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XI Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 09 a 12 de agosto de 2010 XI Salão de Iniciação Científica PUCRS O direito à privacidade como limite ao poder diretivo do empregador: o caso da inviolabilidade do correio eletrônico Guilherme Augusto Pinto da Silva 1 , Prof. Dr. Eugênio Facchini Neto 1 (orientador) 1 Faculdade de Direito, PUCRS, 2 Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul - FAPERGS Resumo A sociedade contemporânea, induzida pelo infindável avanço tecnológico, está vivenciando um processo de quebra de paradigmas entre a privacidade e o espaço comum. Estamos diante de modificações tão intensas que sugerem novas realidades e que necessitam até mesmo de reformulação de institutos jurídicos, sob pena de vermos direitos duramente conquistados ao longo dos anos, e até mesmo séculos, serem relegados ao ostracismo resultando na falta de eficácia, ou até mesmo da inexistência, como é o caso do direito à privacidade. No âmbito do direito do trabalho, é que esta realidade tem demonstrado maior sensibilidade. Não raras vezes os empregados têm seus e-mails violados pelos empregadores para fiscalização das atividades desenvolvidas por este meio. Por meio deste breve estudo, pretendemos analisar os limites do poder diretivo do empregador em confronto com o direito à privacidade do empregado, mormente no que diz respeito ao uso do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Palavras-chave: Privacidade. Direitos da Personalidade. Poder Diretivo. Direitos Fundamentais. Correio Eletrônico. Direito do Trabalho. E-mail. Introdução As sistemáticas e rápidas transformações no mundo moderno, decorrentes não só do fenômeno da globalização, mas também da expansão dos meios de comunicação e informação, trouxeram importantes inovações no que diz respeito à estrutura do ambiente de trabalho e à figura do trabalhador. Não mais se exige a força física, que em outros tempos foi determinante para capacitação dos produtores rurícolas em operários nas indústrias das 2259

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XI Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 09 a 12 de agosto de 2010

XI Salão de

Iniciação Científica PUCRS

O direito à privacidade como limite ao poder diretivo do empregador: o caso da inviolabilidade do correio eletrônico

Guilherme Augusto Pinto da Silva1, Prof. Dr. Eugênio Facchini Neto1 (orientador)

1Faculdade de Direito, PUCRS,

2 Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul - FAPERGS

Resumo

A sociedade contemporânea, induzida pelo infindável avanço tecnológico, está

vivenciando um processo de quebra de paradigmas entre a privacidade e o espaço comum.

Estamos diante de modificações tão intensas que sugerem novas realidades e que necessitam

até mesmo de reformulação de institutos jurídicos, sob pena de vermos direitos duramente

conquistados ao longo dos anos, e até mesmo séculos, serem relegados ao ostracismo

resultando na falta de eficácia, ou até mesmo da inexistência, como é o caso do direito à

privacidade. No âmbito do direito do trabalho, é que esta realidade tem demonstrado maior

sensibilidade. Não raras vezes os empregados têm seus e-mails violados pelos empregadores

para fiscalização das atividades desenvolvidas por este meio. Por meio deste breve estudo,

pretendemos analisar os limites do poder diretivo do empregador em confronto com o direito

à privacidade do empregado, mormente no que diz respeito ao uso do correio eletrônico no

ambiente de trabalho.

Palavras-chave: Privacidade. Direitos da Personalidade. Poder Diretivo. Direitos

Fundamentais. Correio Eletrônico. Direito do Trabalho. E-mail.

Introdução

As sistemáticas e rápidas transformações no mundo moderno, decorrentes não só do

fenômeno da globalização, mas também da expansão dos meios de comunicação e

informação, trouxeram importantes inovações no que diz respeito à estrutura do ambiente de

trabalho e à figura do trabalhador. Não mais se exige a força física, que em outros tempos foi

determinante para capacitação dos produtores rurícolas em operários nas indústrias das

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grandes cidades. O que se percebe é a exigência cada vez maior de habilidades específicas e

intelectuais.

