O “Debris flow” de 1996 na bacia do Córrego das Pedras em ... · Resumo: O trabalho trata de...

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1 O “Debris flow” de 1996 na bacia do Córrego das Pedras em Cubatão-SP Massad, Faiçal EPUSP, São Paulo, Brasil, [email protected] Kanji, M. A. EPUSP, São Paulo, Brasil, [email protected] Cruz, P. T. EPUSP, São Paulo, Brasil, [email protected] Resumo: O trabalho trata de um “debris flow” que ocorreu em 09/04/96 na RPBC, Refinaria Presidente Bernardes, situada no pé da Serra do Mar, na bacia hidrográfica do Córrego das Pedras, em Cubatão (SP). Após relatar o comportamento de algumas obras emergenciais, construídas em 1994-95, mostra-se que, apesar de ter sido de baixa intensidade, o evento permitiu alcançar resultados relevantes para os trabalhos de proteção das instalações da RPBC que, na época, estavam em sua fase inicial. Dentre eles destacam-se: a obtenção de uma curva granulométrica dos sedimentos transportados pelo “debris flow” e a confirmação da validade de métodos de cálculos para prever a vazão de pico e o volume destes sedimentos. Finalmente, é feita uma comparação dos níveis topográficos do leito do Córrego das Pedras, ao longo de 11 anos, incluindo a ação erosiva dos “debris flows” de abril/96 e de fevereiro/1994, este último de intensidade muito maior. Abstract: The paper deals with a “debris flow” that occurred in April, 9 th , 1996, in an area occupied by a refinery at the foot of a mountain range of about 800 m high, known as "Serra do Mar", in Cubatão, São Paulo, Brazil. After reporting the behavior of some emergency works built in 1994-95, it is shown that this event, despite being of low intensity, allowed to achieve some relevant results for the protection works of the industrial installations of the refinery. Among them it is worth mentioning the grain size distribution of the sediments and the validation of empirical and semi-empirical models to compute the debris flow peak discharge and volume of sediments. Finally, a comparison is made among several topographic leveling surveys of the Pedras Creek bed, carried out along 11 years, including the debris flows of April 1996 and February 1994, the latter one of greater intensity. 1 INTRODUÇÃO Na noite do dia 09/04/96, madrugada de 10/04/96, ocorreu um “debris flow” na Vertente Norte da RPBC. Neste dia foi registrada chuva de 58 mm (Posto Trolei) e 78 mm (Elevação 350). Enquanto o primeiro posto situava-se no pé da Serra do Mar, o segundo localizava- se na sua encosta, ambos próximos à Usina Henri Borden.. Nos dias 18/04/96 e 03/05/96, foram feitas inspeções no local do evento. A inserção deste “debris flow” no contexto mais amplo de outros eventos ocorridos na RPBC pode ser encontrado em outro artigo, apresentado a este V COBRAE (Massad et al., 2009), e em Massad et al. (1997), Cruz et al. (2003) e Kanji et al. (2008). 2 OBRAS EMERGENCIAIS DE 1994-1995 Após o ”debris flow” de Fev/1994, de grande intensidade, construíram-se algumas obras emergenciais, em fins de 1994 e início de 1995, para fazer frente ao verão de 1995. Dentre elas, descritas com detalhes por Massad et al. (2009), destacam-se: o Dique Provisório, construído na região do “Flare”, entre as secções S-12 e S-14 da Figura 1 o Dique de Proteção, na Área do Horto (Dique do Horto), situado na margem direita do córrego, entre as secções S-4 e S10 da Figura 1, com o objetivo de de conduzir o fluxo córrego abaixo; o rebaixamento da cota da crista do vertedor Reservatório W10-Sul (Figura 1), de 28 para 27m; e as 2 linhas de flutuadores (barreiras de galharada), na entrada do vertedor do W10, constituídos de bombonas de plástico, entremeadas por telas de geogrelha, presos a cabos-guia de nylon (superior e inferior), ancorados em tubulões, nas margens do Reservatório W10.

