O DESENVOLVIMENTO DAS ÁREAS VERDES NO ECOSSISTEMA … · A inserção da natureza no tecido urbano...

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III ENECS ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS O DESENVOLVIMENTO DAS ÁREAS VERDES NO ECOSSISTEMA URBANO – UM CENÁRIO AMBIENTAL E SUSTENTÁVEL PARA FORTALEZA. Andrea Agda ([email protected]) Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo - UFRJ Marcondes Araújo Lima ([email protected]) PhD – Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo-UFC RESUMO A inserção da natureza no tecido urbano é ainda tratada como uma dicotomia, onde não se entende a natureza como parte integrante da cidade, e trabalha-se sempre no sentido contrário às forças e processos naturais, reforçando a visão antropocêntrica e o modelo tradicional dos assentamentos humanos baseados no indiscriminado uso e exploração dos recursos naturais, que em tempos longínquos acreditava-se serem infinitos. O presente trabalho trata dos valores, preocupações e avanços que aconteceram na ecologia e que vêm se agregando ao campo disciplinar do urbanismo, no âmbito do desenho e do planejamento urbano, dando origem a novas ferramentas como Planejamento Ambiental e Desenho Ambiental. O Desenho Ambiental pressupõe um equilíbrio entre as atividades humanas e os processos naturais, com essa abordagem ecossistêmica (re)surgem novos papéis de fundamental importância para as áreas verdes no ecossistema urbano. É sob esse ponto de vista que enfocaremos as áreas verdes no ecossistema de Fortaleza, analisando- as em seus planos e em suas realidades, frente ao paradigma ecológico, observando as possibilidades que as áreas verdes assumem atuando no ambiente urbano com seus processos e fluxos particulares de matéria e energia, tendo como objetivo a criação de um Cenário Ambiental para a cidade de Fortaleza em seu contexto regional, considerando portanto, a totalidade de sua região metropolitana. Palavras-chave: planejamento, ecologia, ambientes urbanos, áreas verdes. ABSTRACT The insertion of nature within the urban fabric is often treated as a dichotomy, whereas, one does not really understand nature as an integral part of urban life, and usually works against the natural forces and processes, supporting both the anthropocentric view and the traditional models of human settlements based on the indiscriminate use of natural resources, which, for a long time, were thought to be infinite. This work deals with the public values, concerns and advances in urban ecology at the city of Fortaleza-Ce., which are now adding to the field of action of urbanism, including the practices of environmental design and planning, as complete new tools. The subject of environmental design suggests a balance between human activities and the natural processes. This ecosystem approach provides new and important purposes for the green areas within our urban fabric. It is with this notion that we will discuss the green areas of Fortaleza, considering how they were planned as well as their actual realities, in face of the ecological paradigm, remarking the potential that these green areas have for the urban environment with their particular flows of matter and energy, aiming at the creation of an environmental scenario for the city of Fortaleza in its regional context, considering its whole metropolitan area. Keywords: planning, ecology, urban environment, green areas.