A necessidade de adaptação dos trabalhadores às novas tecnologias, em especial a

informática, representa um incontroverso avanço científico-tecnológico, possibilitando maior

produção laboral em menor tempo, mas que de alguma forma acaba tornando o empregado

vulnerável a um rigorismo exacerbado por parte daquele que pretende vigiar suas atividades –

o empregador. Essa adaptação concedeu o privilégio de aperfeiçoar as atividades laborativas

com o uso das tecnologias no âmbito da computação, tais como o correio eletrônico, internet e

intranet. Todavia, o que se percebe é que a ferramenta tecnológica tem sido utilizada não só

pelo empregado na otimização e presteza de suas atividades, mas também pelo empregador,

para vigiá-las e manipulá-las através de instrumentos informáticos.

O certo é que os inúmeros benefícios trazidos pela tecnologia acabam por despertar um

novo problema: o confronto entre os direitos de personalidade do empregado, dentre os que

poderíamos nominar – intimidade e vida privada, e o poder diretivo do empregador.

Feitas essas considerações, passaremos a analisar a questão da privacidade nas relações

de trabalho, do impacto da informática neste meio, tratando também e principalmente da

questão da inviolabilidade do correio eletrônico do empregado pelo empregador,

demonstrando um embate claro entre o poder de direção do empregado e o direito à

privacidade.

O direito à intimidade e à vida privada

A tutela da privacidade destinava-se, quando do seu surgimento, ao resguardo da pessoa

em face de intromissões indesejadas. A idéia de Warren e Brandeis no início do século XX –

privacidade como isolamento e reserva – não é mais comportada na sociedade da informação

onde o fluxo de dados é intenso e incessante, carreando espaço as mais variadas formas de

invasão da esfera privada. Outro elemento que surge para problematizar a questão da

privacidade, é o fato de sermos, perante diversas instâncias, representados – e julgados –

através destes dados1. No ambiente de trabalho não é diferente. O direito à intimidade e à

1 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 2. É oportuna a constatação do referido autor, mormente nos casos em que o trabalhador é discriminado pelo fato de ter ajuizado reclamação trabalhista em face de seus ex-empregadores, dado facilmente obtido através de consulta ao site da justiça do trabalho. Também quando na seleção de emprego, o candidato tem vulnerado seu perfil em redes sociais virtuais – tais como orkut, facebook, twitter – oportunidade em que o empregador busca características pessoais e costumes do candidato à vaga de emprego.

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vida privada são direitos de qualquer cidadão e, portanto, do trabalhador no âmbito da relação

de emprego. Todavia, considerando que a Constituição Federal emprega no mesmo

dispositivo2, os vocábulos intimidade e vida privada, cumpre a nós estabelecer uma distinção

facilitadora da compreensão do que vai será doravante abordado.

O direito à intimidade corresponde à esfera da personalidade que pretendemos excluir

do conhecimento da sociedade. O próprio termo justifica. Íntimo é proveniente do latim

intimus, que é superlativo de interior. Trata-se do indivíduo enquanto voltado a seu foro

interno, aquilo que há de mais singular, secreto, misterioso e incomunicável. Intimidade seria,

assim, um direito de proteção mais severo que a privacidade3. Adriano de Cupis conceitua o

direito à intimidade como sendo “o modo de ser da pessoa, que consiste na exclusão do

conhecimento alheio de tudo que seja referente à própria pessoa4”. A esfera da intimidade é

a interior, envolve aspectos mais recônditos da vida do trabalhador, aqueles que deseja

guardar só para si, isolando-os da intromissão do empregador5.

O direito à vida privada, por sua vez, é uma esfera mais abrangente que de certa forma

abarca o direito à intimidade. Nele se inserem todos os direitos que possam resguardar o ser.

Nesta esfera privada latu sensu, o primeiro círculo encontra-se abrangido pela esfera privada

stricto sensu, integrando todos os comportamentos e acontecimentos que o indivíduo deseja

que não se tornem de domínio público. O segundo círculo, diz respeito à esfera da intimidade

– alguns autores classificam como espécie do gênero privacidade - da qual somente

participam pessoas nas quais o indivíduo deposita confiança6. Por último, temos a esfera do

segredo, da qual compartilha um grupo restrito de pessoas. Neste contexto, privacidade é toda

a faculdade assegurada ao empregado de excluir do empregador o conhecimento ou acesso a

informações, bem como de impedir que sejam divulgadas7.

É constatável, de plano, que a Constituição Federal procurou preocupar-se com a

proteção ampla de ambos direitos de forma indistinta: o direito à intimidade e à vida privada.

