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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL NA HIPÓTESE DE MORTE DO COMPANHEIRO, À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO LUIZ CARLOS SANDRI JUNIOR Itajaí (SC), outubro de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL NA HIPÓTESE DE MORTE DO COMPANHEIRO, À LUZ DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

LUIZ CARLOS SANDRI JUNIOR

Itajaí (SC), outubro de 2006

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL NA HIPÓTESE DE MORTE DO COMPANHEIRO, À LUZ DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

LUIZ CARLOS SANDRI JUNIOR

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito. Orientador: Prof. Dr. Diego Richard Ronconi

Itajaí (SC), outubro de 2006

AGRADECIMENTO

À Deus, caminho divino, por ter sido amigo

fiel em todas as horas.

À minha mãe Lúcia Maria Lapa, às minhas

irmãs Louyse e Stefany, e ao meu pai Luiz

Carlos Sandri (in memorian), que representam

em minha vida fortaleza, sabedoria e

dignidade. Por sempre acreditarem em mim,

sendo eternos incentivadores, a quem minha

gratidão não pode ser traduzida em

palavras;

À minha namorada Gabriela, por todo

carinho, amor e atenção durante todo este

tempo que estamos juntos e principalmente

nos momentos mais difíceis;

Ao meu orientador de conteúdo Profº Drº

Diego Richard Ronconi, pela dedicação,

pelo auxílio incansável e por ser, além de

professor, um grande amigo.

Aos amigos Márcio e Téia, por me

proporcionarem momentos de paz e

tranqüilidade para a realização deste

projeto.

À todos os meus amigos e aqueles que, de

alguma forma, contribuíram para tornar esta

chance possível.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe Lúcia,

pelo exemplo de luta, respeito, amor à vida e

aos seus filhos, e por ter sido a força que me

permitiu conquistar esse sonho.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 20 de outubro de 2006

Luiz Carlos Sandri Junior Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Luiz Carlos Sandri

Júnior, sob o título “O Direito Real de Habitação na União Estável na

hipótese de morte do companheiro, à luz do ordenamento jurídico

brasileiro”, foi submetida em ______ de ________________ de 2006 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores:

_________________________________________________________________________

[Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota [Nota] ([nota

Extenso]).

Itajaí (SC), outubro de 2006.

Prof. Dr. Diego Richard Ronconi Orientador e Presidente da Banca

Professor Antonio A. Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

Concubinato

Concubinato natural ou puro é aquele efetivado livremente entre pessoas

de sexos diferentes, sem impedimento matrimonial, e de forma estável. O

Concubinato espúrio ou impuro é aquele efetivado por homem e mulher,

de forma estável, porém impedidos de casar1.

Cônjuge

Aquele que é unido por matrimônio perante o ordenamento civil brasileiro.

Direito das Coisas

“Direito das Coisas: é o complexo de normas reguladoras das relações

jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem”2.

Direito de Propriedade

“É o direito atribuído a uma pessoa sobre a coisa, corpórea ou incorpórea,

de forma plena, sob os limites dos preceitos de ordem pública”3.

Direito Real de Habitação

“Direito real sobre coisa alheia através do qual um sujeito (o habitante)

poderá se utilizar gratuitamente de um imóvel, para moradia própria e de

sua família”4.

1 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. 3 ed. São Paulo: Editora RT, 2004. p.216-217 2 Clóvis Beviláqua Apud DAIBERT, Jefferson. Direito das Coisas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.1 3 DAIBERT, Jefferson. Direito das Coisas., p.152 4 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. p.231

Função Social da Propriedade

“É uma obrigação de agir a fim de cumprir com as exigências do bem

comum e da Justiça Social, dando à propriedade uma utilidade de forma

a justificar e legitimar o próprio direito por meio desse comportamento”5.

Habitação

“Habitação consiste em uso para moradia, não abrangente da

percepção dos frutos, pois somente confere direito de habitar,

gratuitamente, imóvel residencial alheio. Quem habita não pode alugar

nem emprestar a coisa, mas somente ocupá-la com sua família”6:

União Estável (Concubinato Puro)

Entidade familiar entre homem e mulher, configurada na convivência

pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de

constituição de família 7, formada por companheiros.

