para Srgio de Andra Ferreira: O termo controle, em sentido especfico, encerra (...) contedo bastante profundo: no , to-somente, mera fiscalizao, algo exterior em relao funo ou atividade controlada. O controle, na verdade, engloba uma interferncia, uma intromisso (no sentido, sem dvida, positivo do termo); uma participao intensa e direta na atuao-objeto. Esse controle externo corresponde interferncia direta e a uma forma, mais ou menos aprofundada, de co-participao.

Na realidade, o poder de interferncia indissocivel da noo de controle, nada obstando, em princpio, que a lei autorize o rgo de controle a agir em substituio ao rgo controlado, desde que o legislador respeite a partilha constitucional de funes. claro que, nessa hiptese, a interposio sobe de grau e opera no mbito da competncia concorrente - tcnica da qual o Direito se serve exatamente para conjurar o risco da inrcia no cumprimento de certos deveres. nesse contexto que ingressa o controle externo da atividade policial: foi concebido para que o Ministrio Pblico, realizando uma fiscalizao especfica e contribuindo para o seu aprimoramento, possa aferir a licitude e a eficincia da investigao criminal.

Esse duplo propsito nsito a qualquer controle da Administrao. Da o clebre magistrio de Seabra Fagundes, que assim resumiu os objetivos essenciais dessa atividade: corrigir os defeitos do funcionamento interno do organismo administrativo, aperfeioando-o no interesse geral, e ensejar reparao a direitos ou interesses individuais, que possam ter sido denegados ou preteridos em conseqncia de erro ou omisso na aplicao da lei.

Alis, h quase sessenta anos o eminente Roberto Lyra j advertia que a eficincia e a respeitabilidade do trabalho policial, que constitui a base da ao da Justia, interessam ao Ministrio Pblico como fiscal, tambm, das autoridades investigadoras, como rgo da ao penal, como responsvel pela segurana, pela regularidade e pela justia da represso. Em ltima anlise, essa tarefa uma projeo especfica da defesa da ordem jurdica e dos interesses sociais e individuais indisponveis - programa constitucional diretamente confiado ao Ministrio Pblico (C.F., art. 127).

Sendo o inqurito policial o instrumento, por excelncia, da polcia judiciria no faz sentido torn-lo imune, em qualquer etapa, ao controle especfico, que incumbe ao Ministrio Pblico.

claro que, segundo o princpio da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5, XXXV), o Poder Judicirio tambm pode intervir na fase pr-processual da persecutio, especialmente para proteger direitos contra ataques virtuais ou consumados. H, entretanto, limites para essa apreciao jurisdicional, que incide, sobretudo, aps a prtica dos atos administrativos e com uma finalidade simplesmente corretiva, para censurar os erros cometidos e eliminar ou reduzir as suas conseqncias. Evidentemente, no cabe ao Magistrado definir de que modo ser formulada a imputao, nem orientar a investigao criminal quanto ao aspecto de utilidade ou eficincia. E a razo intuitiva: a colheita de informaes pela Polcia Civil destina-se imediatamente a convencer o Promotor de Justia - e no o Juiz de Direito.

Por exercer o controle externo da Polcia Judiciria, o Ministrio Pblico pode fiscalizar amplamente de que modo o Estado investiga crimes (C.F., art. 129, VII).

Todavia, sua atribuio em matria criminal no se limita a tanto: inclui, ainda, poderes prprios de investigao, os quais no lhe podem ser recusados, porque so inerentes ao seu dever de propor a ao penal pblica (C.F., art. 129, I).

Nesse sentido a doutrina e a jurisprudncia convergem.

Por sua perfeita sntese, convm transcrever o autorizado magistrio de Hugo Nigro Mazzilli: De um lado, enquanto a Constituio deu exclusividade Polcia federal para desempenhar as funes de Polcia Judiciria da Unio, o mesmo no se fez quanto Polcia estadual (cf. art. 144, 1, IV, e 4); de outro, o Ministrio Pblico tem poder investigatrio previsto na prpria Constituio, poder este que no est obviamente limitado rea no penal (art. 129, VI e VIII). Seria um contra-senso negar ao nico rgo titular da ao penal pblica, encarregado de formar a opinio delicti e promover em juzo a defesa do jus puniendi do Estado soberano (...), a possibilidade de investigao direta de infraes penais, quando isto se faa necessrio.

polcia Judiciria no deferido, a todas as luzes, o monoplio da investigao criminal. Essa exegese no , de fato, convincente.