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III ENECS – ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS O DESENVOLVIMENTO DAS ÁREAS VERDES NO ECOSSISTEMA URBANO – UM CENÁRIO AMBIENTAL E SUSTENTÁVEL PARA FORTALEZA. Andrea Agda ([email protected]) Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo - UFRJ Marcondes Araújo Lima ([email protected]) PhD – Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo-UFC RESUMO A inserção da natureza no tecido urbano é ainda tratada como uma dicotomia, onde não se entende a natureza como parte integrante da cidade, e trabalha-se sempre no sentido contrário às forças e processos naturais, reforçando a visão antropocêntrica e o modelo tradicional dos assentamentos humanos baseados no indiscriminado uso e exploração dos recursos naturais, que em tempos longínquos acreditava-se serem infinitos. O presente trabalho trata dos valores, preocupações e avanços que aconteceram na ecologia e que vêm se agregando ao campo disciplinar do urbanismo, no âmbito do desenho e do planejamento urbano, dando origem a novas ferramentas como Planejamento Ambiental e Desenho Ambiental. O Desenho Ambiental pressupõe um equilíbrio entre as atividades humanas e os processos naturais, com essa abordagem ecossistêmica (re)surgem novos papéis de fundamental importância para as áreas verdes no ecossistema urbano. É sob esse ponto de vista que enfocaremos as áreas verdes no ecossistema de Fortaleza, analisando-as em seus planos e em suas realidades, frente ao paradigma ecológico, observando as possibilidades que as áreas verdes assumem atuando no ambiente urbano com seus processos e fluxos particulares de matéria e energia, tendo como objetivo a criação de um Cenário Ambiental para a cidade de Fortaleza em seu contexto regional, considerando portanto, a totalidade de sua região metropolitana. Palavras-chave: planejamento, ecologia, ambientes urbanos, áreas verdes. ABSTRACT The insertion of nature within the urban fabric is often treated as a dichotomy, whereas, one does not really understand nature as an integral part of urban life, and usually works against the natural forces and processes, supporting both the anthropocentric view and the traditional models of human settlements based on the indiscriminate use of natural resources, which, for a long time, were thought to be infinite. This work deals with the public values, concerns and advances in urban ecology at the city of Fortaleza-Ce., which are now adding to the field of action of urbanism, including the practices of environmental design and planning, as complete new tools. The subject of environmental design suggests a balance between human activities and the natural processes. This ecosystem approach provides new and important purposes for the green areas within our urban fabric. It is with this notion that we will discuss the green areas of Fortaleza, considering how they were planned as well as their actual realities, in face of the ecological paradigm, remarking the potential that these green areas have for the urban environment with their particular flows of matter and energy, aiming at the creation of an environmental scenario for the city of Fortaleza in its regional context, considering its whole metropolitan area. Keywords: planning, ecology, urban environment, green areas.

1. INTRODUÇÃO Dentre as várias mudanças ocorridas na forma de pensar e projetar as cidades, certamente há que se refletir sobre aquelas que se referem ao papel das áreas verdes nos ambientes urbanos. Os pulmões urbanos idealizados com os primeiros parques públicos ingleses do século XIX, nos revelam que os médicos e higienistas da época já acreditavam na presença da natureza na cidade como forma de trazer ar puro e melhores condições de salubridade à população das cidades industriais, tomadas por lixo, esgoto e poluição. Mas, até chegarmos a essa visão, ainda antropocêntrica, foi infelizmente necessário passar por um estágio crítico de total degradação do espaço e da vida urbana. Apresentamos inicialmente uma breve retrospectiva da importância das áreas verdes na cidade, tendo o advento da Revolução Industrial como um marco divisor. Posteriormente, discutiremos a cidade sob o ponto de vista ecológico, considerando o surgimento de teorias de planejamento ambiental, relacionadas às áreas verdes. Por fim, analisaremos a cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, em sua evolução urbana, seu planejamento e a situação atual de suas áreas verdes. Uma visão irá permear todo o trabalho, qual seja, a da necessidade da natureza na cidade, a da relação intrínseca do homem com o seu entorno natural. O homem, a natureza e o planejamento do ambiente urbano frente ao paradigma ecológico. 2. ÁREAS VERDES NA CIDADE – UM BREVE HISTÓRICO Durante o período que conhecemos como Revolução Industrial, as áreas verdes passaram a ser entendidas como uma verdadeira necessidade de saúde pública dentro do espaço urbano. Isso representava um fato novo, pois durante a Idade Média, considerada por muitos como a idade das trevas, havia predominantemente uma cultura de pátios e jardins internos, privados e enclausurados como espaços introspectivos, pois a natureza significava tudo o que estava além dos muros. Era a vasta imensidão a ser explorada que fugia ao domínio do homem. Devemos também considerar que a vida urbana era uma experiência privilegiada, destinada a uma minoria da população, enquanto a absoluta maioria do contingente populacional estava distribuída no campo. Como exemplo, temos os espaços públicos clássicos da Europa medieval e renascentista, como a Praça del Campi, em Siena e o Campidoglio, em Roma, onde a natureza simplesmente não existia (e pensava-se nem ser necessária), eram valorizadas as ambiências produzidas pelo homem, obedecendo a rigorosas regras de geometria e composição. Durante o século XVIII, período barroco, a natureza era tratada simplesmente como elemento compositivo e construtivo em todo o seu potencial arquitetônico, ajudando na criação de cercas vivas, paredes, divisórias, pisos, caminhos e cobertura; a partir da massa de vegetação cuidadosamente podada, com custos de manutenção altíssimos, possibilitados apenas pelo sistema absolutista. Somente a realeza e a alta aristocracia tinham o acesso e o usofruto dessas áreas. A cultura da topiaria, nome dado ao trabalho de poda das árvores, também representava a necessidade de afirmação e controle do homem sobre a natureza. Muitas vezes, árvores eram configuradas como colunatas, através de um compasso de