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O “Debris flow” de 1996 na bacia do Córrego das Pedras em Cubatão-SP

Massad, Faiçal EPUSP, São Paulo, Brasil, [email protected]

Kanji, M. A. EPUSP, São Paulo, Brasil, [email protected] Cruz, P. T. EPUSP, São Paulo, Brasil, [email protected] Resumo: O trabalho trata de um “debris flow” que ocorreu em 09/04/96 na RPBC, Refinaria Presidente Bernardes, situada no pé da Serra do Mar, na bacia hidrográfica do Córrego das Pedras, em Cubatão (SP). Após relatar o comportamento de algumas obras emergenciais, construídas em 1994-95, mostra-se que, apesar de ter sido de baixa intensidade, o evento permitiu alcançar resultados relevantes para os trabalhos de proteção das instalações da RPBC que, na época, estavam em sua fase inicial. Dentre eles destacam-se: a obtenção de uma curva granulométrica dos sedimentos transportados pelo “debris flow” e a confirmação da validade de métodos de cálculos para prever a vazão de pico e o volume destes sedimentos. Finalmente, é feita uma comparação dos níveis topográficos do leito do Córrego das Pedras, ao longo de 11 anos, incluindo a ação erosiva dos “debris flows” de abril/96 e de fevereiro/1994, este último de intensidade muito maior. Abstract: The paper deals with a “debris flow” that occurred in April, 9th, 1996, in an area occupied by a refinery at the foot of a mountain range of about 800 m high, known as "Serra do Mar", in Cubatão, São Paulo, Brazil. After reporting the behavior of some emergency works built in 1994-95, it is shown that this event, despite being of low intensity, allowed to achieve some relevant results for the protection works of the industrial installations of the refinery. Among them it is worth mentioning the grain size distribution of the sediments and the validation of empirical and semi-empirical models to compute the debris flow peak discharge and volume of sediments. Finally, a comparison is made among several topographic leveling surveys of the Pedras Creek bed, carried out along 11 years, including the debris flows of April 1996 and February 1994, the latter one of greater intensity. 1 INTRODUÇÃO Na noite do dia 09/04/96, madrugada de 10/04/96, ocorreu um “debris flow” na Vertente Norte da RPBC. Neste dia foi registrada chuva de 58 mm (Posto Trolei) e 78 mm (Elevação 350). Enquanto o primeiro posto situava-se no pé da Serra do Mar, o segundo localizava-se na sua encosta, ambos próximos à Usina Henri Borden.. Nos dias 18/04/96 e 03/05/96, foram feitas inspeções no local do evento.

A inserção deste “debris flow” no contexto mais amplo de outros eventos ocorridos na RPBC pode ser encontrado em outro artigo, apresentado a este V COBRAE (Massad et al., 2009), e em Massad et al. (1997), Cruz et al. (2003) e Kanji et al. (2008).

2 OBRAS EMERGENCIAIS DE 1994-1995

Após o ”debris flow” de Fev/1994, de grande

intensidade, construíram-se algumas obras emergenciais, em fins de 1994 e início de 1995, para fazer frente ao verão de 1995. Dentre elas, descritas com detalhes por Massad et al. (2009), destacam-se: • o Dique Provisório, construído na região do

“Flare”, entre as secções S-12 e S-14 da Figura 1 • o Dique de Proteção, na Área do Horto (Dique do

Horto), situado na margem direita do córrego, entre as secções S-4 e S10 da Figura 1, com o objetivo de de conduzir o fluxo córrego abaixo;

• o rebaixamento da cota da crista do vertedor Reservatório W10-Sul (Figura 1), de 28 para 27m; e

• as 2 linhas de flutuadores (barreiras de galharada), na entrada do vertedor do W10, constituídos de bombonas de plástico, entremeadas por telas de geogrelha, presos a cabos-guia de nylon (superior e inferior), ancorados em tubulões, nas margens do Reservatório W10.

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3 O DEBRIS FLOW DE 1996 E SEUS EFEITOS

O “debris flow” de 09/04/96 desencadeou-se, com maior intensidade, através do Afluente Principal do Córrego das Pedras. Prova disso foi a intensa remobilização de matacões, que anteriormente formavam uma “língua frontal” (degrau) de antigo “debris flow”, com 4 a 5 m de altura, a montante do ponto de confluência com o Córrego das Pedras (ver a Figura 1). Com a remobilização, o referido degrau desapareceu. 3.1 Do “Flare” até a saída dos 3 tubos

O “debris flow” teve os seguintes efeitos: • destruiu metade do Dique Provisório (ver a Figura

2), como será descrito em detalhes mais adiante; • reportando-se novamente à Figura 1, remobilizou

pedras do leito do Córrego das Pedras, desde a região do “Flare” (Figura 3), passando pela garganta da cota 57 (S-10) (Figura 4) até o Reservatório W10-Norte (Figura 6); uma das pedras media 2x2x1 m3;