A prpria Constituio Federal, quando delega Polcia Federal o exerccio com exclusividade das funes de polcia judiciria da Unio (CF, art. 144, 1, inc.IV) o faz com o ntido propsito de impedir que essas funes sejam exercidas pelas polcias judicirias dos Estados.

Em outras palavras, os crimes da competncia da Justia Federal s podem ser objeto de inqurito instaurado pela Polcia Federal e no pelas Polcias Estaduais.

O Ministrio Pblico tem o dever de propor, quando cabvel, a ao penal pblica. Para lhe conferir justa causa, utiliza, normalmente, o inqurito policial, do qual pode, entretanto, prescindir. Com efeito: atenta ao Cdigo de Processo Penal (arts. 12, 27, 39, 5, e 46, 1), a doutrina sempre se referiu ao inqurito como um instrumento facultativo e dispensvel para o exerccio, pelo dominus litis, do seu direito de ao. Nessa linha formou-se remansosa jurisprudncia, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

A Constituio de 1988 no alterou esse quadro institucional: dentre os diversos rgos que o Estado mantm para propiciar segurana pblica, limitou-se a indicar qual deles tem a incumbncia especfica de investigar as infraes penais e de exercer a polcia judiciria (C.F., art. 144, 4). Da no se pode extrair a exclusividade para o seu exerccio. que a norma no pode ser interpretada fora do contexto em que foi concebida, em dissonncia com os demais princpios da Constituio Federal. No se pode, nessa ordem de idias, retirar do Ministrio Pblico o poder autnomo de investigar, j que ele prprio o destinatrio da informao. curial que o titular da ao penal se prepare para o exerccio responsvel da acusao.

possvel invocar, nesse tema, a doutrina dos poderes implcitos, at mesmo pelo prisma de quem no a encara com entusiasmo. o caso, por exemplo, de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, que, embora no adiram sem ressalvas a essa escola, admitem como implcitas as competncias instrumentais necessrias para dar sentido til s competncias constitucionais.

Ora, evidente que o poder de investigao prprio um instrumento inerente ao dever de ajuizar a ao penal pblica, pois esta se esvazia quando a fase pr-processual no desenvolvida com a necessria eficincia. Bem a propsito, Miguel Reale adverte que a hermenutica constitucional, especialmente no que tange ao problema das competncias, alm de considerar os poderes explcitos conferidos a um rgo, leva em conta os poderes implcitos, sem os quais ficaria ele impedido de exercer suas atribuies de maneira autnoma.

Semelhante questo, com contornos especficos, j foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal quando se debatia a possibilidade de o Ministrio Pblico requisitar informaes, registros, dados ou documentos protegidos por sigilo.

A Suprema Corte, analisando sistematicamente os artigos 127, caput e 129, VI, da Constituio Federal (defesa da ordem jurdica e poder de requisio), bem como o artigo 8, 2, da Lei Complementar 75/93 (Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio), e art. 26, I, b e 2, da Lei 8625/93 (Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico) decidiu, pela maioria dos seus membros, que o sigilo das informaes bancrias no pode ser oposto Instituio.

Em verdade, a Polcia Judiciria nunca deteve o monoplio da investigao criminal. Atividade de autodefesa, compreende-se que o Estado se organize para exerc-la. Essa tarefa, entretanto, no cerceia a iniciativa de outras autoridades administrativas, quando autorizadas pela lei (CPP, art. 4, par. nico), nem do particular ou, menos ainda, do prprio Ministrio Pblico.

inegvel que apurao das infraes penais cabe, primordialmente, autoridade policial; porm, se esta no proceder a uma adequada investigao do fato, em prejuzo da persecuo penal, a interferncia do Ministrio Pblico verificar-se- para assegurar o sucesso dessa atividade, na qual o dominus litis tem evidente interesse.

