O coronelismo é a manifestação do poder privado

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O coronelismo é a manifestação do poder privado – dos senhores de terra – que coexiste com um regime político de extensa base representativa. Refere-se basicamente a estrutura agrária que fornecia as bases de sustentação do poder privado no interior do Brasil, um país essencialmente agrícola. Definido como um compromisso, uma troca de proveitos entre o Poder Publico, progressivamente fortalecido, e a decadente influencia social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras. A força dos coronéis provinha dos serviços que prestavam ao chefe do Executivo, para preparar seu sucessor nas eleições, e aos membros do Legislativo, fornecendo-lhes votos e assim ensejando sua permanecia em novos pleitos, o que tornava fictícia a representação popular, em virtude do voto "manipulado". Certas atribuições, tais como eleger o governador e o prefeito, criar certos impostos, foram retiradas do poder central e transferidas para os estados e municípios. Essa descentralização, introduzida pela República, fortaleceu o poder local. Os grandes fazendeiros interferiam violentamente nas eleições. Esses grandes fazendeiros eram chamados de coronéis e seu sistema de dominação, o coronelismo, cujo papel principal cabia aos coronéis. Os coronéis acabaram assumindo um grande poder. O coronel era, sobretudo uma figura local, exercendo influencia nas cidades menores, mais afastadas e sua imediações. Nessas localidades, aonde não chegava a influencia do Estado, certas funções publicas, tais como policia, justiça e outras passaram a ser exercida de forma privada, pelos coronéis. Mesmo que no município existissem os delegados, o juiz, prefeito, essas autoridades, encontravam-se submetidas ao seu poder. O coronel tinha de mandar e ser obedecido, era a pratica do "mandonismo local". Esse poder decorria de sua condição de grande proprietário, e era proporcional à quantidade de terras que possuía. Quanto mais terra, maior era o numero de pessoas que dependia do coronel.

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O coronelismo é a manifestação do poder privado – dos senhores de terra – que

coexiste com um regime político de extensa base representativa. Refere-se

basicamente a estrutura agrária que fornecia as bases de sustentação do poder

privado no interior do Brasil, um país essencialmente agrícola.

Definido como um compromisso, uma troca de proveitos entre o Poder Publico,

progressivamente fortalecido, e a decadente influencia social dos chefes locais,

notadamente dos senhores de terras. A força dos coronéis provinha dos serviços

que prestavam ao chefe do Executivo, para preparar seu sucessor nas eleições, e

aos membros do Legislativo, fornecendo-lhes votos e assim ensejando sua

permanecia em novos pleitos, o que tornava fictícia a representação popular, em

virtude do voto "manipulado".

Certas atribuições, tais como eleger o governador e o prefeito, criar certos

impostos, foram retiradas do poder central e transferidas para os estados e

municípios. Essa descentralização, introduzida pela República, fortaleceu o poder

local.

Os grandes fazendeiros interferiam violentamente nas eleições.

Esses grandes fazendeiros eram chamados de coronéis e seu sistema de

dominação, o coronelismo, cujo papel principal cabia aos coronéis.

Os coronéis acabaram assumindo um grande poder. O coronel era, sobretudo uma

figura local, exercendo influencia nas cidades menores, mais afastadas e sua

imediações.

Nessas localidades, aonde não chegava a influencia do Estado, certas funções

publicas, tais como policia, justiça e outras passaram a ser exercida de forma

privada, pelos coronéis. Mesmo que no município existissem os delegados, o juiz,

prefeito, essas autoridades, encontravam-se submetidas ao seu poder.

O coronel tinha de mandar e ser obedecido, era a pratica do "mandonismo local".

Esse poder decorria de sua condição de grande proprietário, e era proporcional à

quantidade de terras que possuía. Quanto mais terra, maior era o numero de

pessoas que dependia do coronel.

Estabeleceu-se uma relação de dominação pessoal do "coronel" sobre seus

dependentes. Quando se perguntava a alguém: "Quem é você?", a reposta era:

"Sou gente do coronel fulano". Essas pessoas constituíam a clientela do "coronel".

Havia milhares de coronéis espalhados pelos municípios brasileiros. Nem todos os

coronéis tinham o mesmo poder de influencia, nem todos eram amigos entre si.

Na disputa pelo poder era comum explodir lutas sangrentas entre bandos de

jagunços de coronéis adversários. Ao final, o coronel mais poderoso e violento

acabava por se impor na região em disputa.

O coronel mais importante estabelecia alianças com outros fazendeiros para eleger

o governador do estado.

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Os coronéis alem de manipular os votos através do voto de cabresto, utilizavam

muitas fraudes para ganhar as eleições. Exemplos: documentos eram falsificados

para que menores analfabetos pudessem votar; pessoas que já tinham morrido

eram escritas como eleitores; urnas eram violadas e votos adulterados; muitas

artimanhas eram feitas na contagem de votos.

A força do coronelismo era maior nas regiões mais atrasadas, porque nesses

lugares a população não encontrava ou encontrava poucas possibilidades de viver

fora da agricultura. Nas regiões mais urbanizadas a população ganhava mais

independência política que podia encontrar empregos no comercio e na industria.

São resultantes desse compromisso algumas características do sistema Coronelista

que ainda perduram em nosso país: o mandonismo, o filhotismo, o nepotismo, o

falseamento do voto e a desorganização dos serviços locais.

Nas ultimas décadas do século, a população rural correu para as cidades, atraída

inicialmente pelo processo de industrialização e deixou de usar a enxada como

instrumento de trabalho, a relação entre o coronel e o voto de cabresto parece

sobreviver sob novas formas diversificadas de "coronelismo" no Brasil urbano.

A relação de reciprocidade ganha novos contornos e amplia a sua esfera para

outras arenas: a vaga na escola só é concedida pelo vereador – a rede de água e

esgoto ou a instalação elétrica compete ao deputado estadual; e os investimentos

em transporte ou pólos de desenvolvimento ficam com os deputados federais e os

senadores.

As políticas públicas acabam sempre privatizadas pelas verbas distribuídas

diretamente aos parlamentares, pela contratação de cabos eleitorais para assumir

funções nobres em órgãos públicos ou pelos "currais comunitários" desenvolvidos

pelos "coronéis modernos".

Este procedimento de utilização direta ou indireta dos recursos públicos mantém,

alimenta e conserva a "relação de reciprocidade" e acaba por atender mais a

sustentação das lideranças dos coronéis modernos em detrimento da implantação,

organização e democratização de políticas públicas voltadas para o cidadão e para

a sociedade.

A atualidade do coronelismo, tratando por exemplo, do Ceará, é a seguinte: Voto de

curral, principalmente no interior, política de aliados pela troca de favores e

distribuição de cargos federais, estaduais e municipais para apadrinhados dos

poderosos ainda encontram eco na cultura local. Hoje a precária estrutura

partidária do interior continua ao sucumbir diante de pressões. Votos são trocados

por cestas, tijolos e até dentaduras.

E o que dizer do coronelismo eletrônico? O advento das mídias eletrônicas de

massa e sua universalização, num país onde os baixíssimos níveis de educação da

população as transformam num meio hegemônico de informação e, mais grave que

isso, num meio hegemônico de formação e de indução de modas e costumes,

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ensejam o surgimento de uma versão eletrônica do fenômeno do coronelismo,

infinitamente mais abrangente e perigoso que a versão anterior.

Quem, não por acaso, deu o impulso definitivo a esse surgimento foi um dos mais

legítimos representantes dessa versão brasileira do caudilhismo, o ex-senador

Antonio Carlos Magalhães que, quando ministro das Comunicações do governo José

Sarney, distribuiu canais de radio e televisão a todos os grupos políticos regionais

dominantes, especialmente no Norte e Nordeste do País, e articulou a filiação de

muitos desses canais à mais poderosa das redes privadas de televisão, à qual ele

estava, na época, umbilicalmente ligado. Assim nasceu a relação de crescente

promiscuidade entre o poder político e o poder da mídia que desvirtua a

democracia brasileira.

Em reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, em 15/08/2001, temos um retrato

atualizado desse quadro:

Os políticos controlam ¼ das emissoras comerciais de televisão do Brasil: 60 de um

total de 250. Esse número se refere apenas aos veículos que detêm concessão

governamental para reger programação. A Rede Globo tem 21 filiais pertencente a

políticos, o SBT tem 17, a Bandeirantes 9. entre os políticos que vivem de

retransmitir e vender programação da Globo em seus estados estão os ex-

presidentes Jose Sarney e Fernando Collor de Mello, os governadores Roseana

Sarney (MA), Garibaldi Alves Filho (RN) e Albano Franco (SE), o ex-senador e ex-

governados da Bahia Antonio Carlos Magalhães e o atual senador Antonio Carlos

Magalhães Junior (BA), e mais um ex-senador, oito deputados federais e um

estadual. Entre os que vivem do SBT, estão o governador Tarso Jereissati (CE), o

presidente interino do Senado, Edison Lobão (MA), três ex-governadores (Quércia,

Paulo Pimentel e Nilo Coelho) e mais quatro deputados federais. Ligados a

Bandeirantes, há três senadores – entre eles o licenciado Jader Barbalho (PA). E há

ainda as redes menores, todas com sua coleção de políticos.

Uma vez estabelecida à ligação entre essas duas pontas, ela ganha uma dinâmica

própria virtualmente impossível de deter.

Freqüentemente, na Bahia, esta ligação foi tão escandalosa que mereceu um

capitulo especial no relatório anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)

-, os donos dessas redes, quando no poder, carreiam toda a publicidade oficial para

seus próprios veículos, o que lhes permite esmagar a concorrência e calar as vozes

da oposição. Acabam se elegendo e se reelegendo graças ao domínio total da mídia

que exercem em seus territórios. Metade do que é auferido vai a rede a qual estão

associados que, desse modo, pode reproduzir seu esquema de expansão e domínio

de mercado – e, conseqüentemente, de poder político – em âmbito nacional.

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Pode-se argumentar que o problema das relações políticas entre o poder local e o poder nacional não será resolvido por meio de discussões conceituais. O que seria necessário é mais pesquisa de campo. Historiadores, sem dúvida, tenderiam a apoiar esse ponto de vista. Há momentos, no entanto, em que o acúmulo de pesquisas passa a ter rendimento decrescente porque as idéias começam a girar em roda, sem conseguir avançar devido a confusões ou imprecisões conceituais. Nesses momentos convém parar para revisão e tentar esclarecer conceitos e teorias.

Parece-me que este é um desses momentos nos estudos de poder local e suas relações com o Estado nacional no Brasil. Há imprecisão e inconsistência no uso de conceitos básicos como mandonismo, coronelismo, clientelismo, patrimonialismo, feudalismo. A dificuldade não é certamente privilégio brasileiro, uma vez que tais conceitos são reconhecidamente complexos. Basta, como exemplo, mencionar a imensa literatura produzida em torno do fenômeno do clientelismo, as discussões sobre o conteúdo deste conceito e as dificuldades em empregá-lo de maneira proveitosa. No caso brasileiro, não só conceitos mais universais, como clientelismo e patrimonialismo, mas também noções mais específicas, como coronelismo e mandonismo, estão a pedir uma tentativa de revisão como auxílio para o avanço da pesquisa empírica, por mais árida e inglória que seja a tarefa. É o que me proponho fazer neste artigo. A ênfase será nos conceitos de mandonismo, coronelismo e clientelismo, mas não poderá ser evitada referência às noções correlatas de patrimonialismo e feudalismo.

Começo com o conceito de coronelismo1. Desde o clássico trabalho de Victor Nunes Leal (1948), o conceito difundiu-se amplamente no meio acadêmico e aparece em vários títulos de livros e artigos. No entanto, mesmo os que citam Leal como referência, freqüentemente, o empregam em sentido distinto. O que era coronelismo na visão de Leal? Em suas próprias palavras: "o que procurei examinar foi sobretudo o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e a maneira pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município" (Leal, 1980:13). Nessa concepção, o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. O coronelismo, além disso, é datado historicamente. Na visão de Leal, ele surge na confluência de um fato político com uma conjuntura econômica. O fato político é o federalismo implantado pela República em substituição ao centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com amplos poderes, o governador de estado. O antigo presidente de Província, durante o Império, era um homem de confiança do Ministério, não tinha poder próprio, podia a qualquer momento ser removido, não tinha condições de construir suas bases de poder na Província à qual era, muitas vezes, alheio. No máximo, podia preparar sua própria eleição para deputado ou para senador2.

O governador republicano, ao contrário, era eleito pelas máquinas dos partidos únicos estaduais, era o chefe da política estadual. Em torno dele se arregimentavam as oligarquias locais, das quais os coronéis eram os principais representantes. Seu poder consolidou-se após a política dos estados implantada por Campos Sales em 1898, quando este decidiu apoiar os candidatos eleitos "pela política dominante no respectivo estado". Segundo Sales, era dos

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estados que se governava a República: "A política dos estados [...] é a política nacional" (Sales, 1908:252).

A conjuntura econômica, segundo Leal, era a decadência econômica dos fazendeiros. Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira República, que durou de 1889 até 1930.

Nessa concepção, o coronelismo é, então, um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste de seu domínio no estado. O coronelismo é fase de processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela. Ele morreu simbolicamente quando se deu a prisão dos grandes coronéis baianos, em 1930. Foi definitivamente enterrado em 1937, em seguida à implantação do Estado Novo e à derrubada de Flores da Cunha, o último dos grandes caudilhos gaúchos. O próprio Leal é incoerente ao sugerir um renascimento do coronelismo embutido na tentativa dos presidentes militares de estabelecer contato direto entre o governo federal e os municípios, passando por cima dos governadores (Leal, 1980:14). A nova situação nada tinha a ver com a que descreveu em sua obra clássica.

