O DIREITO FUNDAMENTAL À VELHICE DIGNA: LIMITES E POSSIBILIDADES DE...

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL O DIREITO FUNDAMENTAL À VELHICE DIGNA: LIMITES E POSSIBILIDADES DE SUA EFETIVAÇÃO Alexandre de Oliveira Alcântara Fortaleza - CE Novembro - 2007

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

O DIREITO FUNDAMENTAL À VELHICE DIGNA: LIMITES E POSSIBILIDADES DE SUA EFETIVAÇÃO

Alexandre de Oliveira Alcântara

Fortaleza - CE Novembro - 2007

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ALEXANDRE DE OLIVEIRA ALCÂNTARA

O DIREITO FUNDAMENTAL À VELHICE DIGNA: LIMITES E POSSIBILIDADES DE SUA EFETIVAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Lília Maia de Morais Sales.

Fortaleza - CE 2007

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ALEXANDRE DE OLIVEIRA ALCÂNTARA

O DIREITO FUNDAMENTAL À VELHICE DIGNA: LIMITES E POSSIBILIDADES DE SUA EFETIVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Lília Maia de Morais Sales UNIFOR

_____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Lírida Callou de Araújo Mendonça UNIFOR

_____________________________________________

Prof. Dr. Fernando Basto Ferraz UFC

Dissertação aprovada em:

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“À vovó Osminda, pois ainda guardo no coração a alegria de passar as férias escolares em sua casa - ouvindo suas estórias, lições de vida, comendo seus quitutes... e que chatice era voltar para casa!”

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AGRADECIMENTOS

A conciliação entre a militância em uma carreira jurídica e a realização de estudos de

pós-graduação (Mestrado) é difícil, e requer muita determinação e disciplina. Ao final da

jornada agradeço:

primeiro, a Deus, “Porque o Senhor é bom, sua misericórdia é eterna, e sua fidelidade se

estende de geração em geração” (Sl. 99);

aos meus queridos ‘velhos’, Sr. João e dona Terezinha, pelo amor e orientação

recebidos;

aos meus irmãos Valéria, Adriana e Mateus, pela solidariedade e carinho;

à querida Aline: quero envelhecer ao seu lado e brincar com os filhos de nossos amados

João Pedro e Bruna;

à Universidade de Fortaleza - UNIFOR, escola onde realizei meus estudos de

graduação, especialização e mestrado em Direito. Importante é reverenciar a memória de

Edson Queiroz, seu criador;

à Universidade Estadual do Vale do Acaraú – UVA, nas pessoas de seu ex – reitor, Prof.

José Teodoro Soares e do atual, Prof. Dr. Antônio Colaço Martins, pelo incentivo;

aos alunos da graduação em Direito da UVA, pelo aprendizado em comum;

à Maria Barroso (Mariazinha), incansável defensora dos direitos da pessoa idosa, por

me ter aberto às portas de sua biblioteca particular e partilhado idéias sobre a situação de

nossos velhos;

à Vejuse Alencar, presidente do Conselho Estadual do Idoso, por sua disponibilidade

em discutir o envelhecimento;

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à Professora Dra. Lília Maia de Moraes Sales, pelo incentivo para a conclusão do curso

e pela pertinência e clareza na orientação do trabalho;

aos demais professores do Mestrado, em especial Arnaldo Vasconcelos, José Filomeno

de Moraes Filho, José de Albuquerque Rocha, Martônio Mont’Alverne Barreto Lima, Newton

de Menezes Albuquerque e Paulo Antônio de Menezes Albuquerque, pela competência e

dedicação.

à banca examinadora, que gentilmente aceitou o convite;

aos colegas de curso pela convivência fraterna e frutífera;

aos colegas do Ministério Público Cearense, todos defensores dos direitos humanos;

ao Dr. Elias Leite Fernandes, pela amizade devotada à minha família. Serei eternamente

grato por sua orientação e incentivo;

aos funcionários do Curso, em especial à Virgínia Batista e ao Luiz Carlos; e

a todos, muito obrigado !

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“A um cabelo branco de vergonha lhe disseram os pretos não se oponha você nos causa um sofrimento atroz se retire, saindo da cabeça e o mais breve daqui desapareça não queremos você perto de nós. O bom cabelo, muito inteligente tendo tudo gravado em sua mente julgando a vida do começo ao fim falando sério contra a rebeldia com a verdade da filosofia para os pretos cabelos disse: a natureza é protetora e franca e quando ela me deu essa cor branca um grande insulto cada qual me fez mas cada um será bem castigado! pois mereço ser muito respeitado! Sou o começo da estrada de vocês!”

(Patativa do Assaré – Réplica de um cabelo branco)

“Não é razoável que tantos esforços sejam feitos para prolongar a vida humana se não forem dadas condições adequadas para vivê-la.”

(Marcelo Salgado)

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RESUMO

A presente dissertação tece considerações acerca de um fenômeno que é o aumento do envelhecimento mundial, numa abordagem que enfatiza a heterogeneidade do que é ser velho. Partindo para o foco do trabalho – a proteção por parte do Estado voltada ao segmento idoso, é examinada em duas perspectivas: a) externa: a partir dos Planos de Ação Internacional para o Envelhecimento da Organização das Nações Unidas - ONU (1982/2002) e da Convenção Americana de Direitos Humanos, Protocolo Adicional de 17.11.1988 (Pacto de San José da Costa Rica) e b) interno: da Constituição cidadã (1988), dos programas nacionais de direitos humanos (PNDH-I e II), das deliberações da 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (2006) e mais especificamente, das leis federais que tratam da Política Nacional do Idoso - PNI e do Estatuto do Idoso, fazendo um recorte em relação a esta última Lei, por meio do comentário sobre o Sistema de Garantias dos Direitos da Pessoa Idosa que ela propõe, mais especificamente ante a realidade do Estado do Ceará. A análise é feita com base em uma densa pesquisa bibliográfica, onde são utilizadas diversas legislações e referências a estudiosos que tratam da temática. Diante da reflexão aqui trazida, o texto é encerrado sem a pretensão de esgotar essa discussão tão complexa, mas reconhecendo sua imperiosa necessidade, a fim de garantir o direito fundamental à velhice digna.

Palavras-chave: Velhice. Cultura. Direitos humanos. Dignidade. Estatuto do Idoso.

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ABSTRACT

This dissertation made comments about a phenomenon that is the increase in the aging world, in an approach that emphasizes the heterogeneity of what is to be old. Starting for the focus of the work - the protection by the State turned to the elderly segment is examined in two perspectives: a) external: from the International Plans of Action for the Aging of the United Nations-UN (1982/2002) and the American Convention on Human Rights, the Additional Protocol of November 17, 1988 (Pact of San Jose, Costa Rica) and b) internal: citizen of the Constitution (1988), the National Human Rights Program (PNDH - I and II), the deliberations of the 1st National Conference on the Rights of the Person Idosa (2006) and more specifically, the federal laws that deal with the National Policy of the elderly-NCP and the Statute of the elderly, making a cut on the latter Act, through the review on the System Guarantees of the Rights of the Person Idosa she proposes, more specifically front the reality of the state of Ceará. The analysis is made from a dense bibliographic research, which used several references to laws and scholars who deal with the issue. Before the discussion brought here, the text is terminated without the pretense of exhaust that discussion as complex, but recognizing its urgent need to ensure the basic right to dignified old age.

Keywords: Old age. Culture. Human rights. Dignity. Status of the elderly.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12

1 O ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL: O FENÔMENO DA QUESTÃO SOCIAL DA VELHICE .................................................................................. 15

1.1 O que se entende por velho e o uso dos termos idoso, terceira idade e melhor idade .. 15

1.2 Geriatria e Gerontologia ............................................................................................... 18

1.3 Cenário sociodemográfico do segmento idoso ............................................................. 20

1.4 Contextualizando o Estado do Ceará ............................................................................ 22

2 O ENVELHECIMENTO NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS ...................... 23

2.1 Um pouco de história .................................................................................................... 23

2.2 As assembléias das Nações Unidas sobre o envelhecimento ....................................... 27

2.3 A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e o envelhecimento ....................................................................................................... 31

2.4 Os programas nacionais de direitos humanos (PNDH I e PNDH II) ........................... 32

2.5 A 1a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa ............................................ 36

3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA VELHICE ........................................................ 39

3.1 A dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro ....................................................................................................................... 39

3.2 Os direitos fundamentais do homem ............................................................................ 42

3.2.1 Direitos individuais (art. 5o) ............................................................................. 44

3.2.2 Direitos coletivos (art. 5o) ................................................................................. 51

3.2.3 Direitos sociais (art. 6o e 193 e ss) .................................................................... 54

3.2.4 Direitos à nacionalidade (art. 12) ...................................................................... 71

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3.2.5 Direitos políticos (arts. 14 a 17) ........................................................................ 71

4 A PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DO IDOSO: A POLÍTICA NACIONAL E O ESTATUTO DO IDOSO ............................................................................................. 74

4.1 Antecedentes históricos da política nacional e do Estatuto do Idoso ........................... 74

4.2 A Política Nacional do Idoso - PNI .............................................................................. 79

4.3 O Estatuto do Idoso ...................................................................................................... 81

4.3.1 A occasio legis do Estatuto do Idoso ................................................................ 82

4.3.2 Perfil geral do Estatuto do Idoso, com suporte na análise do sistema de garantias dos direitos no Estado do Ceará ....................................................... 83

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 104

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 107

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INTRODUÇÃO

O término de um curso de Mestrado nos traz a obrigação de apresentação e defesa de

uma dissertação. Procuramos um tema que seja importante e atual e que também tenha uma

escassez de doutrina. Escolhemos falar sobre o Direito Fundamental à Velhice Digna, seus

limites e possibilidades. Para essa opção, concorreram ainda dois fatores: a nossa militância

nas promotorias de justiça no interior do Estado do Ceará, onde podemos constatar as

dificuldades por que passam nossos velhos e a influência dos estudos realizados por Adriana

Alcântara, Mestre em Gerontologia Social pela Universidade Estadual de Campinas -

UNICAMP.

O envelhecimento da população mundial é apontado como grande conquista da

civilização moderna, do avanço da Ciência Médica e sanitária. Segundo dados da

Organização das Nações Unidas- ONU, nas próximas décadas, isso por volta de 2050, pela

primeira vez na história da espécie humana, o número de idosos será maior do que o de

crianças abaixo dos 14 anos. Paradoxalmente, essa conquista representa grandes desafios para

os Estados, sociedades e famílias. Como chegar à velhice com dignidade, ou seja, com acesso,

por exemplo a sistemas previdenciário e de saúde justos! A sociedade e as famílias estão

preparadas para acolher seus velhos?

O Brasil também segue essa tendência mundial e hoje o número de pessoas com

sessenta anos ou mais representa cerca de 10% da população, ou seja, um contingente de

aproximadamente 18.000.000 (dezoito) milhões de pessoas. É preciso que o Estado brasileiro

se prepare para enfrentar essa realidade e crie nos mais diversos setores políticas públicas

eficazes para assistir esse segmento populacional. A sociedade e as famílias têm suas

responsabilidades diante da questão.

A dissertação tem como objetivo geral mostrar a questão do envelhecimento como uma

discussão mundial, principalmente no contexto dos direitos humanos e sua influência no

Texto Constitucional brasileiro de 1988 e legislação ordinária, mais especificamente na

Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso. O objetivo específico do trabalho dissertativo

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é delinear o Estatuto do Idoso, com base na análise do Sistema de Garantias dos Direitos da

Pessoa Idosa no Estado do Ceará. Para melhor atingir os objetivos propostos, foi realizada

uma pesquisa bibliográfica nos âmbitos da Gerontologia e do Direito Constitucional. Foi

utilizada também a pesquisa da legislação do Estado do Ceará e do Município de Fortaleza,

que tratam do idoso.

Concomitante à análise dessa legislação, foi pertinente ainda incorporá-la em forma de

anexos, a fim de melhor orientar a leitura e compreensão do texto.

No primeiro capítulo o envelhecimento da população é compreendido como uma

questão social, ali são discutidos conceitos básicos, a começar pelos termos velho, idoso,

terceira idade e melhor idade, bem como o surgimento da Geriatria e da Gerontologia.

Delimitando o objeto, é mostrado o cenário sociodemográfico do segmento idoso e sua

inserção no Estado do Ceará.

No segundo capítulo o enfoque está voltado ao envelhecimento no contexto dos direitos

humanos. A reflexão aqui trazida se ampara em vários autores clássicos, como Norberto

Bobbio, Canotilho, Fábio Comparato, Paulo Bonavides, entre outros, para traçar o longo

caminho de afirmação e estabelecimento dos direitos humanos e logo em seguida esboçar a

questão do envelhecimento no âmbito dos organismos internacionais - as assembléias das

Nações Unidas sobre o envelhecimento e a Convenção Americana de Direitos Humanos

(Pacto de San José da Costa Rica). Como influência desses documentos internacionais,

também são analisados os programas nacionais de direitos humanos (PNDH-I e PNDH-II), e

por último, fechando esse capítulo, é demonstrado um perfil das deliberações da 1ª

Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa.

No terceiro capítulo, os parâmetros da Proteção Constitucional da Velhice são revistos a

partir do princípio da dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.

São expostos os direitos fundamentais da pessoal idosa: direitos individuais, coletivos,

sociais,direitos à nacionalidade e políticos.

No quarto e último capítulo é dado destaque ao foco deste estudo: a Proteção

Infraconstitucional do Idoso em dois textos legais básicos: A Política Nacional do Idoso e o

Estatuto do Idoso. Como já dito, estes são consubstanciados tomando como base a análise do

Sistema de Garantias dos Direitos da Pessoa Idosa no Estado do Ceará, composto das

seguintes instituições: Conselho do Idoso, SOS idoso, Sistema Único de Saúde-SUS, Sistema

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Único de Assistência Social - SUAS, Vigilância em Saúde, Poder Judiciário, Defensoria

Pública, Ministério Público e Polícia Civil.

Espera-se que este trabalho possa contribuir de alguma forma para a garantia dos

direitos de nossos velhos e também trazer algo de novo na discussão em torno dos direitos

humanos, pois, como assinala Umberto Ecco (1983) “um trabalho é científico se [...]

acrescentar alguma coisa àquilo que a comunidade já sabia”.

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1 O ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL: O FENÔMENO DA QUESTÃO SOCIAL DA VELHICE

1.1 O que se entende por velho e o uso dos termos idoso, terceira idade e melhor idade

Segundo os Indicadores de Condições de Vida e de Acompanhamento de Idosos

Brasileiros:

Não há uma idéia clara do que marca a transição entre o fim da idade adulta e o começo da última etapa da vida. Pode-se falar em processos biológicos, mudança da aparência física e de papéis sociais, aparecimento de doenças crônicas, perda de capacidades físicas e mentais, nascimento de netos, entre outros. Não há dúvidas de que muitos desses processos caracterizam essa etapa da vida, mas o seu início é afetado pelo recorte étnico e de gênero e pelas condições sociais, econômicas, políticas, regionais, culturais, dentre outros. Isto leva a se pensar que as mudanças entre um e outro estágio da vida são graduais sendo difícil estabelecer um divisor de águas entre um grupo e outro (CAMARANO et al., 2005, p.12).

Essa análise é bastante interessante e nos leva às seguintes observações: apesar das

várias características comuns que marcam essa etapa da vida, não se pode afirmar que existe

uma velhice, pois a velhice tem aspectos diferentes para: o homem e a mulher (gênero), o rico

e o pobre (econômico), o citadino de uma grande capital e o sertanejo (sociais), o cidadão de

país periférico e o cidadão de um país central (econômico/social), o cidadão do nordeste

brasileiro e cidadão sulista (regional), o índio e o branco (étnico). Assim, diante desse ponto

de vista, para afirmar que velhice é um fenômeno social, é indispensável compreender o

contexto histórico de determinada sociedade, uma vez que, sendo uma construção

sociocultural, não existeapenas uma forma de ser velho; há várias velhices.

Esta também é a conclusão de Ramos (2002, p.23): “[...] Não resta dúvida quanto ao

fato de que alguns velhos encontram-se em situação de maior vulnerabilidade do que outros,

daí ser possível identificar vários tipos de velhice, inferindo-se daí que a velhice possui

especificidades.”

Aliás, esse autor, nessa mesma obra e com fundamento em Norberto Bobbio, Leonard

Hayflick e Elida Séguin, assevera que a velhice pode ser compreendida nas seguintes

perspectivas: cronológica ou censitária, burocrática, fisiológica e psicológica ou subjetiva.

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A velhice cronológica ou censitária é a formal, ou seja, alcançada certa idade, a pessoa é

considerada um ser velho. Ainda de acordo com Neri (2001), segundo convenções

sociodemográficas atuais, idosos são pessoas de mais de 60 anos, nos países em

desenvolvimento e 65 anos nos países desenvolvidos. Legalmente (Política Nacional do Idoso

e Estatuto do Idoso), no Brasil, idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta)

anos.

A velhice burocrática corresponde à idade que habilita a pessoa a requerer

aposentadoria. No Brasil, pelo regime geral de previdência social, a aposentadoria por idade

será concedida aos 65 e 60 anos de idade para o homem e a mulher, respectivamente. Sendo

reduzido em 5 anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que

exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o

garimpeiro e o pescador artesanal.

A velhice fisiológica, como a própria denominação sugere, é aquela decorrente da

fragilização do organismo humano em decorrência do processo de envelhecimento.

A velhice subjetiva diz respeito ao psiquismo do indivíduo, ou seja, ocorre quando a

pessoa entende que seus valores, comportamentos e idéias não correspondem aos praticados,

vivenciados pela maioria da sociedade. É como dizia Cazuza, “suas idéias não correspondem

aos fatos, o tempo não pára”.

Ramos (2002, p.25) ainda traz a classificação elaborada por Dirceu Nogueira Magalhães

na obra Invenção Social da Velhice (1987), que descreve a velhice excluída, a pseudovelhice

e a velhice precoce. A velhice excluída é representada pelos “velhos que sobrevivem nos

meios rurais, suburbanos ou urbanos após o êxodo, as migrações, depois da exaustão de sua

capacidade produtiva”.

A pseudovelhice é representada por aquelas pessoas de 40 anos ou menos que não mais

têm acesso ao emprego, isso pelos mais diversos motivos, tais como preconceito, insuficiência

de vagas, desqualificação dessas pessoas.

A velhice precoce é representada pelas pessoas que, mesmo jovens cronologicamente,

fisiologicamente, podem ser consideradas velhas, isso em razão das extremas adversidades

enfrentadas ao longo da vida.

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Hoje, afora o tradicional termo velho, ouve-se falar em idoso, melhor idade, terceira

idade. Afinal, qual o termo mais adequado para designar essa etapa da vida? Moreno (2007,

p. 14), alicerçada na lição de Carlos Alberto Bittar, acolhe o termo idoso e justifica:

Diante da extrema dificuldade em se atingir a conceituação perfeita para a presente dissertação, adotaremos o termo ‘idoso’, que tem ampla prevalência na lei, principalmente na Constituição Federal, na Política Nacional de Idosos e no seu Estatuto. Eventualmente, substituiremos por outra palavra de sentido idêntico e que seja mais moderna e menos preconceituosa do que velho, vocábulo que, na medida do possível, deixaremos de usar. Na verdade, pensamos que, uma vez detectada a qualificação ofensiva no uso de determinada palavra, deve a mesma ser imediatamente abandonada. Esta é a posição de Carlos Alberto Bittar, ao esclarecer que qualquer pessoa deve abster-se de pronunciar palavras, gestos, sons e mímicas que possam ofender outra, em seu brio, ou em seu pudor, a fim de não criar conflitos de relacionamento que a paz social prescreve.

Nessa mesma direção, o pensamento de Jordão Netto e Silva (1994, p.183):

De fato, quando as palavras ou expressões utilizadas na comunicação humana são carregadas de conceitos e/ou valores de grande significado psico-sócio-cultural, alas afetam de forma profunda o comportamento dos indivíduos, quer em termos de reflexões pessoais, como nas suas ações coletivas, podendo aproximar ou afastar os atores sociais, causar cooperação ou conflito, despertar simpatias ou provocar ódios, gerar entendimento ou profundos antagonismos.

Contrariamente aos últimos autores citados, Salgado (1998, p.39) prefere empregar o

termo velho em oposição a uma infinidade de eufemismos, de subterfúgios que se usam para

não enfrentar o que é ser velho. Para o autor, não há nenhum demérito em ser velho e sustenta

a afirmação com o argumento: “[...] Não há nenhum preconceito quando a gente fala que uma

pessoa é jovem, adolescente, criança. Por que o preconceito com relação à velhice? [...]”.

Realmente, o termo ‘velho’, entre nós tem um sentido negativo, estando associado à

velharia, objeto de pouco valor, traste, obsoleto; entretanto, é necessário contrapor esse ponto

de vista, pois esse recurso lingüístico pode esconder uma questão ideológica. Explicando

melhor, acontece a mudança de nomenclatura, as instituições governamentais e não

governamentais adotam uma outra representação das pessoas envelhecidas, mas o Estado não

adota uma política concreta para a velhice. A mudança ocorre tão-somente nos termos para

designar uma pessoa envelhecida. A situação social de um velho excluído, sem acesso a

saúde, moradia, transporte, lazer, aposentadoria digna continua a mesma, mas ele passa a ser

denominado de ‘idoso’.

Ramos (2002, p.26), ao analisar essas novas terminologias, assevera que elas foram

criadas com o intuito de negar o fenômeno do envelhecimento e descreve o contexto em que

surgiram.

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A expressão terceira idade foi formulada pelo gerontologista francês Huet, tem grande

aceitação e leva em consideração três elementos: a) não se pode ver os velhos e os

aposentados como desprivilegiados da sociedade; b) a forma como as aposentadorias são

estruturadas hoje e o fato de a população de aposentados ser constituída por um contingente

cada vez mais jovem; e c) a idéia de expansão do capital até nas áreas ainda não

mercantilizadas, como a natureza e o corpo. Guita Grin Debert, citada em Ramos (2002) diz

a ‘terceira idade’ indica uma experiência inusitada de envelhecimento e que seu objetivo é a

busca da juventude como alguma coisa que sempre pode ser conquistada desde que se tenha

forma e estilos de vida adequados. Esse seria o modelo ideal de velhice para o sistema

capitalista. Ocorre que, nesse sistema, principalmente em um país periférico como o nosso,

somente uns poucos têm acesso ao consumo de bens exigidos para alcançar esse status, e

assim continuam a ser velhos.

A Melhor idade é outra expressão para designar esse segmento populacional, e que

realmente não corresponde à realidade. Via de regra, é nessa fase da vida que a pessoa

enfrenta doenças crônicas, o abandono, bem como a discriminação. Elias (2001, p.85)

descreve muito bem um dos aspectos dessa fase da vida:

[...] Mas ao mesmo tempo as pessoas, quando envelhecem e ficam mais fracas, são mais e mais isoladas da sociedade e, portanto, do círculo da família e dos conhecidos. Há um número crescente de instituições em que apenas pessoas velhas que não se conheceram na juventude vivem juntas.

Ramos (2002) conclui que essas novas terminologias não dão conta do fenômeno do

envelhecimento, isso em razão de referirem-se somente a determinados estratos envelhecidos,

e, assim, negam aos velhos a sua condição de velhos, contribuindo para a exclusão social da

maioria dessas pessoas.

1.2 Geriatria e Gerontologia

Somente no começo do século XX surgiram os termos Gerontologia e Geriatria. De

acordo com Neri (2001), a palavra Gerontologia (gero que significa velho e logia, estudo) foi

usada pela primeira vez em 1903 por Metchnicoff. Este foi um importante estudioso do

assunto, pois prognosticou que, nas décadas seguintes, com as mudanças que iriam ocorrer na

vida humana, inclusive a expansão das idades, a Gerontologia e a Tanatologia seriam mais

compreendidas e utilizadas.

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Em conformidade com a autora citada, Gerontologia é o campo multi e interdisciplinar

voltado à descrição e explicação das transformações peculiares do processo de

envelhecimento e de seus determinantes genético-biológicos, psicológicos e socioculturais.

Dessa forma, não é possível abordar a questão da velhice sob apenas uma dimensão.

Geriatria foi o termo criado em 1909 pelo médico Nascher, que inicialmente se referia

ao “estudo clínico da velhice”. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS (década de

1970) Geriatria é o setor da Medicina que se ocupa da saúde das pessoas de idade avançada,

nos aspectos preventivo, clínico, terapêutico e de reabilitação e vigilância contínua.

Portanto, pode-se asseverarque a Gerontologia é uma ciência médico-social e a Geriatria

uma especialidade da Medicina. Desta forma, podemos ter profissionais das mais diversas

áreas do conhecimento com uma preocupação gerontológica: um dentista que se especializou

em cuidar dos problemas dentários do idoso; um educador físico que milita com o seu

condicionamento físico; um psicólogo que trabalha a sua saúde mental; um operador jurídico

que se ocupa da proteção legal de seus direitos, enfim, todos esses profissionais podem

também ser definidos como gerontólogos.

No âmbito das Ciências Sociais, a obra A velhice, de Simone de Beauvoir, da década de

1970, é considerada um marco decisivo para a reflexão gerontológica, pois, segundo a autora,

tinha como objetivo quebrar “a conspiração do silêncio” que caracterizava o tratamento dado

ao assunto até então. Bobbio (1997) também ressalta que a velhice é um tema não acadêmico

e isso em seu livro autobiográfico de 1996.

No Brasil, a Gerontologia surge do interesse de instituições e de pessoas que já

desenvolviam, de certa forma, um trabalho de atendimento à população idosa, haja vista a

preocupação com a falta de iniciativas a esse segmento e a escassez de estudos no País,

especialmente em comparação com outros países.

Convém enfatizar o fato de que até os fins da década de 1960, as ações direcionadas aos

mais velhos em nosso País tinham caráter caritativo. Quer dizer, quem assumiu de fato a

questão do idoso ao longo da história foram os grupos religiosos e as entidades filantrópicas.

Aliás, não só aos velhos vigorava essa política caritativa, mas aos desvalidos de um

modo geral. Marcílio (1998, p.134), ao analisar a fase caritativa da assistência à infância

abandonada, descreve:

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[...] O assistencialismo dessa fase tem como marca principal o sentimento de fraternidade humana, de conteúdo paternalista, sem pretensão a mudanças sociais. De inspiração religiosa, é missionário e suas formas de ação privilegiam a caridade e a beneficência. Sua atuação se caracteriza pelo imediatismo, com os mais ricos e poderosos procurando minorar o sofrimento dos mais desvalidos, por meio de esmolas ou das boas ações - coletivas ou individuais.

1.3 Cenário sociodemográfico do segmento idoso

A possibilidade de uma vida longa para um grande número de pessoas é uma conquista

recente da humanidade, e isso ocorreu mediante um gradual e constante avanço da tecnologia,

principalmente médico-sanitário.

Ramos (2002, p.14), ao discorrer sobre a gênese da idéia da velhice, esclarece:

Durante muitas décadas, que também absorveram também o século XVIII e XIX, portanto período significativo da consolidação do sistema capitalista - a velhice e sua representação ainda não faziam parte do imaginário social, senão como uma impossibilidade remota, de pouca relevância. Ainda não existia uma velhice social, mas apenas uma velhice biológica, com repercussões sociais. Chegar a velhice era muito raro em razão das condições insalubres para a existência e a longevidade humana.