• gerou um degrau (“queda”) na garganta da cota 57, eixo da então futura barragem B-5 (Figura 1), com

cerca de 2,5 m de altura, que não existia anteriormente ou estava entulhado (Figura 5);

• houve o entulhamento da caixa existente ao lado da tomada d’água (Reservatório Intermediário do W10, Figura 7), com lama, numa profundidade de 2 a 3m; ademais, a lama passou por cima do muro lateral;

• a água no Reservatório W10-Sul atingiu praticamente a altura máxima, pois alcançou a mureta que o circundava; a lama acumulou-se ao lado da tomada d’água (Figura 8);

• os flutuadores retiveram galhada, em quantidade apreciável (Figura 9);

• na entrada dos 3 tubos, que na época eram o único recurso para o escoamento do fluxo ao Rio Perequê, houve obstrução por galhos (Figura 10); cada tubo tem um diâmetro de 1,20 m;

• a altura da lâmina d’água no canal, na entrada dos 3 tubos, atingiu 2,7m aproximadamente, extravasando em 0,5 m a parede do muro lateral (Figura 10); e

• os 3 tubos estavam afogados na saída, com muito material assoreado; pelos sinais, ainda visíveis, o fluxo deve ter atingido a cota 6m, cerca de 1,2m acima das geratrizes superiores dos tubos.

Nota: As barragens indicadas foram construídas após o “debris flow” de Abr/1996

Afluente Secundário

Córrego das Pedras

RESERV. W10 INTERM. E W10 SUL

Afluente PrincipalRegião do Flare

Nota: As barragens indicadas foram construídas após o “debris flow” de Abr/1996

Afluente Secundário

Córrego das Pedras

RESERV. W10 INTERM. E W10 SUL

Afluente PrincipalRegião do Flare

Figura 1: Principais locais referidos no texto e secções levantadas topograficamente de 1985 a 1996

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Figura 2: Trecho rompido do Dique Provisório. Ao fundo, vê-se detritos retidos pelo dique, antes da ruptura

Figura 3: Material pedregoso acumulado a jusante do Dique Provisório

Figura 4: Trecho a montante da garganta da cota 57. Notar as dimensões das pedras deslocados pelo fluxo

Figura 5: Local da antiga barragem gabião B5 (cota 57), destruída em Fev/94. Notar material retido face ao estrangulamento do vale (ver Massad et al., 2009).

Figura 6: Detritos acumulados no Reserv. W10-Norte

Figura 7: Detritos acumulados (lama) no Reservatório W-10 Intermediário

Figura 8: Lama no Reservatório W10-Sul, ao lado da tomada d’água

Figura 9: Galharada retida pelos flutuadores e depositada ao lado do Reserv. W10 (Massad et al., 2009).

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Figura 10: Entrada dos 3 tubos, que dificultou o escoamento do fluxo para o Rio Perequê, na Área leste

Como aspectos positivos, ressaltam-se:

• o Reservatório W10-Sul (Figura 1) não transbordou, ao que tudo indica, face ao já referido rebaixamento da cota do seu vertedouro, de 28 para 27m;

• os flutuadores, instalados em frente ao vertedor do Reservatório W10, cumpriram sua função de reter galharada; e

• o Dique de Proteção, na Área do Horto (Dique do Horto), não sofreu nenhum processo erosivo, atingindo o objetivo de conduzir o fluxo córrego abaixo.

3.2 .A ruptura do Dique Provisório, na região do

“Flare”

O Dique Provisório, construído com a função de atenuar o primeiro impacto de eventual “debris flow” no verão de 1995, sofreu danos e chegou a romper parcialmente, no lado direito, numa extensão de cerca de 15 m, junto ao paredão rochoso, por ocasião da ocorrência do “debris flow” de 09/04/96.

Desde o final de sua construção, o Córrego das Pedras fluía principalmente no trecho junto ao paredão rochoso do “Flare”, onde foram lançados blocos maiores para o fechamento do dique. Este trecho transformou-se em caminho preferencial de percolação das águas, através do enrocamento. Com o aumento da vazão, em períodos de chuva, as forças de percolação carrearam parte dos “finos” (areia) do enrocamento adjacente, que existiam em quantidade apreciável, o que provocou, num primeiro momento, o abatimento parcial da crista do dique, e, posteriormente, o gradual descalçamento do seu pé. A ocorrência de fenômenos de erosão mais intensa, com galgamentos, como no evento de 09/04/96, culminou com a ruptura parcial do dique, isto é, com a formação de uma brecha.