plantio, as árvores também ajudavam a pontuar e dar ritmo aos espaços, estabelecendo os limites desejados e atuando como elementos arquitetônicos definidores. O uso da ciência da matemática no desenho da paisagem significava também uma forma de controle do homem sobre a natureza. A diversidade das espécies utilizadas também não tinha a mínima importância, o famoso Parque Vaux Le Comte, de Andre de Le Notre, se utiliza apenas de três espécies vegetais, pedra e água, onde portes Arbóreos, arbustivos e herbáceos devidamente podados conformam a intenção do projeto. No final do século XVIII, graças à revolução em 1789, os primeiros parques reais franceses foram abertos ao público. Mas, é a partir do século XIX, com a Revolução Industrial, que surgem os parques públicos nos moldes que conhecemos e herdamos. Nesse momento, as cidades se industrializaram rapidamente e aconteceu uma explosão sem precedentes no crescimento demográfico urbano. O impacto causado pelas mudanças no modo de produção, não só passa a atrair a população do campo, como também a afasta completamente do convívio e dos benefícios da natureza. Os camponeses, produtores diretos em estruturas familiares coesas, tornam-se massas de operários assalariados nos arredores das fábricas. A população urbana passa a viver amontoada em cortiços caóticos e insalubres (bem semelhante às favelas de hoje). A reivindicação por mais áreas livres nos ambientes urbanos foi uma bandeira levantada principalmente por um grupo de médicos e sanitaristas que acreditava nas propriedades terapêuticas da vegetação e dos parques públicos, bem como, na idéia de que esses poderiam funcionar como verdadeiros pulmões urbanos. O grande argumento, na época, era a necessidade de melhoria da qualidade do ar, pois, acreditava-se, que a criação de grandes áreas verdes, cravadas no meio de grandes áreas urbanas, diminuiria a incidência de epidemias que ameaçavam a população e se alastravam pelas cidades. No século XIX, o Regent’s Park, projetado por John Nash, tornou-se a primeira experiência de parques públicos em Londres. Detalhe a ressaltar é que estando dentro do parque não se vê a cidade, o que ressalta a idéia de um simulacro da natureza dentro do espaço urbano industrial. O Barão Haussman propõe em Paris a idéia de conjunto, estabelecendo relações, criando um sistema de áreas públicas, na mesma ocasião em que modifica, reticulando, a malha medieval daquela cidade. Nos E.U.A. Frederic Law Olmstead, realiza o Central Park de Nova York. Olmstead foi o primeiro a defender o controle das enchentes através dos parques. Esse arquiteto e paisagista havia visitado a Europa e trazido o modelo para a América, no entanto, observa-se no seu trabalho uma série de inovações e novas funções; como o controle de tráfego, o que denotava também uma preocupação ecológica. Ele começa, de forma pioneira, a escrever sobre um sistema de áreas verdes públicas ligados por corredores verdes, e defendia esse sistema com o objetivo de promover benefícios para a cidade e para a população como um todo. Durante o século XX, o fascínio com a riqueza trazida pela industrialização, bem como a extrema confiança nas tecnologias desenvolvidas, fez com que o modernismo transformasse rapidamente a paisagem de muitas cidades. Ainda permanecem conceitos higienistas, que podemos dizer, influenciaram fortemente os primeiros códigos de obras e posturas urbanas e ainda exercem grande influência no urbanismo moderno. No entanto, as