Desse modo, o desenvolvimento da Ciência e a consolidação do sistema capitalista de

produção trouxeram um paradoxo: a possibilidade de uma existência mais longa, mas em

condições precárias, já que o envelhecimento era visto como o final da vida útil, produtiva do

homem. O homem velho era visto como um peso, um fardo, um estorvo. O Homo faber é o

homem novo e saudável. Esse mesmo autor (2002, p.19), citando Marcelo Antônio Salgado,

ressalta que não somente as sociedades capitalistas desvalorizaram os velhos. Muitas outras

sociedades em momentos anteriores da História hostilizavam os velhos. Essa observação é

pertinente para desfazer o mito de que nessas sociedades os velhos eram bem tratados e que a

discriminação e a hostilidade cultural em relação a esse grupo surgiram somente nos séculos

XVIII e XIX.

Na verdade, a Antropologia Cultural demonstra haver um relativismo em relação ao

tratamento dispensado aos velhos ao longo da História. Moreno (2007, p.9), ao analisar esse

aspecto da vida dos mais diversos povos, traz exemplos de sociedades e livros sagrados que

devotaram profundo respeito aos velhos e de outras que os desprezaram:

Egito; China; o Vedas, livro sagrado dos hindus, e o Avestra, dos persas, estabeleciam princípios destinados a prestigiar o idoso, reconhecendo seu papel de sabedoria e equilíbrio; O Cristianismo, baseado nas considerações bíblicas e nos Dez Mandamentos, buscou no ocidente maior compreensão devida aos anciãos, e outras que ao contrário os desprezaram (o desprezo por parte de povos primitivos, como os poncas, os esquimós, os tupis, as tribos sul-africanas, entre outros, culminava na

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matança dos idosos; os gregos e romanos nutriam profundo desprezo pelos velhos. Todos os povos admiradores da força física valorizavam a mocidade e desprezaram a velhice).

Nesse mesmo sentido, a questão da velhice, também, sempre existiu no âmbito da

dramaturgia e no imaginário da cultura humana. Podemos citar: o clássico De senectude, de

Cícero, de 44 a.C, que foi escrito quando o autor contava com 62 anos de idade; o rei Lear, de

Shakespeare; as mulheres idosas no Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã; Dorian Gray,

de Oscar Wilde. Na ilha de Utopia (Tomás Morus), os velhos são considerados e

homenageados.

A pesquisa antropológica tem contribuído no sentido de demonstrar a diversidade das

formas culturais com que são tratadas as pessoas nas suas diferentes etapas de vida. São

descrições relevantes para oferecer um quadro da vida em outras sociedades. Dessa forma, a

reflexão antropológica exige a revisão da tendência de se conceber os costumes de uma

sociedade como naturais e imutáveis e no que se refere especificamente às grades de idade:

A pesquisa antropológica é rica em exemplos que servem para demonstrar que as fases da vida, como a infância, a adolescência e a velhice não se constituem em propriedades substanciais que os indivíduos adquirem com o avanço da idade cronológica. Pelo contrário, o próprio da pesquisa antropológica sobre os períodos da vida é mostrar como um processo biológico é elaborado simbolicamente com rituais que definem fronteiras entre idades pelas quais os indivíduos passam e que não são necessariamente as mesmas em todas as sociedades. (DEBERT, 1998, p.9).

Conforme definição de Neri e Cachioni (1999), o modo de envelhecer é variável e

constitui experiência heterogênea e diversa, sendo determinado pelo curso de vida de cada

pessoa, pelas circunstâncias sócio-históricas, patológicas, genéticas e ambientais.

Quando não se examina, portanto, o aspecto heterogêneo da velhice, percebe-se o

quanto ainda é uma fase caracterizada por estereótipos, isto é, os idosos geralmente são vistos

como dependentes, enfermos, vivendo um tempo de perdas sociais que o levam à pobreza e ao

isolamento.

Hoje, o envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. No Encontro

Internacional de Gerontologia Social, promovido pelo Serviço Social do Comércio -

SESC/SP, em parceria com a Universidade de Barcelona, em 2004, Renato Maia Guimarães

(2006), presidente da Associação Internacional de Gerontologia, apontou o envelhecimento,

ao lado da questão ambiental e da desigualdade, como em dos grandes desafios do século

XXI. Segundo a Organização das Nações Unidas - ONU, se o ritmo de crescimento da

população idosa continuar como vem ocorrendo nas últimas décadas, por volta do ano de

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2050, pela primeira vez na história da espécie humana, esse segmento será maior do que o de

crianças abaixo dos 14 anos (BERZINS, 2003).

O Brasil segue o mesmo ritmo da tendência mundial e, segundo dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a população de idosos já ultrapassa 17 milhões

de pessoas. O País tem uma população de idosos maior do que a população total do Chile,

Uruguai, Paraguai ou Costa Rica, dentre outros. A Pesquisa Nacional de Amostra por

Domicílio - PNAD do IBGE (2004) aponta para um crescimento expressivo da população

idosa.

Assim, o estudo do IBGE indica que os idosos formam um contingente de 17.662.715

pessoas e já representam 9,7% da população brasileira. Estimativas apontam que em 2025 o

país terá a sexta maior população idosa do planeta (33,4 milhões), ficando atrás tão-somente

da Indonésia, Japão, Estados Unidos, Índia e China.

1.4 Contextualizando o Estado do Ceará

Diante do quadro demográfico da população idosa brasileira, convém registrar como se

configura a situação desse segmento no contexto cearense.

De acordo com o PNAD/IBGE-2004, o Ceará conta com uma população total de

7.998.849, sendo que 759.293 são pessoas com sessenta anos ou mais, significando, em

valores relativos, 9,5% da população. Em conformidade com o último censo, a esperança de

vida ao nascer para os homens é de 62,4 anos e para as mulheres é de 68,5 anos.

É válido ressaltar que a média nacional da esperança de vida alcançou 70 anos, mas não

esquecendo a heterogeneidade do País, e mais precisamente, do Estado em questão (um dos

mais pobres do Brasil), a estrutura socioeconômica implica sobremaneira a velhice precoce

flagrada pelas péssimas condições de vida e, como bem lembra Barroso (1988) o nordestino,

com um desgaste vital acentuado, muitas vezes morre socialmente antes de sua finitude

biológica, mesmo sem ter avançado na escala cronológica.

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2 O ENVELHECIMENTO NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS

2.1 Um pouco de história

Não é nosso objetivo fazer um longo relato sobre a história dos direitos humanos, mas é

preciso contextualizar os chamados direitos das pessoas idosas / velhas nesse universo

doutrinário e da práxis social de diversos povos e nações.

Desde a Antiguidade clássica até aos nossos dias existe a preocupação intelectual em

relação aos direitos do homem, da relação entre os homens e o poder, da idéia de Justiça.

Cabe citar como exemplo: Sófocles (Antígona), Platão (A República), Aristóteles (Ética a

Nicômano), São Tomás de Aquino (Suma Teológica), Hobbes (Leviatã), Locke (Segundo

Tratado sobre o Governo), J.J. Rousseau (Do Contrato Social, Discurso Sobre a Origem e os

Fundamentos da Desigualdade entre os Homens), Montesquieu (Do Espírito das Leis),

Habermas (Direito e Democracia), Bobbio (A Era dos Direitos).

Ao lado do campo das idéias, a história do homem, a divina comédia humana, como

diria Dante, é marcada por intensas lutas, conquistas, retrocessos, revoluções. A origem,

entretanto, do que hoje se denomina direitos do homem encontra-se situada historicamente

nos movimentos revolucionários que dominaram a Europa Continental, a partir de 1215,

quando surgiram as raízes do constitucionalismo inglês. As grandes revoluções burguesas

que sacudiram o mundo a partir do século XVIII estão intimamente relacionadas com a

construção doutrinária dos direitos humanos e as conseqüentes mudanças sociais. Foram

proclamadas as Declarações Americanas de direitos: a “Declaração de Direitos do Bom Povo

de Virgínia” (12/01/1776) e a “Declaração de Independência dos Estados Unidos da América”

(04/07/1776). A pretensão ou inspiração universalista de direitos humanos surgiu com a

Revolução Francesa e com a consagrada Declaração dos Direitos do Homem, de 1789.

Bonavides (1993, p.474) ensina:

Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões

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feudais), quanto muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano.

Segundo Silva (1990), na realidade, para a formulação da Teoria dos Direitos

Fundamentais do Homem, concorreram condições reais ou históricas (objetivas ou

materiais): as contradições entre o regime da monarquia absoluta feudal e uma sociedade

nova tendente à expansão comercial e cultural. Condições subjetivas ou ideais ou lógicas:

consistiram nas fontes de inspiração filosófica – 1. O pensamento cristão, como fonte remota;

2. A doutrina do Direito natural dos séculos XVII e XVIII; 3. o pensamento iluminista.

Os estudiosos do tema costumam classificar os direitos humanos em gerações: primeira

geração - os direitos da liberdade e têm como titular o indivíduo e são oponíveis contra o

Estado. É a primazia do indivíduo ante ao poder, agora limitado, do Estado, antes sem limites

e todo-poderoso. Direitos de segunda geração - os direitos sociais, culturais, econômicos e os

direitos da coletividade. Direitos de terceira geração - o direito ao desenvolvimento, o direito

à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da

humanidade e o direito de comunicação. Direitos de quarta geração - relacionados aos

resultados das pesquisas da Engenharia Genética, como por exemplo, as manipulações do

patrimônio genético do indivíduo; as pesquisas com células tronco.

Diante dessa classificação, fica evidente o caráter histórico dos direitos humanos. Os

direitos de liberdade são fruto das lutas contra o antigo regime político feudal e sua afirmação

marca a transição desse sistema político-econômico para o sistema capitalista-liberal. Já os

direitos sociais vão surgir a partir da crise do modelo liberal e dos conseqüentes movimentos

sociais que buscam a efetiva igualdade material entre os homens. O pensamento de Karl Marx

vai ser o referencial teórico desses movimentos, especialmente para a Revolução Russa de

1917. O mundo capitalista vai passar por profunda crítica. No plano jurídico, teremos a

Constituição Mexicana de 1917, que vai sistematizar o conjunto dos direitos sociais do

homem, sem romper com o sistema capitalista. Na mesma linha, teremos a Constituição

alemã de Weimar, que vai garantir direitos sociais e econômicos dentro do marco capitalista.

A tragédia da II Grande Guerra Mundial (1939 a 1945) trouxe a descrença do próprio

homem e uma crise existencial na própria humanidade. Como foi possível o homem chegar

ãquele ponto, de instalar uma indústria de extermínio do gênero humano? A reação moral das

nações aos horrores da guerra vai ser a necessidade do reconhecimento de uma efetiva

proteção internacional dos direitos humanos, e a Declaração dos Direitos do Homem e do

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Cidadão, de 1948. Da crítica ao Estado Liberal, surge o Estado do Bem-Estar Social

(Welfare State), que procurou efetivar os direitos sociais (saúde, alimentação, habitação,

trabalho). É preciso dizer que, em boa parte do globo, especialmente nos países periféricos, os

direitos sociais ainda são uma promessa que soa longínqua.

Os direitos de terceira e quarta geração, também, refletem grandes desafios

contemporâneos, como o direito ao desenvolvimento, o direito à paz e o direito ao meio

ambiente saudável, bem como o controle ético e jurídico nas pesquisas de Engenharia

Genética.

O ponto a ser discutido é referente à denominação. Qual a expressão correta: direitos

humanos, direitos fundamentais ou direitos humanos fundamentais? Bonavides (1993, p.472)

esclarece:

[...] podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos visto nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura jurídica, ocorrendo porém o emprego mais freqüente de direitos humanos e direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.

Canotilho (2000, p.371) traz a lição de que direitos fundamentais são aqueles albergados

por uma Constituição, ou seja, positivados, e, citando Cruz Villalon: “onde não existir

constituição não haverá direitos fundamentais [...]”

É oportuna a lição de Bobbio (1992), para quem hoje o problema fundamental em

relação aos direitos humanos não é justificá-los, mas sim protegê-los, ou seja, buscar a sua

efetividade. A concretização dos direitos humanos é um dos grandes desafios do século XXI,

e hoje a conjuntura mundial não é muito propícia. Fala-se no “fim da história”, e que os ideais

liberais teriam triunfado sobre as aspirações socializantes. O neoliberalismo e a globalização

acentuaram a pobreza a quatro quintos da população mundial. Com Oliveira (2006),

entretanto, vislumbram-se duas dimensões da globalização: uma negativa - escandaloso

desrespeito aos direitos humanos, flexibilização da força de trabalho, guerras civis, corrupção

e desgoverno, fome, pobreza, subdesenvolvimento econômico, cultural e político, grandes

movimentos migratórios em parte de fugitivos- uma positiva- não existe só a comunidade da

violência, mas também a comunidade da cooperação em diferentes níveis da vida humana

com efeitos muitas vezes democratizantes, de modo que se possa falar de uma circunstância

de tensão entre uma dimensão regressiva e conservadora e uma dimensão progressiva e

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emancipatória da globalização. Segundo esse autor, a globalização pode representar enorme

potencial de integração e possibilidade de paz para a humanidade.

Diante, pois, desse resumo histórico, qual o contexto em que surge o velho/idoso como

sujeito de direitos nesse âmbito dos direitos humanos? Terá sido quando das primeiras

declarações de direito (1a geração – direitos da liberdade)? É claro que não, pois, nesse

período histórico, a velhice ainda não é uma questão social, e os direitos são destinados ao

homem em sentido genérico. Ainda não falamos em mulher, criança, portador de deficiência,

velhos.

Historicamente, o velho é visualizado como sujeito singular de direitos, quando da

afirmação dos direitos sociais (2a. geração). Na Alemanha, Otto von Bismarck introduziu

uma série de seguros sociais, de modo a atenuar a tensão existente nas classes trabalhadoras:

em 1883, foi instituído o seguro-doença; em 1884, decretou-se o seguro contra acidentes de

trabalho; e em 1889 criou-se o seguro de invalidez e velhice.

As leis instituídas pelo Estadista alemão tornaram obrigatória a filiação às sociedades

seguradoras ou entidades de socorros mútuos, de todos os trabalhadores que recebessem até

2.000 marcos anuais. A França promulgou uma norma em 1898 criando a assistência à

velhice e acidentes de trabalho. Na Inglaterra, em 1897, foi instituído o sistema de

assistência à velhice e acidentes de trabalho e 1908 o old age Pensions Act concedeu pensões

aos maiores de 70 anos, independentemente de contribuição. A primeira constituição do

mundo a incluir o seguro social em seu texto foi a do México de 1917 (art.123). A

Constituição de Weimar (1919) também trouxe várias disposições sobre matéria

previdenciária (MARTINS, 1992). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,

em seu artigo 25, prescreve:

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Bobbio (1992) acentua que, após a II Guerra, a teoria dos direitos humanos foi

desenvolvida em duas direções: universalização e multiplicação. Essa multiplicação,

segundo o Pensador italiano, ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens

tutelados, b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos

do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou

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homem em abstrato, mas é visto em sua constituição existencial concreta: criança, velho,

doente etc.

Para provar esse último modo, Bobbio (1992) relaciona as cartas de direitos que se

deram no cenário internacional nos últimos quarenta anos: a Convenção sobre os Direitos

Políticos da Mulher (1952); a Declaração da Criança (1959); a Declaração dos Direitos do

Deficiente Mental (1971); a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos (1975); a

primeira Assembléia Mundial, em Viena, sobre os direitos dos anciãos, que propôs um

plano de ação aprovado por uma resolução da Assembléia da ONU, em 3 de dezembro

(1982).

Assim, resta claro, que em determinado momento histórico e em conseqüência de

vários fatores (crescimento da população de velhos em decorrência dos avanços da Medicina,

organização política desse segmento populacional, as mudanças nas relações sociais,

convivência intergeracional) vai surgir a necessidade de maior proteção dos velhos. Sobre a

historicidade dos direitos humanos, ensina Comparato (2001, p.31):

[...] Não se pode deixar de observar que as reflexões da filosofia contemporânea sobre a essência histórica da pessoa humana, conjugadas à comprovação do fundamento científico da evolução biológica, deram sólido fundamento à tese do caráter histórico (mas não meramente convencional) dos direitos humanos, tornando sem sentido a tradicional querela entre os partidários de um direito natural estático e imutável e os defensores do positivismo jurídico, para os quais fora do Estado não há direito.

A questão da velhice, inicialmente, surge como preocupação relacionada à

previdência (aposentadoria, pensões) na Alemanha e depois no resto da Europa e na

maioria dos países, e, ao longo dos tempos, outras preocupações vão sendo incorporadas aos

documentos e discussões internacionais, tais como: saúde, dignidade, participação política,

independência e auto-realização.

2.2 As assembléias das Nações Unidas sobre o envelhecimento

A ONU, reconhecendo o envelhecimento como uma questão mundial, que requer uma

atenção especial de todos os povos, realizou duas assembléias sobre o tema. A I Assembléia

Mundial sobre o Envelhecimento foi realizada em agosto de 1982, em Viena, e a II em

Madrid, no mês abril de 2002. O Brasil participou e é signatário dos documentos elaborados

nos dois conclaves mundiais.

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Apesar das críticas no sentido de que a I Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento,

realizada em Viena (1982), teve um viés neocolonialista (COHEN, 1998), tal encontro teve

uma importância histórica fundamental, pois alertou os países das conseqüências do

envelhecimento da população mundial e elaborou o I Plano de Ação Internacional sobre

Envelhecimento, convertido na Resolução no 37/51, de 3 de dezembro de 1982.

Em 1991, as Nações Unidas aprovaram os Princípios das Nações Unidas em Favor

das Pessoas Idosas (Resolução n. 46/91), documento que tem como eixos principais a

independência, a participação, cuidados, auto-realização e dignidade.

A II Assembléia, realizada em Madrid, produziu um documento titulado Plano de Ação

Internacional sobre o Envelhecimento, dividido em três partes principais: a) Declaração

Política b) Recomendação para a Adoção de Medidas c) Aplicação e Seguimento. Pela

importância desse último documento, é oportuno fazer um resumo de seu conteúdo.

A Declaração política é composta de 19 (dezenove) artigos. Em resumo, nessa parte do

documento, os Estados-partes ressaltam a questão do envelhecimento como um problema

global e decidem adotar um conjunto de medidas para enfrentá-lo. Os dois primeiros artigos

dizem: art.1o, os representantes dos Governos decidem adotar um Plano de Ação Internacional

sobre Envelhecimento para responder às oportunidades que oferece e os desafios feitos pelo

envelhecimento da população no século XXI e para promover o desenvolvimento de uma

sociedade para todas as idades. Resolvem adotar medidas em todos os níveis, nacional e

internacional, em três direções prioritárias: idosos e desenvolvimento, promoção da saúde e

bem-estar na velhice e criação de um ambiente propício e favorável.

No artigo 2o, celebram o aumento da expectativa de vida em muitas regiões do mundo

como uma das maiores conquistas da humanidade. Reconhecem que o mundo está

passando por uma transformação demográfica sem precedentes e, que até 2050, o número de

pessoas acima de 60 anos aumentará de 600 milhões para 2 bilhões, e se prevê a duplicação

do percentual de pessoas de 60 anos ou mais, passando de 10% para 21%. Esse incremento

será maior e mais rápido nos países em desenvolvimento, onde se prevê que a população

idosa se multiplique por quatro nos próximos 50 anos. Essa transformação demográfica

apresentará para toda a sociedade o desafio de aumentar as oportunidades das pessoas,

particularmente as oportunidades de os idosos aproveitarem ao máximo suas capacidades de

participação em todos os aspectos da vida.

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Por sua vez, as recomendações para a adoção de medidas são assim estruturadas:

Orientação prioritária I: PESSOAS IDOSAS E DESENVOLVIMENTO

Tema 1: Participação ativa na sociedade e no desenvolvimento

Objetivo 1: Reconhecimento da contribuição social, cultura, econômica e política

das pessoas idosas.

Objetivo 2: Participação de idosos nos processos de tomada de decisões em todos

os níveis.

Tema 2: Emprego e envelhecimento da força de trabalho

Objetivo 1: Oferecer oportunidades de emprego a todas as pessoas idosas que

desejem trabalhar.

Cumpre observar que nessa parte do Plano, após a descrição do tema e dos objetivos,

vem elencada uma série de medidas a serem implementadas pelas nações a fim de efetivação

desse importante documento internacional. Como exemplos: na orientação prioritária I:

Pessoas idosas e o desenvolvimento, Tema 1: Participação ativa na sociedade e no

desenvolvimento, Objetivo 2: Participação de idosos nos processos de tomada de decisões em

todos os níveis; temos como uma das medidas: c) estimular, caso ainda não, as haja, a criação

de organização de idosos, em todos os níveis, entre outras coisas para representá-los nos

processos de tomadas de decisões. Na orientação prioritária II: Promoção da saúde e bem-

estar na velhice, Tema 1: Promoção da saúde e do bem-estar durante toda a vida, Objetivo 3:

Acesso de todos os idosos à alimentação e a uma nutrição adequada, temos como uma das

medidas: a) Promover a igualdade de acesso de idosos ao consumo de água potável e aos

alimentos aptos para o consumo. Na orientação III: criação de ambiente propício e favorável,

Tema 1: Moradia e condições de vida, Objetivo 3: Melhorar a disponibilidade de transporte

acessível e economicamente exeqüível, para os idosos, temos como uma das medidas: a)

Melhorar a disponibilidade de serviços eficientes de transporte público nas zonas rurais e

urbanas.

A última parte do Plano diz respeito a sua aplicação e seguimento, ou seja, prevê

medidas para a exeqüibilidade do Plano. Afirma que é mister a necessidade crítica e

permanente de assistência internacional para ajudar países em desenvolvimento a aplicar

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políticas relativas ao envelhecimento. Reafirma a necessidade de medidas nos planos nacional

e internacional para o sucesso do Plano. Reconhece a necessidade de promover e desenvolver

uma pesquisa integral e especializada sobre o envelhecimento em todos os países,

especialmente nos países em desenvolvimento e, por fim, estabelece a competência da

Comissão de Desenvolvimento Social da ONU para dar seguimento e proceder à avaliação da

execução do Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento.

É importante ressaltar que o Plano Internacional sobre o Envelhecimento foi subscrito

por unanimidade pelas nações que compõem a Organização das Nações Unidas. O Estado

Brasileiro, ao subscrever tal documento internacional, passa a ter obrigações perante a

comunidade das nações? Qual a natureza jurídica desse documento? Rezek (1996, p. 144),

após discorrer longamente sobre o tratado internacional, passa ao estudo das formas

extraconvencionais de expressão do Direito Internacional, mais precisamente sobre as

decisões das organizações internacionais :

Resoluções, recomendações, declarações, diretrizes: tais os títulos que usualmente qualificam as decisões das organizações internacionais contemporâneas, variando seu exato significado e seus efeitos conforme a entidade de que se cuide. Muitas dessas normas obrigam a totalidade dos membros da organização, ainda que adotadas por órgão sem representação do conjunto, ou por votação não unânime em plenário. É certo, porém, que tal fenômeno somente ocorre no domínio das decisões procedimentais, e outras de escasso relevo. No que concerne às decisões importantes, estas só obrigam, quando tomadas por voz unânime, e, se majoritárias, obrigam apenas os integrantes da corrente vitoriosa. [...]

Segundo esse autor, as decisões possuem natureza jurídica autônoma em relação aos

tratados e são atos normativos obrigatórios, editados pela organização, de cujos estatutos

promana sua legitimidade.

Assim, resta claro o caráter obrigacional do Plano Internacional sobre O

Envelhecimento, pois, como já registrado, foi subscrito pela unanimidade dos Estados que

compõem a Organização das Nações Unidas - ONU. As diretrizes do Plano devem ser

incorporadas às políticas públicas do Estado Brasileiro nos quatro níveis de governo (federal,

distrital, estadual e municipal), pelos poderes da República (Executivo, Judiciário e

Legislativo), pela sociedade civil e famílias.

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31

2.3 A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e o envelhecimento

A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da

Costa Rica é o principal instrumento do Sistema Regional Interamericano de Proteção dos

Direitos Humanos. Tem a natureza de convenção e foi assinada em San José da Costa Rica,

em 1969, entrando em vigor em 1978.

Segundo dados da Organização dos Estados Americanos, dos 35 Estados membros da

OEA, 24 são hoje parte da Convenção Americana, dentre eles o Brasil. O Decreto n°678, de

6.11.1992, promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Decreto n°4.463,

de 8.11. 2002, promulgou a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da

Corte Interamericana em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos. Em seu texto originário, a Convenção não tratou de

forma específica de direitos da pessoa idosa.

Em 17 de novembro de 1988 foi adotada e aberta a assinatura pela Assembléia Geral

da OEA, o PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS

HUMANOS EM MATÉRIA DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

(PROTOCOLO DE SAN SALVADOR), entrando em vigor em 16 de novembro de 1999. O

artigo 17 do Protocolo refere-se à proteção de pessoas idosas:

Toda pessoa tem direito à proteção especial na velhice. Nesse sentido, os Estados-partes

comprometem-se a adotar de maneira progressiva as medidas necessárias, a fim de pôr em

prática este direito e, especialmente, a:

a) Proporcionar instalações adequadas, bem como alimentação e assistência médica especializada, às pessoas de idade avançada que careçam delas e não estejam em condições de provê-las por seus próprios meios; b) Executar programas trabalhistas específicos destinados a dar a pessoas idosas a possibilidade de realizar atividade produtiva adequada às suas capacidades, respeitando sua vocação ou desejos; c) Promover a formação de organizações sociais destinadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas idosas.

Piovesan (2006, p.89), citando Thomas Buergenthal, enfatiza que,

Os Estados têm, conseqüentemente, deveres positivos e negativos, ou seja, eles têm a obrigação de não violar os direitos garantidos pela Convenção e têm o dever de adotar as medidas necessárias e razoáveis para assegurar o pleno exercício desses direitos.

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32

A Convenção Americana estabelece um aparato de monitoramento e efetivação dos

direitos que declara. Essa estrutura é composta pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos e pela Corte Interamericana.

A população idosa brasileira pode contar com a proteção dessa Convenção

Internacional, já que foi ratificada pelo Estado Brasileiro.

2.4 Os programas nacionais de direitos humanos (PNDH I e PNDH II)

O Brasil não tem uma tradição de respeito aos direitos humanos. Temos a

marginalização política, econômica e cultural de amplos setores da população brasileira. Essa

situação está ligada aos fundamentos históricos do Estado nacional. Costa (1998, p.9) nos traz

uma idéia de nossa herança histórica:

As elites brasileiras que tomaram o poder em 1822 compunham-se de fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela, ligados à economia de importação e exportação e interessados na manutenção das estruturas tradicionais de produção cujas bases eram o sistema de trabalho escravo e a grande propriedade. Após a independência, reafirmaram a tradição agrária da economia brasileira; opuseram-se às débeis tentativas de alguns grupos interessados em promover o desenvolvimento da indústria nacional e resistiram às pressões inglesas visando abolir o tráfico de escravos.

Ligado a essa herança, nosso País produziu um modelo social dos mais injustos do

mundo moderno, pois chegamos ao absurdo de possuir a 10a economia mundial, mas em

compensação apresentar uma das piores concentrações de renda do Planeta.

Nossa história política recente é marcada por uma ditadura militar que durou 30 anos e

cometeu vários atentados contra os direitos humanos. Foram assassinatos de militantes

políticos, dentre eles vários estudantes, sindicalistas, jornalistas, intelectuais; prisões ilegais;

torturas, desaparecimentos forçados, censura dos meios de comunicação e da cultura em

geral1.

Sobre essa triste página da História brasileira, cabe a reflexão de Comparato (2001, p.

36):

Pois bem, a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e

1 Para uma visão geral sobre esse período de nossa História, ver os cinco volumes de Elio Gaspari, publicados pela Companhia das Letras, 2002.

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as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.