Na realidade, quando o Ministrio Pblico promove sua pesquisa direta, no est presidindo um inqurito policial: move-se nos limites de uma investigao prpria, peculiar e inconfundvel com a desenvolvida pela Polcia Civil. A adequada investigao criminal tem por fundamento, no s o exerccio responsvel e profcuo da ao penal, como tambm a garantia da segurana pblica como dever do Estado e direito e responsabilidade de todos (Constituio Federal, artigo 144, caput). Isto porque a preveno da criminalidade obviamente no interessa, apenas, aos rgos de polcia (artigo 144, I a V, CF.) ou Secretaria da Segurana Pblica.

As funes do Ministrio Pblico na persecuo, promovendo a ao penal e acompanhando a investigao policial, tambm compem o sistema estatal de preveno criminalidade. No por outro motivo que a L.C. n 75/93 (Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio) estatuiu que o controle externo da atividade policial ser exercido tendo em vista a preservao da ordem pblica, da incolumidade das pessoas e do patrimnio pblico (artigo 3, b). Cumpre lembrar que as normas da referida Lei Orgnica aplicam-se, subsidiariamente, aos Ministrios Pblicos estaduais (artigo 80 da Lei n 8.625/93).

Por outro lado, a Constituio Federal, em seu artigo 127, definiu o Ministrio Pblico como uma instituio essencial funo jurisdicional do Estado, impondo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis.

Na mesma linha, o artigo 129, inciso II, da Carta Magna tambm lhe confiou o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Pblicos e dos servios de relevncia pblica aos direitos assegurados nesta Constituio, promovendo as medidas necessrias a sua garantia.

Por seu turno, a Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico (Lei n. 8.625/93), em seu artigo 27, repetiu o ordenamento constitucional, dispondo que cabe ao Ministrio Pblico exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituies Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: I - pelos poderes estaduais ou municipais; II - pelos rgos da Administrao Pblica Estadual ou Municipal, direta ou indireta. Igual disposio encontra-se na Lei Complementar Estadual n 734/93, no artigo 103, inciso VII, incisos I e II.

Nesse quadro normativo, no se pode subtrair do Ministrio Pblico seu dever, como rgo da sociedade ou do Estado, de agir em prol da segurana pblica, cumprindo-lhe, pois, atentar para a preveno da criminalidade, em defesa de um direito fundamental assegurado a todos pela Constituio.

Naturalmente, a atividade do Ministrio Pblico, voltada para a garantia do direito segurana, deve ser exercida dentro dos contornos constitucionais, incumbindo-lhe utilizar-se dos instrumentos que lhe foram conferidos, dentre os quais a ao penal pblica, o poder de requisio do inqurito policial e das diligncias investigatrias e, ainda, o controle externo da atividade policial.

No se trata, pois, de usurpar as atribuies da Secretaria de Segurana na preveno da criminalidade, mas, simplesmente, de exercer o controle externo consoante as funes institucionais do Ministrio Pblico e em fina sintonia com o seu perfil constitucional. A sociedade est organizada formalmente a partir da inter-relao dos diversos papis sociais. Por esta razo, visando ao melhor funcionamento das instituies responsveis pela persecuo penal, que o legislador estabeleceu, a partir de um processo de estrutura acusatria, a atividade de controle externo da atividade policial, que, alis, no nova e est prevista em vrios dispositivos do j vetusto Cdigo de Processo Penal.

O legislador ptrio, j a partir do Cdigo de 1941, procurou dar ao nosso processo penal como se falou inequvoca estrutura acusatria, que precedida, entretanto, de uma fase inquisitiva, a cargo, como regra, da Polcia Judiciria, mas que se destina ao titular da ao penal.

No se pode olvidar a finalidade especfica do inqurito policial: as informaes nele coligidas prestam-se nica e exclusivamente formao da opinio delicti do Ministrio Pblico. Nesse diapaso, no seria razovel que o legislador vedasse ao seu nico destinatrio o amplo acesso s informaes coletadas, at para melhor orientar a virtual atividade em juzo, no sentido de influir adequadamente no convencimento do julgador.