áreas verdes aparecem no espaço urbano moderno somente como pano de fundo, ressaltando apenas o seu efeito visual ou o caráter monumental dos edifícios. Indo contra qualquer noção de sustentabilidade, os espaços verdes modernos são, em sua grande maioria, grandes tapetes gramados, decorados com espécies exóticas, cuja manutenção exige razoáveis investimentos de insumos agrícolas, água tratada e trabalho humano, sem nenhum propósito de criação de nichos ecológicos ou de melhoria da qualidade dos fatores ambientais. Somente a partir da década de 1970, começa-se a desenvolver a idéia de que o planeta terra precisa ser melhor entendido e preservado. Diante de inúmeros e frequentes casos irreversíveis de degradação e devastação em todo o globo terrestre, chegou um tempo de revisão de princípios, de atitudes e de uma série de conceitos. Assim, surge uma nova visão, o ser humano começa a ver a Terra em sua totalidade, como um pequeno e finito planeta. Novos pontos de vista, possibilitados por imagens de satélites, ajudam o homem a refletir sobre sua unidade com o planeta e sobre o futuro de nossa espécie. A preocupação ecológica passa a ser inicialmente discutida no âmbito internacional, em várias conferências importantes como a de Estocolmo de 1972, o Clube de Roma e a Rio-Eco 92, tornando-se então parte importante da agenda política das principais lideranças mundiais. Com o paradigma ecológico, surge também a abordagem ecossistêmica, visando uma ampla requalificação das relações entre homem e natureza, constando na pauta da política internacional contemporânea e no debate sobre a crise global que ameaça a continuidade da vida no planeta. Essa nova visão é de grande importância, inclusive em sua influência em uma série de desdobramentos na ciência, na tecnologia, nas artes, nas comunicações e principalmente, no âmbito do planejamento das cidades que vivemos. 3. O ECOSSISTEMA URBANO E O PLANEJAMENTO AMBIENTAL São inúmeros os impactos causados pelo processo de urbanização. Uma das formas de se amenizar esses impactos é passar a compreender e estudar a cidade como um ecossistema. Dentro dessa visão ecológica, o meio biótico e abiótico não são considerados separadamente, ou seja, não se considera o homem (e suas atividades) isolado de seu contexto ambiental. Todos os elementos que formam o ecossistema urbano, bem como os processos e fluxos de matéria e energia, são, na realidade, interligados e interdependentes. Quaisquer alterações em um dos elementos, causa repercussões nos demais. O princípio da unidade ambiental considera a cidade como um sistema interagindo, dentro do qual, todos os elementos e processos são inter-relacionados e interdependentes, de tal forma que, qualquer mudança em um deles resultará em alterações no todo. Inúmeros processos são desencadeados através da ação humana na produção, ocupação e uso do espaço urbano, durante o processo de transformação e utilização de matéria e energia, tendo como objetivo a produção e consumo de bens e do próprio espaço habitável. As cidades são, antes de mais nada, grandes e vorazes centros consumidores de matéria e energia. Segundo Spirn (1995), um hectare de área urbana consome cerca de mil vezes mais energia do que uma área rural equivalente. Dessa forma, temos a cidade como um sistema aberto, onde devem ser analisados os “inputs” e os “outputs”, ou seja, a entrada e saída de matéria e energia desse sistema.

Existem, portanto, três momentos em que normalmente se criam os impactos ambientais, na entrada de matéria e energia, nas transformações destes, e principalmente nas saídas, ou seja nos resíduos produzidos e acumulados. O ecossistema urbano é composto também de subsistemas menores, como parques, rios, lagos, áreas livres e outras, onde os fluxos de energia e matéria fluem mais livremente, em ciclos que interligam água, ar, solo e seres vivos. O conhecimento desses subsistemas e de sua capacidade de absorção dos impactos causados pela urbanização é de fundamental importância para o bom funcionamento da cidade. Dentro da abordagem sistêmica, compreende-se o ambiente de entrada e o de saída como parte do próprio espaço urbano. O princípio de considerar as cidades como sistemas ecológicos, nos leva a planejar cidade de maneira que os recursos naturais possam ser melhor aproveitados e os resíduos reutilizados ou reduzidos, através do uso mais eficiente da energia e da reciclagem de resíduos, diminuindo as quantidades e os impactos de entrada e saída do sistema. De acordo com a Figura 1. podemos observar o modelo convencional, em sistema aberto, de uma cidade que apresenta metabolismo linear. Na Figura 2. temos o modelo de cidade com metabolismo circular, onde os resíduos são reciclados, reduzindo poluição e resíduos.