A transição democrática ocorre a partir da década de 1980. O País mobiliza-se na

campanha pelas diretas-já, que pede eleição direta para a Presidência da República. Essa

proposta é derrotada na Câmara dos Deputados, e um Colégio Eleitoral elege em 15 de janeiro

de 1985 o candidato da Aliança Democrática, Tancredo Neves, para a Presidência. O processo

de redemocratização se consolida no governo José Sarney, com a promulgação da

Constituição de 1988.

O presidente Fernando Henrique Cardoso institui, pelo Decreto n°1.904, de 13 de maio

de 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos-I, documento com 41 páginas, que

apresenta propostas de ações governamentais para a promoção e defesa dos direitos humanos.

Em sua Introdução, consta que o Programa foi elaborado com base em discussões públicas

ocorridas em seis seminários realizados nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife,

Belém, Porto Alegre e Natal, com 334 participantes, representando 210 entidades.

O projeto do Programa foi ainda debatido na I Conferência Nacional de Direitos

Humanos, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com o

apoio do Fórum das Comissões Legislativas de Direitos Humanos, Comissão de Direitos

Humanos da OAB Federal, Movimento Nacional de Direitos Humanos, CNBB, FENAJ,

INESC, SERPAJ e CIMI.

O Programa apresenta o seguinte eixo: Políticas públicas para proteção e promoção dos

direitos humanos no Brasil – Proteção do direito a tratamento igualitário perante a lei –

Educação e cidadania. Bases para uma cultura de Direitos Humanos – Ações Internacionais

para proteção e promoção dos direitos humanos. O Programa conceitua Direitos Humanos:

São os direitos fundamentais de todas as pessoas , sejam elas mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, portadores de deficiências, populações de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, portadores de HIV, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser respeitadas, e sua integridade física protegida e assegurada.

Em relação à velhice, o Programa, na página 33, traz propostas para a terceira idade:

Curto prazo: • Estabelecer prioridade obrigatória de atendimento às pessoas idosas em todas as

repartições públicas e estabelecimentos bancários do país. • Facilitar o acesso das pessoas idosas a cinemas, teatros, shows de música e outras

formas de lazer público.

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• Apoiar as formas regionais denominadas ações governamentais integradas, para o desenvolvimento da Política Nacional do Idoso.

• Médio Prazo: • Criar e fortalecer conselhos e organizações de representações dos idosos,

incentivando sua participação nos programas e projetos governamentais de seu interesse.

• Incentivar o equipamento de estabelecimentos públicos e meios de transporte de forma a facilitar a locomoção dos idosos.

• Longo prazo: • Generalizar a concessão de passe livre e precedência de acesso aos idosos em todos

os sistemas de transporte público urbano. • Criar, fortalecer e descentralizar programas de assistência aos idosos, de forma a

contribuir para sua integração à família e à sociedade e incentivar o seu atendimento no seu próprio ambiente.

Como se percebe, as propostas do 1o Programa Nacional de Direitos Humanos são

bastante tímidas no que diz respeito à proteção e promoção dos direitos dos idosos. Questões

fundamentais não foram abordadas no Programa, como, por exemplo: a melhoria dos valores

dos benefícios previdenciários pagos aos aposentados brasileiros, o acesso a um sistema

público de saúde de qualidade, o enfrentamento do abandono, maus-tratos e violência contra

os idosos.

O Programa Nacional de Direitos Humanos II foi instituído pelo Decreto n°4.229, de

13 de maio de 2002, e revogou o anterior. O Decreto estabeleceu que o PNDH II tem como

objetivos:

a) a promoção da concepção de direitos humanos como um conjunto de direitos

universais, indivisíveis e interdependentes, que compreendem direitos civis,

políticos, sociais, culturais e econômicos;

b) a identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos

no país e a proposição de ações governamentais e não governamentais voltadas para

a promoção e defesa desses direitos;

c) a difusão do conceito de direitos humanos como elemento necessário e indispensável

para a formulação, execução e avaliação de políticas públicas;

d) a implementação de atos, declarações e tratados internacionais dos quais o Brasil é

parte;

e) a redução de condutas e atos de violência, intolerância e discriminação das

desigualdades sociais; e

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f) a observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, especialmente em seu

art. 5o.

Em relação ao segmento idoso, o PNDH-II diz caber ao Poder Público:

a) criar, fortalecer e descentralizar programas de assistência aos idosos, de acordo com a

Lei 8.842/94, de forma a contribuir para sua integração à família e à sociedade e a

incentivar o atendimento no seu próprio ambiente;

b) apoiar a instalação do Conselho Nacional do Idoso, a constituição de conselhos

estaduais e municipais de defesa dos direitos dos idosos e a implementação de

programas de proteção, com a participação de organizações não-governamentais;

c) estimular a fiscalização e o controle social dos centros de atendimento a idosos;

d) apoiar programas destinados à capacitação de cuidadores de idosos e de outros

profissionais dedicados ao atendimento ao idoso;

e) promover a remoção de barreiras arquitetônicas, ambientais, de transporte e de

comunicação para facilitar o acesso e a locomoção da pessoa idosa aos serviços e

áreas públicas e aos edifícios comerciais;

f) adotar medidas para estimular o atendimento prioritário às pessoas idosas nas

instituições públicas e privadas;

g) estimular a educação continuada e permanente de idosos e apoiar a implantação de

programas voluntário idoso como forma de valorizar e reconhecer sua contribuição

para o desenvolvimento e bem-estar da comunidade;

h) apoiar programas de estímulo ao trabalho do idoso, inclusive por meio de

cooperativas de produção e de serviços;

i) desenvolver programas de habitação adequados às necessidades das pessoas idosas,

principalmente em áreas carentes;

j) estimular a adoção de medidas para que o documento de identidade seja aceito como

comprovante de idade para a concessão do passe livre nos sistemas de transporte

público;

l) estimular o combate à violência e à discriminação contra a pessoa idosa, inclusive por

meio de ações de sensibilização e capacitação, estudos e levantamentos estatísticos

que contribuam para prevenir a violação de seus direitos;

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m) adotar medidas para assegurar a responsabilização de familiares pelo abandono de

pessoas idosas; e

o) incentivar a criação, nos estados e municípios, de serviços telefônicos de informação,

orientação e recepção de denúncias (disque-idoso).

Como podemos verificar, o PNDH-II, em relação ao tratamento dispensado ao idoso, é

bem mais amplo em relação ao primeiro programa, e vai abordar questões fundamentais como

a violência, a criação dos conselhos, o que efetivamente ocorre (Conselhos Nacional,

estaduais e em vários municípios brasileiros) e a preocupação em criar programas de

assistência aos idosos. E, mais importante ainda, o Governo brasileiro assume compromisso

com uma proposta política de defesa dos direitos da pessoa idosa.

2.5 A 1a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa

As conferências são um importante instrumento na cadeia da gestão das políticas

públicas (Saúde, Educação, Criança e Adolescente, Idoso etc), pois são caracterizadas como

grandes fóruns para discussão, integrados pelos representantes ou delegados de organizações

governamentais e não governamentais para pensar e propor políticas públicas em suas

respectivas áreas.

As conferências têm o papel de analisar periodicamente a política que lhe é pertinente,

apresentando críticas e recomendações para as próximas gestões. Assim, resta evidente a

relevância da I CNDPI para a formulação das políticas públicas pelos órgãos gestores nas

diferentes esferas governamentais (União, estados, Distrito Federal e municípios).

Vale ressaltar que a I CNDPI foi precedida pelas conferências estaduais e municipais e,

segundo dados oficiais contaram com público de cerca de 15 mil pessoas. Da Conferência

Nacional participaram 445 (quatrocentos e quarenta e cinco) delegados, incluindo os do

CNDI; 119 (cento e dezenove) convidados; 97 (noventa e sete) observadores; 15 (quinze)

palestrantes; 01 (um) conferencista; 16 (dezesseis) coordenadores; e 32 (trinta e dois)

organizadores.

A I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa realizou-se em Brasília, no

período de 23 a 26 de maio de 2006, e teve como tema Construindo a Rede Nacional de

Proteção e Defesa da Pessoa Idosa – RENADI.

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A Conferência foi promovida pelo Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, órgão

vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Vale

ressaltar que o evento foi antecedido de conferências estaduais nas 27 unidades da Federação,

com a participação efetiva de cerca de 700 pessoas, sendo 408 delegados estaduais e do DF, e

convidados, como especialistas na área, conselheiros e representantes de organizações

governamentais e não governamentais.

A Conferência teve o seguinte eixo temático: 1. Ações para efetivação dos direitos da

pessoa idosa, 2.Violência contra idosos, 3.Saúde da pessoa idosa, 4. Previdência social,

5.Assistência social à pessoa idosa, 6. Financiamento e orçamento público, 7.Educação,

cultura, esporte e lazer, 8.Controle democrático: o papel dos conselhos.

Os Anais da conferência demonstram a riqueza e importância das discussões para a

promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa. Como exemplos, uma das deliberações do

eixo 1: criar, em todo o território nacional, ouvidorias, defensorias públicas e promotorias de

justiça, bem como delegacias, juizados e varas especializadas na proteção e defesa dos

direitos da pessoa idosa, que deverão funcionar em centro integrado e contar com canais

diretos de comunicação com os conselhos. Uma deliberação do eixo 2: criar e/ou adequar, nas

delegacias de polícia de todos os estados e municípios, setores ou núcleos de atendimento

especializado para atender a pessoa idosa, incluindo as vítimas de violência. Uma deliberação

do eixo 3: realizar campanhas de prevenção e intervenção precoce em doenças que têm

impacto no perfil da morbimortalidade da população idosa, tais como: câncer de próstata, de

colo do útero e da mama; catarata; glaucoma; doença de Alzheimer, doença de Parkinson,

AIDS e DST, diabetes, hipertensão etc.

Esses três exemplos demonstram a relevância das discussões e das propostas para

efetivação dos direitos da pessoa idosa em nosso País; entretanto, restou evidente que para a

efetivação dos direitos humanos das pessoas idosas, é de fundamental importância a

transformação do pensamento na perspectiva de que a Constituição Federal é o maior dos

comandos e já traz os pressupostos para a construção de uma rede de proteção e defesa

da pessoa idosa, quando por exemplo estabelece princípio fundamental da República, a

dignidade da pessoa humana. Essa é a conclusão de Paulo Roberto Barbosa Ramos, um dos

palestrantes da Conferência com o tema: Ações para efetivação dos direitos da pessoa idosa e

a rede de proteção.

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O objetivo de detalhar o Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento da ONU,

o Protocolo de San Salvador, o Programa Nacional de Direitos Humanos e resumir as

deliberações da 1a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, no momento, é

demonstrar que o envelhecimento passou a ser uma questão social mundial, regional e

nacional. É claro que milhões de idosos excluídos que vivem nas periferias das grandes

cidades brasileiras não vão nem mesmo tomar conhecimento desses documentos, que por si

não trarão a concretização de seus direitos. Aqui vale lembrar a lucidez de Bobbio (1992,

p.78) ao referir-se aos documentos internacionais de direitos:

[...] As cartas de direitos, enquanto permanecerem no âmbito do sistema internacional do qual promanam, são mais do que cartas de direito no sentido próprio da palavra: são expressões de boas intenções, ou quando muito, diretivas gerais de ação orientadas para um futuro indeterminado e incerto, sem nenhuma garantia de sua realização além da boa vontade dos Estados, e sem outra base de sustentação além da pressão da opinião pública internacional ou de agências não estatais.

Apesar da advertência de Bobbio (1992), é preciso dizer que em relação aos

documentos internacionais de proteção de direitos humanos, eles representam um avanço

histórico na defesa desses direitos, fato reconhecido pelo próprio Pensador italiano, e, sem

dúvida, influenciam as legislações nacionais e, segundo a própria Constituição Federal

Brasileira podem incorporar-se à ordem jurídica nacional (art.5o ,§ 2o e 3o), como será

demonstrado, no caso brasileiro, pelo tratamento dado ao idoso pela própria Constituição

Federal e legislação ordinária, especialmente, as Leis da Política Nacional do Idoso e do

Estatuto do Idoso.

No capítulo seguinte, serão abordados os direitos fundamentais previstos na

Constituição Federal de 1988 na perspectiva da pessoa idosa e, sempre que necessário,

faremos referência ao Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento da ONU/2002 e

às deliberações da 1a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (1a CNDPI).

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3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA VELHICE

3.1 A dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro

O legislador constituinte inicia a construção constitucional explicitando os princípios

fundamentais do Estado Brasileiro. Como bem ensina Canotilho (2000, p.1352), a teoria dos

direitos fundamentais trouxe o enriquecimento à metódica constitucional. Desse modo,

cumpre destacar que a dignidade da pessoa humana é prevista como um dos princípios

fundamentais da República Federativa do Brasil (art.1, III). O que se entende por princípio? O

que se entende por dignidade da pessoa humana? Mello (1992, p.408) define princípio

jurídico como

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Como se vê, os princípios são normas que dão fundamento e coerência axiológica ao

ordenamento jurídico, devendo nortear toda a Hermenêutica jurídica. São normas de extrema

importância. Canotilho (2000, p.1.128) faz uma Tipologia dos Princípios: a) Princípios

jurídicos fundamentais; b) Princípios politicamente conformadores; c) Princípios

constitucionais impositivos; d) Os Princípios-garantia.

Princípios jurídicos fundamentais são aqueles historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Exemplo: proibição do excesso. Princípios politicamente conformadores são aqueles que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Exemplo: princípio do Estado Democrático de Direito. Nos Princípios constitucionais impositivos subsumem-se todos os princípios que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. Exemplo: princípio da correção das desigualdades na distribuição da riqueza. Os princípios-garantia visam instituir direta e imediatamente uma garantia dos cidadãos. Exemplo: o princípio do juiz natural.

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Diante dessa tipologia, pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana

pode ser definido como constitucionalmente conformador, e segundo o Mestre Português,

todos os órgãos encarregados da aplicação do direito devem tê-lo em conta, seja em atividades

interpretativas, seja em atos conformadores- leis, atos políticos. Segundo ensinamento de

Silva (1990, p.93),

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística de homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade individual’ ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais.

Por esse ensinamento, resta evidente que a pessoa humana para alcançar sua dignidade

deve ter acesso a todo um conjunto de direitos (primeira a quarta geração), direitos esses que

são uma conquista da humanidade.

Sarlet (2007, p.62), de forma ousada, mas de maneira brilhante, conceitua dignidade

humana, conceito este que é adotado no presente trabalho:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra a todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

O filósofo Alemão Immanuel Kant (1980) elaborou todo um pensamento sobre a

dignidade de pessoa (Fundamentação da Metafísica dos Costumes). Segundo o Filósofo, as

pessoas devem existir como um fim em si mesmo e jamais como um meio, qualquer que seja

o propósito. A pessoa tem valor por ser pessoa e não deve servir de instrumento. As pessoas

têm um valor intrínseco, são singulares, insubstituíveis. Kant vai colocar como nota

diferenciadora da dignidade humana a autonomia e essa característica está diretamente

relacionada com a idéia de liberdade. Daí a fórmula do imperativo categórico: “Aja apenas de

forma a que a sua máxima possa converter-se ao mesmo tempo em uma lei universal.” O

homem deve agir conforme uma conduta que possa ser realizada por todos os homens, e age

assim porque é dotado de racionalidade.

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Salgado (1995, p.244), ao discorrer sobre o conceito de liberdade em Kant:

A liberdade que caracteriza a pessoa e a torna fim em si mesma- ela é fim em si mesma porque ‘não se submete a outras leis senão àquelas que dá a si mesma’- é o bem maior e o único direito inato no ser racional e que, por isso, deve ser ‘distribuído’ igualmente; justo é, pois, para Kant, tudo o que promove a liberdade, o governo de si mesmo para si mesmo; injusto, o que impede a liberdade que se realiza segundo leis universais.

Em ensaio sobre os desafios aos direitos humanos no mundo contemporâneo, Oliveira

(2006, p.359) ressalta:

Assim, a dignidade ontológica do ser humano que consciente e livremente se possui a si mesmo, exige a dignidade ética do ser pessoal que assim se revela como fim em si mesmo, portanto, portador de valor absoluto e de dignidade absoluta. A conseqüência ética primeira desta consideração é que a pessoa humana se revela enquanto sujeito ético como sendo o princípio (dimensão ontológica) e fim (dimensão teleológica) de todas as instituições sociais que neste sentido são tanto sua realização como meios indispensáveis para que esta se efetive.

Essa visão kantiana de autonomia e liberdade como notas caracterizadoras da idéia de

justiça é interessante para fazermos uma reflexão a respeito da dignidade dos velhos, pois é

fato comum, perderem a autonomia e, conseqüentemente, a liberdade.

Por diversas razões, em nosso País, os velhos são tratados como cidadãos de segunda

categoria, considerados improdutivos, incapacitados e, de certa forma, são instrumentalizados,

ou seja, servem de meios para os mais devidos fins, muito deles ilícitos como por exemplo,

podemos citar a situação de velhos que vivem esquecidos em asilos e ainda são explorados

financeiramente, sem receber tratamento digno.

É obvio que o princípio da dignidade de pessoa humana é direcionado a todas as

pessoas, de todas as idades, sexo, cor, religião etc., mas devemos reconhecer a necessidade de

sua observância para mudar a situação deplorável de grande parcela da população idosa de

nosso País, por ser um grupo social vulnerável.

Segundo Piovesan (2006, p.27), “o processo de violação dos direitos humanos

alcança prioritariamente os grupos sociais vulneráveis, como as mulheres, as populações

afrodescendentes e os povos indígenas”. É evidente que podemos dizer que os velhos

constituem um grupo social vulnerável, que requer políticas públicas específicas por parte do

Estado Brasileiro.

Podemos ainda afirmar, de acordo com Lopes (2006, p.91), por sua vez embasando suas

conclusões em Kymlicka e Semprini, que os idosos representam em termos sociológicos uma

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minoria, como conceito amplo, abrangendo não apenas os grupos com características étnicas,

religiosas ou lingüísticas:

Eles são mais movimentos sociais, estruturados em torno de um sistema de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sistema de identidade ou pertença coletivos ou mesmo uma experiência de marginalização. Com freqüência é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reconhecer, ao contrário, como possuidores de valores comuns e a se perceber como um grupo à parte.

Assim, espera-se ter demonstrado a importância do princípio constitucional da

dignidade humana para a interpretação de todo o Texto Constitucional e da legislação

ordinária e sua pertinência para a proteção da minoria dos velhos.

No mesmo sentido, deve-se ressaltar que ainda na primeira parte principiológica, a

Constituição Federal declara ser objetivo fundamental da República promover o bem de

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de

discriminação e que nas relações internacionais, a República se regerá pelo princípio da

prevalência dos direitos humanos (arts. 3º, IV; 4º, III).

3.2 Os direitos fundamentais do homem

Viu-se no capítulo anterior que os direitos humanos são uma conquista histórica,

marcada por muitas lutas, e, como bem lembra Comparato (2001), fruto de muita dor e

sofrimento. E esse elenco de direitos históricos é incorporado aos ordenamentos jurídicos dos

Estados, tornando-se direito positivo. Aliás, a Declaração Francesa, de 1789, em seu art. 16,

foi bastante enfática quando declarou que “toda sociedade, na qual a garantia dos direitos

não é assegurada nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição.”

A Constituição brasileira de 1988 é uma Carta rica em assegurar direitos humanos

fundamentais, sendo considerado um texto politicamente avançado. Para se ter uma idéia do

comprometimento do legislador constituinte com a promoção e defesa dos direitos humanos,

os § 1o e 2o do art. 5o dispõem que as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata e que esses direitos e garantias expressas no Texto

Constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele

adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

parte. Esses dispositivos são de suma importância, principalmente porque, no início dos anos

1990, o Brasil aderiu aos pactos internacionais de direitos civis e políticos, e de direitos

econômicos, sociais e culturais, às convenções americanas de direitos humanos e contra a

tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

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Ao discorrer sobre o tema dos direitos fundamentais, Miranda (1988, p.12), mais

especificamente comentando dispositivo semelhante existente nas Constituições Portuguesa e

Americana, assim leciona:

[...] pode acrescentar-se que, indiretamente, a Constituição- a americana, como a portuguesa- os prevê é porque adere a uma ordem de valores (ou ela própria encarna certos valores) que ultrapassem as disposições dependentes da capacidade ou da vontade do legislador constituinte; é porque a enumeração constitucional, em vez de restringir, abre para outros direitos – já existentes ou não – que não ficam à mercê do poder político.

Resta claro, pois, que a República brasileira aderiu a uma ordem internacional de

valores, consagradora dos direitos humanos. Segundo classificação de Silva (1990, p. 165), os

direitos fundamentais consagrados pela Carta de 1988, com base no critério de seu conteúdo,

estão divididos em cinco grupos: I - direitos individuais (art. 5o); II - direitos coletivos

(art. 5o); III - direitos sociais (art. 6o e 193 e ss); IV - direitos à nacionalidade (art. 12); V

- direitos políticos (art. 14 a 17).

Uma questão de fundamental importância nesse momento é definir a natureza do

chamado direito dos idosos. É preciso dizer que há duas posições: aqueles que entendem ser

um direito social - Canotilho (2000), Silva (1990), Martinez (1997), Ramos, (2002) e outros

que entendem esse direito como expressão dos direitos de personalidade Moreno (2007),

Pereira (2006)2. Essa definição se faz necessária até mesmo para demarcar o papel do Estado

na tutela desse direito, como, por exemplo, na intervenção do Ministério Público em questões

que envolvam situações envolvendo idosos.

Para se chegar a uma resposta a essa questão, faz-se necessário diferenciar o que se

chama de direito à velhice de proteção à velhice. O direito à velhice, como expressão lógica

do direito à vida, está mais próximo de um direito personalíssimo, de cunho privado (arts.11 a

21 C.C), como propõem Moreno e Pereira; e a proteção à velhice, de um direito social, como

entendem Canotilho, Silva, Martinez e Ramos.

A melhor solução é vislumbrar essas duas dimensões dos direitos dos idosos não como

excludentes, mas como complementares, ressaltando-se que a melhor interpretação da Carta

de 1988 é a compreensão da velhice em si e de sua proteção como um direito fundamental.

Essa é a conclusão de Ramos (2002, p. 49):

2 www.mppr.com.br/teses.

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[...] a velhice é um direito humano fundamental, porque expressão do direito à vida com dignidade, direito essencial a todos os seres humanos. Ademais, a velhice cumpre uma função social de extrema importância, que é justamente a de facilitar a continuidade da produção humana na ordem dos valores, daquilo que pode justificar a vantagem de viver e assegurar a qualidade de vida.

A velhice digna é um direito fundamental e, como tal, será abordado nos cinco grupos

de direitos acima propostos por Silva (1991).

3.2.1 Direitos Individuais (art. 5º)

Direitos individuais são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo

a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade e do

próprio Estado. São eles: direito à vida, direito à liberdade, direito à igualdade, direito à

segurança, direito à propriedade.

a) Direito à vida

Não é sem motivo que a vida é elencada como o primeiro direito, pois é pressuposto

dos demais. É necessário ressaltar também que uma vida longa só tem sentido se vivida

dignamente. O sujeito só pode buscar outros direitos se tiver garantia de sua existência.

Infelizmente, em nosso País, esse direito é desrespeitado diariamente pela assustadora

violência urbana que situa o Brasil entre os campeões mundiais em homicídios.

Nos últimos 20 anos, o Brasil registrou mais de 2 milhões de mortes por causas externas

e 82% delas foram de homens. Enquanto nos anos 1980 os acidentes de trânsito eram a

principal causa externa de óbitos masculinos, na década de 1990 os homicídios assumiram a

liderança. Entre 1980 e 2000, a taxa de mortalidade por homicídios para ambos os sexos no

Brasil aumentou 130%. Esses terríveis números são revelados por Mir (2004) e mostram

letalidade da “guerra civil brasileira”. Nesse contexto é óbvio que os idosos são violados em

seu direito fundamental à vida, principalmente por constituirem um grupo social mais

vulnerável.

Em recente pesquisa sobre violência contra idosos no Brasil, promovida pela

Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Minayo (2005, p. 14)

confirma que “a natureza das violências que a população idosa sofre coincide com a violência

social que a sociedade brasileira vivencia e produz nas suas relações e introjeta na sua

cultura”.

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A violência contra idosos se manifesta em três dimensões: a) estrutural, aquela que

ocorre pela desigualdade social e é naturalizada nas manifestações de pobreza, miséria e

discriminação; b) interpessoal, nas formas de comunicação e de interação cotidiana; e c)

Institucional, na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais e pelas instituições de

assistência.

O estudo parte de uma tipologia internacional para designar as várias formas de

violências mais praticadas contra a população idosa. Essa classificação (tipologia) é

oficialmente aceita pelo Governo brasileiro, conforme demonstra o documento- Política

Nacional de Redução de Acidentes e Violências do Ministério da Saúde (2001):

a) Abuso físico, maus tratos físicos ou violência física: são expressões que se referem ao uso da força física para compelir os idosos a fazerem o que não desejam, para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte. b) Abuso psicológico, violência psicológica ou maus tratos psicológicos: correspondem a agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar os idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio social. c) Abuso sexual, violência sexual: são termos que se referem ao ato ou jogo sexual de caráter homo ou hetero-relacional, utilizando pessoas idosas. Esses abusos visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças. d) Abandono é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção. e) Negligência refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos e necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou institucionais. A negligência e uma das formas de violência contra os idosos mais presentes no país. f) Abuso financeiro e econômico consiste na exploração imprópria ou ilegal dos idosos ou ao uso não consentido por eles se seus recursos financeiros e patrimoniais. Esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar. g) Autonegligência: diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados a si mesma.

É pertinente trazer um resumo dessa violência, principalmente no que diz respeito aos

atentados à vida dos idosos. No período de 1991 a 1998, as violências e os acidentes

representaram 3,5% das causas de óbitos de idosos. Em 2000, morreram 13.436 idosos por

acidentes e violências no País, significando por dia 37 óbitos, dos quais 8884 (66,12%)

foram de homens e 4552 (33,87%) de mulheres. A violência no trânsito é que mais mata

pessoas idosas no Brasil, segundo a autora da pesquisa: “No trânsito, os idosos no Brasil

passam por uma combinação de desvantagens; dificuldades de movimentos, próprias da idade,

se somam a muita falta de respeito e mesmo a violências impingidas por motoristas e as

negligências do poder público”.

A segunda grande causa de morte violenta são as quedas. Em 2000, elas

corresponderam a 8,9 dessas mortes. Segundo a autora da pesquisa,

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Nas residências, onde vivem mais de 95% dos idosos, para se evitar quedas é preciso que as famílias cuidem de colocar dispositivos em banheiros, nos pisos e ao lado do leito, tenham a preocupação de melhorar a iluminação desses ambientes, retiram tapetes ou os mantenham de forma segura. Essas simples medidas poderiam evitar ou reduzir boa parte das ocorrências de quedas.

Há uma grande reclamação entre os idosos em relação aos arranques desferidos por

motoristas de transportes coletivos que não esperam que eles se acomodar nos assentos.

A pesquisa demonstra que essas duas causas (trânsito e quedas) fazem um ponto de

confluência entre violências e acidentes, pois, as quedas podem ser atribuídas a vários fatores:

fragilidade física, uso de medicamentos que costumam provocar algum tipo de alteração no

equilíbrio, na visão, ou estão associados à presença de enfermidades como osteoporose.

Também costumam, entretanto, ser fruto da omissão e de negligências dos que deveriam

prestar assistência nas casas, nas comunidades em que vivem.

A terceira maior causa externa de mortes violentas entre os idosos é a ocorrência de

homicídios, que segue o padrão brasileiro dos outros grupos de idade, quando observado a

partir da perspectiva de gênero: morrem mais homens do que mulheres.

