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O DIREITO ÀS MEMÓRIAS NEGRAS E A OUTRAS HISTÓRIAS : AS COLEÇÕES DO JORNAL O EXEMPLO Maria Angélica Zubaran

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Page 1: O DIREITO ÀS MEMÓRIAS NEGRAS E A OUTRAS HISTÓRIAS … · poderia ser apontado também como casa do esquecimento.” (MENESES, 2000, p. 50). •Dito de outra forma, é sabido que

O DIREITO ÀS MEMÓRIAS NEGRAS E A

OUTRAS HISTÓRIAS : AS COLEÇÕES DO

JORNAL O EXEMPLO

Maria Angélica Zubaran

Page 2: O DIREITO ÀS MEMÓRIAS NEGRAS E A OUTRAS HISTÓRIAS … · poderia ser apontado também como casa do esquecimento.” (MENESES, 2000, p. 50). •Dito de outra forma, é sabido que

• Sabemos que, no âmbito das ciências

humanas, a memória está relacionada aos

processos da lembrança e do esquecimento,

tanto em nível individual como coletivo, em

que interagem questões subjetivas e afetivas

imbricadas nas reelaborações do passado

que se fazem do presente.

• No entanto, como lembra Ulpiano Meneses,

“o museu tanto quanto casa da memória,

poderia ser apontado também como casa do

esquecimento.” (MENESES, 2000, p. 50).

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• Dito de outra forma, é sabido que não existe

uma “causalidade” ou uma “naturalidade”

na seleção e exibição das coleções museais

e que a construção das narrativas

museológicas não é inocente.

• Ao contrário, como sublinha Mário Chagas,

“toda a instituição museal apresenta um

determinado discurso sobre a realidade”,

discurso que “compõe-se de som e de

silêncio, de cheio e de vazio, de presença e

de ausência, de lembrança e de

esquecimento.” (CHAGAS, 2006, p. 30)

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• Nesse trabalho, trata-se de salientar que as

coleções museais possuem um significado

mais profundo, uma função social, que

supera as funções meramente evocativas ou

celebrativas e que permitem narrar outras

memórias e contar outras histórias.

• Na verdade, trata-se de perguntar qual é o

discurso que os museus constroem no teatro

da memória? Por que certas coisas foram

“esquecidas” e outras “consagradas” nos

acervos museológicos?

Page 5: O DIREITO ÀS MEMÓRIAS NEGRAS E A OUTRAS HISTÓRIAS … · poderia ser apontado também como casa do esquecimento.” (MENESES, 2000, p. 50). •Dito de outra forma, é sabido que

• Trata-se também de perguntar o que se

pretende quando investigamos as memórias

negras no Brasil?

• O artista Emanoel Araújo sugere que o

estudo das memórias negras pretende

recuperar para os negros a sua auto-estima,

construir referências positivas para a

comunidade afrodescendente e contribuir

para o reconhecimento da vitalidade e da

riqueza da cultura negra. (ARAÚJO, 2004)

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• Uma nova leitura dos acervos museais

aponta para a pluralidade de representações

sociais e incentiva a divulgação das

memórias constitutivas da diversidade

social, étnica e cultural das comunidades.

• Mais do que simples registros de um

passado congelado no tempo, os acervos

dos museus devem, cada vez mais,

representar os valores coletivos das

comunidades onde se encontram inseridos.

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• Nesta direção, o objetivo desse trabalho é

contribuir para a discussão sobre o acesso e

a preservação das memórias negras como

uma dimensão fundamental da cidadania.

• Por outro lado, como afirma Ulpiano

Meneses, não se pode pensar em resgatar

memórias “como se resgata um menino que

caiu no poço...” (MENESES, 2001, p. 49)

Não há uma memória essencial e imutável,

que possa ser recuperada na sua totalidade

no passado, as memórias são sempre

ressignificadas no presente.