Essa visão do coronelismo distingue-o da noção de mandonismo. Este talvez seja o conceito que mais se aproxime do de caciquismo na literatura hispano-americana. Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional. Existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje em regiões isoladas. A tendência é que desapareça completamente à medida que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos. A história do mandonismo confunde-se com a história da formação da cidadania.

Na visão de Leal, o coronelismo seria um momento particular do mandonismo, exatamente aquele em que os mandões começam a perder força e têm de recorrer ao governo. Mandonismo, segundo ele, sempre existiu. É uma característica do coronelismo, assim como o é o clientelismo. Ao referir-se ao trabalho de Eul-Soo Pang, que define coronelismo como exercício de poder absoluto, insiste: "não é, evidentemente, ao meu coronelismo que se refere", e continua: "não há uma palavra no meu livro pela qual se pudesse atribuir o status de senhor absoluto ao coronel, ou às expressões pessoais de mando do sistema coronelista". Mais ainda: "Em

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nenhum momento, repito, chamei o coronel de senhor absoluto" (idem:12-13; Pang, 1979).

Boa parte da literatura brasileira, mesmo a que se inspira em Leal, identifica coronelismo e mandonismo. Essa literatura contribuiu, sem dúvida, para esclarecer o fenômeno do mandonismo. Da imagem simplificada do coronel como grande latifundiário isolado em sua fazenda, senhor absoluto de gentes e coisas, emerge das novas pesquisas um quadro mais complexo em que coexistem vários tipos de coronéis, desde latifundiários a comerciantes, médicos e até mesmo padres. O suposto isolamento dos potentados em seus domínios também é revisto. Alguns estavam diretamente envolvidos no comércio de exportação, como os coronéis baianos da Chapada Diamantina, quase todos se envolviam na política estadual, alguns na política federal (Carone, 1971; Pang, 1979; Machado Neto et alii, 1972; Queiroz, 1975; Sá, 1974; Silva, 1975; Vilaça e Albuquerque, 1965; Campos, 1975). Mas o fato de esta literatura ter tornado sinônimos os conceitos de coronelismo e mandonismo foi negativo. Alguns autores encontraram mesmo um coronelismo urbano (Reis, 1971), ou um coronelismo sem coronéis (Banck, 1974; 1979). O conceito atinge, nesses casos, uma amplitude e uma frouxidão que lhe tiram o valor heurístico.

Outro conceito confundido com o de coronelismo é o de clientelismo. Muito usado, sobretudo por autores estrangeiros escrevendo sobre o Brasil, desde o trabalho pioneiro de Benno Galjart (1964; 1965), o conceito de clientelismo foi sempre empregado de maneira frouxa. De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Este é um dos sentidos em que o conceito é usado na literatura internacional (Kaufman, 1977). Clientelismo seria um atributo variável de sistemas políticos macro e podem conter maior ou menor dose de clientelismo nas relações entre atores políticos. Não há dúvida de que o coronelismo, no sentido sistêmico aqui proposto, envolve relações de troca de natureza clientelística. Mas, de novo, ele não pode ser identificado ao clientelismo, que é um fenômeno muito mais amplo. Clientelismo assemelha-se, na amplitude de seu uso, ao conceito de mandonismo. Ele é o mandonismo visto do ponto de vista bilateral. Seu conteúdo também varia ao longo do tempo, de acordo com os recursos controlados pelos atores políticos, em nosso caso pelos mandões e pelo governo.

De algum modo, como o mandonismo, o clientelismo perpassa toda a história política do país. Sua trajetória, no entanto, é diferente da do primeiro. Na medida em que o clientelismo pode mudar de parceiros, ele pode aumentar e diminuir ao longo da história, em vez de percorrer uma trajetória sistematicamente decrescente como o mandonismo. Os autores que vêem coronelismo no meio urbano e em fases recentes da história do país estão falando simplesmente de clientelismo. As relações clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do coronel, pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população. Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de influir sobre o Poder Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística.

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Exemplo claro dessa situação é o da cidade que na década de 60 era dominada por duas famílias, cujo poder se baseava simplesmente na capacidade de barganhar empregos e benefícios públicos em troca de votos (Carvalho, 1966). As famílias não tinham recursos próprios, como os coronéis, e o fenômeno não era sistêmico, embora houvesse vínculos estaduais e federais. Por vários anos as duas famílias mantiveram o controle político da cidade, alternando-se no poder. Os resultados eleitorais eram previstos de antemão com precisão quase matemática. Os votos tinham dono, eram de uma ou de outra família. Tratava-se de um caso exacerbado de clientelismo político exercido num meio predominantemente urbano. Não se tratava de coronelismo.

Temos, assim, três conceitos relacionados, mas não sinônimos, guardando cada um sua especificidade, além de representarem curvas diferentes de evolução. O coronelismo retrata-se com uma curva tipo sino: surge, atinge o apogeu e cai num período de tempo relativamente curto. O mandonismo segue uma curva sempre descendente. O clientelismo apresenta uma curva ascendente com oscilações e uma virada para baixo nos últimos anos. Os três conceitos, assim concebidos, mantêm uma característica apontada com razão por Raymond Buve (1992) como essencial em uma abordagem histórica: a idéia de diacronia, de processo, de dinamismo.

Mas não se resolvem com isso os problemas relacionados com os três conceitos. O menos polêmico deles talvez seja o de mandonismo, vamos deixá-lo em paz. Quanto ao clientelismo, as divergências são grandes. Na literatura internacional, muitos não concordam em restringi-lo à idéia de atributo de um sistema; outros querem aplicá-lo apenas à política local; outros ainda o vêem como um sistema global (Scott, 1977; Clapham, 1982; Lemarchand, 1981; Landé, 1983). Não seria possível nas dimensões deste artigo retomar a discussão desse conceito além do uso que dele é feito no Brasil. Vamos retomá-lo em conexão com as críticas ao conceito de coronelismo de Leal.

A crítica mais contundente, quase virulenta, foi feita por Paul Cammack (1979; 1982), e foi respondida com igual contundência por Amilcar Martins Filho (1984). Como bem observa este último, o principal alvo de Cammack é a interpretação clientelística da política brasileira durante a Primeira República, que ele, Cammack, identificaria com o coronelismo. Contra essa interpretação Cammack propõe retomar a visão tradicional de um sistema político dominado pelos proprietários rurais cujos interesses seriam representados pelo Estado. Já vimos que coronelismo e clientelismo não se confundem e por aí a crítica erra o alvo. Martins Filho limita-se em sua resposta a salvar a abordagem clientelística. Mas pode-se examinar o conteúdo da crítica naquilo que atinge o coronelismo como sistema. O ponto central, a meu ver, é a negação, por Cammack, da validade da idéia de compromisso baseada na troca dos votos controlados pelos coronéis pela delegação de poderes do governo.

Cammack nega o poder dos coronéis de controlar os votos e também o valor do voto como mercadoria política. Quanto à capacidade de controle do voto, há consenso entre testemunhos da época e estudiosos de que ela existia. Ela se dava, como vimos, até mesmo em contextos urbanos e depois da democratização de 1945. Quanto ao valor do voto como mercadoria, a crítica faz sentido, a votação pouco valia na época. Há amplas evidências sobre fraudes escandalosas que acompanhavam o processo eleitoral em todas as

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suas fases. O coronel podia controlar os votantes e manipular as atas eleitorais, mas quem definia a apuração dos votos e reconhecia os deputados era o próprio Congresso em acordo com o presidente da República. Esse foi o acordo negociado por Campos Sales com os governadores. A apuração final podia inverter o resultado das atas. Uma testemunha ocular do processo de reconhecimento na Câmara em 1909 observa: "Os reconhecimentos de Goiás, Rio de Janeiro e Distrito Federal só se farão quando os chefes chegarem a acordo. Para o caso as eleições nada estão valendo" (Vieira, 1980).

Se aceita, a crítica quebra um dos pés do compromisso coronelista, qual seja, a dependência do governo em relação aos coronéis para a produção de votos. A crítica pode ser considerada válida se os coronéis forem tomados individualmente em sua relação com os governadores. Mesmo aí haveria exceções, pois certos coronéis, como os da Bahia, podiam enfrentar os governadores até no terreno militar. Mas mesmo sem recorrer a esses casos excepcionais, a idéia do compromisso coronelista pode ser mantida sem que se dê ao voto peso decisivo. Se os governadores podiam prescindir da colaboração dos coronéis tomados isoladamente, o mesmo não se dava quando considerados em conjunto. A estabilidade do sistema como um todo exigia que a maioria dos coronéis apoiasse o governo, embora essa maioria pudesse ser eventualmente trocada. As manipulações dos resultados eleitorais sempre beneficiavam um grupo em detrimento de outro e tinham um custo político. Se entravam em conflito com um número significativo de coronéis, os governadores se viam em posição difícil, se não insustentável. Basta mencionar os casos da Bahia, de Goiás, do Ceará e de Mato Grosso. Em todos eles, os governadores foram desafiados, humilhados e mesmo depostos. São também conhecidos os casos de duplicatas de assembléias estaduais, de bancadas federais e até mesmo de governadores. As duplicatas de assembléias eram no mínimo embaraçosas para os governadores e podiam preparar o caminho para a intervenção do governo federal, numa confirmação da natureza sistêmica do coronelismo. Muitas vezes, rebeliões de coronéis eram incentivadas pelo governo federal para favorecer oligarquias rivais nos estados.

Um mínimo de estabilidade do sistema exigia algum tipo de entendimento com os coronéis, ou parte deles, sendo de importância secundária que a contrapartida do coronel se concretizasse exclusivamente em votos. Bastava o apoio tácito, a não rebelião. Se tudo dependesse do voto, seria de esperar uma luta maior por seu controle, com a conseqüência de que a participação eleitoral teria atingido proporções muito maiores do que os míseros 2% ou 3% da população. Com essa qualificação, a tese de Leal continua de pé.

Outra crítica de Cammack tem a ver com o velho debate entre classe e following, travado pela primeira vez no Brasil entre Benno Galjart (1964; 1965) e Guerrit Huizer (1965). Cammack acusa Leal de ver os coronéis apenas como atores políticos e não como produtores, como classe social. Aqui também há que distinguir. Que Leal considerava os coronéis como classe dominante não pode haver dúvida. O compromisso coronelista baseava-se exatamente na decadência econômica dessa classe. É a perda de poder econômico que leva o coronel a necessitar do apoio do governo para manter sua posição de classe dominante. Mas é verdade que a teoria é formulada apenas em termos de compromisso político: os coronéis apóiam o governador, que lhes dá carta branca em seus

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domínios; os governadores apóiam o presidente da República, este reconhece a soberania deles nos estados.

Mas, de novo, a falha, se falha há, é apenas formal. Isto por duas razões. A primeira é que a entrega do controle de cargos públicos aos coronéis tem evidentemente um sentido que vai muito além do político. Não é preciso, por exemplo, demonstrar que o papel de um juiz de paz, de um juiz municipal, de um delegado de polícia ou de um coletor de impostos está estreitamente vinculado à sustentação dos interesses econômicos dos donos de terra e dos grandes comerciantes. As tarefas do juiz e do delegado eram importantes para o controle da mão-de-obra e para a competição com fazendeiros rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais fazendo uso da polícia era um trunfo importante na luta econômica. Como observou Oliveira Vianna (1949), a justiça brasileira caracterizava-se, nessa época, pelas figuras do "juiz nosso", do" delegado nosso", isto é, era uma justiça posta a serviço dos interesses dos mandões. O coletor de impostos, por seu lado, podia, pela ação, ou inação, afetar diretamente a margem de lucro dos coronéis. Até mesmo uma professora primária era importante para conservar valores indispensáveis à sustentação do sistema. Ignorar esses aspectos dos cargos públicos é que seria separar artificialmente o político do econômico. No coronelismo, como definido por Leal, o controle do cargo público é mais importante como instrumento de dominação do que como empreguismo. O emprego público adquire importância em si, como fonte de renda, exatamente quando o clientelismo cresce e decresce o coronelismo.

Em segundo lugar, era raro que os interesses econômicos de classe assumissem o primeiro plano nas lutas locais da Primeira República. Em geral, isto só se dava em momentos de tentativas de criação ou aumento de impostos pelos governos estaduais. Os interesses mais amplos dos coronéis como classe eram raramente, se jamais o foram, desafiados pelos governos ou pelos trabalhadores. Não se colocava em questão o domínio dos coronéis como classe. Esta é uma premissa que perpassa toda a argumentação de Leal e de fato a torna inteligível. O conflito assumia, assim, quase sempre, característica de disputa política entre coronéis ou grupos de coronéis, entrando os governos estaduais e federal seja como juiz, seja como provocador, seja ainda como aliado de uma das facções. Não havia movimentos organizados de trabalhadores que pudessem colocar em xeque o domínio do senhoriato. A única organização de setores dominados verificava-se nos movimentos messiânicos e no cangaço. Mas messianismo e cangaço atingiam o domínio da classe proprietária apenas indiretamente. Eram vítimas fáceis da repressão e da cooptação, ou de ambas (Queiroz, 1977; Monteiro, 1974; Della Cava, 1970). Leal não ignorava nem menosprezava o lado econômico em sua teoria do coronelismo. Uma de suas inovações em relação à teoria social da época foi exatamente fugir aos reducionismos em voga, econômicos, sociológicos, culturais ou psicológicos. Sua análise incorpora contribuições de várias disciplinas e as integra no conceito de sistema coronelista (Carvalho, 1980c).

Mas as divergências não terminam aí. Como a polêmica entre Martins Filho e Cammack indica, estão em jogo conceitos sociológicos e políticos fundamentais como clientelismo, feudalismo e patrimonialismo, representação e cooptação. Uso a polêmica para entrar na discussão do emprego desses conceitos.