A pesquisa também aponta que são elevadas as taxas de suicídio, muito mais

significativas do que a média para a população brasileira. Enquanto para o Brasil em todas as

idades as taxas foram de 3,5/100.000 em 1991 e de 4,00/100.000 em 2000, para o grupo

acima de 60 anos, elas são de 6,87/100.000 em 1991 e sobem para 7,49/100.000 em 2000. O

Estudo conclui que os números levantados são apenas a ponta do iceberg, pois retratam tão-

somente os casos registrados nos serviços de saúde e segurança pública.

Como se vê, no Brasil, a violência contra a vida do idoso é um fato, e, para haver uma

mudança dessa realidade, é necessária a participação de todos. O Estado, mediante políticas

públicas direcionadas para a proteção do idoso, como, por exemplo, a promoção de educação

para o trânsito em todos os níveis do ensino; incluir conteúdo de cuidado com idoso nas

escolas de formação de motoristas; a sociedade civil organizada, através de campanhas

educativas sobre a condição e dos direitos dos idosos; a família, por intermédio de mais afeto

e de responsabilidade com seus idosos.

Sobre a questão da violência contra o idoso, vale ressaltar um dos objetivos do Plano de

Ação Internacional para o envelhecimento, da ONU: eliminação de todas as formas de

abandono, abuso e violência contra idosos. A violência contra o idoso também foi um dos

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temas da 1a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (1aCNDPI), e foram

aprovadas 18 deliberações sobre a questão, das quais foram aqui apontadas: incentivar a

elaboração e implementação dos planos de enfrentamento da violência contra a pessoa idosa

nos Estados e municípios. O dia 15 de junho é considerado o dia mundial contra maus-tratos

a idosos.

Ao longo dos incisos do art.5o, o conceito de direito à vida vai se desenhando para o

direito a uma existência digna, em que seja respeitada a integridade física e também moral das

pessoas; a previsão de proibição da pena de morte e tortura; a Constituição declara invioláveis

a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (inciso X).

b) Direito à liberdade

A liberdade é outro direito fundamental de primeira geração. Um dos ideais da

Revolução Francesa, a liberdade do homem é conquistada a duras penas. Bobbio (2000)

discorre sobre o conceito político de liberdade, e nos fala de duas formas: negativa e positiva.

A liberdade negativa é a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser

impedido, ou de não agir sem ser obrigado, por outros sujeitos. Em razão de nossa conduta em

sociedade ser limitada por normas, pode-se dizer, nesse sentido negativo, que a liberdade

negativa significa fazer ou não fazer tudo o que as leis permitem ou não proíbam. O conceito

clássico dessa liberdade foi formulado por Montesquieu (1985): a liberdade é o direito de

fazer tudo o que as leis permitem (Do Espírito das Leis, XII, 2).

Por sua vez, liberdade positiva é a situação na qual o sujeito tem a possibilidade de

orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de tomar decisões, sem ser

determinado pelo querer dos outros. Esse conceito foi discutido há pouco, quando se

referiu ao pensamento kantiano. E, mais uma vez, faz-se uma reflexão relativa à situação dos

velhos em nosso País: quantos, efetivamente, possuem liberdade? Quantos possuem

autodeterminação? Cerca de 2% da população idosa vive internada em asilos e clínicas

(MINAYO, 2005). Quantos ali vivem contra a própria vontade? Muitos são interditados pelos

parentes com objetivos meramente financeiros. Muitos parentes brigam pela “guarda’’ dos

idosos, buscando se apropriar de seus benefícios previdenciários. Essa é a realidade que se

constata no nosso dia-a-dia do Ministério Público.

Podemos ainda falar, com apoio em Silva (1990, p.208), de formas de liberdade: I.

liberdade da pessoa física (liberdade de locomoção, de circulação); II. liberdade de

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pensamento (opinião, religião, informação, artística, comunicação do conhecimento); III.

liberdade de expressão coletiva (de reunião, de associação); IV. liberdade de ação profissional

(livre escolha e de exercício de trabalho, ofício e profissão); V. liberdade de conteúdo

econômico e social (liberdade de comércio, liberdade de autonomia contratual, liberdade de

ensino e liberdade de trabalho) .

Como se viu, a maior causa de morte violenta de idosos é o trânsito. Então, como

considerar que o idoso brasileiro tem liberdade de locomoção? E a questão da qualidade dos

serviços públicos de transporte? Sem precisar analisar uma por uma essas liberdades, resta

evidente que, de uma maneira geral, o idoso brasileiro é tolhido em suas liberdades

fundamentais.

c) Direito à igualdade

Outro direito individual garantido pela Constituição Federal é a igualdade. Também

ilustrou a bandeira da Revolução Francesa, mas que ao longo da história demonstrou que não

passaria da igualdade formal- perante a lei. O trabalhador e o burguês eram iguais perante a

lei! A crítica socialista vai pregar uma igualdade material entre as pessoas. Como muito bem

expressa Bobbio (2000, p.41)

[...] a igualdade jurídica de todos os cidadãos sem distinções de estamentos, proclamada pela Revolução Francesa, não passou, na realidade, de um instrumento de que se serviu a classe burguesa com o objetivo de liberar e tornar disponível a força de trabalho necessária ao capitalismo nascente, através da ficção útil de um contrato voluntário entre indivíduos igualmente livres. Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre individuo e o Estado.

O arcabouço constitucional brasileiro busca superar uma imensa dívida social existente

no nosso País. Como já mencionado, o Brasil é um dos países de pior distribuição de renda. O

legislador constituinte, sabedor dessa realidade, determinou ser objetivo da República

“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art.

3º, III). Reconhece, assim, a Constituição as sérias desigualdades sociais que separam os

brasileiros em cidadãos de primeira e segunda categoria.

É certo que essa desigualdade atinge, sobremaneira, aqueles grupos mais vulneráveis

como crianças e idosos. Por exemplo, quando a Carta Política garante a gratuidade nos

transportes coletivos urbanos aos maiores de sessenta e cinco anos, procura diminuir a

desigualdade entre as pessoas, pois está provado que, no Brasil, apenas 25% dos idosos

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aposentados vivem com três salários ou mais, ou seja, a maioria é pobre e miserável

(MINAYO, 2005).

Desse modo, cumpre ao Estado agir com políticas públicas diferenciadas em benefício

desses grupos. Essa é a opinião de Ramos (2002, p. 84):

Como o Brasil ainda não produziu os resultados desejáveis tendo em vista a garantia dos direitos humanos fundamentais a partir de políticas públicas, o tratamento diferenciado aos velhos não constitui qualquer lesão ao princípio da igualdade. Muito pelo contrário, é justamente a partir desse tratamento diferenciado que a eles se asseguram os mesmos direitos aos outros cidadãos que não se encontram nessa faixa etária”. Deve-se lembrar que uma das linhas mestras do Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento é a relação entre as pessoas idosas e o desenvolvimento: “As pessoas idosas devem ser participantes plenas no processo de desenvolvimento e partilhar também os benefícios que alcancem.

d) Direito à segurança

A segurança é sem dúvida um direito individual fundamental. É condição necessária ao

pleno desenvolvimento do individuo. Infelizmente, a realidade brasileira é também

assustadora em termos de segurança pública3. Lideramos o ranking do número de homicídios,

os crimes patrimoniais, principalmente furtos, roubos e estelionatos são constantes. A

extorsão mediante seqüestro tornou-se um crime comum. O trânsito é assassino. Os abusos

econômicos, financeiros e contra o consumidor são uma realidade. E tal situação não ocorre

somente nas grandes cidades. Hoje cidades pequenas do interior sofrem com a violência.

É obvio que o idoso, em decorrência de suas próprias limitações físicas, está em

situação de desvantagem no meio dessa guerra civil não declarada. O Governo Federal

sinalizou no sentido de enfrentar essa questão quando lançou, em 2005, o Plano de Ação para

o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa. Após um diagnóstico da situação, o

plano propõe ações estratégicas nos âmbitos do espaço coletivo/público, familiar e

institucional. Como se viu, o idoso sofre conseqüências terríveis em relação à insegurança no

trânsito. O Plano propõe um elenco de medidas para o setor, dentre as principais:

• campanhas de mobilização nacional sobre a situação específica dos idosos, com

foco nos motoristas de veículos de concessão pública e os privados;

• orientação para que os municípios posam adequar os sinais e os espaços de

travessia, visando à segurança de todos, mas, sobretudo, dos idosos; 3 Para melhor compreensão da questão da violência na sociedade brasileira, ver Luís Mir - Guerra Civil: Estado e Trauma. São Paulo: Geração Editorial, 2004.

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• cntrodução da temática do uso do espaço público por idosos nos cursos de

treinamento e formação de motoristas; e

• articulação com empresas de transporte público, visando ao treinamento e a

fiscalização de motoristas e cobradores em relação aos direitos, ao respeito à

proteção da população idosa em seus veículos.

No âmbito da 1a CNDPI, importante deliberação em relação à questão da segurança

pública é a de criar e/ou adequar, nas delegacias de polícia de todos os estados e municípios,

setores ou núcleos de atendimento especializado para atender a pessoa idosa, incluindo as

vítimas de violência.

e) Direito à propriedade

Por fim, tem-se como direito individual fundamental a propriedade. Coulanges (2001,

p. 66), ao discorrer sobre o direito de propriedade:

Na ‘cidade antiga’ mostra a intima relação entre a religião doméstica, a família e a propriedade: A idéia de propriedade privada estava implícita na própria religião. Cada família tinha seu lar e os seus antepassados. Esses deuses podiam ser adorados pela família e só ela protegiam; eram sua propriedade.

O Direito Canônico prega o postulado de que o homem está legitimado a adquirir bens,

pois a propriedade é uma expressão da liberdade individual. O conceito liberal de propriedade

é exposto pelo Código de Napoleão: “a propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas do

modo mais absoluto, desde que não se faça uso proibido pelas leis ou regulamentos.” (art.

544). O conceito individualista também passa pelas críticas socializantes, e hoje a propriedade

deve contemplar uma dimensão social.

A Constituição brasileira garante o direito de propriedade, mas ressalta que a

propriedade atenderá a função social (art. 5o, XXIII), que por sua vez é alçada a princípio da

ordem econômica (art. 170, III).

O idoso, como ser humano dotado de racionalidade, autonomia e liberdade, deve ter

esse direito resguardado. Em nossa prática de Ministério Público, assistimos a vários

atentados contra a propriedade e o patrimônio do idoso. Muitas são as situações em que os

filhos que querem “antecipadamente” seu quinhão hereditário, e ficam pressionando pela

venda de imóveis. Outros familiares se apropriam de benefícios sociais (aposentadoria,

pensão) do idoso. É como se o idoso não pudesse mais usufruir e administrar seus bens.

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Como destacamos, um dos tipos de violência cometida contra o idoso é o abuso

financeiro e econômico. Tais abusos ofendem o direito de propriedade do idoso. O Plano de

Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa (2005) confirma nossa

experiência profissional:

Os abusos financeiros e econômicos, que constituem a queixa mais comum nas Delegacias, SOS idoso e em promotorias especializadas do Ministério Público. Referem-se, sobretudo, a disputas pela posse de bens dos idosos ou a dificuldades financeiras das famílias em arcar com a sua manutenção. Geralmente, são cometidos por familiares, em tentativas de forçar procurações que lhes dêem acesso a bens patrimoniais dos velhos; na realização de venda de bens e imóveis sem o seu consentimento; por meio da expulsão deles do seu tradicional espaço físico e social do lar ou por seu confinamento em algum aposento mínimo em residências que por direito lhes pertencem, dentre outras formas de coação. Tais atos e atitudes visam, quase sempre, à usurpação de bens, objetos e rendas, sem o consentimento dos idosos. Os abusos financeiros por parte do próprio Estado quando frustra expectativa de direitos ou se omite na garantia desses direitos. Exemplos comuns ocorrem nas freqüentes dificuldades relacionada a aposentadorias, pensões e concessões devidas. (Grifou-se).

3.2.2 Direitos coletivos (art. 5o)

Seguindo a metodologia de Silva (1990), serão abordados os direitos coletivos, também

previstos no art. 5o da Carta Política de 1988, que são: direitos à informação, à

representação associativa, do consumidor, de reunião e de associação.

a) Direito da coletividade à informação

Vivemos na sociedade da informação. Os meios de comunicação social têm um poder

expressivo. Silva (ob. cit.) aponta a diferença entre o direito individual à informação (aspecto

da liberdade de manifestação de pensamento) do direito da coletividade à informação. O

inciso XIV do art. 5o diz ser assegurado a todos o acesso à informação. Os artigos 220 a 225

regulam a comunicação social em nosso País. Destacam-se o art. 221 e dois de seus incisos: a

produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão atenderão aos seguintes

princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; IV -

respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

O rádio e a televisão, orientados por esses princípios, devem produzir programas

direcionados ao público idoso, como, por exemplo, sobre os direitos da pessoa idosa, a saúde

do idoso etc. Aliás, essa é uma das deliberações da 1a CNDPI: estabelecer a obrigatoriedade

de criação e manutenção, na rede de televisão e rádio, de programas dirigidos à população

idosa, com conteúdos sócio-educativos, artísticos e de saúde. Esses programas terão como

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objetivo divulgar a política nacional do idoso e informar sobre as ações dirigidas à população

idosa em todas as esferas do governo, bem como o protagonismo da pessoa idosa.

Outro dispositivo que trata desse direito é o inciso XXXIII do art. 5o: todos têm direito a

receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo

ou geral, que serão prestados no prazo da lei.

b) Direito de representação associativa

A Constituição também assegurou o direito de representação associativa quando no

inciso XXI do art. 5o, diz: as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm

legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. O espírito

associativo da Constituição de 1988 é muito importante, pois foge daquela visão

individualista de sociedade. No caso dos idosos, essa possibilidade de representação

associativa é fundamental.

O idoso isolado não tem força nenhuma, mas no momento em que busca se associar a

outros idosos, certamente, contará com maior poder para reivindicar seus direitos. Como

registrado no primeiro capítulo, hoje a população idosa no Brasil é em torno de 17 milhões de

pessoas. A garantia de seus direitos pressupõe a sua organização política. Nesse sentido, um

dos objetivos do Plano Internacional para o Envelhecimento, da ONU: estimular, caso ainda

não, haja, a criação de organizações de idosos, em todos os níveis, entre outras coisas, para

representá-los nos processo de tomadas de decisões.

A 1a CNDPI reconheceu como uma das ações para a efetivação dos direitos da pessoa

idosa: fomentar a criação de associações de idosos, visando à organização de federações e

posteriormente da confederação da pessoa idosa.

No Brasil, já se conta com uma série de entidades que representam os interesses dos

idosos, dentre as quais destacamos a Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas.

No Estado do Ceará, deve-se registrar o trabalho pioneiro da Associação Cearense Pró-Idoso

- ACEPI, fundada em 1977.

c) Direitos de reunião e associação

Os direitos de reunião e associação intimamente estão ligados ao direito de

representação coletiva. O inciso XVI do art. 5o prescreve: todos podem reunir-se

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pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização,

desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo

apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. Incluem-se no conceito de reunião as

passeatas e manifestações.

Esses quatro incisos do art. 5o trazem os princípios da liberdade de associação: é plena a

liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar (XVII); a criação de

associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a

interferência estatal em seu funcionamento (XVIII); as associações só poderão ser

compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-

se, no primeiro caso, o trânsito em julgado (XIX); ninguém poderá ser compelido a associar-

se ou a permanecer associado (XX).

d) Direito do cidadão consumidor

O legislador constituinte estabeleceu que o Estado proverá, na forma da lei, a defesa do

consumidor (art. 5o, XXXII) e essa defesa foi alçada à condição de princípio da ordem

econômica (art. 170, V). Antes de se falar desse direito, se faz necessária a reflexão de

Oliveira (2006, p.332) sobre a sociedade de consumo:

Há uma difusão mundial dos produtos da cultura de massa proveniente, sobretudo, dos USA. Surgem igualmente processos que destroem a solidariedade, pois esta cultura põe o valor do dinheiro acima de todos os valores e introduz nas relações humanas os critérios, valores e métodos que são próprios do mercado. Vivemos o tempo do triunfo da mercadoria absoluta, o consumismo se faz modelo de vida e as relações humanas se degradam em meras relações de troca de objetos consumíveis de tal modo que a única identidade que sobra para o ser humano é a de ser consumidor, um ser unicamente voltado para os interesses privados e indiferente ao bem público.

Assim, depois dessa reflexão do Filósofo cearense sobre a sociedade de consumo, faz-se

necessário tecer algumas considerações sobre o idoso na condição de consumidor. O Código

de Defesa do Consumidor, Lei Federal 8.078/90, reconhece a vulnerabilidade do consumidor

no mercado de consumo (art. 4o,I), e sem dúvidas, o idoso se encontra em uma condição bem

mais vulnerável diante desse mercado. Muitos produtos podem significar perigo para a vida,

saúde, segurança e patrimônio do idoso.

Como exemplo de publicidade enganosa proibida pelo CDC (art. 37), direcionada aos

idosos, temos as de empréstimos para aposentados. Tal modalidade de publicidade

ocasionou duas moções de repúdio durante a 1a CNDPI, as de números 1 e 20. É um problema

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que afeta significativa parcela dos idosos brasileiros. Para bem retratar a questão, reproduz-se

a seguir a moção número 20:

Os (as) delegados (as) participantes da I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, realizada em Brasília-DF, nos dias 23 a 26 de maio de 2006, apresentam a Vossa Excelência a seguinte moção: Considerando que à luz do art.3o e 4o do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), é obrigação da família, da sociedade e do poder público assegurar com absoluta prioridade, entre outros direitos, a dignidade e o respeito à população idosa, bem como colocá-la a salvo de qualquer forma de negligência, violência, crueldade ou opressão, cabendo a todos, especificamente ao poder público, prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso; Considerando o crescente inadimplemento que vem afetando milhões de pessoas idosas no Brasil em razão de empréstimos consignados (com desconto em folha); Considerando que a obtenção de ‘crédito fácil constitui verdadeira armadilha’, comprometendo parcela significativa dos rendimentos de aposentados e pensionistas do INSS e dos que recebem o BPC, com o crescimento assustador da taxa de inadimplemento, traduzida na dívida do comércio nas financeiras e administradoras de cartão de crédito, tendo, inclusive, o seu nome incluído no cadastro de devedores do SPC; Considerando que vários artistas têm emprestado suas imagens, através de campanhas publicitárias veiculadas pela mídia, especialmente a televisiva, passando credibilidade à população idosa e servindo, na prática, de verdadeira indução à contratação do empréstimo consignado. Solicitam sejam adotadas, com a máxima urgência, pelo Governo Federal, através dos Ministérios da Previdência Social, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do Banco Central do Brasil e demais órgãos competentes, previdências no sentido de: a) Realizar ampla campanha publicitária, a ser veiculada especialmente nas emissoras de rádio e televisão, valendo-se inclusive da imagem de artistas de renome nacional, prevenindo a população idosa quanto aos riscos e conseqüências da contratação dos referidos empréstimos consignados; b) Criar mecanismos eficazes de informação à população idosa, alertando-a, no momento da contratação do empréstimo, acerca de seus riscos; c) Fiscalizar o cumprimento pelas instituições financeiras e/ou de créditos dos direitos do Estatuto do Idoso e do Código de defesa do Consumidor; d) Proceder a estudos relativos à conveniência da manutenção desta modalidade de crédito tendo em vista os malefícios sociais dela resultantes.

3.2.3 Direitos sociais (art. 6o e 193 e ss)

Como visto no capítulo anterior, na evolução histórica dos direitos humanos, temos o

surgimento dos chamados direitos sociais (2a geração). Enquanto os direitos individuais (1a

geração) consistem em liberdades e exigem da parte dos outros (inclusiva do poder público)

obrigações negativas, os direitos sociais consistem em poderes e exigem obrigações positivas,

principalmente por parte do Poder Público; isso para suprir carências da grande massa de

trabalhadores carentes. Os direitos sociais surgem para corrigir as distorções do sistema

capitalista de produção.

Guerra Filho (1999) observa que em vez de ‘gerações’, é melhor se falar em dimensões

de direitos fundamentais no sentido de que as gerações anteriores não desaparecem com o

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surgimento das mais novas. Assim, por exemplo, o direito fundamental à propriedade vai ter

várias dimensões de acordo com o momento histórico.

Pertinente é o conceito de direitos sociais que traz Silva (1990, p. 253): “são prestações

positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores

condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações

sociais desiguais”.

A Constituição, em seu art. 6o, enumera os seguintes direitos sociais: à educação, à

saúde, o trabalho, à moradia, o lazer, à segurança, à previdência social, proteção à

maternidade e à infância e à assistência aos desamparados. A partir do art. 193 normatiza a

ordem social, onde serão estabelecidas a Seguridade Social (art. 194 e ss) e a Família, a

criança, o adolescente e o idoso. (art. 226 e ss).

a) Direito à educação

Hoje há uma unanimidade na noção de que um dos fatores para o desenvolvimento

mundial é o investimento massivo em educação, desde a educação pré-escolar, educação

básica, ensino médio, ensino técnico e ensino superior. É de fundamental importância livrar o

homem das amarras da ignorância, da escuridão da caverna do não-conhecimento.

O conhecimento não é só importante para o desenvolvimento material do País, mas

também para a própria libertação do homem e a conseqüente afirmação e consolidação

democrática. Com certeza, nossas oligarquias até hoje não investiram em educação com

receio de perder seus privilégios feudais. A esperança da grande massa de excluídos

brasileiros passa por uma mudança nos rumos da educação. O grande educador brasileiro

Paulo Freire (2000) nos ensina:

A matriz da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano: o inacabamento de seu ser que se tornou consciente. Seria uma agressiva contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse num permanente processo de esperançosa busca. Este processo é a educação.

A asserção de Paulo Freire (2000) é ideal para retratarmos a condição existencial de

milhões de idosos que sofreram a violência política de não terem tido o direito de acesso à

educação. Muitos desses idosos morreram analfabetos, certamente, muitos tiveram em seu

intimo a certeza do inacabamento, mas a estrutura social de nosso País não permitia o acesso à

escola.

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O Censo de 2000 comprova que a maioria de nossos idosos é analfabeta, e esse dado

demonstra o fracasso e a miopia de nossas elites econômicas. Das pessoas com 60 anos ou

mais, 5,1 milhões eram analfabetos e 64,8% declararam que sabiam ler e escrever ao menos

um bilhete simples. Em relação ao gênero, os homens são, proporcionalmente, mais

alfabetizados que as mulheres (67,7% contra 62,6%, respectivamente).

O Constituinte de 1988, sabedor dessa trágica realidade, disciplinou a educação no

capítulo III, da Ordem Social (arts. 205 a 214), devendo ser ressaltados os seguintes

dispositivos:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [...] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; [...] Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e a integração das ações do Poder Público que conduzam à: I – erradicação do analfabetismo.

Uma das medidas buscadas pelo Plano Internacional para o Envelhecimento, da ONU

(2002), é “obter melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos para o ano de 2015,

particularmente para mulheres, e oferecer acesso eqüitativo à educação básica e permanente

para os adultos”. A 1a CNDPI aprovou 38 deliberações em relação à educação, das quais se

destacam:

1. Promover e garantir na rede municipal, estadual e federal, educação formal- presencial e à distância - da pessoa idosa das zonas urbanas e rurais, nos níveis fundamental, médio, superior e pós-graduação, considerando as especificidades de suas demandas e necessidades (metodologia, recursos, currículos e material didático próprios, alimentação, horário adequado, acessibilidade e profissionais qualificados para o trabalho pedagógico) e lei de financiamento específico; [...] 6. Democratizar o acesso nas Universidades da Terceira Idade, respeitando os critérios do processo seletivo vigente, de pessoas a partir de 50 anos de idade, com financiamento do poder público.

A Constituição do Estado Ceará em, seu art. 285, diz que “o Poder Público assegurará

aos idosos: [...] II - alfabetização; III – acesso aos cursos de extensão universitária,

proporcionando-lhe formas de relacionamento social”. A Lei Municipal (Fortaleza) n° 9.037,

de 21 de novembro de 2005, obriga os estabelecimentos de ensino a afixar cartazes motivando

o respeito, a atenção e a valorização do idoso.

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b) Direito à saúde

A saúde é um direito social de fundamental importância, pois, como dizia

Schopenhauer (2005), pelo menos nove décimos da nossa felicidade devem-se

exclusivamente à saúde. A Organização Mundial da Saúde - OMS conceitua saúde: “é o

estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente como ausência de

doenças ou sofrimentos”4.

Segundo a nossa Carta Política, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros

agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação (art. 196). A Constituição criou o Sistema Único de Saúde - SUS, sendo

organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e III- participação da comunidade. (art.198). [...] O Sistema Único de Saúde - SUS tem a seguinte competência: I- controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II- executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III- ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV- participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V- incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI- fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII- participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII- colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (art. 200).

Velhice não é sinônimo de doença. Muitos idosos possuem boa saúde, desempenhando

todas as suas atividades cotidianas. É lógico, entretanto, que nessa fase da vida o

aparecimento de enfermidades seja mais comum. Minayo (2005) elenca as cinco principais

enfermidades responsáveis pela morte de idosos: doenças do aparelho circulatório, as

neoplasias, as enfermidades respiratórias, as digestivas e as endócrinas.

Daí que o Estado deve dar especial atenção à saúde do idoso, devendo ser trabalhada

preventivamente, em ações simples, como, por exemplo: informações deste a juventude sobre

4 Cf. Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento da ONU (2002, p. 51).

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medidas/condutas para manter a saúde: evitar fumar, excesso de bebidas alcoólicas, prática

regular de exercícios físicos, alimentação saudável, exames médicos periódicos etc; bem

como mediante um sistema de saúde que efetivamente atenda e acompanhe o estado de saúde

do idoso, através de médicos especializados (geriatras), distribuição de medicamentos,

principalmente os de uso continuo.

O Programa Saúde da Família pode ser citado como bom exemplo de instrumento capaz

de acompanhar e garantir a qualidade de vida para a pessoa idosa. Nesse programa, uma

equipe multidisciplinar visita as famílias em seus domicílios, monitorando a estado de saúde

de cada membro do grupo.

Em nosso cotidiano ainda assistimos ao desrespeito ao direito fundamental à saúde,

situação que atinge, sobremaneira, grupos vulneráveis como crianças e idosos: hospitais

lotados e sem estrutura física e humana para atendimento digno, falta de medicamentos

básicos etc. De acordo com Caldas (1998), somente a partir de exigências das organizações

não governamentais e da sociedade em geral é que o Governo Federal formulou a Política

Nacional de Saúde do Idoso (PNSI). Esta política fundamentou a ação do setor de saúde na

atenção integral à população idosa e àquela em processo de envelhecimento, de acordo com o

que determina a Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080/90.

O Governo Federal, ao desenvolver um programa de atenção à saúde, específico para os

idosos, procurou garantir, em articulação com as secretarias de saúde dos estados, do Distrito

Federal e dos municípios, a atenção integral à saúde do idoso, entendida como um conjunto

articulado e contínuo de ações e serviços que visem à prevenção, promoção e recuperação da

saúde nos diversos níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde, bem como estimular a

participação do idoso nas diversas instâncias de controle social do dito Sistema (BRASIL,

Ministério da Saúde, 1997). Assim, o propósito fundamental da Política Nacional de Saúde do

Idoso é

A promoção do envelhecimento saudável, a manutenção e a melhoria ao máximo possível da capacidade funcional dos idosos, a prevenção de doenças, a recuperação da saúde daqueles que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacidade funcional restringida (GORDILHO, 2000, p. 24).