Além disso, a limpidez do texto de lei nos permite concluir que quaisquer conflitos que

vierem a surgir na relação de trabalho, referente às violações dos direitos de personalidade dos

2 Art. 5º, X, CRFB/88 - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 3 MIGUEL, Carlos Ruiz. La configuracion constitucional del derecho a la intimidad. Editoral Tecnos. 1995, p.29. 4 Adriano De Cupis, I diritti della personalità, Milano, Giuffrè. 5 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 263. 6 Sobre a questão da confiança e a contribuição do Direito Anglo-saxão, ver: CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo Código Civil Brasileiro: uma leitura orientada no discurso jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006, p.91-98.

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empregados, tais como direito à intimidade e à vida privada, poderão ensejar reparação de

danos. Pois como referiu Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, ainda quando Ministro do

TST: "[...] conscientizem-se os empregadores de que a busca do lucro não se sobrepõe,

juridicamente, à dignidade do trabalhador como pessoa humana e partícipe da obra que

encerra o empreendimento econômico8."

Os direitos da personalidade

A idéia de que todos os homens são igualmente dignos de tutela, fundamental para

noção contemporânea de direitos da personalidade, tem suas origens no cristianismo e nos

direitos humanos9. No cristianismo pelo ideário teológico sobre a criação do homem como

imagem e semelhança de Deus. O ser humano – e não somente os cristãos – seriam, então,

dotados de valor próprio e intrínseco, não podendo servir de objeto ou instrumento10, o que

contemplou os antecedentes de uma noção de dignidade da pessoa humana no pensamento

ocidental. Os direitos naturais, inalienáveis e sagrados, contemplados por este ideário,

restaram expressamente assegurados com a promulgação da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, em 178911. Os direitos da personalidade, portanto, surgiram como

mecanismo de defesa do cidadão frente ao Estado. Veremos mais adiante, porém, que a

eficácia dos direitos da personalidade não é limitada ao ente estatal, sendo juridicamente

aplicável nas relações entre particulares – também na relação de trabalho.

No âmbito do ordenamento pátrio, em que pese a disciplina de outros ordenamentos

acerca dos direitos da personalidade, o legislador do Código Civil de 1916 não se ateve ao

trato da matéria. A justificativa apresentada por Clóvis Bevilaqua tem como fundamento o

pragmatismo necessário à redação do código e o fato da matéria encontrar-se abordada na

Constituição Federal de 1891. Todavia, a constatação é de que Bevilaqua instituiu aspirações

dos anseios burgueses ainda sob os influxos da Revolução Francesa, colocando ao centro da

preocupação privatista a propriedade, e o contrato como forma de transmissão e criação de

7 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 264. 8 Tribunal Superior do Trabalho, 1ª T., Ac. 3.879, RR 7.642/86, 09/11/1987, Rel.: Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. 9 LEWICK, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.41. 10 SARLET, Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6º ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 30. 11 Sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, v. BOBBIO, Norberto. “A Revolução Francesa e os direitos do homem”. In: Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro : Elsevier, 2004.

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riqueza – índole essencialmente patrimonialista do direito privado. Posteriormente, seguindo

tendências mundiais, as Constituições subseqüentes acabaram por fazer do homem o

destinatário da norma constitucional12.

A Constituição de 1988 foi, todavia, que demonstrou real comprometimento no trato

dos direitos da personalidade, consagrando a dignidade da pessoa humana como cláusula

geral de tutela e disciplinando os direitos da personalidade através do art. 5º, X. A Carta

Magna então vigente considera a personalidade como valor máximo do ordenamento jurídico,

modelador da autonomia privada, capaz de submeter toda a atividade econômica a novos

critérios de validade13.

A partir do fenômeno da constitucionalização do direito privado14, instituído pelo

Código Civil de 2002, o legislador trouxe um capítulo próprio acerca dos direitos da

personalidade. Os artigo 12 e 21 do referido diploma – que nos importam neste estudo –

deixou claro que a tutela dos direitos da personalidade deve ser ampla e abrangente, à medida

que previu medidas preventivas para fazer cessar “ameaça, ou lesão, a direito de

personalidade” e disse que “a vida privada da pessoa natural é inviolável”.