No entanto, desde que entrou em operação, houve um acúmulo de material pedregoso a montante do dique (Figura 2), que, assim, cumpriu a função de retenção de detritos. Este acúmulo intensificou-se em 09/04/96, pois o dique deve ter funcionado como uma barreira momentânea ao “debris flow”.

Havia um segundo objetivo, que era observar o comportamento de barragens de enrocamento perante o fenômeno de corridas de massas (“debris flows”). Neste aspecto, a ruptura corrobora o que tem sido constatado em outros países, a saber, que os enrocamentos precisam ser reforçados, seja com gaiolas metálicas, seja com paredes metálicas atirantadas, para fazer frente a eventos deste tipo.

4 ANÁLISES DO FENÔMENO

4.1 Quantidade de detritos transportados

Os materiais pedregosos foram removidos mecanicamente e transportados por caminhões e, a lama, foi lançada na corrente de água do Córrego das Pedras, em direção à Área Leste. Durante estas operações foram estimados ou medidos os volumes de sedimentos, como está indicado na Tabela 1.

Tabela 1: Dados sobre o material transportado Local Material Volume (m3) Do Flare à Barragem B5 pedregoso(1) 3.000 Da B5 ao Reserv. W10-N pedregoso(2) 3.000 Reserv. W10-N (Norte) pedregoso(3) 7.000 Reserv. W10-Interm e Sul lama(3) 3.000 Total 16.000 Notas: (1) – estimado; (2) - extrapolado; (3) - medido

Chegou-se, assim, a um total de 16.000 m3 de

sedimentos transportados.

4.2 Granulometria dos sedimentos

Foram coletadas 6 amostras deformadas dos sedimentos mais finos do “debris flow”, da seguinte forma: 3 amostras no Reservatório Intermediário do W10; 1 amostra no W10-Sul; 1 amostra no W10-Norte; e 1 amostra 35 m a jusante da garganta da cota 57, eixo da então futura Barragem B-5.

As amostras foram submetidas a ensaios granulométricos em laboratório. Foi feita também a determinação, “in situ”, da granulometria do “debris flow”, com a inclusão das pedras de maior tamanho. Este “ensaio de campo” foi executado no W10-Norte, nos dias 11 e 12/06/96, por ocasião da remoção dos entulhos ao longo do Córrego das Pedras.

Na Figura 11 mostra-se a curva granulométrica dos sedimentos mobilizados pelo “debris flow”. Ela foi obtida combinando-se, de um lado, a curva granulométrica do ensaio de campo, e, de outro, a curva de laboratório dos sedimentos mais finos, depositados no W10-Intermediário e Sul, na proporção 80%-20%, aproximadamente. Esta proporção resultou da estimativa das quantidades de detritos depositados num

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e noutro local, apresentados na Tabela 1. Note-se que a curva apresenta 10% de finos; 40% de areia e 50% entre pedregulhos, pedras e matacões.

0%

50%

100%

0 0 0 1 10 100 1000

Diâmetro dos grãos (mm)

Por

cent

agem

que

pas

sa

10-3 10-2 10-1

Figura 11: Distribuição granulométrica dos sedimentos

O baixo teor de finos se justifica pois a maior parte

dos sedimentos argilosos e siltosos são transportados diluídos na água, como que fazendo parte de um fluido viscoso. Analisando-se a curva conclui-se que o d50 é da ordem de 10 mm.

4.3 Parâmetros do “debris flow” na região do “Flare”

a) Teor de Sólidos (c)

O volume de sólidos (sedimentos) (Vs) resulta da aplicação da expressão:

Ts VcV ⋅= (1)

onde VT é o volume total do “debris flow”- água e sólidos. O parâmetro c é a concentração de sólidos por unidade de volume, dada pela fórmula de Takahashi (1991):

)](tg)(tg[)()(tgc

oo θφγδ

θγ−⋅−

⋅= (2)

devendo-se observar as seguintes condições:

oo 2010 ≤≤ θ e *c,c, ⋅≤≤ 9030 (3)