Como já apontado na pesquisa de Minayo (2005), o segmento idoso é acometido mais

freqüentemente pelas doenças crônico-degenerativas, que requerem longos períodos de

hospitalização, o que leva à necessidade do fortalecimento das ações preventivas de promoção

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da saúde, não permitindo que o modelo hospitalocêntrico, ora vigente, seja a base do sistema

público de saúde e venha a nortear a atenção ao idoso.

No âmbito do Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, da ONU (2002), a

saúde é ressaltada como direito do idoso:

O Idoso tem pleno direito de contar com acesso à assistência preventiva e curativa, incluída a reabilitação e os serviços de saúde sexual. O pleno acesso dos idosos à assistência e aos serviços de saúde, que incluem a prevenção de doenças, implica o reconhecimento de que as atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças ao longo da vida devem centrar-se na manutenção da independência, na prevenção e na duração das doenças e na atenção da invalidez, como na melhoria da qualidade de vida dos idosos que já estejam com incapacidade. Os serviços de saúde devem incluir a capacitação de pessoal necessária e recursos que permitam atender as necessidades especiais da população idosa.

Durante a 1a CNDPI, foram formuladas 86 deliberações sobre a saúde da pessoa idosa,

das quais se destacam: 1. Mapear e traçar o perfil epidemiológico da população idosa,

incluindo o diagnóstico sócio familiar como estratégia para o planejamento e avaliação das

ações em todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal); 34. Implementar, como

atribuição do PSF e na área de abrangência da equipe mais próxima, rotina de

acompanhamento dos idosos residentes em instituições de longa permanência, garantindo-lhes

acesso aos demais níveis de complexidade de atenção à saúde.

Para ilustrar o significado do direito à saúde do idoso, traz-se o julgado do STF, onde a

instância máxima da Justiça brasileira concede o direito de prisão domiciliar a um idoso

condenado a uma pena privativa de liberdade em razão de inexistir no cárcere condições

adequadas de assistência à sua saúde:

O fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo não enseja, por si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão de prisão domiciliar, pois a dignidade da pessoa humana, especialmente a dos idosos, sempre será preponderante, dada a sua condição de princípio fundamental da República (art. 1º, inciso III, da CF/88). Por outro lado, incontroverso que essa mesma dignidade se encontrará ameaçada nas hipóteses excepcionalíssimas em que o apenado idoso estiver acometido de doença grave que exija cuidados especiais, os quais não podem ser fornecidos no local da custódia ou em estabelecimento hospitalar adequado. (HC 83.358, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 4-5-04, DJ de 4-6-04).

c) Direito ao trabalho

O trabalho é definido pela Carta Política como direito social. A República Federativa

do Brasil tem como um de seus fundamentos os valores sociais do trabalho (art. 1o, IV). O art.

170 declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho, e a ordem social

tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem- estar e a justiça sociais. Qual o

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conceito de trabalho? Bremond, citando G. Friedmann (1988, p.352), traz o seguinte: “é o

conjunto das ações que o homem, com um objetivo prático, auxiliado pelo seu cérebro, as

suas mãos, ferramentas ou máquinas, exerce sobre a matéria, ações estas que, por sua vez,

reagem sobre o homem, modificando-o”. Sávtchenko (1987, p.7) faz a seguinte definição e

reflexão sobre o trabalho:

O trabalho é a atividade racional do homem, com a qual ele adapta os objetos da natureza, de modo a satisfazer as suas necessidades. No processo de trabalho o homem despende energia física, nervosa e mental e cria produtos necessários para sua existência. No entanto, o papel do trabalho na vida dos homens não se reduz de modo algum, a ser condição indispensável de existência e de desenvolvimento do homem e a fonte de crescimento da sua força e riqueza. Ao atuar sobre a natureza, ao trabalhar, o homem transforma-se, desenvolvendo ao mesmo tempo, a sua cultura material e espiritual e as suas aptidões físicas e espirituais.

Essa última asserção é muito pertinente em relação à categoria trabalho, pois realmente

tem um valor fundamental na existência humana, pois, pelo trabalho, o homem deveria

realizar-se material e espiritualmente. O trabalho é o fundamento ético da produção da riqueza

e não deveria alienar o homem.

No Brasil, o desemprego é uma verdadeira afronta a esse direito social. Diante da

estagnação econômica, não há geração de novos postos de trabalho, e milhões de jovens não

encontram colocação no mercado, principalmente aqueles menos qualificados. Se a situação é

difícil para o trabalhador jovem, imagine-se para os mais velhos! Em nosso País, uma pessoa

com 40 anos já encontra dificuldades em conseguir emprego, e realmente temos no

imaginário coletivo o idoso como uma pessoa imprestável para o trabalho. Moreno (2007, p.

101), ao analisar essa questão, enfatiza:

Está mais do que demonstrado que o trabalho deve ser garantido para que o idoso fique, cada dia mais, integrado na sociedade, tendo-se em vista que o trabalho dignifica o homem. O ócio compulsório passa a ser uma punição e não um prêmio. Levando muitos aposentados à depressão e ao alcoolismo. Os idosos não foram, como ainda não estão, preparados para aceitar a aposentadoria como um prêmio ou uma vitória a saboreada.

Na verdade, muitos idosos continuam a trabalhar por uma questão de sobrevivência,

pois o valor das aposentadorias no Brasil é muito baixo. Dessa forma, o idoso continua no

mercado de trabalho, principalmente no informal. Camarano (2001, p. 19) pesquisou a

participação do idoso no mercado de trabalho e constatou o seguinte:

A participação do idoso brasileiro no mercado de trabalho é alta, considerando os padrões internacionais. Isso está relacionado a uma particularidade muito específica do mercado de trabalho brasileiro, que é a inserção do aposentado. Mais da metade dos idosos do sexo masculino e quase 1/3 dos do sexo feminino que

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estavam no mercado de trabalho eram aposentados em 1998, tendo esta participação crescido no período considerado. A renda do trabalho dos aposentados tem um peso bastante significativo na sua renda e na de suas famílias.

Assim, o ideal seria que o idoso, mesmo após a aposentadoria, caso optasse, continuasse

a desenvolver uma atividade laboral. Entre nós, entretanto, via de regra, não há essa opção e,

o idoso é obrigado a exercer uma atividade a fim de complementar sua renda. O Plano de

Ação Internacional para o Envelhecimento, da ONU (2002), enfatiza:

Deve-se permitir a idosos que continuem realizando tarefas remuneradas enquanto desejem e possam fazê-lo produtivamente. De certa forma, o desemprego, o subemprego e a rigidez do mercado de trabalho impedem que isso ocorra, restringindo as oportunidades dos indivíduos e privando a sociedade de seu vigor e de seus conhecimentos. Pelas mesmas razões, o cumprimento do compromisso 3 da Declaração de Copenhague da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social, relativo à promoção do objetivo do pleno emprego, tem importância fundamental, o mesmo que as estratégias e políticas formuladas no Programa de Ação da Cúpula e as novas iniciativas para o crescimento do emprego recomendadas no vigésimo quarto período extraordinário de sessões da Assembléia Geral. É preciso que se conscientize, cada vez mais, das vantagens de ter idosos na força de trabalho.

A 1a CNDPI, em relação à temática “Financiamento e orçamento público”, traz a

seguinte deliberação: 8. Garantir a qualificação e requalificação profissional de pessoas idosas

e capacitação de profissionais que atuam em serviços voltados para esse segmento, com

recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), observando a demanda de cada

município.

d) Direito à moradia

A moradia não foi prevista como direito social no texto original da Carta de 1988,

sendo assim considerado pela Emenda Constitucional n° 26, de 14 de fevereiro de 2000. A

moradia é pressuposto para a dignidade de todas as pessoas. É fato público que no Brasil a

deficiência de moradias é enorme. São milhões de pessoas sobrevivendo em favelas, nas

grandes e médias cidades, outros milhões, em casebres de barro nas cidades do interior,

principalmente no Nordeste. Essa situação é humilhante e vexatória para todos e traz sérias

conseqüências, inclusive para a saúde das pessoas. É obvio que crianças e idosos são os mais

apenados com essa realidade cruel. O Poder Público tem a obrigação de investir maciçamente

na construção de moradias com infra-estrutura completa: ruas calçadas, saneamento básico,

energia e iluminação pública, escolas públicas, transporte público, postos de saúde etc.

Prado (2004, p. 86) relata o valor da moradia para o idoso:

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O abrigo, a proteção, o acúmulo de bens materiais são conceitos sempre associados à moradia, uma das necessidades básicas de qualquer ser humano. Em se tratando do idoso, a casa também contém o significado das conquistas e das memórias afetivas que foram sendo construídas ao longo de toda uma vida, as lembranças dos filhos que ali cresceram, dos netos que chegaram... A permanência do idoso em sua moradia é, portanto, indicado por todos os especialistas no assunto como um fator de saúde, mesmo para aqueles que apresentem dependências para a realização de algumas ou de muitas atividades da vida diária.

O Plano Internacional para o Envelhecimento, da ONU (2002), enfatiza o direito à

moradia:

Para os idosos, a moradia e o ambiente são particularmente importantes devido a fatores como a acessibilidade e a segurança, o ônus financeiro que supõe manter um lar e a importante segurança emocional e psicológica que o lar oferece. É fato reconhecido que uma moradia satisfatória pode trazer benefícios para a saúde e o bem estar.

A 1a CNDPI traz algumas deliberações em relação à moradia, entre elas: garantir

política mais justa de juros referentes ao financiamento da habitação para a pessoa idosa.

e) Direito ao lazer

Da mesma forma que o trabalho é uma necessidade humana, temos em contraposição o

lazer, que significa “o tempo de que se pode dispor sem prejuízo das ocupações ordinárias”

(HOUAISS e VILLAR, 1997). Interessante é observar o liame, a interseção de todos esses

direitos. Na vida moderna, principalmente nas grandes cidades, onde o nível de estresse nas

pessoas é muito grande, o lazer é fundamental como instrumento de otimização da qualidade

de vida. O lazer é uma necessidade ou uma expressão do próprio direito à vida (digna).

Outrossim, o lazer está relacionado com a saúde das pessoas, pois serve para aliviar, como já

dito, o estresse, o cansaço, a ansiedade nas pessoas.

Martinez (1997, p.113) aponta duas acepções de lazer e faz uma reflexão sobre a

situação do idoso:

Os dicionaristas costumam ter o lazer como período de inatividade, isto é, desocupação, lapso de tempo dedicado ao descanso, folguedo ou ócio. Mas também é encarado comissivamente o exercício de atividades lúdicas, apreciação artística (música, teatro, cinema, televisão e outras mais), viagens, enfim, idéias oblíquas e não opostas ao labor. Se o trabalho é fazer, o lazer não é, necessariamente, não fazer, incluindo esforços físicos capazes de dar satisfação, como o esporte semanal, ginástica e mesmo práticas radicais. O lazer do idoso nada tem a ver com o repouso do obreiro. Situação semelhante à da criança, durante a qual não pode ser exigida dedicação contínua, convindo desfrutar os últimos anos de vida sem o ônus de trabalhar e, de preferência, consumindo os momentos disponíveis com o devaneio da leitura, a convivência com amigos, os passeios e excursões e esforços compatíveis com a idade.

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Essa última asserção sobre o ideal de lazer para o idoso merece uma reflexão diante de

nossa realidade social: quantos idosos, realmente, têm direito, acesso ao lazer? Como se viu,

em nosso País grande parte dos idosos permanece no mercado de trabalho não por opção, mas

pela necessidade de sobrevivência. Vem a pergunta: como não ter o ônus do trabalho? Temos

grande parcela de nossos idosos analfabetos: como ter o devaneio da leitura? A maioria

sobrevive com aposentadorias miseráveis. Como passear e fazer excursões?

Parece que o direito ao lazer está reservado aos idosos de classe média. Apesar dessa

conjuntura não muito favorável ao idoso, temos algumas iniciativas louváveis, como, por

exemplo, o trabalho desenvolvido pelo Serviço Social do Comércio – SESC, que proporciona

lazer a milhares de idosos, geralmente aposentados do comércio, em todo o País. Resta

evidente que cabe ao Poder Público (Governos federal, distrital, estadual e municipal)

possibilitar o lazer para os idosos mais carentes, para isso investindo na construção de centros

de convivência, de áreas verdes (parques) nas cidades, contratando pessoal especializado para

trabalhar com a recreação de idosos etc. A 1a CNDPI trabalhou a temática Educação, Cultura

e Lazer e formulou 38 deliberações sobre esses temas, das quais, são ressaltadas:

13. Garantir, em todos os Municípios, a universalização do acesso das pessoas idosas às práticas de atividades educativas, culturais, esportivas e de lazer, adequando espaços públicos existentes, ou construindo novos, e implementando políticas públicas.

f) Direito à segurança

A segurança é elencada como direito social. Consoante Ramos (2002, p.90), o direito

social à segurança difere daquele previsto no art. 5o, pois diz respeito à segurança social que

significa “as garantias dos serviços públicos necessários a que os cidadãos não fiquem

desvalidos quando se encontrem em situação de risco, como desemprego, doença, acidente e,

até mesmo, velhice”. Nesse sentido, é que se passa à análise da previdência e da assistência

social.

g) Direito à previdência social

A Carta Política de 1988 ao tratar da Ordem Social, criou a Seguridade Social, que

compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da

sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, a previdência e à assistência

social. (art. 194) O direito social à saúde já foi alhures abordado.

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Existem três regimes previdenciários: O Regime Geral da Previdência Social

(RGPS), previsto na Constituição Federal (art. 201) e regulamentado pelas Leis n°8.212/91 e

8.213/91, o qual se aplica a todos os trabalhadores da iniciativa privada, portando a grande

massa de trabalhadores, o Regime Próprio dos Servidores Públicos, previsto no art. 40 da

Constituição Federal; e o Regime de Previdência Complementar, previsto no art. 202 da

Constituição Federal e regulamentado pela Lei Complementar n°109/01. Serão tecidas

algumas considerações sobre o primeiro dos regimes, por ser aquele que abrange a maior

parte dos idosos brasileiros, mais precisamente em relação à aposentadoria por idade.

O art. 201 da Lei Maior prescreve: a previdência social será organizada sob a forma de

regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que

preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos

eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; O § 7o, inciso I e II do mesmo artigo

da Constituição, dispõe: é assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social,

nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: I - 35 (trinta e cinco) anos de

contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher; II - 65 (sessenta e

cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, reduzido em 5

(cinco) anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam

suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o

garimpeiro e o pescador artesanal.

Apesar de ser um assunto que interessa a todos os brasileiros, a questão previdenciária é

pouco discutida e parece que não há transparência por parte do Estado no debate e

enfrentamento desse tema. Ouve-se diariamente falar sobre o deficit orçamentário da

previdência. Chegamos ao absurdo de cobrar contribuição previdenciária de servidores

aposentados (Emenda Constitucional n.41/03), e, por outro lado, também se escutam vozes

discordantes sobre a versão deficitária apresentada pelo Governo.

O então deputado estadual do Rio Grande do Sul, Jair Soares [s.d.], no artigo O que

penso sobre a Reforma da Previdência, diz:

Não há déficit na Previdência Social. O Regime Geral da Previdência apurou superávit de R$36 bilhões entre os anos de 2000, 2001 e 2002. Ademais, é oportuno lembrar que os problemas financeiros da Previdência não são causados pelo servidor público, tampouco pelo trabalhador privado. Essas causas estão ligadas a: 1) ausência de contribuição patronal, de responsabilidade dos governos da União, Estados, Municípios e Distrito Federal; 2) desvio de finalidade dos recursos com complexo previdenciário-assistencial, utilizados para financiamento de programas governamentais, fora da área específica; 3) persistente e

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crescente volume de inadimplência de empresas contribuintes para a Previdência Social, perfazendo tal item R$ 180 bilhões em 31.12.2002, fora a sonegação, cujos valores ficam próximos do R$ 1 trilhão; 4) ausência de estudos demográficos, matemáticos, estatísticos e atuariais indispensáveis à definição de um novo modelo previdenciário para o país; 5) estagnação da atividade econômica nos últimos cinco anos pelo menos,o que tem aumentado o desemprego (a maior taxa dos últimos dez anos) desfalcando a Previdência Social de receitas originadas sobre a taxação da folha de pagamento. Com isso, tem se estimulado a atividade informal na economia, em que não há formalização das relações laborais. Informações oficiais dão conta da existência de 40,2 milhões de trabalhadores nestas condições; 6) dívidas do setor público com a Previdência Social.

Salgado (2001, p.37) também é enfático em mostrar o caráter contraditório e injusto da

Previdência Social no Brasil:

A Previdência Social, até hoje, tem a característica de resistir em universalizar benefícios. E é, sem dúvida, o segmento etário idoso, mais particularmente o idoso aposentado, a maior vítima dessa perversidade, desse sistema previdenciário. Os burocratas ou, melhor, ‘os burrocratas’ da nossa Previdência Social, foram extraordinariamente ‘ingênuos’ quando organizaram essa previdência. Aliás, imbuídos da idéia da benesse, imaginaram assim: o velho brasileiro vive pouco, portanto vai se aposentar e, com certeza, vai sobreviver 5, 6 anos com a aposentadoria. Hoje, os idosos e os aposentados estão se recusando a morrer no tempo previsto, a Previdência Social faz da rubrica de pagamento dos aposentados o verdadeiro vilão da Previdência Social. E não permite de maneira nenhuma melhorar esta condição de rendimento. Por outro lado, é um sistema previdenciário absolutamente contraditório, que chega a perdoar dívidas vultosas de empresas ou de pessoas importantes, e do próprio governo, que segundo consta, é o que tem o maior número de inadimplências com a própria Previdência Social.

Apesar dessas contraposições bem arrazoadas do Deputado Gaúcho e do Estudioso do

envelhecimento, realmente a questão previdenciária é uma preocupação, mesmo nos países do

chamado Welfare State (Estado de Bem-Estar Social). Guimarães (2006, p.24) alerta para o

problema:

O envelhecimento tem diversos impactos. Um deles, o mais notável no Brasil, é o impacto da Seguridade Social. O World Bank – Banco Mundial- prevê que, entre 2020 e 2025, todos- eu disse todos – os programas de aposentadoria do mundo estarão enfrentando enormes dificuldades, já que o número de pessoas recebendo aposentadoria será muito grande e cada vez maior, e os recursos para esses programas não crescerão no mesmo ritmo.

Giddens (2001, p.128) faz uma análise no mesmo sentido:

Uma vez que as instituições e serviços comumente agrupados sob a rubrica do welfare state são tão numerosas, vou me limitar aqui a comentários sobre a seguridade social. A que o Estado do investimento social visaria em relação a seus sistemas de seguridade social? Tomemos duas áreas básicas: provisão para a velhice e para o desemprego. Com relação à velhice, uma perspectiva radical sugeriria escapar dos limites em que o debate sobre o pagamento de aposentadorias é geralmente desenvolvido. A maioria das sociedades industrializadas tem populações em processo de envelhecimento e este é um grande problema, diz-se, por causa da bomba-relógio das aposentadorias. Os compromissos com aposentadoria de alguns países, como a Itália, a Alemanha e o Japão, estão

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muito acima do que pode ser fornecido, mesmo admitindo-se um razoável crescimento econômico. Se outras sociedades, como a britânica, evitaram essa dificuldade em certa medida, é porque reduziram ativamente seus compromissos estatais com aposentadorias – na Grã-Bretanha, por exemplo, ao indexar as aposentadorias aos preços médios e não aos salários médios.

Ora, se há preocupação com a Previdência Social nos países ricos, é mais do que hora

de haver uma séria reflexão no Brasil sobre o futuro da Instituição, reflexão essa que deve

envolver todos os setores da sociedade – Governo, trabalhadores, empresários, estudiosos etc.

Existe a necessidade de se melhorar os benefícios dos aposentados brasileiros, pois, como já

alhures registrado, citando Minayo (2005, p.30), no Brasil, apenas 25% dos idosos

aposentados vivem com três salários mínimos ou mais, portanto, a maioria é pobre e mesmo

miserável.

Do mesmo modo essencial, e de fundamental importância, é a manutenção da

previdência social como patrimônio do povo brasileiro. Como dizia uma frase nas

comemorações pela passagem dos 70 anos da Previdência Social no Brasil: “A Previdência

Social não é de um partido, não é de um governo, é da sociedade, é patrimônio do povo

brasileiro”.

O Plano Internacional para o Envelhecimento, da ONU (2002), tem como uma de suas

preocupações a questão da previdência e propõe como objetivo: “Realização de programas

que permitam a todos os trabalhadores terem uma proteção social/seguridade social básica

que compreenda, quando for o caso, pensões, seguro invalidez e assistência à saúde”.

h) Direito à assistência social

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de

contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; [...] V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art.203).

Infelizmente, temos milhões de pessoas que necessitam da assistência social no Brasil,

pois, como vimos, o País é considerado um dos que apresentam grande concentração de

renda. O Brasil é um país injusto, e a assistência social é o mecanismo que tenta minorar o

sofrimento da grande massa de desvalidos.

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O art. 203 da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei n°8.742/93 (Lei Orgânica

de Assistência Social). A assistência social prestada aos idosos pelo Estado brasileiro tem

recebido muitas críticas em razão de suas deficiências. O número de profissionais

especializados é bastante reduzido para atender a grande demanda; também há carência no

número de entidades previstas no próprio regulamento da Política Nacional do Idoso

(Dec.1.948/96) e que deveriam prestar atendimento não asilar: a) Centro de Convivência; b)

Centro de Cuidados Diurno: Hospital-Dia; c) Casa-lar; d) Oficina Abrigada de Trabalho; e e)

Atendimento Domiciliar.

A concessão de um salário mínimo mensal garantido pela Constituição ao idoso carente

foi extremamente dificultada pela citada Lei Orgânica da Previdência Social - LOAS, pois

exige as seguintes condições: a) a idade de sessenta e cinco anos ou mais, comprovada

mediante certidão de nascimento ou outro documento legal; b) o não-exercício de qualquer

atividade remunerada, mediante atestado fornecido pelo conselho de Assistência Social, por

assistente social com situação regularizada no seu conselho profissional ou, então, por juiz,

promotor, delegado de polícia ou um comandante militar; e c) percepção de renda mensal

familiar, por pessoa, menor do que um quarto (1/4) do salário mínimo, utilizando-se para a

comprovação a Carteira Profissional atualizada, um contracheque de pagamento ou

documento expedido pelo empregador, o carnê de contribuição para o INSS ou, ainda, extrato

de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo INSS ou regime outro de previdência

social. Para concessão do benefício, serão considerados integrantes do grupo familiar: a) o

requerente, os pais e os irmãos menores de 21 anos ou inválidos; e b) o requerente, o marido,

a esposa e os filhos menores de 21 anos ou inválidos que vivam sob o mesmo teto e os

equiparados a essas condições.

Moreno (2007, p.128) critica os parâmetros legais para a concessão do beneficio (BPC):

Percebe-se, contudo, que a Lei Federal n°8.742/93 através do seu artigo 20, § 3°, criou empecilho à efetividade do dispositivo constitucional. De acordo com essa lei, além do idoso ter que comprovar a insuficiência de recursos para a sua subsistência, terá que comprovar também que sua família não possui renda superior a ¼(um quarto) do salário mínimo vigente.

Resta patente a insatisfação do movimento social organizado dos idosos com esse

dispositivo legal, como se observou, pelo teor das deliberações tomadas perante a 1a CNDPI:

1. Ampliar o acesso ao BPC para a pessoa idosa observando os seguintes critérios: Reduzir a

idade para 60 anos; aumentar a renda per capita para ½ do salário mínimo; não computar,

para o cálculo da renda per capita, recebimento assistencial ou previdenciário de até um

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salário mínimo recebido por outro idoso do grupo familiar; não computar, no cálculo da renda

familiar per capita, o BCP recebido por pessoa com deficiência do grupo familiar; incluir 13a

parcela na concessão do BPC. 2. Ampliar os canais de informação sobre o BPC e desenvolver

trabalho educativo de modo a garantir a ampliação do acesso a esse benefício, especialmente

de idosos residentes em povoados rurais.

O Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, da ONU (2002), estabeleceu

como um de seus objetivos: Oferecer assistência e serviços contínuos, de várias fontes, a

idosos e às pessoas que prestam assistência.

i) O idoso no contexto familiar (art. 226 e ss)

A proteção ao idoso não foi incluída no art. 6o, da Constituição federal, como espécie

de direito social, mas a opinião mais abalizada entende que tem essa natureza (CANOTILHO;

SILVA; MARTINEZ; RAMOS). Uma interpretação sistemática do Texto Constitucional nos

leva a localizar esse direito no âmbito da Ordem Social, quando a Lei Maior trata da

seguridade social e da sociedade familiar.

A família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado (art.226). A Carta

Política de 1988 diz em seu art. 229: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos

menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência

ou enfermidade”.

O art. 230 ressalta a co-responsabilidade da família, da sociedade e do Estado na defesa

da dignidade e do bem-estar dos idosos: “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de

amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua

dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

A família é de fundamental importância na vida de qualquer pessoa, pois é o primeiro

espaço de socialização, onde são estabelecidos os valores e de certa forma a própria

identidade pessoal. Bosi (1994, p.425) ressalta a força do vínculo familiar:

De onde vem, ao grupo familiar, tal força de coesão? Em nenhum outro espaço social o lugar do indivíduo é tão fortemente destinado. Um homem pode mudar de país; se brasileiro, naturalizar-se finlandês; se leigo, pode tornar-se padre; se solteiro, tornar-se casado; se filho, torna-se pai; se patrão; torna-se criado. Mas o vínculo que o ata à sua família é irreversível: será sempre o filho da Antônia, o João do Pedro, o ‘meu Francisco’ para a mãe. Apesar dessa fixidez de destino nas relações de parentesco, não há lugar onde a personalidade tenha maior relevo. Se,

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como dizem, a comunidade diferencia o indivíduo, nenhuma comunidade consegue como a família valorizar tanto a diferença de pessoa a pessoa.

A Constituição Federal, ao reservar à família essa responsabilidade para com os seus

idosos, confirma um fato histórico, pois, ao longo dos tempos, o grupo familiar tem essa

atribuição. A família é responsável por satisfazer as necessidades físicas, psíquicas (afetivas)

e sociais dos seus idosos, principalmente quando apresentam algum comprometimento em sua

autonomia e independência. No Brasil, 98% dos idosos residem com seus familiares e apenas

2% encontram-se internadas em asilos e clínicas (MINAYO, 2005). Não é por outro motivo

que o § 1o do art. 230 determina que os programas de amparo aos idosos serão executados

preferencialmente em seus lares.

As condições familiares e a própria família, entretanto mudaram muito ao longo dos

tempos. A família, antes numerosa, transformou-se na família nuclear; as mulheres, que antes

cuidavam do espaço doméstico, foram absolvidas pelo mercado de trabalho, não podendo

mais cuidar das crianças e de seus idosos.

Aqui entra o papel do Estado, mais precisamente na assistência, para que essas famílias,

principalmente as mais pobres (no Brasil, a maioria), possam manter com dignidade os seus

idosos. O Estado deve criar uma rede de apoio (serviços sociais e médicos) que favoreça a

permanência dos idosos em suas famílias e comunidades. Alcântara (2004, p.23), citando Neri

& Sommerhalde, esclarece:

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (1999), aproximadamente 1/5 da população idosa dos países desenvolvidos dispõe de uma rede de apoio formal, isto é, serviços médicos e sociais. Somente 1/3 desses cuidados formais são prestados em instituições e 2/3 são fornecidos no domicílio. Esses dados permitem afirmar que se busca facilitar a permanência dos velhos em suas casas e comunidade.

Esse dado demonstra que nos países desenvolvidos existe uma rede formal de

proteção à pessoa idosa que prioriza a sua permanência na família e comunidade. No Brasil,

temos a seguinte situação: as famílias, apesar de todas as adversidades sociais e conflitos

intergeracionais, permanecem com seus idosos, restando ao Estado a dívida de tecer essa rede

social de proteção que até o presente momento é apenas uma promessa.