Uso

“Direito de servir-se a pessoa de coisa alheia, sem perceber-lhe os frutos”8.

Usufruto

“Direito real transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar

durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens

pertencentes a outra pessoa, a qual conserva sua substância”9.

5 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato. Fpolis: Ed. OAB/SC, 2004.p.138 6 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. 6 ed. São Paulo: Editora Método, 2003. p.209 7 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 28/07/2006. 8 BESSONE, Darcy. Direitos reais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p.302 9 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.455

SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................X

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1........................................................................................ 4

NOÇÕES SOBRE O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO ........................... 4 1.1 BREVE INTRODUÇÃO ACERCA DO DIREITO DAS COISAS .............................4 1.2 O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL ......................7 1.3 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.........................................................15 1.4 DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS REAIS DE USUFRUTO, USO E HABITAÇÃO .......20 1.4.1 USUFRUTO .......................................................................................................20 1.4.2 USO ...............................................................................................................22 1.4.3 HABITAÇÃO ....................................................................................................24

CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 ................................................................. 27

CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO......................................................................... 27 2.1 BREVE HISTÓRICO DA UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL......................................27 2.2 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL.....................................................................29 2.3 ELEMENTOS DA UNIÃO ESTÁVEL ...................................................................31 2.4 CONCUBINATO E UNIÃO ESTÁVEL: DISTINÇÕES .........................................34 2.5 EFEITOS DA UNIÃO ESTÁVEL..........................................................................36 2.5.1 EFEITOS SOCIAIS ..............................................................................................37 2.5.2 EFEITOS PATRIMONIAIS ......................................................................................38 2.5.3 EFEITOS PESSOAIS.............................................................................................41

CAPÍTULO 3...................................................................................... 43

A DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL POR MORTE DO COMPANHEIRO E O DIREITO REAL DO SOBREVIVENTE.................. 43

3.1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DOS DIREITOS HEREDITÁRIOS DO COMPANHEIRO COM O ADVENTO DAS LEIS 8.971/94 E 9.278/96 ..................43 3.2 A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO NO ATUAL CÓDIGO CIVIL....................52 3.3 A GARANTIA DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO AO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE NA UNIÃO ESTÁVEL....................................................................60 3.4 OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA BRASILEIROS E A CONCESSÃO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO AO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE ........................................66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 71

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................ 76

ANEXOS ........................................................................................... 82

RESUMO

A Constituição da República Federativa do Brasil de

1.98810 reconheceu a União Estável como “entidade familiar”. Para a

regulamentação do instituto, em relação à sucessão entre os

companheiros, foram promulgadas duas leis: a Lei 8.971/94 e a Lei

9.278/96. Ambas não chegaram a expressar originalmente o atual

panorama brasileiro, mas elevaram os direitos advindos da União Estável a

patamares similares ao do casamento, conferindo semelhança aos

cônjuges e companheiros, e, em algumas situações, colocando os

companheiros em situações até mais benéficas que o próprio cônjuge. O

Código Civil de 2002, que viria para concretizar definitivamente os direitos

sucessórios dos companheiros, representou um grande retrocesso em

relação às conquistas alcançadas por meio da legislação especial,

reduzindo significativamente o amparo que vinha sendo dispensado ao

companheiro sobrevivente na União Estável, deixando este em posição

muito inferior se comparado ao cônjuge. Assim, discute-se se o atual

Código revogou ou não o disposto nas leis anteriores, bem como se o

convivente sobrevivente tem ou não o Direito Real de Habitação,

reconhecido pela Lei 9.278/96, e esquecido pelo vigente Código Civil

Brasileiro.

10 Doravante chamada, simplesmente, Constituição Federal, Constituição Federal do Brasil ou Constituição Federal de 1.988.

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o Direito Real

de Habitação na União Estável, na hipótese de morte do companheiro.