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Martins Filho acusa Cammack de cometer uma impropriedade conceitual ao vincular patrimonialismo e representação de interesses, ao mesmo tempo que o próprio Cammack aponta a inconsistência da literatura sobre o coronelismo que vincularia feudalismo e cooptação. A meu ver, pelos argumentos expostos até agora, tanto Martins Filho como Cammack se equivocam ao colocar Nunes Leal dentro da tradição "feudalista" que tem em Oliveira Vianna e Nestor Duarte seus mais ilustres representantes, mais tarde seguidos por Queiroz (Oliveira Vianna, 1920; Duarte, 1939; Queiroz, 1956/57)3. Essa tradição acentua o poder dos potentados rurais e suas parentelas diante do Estado desde o início da colonização. Os grandes proprietários são vistos como onipotentes dentro de seus latifúndios, onde, como disse um cronista, só precisavam importar ferro, sal, pólvora e chumbo. Durante a Colônia eram alheios, se não hostis, ao poder do governo. Após a Independência, passaram a controlar a política nacional, submetendo o Estado a seus desígnios. A formulação mais contundente da tese feudal está em Nestor Duarte. As capitanias hereditárias seriam, segundo este autor, instituições legitimamente feudais e o feudalismo teria dominado os três primeiros séculos da história nacional. Pouco teria mudado após a Independência, pois "o poder político se encerra nas mãos dos que detêm o poder econômico" (Duarte, 1939:181). A ordem privada, antagônica e hostil ao Estado como poder público, teria governado soberana durante todo o período imperial e ainda predominaria à época em que o livro foi escrito. Para ser tolerado pela ordem privada, o Estado, enquanto tal, omite-se e reduz suas tarefas à mera coleta de impostos. No resto, o Estado é privatizado e age em função dos interesses da classe proprietária.

Vimos que Leal, apesar da interpretação de Martins e Cammack, nega explicitamente vinculação a essa corrente feudalista. Pode-se supor até mesmo, embora ele tenha negado a hipótese, que seu livro tenha sido uma resposta a Nestor Duarte. Leal não é nem feudalista, nem economicista, tampouco dicotômico em sua análise. O poder político não é reduzido ao poder econômico, o Estado e a ordem privada não se colocam como oposição inconciliável. Mas, mesmo não se aplicando a crítica a Leal, a observação de Martins Filho sobre o relacionamento inadequado dos conceitos de feudalismo e patrimonialismo aos de cooptação e representação se sustenta e merece comentários mais amplos.

O debate é clássico na historiografia brasileira e pode-se dizer que as posições estão sendo apenas atualizadas e aperfeiçoadas na produção mais recente. Ao lado do" feudalista" Nestor Duarte, há o" patrimonialista" Raymundo Faoro, cuja tese inverte o argumento de Nestor Duarte. O Brasil seguiu a evolução de Portugal que desde o século XIV se havia livrado dos fracos traços de feudalismo e implantado um capitalismo de Estado de natureza patrimonial. Aos poucos formou-se um estamento burocrático, instrumento de domínio do rei que se tornou independente do próprio rei. A colonização foi empreendimento capitalista-mercantilista conduzido pelo rei e por esse estamento. O estamento, minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política, a elite que governa e separa governo e povo, Estado e nação. O capitalismo mercantilista monárquico, com seu estamento burocrático, bloqueou a evolução do capitalismo industrial em Portugal e no Brasil e, portanto, também a sociedade de classes e o Estado democrático-representativo (Faoro, 1958)4.

Uma linha intermediária entre Duarte e Faoro é seguida por Fernando Uricoechea (1978). Partindo de sólida base weberiana,

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Uricoechea interpreta o Brasil imperial com o auxílio do tipo ideal de burocracia patrimonial. Os dois termos são em parte conflitantes, desde que burocracia é tomada no sentido weberiano de racionalização e modernização da máquina do Estado, enquanto o patrimonial tem a ver com uma forma de dominação tradicional ligada à expansão do poder pessoal do monarca. É exatamente no conflito dialético entre os dois fenômenos que o autor vê a natureza da política brasileira desde a Colônia: um misto de crescente burocratização e de decrescente prebendalização ou patrimonialismo. Estado e senhoriato estabeleceram relação dinâmica de complementação e antagonismo. O Estado português, e depois o brasileiro, não possuíam recursos humanos e materiais suficientes para administrar a Colônia e, posteriormente, o país independente. Fazia-se necessário o recurso ao poder privado na forma de serviços litúrgicos, cujo exemplo principal foi a Guarda Nacional. Por seu lado, o senhoriato não conseguiu desenvolver formas de solidariedade corporativa capazes de possibilitar o enfrentamento do monarca, enquanto a economia escravista não lhes permitia a consolidação estamental que caracterizou o feudalismo ocidental. A idéia de compromisso foge ao dualismo de Faoro e também ao reducionismo de Nestor Duarte, aproximando-se da abordagem de Leal.

Análise matizada também é a de Simon Schwartzman (1970). Partindo das mesmas distinções weberianas, trabalhadas por Bendix (Weber, 1964; Bendix, 1962), de feudalismo e patrimonialismo e de suas ligações com as formas políticas modernas, Schwartzman distingue evoluções diferentes nas regiões brasileiras. A principal delas tem a ver com o estilo patrimonial-cooptativo característico do Nordeste e de Minas Gerais e o estilo feudal-representativo próprio de São Paulo. Em Minas, a economia mineradora, marcada por forte presença da administração colonial, e a subseqüente decadência econômica durante o Império teriam levado a província e depois o estado à dependência do poder central, ao desenvolvimento do clientelismo e da cooptação como forma de relacionamento político. Em contraste, a tradição de independência dos bandeirantes paulistas durante a Colônia e a pujança econômica trazida pelo café levaram essa parte do país a desenvolver uma relação de maior autonomia em relação ao poder federal, baseada na representação dos interesses da elite local. O contraste entre os dois estilos seria, na visão de Schwartzman, uma das principais chaves para entender o enigma brasileiro.

Com relação às três últimas posições, elas podem ser contestadas em termos empíricos. A existência do onipotente estamento burocrático de Faoro é de difícil comprovação empírica. Outros trabalhos sobre a burocracia imperial mostram um quadro fragmentado, antes que unificado (Carvalho, 1980a). O próprio estudo de Uricoechea postula uma relação distinta entre burocracia e senhoriato rural, o mesmo acontecendo com recente trabalho de Graham (1990). A tese de Schwartzman sobre a política de representação de interesses de São Paulo é contestada por estudos do corporativismo dos industriais paulistas na década de 30 (Costa, 1991). No entanto, do ponto de vista teórico e conceitual ambos são consistentes. A terminologia empregada segue com razoável precisão os tipos ideais weberianos e mantém coerência em relação às conseqüências teóricas derivadas desses tipos para a evolução política do país. Isto é, da postulação do patrimonialismo deriva um estilo político baseado na cooptação, no clientelismo, no populismo, no corporativismo de Estado. Ao reverso, da postulação do feudalismo, da independência do senhoriato rural em relação ao

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Estado, deriva um estilo político baseado na representação de interesses, nos partidos, na ideologia.

A mesma coerência não se dá com outros trabalhos sobre o tema. Já vimos a crítica de Martins Filho a Cammack relativa a esse ponto. Dentro da lógica weberiana, a conclusão da existência de um sistema representativo dos interesses dos proprietários rurais deveria vir da premissa feudalista de Nestor Duarte, criticada por Cammack. Insistir na fraqueza do senhoriato rural perante o Estado e daí deduzir a existência de um Estado representativo desse mesmo senhoriato parece, de fato, algo estranho. Foge não só à lógica weberiana mas também à análise marxista. Na formulação de Marx, sem que aqui dele divirja Weber, o modo capitalista de produção, base da política de representação de interesses, evolui do modo feudal de produção. Como observa J. P. Nettl (1968), não foi por acaso que Marx deixou de enfatizar o Estado para se concentrar nas classes ao se transferir da Alemanha para a Inglaterra, onde a transição se deu de modo exemplar. O Partido Comunista do Brasil estava sendo coerente, embora não necessariamente lúcido, ao insistir na tese do feudalismo brasileiro, do qual se evoluiria para o capitalismo e daí para o socialismo. Nem mesmo o dissidente marxista Caio Prado Jr. negava a seqüência, apenas achava que o país já era há muito capitalista e estava, portanto, pronto para o socialismo, sem ter de passar antes pela revolução burguesa5. Nesse campo, a diferença entre Marx e Weber com relação à análise da evolução das sociedades ocidentais está no fato de que o primeiro se concentra na seqüência feudalismo-capitalismo, ao passo que Weber admite também, mesmo no Ocidente, a alternativa derivada do patrimonialismo. Marx relega a última possibilidade ao modo asiático de produção (Marx, 1971).

Outro autor que também usa os conceitos de maneira pouco consistente é Richard Graham (1990; 1994). Em sua bem pesquisada obra sobre a sociedade brasileira durante o Império, que traz várias contribuições importantes, Graham retoma a tese da hegemonia e o predomínio dos senhores de terra sobre o Estado. A vida dos gabinetes, segundo Graham, dependia tanto, se não mais, dos líderes locais do que o oposto. Como para esse autor qualquer concepção de Estado que não implique a dominação de uma classe é abstração teórica ou, pelo menos, inaplicável ao Brasil, só lhe resta postular o domínio da política imperial pela classe dominante rural (Graham, 1994:536). Até aí tudo bem. Como vimos, esta é a tese de Nestor Duarte e Queiroz. O problema conceitual surge quando Graham trabalha o tempo todo com a noção de clientelismo, de relações patrão-cliente. O clientelismo seria a marca característica do sistema político imperial: "Pode-se, pois, afirmar que o elemento decisivo da política brasileira no século XIX [...] foi o clientelismo" (idem:544). Ora, qualquer noção de clientelismo implica troca entre atores de poder desigual. No caso do clientelismo político, tanto no de representação como no de controle, ou burocrático, para usar distinção feita por Clapham (1982), o Estado é a parte mais poderosa. É ele quem distribui benefícios públicos em troca de votos ou de qualquer outro tipo de apoio de que necessite. O senhoriato rural seria a clientela do Estado. Não é certamente esta a visão de Graham sobre a relação de poderes. Seria mais lógico para ele considerar o Estado como clientela do senhoriato. Mas não há nada em seu texto justificando essa reviravolta no conceito de clientelismo. Outra alternativa seria retornar à tese de Nestor Duarte, deixando de lado sua própria evidência sobre práticas clientelísticas.

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A visão patrimonial de Uricoechea implica reconhecer maior poder ao senhoriato rural do que a abordagem clientelista-classista de Graham. Na relação patrimonial, o Estado vai além da simples distribuição de empregos públicos em troca de apoio. Ele se vê forçado a delegar boa parte da administração local, se não toda ela, aos donos de terra. Na formulação de Bendix, há "compromissos entre as forças opostas que dão aos chefes locais completa autoridade sobre seus dependentes, na medida em que isto é compatível com os interesses fiscais e militares do governante" (Bendix, 1962:356). O serviço litúrgico desses particulares é exercido gratuitamente, não constituindo, portanto, uma tarefa burocrática do Estado.

No Império, a Guarda Nacional foi a grande instituição patrimonial que ligou proprietários rurais ao governo. Ela não foi criada por proprietários, nem era uma associação que os representasse. Foi criada pelo governo durante a Regência, inicialmente para fazer face aos distúrbios urbanos desencadeados após a abdicação do imperador e sua inspiração era a guarda francesa, uma organização burguesa (Castro, 1977). Posteriormente é que foi sendo transformada no grande mecanismo patrimonial de cooptação dos proprietários rurais. Daí os muitos conflitos entre seus oficiais e outras autoridades do governo ou eletivas, como juízes municipais, juízes de paz e padres, conflitos estes analisados por Thomas Flory (1981). Os oficiais da Guarda não apenas serviam gratuitamente como pagavam pelas patentes e freqüentemente fardavam as tropas com recursos do próprio bolso. A escolha democrática dos oficiais, por eleição, foi aos poucos sendo eliminada para que a distribuição de patentes de oficiais correspondesse o melhor possível à hierarquia social e econômica. Em contrapartida, a Guarda colocava nas mãos do senhoriato o controle da população local.

Não se resumia à Guarda Nacional o ingrediente patrimonial do sistema imperial. Os delegados, delegados substitutos, subdelegados e subdelegados substitutos de polícia, criados em 1841, eram também autoridades patrimoniais, uma vez que exerciam serviços públicos gratuitamente. O mesmo pode ser dito dos inspetores de quarteirão, que eram nomeados pelos delegados. Praticamente toda tarefa coercitiva do Estado no nível local era delegada aos proprietários. Algumas tarefas extrativas, como a coleta de certos impostos, eram também contratadas com particulares. O patrimonialismo gerava situações extremas como a de um município de Minas Gerais onde os serviços patrimoniais, assim como os cargos eletivos de juiz de paz, vereador e senador estavam nas mãos de uma só família. Treze pessoas ligadas por laços de parentesco ocupavam quase todos os postos, algumas acumulavam cargos eletivos e patrimoniais, como o de vereador e os de comandante da Guarda Nacional e subdelegado (ver A Reforma, 26/10/1869, p. 3). O Estado utilizava ainda os serviços da Igreja para executar suas tarefas: todos os registros de nascimento, de casamento, de morte eram feitos pelo clero e reconhecidos pelo Estado. Durante boa parte do período imperial, os padres tinham também papel importante nas eleições, que eram realizadas dentro das igrejas. Eles foram também encarregados de informar ao governo sobre a existência de terras públicas nos municípios, quando da aplicação da lei de terras de 1850.

A grande divergência que essa abordagem tem com a de Graham, é que nela a iniciativa é do Estado. A Guarda era uma organização criada pelo governo e controlada pelo ministro da Justiça; os cargos de delegado e subdelegado de polícia foram criados para esvaziar

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as funções dos juízes de paz, autoridades eletivas. Na medida em que os proprietários rurais controlavam a eleição dos juízes de paz, o esvaziamento do poder destes em benefício de uma autoridade patrimonial era uma perda de poder para aqueles. Os proprietários nunca se organizaram em estamento como no feudalismo, nem em partidos políticos6. Organizações de proprietários surgiram apenas às vésperas da passagem da lei que libertou o ventre escravo (Pang, 1981). Sintomaticamente, essas organizações reagiam contra uma ação do governo que consideravam radicalmente contrária a seus interesses. O próprio imperador foi por eles acusado de traição nacional por favorecer a medida abolicionista.