Nesta expressão, θ é a inclinação média do canal, γo,

a massa específica da lama (água e "finos"), tomada igual a 12 kN/m3; δ, a massa específica dos grãos (26,5 kN/m3); φ, o ângulo de atrito do material pedregoso (35 graus) e c* é a concentração de sólidos, por unidade de volume, dos depósitos ao longo do canal, da ordem de 60% (Takahashi, 1991). Para a área de interesse, em que θ ≈15º, tem-se c≈50%, aproximadamente.

b) Estimativa da vazão de pico (qT)

Uma primeira estimativa da vazão total de pico do "debris flow" (qT) foi feita pela expressão de Araya Moya (1994), modificada por Massad et al. (1997), que tem a seguinte forma:

580

1901850

1141 ,

,T

LHIA,

)c(,q ⋅⋅⋅⋅

−⋅= (4)

onde c é a concentração de sólidos; A, a área da bacia, em km2; I1 , a intensidade de chuvas em 1 hora; H, o desnível máximo na bacia; e L, a extensão do rio ou curso d'água.

Supondo que o pico de chuva que disparou o fenômeno tenha sido de 3 mm/10 min, ou seja, I1=18mm/h, valor mínimo para iniciar um “debris flow”, que, aparentemente, envolveu só o Afluente Principal, com c=50%, H=650m, A=0,8 km2 e L=1,6km, chega-se a:

qT =90 m3/s (5) Massad et al. (1997) propuseram a seguinte

expressão, com base no debris flow de Fev/1994:

112 IA

)c(qT ⋅⋅

−= (6)

com a qual chega-se a:

qT =60m3/s. (7)

c) Volume de Sedimentos Transportados - Confirmação do valor de qT

O valor de qT é passível de uma verificação indireta. De fato, existe uma correlação entre VT e qT, obtida a partir de dados empíricos sobre "debris flows" ocorridos no Japão (Sakurajima e Yake Dake) e Canadá (British Columbia), apresentados no livro de Takahashi (1991) (página 18). A dispersão destes dados é grande, por influência de fatores como a forma do hidrograma; condições do canal e outras características do fluxo (Takahashi, 1991). No entanto, em primeira aproximação, pode-se escrever:

TT qV ⋅= 500 (8)

a ser usada com cautela e em confronto com o volume total de “debris-flow”, estimado de outras formas.

Através da expressão (1) e de dado da Tabela 1, tem-se VT =16.000/0,5=32.000 m3, donde, pela expressão (8) chega-se a um qT=32.000/500=64 m3/s, pouco acima do valor dado por (7). d) Velocidade da Frente do “Debris flow”

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A velocidade média (U) da frente do “debris flow”

pode ser estimada através da expressão proposta por Rickenmann (1991), adaptada da Teoria de Takahashi:

4050

2060

02031 ,

,,,

dgq)(sen,U ⋅⋅⋅= θ (9)

onde θ é a inclinação média do canal; g, a aceleração da gravidade; d50, o diâmetro médio dos grãos; qo é a vazão de cheias (Qo) por unidade de largura (b) do canal, isto é:

bQq o

o = (10) Note-se que Qo é a vazão devida a cheias, sem a

ocorrência de “debris flows”. Variando-se Qo, entre 2 e 4 m3/s, e considerando-se a largura do canal (b), de 30 m, e a declividade média (θ), de cerca de 15º, tem-se os seguintes valores de U do “debris flow”:

Tabela 2: Estimativa da velocidade Qo. d50 U (m3/s) (mm) (m/s) 2 3,7 2 5 2,6 10 1,9 2 5,6 4 5 3,9 10 2,9

Ver a lista de símbolos em anexo

Para Q =4 m3/s, valor estimado, e para d50=10 mm,

extraído da Figura 11, tem-se U da ordem de 3 m/s. Por outro lado, como:

bhUqT ⋅⋅= (11)

a altura h da lâmina do fluxo no canal do Afluente Principal, onde b=30 m, teria sido de h=1 m.

A secção rompida do Dique Provisório possuía cerca de 22 m de largura. Assim, pode-se estimar a altura atingida pelo debris flow, neste local, em aproximadamente 0,9 m para qT=60m3/s (expressão 7) e 1,4m para qT =90m3/s (expressão 5). A observação de campo aponta para uma altura de lâmina entre 1 e 1,5m.

e) Vazão que passou pelo Vertedouro do W10-Sul

Com base na observação de que os Reservatórios Intermediário e Sul do W10 não transbordaram e que o nível da água/lama esteve cerca de 20 cm abaixo do

topo da mureta, foi possível estimar a vazão do “debris flow” (Q) que passou pelo vertedouro, em direção à Área Leste.