Considerando que os direitos da personalidade pretendem resguardar a dignidade do

indivíduo, em quaisquer relações jurídicas, é aplicável também à relação de emprego, pois

sem ele o trabalhador não teria assegurada a sua dignidade enquanto pessoa15. Todavia, a

Consolidação das Leis do Trabalho não tratou expressamente dos direitos da personalidade,

até porque promulgada em 1943, em plena vigência da Constituição de 1937, muito embora

exista uma tutela indireta, ainda que frágil, da personalidade do trabalhador16.

Destarte, além da leitura da CLT à luz da Constituição – interpretação sistemática do

ordenamento - devemos reconhecer a incidência do Código Civil de 2002 no direito do

12 LEWICK, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 61. 13 TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil- constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 47. 14 Conforme refere EUGENIO FACCHINI NETO, “o fenômeno da constitucionalização do direito privado, ao

implicar a leitura do direito civil (centro do direito privado ) à luz da tábua axiológica da Constituição,

apresenta um direcionamento bastante claro, pois implica um necessário compromisso do jurista com a eficácia

jurídica (no mínimo)e com a efetividade social dos direitos fundamentais.” FACHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.50. 15 Oportuna a ressalva de que o direito ao trabalho encontra-se inserido no art. 6º, caput, da Constituição Federal como direito fundamental social. 16 Citamos como exemplo o art. 373-A da CLT.

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trabalho17, tendo em vista a incompatibilidade lógica de alguns dispositivos e a lacuna jurídica

deixada pela legislação trabalhista.

O poder diretivo do empregador

A relação de trabalho é fortemente marcada pelo vínculo de subordinação do

empregado ao empregador. Desde o momento do teste de seleção para integrar os quadros de

uma empresa, o candidato já é submetido a uma espécie de sujeição. Não são poucos os

empregadores que, em tempos de orkut, facebook, twitter e assemelhados, fazem uso, de

plano, dessas ferramentas na busca de algumas características do comportamento e perfil do

candidato à vaga de emprego. Outras empresas discriminam os candidatos que já ajuizaram

reclamação trabalhista em face dos ex-empregadores, através de consulta ao site da justiça do

trabalho e dos tribunais, realizando busca pelo nome da parte. Findada a seleção e firmado o

contrato de trabalho, essa sujeição se reveste de legalidade surgindo a subordinação, que é

sintomática em sua plenitude quando passa a ser exercido o poder diretivo do empregador.

O poder diretivo do empregador – ou poder de direção -, não é abordado

especificamente pela legislação brasileira. O conceito que mais se aproxima da nossa

realidade, é trazido pelo Código de Trabalho de Portugal, que assim dispõe: “Artigo 150.

Poder de direcção. Compete ao empregador, dentro dos limites decorrentes do contrato e das

normas que o regem, fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho.” O único

dispositivo correspondente encontrado na Consolidação das Leis Trabalhistas no Brasil18, é o

artigo 2º, quando diz que é empregador aquele que “dirige a prestação de serviços19.”

A doutrina tem dividido o poder de direção em três momentos: organização, controle e

disciplina. Em síntese, a organização consiste na estrutura da empresa, distribuição de

funções, cargos e tarefas. O poder de controle permite ao empregador verificar o cumprimento

da prestação laboral típica. Já o poder de disciplina possui o escopo de punição àquele que se

afastar do objeto do contrato de trabalho.

17 É o que diz o parágrafo único do art. 8 da CLT, senão vejamos: “Art. 8º - As autoridades administrativas e a

Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela

jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do

direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira

que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito

comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios

fundamentais deste.” (grifo nosso). 18 HAIZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p. 63.

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Buscando fundamento para o poder de direção, surgiram três correntes20, mais

lembradas, no trato do assunto: uma salienta a emanação da propriedade privada; outra, diz se

tratar de prerrogativa de natureza contratual; enquanto terceiros fundamentam o poder de

direção na institucionalidade, ou busca de finalidades comuns. São as chamadas teoria da

propriedade, teoria do contrato e teoria institucional21. As duas primeiras teorias têm

predominado, muito embora conservem resquícios da Revolução Francesa e dos anseios

burgueses daquela época, quando a propriedade possuía valor supremo e o contrato era um

instituto facilitador de transferência e criação de riquezas22.

A partir da Constituição de 1988, o poder de direção dos empregadores foi reconduzido

às normas que consagram os valores sociais da livre iniciativa (art. 1°, IV), propriedade

privada como direito fundamental (art. 5°, XXII) e princípio geral da atividade econômica

(art. 170, II e parágrafo único)23.