Tem como objetivo institucional é a produção de uma

monografia para a obtenção do título de bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

O objetivo primordial da pesquisa é a identificação dos

direitos sucessórios do companheiro na relação de União Estável, à luz da

doutrina, jurisprudência e legislação, bem como a concessão do Direito

Real de Habitação ao companheiro sobrevivente perante o ordenamento

jurídico brasileiro.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando das

noções gerais acerca dos Direitos Fundamentais, como o Direito de

Propriedade, seu conceito, Função Social, e, ainda, comparando e

distinguindo com os Direitos Reais de Usufruto, Uso e Habitação.

O Capítulo 2 está diretamente relacionado ao instituto

da União Estável. Além do histórico, encontram-se alguns conceitos, seus

elementos caracterizadores e, logo, a distinção com o Concubinato. O

capítulo ainda aborda os efeitos sociais, patrimoniais e pessoais

decorrentes da União Estável.

No Capítulo 3 está demonstrado a evolução no plano

sucessório dos direitos reservados ao companheiro com a edição das leis

especiais de 1.994 e 1.996; a situação do mesmo perante o atual Código

Civil, bem como o entendimento doutrinário e jurisprudencial quanto à

concessão do Direito Real de Habitação ao companheiro sobrevivente.

2

Para a presente pesquisa são adotadas os seguintes

perguntas: 1. O que é o instituto da União Estável? 2. O que é o Direito Real

de Habitação? 3. Terá o companheiro sobrevivente da União Estável o

Direito Real de Habitação, perante o atual ordenamento jurídico

brasileiro?

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre a concessão do Direito Real de Habitação ao

companheiro sobrevivente da União Estável, perante o atual

ordenamento jurídico brasileiro.

Para a presente monografia foram levantadas as

seguintes hipóteses:

� A União Estável é a entidade familiar formada entre homem

e mulher, configurada na convivência pública, contínua e

duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição

de família, sem o vínculo do matrimônio.

� O Direito Real de Habitação é um direito real que confere ao

beneficiário o direito de habitar gratuitamente casa alheia.

� O companheiro sobrevivente, na União Estável, tem o Direito

Real de Habitação, enquanto viver ou não constituir nova

união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à

residência da família.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de

Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados

expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da

Pesquisa Bibliográfica.

3

CAPÍTULO 1

NOÇÕES SOBRE O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

1.1 BREVE INTRODUÇÃO ACERCA DO DIREITO DAS COISAS

Assim como a maioria dos institutos do Direito Civil

Brasileiro, o Direito das Coisas ou Direitos Reais tem as suas origens no

Direito Romano. Sempre se manteve firme à doutrina tradicionalista, sendo

o que por maior tempo resistiu às modificações que até então lhe foram

introduzidas.

Define Clóvis Beviláqua11: “Direito das Coisas: é o

complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às

coisas suscetíveis de apropriação pelo homem”.

Seguindo o mesmo raciocínio, Diniz12 complementa

quando ensina:

Infere-se deste conceito que o Direito das Coisas visa

regulamentar as relações entre os homens e as coisas,

traçando normas tanto para a aquisição, exercício,

conservação e perda de poder dos homens sobre esses

bens como para os meios de sua utilização econômica.

Gomes13, no início de sua obra, transcreve:

A evolução histórica do Direito das Coisas comprova a

importância que sempre desfrutou como complexo de

normas reguladoras desse poder do homem, em cujo

11 Apud DAIBERT, Jefferson. Direito das Coisas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.1 12 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 4. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.3. 13 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.9

5

regime se reflete a forma de organização econômico-

política da sociedade.

Vale ainda destacar o ensinamento de Laffayette14

acerca do Direito das Coisas:

O Direito das Coisas é aquele que define o poder do

homem, no aspecto jurídico, sobre a natureza física,

regulando a aquisição (por título singular), o exercício, a

conservação, a reivindicação e a perda daquele poder, à

luz dos princípios consagrados nas leis positivas.

O Direito das Coisas estabelece um vínculo imediato e

direto entre o sujeito ativo ou titular do direito e a coisa sobre a qual o

direito recai e cria um dever jurídico para todos os membros da

Sociedade.