Figura 1: Exemplo de metabolismo linear em um ecosssistema urbano. Fonte: Rogers, 2000. Cities for a small planet (tradução do autor)

Figura 2: Exemplo de metabolismo circular em um ecossistema urbano Fonte: Rogers, 2000. Cities for a small planet (tradução do autor)

Restos orgânicos

Restos inorgânicos

Emissões (CO2,NO2, SO2 Poluição e resíduos

Energia não renovável, Alimentos e Matéria-prima

cidade

entrada saída

Restos orgânicos

Restos inorgânicos

reciclagem

reciclagem

Redução de Poluição e resíduos

Energia renovável, Alimentos e Matéria-prima

cidade

entrada saída

O Planejamento Urbano, segundo Mota (1981), consiste na organização do espaço, atividades, infra-estrutura e funções de uma cidade, levando em consideração a realidade existente e suas implicações no desenvolvimento futuro, não só do ponto de vista físico, como também social e econômico, para obter o bem-estar progressivo do local e da sociedade, de modo a garantir um meio ambiente que proporcione a qualidade de vida indispensável a seus habitantes. Desta forma, o contexto ambiental é um fator de grande importância a ser considerado no Planejamento Urbano, principalmente, quando o planejamento visa a preservação da natureza, como é o caso do planejamento ambiental. No planejamento ambiental, a ênfase é dada aos aspectos ecológicos e ambientais, através do levantamento minucioso dos recursos naturais da área em estudo, da situação existente, em termos de degradação e poluição dos recursos, estudando formas de diminuir os impactos humanos sobre o meio ambiente, principalmente identificando faixas de preservação e zonas de interesse ambiental, a partir das quais, o espaço urbano, como um todo, possa ser reestruturado na busca de uma convivência mais harmoniosa e menos destruidora. “O levantamento precede o plano”. A célebre frase de Patrick Geddes (1915), permanece atual, pois somente após uma cuidadosa análise e diagnóstico, pode-se avaliar as condições ambientais, identificando os usos mais adequados para cada área; as principais e potenciais fontes de poluição; as necessidades de infra-estrutura, bem como as possíveis áreas de expansão urbana e os limites naturais. 4. A IMPORTÂNCIA DAS ÁREAS VERDES URBANAS Grande parte do solo urbano apresenta-se coberta de asfalto, calçamentos, calçadas, pavimentações e construções, tornando a superfície do solo impermeabilizada. São poucas e raras as áreas de uma cidade que se apresentam com solo permeável e cobertura vegetal. Essas áreas verdes, inseridas no contexto urbano, são de importância cada vez mais crescente, quando se objetiva a saúde humana, a qualidade ambiental e a sustentabilidade de nossa civilização. No meio urbano, a cobertura vegetal aparece mapeada na forma de zonas de proteção e preservação, áreas verdes, parques ou áreas destinadas ao lazer. Além das áreas verdes públicas, podemos encontrá-las, em menor escala, nos quintais, jardins e áreas privadas. As praças, parques, jardins públicos e áreas de proteção e preservação encontram-se espalhadas na cidade, algumas vezes organizadas em sistemas que podem ser integrados. Os sistemas integrados oferecem a vantagem de permitir a criação de corredores ecológicos que dão maior continuidade aos nichos, e melhor abrigo e proteção aos animais. De qualquer forma, a cobertura vegetal atua no ecossistema urbano de variadas formas e em várias escalas. O solo e a vegetação têm capacidade de absorver a água, o solo permeável permite a infiltração e percolação das águas pluviais, recarregando os aquíferos de subsolo e reduzindo o escoamento superficial. A preservação das matas ciliares, a margens de cursos d’água, ajudam na prevenção de enchentes e na conservação dos recursos hídricos. Na figura 3. vemos o fluxo energético, fluxo de matéria, circulação de substâncias, processos de trocas e interferência por organismos, num sistema ecológico terrestre.