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O Jornal O Exemplo (1892-1930)

• Os jornais negros no final do século XIX e

início do século XX foram organizados por

negros e mulatos livres da pequena elite

negra das áreas urbanas e representaram

uma tentativa dessas lideranças

confrontarem sua relativa invisibilidade e

ausência social, política e cultural no pós-

abolição.

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• Atualmente, as coleções do jornal O Exemplo

estão sob a guarda de várias instituições, em

diferentes suportes:

• 1)O período de 1892 à 1895 (impresso, coleção

particular)

• 2)O período de 1902 à 1905 (impresso e em

micro-filme, Museu Hipólito José da Costa)

• 3)O período de 1908-1911 e ano de1917, (em

micro-filme, Núcleo de Pesquisa da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul)

• 4) A década de 1920-1930, (impresso, Instituto

Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul).

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• Em 1972, Oliveira Silveira, poeta e militante

negro declarou-se preocupado com a

preservação das coleções do jornal O Exemplo:

“O Exemplo merece que se escreva em letras

grandes nas encadernações de suas coleções:

Cuidado, delicado, precioso, patrimônio cultural

da comunidade negra em Porto Alegre”

(SILVEIRA, 1972, p.22)

• Hoje, venho novamente chamar atenção para a

necessidade de se preservar as coleções do

jornal O Exemplo, através da digitalização

completa das suas coleções.

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• Trata-de de presevar esse jornal que é

o primeiro impresso da comunidade

negra porto-alegrense, espaço onde as

lideranças negras reafirmaram sua

memória coletiva e suas práticas

culturais sem o constrangimento da

perseguição policial e onde tiveram o

privilégio da sua própria

representação.

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• Um das formas dessas lideranças negras

reconstruírem suas memórias no jornal O

Exemplo foi através do combate aos

preconceitos étnico-raciais que humilhavam

os negros no pós-abolição.

• O articulista afro-brasileiro Espiridião

Calisto reivindicava os direitos dos negros

como cidadãos e identificava o jornalismo

como “uma arena de lutas para os

descendentes da raça que se agremiavam

para guerrear o preconceito de raça” .

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• Na primeira década do século XX, as lideranças

do Exemplo denunciaram os abusos contra as

mulheres negras nos transportes públicos, a

violência da polícia administrativa espancando

negros arbitrariamente, o desrespeito público

aos negros que eram xingados quando andavam

à noite pelas ruas, a invasão dos lares negros

por falta de licença da polícia para dançar, a

recusa de matrícula para crianças em escolas

por serem muito morenas e os insultos da

imprensa.

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• Em segundo lugar, saliento o papel do

jornal O Exemplo na construção de um

panteão de ilustres afro-brasileiros,

produzindo modelos de negros com os quais

a comunidade negra porto-alegrense poderia

se identificar e construir sua auto-estima e

apresentando-os como inspiração na luta

pela reivindicação dos direitos dos negros

no pós-abolição.

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No 13 de maio de

1904, O Exemplo

homenageou algumas

lideranças da

comunidade negra,

entre eles, o tenente-

coronel Aurélio de

Bittencourt,

estampando seu

retrato na primeira

página do jornal.

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• Outro aspecto constitutivo das memórias

negras revelados no jornal O Exemplo foi a

vitalidade das sociedades e clubes negros,

entre eles, a Sociedade Beneficiente

Cultural Floresta Aurora, fundada em

1872 e até hoje em funcionamento em Porto

Alegre, onde costumavam reunir-se para

assistir peças de teatro do dramaturgo negro

Arthur Rocha, reprentadas pelo Centro

Dramático dessa sociedade e para ouvir sua

banda de música tocar.

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Considerações Finais

As coleções do jornal O Exemplo são

documentos de inestimável valor histórico

e cultural, parte do rico patrimônio cultural

afro-brasileiro, cuja preservação digital

possui uma função social importante, no

sentido de garantir aos diferentes grupos

sociais, étnicos e culturais da sociedade

brasileira o direito às memórias negras e a

outras histórias.