Wald15 descreve que:

Sendo o ramo de direito que regula as relações entre o

indivíduo e os bens sobre os quais exerce o seu poder, o

direito das coisas reflete a vida política, social e econômica

do tipo de sociedade em que impera. Tem, assim,

características próprias em cada legislação, e nele a

tendência conservadora se mantém com maior vigor do

que em outros ramos do direito civil.

Uma distinção adotada por Gonçalves16, em relação

às palavras bens e coisas:

Tudo o que satisfaz uma necessidade humana é bem. A

palavra coisa, no entanto, é utilizada para designar os bens

materiais ou concretos, úteis aos homens e de expressão

econômica. Bem, portanto, é gênero, e coisa, espécie.

Coisas são bens corpóreos: existem no mundo físico e hão

14 Apud GOMES, Orlando. Direitos Reais. p.9 15 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.2 16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.1

6

de ser tangíveis pelo homem (CC alemão, §90; CC grego,

art. 999).

Ressalta-se que há uma limitação ao interesse da

ordem jurídica. Segundo Daibert17, “a necessidade do homem será

atendida na medida da utilidade do bem que procura”.

Ao se observar que o homem se apropria de bens que

sejam úteis à satisfação de suas necessidades, irá se perceber que nem

todos os bens interessarão ao Direito das Coisas.

De acordo com Rodrigues18:

Se o que ele procura for uma coisa inesgotável ou

extremamente abundante, destinada ao uso da

comunidade, como a luz solar, o ar atmosférico, a água do

mar etc., não há motivo para que esse tipo de bem seja

regulado por norma de direito, porque não há nenhum

interesse econômico em controlá-lo.

Por igual observa Daibert19:

Se a coisa procurada é encontrada em quantidade

absurda, inesgotável, e é utilizada pela comunidade sem

que se consuma (o ar atmosférico, a luz solar, o oceano,

etc.), não haverá, conseqüentemente, necessidade de se

ordenarem juridicamente tais coisas; não há razão para que

as subordinemos ao direito positivo, porque a ninguém

interessa o seu controle.

Portanto, segundo Diniz20, somente as coisas úteis e

raras, “que despertem as disputas entre os homens”, poderão ser

incorporadas ao patrimônio do homem, sendo bens suscetíveis de

17 DAIBERT, Jefferson. Direito das Coisas. p.2 18 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p.13 19 DAIBERT, Jefferson. Direito das Coisas. p.2 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.4

7

apropriação, e, quando da apropriação originar o vínculo, este será

conhecido como domínio.

As características fundamentais dos Direitos Reais,

destacadas por Lisboa21 são:

a) a incidência direta e imediata do titular sobre a coisa, sob todos os seus

aspectos (domínio) ou em apenas alguns de seus aspectos (direito real

desmembrado do domínio).

b) a defesa dos direitos reais, por ações reais e pelo

exercício do direito, com exclusividade e em oponibilidade

erga omnes.

c) a inexistência de superposição de direitos colidentes.

d) o objeto dos direitos reais é uma coisa incorpórea, seja

ela móvel ou imóvel.

e) o poder que o titular exerce sobre a coisa independe de

prestação do sujeito passivo da relação, que é a

coletividade em geral.

O estudo da Propriedade e dos Direitos Reais sobre

coisa alheia (de fruição ou de garantia) é o objeto primordial no Direito

das Coisas.

É de se avaliar a significação econômica, política e

social do instituto jurídico da propriedade em função da influência que

sua forma exerce na estrutura da Sociedade.

1.2 O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O Código Civil Brasileiro não define Propriedade,

apenas descreve os poderes do proprietário.

21 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2 ed. São Paulo: RT, 2002. p.34

8

Nos termos do artigo 1228 do Código Civil Brasileiro22:

Art. 1228: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e

dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem

quer que injustamente a possua ou detenha.

§1º O direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e sociais

(...).