A expressão usada: foi:

'hg'h'L,Q ⋅⋅⋅⋅⋅= 2400 (12)

onde h’ é a altura da lâmina d’água sobre o vertedouro, cuja largura é L’; e g é a aceleração da gravidade.

Para L’=3,6 m e h’=28,8-27=1,8 m, estimou-se em 15 m3/s a vazão do debris flow que escoou pelo vertedouro do W10-Sul, em direção à Área Leste, valor este próximo da capacidade máxima de escoamento dos 3 tubos, mencionados acima, da ordem dos 18 m3/s, quando operando livremente.

4.4 Variação do nível do leito do Córrego das Pedras

Um dia após a visita de 03/05/96, foi feito um levantamento topográfico das secções 0,2,4, ..., até a 14, indicadas na Figura 1, visando criar uma série histórica de registros relacionadas com “debris flows” na área da RPBC.

A análise, apresentada a seguir, tem caráter preliminar e está baseada no estudo das secções topográficas feitas ao longo do Córrego das Pedras, antes e após eventos de “debris flows”, exceto um deles, executado em março de 1995, que se refere à remoção de material do leito para a construção do Dique do Horto.

a) Análise Dos Levantamentos Topográficos Os levantamentos topográficos estão datados de outubro/1985; maio/1994; março/1995 e maio/1996.

Os levantamentos de 1995 e 1996 foram feitos nas mesmas secções que os de 1994, o que não ocorreu com a campanha de 1985. Por isso, foi feita uma associação entre as seções mais próximas, para possibilitar comparações num intervalo de tempo de cerca de 11 anos. A Figura 1 mostra a localização das secções levantadas.

Nas secções S-14 e S-12, a montante do local de implantação da então futura Barragem B5, a comparação ficou prejudicada pela presença do Dique Provisório.

Nas secções S-10 e S-8, entre as então futuras Barragens B5 e BS1, observou-se um abaixamento do nível topográfico do leito. Na S-10 (Figura 12) ele foi de cerca de 2 m, entre os anos de 1985 e 1994. Na S-8 (Figura 13), foi de cerca de 3 m, no mesmo período, devido ao “debris flow” de Fev/94, e de cerca de 1 m entre 1994 e 1995, atribuída à remoção de material para a construção do Dique do Horto. Os taludes da margem acompanharam o rebaixamento do leito.

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Figura 12 Secção topográfica S-10 do Córrego das Pedras, levantada ao longo de 11 anos

Figura 13 Secção topográfica S-8 do Córrego das Pedras, levantada ao longo de 11 anos

Figura 14 Secção topográfica S-6 do Córrego das Pedras, levantada ao longo de 11 anos

Figura 15 Secção topográfica S-4 do Córrego das Pedras, levantada ao longo de 11 anos

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Figura 16 Secção topográfica S-2 do Córrego das Pedras, levantada ao longo de 11 anos

Figura 17 Secção topográfica S-0 do Córrego das Pedras, levantada ao longo de 11 anos

Na secção S-6 (Figura 14), situada entre as então

futuras Barragens BS1 e BS2, houve um acúmulo de material, cerca de 2 m, entre 1985 e 1994, que teria sido transportado pelo “debris flow” de Fev/94. De 1994 para 1995 houve remoção de aproximadamente 1,5 m e variação lateral do leito, numa extensão de 27 m, em função da construção do Dique do Horto.

Logo a jusante da então futura Barragem BS2, na secção S-4 (Figura 15), houve uma diminuição do nível topográfico do leito, em cerca de 1 m, e um alargamento da calha do córrego em mais ou menos 9m, de 1994 para 1995, devido à construção do Dique do Horto. Posteriormente, o nível permaneceu inalterado até o levantamento de 1996.

Ainda a jusante da BS2, na secção S-2 (Figura 16), houve erosão sistemática de 1985 a 1996. Ela foi mais pronunciada de 1985 a 1994, cerca de 2 m, com alargamento de mais ou menos 13 m da calha do córrego (margem direita). A seguir tem-se erosão de cerca de 1m e 0,5 m, nos períodos de 1994-95 e 1995-96, respectivamente.