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j) A gratuidade nos transportes coletivos urbanos

O § 2o do art. 230 da Constituição Federal estabelece que aos maiores de sessenta e

cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. Por esse dispositivo, O

Estado garante o direito de ir e vir do idoso no espaço urbano.

Tal dispositivo é direcionado à maioria da população idosa em nosso País, que é pobre e

não tem como custear essa despesa. Como expressamos há pouco, as aposentadorias no Brasil

são miseráveis, e talvez essa garantia de gratuidade nos transportes públicos seja uma forma

de compensar tal situação. Inclusive, em recente decisão (19.9.2007), o Supremo Tribunal

Federal julgou improcedente Ação direita de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação

Nacional das Empresas de Transportes Urbanos contra o art.39, caput, da Lei 10.741/2003

(Estatuto do Idoso), que nada mais faz do que explicitar esse direito constitucional, ou seja,

garantir a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos aos maiores

de 65 anos. O Informativo nº480 do STF diz:

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos - NTU contra o art. 39, caput, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que garante a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos aos maiores de 65 anos. Salientando que a norma do § 2º do art. 230 da CF é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, entendeu-se que o legislador ordinário nada mais fez que dotar de efetividade um dos direitos sociais do idoso [...] Aduziu-se, também, que mesmo nos contratos de concessão ou permissão assinados antes da promulgação da Constituição, em respeito à garantia do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, os delegados dos serviços de transporte municipal e intermunicipal apenas poderiam requerer a alteração dos contratos para cobrir-se, financeiramente, com os ônus comprovados em planilha sobre o uso dos transportes delegados pelos idosos. Acrescentou-se que, após a promulgação da Constituição da República, todos os concessionários e permissionários estão submetidos às suas normas, não podendo, desde então, alegar que não sabiam do direito dos idosos ao transporte coletivo gratuito. Dessa forma, a compensação pela gratuidade de transporte coletivo urbano aos idosos, pleiteada pela requerente, além de não prevista na Constituição Federal, só seria admitida se fosse comprovado prejuízo real para as empresas em regime de concessão ou permissão, ante um desequilíbrio extraordinário e inesperado, o que não ocorrera, haja vista ser habitual, entre concessionários e permissionários, a previsão dos custos e dos lucros. (ADI 3.768, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19-9-07, Informativo 480.

Como se vê, há incompreensão e resistência por parte dos empresários de transportes

coletivos em acatar um direito que foi deferido aos idosos, primeiramente pelo Texto

Constitucional e depois pelo Estatuto do idoso. A decisão do STF vem em boa hora e garante

um direito importante para nossos idosos, pois, como já relatado, a maioria é hipossuficiente.

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3.2.4 Direitos à nacionalidade (art. 12)

Ainda seguindo a nomenclatura proposta por Silva (1990), temos como direito

fundamental a nacionalidade, tratada no artigo 12 da Carta de 1988. Silva (1990, p.279) traz o

conceito de nacionalidade formulada por Pontes de Miranda: “é o vinculo jurídico-político de

Direito Público interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão

pessoal do Estado”.

Segundo esse Constitucionalista, no Direito Constitucional brasileiro os termos

nacionalidade e cidadania (nacional/cidadão) têm significados diversos. Nacional é o

brasileiro nato (art. 12, I) ou naturalizado (art. 12, II) e cidadão é o brasileiro no gozo seus

direitos políticos e participante da vida pública (art. 14).

Em relação ao direito à nacionalidade, não temos maiores indagações a fazer em relação

aos idosos, entretanto, é preciso lembrar, a relação que o Estado mantinha com os seus

nacionais realmente mudou em demasia diante da perspectiva da possibilidade da proteção

internacional dos direitos humanos. Nesse sentido, pode-se vislumbrar a seguinte hipótese:

um idoso é ofendido em um de seus direitos fundamentais pela omissão do Estado brasileiro,

como, por exemplo, a vida. A família procura uma indenização por meio do Poder Judiciário

e não obtém uma resposta satisfatória. Pode essa família, em tese, procurar uma tutela na

Corte Interamericana de Direitos Humanos. Piovesan (2006, p.12) leciona:

Fortalece-se a idéia de que a proteção dos direitos humanos não deve reduzir-se ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional [...] Prenuncia-se, desse modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania.

Assim, temos que ter a compreensão de que o idoso deve ter direitos também protegidos

na esfera internacional, na condição de sujeito de direitos.

3.2.5 Direitos políticos (arts. 14 a 17)

Os direitos políticos são fundamentais em um Estado Democrático de Direito, pois é

pelo exercício desses direitos que os cidadãos interferem nos rumos do Estado, e,

conseqüentemente, na qualidade de suas próprias vidas. A Constituição traça as diretrizes dos

direitos políticos a partir de seu art.14. Estabelece que a soberania popular será exercida pelo

sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos. Essa soberania será

exercida mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. Estabelece também as regras do

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alistamento eleitoral e do direito ao voto. Diz a Carta Magna que o voto é facultativo para os

maiores de setenta anos.

Nesse capítulo, a Constituição trata ainda das condições de elegibilidade e

inelegibilidade, cassação de direitos políticos e, por fim, fixa normas gerais em relação aos

partidos políticos.

No que diz respeito ao voto facultativo para os maiores de setenta anos, Ramos (2002,

p.97) entende que tal disposição é contrária aos interesses dos idosos:

Não parece ter sido pertinente, diante de uma sociedade que marginaliza os velhos, a Constituição de 1988 ter garantido a faculdade de o idoso votar a partir dos setenta anos, à medida que essa previsão, ao invés de contribuir para a efetiva participação destes no processo político, pode estimular justamente a sua apatia.

Dallari (2003) entende diferente, e que o legislador constituinte partiu do pressuposto de

que muitas pessoas nessa idade se encontrarão fisicamente debilitadas, e, assim, ficam

dispensadas de passar pelas intempéries de um dia de eleição e deslocar-se às urnas, em

respeito à sua condição idosa.

A opinião de Ramos (2002) parece estar em melhor consonância com o Plano de Ação

Internacional para o Envelhecimento, da ONU (2002), pois é um de seus objetivos:

participação de idosos nos processos de tomada de decisões em todos os níveis.

A propósito da participação política das minorias no Brasil, Lopes (2006) acentua que

diversas minorias brasileiras têm esse direito limitado por motivos discriminatórios, apesar da

Carta Política de 1988 garantir a todos o direito fundamental à igualdade, e exemplifica duas

situações discriminatórias envolvendo idosos. Pela pertinência e relevância dos exemplos, que

mostram, claramente, a visão preconceituosa da instância máxima da Justiça Eleitoral em

nosso País em relação aos idosos. A seguir transcreve-nos na íntegra:

No caso dos idosos, situação polêmica foi levantada quando, no § 6o do art.80 da Resolução TSE n° 21.538, de 14 de outubro de 2003, determinou-se o cancelamento do título de eleitor das pessoas maiores de oitenta anos que não tivessem votado por três eleições consecutivas, com base no argumento da presunção de estarem mortas. Essa disposição não apenas violava a norma constitucional que garante o exercício do voto facultativo aos eleitores maiores de 70 anos (art. 14, § 1o, II, ‘b’), mas refletia uma política claramente preconceituosa, e até ofensiva, contra os idosos. Neste caso, o Tribunal Superior Eleitoral teve que recuar e suprimir acertadamente a norma discriminatória da citada Resolução. Por outro lado, a Resolução TSE 21.920, de 19 de setembro de 2004, estabeleceu algumas normas eximindo de sanção no caso do descumprimento do ‘[...] alistamento eleitoral e o voto dos cidadãos portadores de deficiências,

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cuja natureza e situação impossibilitem ou tornem extremamente oneroso o exercício de suas obrigações eleitorais’. Embora não se possa negar o aspecto positivo da preocupação da Justiça Eleitoral com um grupo minoritário da sociedade brasileira, duas considerações devem ser feitas: a) paralelamente à isenção de sanções para os portadores de deficiência que descumpram com a obrigação de alistar-se ou de votar, deveriam também ser tomadas providências para garantir que todos os locais de alistamento e votação cumprissem minimamente com o estabelecido no §2o do art.227, da Constituição Federal, que determina a adaptação de logradouros e prédios de uso público e de veículos de transporte coletivo, para o acesso das pessoas portadoras de deficiência; b) a mencionada Resolução inclui, a priori, as pessoas maiores de setenta anos no grupo dos portadores de deficiências refletindo, novamente, a errada concepção de idade avançada como símbolo de alguma incapacidade.

As duas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exprimem uma violência

institucional contra a pessoa idosa e desrespeito à própria Constituição Federal. Como criar

uma presunção de morte pelo fato de o idoso não ter votado por três eleições consecutivas?

Ora, o voto, nesse caso, não é uma faculdade? E confundir velhice com deficiência também

reflete um preconceito do órgão máximo eleitoral brasileiro.

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4 A PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DO IDOSO: A POLÍTICA NACIONAL E O ESTATUTO DO IDOSO

A atenção à velhice como uma questão de direito não é uma preocupação recente, pois

foi reconhecida no Brasil Colonial (1794), quando o Conde de Resende (V Vice-Rei)

escreveu uma carta à Coroa de Portugal, defendendo a idéia de que os soldados velhos

mereciam uma velhice digna e descansada, isto é, o direito de ter um final de vida tranqüilo

pelos serviços prestados à Pátria.

De importância histórica também foi a lei sancionada pelo imperador D. Pedro II em 28

de setembro de 1885 que deu liberdade aos escravos de mais 65 anos de idade, tendo sido

nomeada Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida popularmente como Lei do sexagenário

(VIANNA, 1980).

Em compilação de atos legislativos de 1917 a 2000, Barroso (2001) registrou 53 leis,

decretos, resoluções e portarias onde os idosos são mencionados como sujeitos de direitos e

de proteção social em nosso País.

As recentes leis n° 8.842, de 04 de janeiro de 1994, regulamentada pelo Decreto n°

1.948, de 03 de julho de 1996, e n°10.741, de 1o de outubro de 2003, que criaram,

respectivamente, a Política Nacional do idoso e o Estatuto do Idoso são fruto dessa

evolução legislativa, e, sem qualquer dúvida, são hoje as principais leis ordinárias de proteção

da pessoa idosa.

4.1 Antecedentes históricos da política nacional e do Estatuto do Idoso

No Brasil, a Gerontologia surge do interesse de instituições e de pessoas que já

desenvolviam, de certa forma, um trabalho de atendimento à população idosa, haja vista a

preocupação com a falta de iniciativas a esse segmento e a escassez de estudos no País,

especialmente em comparação com outros Estados.

Convém enfatizar que, até os fins da década de 1960, as ações direcionadas aos mais

velhos em nosso País, tinham todo um caráter caritativo. Quer dizer, quem assumiu de fato a

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questão do idoso ao longo da história foram os grupos religiosos e as entidades

filantrópicas.

A Lei Eloy Chaves (Decreto-Legislativo n°4.682, de 24 de janeiro de 1923) foi a

primeira norma a instituir no Brasil a previdência social, com a criação de caixas de

aposentadoria e de pensões para os ferroviários, de nível nacional. Tal fato se deu em razão

das manifestações gerais dos trabalhadores da época e da necessidade de conciliar capital e

trabalho diante de um setor estratégico e importante da mão-de-obra daquele tempo.

Em termos constitucionais, somente a Carta de 1934, no título dedicado à Ordem

Econômica e Social, dispôs no art. 121, § 1o, que a legislação do trabalho deveria garantir

assistência previdenciária, mediante contribuição igual da União, do empregador e do

empregado, a favor inclusive da velhice. Ramos (2002) lembra que, mesmo com esse

dispositivo, o direito à velhice digna era restrito a determinados segmentos de trabalhadores,

como, por exemplo, aos da indústria e comércio. Era a época dos institutos por categoria

profissional: o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC, 1934); Instituto

de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (AIPB, 1934); Instituto de Aposentadoria e

Pensões dos Industriários (IAPI, 1936) e outros.

A Constituição de 1946 sistematizou a matéria previdenciária, que foi incluída no

mesmo artigo, o qual tratava do Direito do Trabalho (art. 157).

Em 1973, é regulamentada a aposentadoria, por velhice, pelo Ministério do

Trabalho e Previdência Social, (Lei 5.890, de 8 de julho de 1973), sendo beneficiário o

segurado que tivesse 65 anos de idade ou mais, no caso dos homens e 60 anos de idade ou

mais, com relação às mulheres.

Já em 1974, por conta da mobilização dos profissionais que despertaram para o

problema dos mais velhos, inválidos e incapacitados para o trabalho, instituiu-se a Lei

6179/74 - a Renda Mensal Vitalícia (caráter assistencial), a tão chamada aposentadoria

dos velhos, beneficiando os maiores de 70 anos com o valor de 60% do salário mínimo do

local do pagamento. A origem desta lei é fruto da assessoria prestada por Marcelo Salgado,

assistente social do SESC/SP, gerontólogo e epidemiólogo, então recém-chegado da França,

onde estudou a questão do envelhecimento.

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Seguindo a trilha da história, com o apoio do relato da assistente social e gerontóloga

Nara Rodrigues Costa (2001), convém mencionar um fato de inegável presteza à causa da

velhice no País. Trata-se de uma iniciativa do então Ministro da Previdência, Luiz Gonzaga

do Nascimento e Silva. No ano de 1976, o referido Ministro convocou a Brasília Marcelo

Salgado a fim de saber sobre a velhice brasileira. Esse profissional deu seu parecer, tendo

como conseqüência a realização de três seminários promovidos pelo MPAS (Ministério

da Previdência e Assistência Social) nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e

Fortaleza, com a finalidade de analisarem a situação do idoso nessas regiões.

Desses seminários, foi organizado no mesmo ano, em Brasília, um seminário nacional,

objetivando formular um diagnóstico para a questão da velhice em nosso País e apresentar as

linhas básicas de uma política de assistência e promoção social do idoso, incorporado num

documento de suma importância, chamado: Políticas para a Terceira Idade – Diretrizes

Básicas. Esse diagnóstico mostrou a figura do idoso marginalizado empobrecido, sem

nenhuma perspectiva no sentido de realizar seus sonhos, restando a espera pela morte.

Assim, começam a implantar no Brasil as primeiras atividades para idosos não

institucionalizados, reforçando a idéia de que a imagem do idoso triste e sem função social

poderia ser substituída pela daquele idoso que se dedica a atividades de lazer, descartando o

abandono e a solidão, condição esta tão associada aos problemas de quem envelhece na nossa

sociedade.

Com a saída do Ministro, a questão da velhice não foi retomada pelo seu sucessor,

porém, a sociedade civil ou, mais precisamente, os técnicos e os idosos, não enfraqueceram a

mobilização, o que ocasionou a fundação de várias associações em todo o País.

A primeira a ser criada foi a ACEPI – Associação Cearense Pró- Idosos, no ano de

1977. Pode-se imaginar que neste período o idoso nem se configurava como uma

preocupação nas pautas das políticas públicas. Numa palestra, a presidente e fundadora da

ACEPI, Maria José Barroso, a Mariazinha, como a maioria a conhece, reflete que, quando

começou a luta pela causa do idoso, era jovem e hoje, já velha, continuando na luta, percebe

que os frutos não serão nossos, mas dos nossos netos e bisnetos. Quem sabe, estes não

poderão viver uma velhice mais decente!

A ACEPI surgiu da preocupação na emergência de providências em favor da velhice no

Nordeste, além da reivindicação dos direitos dos idosos, mediante realização de ciclos e

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debates sobre a terceira idade, encontros nacionais, fóruns e encontro de dirigentes de

instituições que trabalhavam com o segmento idoso.

Ainda em 1977, o Instituto Nacional de Previdência Social - INPS coordenava a

capacitação voltada para os profissionais que atendiam o público idoso, repassando essa

responsabilidade para a Legião Brasileira de Assistência – LBA em 1978.

É importante lembrar que no ano de 1979, o Ministério da Previdência e Assistência

Social – MPAS publicou portaria que orientava sobre as formas de apoio sócio-psicológico,

prestação de serviços, indenização às instituições asilares, tendo em vista as propostas dos

profissionais da Gerontologia.

Durante e após os anos de 1980, em todo o Brasil, as associações se ampliaram,

havendo uma tomada de consciência por parte dos profissionais e também dos idosos, que

passaram a estudar, discutir e refletir os problemas da velhice no País, sendo incontáveis os

eventos realizados desde a década de 1960.

Em 1982, o SESC/SP (Pompéia) realiza o I Encontro Nacional de Idosos, com

representações deste grupo de todo o País, denotando assim que as pessoas organizadas

detinham poder para exigir e pressionar, uma vez que, sem as reivindicações, não se via

alguma iniciativa por parte do Governo. Como prova disto, podemos citar que a conquista

pela gratuidade das passagens para os idosos surgiu desse encontro.

Já em 1984, no II Encontro Nacional de Idosos (SP), reunindo em torno de doze mil

pessoas, foi elaborada a Carta de Declaração dos Direitos dos Idosos Brasileiros, sendo

sugerido que se criasse o Conselho Estadual do Idoso, o qual foi instituído em 1986 naquele

Estado.

A participação dessa entidade em prol dos direitos dos idosos faz parte da história da

Gerontologia do País, desde o início. É impossível falar em Gerontologia no Brasil sem

mencionar a grande contribuição do SESC do Estado de São Paulo, e tampouco, de

profissionais como Marcelo Salgado, Maria Barroso, Edith Mota, Nara Rodrigues.

Em 1985, foi fundada a Associação Nacional de Gerontologia – ANG, porque sentiu a

necessidade de se criar uma associação que unisse todos os profissionais que trabalhavam

com o idoso, uma vez que a Sociedade Brasileira de Geriatria, tendo à frente médicos que

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atendiam pacientes idosos, não se reuniam com profissionais de outras áreas, reduzindo a

problemática da velhice somente ao aspecto da doença.

Vale lembrar que, em 1987, este grupo, além de agregar os médicos, passa a contar com

outros profissionais de nível superior, passando-se a chamar, então, Sociedade Brasileira de

Geriatria e Gerontologia – SBGG.

Na efervescência de todos esses movimentos, em 1986, a ACEPI realiza o I Fórum

Nacional de Gerontologia, dando origem à Carta dos Direitos dos Idosos.

Em 1987, no III Encontro Nacional de Idosos (Santos), comparecendo três mil idosos,

registra-se outro acontecimento relevante no que se refere à inclusão deste grupo no espaço

dos direitos sociais, pois foram colhidas assinaturas para a elaboração da Constituição de

1988, a chamada “Constituição cidadã”, sendo a primeira a contemplar os mais velhos

no seu texto.

Ainda em 1987, ocorreu o Colóquio Internacional sobre a Política do Envelhecimento,

percebendo-se como era preciso a realizar estudos sobre a velhice

No ano de 1988, são realizados o II Fórum Nacional de Gerontologia, promovido pela

ACEPI, e o Seminário franco-brasileiro sobre o envelhecimento (ACEPI/ANG/SESC).

Chegando a 1989, a ANG realizou três seminários – em Goiânia, São Luiz e

Florianópolis, sendo levadas propostas para o Seminário O idoso na sociedade atual, em

Brasília, de onde se originou o documento Políticas para a terceira idade, nos anos 90.

A então ministra, Margarida Procópio, recebeu esse documento em 1990, o qual foi

analisado por uma equipe de trabalho, representada por órgãos governamentais e não

governamentais, eleitos pelo então Presidente Fernando Collor de Melo. De acordo com

Maria Barroso, este foi o primeiro presidente a dar atenção à questão do idoso.

Assim, o documento foi concluído, sendo resumido como Plano Preliminar para a

Política Nacional do Idoso, dando origem à Lei 8.842 (04/01/1994), publicada no governo de

Itamar Franco e regulamentada pelo decreto 1948 (03/07/1996), assinado por Fernando

Henrique Cardoso.

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Em 1997, a ANG, em parceria com a ACEPI, realiza o V Fórum Nacional de

Gerontologia e o 1o Fórum Nacional da Política Nacional do Idoso, com o patrocínio do

Ministério da Previdência e Assistência Social CNAS/SAS e Governo do Estado do Ceará.

Como se vê, a feitura da lei (Estatuto do Idoso), que reconheceu a plena cidadania do

idoso, surgiu mais de 20 anos depois de que foi anunciado o aumento da população idosa (1a

Assembléia da ONU sobre Envelhecimento, de 1982), além das repercussões que esta nova

situação representaria para a sociedade mundial.

Com dez anos da Política Nacional do Idoso, tem vigência em 2004, o Estatuto do

Idoso (Lei 10.741 – 01/10/2003), também fruto de toda a mobilização da sociedade civil, que

sempre fez parte da trajetória pela luta de uma velhice decente.

4.2 A política nacional do idoso - PNI

A Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994, criou a Política Nacional do Idoso e foi

regulamentada pelo Decreto n°1.948, de 3 de julho de 1996. Essa Lei teve como principais

articuladores entidades civis, destacando-se a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e técnicas, como a Associação Nacional

de Gerontologia (ANG) e a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

A Lei é composta de 22 artigos e estruturada nos seguintes capítulos: Capítulo 1- Da

Finalidade; Capítulo 2- Dos Princípios e das Diretrizes; Capítulo 3- Da Organização e Gestão;

Capitulo 4- Das Ações Governamentais; Capitulo 5- Do Conselho Nacional; Capitulo 6- Das

Disposições Gerais.

A finalidade da Lei é assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para

promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade (art. 1o). A Lei

considerou idoso a pessoa maior de sessenta anos de idade (art. 2o).

Reafirmando preceito Constitucional (art. 230), elege a família, a sociedade e o Estado

como responsáveis (provedores) pela efetiva participação do idoso na comunidade, bem

como, defesa de sua dignidade e bem-estar e direito à vida (art. 3o, I). O envelhecimento é um

fenômeno social e, assim, todos devem ter informações sobre esse processo (art. 3o, II). O

inciso III, do art. 3o, reforça o comando constitucional da isonomia ao dispor que o idoso não

deve sofrer discriminação de qualquer natureza. O inciso IV reconhece o idoso como sujeito

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responsável pela efetivação da lei, e o inciso V afirma o caráter heterogêneo da velhice,

como ressaltamos no capítulo primeiro deste trabalho.

O art. 4o elenca nove diretrizes a serem observadas pelos responsáveis (família,

sociedade e Estado) pelo sucesso da Política Nacional do Idoso. São recomendadas

atividades alternativas, visando à integração intergeracional (I); é reforçado o direito

fundamental à associação mediante organizações representativas dos idosos visando o

acompanhamento pelos próprios interessados desde a formulação, implementação e avaliação

de políticas públicas, programas, projetos etc. (II); reafirma o § 1o do art. 230 da Constituição

Federal ao eleger a família como principal lócus de atendimento ao idoso (III); a

descentralização político-administrativa das políticas públicas para o idoso (IV); a

necessidade de capacitação nas áreas de geriatria e gerontologia, bem como, na prestação de

serviços (V); a implementação de um sistema de informações de todos os programas,

projetos, planos ofertados ao segmento idoso nas três esferas de governo (federal, estadual e

municipal) (VI); a criação de mecanismos para a divulgação de informações sobre os

aspectos biopsicossociais do envelhecimento (VII); a priorização do atendimento ao idoso

em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família.

Como veremos, essa prioridade, no estatuto do idoso, caberá a todo idoso, não somente

aos hipossuficientes (VIII); o apoio aos estudos e pesquisas acerca do envelhecimento. O

parágrafo único do art. 4o proíbe a permanência de portadores de doenças que necessitem de

assistência médica ou de enfermagem permanente em instituições asilares de caráter geral.

O art. 5o confere ao Ministério da Previdência e Assistência Social a Coordenação

da Política Nacional do Idoso. A esse órgão máximo da gestão da PNI compete: I -

Coordenar as ações relativas à PNI; II - participar na formulação, no acompanhamento e na

avaliação da PNI; III - promover as articulações intraministeriais e interministeriais

necessárias à implementação da PNI; IV - elaborar a proposta orçamentária no âmbito da

promoção e assistência social, e submetê-la ao Conselho Nacional do Idoso (art. 8o).

A lei estabeleceu a criação de conselhos nacional, estaduais e municipais do idoso,

órgãos permanentes, paritários e deliberativos, compostos por organizações governamentais e

não governamentais, com a competência de formulação, coordenação, supervisão e

avaliação da Política Nacional do Idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-

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administrativas (arts. 6o e 7o). Em decorrência, entretanto, dos vetos aos arts. 11 a 18 da PNI,

a criação do Conselho Nacional do Idoso foi inviabilizada, o que se deu somente em 2002.

A Lei, por fim, determina ainda os setores e as diretrizes para as ações governamentais

nas quatro esferas da Federação (União, Distrito Federal, Estados e municípios): promoção e

assistência social; saúde; educação; trabalho e previdência social; habitação e humanismo;

justiça; cultura, esporte e lazer.

Após 10 (dez) anos da lei que instituiu a Política Nacional do Idoso, surge o Estatuto do

Idoso, Lei n°10.741, de 1o de outubro de 2003, fruto de intensa mobilização do movimento

social dos idosos e que propõe conferir dignidade a esse segmento da população, conforme

será visto no tópico seguinte.

4.3 O Estatuto do Idoso

O núcleo da presente dissertação é o Estatuto do Idoso, mas não vamos fazer uma

análise detalhada de todos os seus dispositivos. A intenção é trazer uma abordagem da sua

occasio legis, trazer um perfil geral da norma a partir do objetivo especifico: A ANÁLISE

DO SISTEMA DE GARANTIAS DOS DIREITOS DOS IDOSOS NO ESTADO DO

CEARÁ. Esclarecemos, com Saut (2005), que sistema de garantias é o conjunto de órgãos

públicos responsáveis pela efetivação dos direitos.

O sistema de garantias previsto no Estatuto é composto pelas seguintes

instituições/órgãos: Conselhos do Idoso, SOS Idoso, Sistema Único de Saúde - SUS, Sistema

Único de Assistência Social - SUAS, Vigilância em Saúde, Poder Judiciário, Defensoria

Pública, Ministério Público e Polícia Civil. Acredita-se que a eficiência desse Sistema de

Garantias é condição sine qua non para a efetividade dos direitos da pessoa idosa. Vale

ressaltar, que o tema da 1a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa foi justamente:

Construindo a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa.

A partir da análise da legislação estadual e do Município de Fortaleza, bem como de

outros textos legais será feita a configuração do sistema de Garantia dos direitos dos idosos do

Estado do Ceará. Tal análise também levará em conta nossa atuação nas Promotorias de

Justiça no interior do Estado. Como já dito, a fim de melhor orientar a leitura e compreensão

do texto será incorporada a referida legislação em forma de anexos.

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4.3.1 A occasio legis do Estatuto do Idoso

Já relatamos que os antecedentes históricos do Estatuto do Idoso são marcados por lutas

e intensas mobilizações do movimento social do idoso. A idéia do Estatuto nasce, de certa

forma, da crítica em relação à falta de efetividade e não-realização de inúmeras medidas de

proteção e ações previstas na Lei que instituiu a Política Nacional do Idoso, Lei 8842/94. A

proposta de uma lei que trouxesse uma proteção específica ao grupo de pessoas idosas (grupo

social vulnerável) também foi formada a partir da experiência social do Estatuto da Criança e

do Adolescente.

Assim, surgiram no Congresso Nacional dois projetos de lei de Estatuto do Idoso: o

primeiro deles em 1997, de autoria do deputado e atual senador pelo Estado do Rio Grande do

Sul, Paulo Paim, cujas linhas mestras haviam sido elaboradas em conjunto com a Federação

de Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul e Confederação Brasileira das

Federações de Aposentados e Pensionistas. A segunda foi proposta em 1999, pelo então

deputado pelo Estado de Santa Catarina, Fernando Coruja.