Por essa razo, v.g., que se atribuiu ao Ministrio Pblico, j na antiga lei processual penal e em todos os projetos subseqentes, o poder de requisio, ou seja, de exigir legalmente. Alis, a interveno do Ministrio Pblico na fase de inqurito fica tanto mais evidente quando se sabe que nem mesmo o sigilo das peas informativas pode a ele ser oposto (art. 26, IV, da Lei 8625/93).

Em outras palavras, no se pode conceber um Promotor de Justia inerte, colocado na posio de mero espectador das investigaes que se sucedem, aguardando, ao talante da autoridade policial, que o inqurito seja relatado, para s ento decidir se prope a ao penal (e em que termos), se arquiva o procedimento investigatrio ou se requisita outras diligncias.

Esse mnus conferido ao titular privativo da ao penal pblica no se limita ao poder-dever de determinar a instaurao de inqurito, expressamente estabelecido no artigo 5, inciso II, do CPP, compreendendo tambm quaisquer outras diligncias investigatrias, no exato momento em que elas se mostrarem necessrias, por fora do que dispe o artigo 129, inciso VIII, da Constituio Federal.

Se a interveno do Ministrio Pblico s se justificasse no instante imediatamente posterior ao relatrio de que trata o art. 10 do Cd. de Proc. Penal, haveramos de concluir, por conseqncia, que aquele ato constituiria uma esdrxula e inusitada condio de procedibilidade, o que afronta a unanimidade da doutrina especializada.

Analisando a questo, Jos Antonio Paganella Boschi deixa assentado que o inqurito policial no constitui uma conditio sine qua non para a propositura da ao penal, pois haveria uma quebra do direito estatal de perseguir soberanamente em juzo o infrator. Nessa hiptese, ...bastaria a polcia judiciria deixar de encaminh-lo justia, para o imediato exame e providncias do Ministrio Pblico, para que o dominus litis ficasse impossibilitado de exercer sua funo constitucional, o que seria um evidente absurdo.

Assiste-lhe a mais absoluta razo. O inqurito no um mero procedimento administrativo e interno de rgo vinculado Secretaria de Segurana. A razo de sua existncia relaciona-se a um objetivo maior, de ordem pblica, que justamente aparelhar outro ente estatal para o desenvolvimento da sua atividade em juzo, buscando demonstrar a viabilidade da aplicao da sanctio juris. intuitivo, portanto, que o inqurito policial no um fim em si mesmo.

Na verdade, tradicional o paradoxo que envolve esse conjunto de peas informativas. possvel identificar-se, com clareza, sua dicotomia: o inqurito obrigatrio, porque tendo cincia de um fato tpico em relao ao qual caiba a ao pblica, o Delegado de Polcia tem o dever funcional de instaur-lo; e facultativo, porque o Ministrio Pblico pode prescindir desta forma de investigao para a propositura da ao penal (CPP, arts. 39, 5; 40; 46, 2).

Alm disso, como bem observa Jos Frederico Marques o legislador brasileiro conferiu a outras autoridades administrativas o poder para investigar amplamente delitos que possam interferir na rbita de suas atividades, inclusive instaurando inquritos administrativos destinados apurao das responsabilidades de servidores pblicos e que podem servir de notitia criminis informativa, quando contiverem elementos suficientes para formarem a opinio delicti ou suspeita do crime por parte do Ministrio Pblico.

O Cdigo de Processo Penal, alis, expresso quanto possibilidade da dispensa pelo Ministrio Pblico do inqurito policial, desde que ele, para denncia, esteja amparado em uma representao ou em peas de informao que o habilitem a atribuir com alguma segurana a autoria do delito materialmente comprovado (art. 46, 1). Ou seja, se o inqurito o instrumento, por excelncia, da investigao, ele no o nico.

O poder de requisio, um dos instrumentos de que dispe o Ministrio Pblico no combate criminalidade e aperfeioamento da prova, de extrao constitucional. Nossa Carta Poltica, notadamente no artigo 129, incisos VII e VIII, estabelece serem funes institucionais do Ministrio Pblico, dentre outras, o controle externo da atividade policial, bem como a requisio de diligncias investigatrias e inquritos policiais.