Figura 3 – A planta no ecossistema.

Fonte: LARCHER (1986) A cobertura vegetal atua nas propriedades do solo; mantendo a umidade da superfície e a temperatura, reduzindo a erosão eólica e hídrica, promovendo a estabilidade estrutural através dos sistemas radiculares, aumentando o suprimento e a disponibilidade de nutrientes, nos seus ciclos vitais, influenciando na fertilidade do solo. MOTA (1981). Os vegetais constituem a base fundamental da produção de energia dentro de um ecossistema, pois são os únicos seres vivos capazes de absorver e sintetizar a energia solar, transformando-a em energia (glicose) disponível, através da fotossíntese, iniciando a cadeia e o ciclo de fluxos de matéria e energia dentro da biosfera, essa energia passa através da cadeia alimentar, de um nível trófico para outro. ODUM (1988). As interrelações entre as plantas e os organismos, destes entre si e entre eles e o ambiente, produzem um ciclo ordenado de nutrientes. As plantas são influenciadas pelo meio ambiente, podendo também influenciá-lo, à medida em que respondem fisiologicamente às condições ambientais em que se encontram. Entre os fatores ambientais que influenciam as plantas, estão o clima, luminosidade, precipitações e propriedades físico-químicas do solo, além da competição entre espécies, as condições físicas e o estágio de desenvolvimento das plantas. 4.1. ÁREAS VERDES E CLIMA URBANO A cobertura vegetal, naturalmente, influencia o clima de uma determinada área urbana, reduzindo as variações térmicas diárias e evitando temperaturas máximas em torno do meio dia, pois as folhas interceptam parte da radiação solar. O calor é lentamente transferido da superfície da cobertura vegetal para o solo, graças à baixa condutibilidade térmica do ar e da planta, funcionando como absorvedor e isolante térmico. Vale ressaltar que o efeito da vegetação no clima depende da área e da massa de vegetação, espessura e altura da mesma. Isto é, em um gramado denso, o ar, entre suas folhas, apresenta-se quase parado, isolando a superfície do solo contra o fluxo de calor e fazendo com que ele se dissipe mais lentamente. Já em um agrupamento de árvores, há uma faixa de ar, onde pode haver transferência de calor por convecção sempre que o ar torna-se mais frio que o solo (LARCHER, 1986).

5. CARACTERIZAÇÃO DE FORTALEZA A cidade de Fortaleza, assim como outras metrópoles brasileiras, sofreu um rápido processo de urbanização e expansão territorial, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Neste processo, o efeito de devastação da cobertura vegetal existente foi muito intenso. Atualmente, se faz necessário um estudo sistemático dos recursos naturais que ainda sobrevivem, objetivando um inventário e uma metodologia de aproveitamento como reserva, dada sua importância para a cidade e região metropolitana.

Mapa 01 – Região Metropolitana de Fortaleza.

5.1. Geomorfologia Quanto à geomorfologia, destacam-se no território de Fortaleza, as formas de acumulação com depósitos de areia de praia, representados pelas dunas fixas. A cidade apresenta um relevo com uma altitude média de 26,36m em relação ao nível do mar. A monotonia da repetição de áreas planas é quebrada pela faixa de dunas de formação mais recente, presente principalmente na costa leste. As gerações de dunas móveis, fixas e paleodunas consideradas do litoral para o interior, a formação de restingas e áreas alagadas ou inundáveis, assim como o assoreamento e a migração das desembocaduras dos rios, testemunham a grande dinâmica dessa unidade, cujos responsáveis são a intensa ação dos ventos, ondas e marés, associados ao sistema de correntes costeiras PDDU/FOR (1991).