Em 2001, a Câmara dos Deputados constitui Comissão Especial composta de vários

deputados pertencentes a vários partidos políticos para examinar as propostas ou projetos de

lei, que tratavam do Estatuto do Idoso. O movimento social do idoso é convidado pela

Comissão para participar dos debates, fato que legitimou o processo legislativo,

principalmente pela ativa participação dos representantes dos cinco fóruns regionais da

política nacional do idoso: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, bem como, de outras

várias organizações não-governamentais de idosos de todos os estados brasileiros.

Diante dessa mobilização social, foi organizado em Brasília um Seminário sobre o

Estatuto do Idoso, contando cerca de 500 participantes que resultou em rica contribuição ao

Projeto do senador Paulo Paim, considerado o mais pertinente com os interesses dos idosos, e,

somados esses esforços, o Projeto foi aprovado após dois anos de tramitação no Congresso,

em outubro de 2003, com vigência a partir de 1o de janeiro de 2004.

Vale lembrar que a Campanha da Fraternidade da CNBB - Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil de 2003 teve como lema o idoso e a Rede Globo, em uma de suas

novelas, Mulheres Apaixonadas, explorou os maus-tratos sofridos por um casal de idosos por

uma neta.

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4.3.2 Perfil geral do Estatuto do Idoso, com suporte na análise do sistema de garantias dos direitos no Estado do Ceará

O Estatuto do Idoso, Lei Federal n°10.741, de 1o de outubro de 2003, possui 118

(cento e dezoito) artigos e entrou em vigor no dia 1o de janeiro de 2004. É estruturado em 07

títulos na seguinte ordem: Título I - Disposições Preliminares; Título II - Dos Direitos

Fundamentais, Capítulo I - Do Direito à Vida, Capítulo II - Do Direito à Liberdade, ao

Respeito e à Dignidade, Capítulo III - Dos Alimentos, Capítulo IV - Do Direito à Saúde,

Capítulo V - Da Educação, Cultura, Esporte e Lazer, Capítulo VI - Da Profissionalização e do

Trabalho, Capítulo VII - Da Previdência Social, Capítulo VIII - Da Assistência Social,

Capítulo IX - Da Habitação, Capítulo X - Do Transporte; Título III - Das Medidas de

Proteção, Capítulo I - Das Disposições Gerais, Capítulo II - Das Medidas de Específicas de

Proteção; Título IV - Da Política de Atendimento ao Idoso, Capítulo I - Disposições Gerais,

Capítulo II - Das Entidades de Atendimento ao Idoso, Capítulo III - Da Fiscalização das

Entidades de Atendimento, Capítulo IV - Das Infrações Administrativas, Capítulo V - Da

Apuração Administrativa de Infração às Normas de Proteção ao Idoso, Capítulo VI - Da

Apuração Judicial de Irregularidades em Entidades de Atendimento; Título V - Do Acesso à

Justiça, Capítulo I - Disposições Gerais, Capítulo II - Do Ministério Público, Capítulo III -

Da Proteção Judicial dos Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Indisponíveis ou

Homogêneos; Título VI - Dos Crimes, Capítulo I - Das Disposições Gerais, Capítulo II - Dos

Crimes em Espécie, Título VII - Disposições Finais e Transitórias.

Como já expresso, abordaremos o Estatuto do Idoso a partir do Sistema de Garantias

dos Direitos da Pessoa Idosa que é composto pelos seguintes órgãos/entidades: Conselho do

Idoso, SOS Idoso, Sistema Único de Saúde - SUS, Sistema Único de Assistência Social -

SUAS, Vigilância em Saúde, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e

Polícia Civil.

O ponto a ser considerado, antes da análise do sistema de garantias dos direitos da

pessoa idosa se refere ao conceito legal de pessoa idosa, considerada aquela a partir de 60

(sessenta) anos (art.1o). Tal conceito está de acordo com orientação das Nações Unidas,

conforme relatado no capítulo primeiro desta dissertação.

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a) Os Conselhos Nacional, Distrital, Estaduais e Municipais do Idoso

Logo no art. 7o, o Estatuto determina que os Conselhos Nacional, Estaduais, do Distrito

Federal e Municipais previstos na Lei 8842/94 zelarão pelo cumprimento dos direitos do

idoso. Afora essa atribuição, o art.53 do Estatuto deu nova redação ao art. 7o da Lei 8842/94

(PNI) e fixou a competência dos Conselhos para a supervisão, o acompanhamento, a

fiscalização da Política Nacional do Idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-

administrativas.

Essa mudança demonstra o interesse do legislador em atribuir aos conselhos uma

função fiscalizadora e de controle social das políticas públicas voltadas para os idosos.

Parece mais correto, ou seja, a formulação das políticas públicas cabe ao Estado (órgãos

gestores), por meio dos ministérios e secretarias responsáveis nas diferentes esferas da

Federação (União, estados, Distrito Federal e municípios), sempre ouvindo a sociedade civil.

Daí a importância das conferências para a formulação e avaliação das políticas públicas para

os mais diversos setores da sociedade: crianças, mulheres, índios, idosos etc. Como ressaltado

no capítulo 2, a 1a CNDPI se deu em 2006 e o resultado de suas discussões constitui subsídio

obrigatório para a formulação das políticas públicas para a pessoa idosa.

Pereira (2005, p.10) ressalta a importância política dos conselhos gestores no Brasil e

os caracteriza como instrumentos da democracia direta:

Com base na Constituição da República vigente, promulgada em 5 de outubro de 1988, tal forma de organização colegiada vem procurando, desde então, realizar a combinação entre democracia direta e democracia representativa, preceituadas no art. 1o, Parágrafo único, da referida Constituição, nos seguintes termos: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.

Os arts. 11 a 18 da LPNI, que criavam o Conselho Nacional do Idoso, foram vetados

pelo Presidente da República, o que inviabilizou sua instalação, fato que ocorreu somente oito

anos depois, quando o Decreto Federal n°4.227, de 13 de maio de 2002, criou o Conselho

Nacional dos Direitos do Idoso-CNDI, na estrutura do Ministério da Justiça, sendo órgão

consultivo, competindo a ele supervisionar e avaliar a Política Nacional do Idoso.

Posteriormente, o Decreto Federal n°5.109, de 17 de junho de 2004, dispôs sobre a sua

composição. No âmbito do Estatuto, é ainda atribuição dos conselhos:

a) receber dos profissionais de saúde denúncias de suspeitas ou confirmação de maus-tratos contra idoso (art.19, III, IV e V). Competência dos Três Conselhos; b) estabelecer a forma de participação do idoso no custeio de entidades filantrópicas ou casa lar (art.35, § 2o). Conselho Municipal;

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c) receber a inscrição dos programas de assistência ao idoso de entidades governamentais e não-governamentais (Parágrafo único do art.48). Em regra, Conselho Municipal, e em sua falta, Conselho Municipal. d) fiscalizar as entidades governamentais e não-governamentais de atendimento ao idoso (art.52). Competência dos três Conselhos.

No Estado do Ceará, o Conselho Estadual do Idoso foi criado pelo Decreto n°26.963,

de 20 de março de 2003 (D.O.E, de 24.03.2003), sendo vinculado à Secretaria de Ação Social

– SAS, com uma série de atribuições, entre elas a de aprovar a Política Estadual do Idoso

bem como as ações de interesse da população idosa (art. 1o, I). O Conselho Estadual é

composto de 12 (doze) membros titulares e respectivos suplentes. Os representantes do Estado

são indicados pelas seguintes Secretarias: Ação Social, Saúde, Educação Básica, Cultura,

Ouvidoria Geral e do Meio Ambiente e Procuradoria Geral de Justiça. As organizações da

sociedade civil são eleitas em fórum especialmente convocado para esse fim, e atualmente

compõem o CEDI-CE: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – SBGG; Ordem dos

Advogados do Brasil - OAB Secção Ceará; Lar Torres de Melo; Serviço Social do Comércio

– SESC-Ce; Associação Cearense Pró - Idosos - ACEPI; Associação das Primeiras Damas dos

Municípios do Estado do Ceará – APDMCE.

Segundo lição de Pereira (2005), o instrumento adequado para a criação dos conselhos é

a lei ordinária, no caso, de iniciativa do Poder Executivo, diante do entendimento de que os

conselhos são órgãos colegiados vinculados à Administração Pública e, por isso, devem

integrar a estrutura de uma Secretaria. Como se viu, no Ceará, o Conselho foi criado por um

Decreto, situação que deveria ser corrigida.

Dos 184 (cento e oitenta e quatro) municípios cearenses, somente 36 (trinta e seis)

criaram seus conselhos municipais, segundo informa o Conselho Estadual (2007). São eles:

Acopiara, Alto Santo, Apuiarés, Aracati, Araripe, Boa Viagem, Canindé, Cariré, Carnaubal,

Caririaçu, Cedro, Coreaú, Crateús, Crato, Fortim, Hidrolândia, Horizonte, Icapuí, Itatira,

Iguatu, Itapiúna, Iracema, Juazeiro do Norte, Jucás, Maranguape, Moraújo, Pacatuba, Potengi,

Russas, São João do Jaguaribe, São Luiz do Curu, Sobral, Solonópole, Tauá, Tianguá e

Viçosa do Ceará.

O número de conselhos municipais no Estado do Ceará ainda é bastante reduzido, e esse

fato traz um prejuízo em relação a supervisão, acompanhamento e a fiscalização da política

municipal do idoso. Fato grave é a capital do Estado, Fortaleza, não contar com o Conselho

Municipal do Idoso, apesar de já criado pela Lei Municipal n°8.913, de 22 de dezembro de

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2004. Essa omissão deve ser reclamada pelo movimento social dos idosos, e por instituições

do próprio sistema de garantias, como o Ministério Público e Conselho Estadual do Idoso.

A esse respeito, o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Ceará editou a

Recomendação n.2, de 12 de fevereiro de 2007, orientando a atuação dos promotores de

justiça do Estado do Ceará no sentido de verificar a criação, instalação e funcionamento dos

conselhos municipais do idoso. Recomenda, no caso de existência dos conselhos, a adoção de

medidas legais para obrigar aos municípios a criá-los e dota-los de estrutura material mínima

para o desempenho de suas funções.

b) SOS – Idoso

O Estatuto do Idoso não previu nem tratou explicitamente do SOS - Idoso, mas

estabeleceu que são linhas de ação da política de atendimento ao idoso: serviços especiais de

prevenção e atendimento às vítimas de negligências às vítimas de negligência, maus-

tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão (art. 47, III).

O SOS – Idoso, também conhecido por Alô idoso ou Disque-idoso, é exatamente um

desses serviços, na verdade um instrumento de prevenção e facilitador de apuração de

violências contra a pessoa idosa. O Governo do Estado do Ceará mantém o serviço de Alô-

idoso pelo número 0800.850022 e está vinculado à Ouvidoria do Estado.

No Município de Sobral, o serviço Disque Idoso foi criado em 2002, numa parceria da

Prefeitura Municipal, Ministério da Justiça, PNUD, Diocese, Uva e Associação Pró-idosos. O

serviço ofertado em Sobral disponibiliza informações, orientações, realiza visitas e faz os

devidos encaminhamentos à rede de apoio social do idoso (PSF, Ministério Público, Corpo de

Bombeiros, Polícia Civil, INSS, Guarda Municipal, Centro de Apoio Psicossocial e Conselho

Municipal do Idoso) nos casos de violência e desrespeitos aos direitos da pessoa idosa.

c) Sistema Único de Saúde - SUS

No terceiro capítulo, abordou-se o direito fundamental à saúde e demonstrou-se a

importância do Sistema Único de Saúde – SUS. O Estatuto reforça essa importância do SUS,

e, nos arts. 15 a 18, traça as linhas mestras do Direito à saúde da pessoa idosa.

Preconiza o Estatuto que é assegurada a atenção intergral à saúde do idoso, por

intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantido-lhe o acesso universal e igualitário,

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em conjunto articulado e contínuo de ações e serviços, para a prevenção, promoção,

proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam

preferencialmente os idosos (art.15). A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão

efetivadas por meio de:

I- cadastramento da população idosa em base territorial; II- Atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios; III- unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social; IV- atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios urbano e rural.

O Capítulo referente à saúde recebe elogio de Neri (2005, p.17):

Contém um conjunto de disposições muito bem articuladas, que refletem uma compreensão adequada e realista do fenômeno velhice e bioética. Apresenta um conjunto de ações funcionais à administração de cuidados em saúde aos idosos. Toca em questões importantes do ponto de vista organizacional, tais como o cadastramento das pessoas idosas e a criação de serviços ambulatórias, hospitalares e de atendimento domiciliar, os primeiros a serem ofertados pelo SUS e os últimos por instituições públicas, filantrópicas e sem fins lucrativos. Focaliza duas questões cadentes que circulam cotidianamente pelos nossos meios de comunicação de massa: a distribuição gratuita de medicamentos, próteses e órteses e a discriminação dos idosos nos planos saúde. Mostra boa compreensão e boas atitudes em relação ao conforto emocional dos idosos, a ser facilitado pela presença de um acompanhante. Assegura aos idosos a liberdade de escolha e regula a questão da interdição legal. Menciona a necessidade, por parte de instituições de saúde, de atender a um padrão mínimo de adequação às necessidades dos idosos, de capacitar profissionais e de orientar cuidadores familiares e grupos de auto-ajuda. Ao que parece, profissionais bem-formados e realistas da área de saúde assessoraram os legisladores e o resultado foi bom.

A Constituição do Estado do Ceará, em seu art.285, inciso I, diz que o Poder Público

assegurará aos idosos o acesso aos serviços de saúde com atendimento humanitário,

especializado e integrado, inclusive a distribuição de medicamentos, próteses, órteses e

implementos.

No Estado do Ceará, ainda é muito restrita e deficiente a assistência a saúde do idoso.

Coelho Filho (s/d, p. 1) enfatiza que:

Os serviços de saúde têm sido tradicionalmente organizados para atender as demandas dos segmentos mais jovens da população, especialmente aquelas relacionadas à área materno-infantil. As necessidades do idoso, por conseguinte, com todas suas particularidades, não têm feito parte da agenda de saúde do Brasil, o que viola os princípios de universalidade e equidade do SUS.

Deve-se destacar o trabalho realizado pelo Centro de atenção ao Idoso, do Hospital

Universitário Walter Cantídio da UFC, que desenvolve ações visando à atenção integral às

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pessoas idosas. O Centro realiza cerca de 1.300 (um mil e trezentas) consultas por mês,

encaminhando os idosos aos diferentes serviços das redes municipal (Fortaleza) e estadual. É

ainda, referência no tratamento da doença de Alzheimer e outros tipos de demência. São

oferecidos pelo Centro os serviços de Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Nutrição

Serviço Social.

O Centro de Atenção ao Idoso da UFC conta com os seguintes projetos de extensão: a)

Projeto Bem-viver, conduzido por estudantes da Faculdade de Medicina, com várias ações

voltadas às pessoas idosas; b) Projeto de Apoio ao Familiar Cuidador de Pacientes com

Demência; c) Estágio Multidisciplinar em Geriatria e Gerontologia, com participação de

profissionais de diferentes áreas da saúde; d) Programa de Rádio Novas Idades, realizado

todos os sábados, das 11 às 12h, na Rádio Universitária FM (107,9 Mhz), focalizando

aspectos de saúde e qualidade de vida com vistas à promoção da longevidade saudável; e)

Projeto de Atenção à Saúde Bucal do idoso.

d) Sistema Único de Assistência Social - SUAS

As diretrizes da assistência social no âmbito do Estatuto estão traçadas nos art. 33 a 36.

A assistência social aos idosos será prestada, de forma articulada, conforme os princípios e

diretrizes previstas na Lei Orgânica da Assistência Social, na Política Nacional do Idoso, no

Sistema Único de Saúde e demais normas pertinentes (art. 33). O Estatuto reduziu a idade

para início do recebimento do Benefício de Prestação Continuada – BPC, para 65 (sessenta e

cinco) anos, sendo que antes era de 67 (sessenta e sete).

Importante medida é prevista no art. 35 do Estatuto, que determina a obrigatoriedade

das entidades de longa permanência, ou casa-lar, de firmar contrato de prestação de serviços

com a pessoa idosa abrigada. No caso de entidades filantrópicas, ou casa-lar, é facultada a

cobrança de participação do idoso no custeio da entidade, cabendo ao Conselho Municipal

do Idoso ou ao Conselho Municipal de Assistência Social estabelecer essa forma de

participação, que não poderá exceder a 70% (setenta por cento) de qualquer benefício

previdenciário ou de assistência social percebido pelo idoso (§§ 1o e 2o).

O estabelecimento da obrigatoriedade de contrato e percentual de contribuição entre

instituições de longa permanência e idosos procura protegê-los de possíveis abusos

financeiros. .

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No Estado do Ceará, existem 25 (vinte e cinco) entidades de longa permanência em

funcionamento, conforme dados do Conselho Estadual do Idoso (2007): Município de

Acopiara: Casa do Idoso Convívio da 3a idade; Município de Aurora: Cantinho do Sossego

e Associação dos Vicentinos; Município de Canindé: Lar São José (misto); Município de

Fortaleza: Lar Torres de Melo (misto), Casa de Nazaré (feminino), Casa de São Vicente de

Paula (feminino), Casa do Idoso Emaús (feminino), Casa da Feliz Idade (misto), Abrigo São

Pedro Julião, Recanto Sagrado Coração (feminino) e Unidade de Abrigo- Secretaria da Ação

Social - SAS-Ce. (misto); Município de Horizonte: Lar da Vovó Ingraça (misto); Município

de Juazeiro do Norte: Albergue Sagrada Família, Casa do Idoso, Lar do Ancião Feliz I, Lar

do Ancião Feliz II, Albergue André Luiz e Abrigo Santo Antônio; Município de

Maranguape: Instituto dos Pobres de Maranguape; Município de Milagres: Casa do idoso

Abmel; Município de Quixeramobim: Casa do Ancião Santo Antônio de Pádua; Município

de Redenção: Lar Irmã do Calvário; Município de Sobral: Abrigo Bom Samaritano e

Abrigo Sagrado Coração de Jesus.

Essas entidades que desenvolvem programas de institucionalização de longa

permanência devem obedecer os seguintes princípios (art. 49): I - preservação dos vínculos

familiares; II - atendimento personalizado e em pequenos grupos; III - manutenção do idoso

na mesma instituição, salvo em caso de força maior; IV - participação do idoso nas atividades

comunitárias, de caráter interno e externo; V - observância dos direitos e garantias dos idosos;

VI - preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade.

O art. 50 do Estatuto elenca 17 (dezessete) obrigações a serem observadas pelas

entidades de atendimento (governamentais e não governamentais), e, caso não as cumpram,

ficarão sujeitas às penalidades previstas no art.55, sem prejuízo da responsabilidade civil e

criminal de seus dirigentes.

O legislador deu especial atenção às entidades de atendimento ao idoso, especialmente

as que desenvolvem programas de institucionalização de longa permanência, isso pelas

notícias de ocorrência de maus-tratos contra os idosos nesses locais. Um caso que chamou

atenção de todo o País ocorreu em 1996, na Clínica Santa Genoveva, Rio de Janeiro, quando

156 (cento e cinqüenta e seis) idosos morreram de problemas nutricionais e de falhas de

assistência médica.

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O Estatuto traça as diretrizes para a formulação da Política de Atendimento ao Idoso

(art. 47). São linhas de ação da política de atendimento:

I- políticas sociais básicas, previstas na Lei n°8.842, de 4 de janeiro de 1994; II- políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que necessitem; III- serviços especiais de prevenção e atendimento às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV- serviço de identificação e localização de parentes ou responsáveis por idosos abandonados em hospitais e instituições de longa permanência; V- proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos dos idosos; VI- mobilização da opinião pública no sentido da participação dos diversos segmentos da sociedade no atendimento ao idoso.

Cabe no Estado do Ceará, como expresso no art. 33 do Estatuto, a articulação das três

esferas de Governo (federal, estadual e municipal) para o desenvolvimento de programas e a

manutenção de instituições voltadas para a formulação e execução de políticas públicas de

assistência social para a pessoa idosa. A Constituição do Estado do Ceará, em seu art. 282,

inciso III, obriga o Estado a implementar uma política social para os idosos. A Lei Estadual

n°13.243, de 25.07.2002 (D.O.30.07.02), instituiu a Política Estadual da Terceira Idade, que

tem como objetivo assegurar os direitos sociais do Idoso (art. 1o). A política Estadual da

terceira idade deve ser articulada mediante várias políticas setoriais, sob a coordenação da

Secretaria do Trabalho e Ação Social, com a participação dos Conselhos Estadual e

Municipal do Idoso.

A Lei Estadual n°13.473, de 20.05.04 (D.O. de 25.05.04), instituiu a Semana

Estadual do Idoso, que será comemorada de 25 de setembro a 1o de outubro (dia

internacional do Idoso) de cada ano. São objetivos dessa semana: I - estimular as atividades

físicas e mentais nas pessoas idosas; II - conscientizar o idoso de sua importância, como fonte

de experiência e importante papel na construção de uma sociedade com maior qualidade de

vida; III - sensibilizar os diversos segmentos da sociedade sobre o papel e a respectiva

importância do idoso. Durante essa semana, o Poder Executivo estadual, por meio de seus

órgãos competentes, promoverá atividades, como palestras, cursos, “shows”, atividades

médicas e exames laboratoriais para a promoção dos idosos.

A Lei Complementar Municipal (Fortaleza) n° 18, de 30 de junho de 2004, instituiu

o Centro de Referência do Idoso que tem como finalidade o atendimento à população idosa,

com o engajamento em atividades de lazer, atendimento médico e de assistência social. Esse

centro está funcionando no bairro da Serrinha.

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A Lei Municipal (Fortaleza) n° 9.005, de 14 de setembro do 2005 (D.O. 31.10.05),

também instituiu a semana do idoso, com texto semelhante à Lei Estadual. A Lei Municipal

(Fortaleza) n°8.752, de 07 de agosto de 2003 (D.O. 13.08.2003), estabeleceu que o Município

de Fortaleza comemorará o Dia do Idoso no dia 27 de setembro de cada ano.

e) Vigilância em Saúde

Como visto no capítulo terceiro desta dissertação, a vigilância em saúde é uma das

atribuições constitucionais do SUS (art. 200, II, CF/88), mas em razão da estrutura do

Estatuto, esse serviço público é abordado individualmente como um dos serviços que

compõem o sistema de garantias dos direitos da pessoa idosa.

Segundo o Estatuto, é competência da Vigilância Sanitária : a) receber a inscrição dos

programas de atendimento das entidades governamentais e não-governamentais de assistência

ao idoso (Parágrafo único, art. 48); b) fiscalizar as entidades governamentais e não-

governamentais de atendimento ao idoso (art. 52).

Assim, no Estado do Ceará, as 25 (vinte e cinco) entidades de longa permanência

elencadas no item anterior deverão inscrever seus programas na Vigilância Sanitária, e ainda

receber a fiscalização desse mesmo órgão.

A Vigilância Sanitária deverá observar se as entidades de assistência ao idoso oferecem

instalações físicas adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança (art.48,

Parágrafo único, I).

f) Poder Judiciário

Sem dúvidas, o Poder Judiciário tem importância crucial na efetivação dos direitos da

pessoa idosa, pois será necessária a sensibilidade desse órgão para que os direitos previstos

na Constituição Federal, Estatuto do Idoso e outras leis sejam ou não observados. O Estatuto

do idoso é uma lei que visa a proteger uma minoria desprivilegiada, e, com certeza, muitos de

seus dispositivos trarão conflitos, principalmente por envolver questões financeiras.

Podemos citar os seguintes exemplos de questões conflituosas geradas pelo Estatuto:

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a) o Estado (Poder Executivo) se vê obrigado a atender as demandas na área de saúde

previstas no art.15, §1o 2o, o que certamente vai acarretar a não-aplicação de recursos em

benefícios de outros segmentos; e

b) o setor privado também deverá arcar com obrigações geradas pelo Estatuto, como os

planos de saúde, diante da vedação da discriminação do idoso pela cobrança de valores

diferenciados em razão da idade (art. 15, § 3o), e os serviços de transporte, diante da

gratuidade e descontos para idosos no sistema de transporte coletivo interestadual (art. 40).

Esses dois dispositivos já foram levados ao Poder Judiciário e, certamente são

polêmicos e estão sub judice. O § 3o do art. 15, que veda a discriminação do idoso nos

planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade, revela uma

face cruel da realidade de nosso sistema público de saúde. Milhões de pessoas, entre elas

velhos, se vêem obrigadas a contratar um plano de saúde privado diante da precariedade dos

serviços públicos de saúde. É sabido também que muitas dessas empresas cometem abusos

contra o direito desses consumidores, tais como aumentos abusivos, limitações absurdas na

utilização de serviços, prestação de serviços precários etc.

Todas essas condutas abusivas devem ser combatidas pelos órgãos de defesa do

consumidor e pela Justiça. Devemos reconhecer, entretanto, que é durante esse período da

vida (velhice), que em tese, com maior freqüência as pessoas recorrerão aos serviços de saúde

e, conseqüentemente, trarão um custo maior para os planos de saúde. Nessa linha de

raciocínio, mesmo defensores dos direitos da pessoa idosa, como Ramos (2002), apontam a

inconstitucionalidade desse dispositivo, considerando correta a interpretação de que deve

haver limites para a cobrança das mensalidades dos idosos, e de que elas podem ter acesso a

todos os serviços ofertados para as outras faixas etárias.

Outra consideração sobre esse dispositivo é que sua aplicação acarretaria o aumento

acentuado das mensalidades dos planos de saúde de pessoas de outras faixas etárias, situação

que poderá acirrar os ânimos dos mais jovens, intensificando a intolerância e os preconceitos

contra os idosos. Por outro lado, há autores (JESUS, 2005; NOVAIS, 2006) que defendem a

constitucionalidade do dispositivo e acreditam que ele, realmente, combate a discriminação

contra o idoso.

Na realidade, o movimento social dos idosos e as instituições do sistema de garantias

devem buscar a melhoria do Sistema Público de Saúde para que haja a real efetividade do

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direito à saúde, e os recursos de milhões de idosos que hoje são gastos com planos de saúde

sejam direcionados para outros fins.

Quanto ao direito à gratuidade e desconto no sistema de transporte coletivo

interestadual, a Associação Brasileira das Empresas de Transportes Terrestres de Passageiros

- Abrati vem questionando o dispositivo, o que vinha inviabilizando até a sua efetivação. O

noticiário do Supremo Tribunal Federal do dia 12.01.2007 informa o “último capítulo” dessa

“novela”:

A concretização dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República deve amparar o idoso economicamente hipossuficiente. Com essa afirmativa, o Ministro Gilmar Mendes garantiu, até decisão final em ação ordinária ajuizada no TRF da 1a Região, a gratuidade no transporte interestadual de passageiros prevista na Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso). A decisão é do dia 5 de janeiro, quando o Ministro estava no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), e foi tomada no pedido de Suspensão de Segurança (SS 3052) feito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Esses dois exemplos demonstram claramente o papel decisivo do Poder Judiciário para

a concretização dos direitos da pessoa idosa.

Ainda no âmbito do Estatuto do Idoso, o Poder Judiciário tem todo um conjunto de

competências. No título referente às Medidas de Proteção, cabe ao Poder Judiciário, a

requerimento do Ministério Público, determinar as seguintes medidas em favor do idoso

(art.45):

I- encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade; II- orientação, apoio e acompanhamento temporários; III- requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar; IV- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação; V- abrigo em entidade; VI- abrigo temporário.