No poderia ser diferente. Como j assinalado, o inqurito o conjunto de peas informativas, cuja finalidade precpua levar ao conhecimento do rgo oficial da acusao indcios da autoria e prova da existncia de um crime. A partir da dever o dominus litis desenvolver uma intensa atividade em juzo, colimando a aplicao da sanctio juris.

Por outro lado, a Constituio Federal, as Leis Orgnicas do Ministrio Pblico e o Cdigo de Processo Penal quando indicam as funes institucionais do Parquet sempre se referem expresso requisio, no seu sentido mais estrito e puro. E requisitar, no sentido que lhe empresta o Estatuto Processual Penal e demais legislaes citadas, nada mais do que exigir legalmente.

Se a exigncia legal, ou seja, se decorre de fundamento expressamente previsto em lei, no pode a autoridade policial, sob pena de prevaricao (art. 319 do CP) ou de sanes administrativas (se ausente, no primeiro caso, o elemento subjetivo do tipo), negar-lhe cumprimento.

O Superior Tribunal de Justia em acrdo relatado pelo Min. Flaquer Scartezzini, assinalou que:

A requisio de informaes pelo Ministrio Pblico, nos procedimentos administrativos de sua competncia, aos Delegados de Polcia, est compreendida no exerccio do controle externo da atividade policial, definido nos arts. 7, II, 9, II e 38 da Lei Complementar n 75, de 20 de maio de 1993 e o no cumprimento das diligncias solicitadas, acarretando instaurao de inqurito policial, procedimento absolutamente legal que no deve ser trancado sob a alegao de falta de justa causa.

Em suma: esse poder de requisio de inqurito policial (CPP, art.5, II) e, bem assim, de quaisquer outras diligncias investigatrias (CF, art.129, VIII e CPP, art.13, II) no se submete a controle de legalidade pela Polcia Judiciria.

Alis, soa como autntica teratologia deferir-se ao titular do direito de ao o amplo poder de requisitar diligncias no momento que bem entender e, ao mesmo tempo, negar-se o direito de pesquisar, por meios prprios, a autoria e materialidade de um ilcito.

Ora, se se retira do Ministrio Pblico o poder de investigar, o titular do direito de ao no ter alternativa seno a de, instaurado o inqurito, emitir sucessivas requisies autoridade que o preside, determinando-lhe a realizao desta ou daquela diligncia investigatria. O Delegado de Polcia, nessa ordem de idias, se transformaria em um mero instrumento do Parquet, j que, como se sabe, ele no pode descumprir a ordem legal consubstanciada na requisio.

S quem perde com essa limitao injustificvel atividade do Ministrio Pblico a prpria sociedade, da qual ele o representante. Como conseqncia, ganham os criminosos, especialmente aqueles envolvidos com a macro-criminalidade e que tem sido alvo principal de intensa atividade persecutria desenvolvida pelos diversos rgos do Ministrio Pblico.

Convm enfatizar que a relevncia social da Polcia Civil no est na ilusria concentrao de poder, mas sim no adequado combate criminalidade - objetivo, por sua vez, indissoluvelmente ligado a uma eficiente atuao do Ministrio Pblico. E como este o destinatrio imediato do inqurito policial, nada mais natural que controle sua regularidade e, por meios prprios, busque informaes para a adequada e responsvel formao da opinio delicti.

O monoplio da ao penal entregue ao Ministrio Pblico, como se viu no item precedente, d Instituio poderes implcitos para a realizao da sua misso constitucional.

Por outro lado, como tambm j se procurou demonstrar, a atividade investigatria no privativa da Polcia Judiciria.

Postas essas duas premissas, inegvel que Ministrio Pblico tem poderes para, por meios prprios, investigar infraes penais e sua respectiva autoria. No uso dessa atribuio pode expedir notificaes e requisies, alm de exercer outras funes compatveis com a sua finalidade. preciso que no se confunda, entretanto, o poder prprio de investigao com o poder de instaurar inquritos policiais. O inqurito policial um dos muitos instrumentos de investigao existentes na legislao brasileira e quem tem atribuio para sua realizao a Polcia Judiciria, nos termos do art. 4 do Cdigo de Processo Penal.