A partir daí, o poder diretivo do empregador encontra-se tutelado, ainda que de forma

indireta pela Constituição, assim como o direito à intimidade e à vida privada, de forma

direta, pelo art. 5º, X. Cabe a nos, portanto, constatar, em situação de conflito, quais dos dois

direitos possui maior relevância a ponto de sacrificar outro, mormente no caso de embate

entre o poder diretivo e a privacidade do correio eletrônico.

O direito à privacidade – e intimidade – como limite ao poder diretivo do

empregador: o caso do correio eletrônico.

Resta-nos indubitável, até o presente momento, que o direito à privacidade incide nas

relações de emprego, não possuindo, contudo, condão de direito absoluto e sim de integrar um

conjunto de preceitos legais de maneira sistemática. Da mesma forma, o exercício do poder

diretivo e fiscalizador por parte do empregador não pode servir, em nenhum momento, como

19 Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. 20 LEWICKI, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.189. 21 Neste sentido ver: HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p.63. 22

FACHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.20 23 LEWICKI, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 116.

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instrumento legitimador de violação dos direitos da personalidade do empregado, devendo ser

exercido nos limites da boa-fé24 que permeiam os contratos, inclusive o de trabalho.

Portanto, a partir do que até então foi defendido, devem ser respeitados os preceitos

constitucionais, tendo em vista que um contrato de trabalho não pode suportar a renúncia de

direitos fundamentais da personalidade25, que possuem dentre outras características,

justamente, a irrenunciabilidade26. Com efeito, não podemos deixar de pontuar, que em se

tratando de relação trabalhista, há uma desigualdade fática entre os sujeitos, a partir do

vínculo de subordinação. Por este motivo, o sistema normativo é voltado à proteção do pólo

hipossuficiente na relação jurídica de direito material trabalhista, concretizando o princípio da

isonomia, desigualando os desiguais na medida em que se desigualem27. Logo, a intimidade

do trabalhador deve se respeitada em qualquer ocasião no ambiente de trabalho, e o segredo

das comunicações em qualquer que seja a modalidade em que se transmita.

Mais uma vez na Carta Magna, art. 5º, XII28, encontra-se o fundamento para a

impossibilidade de violação do correio eletrônico – seja pessoal ou profissional – do

empregado pelo empregador, sob o manto da fiscalização diretiva; excetuando-se o

mandamento judicial, hipóteses em que a lei prescrever para fins de investigação criminal ou

instrução processual penal. Em outras palavras, ainda que a Constituição autorize

excepcionalmente a violação do correio eletrônico, ela não é auto-aplicável, exigindo lei que

estabeleça as formas e hipóteses de autorização judicial29.

Não existem dúvidas de que o correio postal e o eletrônico possuem a mesma natureza,

qual seja – a correspondência. Além da referida garantia constitucional expressa, o Código

24 Sobre a boa-fé e os limites dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, ver: CRUZ, Rafael Naranjo de la. Los límites de los derechos fundamentales en las relaciones entre particulares: la buena fe.

Madrid: Boletín Oficial del Estado – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2000 25 GEIDIEL, José Antônio Peres. A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.151-166. 26 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5 ed. atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 15. 27 FILHO, Rodolfo Pampolha. Responsabilidade civil nas relações de trabalho e o novo Código Civil Brasileiro. Revista trimestral de direito civil. v.13 (janeiro/março 2003). Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 177. 28Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (...) 29

HC 72.588, Rel. Min. Mauricio Corrêa, julgamento em 12-6-96, Plenário, DJ de 4-8-00. No mesmo sentido: HC 74.586, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5-8-97, 2ª Turma, DJ de 27-4-01.

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Penal em seu art. 15130 tipifica como crime “devassar indevidamente o conteúdo de

correspondência fechada, dirigida a outrem”. Em outros ordenamentos, inclusive, já houve a

equiparação da correspondência postal à correspondência eletrônica, ao menos para o fim de

tutela penal, a exemplo do art. 197.131 do Código Penal Espanhol que tipifica como crime o

agir daquele que “sem seu consentimento, se apodere de seus papéis, cartas, mensagens de

correio eletrônico32 (...)”.