Essas medidas poderão ser aplicadas sempre que verificada qualquer das hipóteses do

art. 43, ou seja, a pessoa idosa seja ameaçada ou violada em seus direitos por ação ou omissão

da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de

atendimento, ou em razão de sua condição pessoal.

O Poder Judiciário também será chamado a intervir no Processo de Apuração Judicial

de Irregularidades em Entidades de Atendimento (arts. 64 a 68 do Estatuto), podendo, em

situações em que haja motivo grave, decretar o afastamento provisório do dirigente da

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entidade ou medidas outras que julgar adequadas, para evitar lesão aos direitos do idoso,

mediante decisão fundamentada (art. 66).

O Estatuto do Idoso dispõe de um título dedicado ao Acesso à Justiça (arts. 69/71), no

qual se destacam os dispositivos que prevêem a possibilidade de criação de varas

especializadas e exclusivas do idoso (art. 70), e assegura a prioridade na tramitação dos

processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure

como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em

qualquer instância (art. 71)

A prioridade na tramitação dos processos no âmbito do Poder Judiciário é uma

conquista merecida e justa aos idosos. Infelizmente, nossa Justiça é muito criticada por sua

morosidade, levando anos para solucionar um litígio. A pessoa que chegou à velhice não pode

ficar esperando tanto tempo para ver o seu caso resolvido. A demora na solução, inclusive,

traz sérios problemas de saúde: ansiedade, angústia, desânimo, depressão etc. Mais do que

justa é essa prioridade. Imaginem, quantos idosos esperam, por exemplo, decisões judiciais

acerca de revisões de valores de aposentadorias? Alencar (2006, p.340) enfatiza o significado

desse direito:

A prioridade de tramitação para a pessoa idosa não significa que esta seja mais digna que as demais pessoas, nem que o princípio da dignidade da pessoa humana só se aplique aos idosos. Não. Em verdade, para se entender que a relação entre prioridade de tramitação para as pessoas idosas e o primado do homem atende ao postulado da isonomia, deve-se ter presente a noção do princípio da diferença, consistente em uma distribuição que melhore a situação de todas as pessoas – trazendo benefício ao idoso que o iguale à pessoa que esteja em melhores condições de expectativa de vida-, visando a efetivar a justiça social, especialmente quando confere esperança à pessoa idosa de que seu conflito será solucionado em prazo mais curto, aumentando, assim, a efetividade do princípio da dignidade humana de forma compatível com o princípio da igualdade.

Resta claro, por esses argumentos, que o direito de prioridade processual conferido ao

idoso não fere o princípio da isonomia, mas, ao contrário, busca efetivá-lo, promovendo ainda

a dignidade da pessoa humana.

No Estado do Ceará, O Tribunal de Justiça lançou o Projeto Terceira Idade e pela

Resolução n°14, de 17 de junho de 2004, regulamentou o direito de prioridade da pessoa

idosa desde a distribuição, autuação, processamento, tramitação, julgamento e realização de

todos atos processuais das ações, bem como recursos e incidentes (art.1o).

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Segundo a Resolução, o idoso poderá requerer a concessão da prioridade pessoalmente

ou por meio de representante legal (art. 2o). A fim de identificar os processos com pedido de

prioridade, foi criada uma etiqueta verde-oliva, que será afixada na capa dos autos, onde

constará a indicação: “PRIORIDADE ESTATUTO DO IDOSO - LEI N°10.741/03”, na

tonalidade branca (art. 3o).

Quando a prioridade for requerida desde a petição inicial, já com o documento

comprovante da idade, a indicação do referido direito será feita por meio de um carimbo posto

na primeira página da petição exordial, com a mesma indicação prevista no art. 3o (art. 4o).

O folder explicativo do Projeto traz ainda o conceito do direito de prioridade:

A prioridade consiste em um atendimento mais célere ao idoso. Na prioridade, portanto, não há uma escolha entre favoritos, ou preferidos, nem o atendimento ao idoso é feito porque ele é um ‘coitadinho’. Em outras palavras, pode-se dizer que o direito de prioridade, assegurado pelo Estatuto do Idoso, criou para todos a obrigação de atender primeiro o cidadão que já chegou à casa dos sessenta anos, com o mesmo padrão de excelência de todos os outros cidadãos que buscam o Poder Público.

Outrossim, o Projeto criou placas de sinalização visual, que deverão ser afixadas nos

locais de atendimento ao público, com a seguinte indicação: “Atendimento Prioritário ao

Idoso”. Resta lembrar que no Estado do Ceará esse direito de prioridade também foi

concedido ao idoso pela Lei Estadual n°13.190, de 10.01.02 (D.O 15.01.02), em relação à

tramitação dos processos e procedimentos administrativos e, posteriormente, pela Lei

Estadual n°13.385, de 13.10.03 (D.O. de 17.10.03), aos processos judiciais.

Por último, resta ainda ao Poder Judiciário a Proteção Judicial dos Interesses Difusos,

Coletivos e Individuais Indisponíveis ou Homogêneos da pessoa idosa (arts. 78 a 92),

capítulo do Estatuto que será abordado quando da exposição sobre o Ministério Público.

g) Defensoria Pública

A Defensoria Pública é denominada pela Constituição Federal de 1988 como instituição

essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido-lhe a orientação jurídica e a defesa, em

todos os graus, dos necessitados, na forma do art.5o LXXIV (art. 134).

Já fora ressaltado, em outros momentos desta dissertação o quadro de injustiça social no

Brasil, onde, por exemplo, somente 25% dos idosos aposentados vivem com três salários

mínimos ou mais, sendo, portanto, a grande maioria pobre ou miserável (MINAYO, 2005).

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Daí a grande importância que desfruta a Defensoria Pública para a defesa dos direitos da

pessoa idosa hipossuficiente.

Diz o Estatuto que as instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos prestadoras de

serviço ao idoso terão direito à assistência judiciária gratuita (art. 51).

No título referente ao Acesso à Justiça, o Estatuto tratou do direito à prioridade na

tramitação dos processos e no atendimento preferencial do idoso e estendeu esse tratamento

ao âmbito da Defensoria Pública da União, dos estados e do Distrito Federal (art.69, § 3o).

Nada impede, muito pelo contrário, é necessário, que a Defensoria Pública seja

legitimada para propor ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos, individuais,

indisponíveis ou homogêneos, referentes à pessoa idosa (art. 81).

No Estado do Ceará, infelizmente, é freqüente a notícia de inúmeras deficiências da

Defensoria Pública, entre as mais graves: a) número reduzido de defensores públicos,

principalmente em decorrência dos baixos salários em relação a outras carreiras jurídicas; e b)

deficiência das condições materiais de trabalho: material de expediente, computadores,

servidores de apoio etc.

h) Ministério Público

A Constituição Federal de 1988 deu nova dimensão ao Ministério Público,

conceituando-o como uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis (art.127, CF).

De suas funções institucionais pertinentes ao objeto de nosso estudo, devemos destacar

(art. 129, CF):

I- promover, privativamente a ação penal pública, na forma da lei; II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III- promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Esse novo Ministério Público advindo com a Carta Política de 1988, em verdade, é fruto

de todo um movimento crescente que busca a reconstrução das instituições democráticas

do país nas últimas três décadas. Segundo Vianna (1999), as demandas e conflitos

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protagonizados por movimentos sociais se tornaram importante referência na reavaliação do

funcionamento e estrutura da Justiça brasileira, sobretudo do Poder Judiciário. Defendendo

direitos humanos e reivindicando emprego, terra, habitação, saúde, transporte, melhores

valores de benefícios previdenciários (aposentadorias e pensões) e educação, esses

movimentos sociais contribuíram para o debate em torno da necessidade de mudanças

legislativas e institucionais que garantissem novos direitos individuais e coletivos

(metaindividuais).

Nesse contexto de democratização das instituições brasileiras, o modelo de Poder

Judiciário de concepção liberal individualista do Direito entrou em crise, diante de sua

incapacidade de absorver as demandas por justiça, nem mesmo, de lidar com novos conflitos

que chegavam aos tribunais. Podemos citar como exemplo desses conflitos: a) caso de

inadimplência envolvendo milhares de mutuários do sistema financeiro de habitação; b) caso

de reajustes de benefícios previdenciários não concedidos a milhares de aposentados; c)

acesso aos sistemas de saúde e de educação de boa qualidade etc.

Assim, para possibilitar o conhecimento desses conflitos pelo Poder Judiciário, ocorreu

toda uma mudança legislativa que possibilitasse a defesa de direitos em uma dimensão

coletiva, e que a sociedade pudesse ser representada por um órgão independente e munido de

garantias constitucionais. A Lei 6.938/81, que regulamentou a Política Nacional de Meio

Ambiente, é apontada como um marco no sentido de possibilitar a defesa de interesses

coletivos pelo Ministério Público, que foi legitimado para propor ação de responsabilidade

criminal e civil por danos causados ao meio ambiente.

Posteriormente, a Lei da Ação Civil Pública (LACP), Lei 7.347, de 24 de julho de

1985, revolucionou o sistema processual brasileiro, possibilitando a propositura de ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambiente; II - ao

consumidor; III - aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico; tendo as Leis 8.078/90 e 8.884/94 acrescentado dois incisos, respectivamente: IV

- a qualquer outro interesse difuso ou coletivo e V - por infração da ordem econômica.

Ademais, a LACP legitimou para propor essas ações, além do Ministério Público, a

União, os estados, os municípios, autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de

economia mista, e associação, desde que esteja constituída há pelo menos um ano e inclua,

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entre seus objetivos, a proteção dos bens jurídicos mencionados nos incisos há pouco

referenciados.

Após a Constituição Federal de 1988, foram sendo promulgadas diversas leis que

ampliaram o leque de atuação desse novo ator social - o Ministério Público, e possibilitam a

tutela jurisdicional coletiva, das quais devemos citar: Lei n°7.853/1989 (Lei de Proteção aos

Deficientes Físicos), Lei n°7.913/1989 (Lei de Proteção aos Investidores do Mercado

Imobiliário), Lei n° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei n°8.078/1990

(Código de Defesa do Consumidor), Lei n°8.429/1992 (Lei da Improbidade administrativa),

Lei n°8.884/1994 (Lei de Defesa da Ordem Econômica ou da Concorrência), Lei

n°8.974/1995 (Lei de Responsabilidade por danos aos seres vivos, decorrentes da engenharia

genética), e mais recentemente, a Lei n°10.741, de 1o de outubro de 2003 (Estatuto do

Idoso).

O Estatuto do Idoso reserva ao Ministério Público um papel de destaque no sistema de

garantias dos direitos. Logo no capítulo referente às Medidas de Proteção, o legislador

confere ao Órgão a autonomia para determinar a aplicação de medidas que visam a resguardar

a pessoa idosa violada ou ameaçada em seus direitos (art. 45).

O capítulo que trata do Ministério Público está inserido no Título V, da Lei que dispõe

sobre o Acesso à Justiça, sendo suas principais atribuições (art. 74):

I- instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso; II- promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condição de risco; III- atuar como substituto processual do idoso em situação de risco, conforme o disposto no art. 43 do Estatuto; IV- promover a revogação de instrumento procuratório do idoso, nas hipóteses previstas no art. 43 do Estatuto (idoso em situação de risco), quando necessário ou o interesse público justificar; V- instaurar procedimento administrativo (O Ministério Público pode também requisitar a instauração de procedimento administrativo a outros órgãos públicos para investigar infração às normas de proteção ao idoso, como por exemplo, Secretaria Estadual de Saúde, Vigilância Sanitária etc, conforme art.60 do Estatuto); VI- instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção ao idoso; VII- zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais asseguradas ao idoso, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; VIII - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata o estatuto, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas.

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Como já referenciado, o Estatuto do Idoso é uma lei que pertence à evolução processual

no sentido de viabilizar a tutela jurisdicional coletiva. Assim é que traz um capítulo específico

sobre a Proteção Judicial dos Interesses Difusos, Coletivos e individuais Indisponíveis ou

Homogêneos (arts. 78 a 92). Mazzilli (1997, p.6) faz a seguinte distinção entre esses direitos:

Tanto os interesses individuais homogêneos como os coletivos originam-se de fatos comuns; entretanto são indeterminados os titulares de interesses difusos, e o objeto seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável.

O quadro seguinte, proposto por Vigliar (2001, p.56), é elucidativo e aponta as

principais diferenças entre os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos:

INTERESSES

DEMANDA UTILIZADA

NATUREZA

UNIÃO DOS

INTERESSADOS

Difusos

(grupo indeterminável)

Essencialmente coletivo:

exigem uma demanda

coletiva

Indivisíveis Unidos por circunstâncias

fáticas.

Coletivos

(grupo determinável)

Essencialmente coletivo:

exigem uma demanda

coletiva

Indivisíveis Unidos por relação jurídica

(chamada relação jurídica

base/básica)

Individuais homogêneos

(grupo determinável)

Acidentalmente coletivo:

admitem a defesa por

demanda coletiva.

Divisíveis

Unidos por circunstâncias

fáticas.

O Estatuto rege as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados aos

idosos, referentes à omissão ou ao oferecimento insatisfatório de (art. 79):

I- acesso às ações e serviços de saúde;

II- atendimento especializado ao idoso portador de deficiência ou com limitação incapacitante;

III- atendimento especializado ao idoso portador de doença infecto-contagiosa;

IV- serviço de assistência social visando amparo ao idoso.

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Esse elenco de situações geradoras da tutela coletiva não é taxativo, podendo ocorrer a

proteção judicial de outros interesses próprios do idoso (Parágrafo único do art. 79).

Segundo Egito (2006), o exercício da tutela prevista no art. 79 será efetivado

basicamente por meio de Ação Civil Pública na defesa de direitos individuais homogêneos e

essa tutela terá um caráter ressarcitório. Em relação aos direitos difusos, a tutela ressarcitória

poderá ser buscada objetivando um pedido de dano moral coletivo.

Importante inovação do Estatuto foi o fato de possibilitar que os legitimados para a

proposição de Ação Civil Pública para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos também o façam em relação à proteção dos direitos individuais indisponíveis

do idoso, mesmo que seja para a defesa de direito de idoso único. (art. 74, I).

Vamos formular alguns exemplos para melhor explicar essas hipóteses.

a) Interesses individuais homogêneos. Como o próprio nome descreve, esses direitos

são individuais na essência, contudo são tratados de forma coletiva, para fins de defesa em

juízo, desde que reunidas às características destacadas no quadro de Vigliar. Exemplo: idosos

compradores de aparelhos auditivos produzidos com o mesmo defeito de série. Tais idosos

são passíveis de ser identificados e estão unidos a partir da situação fática de terem realizado a

compra de bens com o mesmo defeito, o que facilita, inclusive, a identificação do prejuízo de

cada idoso.

b) Interesses difusos. O exemplo clássico de interesse difuso, onde se vislumbra as

características há pouco apontadas, está relacionado às questões ambientais. Assim, se uma

fábrica está poluindo o ar com substancias tóxicas, causando problemas respiratórios na

população, principalmente nas crianças e idosos, estamos diante de um interesse difuso. O

grupo de pessoas prejudicadas pela poluição é indeterminado. Os benefícios pela tutela

jurisdicional (ressarcimento pelo dano moral coletivo) beneficiarão a todos (natureza

indivisível do objeto). A união dos interessados se deu por uma circunstância fática- a

poluição.

c) Interesse individual indisponível. Um idoso portador de doença infecciosa rara

procurar atendimento especializado na rede pública de saúde e recebe atenção insatisfatória

ou mesmo não recebeu qualquer assistência. Como vimos, poderá ser proposta Ação Civil

Pública para a defesa de direito individual indisponível (vida, saúde) desse idoso único.

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O Estatuto trata da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer em seu art. 83:

“Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz

concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o

resultado prático equivalente ao adimplemento.”

Essa tutela é fundamental para assegurar as normas de proteção ao idoso previstas no

Estatuto, principalmente para a efetivação das políticas públicas (perante o Estado) a ele

direcionadas. A tutela específica é aplicável para o caso de direitos coletivos, pertencentes a

pessoas determináveis e ligadas por meio de relação jurídica; bem como aos direitos difusos,

pertencentes a pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias fáticas e aos direitos

individuais homogêneos que, como vimos, podem os titulares ser individualizados. Vejamos

alguns exemplos com tutela específica de obrigação de fazer:

a) Interesses coletivos. São os interesses que compreendem uma categoria determinada

ou pelo menos determinável de pessoas (grupo, classe ou categoria de indivíduos) ligada por

uma mesma relação jurídica-base. Mancuso (1994) relaciona como formas de expressão

desses interesses: família, partidos políticos, sindicados e associações. Desse modo, a partir

do momento que o legislador definiu a pessoa idosa como aquela com sessenta anos ou

mais, estabeleceu um grupo determinável de pessoas. Tanto isso é verdade que art.15, § 1o do

Estatuto manda cadastrar a população idosa em base territorial, como instrumento de

prevenção e manutenção da saúde do idoso. Esse grupo de pessoas é ligado pela mesma

relação jurídica-base: a condição subjetiva da pessoa idosa (com 60 ou mais anos de idade) à

qual se subsume a norma prevista no Estatuto do Idoso. Assim, têm-se como exemplos de

tutela de interesses coletivos dos idosos: Ação Civil Pública para assegurar o atendimento

preferencial e individualizado junto aos órgãos públicos; Ação Civil Pública para implantar

programa especial para tratamento de doenças próprias dos idosos e obrigar o Poder Público a

fornecê-los, gratuitamente, medicamentos de uso contínuo, prótese e órteses; Ação Civil

Pública para assegurar aos idosos a meia-entrada nos ingressos de eventos artísticos, culturais,

esportivos e de lazer. Outro exemplo: o direito dos internos de instituições de longa

permanência de ter assegurada assistência de qualidade. São determináveis os interessados e

estão unidos por uma relação jurídica-base comum entre eles e com a parte contrária de um

eventual e futuro processo (as instituições de longa permanência).

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b) Interesses difusos. No mesmo exemplo da poluição ambiental, a Ação Civil Pública

tem como fim aqui, que a fábrica se abstenha de poluir o ar ou instale filtros que empeçam o

dano ambiental (obrigação de fazer ou não fazer), conforme o caso.

c) Interesses individuais homogêneos. Seguindo o exemplo anterior com a relação aos

aparelhos auditivos defeituosos, caso eles tivessem sido fornecidos pelo Poder Público,

deveriam ser substituídos por exemplares perfeitos a cada um dos idosos beneficiados

(obrigação de fazer).

O Ministério Público será o titular das ações penais publicas incondicionadas,

decorrentes da prática de crimes previstos no Estatuto do idoso (arts. 95 a 108).

No âmbito do Ministério Público do Estado do Ceará, caberá a cada um dos

promotores de justiça titulares das promotorias das comarcas do Estado promover a defesa da

pessoa idosa. Na Capital do Estado, a atuação na área de defesa do idoso compete a seis

promotorias de justiça cíveis (17a a 22a), art. 1o da Lei Complementar Estadual n°59, de 14 de

junho de 2006. Essa lei modificou o Código do Ministério Público do Ceará e estabeleceu a

seguinte competência dessas promotorias de Fortaleza: a) promover a defesa do idoso e da

pessoa portadora de deficiência, por meio de medidas extrajudiciais e judiciais; b) assegurar

um melhor atendimento aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência, inclusive

promovendo maior integração com a sociedade civil; e c) identificar as fontes de custeio das

políticas públicas voltadas para os idosos e pessoas portadoras de deficiência, promovendo

uma rigorosa fiscalização do uso e destinação das verbas públicas; promover ações

preventivas, informativas e fiscalizatórias de obediência às normas que determinam a

eliminação das barreiras arquitetônicas em prédios públicos e privados, vias públicas e

veículos de transporte coletivo, podendo ser implementadas por meio de parcerias necessárias.

i) Polícia Civil

Como já comentado, a violência contra a pessoa idosa é um fato grave, complexo e

ocorre sob diversas formas. O art. 19 do Estatuto elenca a autoridade policial (Polícia Civil)

como um dos órgãos responsáveis pelo recebimento de notícias formuladas pelos

profissionais de saúde, relatando casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra

idosos.

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103

Outrossim, os crimes previstos no Estatuto do Idoso são de ação penal pública

incondicionada, e, assim, chegando ao conhecimento da autoridade policial a ocorrência de

qualquer um desses delitos (art. 96 a 108), ela deverá proceder de ofício.

No âmbito de atividade policial, é interessante que a instituição promova o treinamento

dos policiais para que possa melhor desenvolver suas funções nos casos de violência contra a

pessoa idosa.

Em Belo Horizonte/MG, no ano de 1997, foi criada a Delegacia Especializada de

Proteção ao Idoso – DEPI e constatado o despreparo dos funcionários para

prestaratendimento a esse segmento da população. Costa e Chaves (2003) relatam que foi

então oferecido um curso com resultados satisfatórios. Os objetivos desse curso de

capacitação: a) a partir de uma abordagem transdisciplinar, fornecer conhecimentos básicos,

nos níveis morfológico, clínico, psicológico, fisioterapêutico, para capacitação de agentes de

polícia civil, na área de Gerontologia e comportamento; b) refletir sobre os modelos

comportamentais da organização em que atuam, para uma conscientização da importância de

pautar sua conduta nos limites da lei, da ética e dos direitos humanos; c) caracterizar métodos,

técnicas e procedimento próprios a cada situação, de modo a utilizá-los corretamente no

exercício de suas tarefas e melhoria de resultados; d) utilizar os conhecimentos aprendidos na

racionalização de tarefas e melhoria de resultados; e) atuar em equipe, com respeito,

hierarquia e postura ética e f) revelar interesse e responsabilidade participativa na resolução

de problemas profissionais e situações emergenciais.

Como se vê, na Capital mineira, há uma preocupação da segurança pública com o

fenômeno da violência contra o idoso, fato que resultou na instalação de uma delegacia

especializada e capacitação de pessoal.

A Constituição do Estado do Ceará, em seu art. 284, diz que o Estado assegurará ao

maior de sessenta e cinco anos: “[...] III- proteção contra a violência, através de órgãos

especializados da Secretaria de Segurança Pública”. Deve-se fazer a ressalva de que a

Constituição Estadual é anterior ao Estatuto do Idoso, por isso refere-se à pessoa idosa como a

maior de sessenta e cinco anos. Há um projeto de lei, de autoria do deputado estadual

Carlomano Marques, instituindo uma Delegacia de Proteção ao Idoso. Tramita no âmbito do

Poder Executivo (Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social) um estudo que visa à

criação de uma delegacia especializada em minorias (idosos, deficientes, índios etc).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial, e no Brasil, a população idosa

é o grupo que apresenta as taxas mais elevadas de crescimento (CAMARANO, 2005). Diante

de tal realidade, o Estado brasileiro precisa se preparar para atender a demanda desse

segmento populacional, principalmente nos setores previdenciário, de saúde, assistência

social, segurança pública, habitação e lazer. Da mesma forma, a sociedade e a família têm

grandes responsabilidades para com seus velhos.

Alguns estudiosos do envelhecimento vão adotar os termos idoso, terceira idade e

melhor idade no lugar do termo velho por considerá-lo preconceituoso. Outros, como Salgado

(1998) e Ramos (2002), preferem velho e apontam o aspecto ideológico dessa questão

lingüística – passa-se a adotar esses novos termos e as condições desfavoráveis desse

segmento populacional continuam as mesmas; adotamos a palavra idoso, inclusive pela opção

legislativa (Política Nacional do Idoso, Estatuto do Idoso), mas também lançamos mão do

termo velho por não considerá-lo preconceituoso. No início do século XX aparecem os

vocábulos Gerontologia e Geriatria.

No contexto dos direitos humanos, a pessoa idosa passa a ter uma visibilidade, no

momento histórico em que o homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem

em abstrato, mas é tido em sua situação existencial concreta: criança, velho, deficiente,

mulher, doente etc. (pós-Segunda Grande Guerra Mundial). Os idosos, em termos

sociológicos, representam uma minoria, conforme conceito utilizado por Lopes (2006).

As assembléias das Nações Unidas sobre o envelhecimento (1982 e 2002) foram

fundamentais para influenciar as legislações de vários países, inclusive o Brasil. Nessas

assembléias, foram elaborados planos de ação internacional para o envelhecimento, e as

nações se comprometeram a tomar uma série de medidas em defesa desse segmento

populacional.

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A Constituição de 1988 inovou ao exigir a efetiva proteção, por parte do Estado, da

sociedade e da família, à pessoa idosa (art.230, C.F.) A velhice digna é um direito humano

fundamental, porque expressão do direito à vida com dignidade. A pessoa idosa tem

assegurados pela Carta de 1988 os seguintes direitos fundamentais, cujos conteúdos estão

divididos em cinco grupos: a) direitos individuais (direito à vida, direito à liberdade, direito à

igualdade, direito à segurança e direito à propriedade); b) direitos coletivos (direitos à

informação, à representação associativa, do consumidor, de reunião e de associação; c)

direitos sociais (direito à educação, direito à saúde, direito ao trabalho, direito à moradia,

direito ao lazer, direito à segurança, direito à previdência social e à assistência aos

desamparados, direito à proteção familiar, direito à gratuidade nos transportes coletivos

urbanos); d) direitos à nacionalidade; e e) direitos políticos.

Em termos infraconstitucionais a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso

representam as principais leis ordinárias de proteção da pessoa idosa. A finalidade da PNI é

assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia,

integração e participação efetiva na sociedade. Após dez anos de vigência da PNI, surge o

Estatuto do Idoso, fruto de intensa mobilização do movimento social do idoso e, de certa

forma, de uma crítica à PNI, principalmente pela não-efetivação de suas normas, como a não-

criação do Conselho Nacional do Idoso.

O Estatuto do Idoso traz um sistema de garantias, ou seja, um conjunto de órgãos

públicos responsáveis pela efetivação dos direitos. O eficiente funcionamento desse sistema

será responsável, afora a cobrança por parte da sociedade, pela observância do elenco dos

direitos da pessoa idosa. O sistema é composto dos seguintes órgãos: conselhos do Idoso,

SOS idoso, Sistema Único de Saúde – SUS, Sistema Único de Assistência Social-SUAS,

Vigilância em Saúde, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e Polícia Civil.

Em decorrência de uma série de fatores, entretanto, muitos desses órgãos apresentam

deficiências, situação que pode comprometer direitos constitucionais da pessoa idosa. Vimos,

por exemplo, que muitos municípios sequer criaram seus conselhos municipais do idoso.

Conhecemos a precariedade e a crise por que passa o Sistema Único de Saúde - SUS,

inclusive com médicos em greve, a carência de médicos geriatras etc. De igual modo, a

Defensoria Pública, importante órgão de efetivação dos direitos da pessoa idosa

hipossuficiente, apresenta sérias dificuldades em nosso Estado, principalmente no que diz

respeito ao número de defensores.

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Afora essas dificuldades, há o distanciamento desses órgãos, pois a nossa experiência

como promotor de justiça demonstra que muitas dessas instituições não têm a noção de

compor um sistema, e trabalham de forma isolada, sem a idéia da possibilidade de contar com

o apoio de outros órgãos. Houaiss e Villar (1997, p.1499) em uma das definições de sistema,

diz em: “combinação de partes que, coordenadas, concorrem para um determinado fim”. Não

há, pois, coordenação dos órgãos que compõem o Sistema de Garantias dos Direitos da

Pessoa idosa. Essa coordenação poderia caber ao Estado do Ceará, por meio da sua Secretaria

de Ação Social, que tem a competência de criar a política pública do idoso, ouvindo, é claro,

os fóruns para discussão (Conferência Estadual), os conselhos estadual e municipais e os

outros órgãos do sistema.

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