Convm salientar, de resto, que o rgo do Ministrio Pblico que participou das investigaes, como parte que , no estar impedido de oferecer denncia e prosseguir no processo nos seus ulteriores termos, no se aplicando, nesse particular, os impedimentos relativos aos magistrados (cf Smula 234 do Superior Tribunal de Justia).

Finalmente, ainda que se conclua erradamente que o Ministrio Pblico no detm poderes prprios de investigao (que se tem verificado, de maneira no-majoritria, em julgados esparsos), essa atividade desenvolvida pelo dominus litis no pode repercutir em virtual processo como causa de nulidade.

Nulidades processuais so de direito estrito e entre suas fontes, silente a lei, no figura eventual defeito de investigao porque realizada pelo Ministrio Pblico. Apreciando questo semelhante, e j na fase judicial, Pontes de Miranda deixou assinalado que, no havendo preceito legal em contrrio, irrelevante que o rgo pelo qual o Estado se fez presente carecesse, no caso, do poder de atuao.

Por fim, a concepo moderna do processo, como instrumento de realizao da justia, repudia o excesso de formalismo, que culmina por inviabiliz-la. inaceitvel, nessa ordem de idias, o trancamento de uma ao penal, sob o argumento de que carecia ao Ministrio Pblico poderes investigatrios, especialmente porque se trata de uma fase meramente informativa e de coleta de um mnimo de base emprica para a deflagrao do processo.

Em resumo, conclumos que o controle externo da atividade policial e as investigaes a cargo do Ministrio Pblico tem assento na prpria Constituio Federal e aplicao imediata, independentemente de regulamentao.

Jorge Assaf Maluly

Promotor de Justia e Assessor do Procurador-geral de Justia

Pedro Henrique Demercian

Promotor de Justia Criminal designado junto 1 Procuradoria de Justia

Mestre e Doutor em Processo Penal pela PUC/SP Como observa FAUZI HASSAN CHOUKE Garantias Constitucionais na Investigao Criminal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, especialmente p. 167-77, o controle externo da atividade policial no uma criao genuinamente brasileira. O mtodo tambm aplicado em pases de tradio cannico-romana, tais como a Itlia, Alemanha e Portugal, constando, tambm, expressamente do Cdigo de Processo Penal Tipo para a Amrica Latina.

No inqurito policial no h acusao formal, sendo o suspeito objeto de um procedimento investigatrio e no sujeito de um processo jurisdicional (Cf. JOS FREDERICO MARQUES Elementos de Direito Processual Penal. Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 145; no mesmo sentido: Jlio Fabbrini Mirabete Cdigo de Processo Penal Interpretado. So Paulo: Atlas, 1994, n. 4.1, p. 34.

Cf. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO Princpios gerais de direito administrativo. Vol.II, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 126-127.

Cf. LAFAYETTE POND Controle administrativo. In: Estudos de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 207

Cf. O Esprito das Leis, traduo de PEDRO VIEIRA MOTA. 4 ed., So Paulo: Saraiva, 1996, L. XI, cap. 4, p. 163

Cf. A identidade da funo de controle da Administrao Pblica no contexto da jurisdio. In: Perspectivas do Direito Pblico: estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes (coord. Crmen Lcia Antunes Rocha). Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 350.

Cf. ob. cit., p. 351 e 356

Cf. LAFAYETTE POND op. cit., p. 208 e 210

Cf. HUGO NIGRO MAZZILLI O controle externo da atividade policial. Revista dos Tribunais (664):390-391, e O Ministrio Pblico na Constituio de 1988. So Paulo: Saraiva, 1989, p. 117-118; INOCNCIO MRTIRES COELHO O controle externo da atividade policial pelo Ministrio Pblico. Revista dos Tribunais (664):383; LVARO LAZZARINI Segurana pblica e o aperfeioamento da Polcia no Brasil. In: Estudos de Direito Administrativo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 129-130.