Verificam-se alguns conceitos básicos de alguns

doutrinadores para uma melhor compreensão acerca do instituto da

Propriedade, iniciando por Miranda23:

Em sentido amplíssimo, propriedade é o domínio ou

qualquer direito patrimonial. Em sentido amplo, propriedade

é todo direito irradiado em virtude de ter incidido regra de

direito das coisas. Em sentido quase coincidente, é todo

direito sobre as coisas corpóreas e a propriedade literária,

científica, artística e industrial. Em sentido estritíssimo, é só o

domínio.

A propósito, é de se observar o ensinamento de

Pereira24:

Não existe um conceito inflexível do direito de propriedade.

Muito erra o profissional que põe os olhos no direito positivo

e supõe que os lineamentos legais do instituto constituem a

cristalização dos princípios em termos permanentes, ou que

o estágio atual da propriedade é a derradeira, definitiva

fase de seu desenvolvimento. Ao revés, evolve sempre,

modifica-se ao sabor das injunções econômicas, políticas,

sociais e religiosas. Nem se pode falar, a rigor, que a

estrutura jurídica da propriedade, tal como se reflete em

22 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 jul. 2006. 23 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957. p.9 24 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.81

9

nosso Código, é a determinação de sua realidade

sociológica, pois que aos nossos olhos e sem que alguém

possa impedi-lo, ela está passando por transformações tão

substancias quanto aquelas que caracterizaram a criação

da propriedade individual, ou que inspiraram a sua

concepção feudal.

Na concepção de Daibert25, Propriedade “é o direito

atribuído a uma pessoa sobre a coisa, corpórea ou incorpórea, de forma

plena, sob os limites dos preceitos de ordem pública”.

O Direito Real de Propriedade é o mais amplo entre os

Direitos Reais. Para Diniz26, é a Propriedade “a relação fundamental do

direito das coisas, abrangendo todas as categorias dos direitos reais,

girando em seu torno todos os direitos reais limitados de gozo ou fruição,

sejam os de garantia ou de aquisição”.

Miguel Reale27 enfatiza:

A propriedade é a plenitude do direito sobre a coisa; as

diversas faculdades, que nela se distinguem, são apenas

manifestações daquela plenitude. Entre a propriedade e os

direitos reais sobre coisa alheia, há uma relação de tal

ordem que estes são projeções daquela, que não perde

nenhuma de suas características pelo fato de se

constituírem os demais.

Baseando-se na obra de Ronconi28, foi a partir da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789 que o direito

de Propriedade teve seu reconhecimento como direito fundamental.

25 DAIBERT, Jefferson. Direito das Coisas., p.152 26 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.116 27 Apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.116 28 RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p.124

10

Em toda a evolução do Direito Privado ocidental, o

âmago essencial da propriedade sempre foi o de um poder jurídico

soberano e exclusivo do indivíduo sobre uma coisa determinada.

A Constituição Federal de 1.98829 trata da Propriedade

como Direito Fundamental do indivíduo, uma vez que o caput do art. 5º

garante o Direito de Propriedade como algo inviolável.

O atual texto constitucional introduziu o instituto entre

os direitos e garantias fundamentais, e de acordo com José Mello de

Freitas30 foi considerado como “regra fundamental, apta para

instrumentalizar todo o tecido constitucional e, por via de conseqüência,

todas as normas infraconstitucionais, criando um parâmetro interpretativo

do ordenamento jurídico”.

Contudo, o inciso XXIII do artigo antes referido dita: “a

propriedade atenderá a sua função social”.

Para Lisboa31, “apesar de o direito de propriedade ser

considerado direito real fundamental, o seu exercício e o dos demais

direitos reais são limitados aos interesses socialmente relevantes”.

Expressivo é o esclarecimento de Roberto J. Pugliese32:

A propriedade, de modo objetivo e genérico trata-se

expressamente de um direito garantido no texto

constitucional (art. 5º), mais que um simples direito, trata-se

de direito individual fundamental, consistente num dos

espectros da personalidade humana reconhecida e

garantida como tal pelo sistema constitucional vigente e

29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 28 jul. 2006. 30 José Mello de Freitas – Ética geral e profissional Disponível em www.freitas.adv.br/ download/aindex_ dow.php Acessado em 28/07/2006. 31 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. P.34 32 Apud Suzana de Oliveira - Patrimônio pessoal o exercício deste direito de propriedade. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4811 Acessado em 29/07/2006

11

tradicional no país. (...) Os mesmos dogmas que garantem o

direito de propriedade como espectros da personalidade

da pessoa. (...) Assim definido, temos, pois, em síntese, que

toda a propriedade como direito fundamental declarado

no diploma constitucional tem sua função social inerente

prevista e dela não pode abrir mão, sob pena de ferir, pois,

a própria constituição que a garante.