Destarte a fiscalização do correio eletrônico dos trabalhadores nas empresas, deve ser

considerada condenável, por vulnerar o direito do trabalhador ao sigilo nas comunicações, não

lhes garantindo a tutela constitucional da intimidade. É que o contrato de trabalho não é uma

área autônoma alheia à vigência da Constituição, pois conforme os ensinamentos de Carlos

Ruiz Miguel: “[...]el contrato del trabajo no puede considerar-se como un título legitimador

de recortes en el ejercicio de los derechos fundamentales que incumben al trabajador como

ciudadano, que no pierde su condición de tal por insertarse em ámbito de uma organización

privada33

”.

Apesar da redação do Art. 20.334 do Estatuto do Trabalhador Espanhol, o referido autor

defende que o preceito tem sido severamente criticado por sua insuficiência de proteção da

intimidade. Adverte, com acerto, que o poder de controle e vigilância está limitado, de um

lado, pela finalidade de verificar o cumprimento dos deveres laborais e, de outro, pela

consideração devida da dignidade do trabalhador ao direito à intimidade - diretamente

derivado da dignidade da pessoa humana. Logo, esse controle não pode invadir questões que

excedam o cumprimento das obrigações de trabalho, pois o contrato de trabalho tem que ser

analisado seguindo um iter lógico, próprio da natureza dos contratos35.

30 Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. 31

Artículo 197.- 1. El que, para descubrir los secretos o vulnerar la intimidad de otro, sin su consentimiento, se apodere de sus papeles, cartas, mensajes de correo electrónico o cualesquiera otros documentos o efectos personales o intercepte sus telecomunicaciones o utilice artificios técnicos de escucha, transmisión, grabación o reproducción del sonido o de la imagen, o de cualquier otra señal de comunicación, será castigado con las penas de prisión de uno a cuatro años y multa de doce a veinticuatro meses. 32 Tradução nossa. 33 MIGUEL, Carlos Ruiz. La configuracion constitucional del derecho a la intimidad. Editoral Tecnos. 1995, p. 185. 34 Artículo 20. Dirección y control de la actividad laboral.(...) 3. El empresario podrá adoptar las medidas que estime más oportunas de vigilancia y control para verificar el cumplimiento por el trabajador de sus obligaciones y deberes laborales, guardando en su adopción y aplicación la consideración debida a su dignidad humana y teniendo en cuenta la capacidad real de los trabajadores disminuidos, en su caso. 35

MIGUEL, Carlos Ruiz. La configuracion constitucional del derecho a la intimidad. Editoral Tecnos. 1995, p. 185-186.

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Alguns autores36, todavia, sustentam que a violação do correio eletrônico de forma

indiscriminada pelo empregador, possui o condão de precaver danos à sua imagem e ao seu

negócio que, uma vez sucedidos, seriam hábeis a causar grandes prejuízos. Reconhecem,

porém, a eficácia do texto constitucional na relação entre particulares, sugerindo a elaboração

de um acordo, convenção coletiva, ou de cláusula do próprio contrato de trabalho, onde

conste, previamente, que o empregado será monitorado.

Ocorre que conforme já dito, os direitos fundamentais possuem aplicação direta e

imediata às relações privadas37, haja vista ser derivada da própria natureza intrínseca da

dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, atuando em duas dimensões:

negativa (de proteção) e positiva (de concretização e implementação)38. O consentimento do

empregado, portanto, implica em renúncia do direito à intimidade e à privacidade, sendo nula

a cláusula de acordo, ou convenção coletiva, de pleno direito.

Os que defendem a possibilidade de violação do correio eletrônico do empregado pelo

empregador utilizam como fundamento o princípio da propriedade privada, que viabiliza a

empresa, garantido pelo art. 170, II da CF39. E foi sob este fundamento, que o TRT40 entendeu

que o e-mail corporativo não goza da proteção constitucional de inviolabilidade, por se tratar

de propriedade do empregador, muito embora utilizado pelo empregado que, nestes casos, não

seria beneficiário do direito à intimidade e vida privada. Sugeriram ao empregado, nos termos

do julgado, criar um e-mail pessoal em sites gratuitos, para que, assim, gozasse da

inviolabilidade e privacidade. Com o devido respeito ao posicionamento adotado pelo

colegiado, não comungamos das idéias lá defendidas.