Cf. CAIO TCITO Direito Administrativo. So Paulo: Saraiva, 1975, p. 278; SRGIO DE ANDRA FERREIRA op. cit., p. 340 e 350

Cf. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judicirio. 4 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1967, n. 53, p. 108

Cf. Theoria e Prtica da Promotoria Pblica. Rio: Livraria Editora Jacintho, 1937, p.133-134.

cogente, v.g., a comunicao do flagrante ao Juiz de Direito, que, nessa etapa, dever velar pela regularidade da priso e avaliar a necessidade de sua manuteno. indispensvel, de outra parte, a interveno do juiz para a decretao de quebra de sigilo; conceder autorizao para interceptao telefnica ou a pratica de outros atos que impliquem na quebra de algum valor constitucionalmente consagrado (cf. FAUZI HASSAN CHOUKE Garantias Constitucionais na Investigao Criminal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 187).

Cf. JOS FREDERICO MARQUES Elementos de Direito Processual Penal. Vol.I, 2 ed., Rio: Forense, 1965, n. 83, p.157-158.

Cf. HLIO TORNAGHI Instituies de Processo Penal. Vol.I, Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.136; AFRANIO SILVA JARDIM Arquivamento e desarquivamento do inqurito policial. In: Direito Processual Penal: estudos e pareceres. 5 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 250-251

Cf. JULIO FABBRINI MIRABETE - Processo Penal. 4 ed., So Paulo: Atlas, 1995, n. 3.1.2, p.77, e Cdigo de Processo Penal Interpretado. 2 ed., So Paulo: Atlas, 1995, nota 4.4 ao art. 4, p.36.

Cf., v.g., STJ, 5 Turma, RHC 3.457-2/SP, j. em 18/04/94, Rel. Min. Flquer Scartezzini; TJRS, Cmara de Frias, HC 690000351, j. 4.1.90, RT 651/314-321; TARS, JTAERGS 79/128

Cf. artigo citado, p. 392; tambm, do mesmo autor, Regime Jurdico do Ministrio Pblico. 2 ed., So Paulo: Saraiva, 1995, p.228.

Cf., nesse sentido, as sempre oportundas e competente asseres de CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA Comentrios ao Cdigod e Processo Penal, Bauru: Edipro, p.183.

Cf. FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO Processo Penal. 6 ed., So Paulo: Saraiva, 1982, p. 175-176; JOS FREDERICO MARQUES Elementos..., cit., vol. I, 76 e 79, p. 143 e 146-147; HLIO TORNAGHI cit., p. 138; EDUARDO ESPINOLA FILHO Cdigo de Processo Penal Brasileiro Anotado, cit., vol. 1, n. 37, p. 246-248

Cf., v.g, RTJ 76/741 e 64/343; tambm HC 41.205, Pleno, j. em 10/3/65, Rel. Min. VICTOR NUNES; RHC 58.644, j. em 10/3/81, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 22/5/81, pg. 4.736, RTJ 101/571; RHC 58.743, j. em 10/3/81, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 8/5/81, pg. 4.117, RTJ 101/580; RHC 62.300-RJ, j. em 13/12/84, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, j. em 13/12/84, DJU de 15/3/85, pg. 3.137

Cf. ANTONIO SCARANCE FERNANDES Constituio da Repblica. Cdigo de Processo Penal e sua reforma, in Justia penal: crticas e sugestes. So Paulo: Centro de Extenso Universitria-Revista dos Tribunais. 1984, p. 63; JULIO FABBRINI MIRABETE - Processo Penal, cit., p. 77; VICENTE GRECO FILHO Manual de Processo Penal. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 82.

Cf. CARLOS MAXIMILIANO op. cit., n. 374, pg. 386-387; J. H. MEIRELLES TEIXEIRA Estudos de Direito Pblico, I/497; BLACK - On the Construction and Interpretation of the Laws, p. 31; COOLEY A Treatise on the Constitucional Limitations, p. 78; J. STORY, Commentaries, I/323, apud HELY LOPES MEIRELLES Estudos e Pareceres de Direito Pblico. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, vol.VII, p. 340.