Se até então a Propriedade era direito inviolável, ao

indivíduo estava assegurado o exercício incontestável desse direito,

usando, gozando e dispondo da coisa que lhe pertencesse. Com o passar

do tempo, a necessidade social e o bem estar coletivo começaram a

exigir limitações a esse direito e também limitações à própria extensão da

Propriedade.

Passou-se, então, a questionar as características

tradicionais do Direito de Propriedade, como o absolutismo, a

exclusividade e a perpetuidade.

Para Diniz33, “percebe-se que o direito de propriedade

não tem um caráter absoluto porque sofre limitações impostas pela vida

em comum.(...) São limitações imprescindíveis ao bem-estar coletivo e à

própria segurança da ordem econômica e jurídica do país.”

Segundo Wald34:

O fundamento dessas medidas é sujeitar o interesse do

proprietário ao interesse coletivo, harmonizando outrossim os

direitos dos diversos proprietários. Podemos dizer que à

subordinação do direito subjetivo individual ao interesse

coletivo correspondem as medidas de ordem pública,

encontradiças no direito administrativo e constitucional.

33 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.251 34 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. p.127

12

No mesmo norte, entende Rogério Gesta Leal35 que “a

propriedade não se acha mais assegurada em toda a plenitude, mas em

função do interesse social, sendo admitidas limitações estabelecidas em

favor do bem-estar da coletividade”.

Ainda se discute, atualmente, se o Direito de

Propriedade pode ser realmente considerado um Direito Fundamental,

pelo fato de o Direito de Propriedade não poder ser eficaz para todos.

Segundo Bessone36, a Propriedade não pode ser um

direito natural de todos os homens, devido à escassez dos bens

econômicos. A não ser que houvesse considerável abundância e que

todos pudessem satisfazer suas necessidades. “Neste caso, esvaziar-se-ia o

próprio conceito de bem econômico”, comenta o autor.

No entendimento de Peces-Barba37:

O direito de Propriedade é um direito individual garantidor

da proteção de seu titular, e neste direito a escassez é

contundente, sendo, por conseguinte, impossível tê-lo como

Direito Fundamental, tecnicamente, pois, não podendo a

Propriedade ser eficaz a todos, consiste somente numa

instituição de direito privado, mas não num Direito

Fundamental. A escassez, assim, é uma barreira para a

eficácia da Propriedade ser tida como Direito Fundamental.

Ensina Peces-Barba38:

35 Apud CHEMERIS, Ivan Ramon. A função social da propriedade: o papel do Judiciário diante das invasões de terras. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003. p.57 36 BESSONE, Darcy. Direitos reais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p.55 37 Apud RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, p.127 38 Apud RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, p.127, (“Assim uma pretensão moral (justiça), ao meu juízo, para ser plenamente um direito fundamental, tem que ser suscetível de incorporar-se às categorias técnicas do Direito positivo, direito subjetivo, liberdade, poder ou imunidade (validez) e ser possível na realidade (eficácia). Provavelmente a escassez seja um dos maiores obstáculos à eficácia dos direitos”).

13

(...) Asi una pretensión moral (justicia), a mi juicio, para ser

plenamente um derecho fundamental, tiene que ser

suceptible de incorporarse a las categorias técnicas del

Derecho positivo, derecho subjetivo, libertad, potestad o

inmunidad (validez) y ser posible en la realidad (eficacia).

Probablemente la escasez sea uno de los obstáculos más

grandes a la eficacia de los derechos.