A tendência era claramente no sentido de reduzir, até a eliminação, os resíduos patrimoniais da administração em favor da burocracia do Estado. Inúmeros conflitos surgidos em função do comportamento das autoridades patrimoniais, como os delegados e oficiais da Guarda, começaram já no Império a ser resolvidos pelo recurso a autoridades burocráticas, como os juízes de direito e oficiais da polícia. Na República, as tarefas de manutenção da ordem passaram todas para a burocracia, na medida em que delegados se tornaram funcionários públicos e os estados aumentaram rapidamente o efetivo de suas polícias militares que substituíram a Guarda na sua função original. A Igreja também foi separada do Estado, tendo sido instituído o registro civil. O coronelismo surgiu nesse momento, com o recuo do patrimonialismo e o avanço da burocracia.

A essa altura, pode-se voltar à pergunta inicial e procurar saber se toda essa discussão conceitual não é inútil disputa acadêmica. Sem propósito de querer introduzir rigidez desnecessária, espero ter mostrado a vantagem que teria para a pesquisa maior precisão na definição de conceitos básicos. Mais ainda, espero ter indicado que na seleção e uso dos conceitos aqui discutidos estão embutidas visões macrossociais distintas da evolução histórica do país e das características do Brasil de hoje. A literatura tem demonstrado amplamente, por exemplo, a relação entre patrimonialismo, corporativismo e autoritarismo (Schwartzman, 1977); a complementaridade entre clientelismo e corporativismo (Kaufman, 1977); a aliança entre clientelismo e populismo (Diniz, 1982). A terminologia usada para discutir o poder local na Colônia, no Império, ou na Primeira República, reflete visões do Brasil de hoje, ou mesmo visões mais gerais sobre as leis e tendências das trajetórias das sociedades.

O importante em todo o debate não é discutir se existiu ou se existe dominação. Ninguém nega isto. O problema é detectar a natureza da dominação. Faz enorme diferença se ela procede de um movimento centrado na dinâmica do conflito de classes gerado na sociedade de mercado que surgiu da transformação do feudalismo na moderna sociedade industrial, via contratualismo, representação de interesses, partidos políticos, liberalismo político; ou se ela se funda na expansão lenta do poder do Estado que aos poucos penetra na sociedade e engloba as classes via patrimonialismo, clientelismo, coronelismo, populismo, corporativismo. É esta diferença que faz com que o Brasil e a América Latina não sejam os Estados Unidos ou a Europa, que sejam o Outro Ocidente, na feliz expressão de José G. Merquior7.

 

(Recebido para publicação em outubro de 1996)

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NOTAS:

* Trabalho apresentado no simpósio sobre" Nation-Building in Latin America: Conflict Between Local Power and National Power in the Nineteenth Century", em homenagem a Raymond Buve, Leiden, Holanda, 20-21 de abril de 1995.

1. Retomo e expando aqui algumas idéias desenvolvidas no verbete sobre coronelismo incluído no Dicionário Histórico-Biográfico, 1930-1983, organizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc), da Fundação Getulio Vargas.

2. Uma excelente e impiedosa descrição do papel político dos presidentes de província durante o Império foi feita por João Francisco Lisboa (1864/65) em seu Jornal de Timon, incluído em Obras de João Francisco Lisboa.

3. Outra vertente dessa corrente chama a atenção para a influência das parentelas nesse mundo dominado pelos potentados locais. Vejam-se, por exemplo, os trabalhos de L. A. Costa Pinto, Lutas de Família no Brasil (Introdução ao seu Estudo) (1949) e Linda Lewin, Política e Parentela na Paraíba (1993).

4. Quem primeiro usou a expressão patrimonialismo para descrever a política brasileira foi Sérgio Buarque de Holanda que tomou conhecimento da obra de Weber durante estada na Alemanha. Veja seu Raízes do Brasil (1936, cap. V).

5. Para a posição ortodoxa marxista, formulada já na década de 20, veja Otávio Brandão (Fritz Mayer), Agrarismo e Industrialismo (1924). Para a crítica de Caio Prado Jr., veja seu A Revolução Brasileira (1966).

6. Os partidos políticos imperiais eram coalizões. O liberal reunia proprietários e profissionais liberais, o conservador compunha-se de proprietários e magistrados. Em todas as questões que diziam respeito aos interesses dos proprietários, como a da abolição da escravidão, os dois partidos se dividiam internamente. Ver Carvalho (1980b, cap. 8).

7. O referee anônimo deste artigo observou que o último parágrafo é "muito concordante com a visão

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de Simon Schwartzman". Em havendo tal concordância, ela é motivo para que me autocongratule.

 

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Coronelismo é um brasileirismo [1] [2] usado para definir a complexa estrutura de poder que tem início no plano municipal, exercido com hipertrofia privada (a figura do coronel) sobre o poder público (o Estado), e tendo como carecteres secundários o mandonismo, o filhotismo (ou apadrinhamento), a fraude eleitoral e a desorganização dos serviços públicos - e abrange todo o sistema político do pais, durante a República Velha.[3] Era representado por lideranças que iam desde o "áspero guerreiro" Horácio de Matos a um letrado Veremundo Soares, possuindo como "linha-mestra" o controle da população.[4] Como forma de poder político consiste na figura de uma liderança local - o Coronel - que define as escolhas dos eleitores em candidatos por ele indicados.[5]

Como período histórico do Brasil compreende o intervalo desde a Proclamação da República (1889) até a prisão dos coroneis baianos, pela Revolução de 1930, tendo seu fim simbólico no assassinato de Horácio de Matos, no ano seguinte,[4] sendo definitivamente sepultado com a derrubada do caudilho gaúcho Flores da Cunha, com a implantação do Estado Novo em 1937 [6] . Entretanto, como figura integrante da Guarda Nacional, os oficiais civis tiveram uma existência entre 1831 e 1918 (ou 1924).[7]

Como forma de mandonismo, que tem origem no período colonial - quando era inicialmente absoluto o poder do chefe local, evoluindo em seguida para formas mais elaboradas de controle, passando pelo coronelismo até as modernas formas de clientelismo.[4] Embora o cargo de Coronel da Guarda Nacional tenha sido originado quando da criação da própria Guarda Nacional no Período Regencial quando era Ministro da Justiça o Padre Feijó (1831), não era o mesmo que a patente militar do Exército e, como fenômeno social e político, teve lugar após o advento da República.[8]

Índice

[esconder]

1 Conceituação 2 As raízes 3 A disseminação pelo Brasil e a falta de controle 4 O compadrio 5 Primeira República 6 A manutenção do poder, e a neutralização da oposição 7 O coronelismo entre as décadas de 1930 a 1960 8 A influência dos meios de comunicação 9 O coronel-caudilho 10 O início das liberdades democráticas 11 Caciquismo 12 Bibliografia 13 Referências 14 Ver também 15 Ligações externas

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[editar] Conceituação

Diversos autores procuram melhor definir o coronelismo, tendo em vista que, embora tenha sido extinto com a ascenção de Getúlio Vargas ao poder, ainda manteve suas características em várias partes do país e, também, por se confundir com outros conceitos relacionados ao mandonismo, clientelismo e, até, feudalismo, como se verifica em diversos autores brasileiros e estrangeiros.[6]

Oliveira Vianna e Nestor Duarte equiparam o fenômeno ao feudalismo.[8]

Silva e Bastos resumem assim o conceito: "O coronelismo, fenômeno social e político típico da República Velha, embora suas raízes se encontrem no Império, foi decorrente da montagem de modernas insituições - autonomia estadual, voto universal - sobre estruturas arcaicas, baseadas na grande propriedade rural e nos interesses particularistas."[8]

[editar] As raízes

As raízes do Coronelismo provêm da tradição patriarcal brasileira e do arcaísmo da estrutura agropecuária no interior remoto do Brasil.[carece de fontes?]

Quando foi criada a Guarda Nacional em 1831 pelo governo imperial, as milícias e ordenanças foram extintas e substituídas pela nova corporação. A Guarda Nacional passou a defender a integridade do império e a Constituição.[carece de fontes?]

Como os quadros da corporação eram nomeados pelo governo central ou pelos presidentes de província, iniciou-se um longo processo de tráfico de influências e corrupção política. Como o Brasil se baseava estruturalmente em oligarquias, esses líderes, ou seja, os grandes latifundiários e oligarcas, começaram a financiar campanhas políticas de seus afilhados, e ao mesmo tempo ganhar o poder de comandar a Guarda Nacional.[carece de fontes?]

Devido a esta estrutura, a patente de coronel da Guarda Nacional, passou a ser equivalente a um título nobiliárquico, concedida de preferência aos grandes proprietários de terras. Desta forma conseguiram adquirir autoridade para impor a ordem sobre o povo e os escravos.[carece de fontes?]

[editar] A disseminação pelo Brasil e a falta de controle

Devido ao seu território continental, portanto à falta de mecanismos de vigilância direta dos coronéis pelo poder central, e pela população pobre e ignorante, o Brasil passou a ser refém dos coronéis. Estes "personificaram a invasão particular da autoridade pública". O sistema criado pelo coronelismo passou a favorecer os grandes proprietários que iniciaram a invasão, a tomada de terras pela força e a expulsão do pequeno produtor rural, que passou a se transformar numa figura servil em nome dos novos senhores. Portanto, surgiu a figura do coronel sem cargo, qualificado pelo prestígio e pela capacidade de mobilização eleitoral. E este termo coronel vem da Guarda Nacional, para denominar os cargos mais importantes que pertenciam aos chefes locais mais destacados que ocupavam nela os postos superiores, no caso, de coronéis,

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acompanhados de majores e capitães. Esta foi abolida oficialmente logo após a proclamação da República, contudo persistiu a denominação de “coronel”, que deu origem ao vocábulo coronelismo que perpassou momentos distintos de todo século XX, sendo empregados a pessoas de posses como comerciantes, grandes proprietários rurais, chefes políticos locais entre outros que dispunham de influência sobre as massas e representava para estas autoridades incontestáveis. Nestas condições, serão analisados aqui alguns autores que tratam desta temática, verificando-se onde, período e como foi escrita cada obra que aqui será considerada, averiguando suas semelhanças e diferenças(Silva, Marcondes Alexandre 2009).[carece de fontes?]

[editar] O compadrio

Começaram então a surgir as relações de compadrio, onde os elementos considerados inferiores e dependentes submetiam-se ao senhor da terra pela proteção e persuasão. Se por um acaso houvesse alguma resistência de alguma parcela dos apadrinhados, estes eram expulsos da fazenda, perseguidos e assassinados impunemente. Muitas vezes juntamente com toda a sua família para servir de exemplo aos outros afilhados.[carece de

fontes?]

[editar] Primeira República

Com a Proclamação da República do Brasil até o final da república velha, em 1930, o coronelismo se manteve em relativo equilíbrio. [carece de fontes?]

Promulgada a primeira constituição republicana, adotou-se um sistema eleitoral, onde o voto era aberto. Cada chefe político tinha, portanto, pleno controle sobre seus eleitores e, a rigor, a democracia era uma mera ficção.[carece de fontes?]

Após o governo Campos Sales houve uma coligação de poderes estaduais que favoreceu o pleno florescimento do coronelismo. O aumento da riqueza agrícola, e portanto do poder dos grandes latifundiários e oligarcas, propiciou sua chegada à esfera do poder central. Os chefes dos estados, passaram a ser os coronéis dos coronéis, os currais eleitorais se multiplicaram no país, a compra e troca de votos dos eleitores por favores e apadrinhamentos passou a ser prática comum nas grandes cidades agora, além da área rural[carece de fontes?]

[editar] A manutenção do poder, e a neutralização da oposição

Qualquer coronel chefe de algum município que se opusesse a um coronel do estado, sofreria retaliações em forma de cortes de verbas para o município, que gerariam perda de votos e portanto, o líder caía em desgraça, isto é, opor-se ao governo do estado, implicava sérias privações para o chefe municipal e seus seguidores, principalmente no interior. Nos municípios mais ricos, com o aumento da cultura política da população, começou a haver uma certa oposição ao coronelismo. O problema porém, é que começaram a haver os coronéis de situação e os coronéis de oposição. Embora uma vitória eleitoral de um coronel de oposição, poderia ser considerada um fato raro, pois em caso de vitória deste, a máquina político-administrativa governamental trabalhava

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contra ele na política, no fisco, na justiça e na administração. O mecanismo era simples e eficiente, uma vez eleito, o opositor precisava de recursos, estes dificilmente viriam sem concessões.[carece de fontes?]

[editar] O coronelismo entre as décadas de 1930 a 1960

Entre a década de trinta e a década de sessenta, a população rural iniciou seu lento deslocamento para os centros urbanos. O acesso à educação e aos meios de comunicação fizeram a população aumentar seu nível cultural e portanto sua politização. O eleitor passou a ser mais crítico, e os poderosos então tiveram que mudar suas táticas de obtenção de votos. Começaram a surgir novos líderes, porém no interior o coronelismo continuava com sua força e os currais eleitorais ainda existiam. Ainda hoje, boa parcela da população interiorana é mantida ignorante e sem acesso à informação e à educação, principalmente nas grandes propriedades rurais mais distantes, no interior da Amazônia, onde aumentam as denúncias de escravidão.[carece de fontes?]