Quanto às dunas fixas, a mancha de maior expressão é encontrada na zona oeste, próximo à desembocadura do Rio Ceará. As planícies flúvio-marinhas, representadas pelos rios Ceará, Cocó e Pacoti, interrompem os campos dunares, mas apresentam muita expressividade, pelos baixos gradientes energéticos dos rios e pequenas amplitudes de marés. Nessa unidade são encontrados os manguezais. As planícies dos rios Cocó e Ceará encontram-se bastante descaracterizadas pela ação do homem, que se faz sentir também nas áreas de acumulação lacustre das planícies fluviais. 5.2 Aspectos climáticos O clima de Fortaleza corresponde ao clima de faixa costeira tropical chuvoso, quente e úmido com chuvas de verão e outono. O regime sazonal é definido pela concentração pluviométrica nos meses de março e abril, caracterizando-se por uma estação chuvosa e outra seca. A umidade relativa do ar possui um alto índice, variando entre mínimas de 73% e máximas de 82,5%. A insolação e a radiação solar são elementos de fundamental significado, devido à sua influência no sistema ambiental do município. Possuem altos valores e, consequentemente, produzem altas taxas de energia solar, condicionando os elementos climáticos como temperatura do ar, evaporação e luminosidade. Por conseguinte, influem nos vários ciclos ambientais, entre os quais o ciclo hidrológico. As temperaturas do ar têm uma média anual próxima de 26ºC, com pequena amplitude térmica de no máximo 4 graus, tal fato deve-se á nossa proximidade da linha equatorial. 5.3 Recursos hídricos Segundo o PDDU/For (1991), até meados do século XX, a população de Fortaleza utilizava-se, para suprir suas necessidades básicas de higiene, alimentação e lazer, das águas dos rios, riachos, lagoas e açudes. Hoje, isso não é mais possível, pois grande parte dos recursos hídricos urbanos apresenta-se aterrado ou completamente poluído. O descaso da administração pública permite a ocupação inadequada das margens dos mananciais pela população que se instala em áreas inadequadas, sofrendo anualmente com as enchentes no períodos de chuvas. Outro grave fator é relativo aos esgotos clandestinos, os despejos industriais, além de lixo (resíduos orgânicos e inorgânicos) frequentemente deixados às margens dos rios, córregos e lagoas. Apesar de legislações estaduais de preservação dos recursos hídricos, instituindo faixas de preservação que datam desde 1977, como é o caso da Lei Estadual nº10147, a fiscalização não acontece e as leis permanecem somente no papel. São dois os rios mais importantes que cortam o tecido urbano de Fortaleza: o Maranguapinho e o Cocó (ver mapa 02). Apesar de não contar com estes recursos hídricos para o abastecimento d‘água da cidade (o que aumenta ainda mais o nível de descaso das autoridades) a presença destes é da maior importância para a cidade como um todo, bem como para a realização de um Planejamento Ambiental.

Mapa 02 – Fortaleza com divisão por Bacias Hidrográficas.

A área do município foi dividida em três bacias de drenagem pelo Plano Diretor de Drenagem, a saber: - Bacia da Vertente Marítima - compreende a faixa de terra localizada entre os rios Cocó

e Ceará, em topografia favorável ao escoamento das águas para o mar. Uma área densamente urbanizada, onde os conflitos entre cidade e natureza terminaram por transformar corpos hídricos, historicamente importantes como é o caso do Riacho Pajeú, em canal de esgotos a céu aberto.

- Bacia do Rio Cocó – engloba áreas dos municípios de Fortaleza e Pacatuba que drenam suas águas para o Rio Cocó, e divide-se em seis sub-bacias, entre seus principais mananciais está o Rio Cocó, principal recurso hídrico do município. Nasce na serra de Pacatuba, tendo um percurso de 45,6 Km, dos quais 25, encontram-se em Fortaleza.

- Bacia do Rio Maranguapinho – localizada no sentido norte-sul do município e é formada por oito sub-bacias. Caracterizada por ser uma área de alta densidade populacional, com predomínio da população de baixa renda. Observa-se uma grande faixa das margens desse rio invadida com ocupações irregulares e em área de risco.