Para Rogelio Perez Perdomo39, o Direito de Propriedade

perdeu o seu papel como Direito Fundamental; não pelo aumento da

escassez, mas por sua abundância, comparando-se à situação do início

do século XIX, quando então tal Direito foi aclamado na Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, de 1.789. O autor destaca que a

Propriedade foi um Direito Fundamental, porém em épocas determinadas.

Este é o ensinamento de Ronconi40:

Diante da ameaça sofrida pela burguesia, como

conseqüência das represálias da monarquia francesa, o

surgimento das idéias liberais fez com que a Propriedade

fosse considerada Direito Fundamental e sustentada,

enquanto tal, até hoje, em muitas Constituições,

especialmente na Constituição Brasileira.

Apesar de ser considerado Direito Fundamental no

ordenamento jurídico brasileiro, para Santos41:

Ou o direito de propriedade é absoluto e não se impõe a

ele qualquer restrição, ou se reconhece sua relatividade, de

modo a servir a interesses harmonizados com outros direitos

do ser humano, notadamente o direito à vida digna e

saudável e ao emprego, dentro de uma sociedade livre,

39 Apud RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, p.128 40 RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, p.128 41 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004. p.138

14

justa e solidária, como preconiza a Constituição da

República.

Contudo, destaca-se a conceituação de Ronconi42

acerca da Propriedade:

Compreende-se por Propriedade: o direito de uso, gozo,

disposição e reivindicação de todos os bens e/ou direitos de

alguém, respeitados os limites impostos pelo Estado, a fim de

garantir a perfeita convivência do grupo social em que se

insere.

No mesmo sentido, Bodnar43 refere-se à Propriedade

como sendo esse direito de usar, gozar, dispor e reivindicar o bem de

quem quer que o possua injustamente, “com o dever correlato de fazê-lo

de acordo com o bem-estar social da comunidade”.

Para Ronconi44, “o direito de Propriedade não consiste

mais em um direito absoluto, pois deve obedecer à Função Social, isto é, à

atividade ligada a um interesse eminentemente privatísticos em

detrimento do benefício maior de uma coletividade”.

Com outras palavras, porém no mesmo sentido,

Bodnar45 transcreve da seguinte maneira:

A legitimação e o fundamento do direito de propriedade

estão no cumprimento de suas finalidades sociais, ou seja,

nos benefícios que esta deve proporcionar não apenas

para a pessoa enquanto indivíduo mas para o progresso e o

bem de toda a Sociedade.

42 RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, p.130. Grifo meu. 43 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2005. p.22 44 RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, p.130 45 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. p.22

15

Desta análise resulta que o interesse coletivo ou

público impõe padrões limitados ao Direito de Propriedade através do

Estado, em benefício da comunidade, e, segundo Diniz46, essas restrições

legais têm a finalidade de amparar não só o interesse coletivo, mas

também o interesse privado na busca da coexistência pacífica.

1.3 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A Função Social é um instituto que designa o princípio

pelo qual o interesse coletivo tem preferência sobre a propriedade

privada, porém, sem extingui-la. O princípio da Função Social da

Propriedade é conseqüência do intervencionismo do Estado no meio

social individual, com o objetivo de concretizar uma visão social de bem

comum47.

Para Venosa48, toda Propriedade deve cumprir uma

Função Social. Segundo o autor, “a propriedade, na atualidade, não é

vista somente como um direito, mas também como uma função e como

um bem coletivo de adequação social e jurídica”.

Santos49 define a Função Social da Propriedade como

“uma obrigação de agir a fim de cumprir com as exigências do bem

comum e da Justiça Social, dando à propriedade uma utilidade de forma

a justificar e legitimar o próprio direito por meio desse comportamento”.

Ronconi50 utiliza o seguinte conceito para determinar a

Função Social da Propriedade:

46 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.253 47 Propriedade. Disponível em http://www.dji.com.br/civil/propriedade.htm Acessado em 04/08/2006. 48 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.158 49 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato. p.138 50 RONCONI, Diego Richard. Falência & recuperação de empresas: análise da utilidade social de ambos os institutos. Itajaí: Editora da Univali, 2002. p.54

16

Consiste na utilização, gozo, disposição e reivindicação dos

bens e/ou direitos de alguém, afastando-se interesses

eminentemente privatísticos prejudiciais em detrimento do

benefício maior de uma coletividade, de forma que, para

haver tal equilíbrio, o Estado limitará e/ou estabelecerá

regras à sua utilização na conformidade do bem comum.