[editar] A influência dos meios de comunicação

Com o surgimento de novos líderes e com o crescimento do uso dos meios de comunicação, estes começaram a se dirigir à população de forma cada vez mais concentrada nas grandes cidades que iniciavam seu longo inchaço em direção à favelização diminuindo o poder político dos coronéis. Na área rural porém através da pobreza e da dependência da população, surgiu um novo método de adquirir votos, o chamado voto de cabresto. Este propiciou o crescimento de um método de poder que já existia, porém no Brasil ganhou força juntamente com o coronelismo, era o caudilhismo.[carece de fontes?]

[editar] O coronel-caudilho

A diferença básica entre o coronel e o caudilho, é que o primeiro se impõe pela força e pelo medo, enquanto o segundo se impõe pelo carisma e pela liderança no sentido de salvador da pátria. Tanto um quanto outro se manifestaram no Brasil. Ambos eram fenômenos oriundos do meio rural, da ignorância e analfabetismo funcional do eleitor. Ambos eram sistemas onde a palavra de ordem eram ditadura e autoritarismo, muitas vezes através do terror.[carece de fontes?]

[editar] O início das liberdades democráticas

Já no final da década de 80, o caudilhismo há muito deixou de ser um método de obtenção e manutenção do poder no Brasil pelos coronéis. Porém o coronelismo perdura nos municípios e regiões mais afastadas no interior, promovendo ainda assassinatos e terrorismo entre a população menos favorecida. Apesar disso, os mecanismos de proteção institucional começaram a se formar com a queda da ditadura militar que havia sido imposta ao País pelo golpe militar de 1964. Em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, o brasileiro passou a ter reconhecida sua cidadania de forma mais plena. As denúncias de desmandos, corrupção, roubos e crimes de colarinho branco começaram a ser divulgadas pela mídia nacional e internacional.

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Os detentores do poder econômico, os grandes oligarcas ou coronéis tornaram-se figuras com uma nova roupagem - são os "caciques".[carece de fontes?]

[editar] Caciquismo

O caciquismo também é oriundo da época do império, mas o método era utilizado por poucos líderes políticos até ser redescoberto no início da década de noventa.[carece de fontes?]

Uma vez que o fenômeno é bastante semelhante ao coronelismo e ao caudilhismo, o caciquismo difere na agressividade.[carece de fontes?]

O cacique político é o chefe político local de uma determinada comunidade, pode ser um deputado estadual, federal ou um senador. Seu domínio se espalha pelos currais eleitorais que estão a seu dispor. O traço principal do coronel-cacique é a chamada política clientelista, esta se dá através de concessão de favores e cargos públicos, chamados de cargos de confiança, ou cargos comissionados.[carece de fontes?]

O caciquismo, também se utiliza da chamada política de mão-no-ombro. Normalmente o cacique domina seu eleitorado da mesma forma que o caudilho, isto é pela emoção, mas detém o poder de controlar a quantidade de votos de determinada região da mesma forma que o coronelismo, só que desta vez o controle é por zona eleitoral, e não por área rural. Desta forma o cacique age cortando as verbas e trabalhos da máquina estatal para esta zona eleitoral, propiciando um enriquecimento, ou empobrecimento da região conforme sua necessidade de angariar poder. Igual ao coronel, o cacique age também sobre o processo eleitoral local, o que multiplica seu poder e o torna temido.[carece de fontes?]

[editar] Bibliografia

DUARTE, Nestor. A Ordem Privada e a Organização Política Nacional. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1939. (Versão online, integral)

JANOTI, Maria de Lourdes Monaco. Coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo: Brasiliense, 8ª ed., 1992.

HERÁCLIO, Reginaldo. Chico Heráclio: o último coronel. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1979

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro, Forense, 1949.

LINS, Wilson. O Médio São Francisco. MORAES, Walfrido. Jagunços e Heróis - A Civilização do Diamante nas

Lavras da Bahia. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963 PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias, 1889-1943. A Bahia na Primeira

República. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979. QUEIROZ, Claudionor de Oliveira. O Sertão que Eu Conheci, Salvador: ALBa,

2ª ed., 1998.

Referências

1. ↑ Dicionário Aurélio, verbete coronelismo

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2. ↑ CARONE, Edgard. Coronelismo: definição histórica e bibliografia. [S.l.]: Revista de Administração de Empresas, vol. 11, nº3, 1971. pp. 85-89.

3. ↑ Victor Nunes Leal. Coronelismo, Enxada e Voto. [S.l.]: Forense, Rio de Janeiro, 3ª ed., 1997.

4. ↑ a b c CARVALHO, José Murilo de. Colaboração especial in: ABREU, Alzira Alves de.. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (1930-1983). [S.l.]: CPDOC/FGV/Forense, 1984. pp. 932-933. - verbete coronelismo.

5. ↑ JANOTI, Maria de Lourdes Monaco. Coronelismo: uma política de compromissos. 8ª ed. [S.l.]: Brasiliense, São Paulo, 1992. ISBN 85-11-02013-6

6. ↑ a b José Murilo de Carvalho (1997). Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados vol. 40 no. 2 Rio de Janeiro. Página visitada em 7/7/2010.

7. ↑ Flávio Henrique Dias Saldanha (abril 2001). A Guarda Nacional e os Oficiais do Povo: integração e prestígio social no brasil oitocentista, 1831-1850. Página visitada em 6/7/2010.

8. ↑ a b c SILVA, Francisco de Assis. BASTOS, Pedro Ivo de Assis. História do Brasil: Colônia, Império e República 2ª. [S.l.]: Moderna, 1988. pp. 220-221.

9.10. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão

Conceitual* 11.

12. José Murilo de Carvalho13.  14.  15. Pode-se argumentar que o problema das relações políticas entre o

poder local e o poder nacional não será resolvido por meio de discussões conceituais. O que seria necessário é mais pesquisa de campo. Historiadores, sem dúvida, tenderiam a apoiar esse ponto de vista. Há momentos, no entanto, em que o acúmulo de pesquisas passa a ter rendimento decrescente porque as idéias começam a girar em roda, sem conseguir avançar devido a confusões ou imprecisões conceituais. Nesses momentos convém parar para revisão e tentar esclarecer conceitos e teorias.

16. Parece-me que este é um desses momentos nos estudos de poder local e suas relações com o Estado nacional no Brasil. Há imprecisão e inconsistência no uso de conceitos básicos como mandonismo, coronelismo, clientelismo, patrimonialismo, feudalismo. A dificuldade não é certamente privilégio brasileiro, uma vez que tais conceitos são reconhecidamente complexos. Basta, como exemplo, mencionar a imensa literatura produzida em torno do fenômeno do clientelismo, as discussões sobre o conteúdo deste conceito e as dificuldades em empregá-lo de maneira proveitosa. No caso brasileiro, não só conceitos mais universais, como clientelismo e patrimonialismo, mas também noções mais específicas, como coronelismo e mandonismo, estão a pedir uma tentativa de revisão como auxílio para o avanço da pesquisa empírica, por mais árida e inglória que seja a tarefa. É o que me proponho fazer neste artigo. A ênfase será nos conceitos de mandonismo, coronelismo e clientelismo, mas não poderá ser evitada referência às noções correlatas de patrimonialismo e feudalismo.

17. Começo com o conceito de coronelismo1. Desde o clássico trabalho de Victor Nunes Leal (1948), o conceito difundiu-se amplamente no meio acadêmico e aparece em vários títulos de livros e artigos. No entanto, mesmo os que citam Leal como referência, freqüentemente, o empregam em sentido distinto. O que era coronelismo na visão de Leal? Em suas próprias palavras: "o que procurei examinar foi sobretudo o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e a maneira pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município" (Leal, 1980:13). Nessa concepção, o

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coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. O coronelismo, além disso, é datado historicamente. Na visão de Leal, ele surge na confluência de um fato político com uma conjuntura econômica. O fato político é o federalismo implantado pela República em substituição ao centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com amplos poderes, o governador de estado. O antigo presidente de Província, durante o Império, era um homem de confiança do Ministério, não tinha poder próprio, podia a qualquer momento ser removido, não tinha condições de construir suas bases de poder na Província à qual era, muitas vezes, alheio. No máximo, podia preparar sua própria eleição para deputado ou para senador2.

18. O governador republicano, ao contrário, era eleito pelas máquinas dos partidos únicos estaduais, era o chefe da política estadual. Em torno dele se arregimentavam as oligarquias locais, das quais os coronéis eram os principais representantes. Seu poder consolidou-se após a política dos estados implantada por Campos Sales em 1898, quando este decidiu apoiar os candidatos eleitos "pela política dominante no respectivo estado". Segundo Sales, era dos estados que se governava a República: "A política dos estados [...] é a política nacional" (Sales, 1908:252).

19. A conjuntura econômica, segundo Leal, era a decadência econômica dos fazendeiros. Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira República, que durou de 1889 até 1930.

20. Nessa concepção, o coronelismo é, então, um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste de seu domínio no estado. O coronelismo é fase de processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela. Ele morreu simbolicamente quando se deu a prisão dos grandes coronéis baianos, em 1930. Foi definitivamente enterrado em 1937, em seguida à implantação do Estado Novo e à derrubada de Flores da Cunha, o último dos grandes caudilhos gaúchos. O próprio Leal é incoerente ao sugerir um renascimento do coronelismo embutido na tentativa dos presidentes militares de estabelecer contato direto entre o governo federal e os municípios, passando por cima dos governadores (Leal, 1980:14). A nova situação nada tinha a ver com a que descreveu em sua obra clássica.

21. Essa visão do coronelismo distingue-o da noção de mandonismo. Este talvez seja o conceito que mais se aproxime do de caciquismo na literatura hispano-americana. Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional. Existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje em regiões isoladas. A tendência é que desapareça completamente à

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medida que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos. A história do mandonismo confunde-se com a história da formação da cidadania.

22. Na visão de Leal, o coronelismo seria um momento particular do mandonismo, exatamente aquele em que os mandões começam a perder força e têm de recorrer ao governo. Mandonismo, segundo ele, sempre existiu. É uma característica do coronelismo, assim como o é o clientelismo. Ao referir-se ao trabalho de Eul-Soo Pang, que define coronelismo como exercício de poder absoluto, insiste: "não é, evidentemente, ao meu coronelismo que se refere", e continua: "não há uma palavra no meu livro pela qual se pudesse atribuir o status de senhor absoluto ao coronel, ou às expressões pessoais de mando do sistema coronelista". Mais ainda: "Em nenhum momento, repito, chamei o coronel de senhor absoluto" (idem:12-13; Pang, 1979).

23. Boa parte da literatura brasileira, mesmo a que se inspira em Leal, identifica coronelismo e mandonismo. Essa literatura contribuiu, sem dúvida, para esclarecer o fenômeno do mandonismo. Da imagem simplificada do coronel como grande latifundiário isolado em sua fazenda, senhor absoluto de gentes e coisas, emerge das novas pesquisas um quadro mais complexo em que coexistem vários tipos de coronéis, desde latifundiários a comerciantes, médicos e até mesmo padres. O suposto isolamento dos potentados em seus domínios também é revisto. Alguns estavam diretamente envolvidos no comércio de exportação, como os coronéis baianos da Chapada Diamantina, quase todos se envolviam na política estadual, alguns na política federal (Carone, 1971; Pang, 1979; Machado Neto et alii, 1972; Queiroz, 1975; Sá, 1974; Silva, 1975; Vilaça e Albuquerque, 1965; Campos, 1975). Mas o fato de esta literatura ter tornado sinônimos os conceitos de coronelismo e mandonismo foi negativo. Alguns autores encontraram mesmo um coronelismo urbano (Reis, 1971), ou um coronelismo sem coronéis (Banck, 1974; 1979). O conceito atinge, nesses casos, uma amplitude e uma frouxidão que lhe tiram o valor heurístico.

24. Outro conceito confundido com o de coronelismo é o de clientelismo. Muito usado, sobretudo por autores estrangeiros escrevendo sobre o Brasil, desde o trabalho pioneiro de Benno Galjart (1964; 1965), o conceito de clientelismo foi sempre empregado de maneira frouxa. De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Este é um dos sentidos em que o conceito é usado na literatura internacional (Kaufman, 1977). Clientelismo seria um atributo variável de sistemas políticos macro e podem conter maior ou menor dose de clientelismo nas relações entre atores políticos. Não há dúvida de que o coronelismo, no sentido sistêmico aqui proposto, envolve relações de troca de natureza clientelística. Mas, de novo, ele não pode ser identificado ao clientelismo, que é um fenômeno muito mais amplo. Clientelismo assemelha-se, na amplitude de seu uso, ao conceito de mandonismo. Ele é o mandonismo visto do ponto de vista bilateral. Seu conteúdo também varia ao longo do tempo, de acordo com os recursos controlados pelos atores políticos, em nosso caso pelos mandões e pelo governo.

25. De algum modo, como o mandonismo, o clientelismo perpassa toda a história política do país. Sua trajetória, no entanto, é diferente da do primeiro. Na medida em que o clientelismo pode mudar de parceiros, ele pode aumentar e diminuir ao longo da história, em vez de percorrer uma trajetória sistematicamente decrescente como o mandonismo. Os autores que vêem coronelismo no meio urbano e em fases recentes da história do país estão falando simplesmente de clientelismo. As relações clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do coronel, pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população. Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de influir

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sobre o Poder Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística.

26. Exemplo claro dessa situação é o da cidade que na década de 60 era dominada por duas famílias, cujo poder se baseava simplesmente na capacidade de barganhar empregos e benefícios públicos em troca de votos (Carvalho, 1966). As famílias não tinham recursos próprios, como os coronéis, e o fenômeno não era sistêmico, embora houvesse vínculos estaduais e federais. Por vários anos as duas famílias mantiveram o controle político da cidade, alternando-se no poder. Os resultados eleitorais eram previstos de antemão com precisão quase matemática. Os votos tinham dono, eram de uma ou de outra família. Tratava-se de um caso exacerbado de clientelismo político exercido num meio predominantemente urbano. Não se tratava de coronelismo.