Se o empregador faculta aos seus empregados o uso da Internet para fins particulares

durante a jornada de trabalho, deverá respeitar a intimidade e a privacidade do empregado,

não podendo agir com rigor excessivo quanto à fiscalização do uso do sistema, sob pena de

responder pelos danos decorrentes da prática fiscalizatória, incorrendo também nas sanções

36 ARAUJO, Luiz Alberto David. A correspondência eletrônica do empregado (e-mail) e o poder diretivo do empregador. Revista de direito constitucional e internacional. nº 40, ano 10. Julho-setembro de 2002. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.97-119. 37 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10º. ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.152 No mesmo sentido: TEPEDINO, Gustavo. Tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.49. 38 FACHIN, Luiz Edson. Análise crítica, construtiva e de índole constitucional da disciplina dos direitos da personalidade no Código Civil brasileiro: fundamentos, limites e transmissibilidade. Revista Jurídica nº362. Dezembro de 2007. 39 ARAUJO, Luiz Alberto David. A correspondência eletrônica do empregado (e-mail) e o poder diretivo do empregador. Revista de direito constitucional e internacional. nº 40, ano 10. Julho-setembro de 2002. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.115.

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previstas no delito de violação de correspondência. Se pretendesse resguardar o nome da

empresa acreditando ser o empregado um risco em potencial, o empregador poderia limitar,

através de instrumentos informáticos, o envio de arquivos via e-mail, ou vedar o acesso a

determinados sítios, bem como limitar o número de destinatários – enfim, criar regras para

que a rede, o computador e o e-mail, fossem utilizados de acordo com a política da empresa.

O certo é que existem inúmeras outras formas de resguardo do nome da empresa, de

prevenção de danos a terceiros e de fiscalização das atividades dos empregados, diversas da

violação do correio eletrônico.

Mas não é só. Bruno Lewicki41 vai mais adiante trazendo como hipótese: que o

empregador disponibilizasse determinada cota para emissão de correspondência tradicional,

ou fornecesse ao empregado determinada quantidade de selos, exigindo que sua utilização se

restringisse a assuntos do serviço. Poderia, o empregador, assim, violar a correspondência

ainda que fosse para verificar se empregado estava ou não seguindo a determinação para uso

da cota de selos exclusivo em serviço? Entende o referido autor, ser inadmissível por expressa

disposição constitucional.

Fica evidenciado o embate entre o poder diretivo fiscalizador – com fundamento no

direito de propriedade, art. 170, II da CF – e o direito à intimidade – com fundamento no art.

5, X. Em sede de ponderação cumpre ao jurista o papel de intérprete, verificando qual dos

dois direitos tem maior peso na balança da ponderação. Em um primeiro momento, constata-

se que o direito à intimidade e à vida privada, encontra-se diretamente atrelado ao princípio da

dignidade da pessoa humana, concepção que faz da pessoa fundamento e fim do Estado. O

direito à propriedade, por sua vez, encontra-se vinculado de forma reflexa ao poder diretivo

do empregador, que encontra disposição expressa apenas e tão somente no art. 2º da CLT.

Ademais, o art. 12 do Código Civil – aplicável subsidiariamente às relações de trabalho - ,

conferiu tutela ostensiva e complementar ao texto constitucional, autorizando novamente ao

Estado, através do Poder Judiciário, a defesa e promoção da dignidade da pessoa humana,

com a proteção dos direitos da personalidade.

Felizmente, o rigorismo exacerbado do empregador no controle indiscriminado das

atividades dos empregados, em tímida tendência moderna, vem gradativamente caindo em

40 RR - 9961/2004-015-09-00. DEJT - 20/02/2009. 7ª Turma. 41

LEWICKI, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.116.

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desuso. As grandes potências - a exemplo da Google groups42, Netword Appliance, Cisco

Systems, Yahoo! e Microsoft - estão implementando novos ambientes de trabalho que vem

dando certo. O meio ambiente equilibrado, o bem estar físico e emocional do empregado, a

valorização do tempo livre, tem sido elencados como objetivos fundamentais para empresas

deste porte. Parece que a idéia de Domenico Demasi43, está se propagando e encontrando

adeptos, pois como salientamos no início deste estudo, o trabalho braçal há tempos deixou de

ser exigido como requisito para admissão.

Conclusão

É possível perceber que o uso das tecnologias tem contribuído para um avanço em todos

os sentidos na nossa sociedade, o que torna mais complexas as relações que nela se

estabelecem. Em qualquer lugar que estamos, existe a possibilidade de estarmos sendo

vigiados por câmeras, por exemplo. E no ambiente de trabalho não é diferente – além da

captação da imagem, o empregado tem o temor de serem captadas suas mensagens

eletrônicas, interceptadas suas ligações, entre outros abusos que o poder diretivo do

empregador não legitima nem autoriza, mas que, na prática, tem ocorrido.