Cf. op. cit., nota VI ao art. 113, p. 494-495 e 582

cf. parecer de 23.9.81, in Representao de inconstitucionalidade n 1.075-9 - rgo Especial do Tribunal de Justia: eleio de seus dirigentes, So Paulo, Lex Editora, 1981, pg. 36

Cf. ALEXANDE DE MORAES Direito Constitucional (7 ed.), cit., p.89; STF Mandado de Segurana n 21.729/DF, Rel. Min. SEPLVEDA PERTENCE, Dirio da Justia de 16. out.1995, p.34571. esse tambm o entendimento de HUGO NIGRO MAZZILLI Introduo ao Ministrio Pblico. 2 ed., So Paulo: Saraiva, 1998, p.74.

Cf. JOS FREDERICO MARQUES - Elementos de Direito Processual Penal, cit., vol. I, n. 76 a 79, p. 143-147.

Essa destinao da atividade investigatria no privativa do sistema processual brasileiro. Em alguns pases o Promotor de Justia responsvel pela direo da polcia, como, v.g., em Portugal e na Itlia, que sofreram recentemente alterao nos respectivos diplomas processuais penais (1987 e 1988). A legislao projetada no Brasil, embora sem atribuir ao Ministrio Pblico uma atividade de direo da Polcia Judiciria, mantm uma tradio j arraigada e que decorre do prpria estrutura acusatria no sentido de que as informaes colhidas num inqurito (ou outro procedimento investigatrio qualquer) tm como destinatrio o dominus litis, a quem se atribui o amplo poder de requisio de diligncias investigatrias. No se tem notcia histrica de qualquer limitao temporal para esse poder de exigir legalmente, exceto no anteprojeto Frederico Marques. Neste, durante a fase contraditria, as provas devero ser requeridas ao juzo competente, at para se assegurar a paridade de armas (anteprojeto de CPP de 26.06.70, de 310, pargrafo nico).

Confira-se, a respeito o Anteprojeto Frederico Marques; o Projeto de Lei 1655/83, artigo 12 e o conjunto de Projetos de Novembro de 1994.

Cf. HUGO NIGRO MAZZILLI, cit., RT 664/391

Cf. Persecuo Penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 25.

Tratado de Direito Processual Penal. So Paulo: Saraiva, 1980, p. 181

Tal entendimento, alis, consensual na doutrina, como se pode conferir nas lies de MAGALHES NORONHA Curso de Direito Processual Penal, cit., So Paulo: Saraiva, 1989, p.18-19); HLIO TORNAGHI Curso de Processo Penal, cit., So Paulo: Saraiva, 1987, p.29-30; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO Processo Penal. Vol.I, 11 ed., cit., p. 197); EDUARDO ESPNOLA FILHO Cdigo de Processo Penal Brasileiro Anotado, cit., vol. I, tomo I,p. 277.

Recurso em Habeas Corpus n 3.457-2/SP, 5 Turma, j. 18.04.1994.

O Egrgio Superior Tribunal de Justia, apreciando o tema, entendeu legtima a notificao para que Delegado de Polcia fosse ouvido em investigao suplementar levada a efeito pelo Ministrio Pblico, em delito de abuso de autoridade, afastando a alegao de constrangimento ilegal (Recurso Ordinrio em Habeas Corpus n 10225-DF, Relator Min. Vicente Leal, 6 Turma do STJ, data do julgamento 03.04.2001).

So instrumentos de investigao, alm do inqurito policial, as CPIs; investigaes a cargo do prprio Poder Judicirio, quando envolver, por exemplo, Juiz de Direito; inquritos policias militares; procedimentos administrativos em geral (v.g., para instruir ao penal nos crimes praticados por funcionrios pblicos: art. 514 e ss do CPP), dentre outros.

Cf. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, cit., p. 320.

Cf. STJ-4 Turma, Resp 15.713-MG, Rel. Min. Slvio de Figueiredo, j. 4.12.91, v.u., DJU 24.2.1992, p. 1.876