27. Temos, assim, três conceitos relacionados, mas não sinônimos, guardando cada um sua especificidade, além de representarem curvas diferentes de evolução. O coronelismo retrata-se com uma curva tipo sino: surge, atinge o apogeu e cai num período de tempo relativamente curto. O mandonismo segue uma curva sempre descendente. O clientelismo apresenta uma curva ascendente com oscilações e uma virada para baixo nos últimos anos. Os três conceitos, assim concebidos, mantêm uma característica apontada com razão por Raymond Buve (1992) como essencial em uma abordagem histórica: a idéia de diacronia, de processo, de dinamismo.

28. Mas não se resolvem com isso os problemas relacionados com os três conceitos. O menos polêmico deles talvez seja o de mandonismo, vamos deixá-lo em paz. Quanto ao clientelismo, as divergências são grandes. Na literatura internacional, muitos não concordam em restringi-lo à idéia de atributo de um sistema; outros querem aplicá-lo apenas à política local; outros ainda o vêem como um sistema global (Scott, 1977; Clapham, 1982; Lemarchand, 1981; Landé, 1983). Não seria possível nas dimensões deste artigo retomar a discussão desse conceito além do uso que dele é feito no Brasil. Vamos retomá-lo em conexão com as críticas ao conceito de coronelismo de Leal.

29. A crítica mais contundente, quase virulenta, foi feita por Paul Cammack (1979; 1982), e foi respondida com igual contundência por Amilcar Martins Filho (1984). Como bem observa este último, o principal alvo de Cammack é a interpretação clientelística da política brasileira durante a Primeira República, que ele, Cammack, identificaria com o coronelismo. Contra essa interpretação Cammack propõe retomar a visão tradicional de um sistema político dominado pelos proprietários rurais cujos interesses seriam representados pelo Estado. Já vimos que coronelismo e clientelismo não se confundem e por aí a crítica erra o alvo. Martins Filho limita-se em sua resposta a salvar a abordagem clientelística. Mas pode-se examinar o conteúdo da crítica naquilo que atinge o coronelismo como sistema. O ponto central, a meu ver, é a negação, por Cammack, da validade da idéia de compromisso baseada na troca dos votos controlados pelos coronéis pela delegação de poderes do governo.

30. Cammack nega o poder dos coronéis de controlar os votos e também o valor do voto como mercadoria política. Quanto à capacidade de controle do voto, há consenso entre testemunhos da época e estudiosos de que ela existia. Ela se dava, como vimos, até mesmo em contextos urbanos e depois da democratização de 1945. Quanto ao valor do voto como mercadoria, a crítica faz sentido, a votação pouco valia na época. Há amplas evidências sobre fraudes escandalosas que acompanhavam o processo eleitoral em todas as suas fases. O coronel podia controlar os votantes e manipular as atas eleitorais, mas quem definia a apuração dos votos e reconhecia os deputados era o próprio Congresso em acordo com o presidente da República. Esse foi o

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acordo negociado por Campos Sales com os governadores. A apuração final podia inverter o resultado das atas. Uma testemunha ocular do processo de reconhecimento na Câmara em 1909 observa: "Os reconhecimentos de Goiás, Rio de Janeiro e Distrito Federal só se farão quando os chefes chegarem a acordo. Para o caso as eleições nada estão valendo" (Vieira, 1980).

31. Se aceita, a crítica quebra um dos pés do compromisso coronelista, qual seja, a dependência do governo em relação aos coronéis para a produção de votos. A crítica pode ser considerada válida se os coronéis forem tomados individualmente em sua relação com os governadores. Mesmo aí haveria exceções, pois certos coronéis, como os da Bahia, podiam enfrentar os governadores até no terreno militar. Mas mesmo sem recorrer a esses casos excepcionais, a idéia do compromisso coronelista pode ser mantida sem que se dê ao voto peso decisivo. Se os governadores podiam prescindir da colaboração dos coronéis tomados isoladamente, o mesmo não se dava quando considerados em conjunto. A estabilidade do sistema como um todo exigia que a maioria dos coronéis apoiasse o governo, embora essa maioria pudesse ser eventualmente trocada. As manipulações dos resultados eleitorais sempre beneficiavam um grupo em detrimento de outro e tinham um custo político. Se entravam em conflito com um número significativo de coronéis, os governadores se viam em posição difícil, se não insustentável. Basta mencionar os casos da Bahia, de Goiás, do Ceará e de Mato Grosso. Em todos eles, os governadores foram desafiados, humilhados e mesmo depostos. São também conhecidos os casos de duplicatas de assembléias estaduais, de bancadas federais e até mesmo de governadores. As duplicatas de assembléias eram no mínimo embaraçosas para os governadores e podiam preparar o caminho para a intervenção do governo federal, numa confirmação da natureza sistêmica do coronelismo. Muitas vezes, rebeliões de coronéis eram incentivadas pelo governo federal para favorecer oligarquias rivais nos estados.

32. Um mínimo de estabilidade do sistema exigia algum tipo de entendimento com os coronéis, ou parte deles, sendo de importância secundária que a contrapartida do coronel se concretizasse exclusivamente em votos. Bastava o apoio tácito, a não rebelião. Se tudo dependesse do voto, seria de esperar uma luta maior por seu controle, com a conseqüência de que a participação eleitoral teria atingido proporções muito maiores do que os míseros 2% ou 3% da população. Com essa qualificação, a tese de Leal continua de pé.

33. Outra crítica de Cammack tem a ver com o velho debate entre classe e following, travado pela primeira vez no Brasil entre Benno Galjart (1964; 1965) e Guerrit Huizer (1965). Cammack acusa Leal de ver os coronéis apenas como atores políticos e não como produtores, como classe social. Aqui também há que distinguir. Que Leal considerava os coronéis como classe dominante não pode haver dúvida. O compromisso coronelista baseava-se exatamente na decadência econômica dessa classe. É a perda de poder econômico que leva o coronel a necessitar do apoio do governo para manter sua posição de classe dominante. Mas é verdade que a teoria é formulada apenas em termos de compromisso político: os coronéis apóiam o governador, que lhes dá carta branca em seus domínios; os governadores apóiam o presidente da República, este reconhece a soberania deles nos estados.

34. Mas, de novo, a falha, se falha há, é apenas formal. Isto por duas razões. A primeira é que a entrega do controle de cargos públicos aos coronéis tem evidentemente um sentido que vai muito além do político. Não é preciso, por exemplo, demonstrar que o papel de um juiz de paz, de um juiz municipal, de um delegado de polícia ou de um coletor de impostos está estreitamente vinculado à sustentação dos interesses econômicos dos donos de terra e dos grandes comerciantes. As tarefas do juiz e do delegado eram importantes para o controle da mão-de-obra e para a competição com fazendeiros

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rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais fazendo uso da polícia era um trunfo importante na luta econômica. Como observou Oliveira Vianna (1949), a justiça brasileira caracterizava-se, nessa época, pelas figuras do "juiz nosso", do" delegado nosso", isto é, era uma justiça posta a serviço dos interesses dos mandões. O coletor de impostos, por seu lado, podia, pela ação, ou inação, afetar diretamente a margem de lucro dos coronéis. Até mesmo uma professora primária era importante para conservar valores indispensáveis à sustentação do sistema. Ignorar esses aspectos dos cargos públicos é que seria separar artificialmente o político do econômico. No coronelismo, como definido por Leal, o controle do cargo público é mais importante como instrumento de dominação do que como empreguismo. O emprego público adquire importância em si, como fonte de renda, exatamente quando o clientelismo cresce e decresce o coronelismo.

35. Em segundo lugar, era raro que os interesses econômicos de classe assumissem o primeiro plano nas lutas locais da Primeira República. Em geral, isto só se dava em momentos de tentativas de criação ou aumento de impostos pelos governos estaduais. Os interesses mais amplos dos coronéis como classe eram raramente, se jamais o foram, desafiados pelos governos ou pelos trabalhadores. Não se colocava em questão o domínio dos coronéis como classe. Esta é uma premissa que perpassa toda a argumentação de Leal e de fato a torna inteligível. O conflito assumia, assim, quase sempre, característica de disputa política entre coronéis ou grupos de coronéis, entrando os governos estaduais e federal seja como juiz, seja como provocador, seja ainda como aliado de uma das facções. Não havia movimentos organizados de trabalhadores que pudessem colocar em xeque o domínio do senhoriato. A única organização de setores dominados verificava-se nos movimentos messiânicos e no cangaço. Mas messianismo e cangaço atingiam o domínio da classe proprietária apenas indiretamente. Eram vítimas fáceis da repressão e da cooptação, ou de ambas (Queiroz, 1977; Monteiro, 1974; Della Cava, 1970). Leal não ignorava nem menosprezava o lado econômico em sua teoria do coronelismo. Uma de suas inovações em relação à teoria social da época foi exatamente fugir aos reducionismos em voga, econômicos, sociológicos, culturais ou psicológicos. Sua análise incorpora contribuições de várias disciplinas e as integra no conceito de sistema coronelista (Carvalho, 1980c).

36. Mas as divergências não terminam aí. Como a polêmica entre Martins Filho e Cammack indica, estão em jogo conceitos sociológicos e políticos fundamentais como clientelismo, feudalismo e patrimonialismo, representação e cooptação. Uso a polêmica para entrar na discussão do emprego desses conceitos.

37. Martins Filho acusa Cammack de cometer uma impropriedade conceitual ao vincular patrimonialismo e representação de interesses, ao mesmo tempo que o próprio Cammack aponta a inconsistência da literatura sobre o coronelismo que vincularia feudalismo e cooptação. A meu ver, pelos argumentos expostos até agora, tanto Martins Filho como Cammack se equivocam ao colocar Nunes Leal dentro da tradição "feudalista" que tem em Oliveira Vianna e Nestor Duarte seus mais ilustres representantes, mais tarde seguidos por Queiroz (Oliveira Vianna, 1920; Duarte, 1939; Queiroz, 1956/57)3. Essa tradição acentua o poder dos potentados rurais e suas parentelas diante do Estado desde o início da colonização. Os grandes proprietários são vistos como onipotentes dentro de seus latifúndios, onde, como disse um cronista, só precisavam importar ferro, sal, pólvora e chumbo. Durante a Colônia eram alheios, se não hostis, ao poder do governo. Após a Independência, passaram a controlar a política nacional, submetendo o Estado a seus desígnios. A formulação mais contundente da tese feudal está em Nestor Duarte. As capitanias hereditárias seriam, segundo este autor, instituições legitimamente feudais e o feudalismo teria dominado os três primeiros séculos da história nacional. Pouco

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teria mudado após a Independência, pois "o poder político se encerra nas mãos dos que detêm o poder econômico" (Duarte, 1939:181). A ordem privada, antagônica e hostil ao Estado como poder público, teria governado soberana durante todo o período imperial e ainda predominaria à época em que o livro foi escrito. Para ser tolerado pela ordem privada, o Estado, enquanto tal, omite-se e reduz suas tarefas à mera coleta de impostos. No resto, o Estado é privatizado e age em função dos interesses da classe proprietária.

38. Vimos que Leal, apesar da interpretação de Martins e Cammack, nega explicitamente vinculação a essa corrente feudalista. Pode-se supor até mesmo, embora ele tenha negado a hipótese, que seu livro tenha sido uma resposta a Nestor Duarte. Leal não é nem feudalista, nem economicista, tampouco dicotômico em sua análise. O poder político não é reduzido ao poder econômico, o Estado e a ordem privada não se colocam como oposição inconciliável. Mas, mesmo não se aplicando a crítica a Leal, a observação de Martins Filho sobre o relacionamento inadequado dos conceitos de feudalismo e patrimonialismo aos de cooptação e representação se sustenta e merece comentários mais amplos.

39. O debate é clássico na historiografia brasileira e pode-se dizer que as posições estão sendo apenas atualizadas e aperfeiçoadas na produção mais recente. Ao lado do" feudalista" Nestor Duarte, há o" patrimonialista" Raymundo Faoro, cuja tese inverte o argumento de Nestor Duarte. O Brasil seguiu a evolução de Portugal que desde o século XIV se havia livrado dos fracos traços de feudalismo e implantado um capitalismo de Estado de natureza patrimonial. Aos poucos formou-se um estamento burocrático, instrumento de domínio do rei que se tornou independente do próprio rei. A colonização foi empreendimento capitalista-mercantilista conduzido pelo rei e por esse estamento. O estamento, minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política, a elite que governa e separa governo e povo, Estado e nação. O capitalismo mercantilista monárquico, com seu estamento burocrático, bloqueou a evolução do capitalismo industrial em Portugal e no Brasil e, portanto, também a sociedade de classes e o Estado democrático-representativo (Faoro, 1958)4.

40. Uma linha intermediária entre Duarte e Faoro é seguida por Fernando Uricoechea (1978). Partindo de sólida base weberiana, Uricoechea interpreta o Brasil imperial com o auxílio do tipo ideal de burocracia patrimonial. Os dois termos são em parte conflitantes, desde que burocracia é tomada no sentido weberiano de racionalização e modernização da máquina do Estado, enquanto o patrimonial tem a ver com uma forma de dominação tradicional ligada à expansão do poder pessoal do monarca. É exatamente no conflito dialético entre os dois fenômenos que o autor vê a natureza da política brasileira desde a Colônia: um misto de crescente burocratização e de decrescente prebendalização ou patrimonialismo. Estado e senhoriato estabeleceram relação dinâmica de complementação e antagonismo. O Estado português, e depois o brasileiro, não possuíam recursos humanos e materiais suficientes para administrar a Colônia e, posteriormente, o país independente. Fazia-se necessário o recurso ao poder privado na forma de serviços litúrgicos, cujo exemplo principal foi a Guarda Nacional. Por seu lado, o senhoriato não conseguiu desenvolver formas de solidariedade corporativa capazes de possibilitar o enfrentamento do monarca, enquanto a economia escravista não lhes permitia a consolidação estamental que caracterizou o feudalismo ocidental. A idéia de compromisso foge ao dualismo de Faoro e também ao reducionismo de Nestor Duarte, aproximando-se da abordagem de Leal.