5.4 Cobertura vegetal A caracterização e classificação das unidades vegetacionais do município foram distribuídas em: Complexo Vegetacional Litorâneo, subdividido em vegetação pioneira; mata a retaguarda das dunas e vegetação de tabuleiro litorâneo, Vegetação de Mangue, Vegetação Ribeirinha, Vegetação Lacustre e Vegetação Antrópica. Apesar da classificação abrangente, vale salientar que a fisionomia do município mostra um forte predomínio da vegetação antrópica, como consequência imediata da acelerada ocupação do solo urbano. Segundo Spirn (1995), a vegetação é um recurso natural, mas as atividades e os modismos humanos são frequentemente mais influentes que os processos naturais na determinação da localização e arranjos de plantas. Spirn afirma que as manchas verdes de qualquer mapa de

uso do solo das cidades são enganosas; muitas são destituídas de vegetação ou as árvores desempenham um papel apenas decorativo. 6. FORTALEZA E SUAS ÁREAS VERDES A cidade de Fortaleza não possui um sistema público de áreas verdes estruturado e hierarquizado; se espalham pela cidade, praças e pólos de lazer, sem critério, implantados de acordo com interesses de políticos e autoridades (em muitos casos com fins eleitoreiros), que não conseguem formar uma estrutura organizada que possa ter função preponderante no espaço urbano. Outro fator a ressaltar é que a grande maioria das praças da cidade tem cerca de 50% ou mais de sua superfície impermeabilizada. Grande parte das praças mais significativas encontra-se no centro, área mais antiga da cidade. Esses espaços públicos centrais, a maioria projetados ainda no século XIX, revelam a grande influência do urbanismo europeu (principalmente francês) no desenho da cidade e de seus jardins e praças, em tentativas de formar um sistema público de áreas verdes que nunca foi concretizado. Fortaleza possui os seguintes parques urbanos: Parque Ecológico do Cocó – 472 hectares; Parque Ecológico da Maraponga – 31,3 hectares; Parque da Lagoa do Opaia – 11 hectares; Horto Municipal – 15 hectares; Bosque Presidente Geisel – 5 hectares; Parque da Lagoa da Parangaba – 3,8 hectares; Parque Alagadiço – 3,15 hectares; Parque Pajeú – 1,4 hectares; Bosque do Paço Municipal – 2,6 hectares; Parque da Criança- 2,4 hectares. (Ver Mapa 03)

Mapa 03 : Parques e Unidades de Conservação de Fortaleza.

Faz-se necessário ressaltar que a grande maioria dos parques citados esta em situação de abandono por parte da administração pública. O maior e mais importante deles, o Parque do Cocó, tem sido invadido e muitas de suas áreas sendo ocupadas por um lado pela ação da especulação imobiliária, nas áreas mais nobres; e por outro lado, invasões em áreas mais

pobres. Essa importante área verde da cidade aparece quase como um grande buraco negro na cidade, a população pouco utiliza o parque, são frequentes as reclamações. Até os passeios em volta de determinados trechos encontram-se destruídos. 7. UM CENÁRIO AMBIENTAL Pensar em um cenário ambiental consistente para a cidade de Fortaleza, é antes de mais nada, pensar em um sério plano para preservação dos poucos recursos naturais ainda existentes na região metropolitana. Uma cidade turística, posicionada entre as cinco maiores do país, Fortaleza deveria ter atenção especial quanto aos seus aspectos naturais, pois destes dependem o seu futuro e sustentabilidade. A precariedade e a desatualização dos dados disponíveis para pesquisa reflete a falta de atenção dos órgãos públicos. A conformação do tecido urbano tem estado à mercê dos interesses, principalmente do mercado especulativo imobiliário que parece exercer forte pressão sobre os rumos do desenvolvimento da cidade. Caracterizando-se uma visão a curtíssimo prazo das autoridades municipais diante das decisões relacionadas ao planejamento da cidade. Assim, sugerimos dois grandes eixos com possibilidade de implantação de corredores ecológicos seguindo as margens dos rios Cocó e Maranguapinho, que representam os mais significativos recursos hídricos da cidade. O primeiro com a vantagem do Parque ecológico do Cocó, já estabelecido, e o segundo com o desafio de resolver um grave problema social e ambiental que se repete anualmente no período chuvoso deixando milhares de pessoas desabrigadas e dezenas de fatalidades. (Ver Figura 04)

Figura 04: Aerofoto de Fortaleza com indicação dos corredores ecológicos.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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