No caso do correio eletrônico, existem duas correntes defendidas pelos doutrinadores

que tratam do assunto: uma sustenta a inviolabilidade do correio eletrônico, com fundamento

no texto constitucional; a outra, diz que o poder diretivo do empregador autoriza e é lícita a

violação do sigilo de correspondência, com fundamento no direito de propriedade e na função

fiscalizadora do poder de direção. Por ora, nos filiamos a primeira corrente, por entender a

interpretação mais adequada, lembrando que as conclusões são sempre parciais e que o tema

está longe de ser pacífico, carecendo – e muito – de discussão nos bancos acadêmicos.

O poder diretivo do empregador e o direito à intimidade e vida privada, conforme dito,

não são absolutos. Todavia a partir deste breve estudo, é possível concluir que o poder

diretivo do empregador encontra seus limites nos direitos fundamentais da personalidade do

42 Sobre o ambiente de trabalho da Google no Brasil, ver reportagem no site: http://www.youtube.com/watch?v=0YRprjIEpsU, acessado em 19.04.2010. 43 Salienta o autor que: “sempre com base nas estatísticas, constato que, tanto no tempo em que se trabalha

quanto no tempo vago, nós, seres humanos, fazemos hoje sempre menos coisas com as mãos e sempre mais

coisas com o cérebro, ao contrário do que acontecia até agora, por milhões de anos. Mas aqui se dá mais uma

passagem: entre as atividades que realizamos com o cérebro, as mais apreciadas e mais valorizadas no

mercado de trabalho são as atividades criativas. Porque mesmo as atividades intelectuais, como as manuais,

quando são repetitivas, podem ser relegadas às máquinas.(...)” DE MASI, Domenico. O ócio criativo: entrevista a Maria Serena Palieri; tradução de Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 16.

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empregado, pois atrelados à máxima do ordenamento jurídico – a dignidade da pessoa

humana. A formação de uma corrente jurisprudencial em sentido contrário surge como

desafio aos novos juristas para, na condição de intérpretes do direito, rechaçarem todo e

qualquer posicionamento contrário à constituição, edificados em argumentos consistentes na

defesa do estado democrático de direito e da dignidade da pessoa humana.

Do contrário, estaríamos a manifestar desinteresse por nossa própria dignidade,

suportando a coisificação do ser humano. Revela-se oportuna, portanto, a advertência Bruno

Lewicki ao final de sua obra: “o caminho que faz do homem uma barata não tem volta44

”.

Referências ARAUJO, Luiz Alberto David Araujo. A correspondência eletrônica do empregado (e-mail) e o poder diretivo do empregador. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 10. Nº. 40. julho-setembro. Ed. Revista dos Tribunais. 2002. BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do Empregado. São Paulo: LTr, 1997. BELMONTE, Alexandre Agra. O controle da correspondência eletrônica nas relações de trabalho. Revista LTr. Ano 68. Nº. 9. São Paulo. Set. 2004. BENDA, Ernst. Dignidad humana y derechos de la personalid, in: Manuel de derecho constitucional, de Benda, Maihofer, Vogel, Hesse e Heide. 2001. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Forense Universitária, 2003. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro : Elsevier, 2004 CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo código civil brasileiro. Fabris. 2006. CALVO, Adriana. O conflito entre o poder diretivo do empregador e a privacidade do empregado no ambiente de trabalho. Revista LTr. Ano 73. Nº. 1. São Paulo. Jan. 2009. CUNHA, Paulo Ferreira da. Direitos de personalidade, figuras próximas e figuras longíncuas. In: Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005 / Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS; coord. Ingo Wolfang Sarlet. – Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura: Liviaria do Advogado, Ed., 2006. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais: Coimbra, 2004. COSTA, Judith Martins (Org). A reconstrução do direito privado : reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo : Rev. dos Tribunais, 2002 CUPIS, Adriano De. I diritti della personalità. Milano, Giuffrè, 1950. DE MASI, Domenico. O ócio criativo: entrevista a Maria Serena Palieri; tradução de Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

44 LEWICKI, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.225.

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