41. Análise matizada também é a de Simon Schwartzman (1970). Partindo das mesmas distinções weberianas, trabalhadas por Bendix (Weber, 1964; Bendix, 1962), de feudalismo e patrimonialismo e de suas ligações com as formas políticas modernas, Schwartzman distingue

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evoluções diferentes nas regiões brasileiras. A principal delas tem a ver com o estilo patrimonial-cooptativo característico do Nordeste e de Minas Gerais e o estilo feudal-representativo próprio de São Paulo. Em Minas, a economia mineradora, marcada por forte presença da administração colonial, e a subseqüente decadência econômica durante o Império teriam levado a província e depois o estado à dependência do poder central, ao desenvolvimento do clientelismo e da cooptação como forma de relacionamento político. Em contraste, a tradição de independência dos bandeirantes paulistas durante a Colônia e a pujança econômica trazida pelo café levaram essa parte do país a desenvolver uma relação de maior autonomia em relação ao poder federal, baseada na representação dos interesses da elite local. O contraste entre os dois estilos seria, na visão de Schwartzman, uma das principais chaves para entender o enigma brasileiro.

42. Com relação às três últimas posições, elas podem ser contestadas em termos empíricos. A existência do onipotente estamento burocrático de Faoro é de difícil comprovação empírica. Outros trabalhos sobre a burocracia imperial mostram um quadro fragmentado, antes que unificado (Carvalho, 1980a). O próprio estudo de Uricoechea postula uma relação distinta entre burocracia e senhoriato rural, o mesmo acontecendo com recente trabalho de Graham (1990). A tese de Schwartzman sobre a política de representação de interesses de São Paulo é contestada por estudos do corporativismo dos industriais paulistas na década de 30 (Costa, 1991). No entanto, do ponto de vista teórico e conceitual ambos são consistentes. A terminologia empregada segue com razoável precisão os tipos ideais weberianos e mantém coerência em relação às conseqüências teóricas derivadas desses tipos para a evolução política do país. Isto é, da postulação do patrimonialismo deriva um estilo político baseado na cooptação, no clientelismo, no populismo, no corporativismo de Estado. Ao reverso, da postulação do feudalismo, da independência do senhoriato rural em relação ao Estado, deriva um estilo político baseado na representação de interesses, nos partidos, na ideologia.

43. A mesma coerência não se dá com outros trabalhos sobre o tema. Já vimos a crítica de Martins Filho a Cammack relativa a esse ponto. Dentro da lógica weberiana, a conclusão da existência de um sistema representativo dos interesses dos proprietários rurais deveria vir da premissa feudalista de Nestor Duarte, criticada por Cammack. Insistir na fraqueza do senhoriato rural perante o Estado e daí deduzir a existência de um Estado representativo desse mesmo senhoriato parece, de fato, algo estranho. Foge não só à lógica weberiana mas também à análise marxista. Na formulação de Marx, sem que aqui dele divirja Weber, o modo capitalista de produção, base da política de representação de interesses, evolui do modo feudal de produção. Como observa J. P. Nettl (1968), não foi por acaso que Marx deixou de enfatizar o Estado para se concentrar nas classes ao se transferir da Alemanha para a Inglaterra, onde a transição se deu de modo exemplar. O Partido Comunista do Brasil estava sendo coerente, embora não necessariamente lúcido, ao insistir na tese do feudalismo brasileiro, do qual se evoluiria para o capitalismo e daí para o socialismo. Nem mesmo o dissidente marxista Caio Prado Jr. negava a seqüência, apenas achava que o país já era há muito capitalista e estava, portanto, pronto para o socialismo, sem ter de passar antes pela revolução burguesa5. Nesse campo, a diferença entre Marx e Weber com relação à análise da evolução das sociedades ocidentais está no fato de que o primeiro se concentra na seqüência feudalismo-capitalismo, ao passo que Weber admite também, mesmo no Ocidente, a alternativa derivada do patrimonialismo. Marx relega a última possibilidade ao modo asiático de produção (Marx, 1971).

44. Outro autor que também usa os conceitos de maneira pouco consistente é Richard Graham (1990; 1994). Em sua bem pesquisada obra sobre a sociedade brasileira durante o Império, que traz várias contribuições importantes, Graham retoma a tese da hegemonia e o

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predomínio dos senhores de terra sobre o Estado. A vida dos gabinetes, segundo Graham, dependia tanto, se não mais, dos líderes locais do que o oposto. Como para esse autor qualquer concepção de Estado que não implique a dominação de uma classe é abstração teórica ou, pelo menos, inaplicável ao Brasil, só lhe resta postular o domínio da política imperial pela classe dominante rural (Graham, 1994:536). Até aí tudo bem. Como vimos, esta é a tese de Nestor Duarte e Queiroz. O problema conceitual surge quando Graham trabalha o tempo todo com a noção de clientelismo, de relações patrão-cliente. O clientelismo seria a marca característica do sistema político imperial: "Pode-se, pois, afirmar que o elemento decisivo da política brasileira no século XIX [...] foi o clientelismo" (idem:544). Ora, qualquer noção de clientelismo implica troca entre atores de poder desigual. No caso do clientelismo político, tanto no de representação como no de controle, ou burocrático, para usar distinção feita por Clapham (1982), o Estado é a parte mais poderosa. É ele quem distribui benefícios públicos em troca de votos ou de qualquer outro tipo de apoio de que necessite. O senhoriato rural seria a clientela do Estado. Não é certamente esta a visão de Graham sobre a relação de poderes. Seria mais lógico para ele considerar o Estado como clientela do senhoriato. Mas não há nada em seu texto justificando essa reviravolta no conceito de clientelismo. Outra alternativa seria retornar à tese de Nestor Duarte, deixando de lado sua própria evidência sobre práticas clientelísticas.

45. A visão patrimonial de Uricoechea implica reconhecer maior poder ao senhoriato rural do que a abordagem clientelista-classista de Graham. Na relação patrimonial, o Estado vai além da simples distribuição de empregos públicos em troca de apoio. Ele se vê forçado a delegar boa parte da administração local, se não toda ela, aos donos de terra. Na formulação de Bendix, há "compromissos entre as forças opostas que dão aos chefes locais completa autoridade sobre seus dependentes, na medida em que isto é compatível com os interesses fiscais e militares do governante" (Bendix, 1962:356). O serviço litúrgico desses particulares é exercido gratuitamente, não constituindo, portanto, uma tarefa burocrática do Estado.

46. No Império, a Guarda Nacional foi a grande instituição patrimonial que ligou proprietários rurais ao governo. Ela não foi criada por proprietários, nem era uma associação que os representasse. Foi criada pelo governo durante a Regência, inicialmente para fazer face aos distúrbios urbanos desencadeados após a abdicação do imperador e sua inspiração era a guarda francesa, uma organização burguesa (Castro, 1977). Posteriormente é que foi sendo transformada no grande mecanismo patrimonial de cooptação dos proprietários rurais. Daí os muitos conflitos entre seus oficiais e outras autoridades do governo ou eletivas, como juízes municipais, juízes de paz e padres, conflitos estes analisados por Thomas Flory (1981). Os oficiais da Guarda não apenas serviam gratuitamente como pagavam pelas patentes e freqüentemente fardavam as tropas com recursos do próprio bolso. A escolha democrática dos oficiais, por eleição, foi aos poucos sendo eliminada para que a distribuição de patentes de oficiais correspondesse o melhor possível à hierarquia social e econômica. Em contrapartida, a Guarda colocava nas mãos do senhoriato o controle da população local.

47. Não se resumia à Guarda Nacional o ingrediente patrimonial do sistema imperial. Os delegados, delegados substitutos, subdelegados e subdelegados substitutos de polícia, criados em 1841, eram também autoridades patrimoniais, uma vez que exerciam serviços públicos gratuitamente. O mesmo pode ser dito dos inspetores de quarteirão, que eram nomeados pelos delegados. Praticamente toda tarefa coercitiva do Estado no nível local era delegada aos proprietários. Algumas tarefas extrativas, como a coleta de certos impostos, eram também contratadas com particulares. O patrimonialismo gerava situações extremas como a de um município de Minas Gerais onde os

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serviços patrimoniais, assim como os cargos eletivos de juiz de paz, vereador e senador estavam nas mãos de uma só família. Treze pessoas ligadas por laços de parentesco ocupavam quase todos os postos, algumas acumulavam cargos eletivos e patrimoniais, como o de vereador e os de comandante da Guarda Nacional e subdelegado (ver A Reforma, 26/10/1869, p. 3). O Estado utilizava ainda os serviços da Igreja para executar suas tarefas: todos os registros de nascimento, de casamento, de morte eram feitos pelo clero e reconhecidos pelo Estado. Durante boa parte do período imperial, os padres tinham também papel importante nas eleições, que eram realizadas dentro das igrejas. Eles foram também encarregados de informar ao governo sobre a existência de terras públicas nos municípios, quando da aplicação da lei de terras de 1850.

48. A grande divergência que essa abordagem tem com a de Graham, é que nela a iniciativa é do Estado. A Guarda era uma organização criada pelo governo e controlada pelo ministro da Justiça; os cargos de delegado e subdelegado de polícia foram criados para esvaziar as funções dos juízes de paz, autoridades eletivas. Na medida em que os proprietários rurais controlavam a eleição dos juízes de paz, o esvaziamento do poder destes em benefício de uma autoridade patrimonial era uma perda de poder para aqueles. Os proprietários nunca se organizaram em estamento como no feudalismo, nem em partidos políticos6. Organizações de proprietários surgiram apenas às vésperas da passagem da lei que libertou o ventre escravo (Pang, 1981). Sintomaticamente, essas organizações reagiam contra uma ação do governo que consideravam radicalmente contrária a seus interesses. O próprio imperador foi por eles acusado de traição nacional por favorecer a medida abolicionista.

49. A tendência era claramente no sentido de reduzir, até a eliminação, os resíduos patrimoniais da administração em favor da burocracia do Estado. Inúmeros conflitos surgidos em função do comportamento das autoridades patrimoniais, como os delegados e oficiais da Guarda, começaram já no Império a ser resolvidos pelo recurso a autoridades burocráticas, como os juízes de direito e oficiais da polícia. Na República, as tarefas de manutenção da ordem passaram todas para a burocracia, na medida em que delegados se tornaram funcionários públicos e os estados aumentaram rapidamente o efetivo de suas polícias militares que substituíram a Guarda na sua função original. A Igreja também foi separada do Estado, tendo sido instituído o registro civil. O coronelismo surgiu nesse momento, com o recuo do patrimonialismo e o avanço da burocracia.

50. A essa altura, pode-se voltar à pergunta inicial e procurar saber se toda essa discussão conceitual não é inútil disputa acadêmica. Sem propósito de querer introduzir rigidez desnecessária, espero ter mostrado a vantagem que teria para a pesquisa maior precisão na definição de conceitos básicos. Mais ainda, espero ter indicado que na seleção e uso dos conceitos aqui discutidos estão embutidas visões macrossociais distintas da evolução histórica do país e das características do Brasil de hoje. A literatura tem demonstrado amplamente, por exemplo, a relação entre patrimonialismo, corporativismo e autoritarismo (Schwartzman, 1977); a complementaridade entre clientelismo e corporativismo (Kaufman, 1977); a aliança entre clientelismo e populismo (Diniz, 1982). A terminologia usada para discutir o poder local na Colônia, no Império, ou na Primeira República, reflete visões do Brasil de hoje, ou mesmo visões mais gerais sobre as leis e tendências das trajetórias das sociedades.

51. O importante em todo o debate não é discutir se existiu ou se existe dominação. Ninguém nega isto. O problema é detectar a natureza da dominação. Faz enorme diferença se ela procede de um movimento centrado na dinâmica do conflito de classes gerado na sociedade de mercado que surgiu da transformação do feudalismo na moderna sociedade industrial, via contratualismo, representação de interesses,

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partidos políticos, liberalismo político; ou se ela se funda na expansão lenta do poder do Estado que aos poucos penetra na sociedade e engloba as classes via patrimonialismo, clientelismo, coronelismo, populismo, corporativismo. É esta diferença que faz com que o Brasil e a América Latina não sejam os Estados Unidos ou a Europa, que sejam o Outro Ocidente, na feliz expressão de José G. Merquior7.

52.

O Coronelismo é visto por grande parte dos historiadores como a política existente no Brasil no período da Primeira República. Entretanto, há estudiosos como Maria Isaura Pereira de Queiroz, que além de reconhecer suas origens desde a colônia, com ápice na Primeira República, ainda reconhece sua permanência por longos anos na Segunda República em regiões restritas. Ressaltando é claro, que ao longo desses anos com as diversas transformações políticas, econômicas e sociais, essa política buscou moldar-se à nova realidade.

Para José Murilo de Carvalho, o coronelismo é um sistema político no qual existe uma ampla e complexa rede de relações que partem do coronel ao Presidente da República, tendo como base os compromissos mútuos.

Victor Nunes Leal, define o coronelismo como:

“Uma forma própria de manifestação do poder privado, onde por meio de uma adaptação, os resíduos de demasiado antigo poder privado tem conseguido permanecer, coexistindo com um regime de grande base representativa” (LEAL, 1978:20).

Ainda de acordo com Victor Nunes, os locais propícios à instalação do coronelismo são os municípios do interior. Para ele esses municípios possuem caracteres predominantemente rurais, o que dificulta o desenvolvimento industrial, importante fator na desestruturação do já citado sistema.