Tabela 3: Variações do nível do leito do Córrego das Pedras Secção 1985-1994 1994-1995 1995-1996 S-10 Erosão: 2 m - - S-8 Erosão: 3 m Remoção: 1m - S-6 Deposição: 2m Remoção: 1,5m - S-4 - Remoção: 1m Inalterado S-2 Erosão: 2 m Remoção: 1m Erosão:0,5 m S-0 Erosão: 3 m Remoção: 1m Deposição: 2m Legenda: Todas as cifras são aproximadas

Finalmente, logo a montante do Reservatório W10-

Norte, na secção S-0 (Figura 17), constatou-se cerca de 3 m de erosão de 1985 a 1994, com um alargamento da calha do córrego de aproximadamente 14 m, sendo 10 m na margem esquerda e 4 m na direita. De 1994 a 1995, a remoção de detritos, para a construção do Dique do Horto, levou a um afundamento do leito em 1 m e a um alargamento da calha de 7 m, aproximadamente. Este alargamento refere-se ao corte parcial do talude do Verdão, feito pela Petrobrás. Entre 1995 e 1996 houve acúmulo de mais ou menos 2 m de material, que podem ser atribuídos ao “debris flow” de Abril/96.

A Tabela 3 resume estas observações.

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b) Conclusões

Do exame da Tabela 3 pode-se concluir que nas secções S-10, S-8, S-6 e S-4 somente se dispõe de dados para um dos “debris flows”, seja o de Fev/1994, muito mais intenso, ou o de Abril/1996, de intensidade fraca, prejudicando a verificação de possíveis efeitos comuns.

Somente nas secções S-2 e S-0 existem estas observações, para os dois eventos. Verifica-se que, enquanto na secção S-2 houve erosão nos dois eventos, mais intensa no de 1994 que no de 1996, na secção S-0 ocorreu erosão de 3m para o “debris flow” de Fev/94, porém deposição para o de Abril/1996.

Estas constatações refletem a já mencionada diferença de intensidade dos dois eventos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ter sido de baixa intensidade, o “debris flow” de 09/04/96 permitiu algumas observações relevantes para os trabalhos de proteção das instalações industriais na RPBC, que na época estavam em sua fase inicial.

Inicialmente, destaca-se a importância que tiveram algumas das medidas adotadas em caráter emergencial, a saber, a retenção de “galharadas” pelos flutuadores, instalados no Reservatório W10, e a eficácia do rebaixamento da cota do vertedouro deste mesmo reservatório.

Outra conclusão, não menos importante, refere-se à comprovação de que os aterros em enrocamento necessitam de reforço estrutural para resistirem ao impacto de “debris flows”.

O evento possibilitou, pela primeira vez, a obtenção de uma curva granulométrica dos sedimentos transportados, constituindo-se em subsídio valioso para os estudos que se seguiram.

Outro aspecto diz respeito à possibilidade de se prever parâmetros essenciais para o projeto de obras de controle do fenômeno, através de métodos de cálculos semi-empíricos ou empíricos. Digno de nota foi a estimativa teórica do volume de sedimentos transportados, feita previamente, e que foi confirmada posteriormente, em função dos trabalhos de remoção dos detritos.

Finalmente, foi possível comparar, através de levantamentos topográficos realizados em diversas ocasiões, o “debris flow” de 09/04/96 com aquele que ocorreu em fevereiro de 1994, de intensidade muito maior. Conseguiu-se estabelecer as bases do que poderá vir a ser, um dia, uma “série histórica” consistente de registros deste tipo de fenômeno na RPBC.

6 LISTA DE SÍMBOLOS A - Área da bacia, em km2. b - Largura do canal c - Concentração de sólidos, em volume d50 - Diâmetro médio dos grãos g - Aceleração da gravidade H - Desnível máximo na bacia, em m h - Altura da lâmina do fluxo no canal I1 - Intensidade de chuvas 1 h antes do evento 124 -Intensidade de chuvas 24 h antes do evento L - Extensão do rio ou curso d'água, em km. Qo -Vazão de cheia (água) qo- Vazão de cheias por unidade de largura (Qo/b) qT - Vazão de pico de “debris flow” U - Velocidade média do debris flow Vs -Volume de sedimentos de um “debris flow” VT -Volume total de um “debris flow” δ - Massa específica dos grãos φ - Ângulo de atrito do material pedregoso γo -Massa específica da lama (água e "finos") θ - Inclinação média do canal REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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