É nesse complexo de relações coronelísticas, que então manifesta-se o mandonismo. Cynara Silde, vê o mandonismo como o poder de mandar, expressado na perseguição dos inimigos pelos mandatários. José Murilo de Carvalho, diz que o Mandonismo não se trata de um sistema político, mas de uma característica da política tradicional brasileira desde a colônia, perdurando em regiões restritas até a atualidade.

No Norte de Minas, segundo César Henrique Porto de Queiroz, o Mandonismo por volta de meados do século XVIII com os motins do Rio São Francisco, já se traduzia na real incorporação da violência pelos potentados. Violência que se tornara cotidiana e rotineira. Ainda de acordo com o mesmo, o uso da violência acabou por tornar-se incorporado à sociedade sertaneja, e a própria sociedade irá dar grande valor a essa conduta, uma vez que não sofria nenhuma espécie de restrição. A ausência de pode público, e o valor a esse tipo de prática, proporcionou um livre espaço de circulação para as notícias e atos violentos, que adquiriam

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conotações de bravura, coragem, destemor, honra e força.

Tomando como base os autores citados, poder-se-á dizer que o município de São João da Ponte durante o coronelismo encontra-se em tais condições, uma vez que a sua localização no Norte de Minas Ferais deixava-o a margem do desenvolvimento industrial e político.

Simão Campos através de alianças políticas e aproveitando da Lei de Terras que considerou as fazendas Arapuá e Morro Preto (antigas sesmarias) devolutas, apossou de grandes extensões de terra nas referidas fazendas. Tornou-se assim um homem de expressivo poder político e grande força econômica, através dos quais chegou a receber o título de Coronel em 1936. A partir dessa data, passou então a batalhar por mais um intento, a emancipação de São João da Ponte, que se deu em 31 de Dezembro de 1943.

É perceptível até o presente momento, que Simão da Costa Campos, percorreu todos os passos necessários para atingir o posto de chefe político (mandatário) de São João da Ponte: entrou na vida política, tornou-se fazendeiro, Coronel, e por fim conseguiu a emancipação do município. Ao conseguir essa última, estava assim preparado todo o ambiente para o seu mando, que terá sua expressão maior nos atos de violência2.

VIOLÊNCIA E MANDO DA FAMÍLIA CAMPOS

A violência presente no mandonismo da política coronelista do município de São João da Ponte, ainda que apresente suas peculiaridades; não é algo exclusivo de sua localidade e tempo, mas sim de um contexto político-social do país.

Violência e Mando são instituídos no Brasil desde a sua efetiva colonização. À presença e autoridade dos donatários, os colonos efetuaram a sua rebeldia e oposição, obrigando-se assim a entrarem em acomodação com o poder local. No Império não há uma mudança dessa questão. A partir da Primeira República, tem-se uma real consolidação do mando e da violência. Período esse que como salienta Victor Nunes Leal, constitui em um momento particular do mandonismo.

Nesse trabalho, o termo violência é entendido como a intervenção física que um indivíduo ou grupo exerce contra outro indivíduo ou grupo, praticada de forma intencional objetivando ofender e até mesmo eliminar a vítima.

Para Maria Isaura, o conflito político como emprego da violência no coronelismo é visível tanto em suas diversas relações quanto no seu espaço de abrangência, que seria rural ou urbano. A começar pela posição do coronel como situacionista ou oposicionista. O pertencer à situação implicava aos protegidos do coronel, liberdade de ação e impunidade. No caso contrário, quando o coronel era da oposição, isso significava as mais possíveis atrocidades e perseguições. Toda essa violência sofrida pela

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oposição, era constantemente revidada aos mesmos moldes. “[...] como seu pai (Simão), Olímpio era homem muito respeitado e temido na região. Não media esforços para ajudar os amigos, afilhados e parentes; quanto os rigores da lei” (AGUIAR, 2001:119) (Grifos nossos).

Essas palavras extraídas do trabalho de Cynara Silde, demonstram de forma abrangente as posturas e relações dos coronéis de São João da Ponte. Uma vez detentores dos poderes político e econômico, impunham o “respeito” e temor. Temor esse que é traduzido na prática efetiva da violência para com os adversários. Ao passo que a sua clientela e parentela, como salientado por Maria Isaura, eram desmedidamente protegidos. Aos inimigos políticos, restava os “rigores da lei”. Lei feita e praticada à maneira dos coronéis mandões.

Entretanto, como diz Maria Isaura, isso não significava, que não tenha havido fortes conflitos no interior de uma parentela. Do mesmo modo que as alianças eram possíveis, no interior e fora do grupo, o mesmo poderia acontecer em relação aos atritos e rivalidades. O que implicava a regulares conflitos sangrentos, muitos dos quais sem motivos relevantes.

Feito uma explanação acerca da violência no país, passamos a relatar os principais casos de homicídios praticados pela já mencionada Família Campos. Lembrando que nos processos, muitos outros casos são mencionados, mas não chegaram a ser registrados.

O primeiro homicídio encontrado é atribuído a Honorato da Costa Campos (Honoratinho), irmão de Simão da Costa Campos.

[...] Povoado de Patis, distrito de Bela Vista em seis de Agosto de Mil novecentos e dezoito. Estava ele testemunha assentado a sua porta. Aparece no escuro [...], 9 tiros de carabina foram desfechados em Santos Ferreira da Silva. Vindo este a falecer [...] os atiradores e assassinos foram Honorato Campos [...] e seu camarada de nome Hermenegildo. As razões [...] seriam velhas intrigas entre Santos e Honorato3. (Grifos nossos).

Nesse homicídio, todos os depoimentos, como o acima exposto, convergem para o mesmo ponto; que os assassinos de Santos Ferreira, foram Honorato Campos e Hermenegildo. Fica também claro, a subordinação de Hermenegildo à pessoa do Honorato, onde o primeiro é chamado de camarada. Os seja, aquele que recebe ordens. É também evidente, as razões para o crime, autodenominadas de “velhas intrigas”, que talvez não sejam de tenta relevância; já que pela expressão entende-se que se fazia um tempo considerável que houve tais intrigas.

A respeito dessa “irrelevância”, diz Maria Sílvia de Carvalho, que os ajustes violentos surgem associados a acontecimentos banais do cotidiano.

Um outro aspecto salientado no processo, refere-se ao local onde ocorrera o crime. Percebe-se que ele é exatamente o tipo de povoado e município

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mencionados tanto por Victor Nunes, quanto por Maria Isaura. É relevante também salientar, que o crime ocorreu no dia seis (06) de Agosto de 1918. Entretanto somente no diz dezoito (18) de Maio de 1920, o processo foi aberto; ou seja, o fato de se levar mais de um ano para a abertura do processo, demonstra toda a morosidade e subserviência da justiça na região.

No segundo caso de homicídio, a acusação é dirigida ao Coronel Simão da Costa Campos.

Janeiro de mil novecentos quarenta e quatro (1944). No povoado de Bela Vista (município de São João da Ponte). Ângelo Moreira e Francisco Crisostomo na escuridão da noite e de emboscada, desfecharam um tiro de arma de fogo em Geraldo de Pádua a mando de Simão da Costa Campos, pela importância de Cr$1.000,00 vindo a vítima a falecer imediatamente4. (Grifos nossos).

Nota-se que a forma como foi praticado esse crime assemelha-se ao primeiro; a noite, de emboscada, em um povoado. No entanto, se partirmos da data em que Simão Campos recebeu o título de coronel (1936), é visível que já se faz oito anos de seu domínio no município de São João da Ponte. Inclusive fazia-se pouco menos de um mês (31 de dezembro de 1943) que o coronel Simão Campos, auxiliado pelo Deputado Esteves Rodrigues, o padre Joaquim Nery Gangana e outros amigos e correligionários havia conseguido a emancipação da então São João da Ponte.

Entretanto, o ponto central desse homicídio, refere-se a prática efetiva do mandonismo. Terceiros são incubidos da execução do crime, pela importância de CR$1.000,00. É importante ressaltar que como no primeiro caso, não houve punição dos réus. Em 25 de julho de 1962, o coronel Simão Campos faleceu, e em 1937 o processo é extinto com a alegação de que muitos anos se passaram.

Sobre essa impunidade, diz Maria Isaura que o assassinato dos adversários é fato comum nos anais brasileiros, que no interior isso era normal, e tanto o mandatário quanto os executores não eram punidos, ou então, eram de grande forma fácil absolvidos.

O terceiro crime aconteceu no dia dezesseis de janeiro de 1959. A vítima, Adão Soares dos Reis, foi assassinado nas ruas de São João da Ponte por um cabo de destacamento Policial daquela cidade quando então cavalgava5.

Ao longo do processo, várias pessoas são indiciadas como co-autores; João da Costa, Júlio Dias de Figueiredo e outros. Mas a figura central do caso é a ré intelectual, Prezelina Veloso de Aguiar, esposa de Olímpio da Costa Campos. As razões para o crime seria que Prezelina (Dona Lulu) atribuíra a Adão Soares dos Reis a incumbência de eliminar o ex-marido, Sebastião dos Santos, para que ela pudesse vir a casar-se formalmente com Olímpio Campos. Não tendo a vítima coragem para tal empreitada, foi então eliminada pelo cabo a mando de Prezelina Veloso, para evitar a

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possibilidade de denúncia do crime perpetrado.

A ré em primeira instância foi pronunciada pelo Juiz Emerson Tardieu Pereira como incursa no artigo 121 § 2º, itens I e IV com o artigo 25 do Código Penal. Entretanto ao recorrer para o Tribunal de Justiça do Estado, está é despronunciada da acusação outrora impetrada, sob a alegação que os depoimentos testemunhais foram prestados por adversários políticos e inimigos pessoais da ré e de seu falecido marido, Olímpio Campos. (Lembrando que em janeiro de 1970 Olímpio Campos foi assassinado ao participar de um comício de Pedro Santos em Montes Claros, e a conclusão do processo ora em foca, deu-se em Dezembro de 1972).

Além dos crimes acima mencionados, há mais cinco (05) casos de homicídios registrados atribuídos a Família Campos. Crimes esses praticados nas mesmas maneiras dos anteriormente expostos. Como a eliminação do Adelino Gonçalves de Queiroz, de emboscada com a participação de Simão da Costa Campos, Olímpio da Costa Campos, Antônio da Costa Campos e mais sete outros companheiros. A morte de Gustavo Gabriel, sua esposa e duas crianças por meio de enforcamento e pauladas em sua própria residência.

Cynara Silde, citando Edgard Carone fala que o coronelismo possui suas leis próprias e funciona na base da coerção e obrigações.

Com base nos autores discutidos e na análise dos processos criminais referentes a Família Campos, concluímos que no período de 1918 a 1960, o município de São João da Pote viveu um dos mais expressivos mandonismos da região do norte de Minas Gerais.

O mandonismo da Família Campos era assentado nos poderes político e econômico que possuía essa família. A forma mais evidente de apresentação desse mandonismo, era a prática efetiva da violência, bem como no domínio dos poderes públicos do município. Nos processos ficou claro por exemplo, que a justiça era controlada pelos coronéis mandões, o que implicava na não punição de membros e protegidos da já salientada Família Campos.

Foi verificado também, que além das relações políticas e articulações que garantiam o predomínio do poder da Família Campos no município de São João da Ponte, essa também contava com a falta de estrutura, ausência do poder público e industrialização a seu favor. Por todas as razões acima expostas, as classes menos favorecidas do município de São João da Ponte, não somente ficavam dependentes, como também expostas às atrocidades e violências por parte dos coronéis, seus familiares e protegidos.

Consideremos assim, que foi nesse complexo de relações hostis e pacíficas, que a violência se inscreveu na cultura política do município de São João da Ponte, inserindo-se na memória coletiva da região.

Acreditamos que são nos pequenos povoados e cidades desprovidos de

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práticas econômicas diversificadas, com fraco comércio e meras exigências do cotidiano, que as relações de mando se reproduzem, garantindo ao coronel a permanência do seu mando e o exercício da violência.

FONTES

Divisão de Pesquisa e Documentação Regional (DPDOR). Processos Criminais: 1918 a 1960. (Processos nº 711/ Processos nº23/ Processos nº4379/ Processos nº5417/ Processos nº5533/ Processos nº5536/ Processos nº1862/ Processos nº1602).

BIBLIOGRAFIA

AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de. A prática do coronelismo no município de São João da Ponte (MG) no período de 1946-1996: um estudo de caso. Dissertação apresentada ao curso de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, 2001.

FRANCO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

FRANCO, Maria Sílvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: UNESP, 1997.

NICOLA, Noberto Bobbio. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1986.

PORTO, César Henrique Porto de Queiroz. Paternalismo, poder privado e violência: o campo político norte mineiro durante a Primeira República. Dissertação de Mestrado apresentada a Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, 2002.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In.: HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil republicano: Estrutura de poder e economia (1889-1930). Tomo III, V. 1. São Paulo: Difel, 1975.

_________. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. 1º série. São Paulo: Alfa - Omega, 1976.

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1 Família a qual pertencia aos coronéis Simão da Costa Campos, e seu filho, Olímpio da Costa Campos.

2 Para análise feita na pesquisa utilizamos um número de oito (08) Processos Criminais, encontrados na Divisão de Pesquisa e Documentação Regional da UNIMONTES (DPDOR) ocorridos na região de São João da Ponte/MG, no período de 1918-1960.

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3 DPDOR. 1920, fl. 03.

OBS.: Esclarecemos que os processos ainda não possuem numeração arquivística, pois encontra-se em fase de Organização na Divisão de Pesquisa e Documentação Regional (DPDOR) desta universidade, de forma considerarem os o número de autuação.

4 DPDOR. 1944, fl. 05.

5 DPDOR. 1959, fl. 41.

* Professor Ms. do Departamento de História da Universidade Estadual de Montes claros.** Graduada do curso de História da Universidade Estadual de Montes Claros; E-mail: [email protected].

Obs.: Este trabalho contou com a colaboração de Filomena Luciene Cordeiro, Magda Rita Ribeiro de Almeida e Iara.

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