A concepção de Função Social da Propriedade

ganhou força no ordenamento jurídico brasileiro na Carta de 193451

(artigo 113, inciso 17), onde ordenava a garantia do Direito de

Propriedade, “que não poderá ser exercido contra o interesse social ou

coletivo, na forma que a lei determinar”. Essa idéia veio mais reforçada na

Carta Magna de 194652 (artigo 141, §16 e artigo 147) quando diz que “o

uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”.

De acordo com Chemeris53, foi a Emenda

Constitucional 1/69 que determinou a Função Social da Propriedade

como “princípio para o desenvolvimento nacional e a justiça social (artigo

160, III). De lá pra cá, a função social da propriedade não perdeu mais o

seu lugar na Lei Maior”.

Atualmente, o instituto tem sua base constitucional no

artigo 5°, inciso XXIV da Constituição Federal de 1.98854, e civil no Código

Civil Brasileiro de 200255, mais precisamente em seu artigo 1228, §1º:

51 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1934. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituiçao34.htm. Acesso em 13 ago. 2006. 52 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1946. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituiçao46.htm. Acesso em 13 ago. 2006. 53 CHEMERIS, Ivan Ramon. A função social da propriedade: o papel do Judiciário diante das invasões de terras. p.59 54 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 13 ago. 2006. 55 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 13 ago. 2006.

17

Art. 1228. §1º O direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as finalidades econômicas e sociais e de

modo que sejam preservados, de conformidade com o

estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas

naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e

artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

No entendimento de Venosa56:

As vigas mestras para a utilização da propriedade estão na

Lei Maior. Cabe ao legislador ordinário equacionar o justo

equilíbrio entre o individual e o social. Cabe ao julgador

traduzir esse equilíbrio e aparar os excessos no caso

concreto sempre que necessário. Equilíbrio não é conflito,

mas harmonização.

Acerca do princípio da Função Social da Propriedade,

Fachin57 entende que “a propriedade tem uma função social, princípio

jurídico aplicado ao exercício das faculdades e poderes que lhe são

inerentes”.

Silva58 destaca que:

(...) é certo que o princípio da função social não autoriza a

suprimir, por via legislativa, a instituição da propriedade

privada. Contudo, parece-nos que pode fundamentar até

mesmo a socialização de algum tipo de propriedade, onde

precisamente isso se torne necessário à realização do

princípio, que se põe acima do interesse individual. Por isso é

que se conclui que o direito de propriedade (dos meios de

produção especialmente) não pode mais ser tido como um

direito individual. A inserção do princípio da função social,

sem impedir a existência da instituição, modifica sua

natureza, pelo que, como já dissemos, deveria ser prevista

apenas como instituição do direito econômico.

56 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p.159 57 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea. Porto Alegre: Fabris, 1988. p.19 58 RONCONI, Diego Richard. A Responsabilidade Civil nos Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, p.163

18

A Função Social se equivale às limitações impostas ao

que diz respeito ao Direito de Propriedade. Sua finalidade, portanto, é

estabelecer uma noção mais dinâmica da Propriedade, eliminando a

idéia estática, e de acordo com Fachin59, “representando uma projeção

da reação anti-individualista”. Para o autor, “o fundamento da função

social da propriedade é eliminar da propriedade privada o que há de

eliminável”.

A Propriedade, segundo José Cretella Júnior60, “é

condição social, estando sempre subordinada a sua finalidade, a sua

aplicação ao interesse coletivo”.

Gomes61 vai um pouco mais longe quando diz que:

A propriedade deixou de ser um direito subjetivo do sujeito e

tende a tornar-se função social do detentor da riqueza

mobiliária ou imobiliária para ser empregada como

crescimento da riqueza social e para interdependência

social. Isto porque só o proprietário pode executar uma

certa tarefa social, só ele pode aumentar a riqueza geral,

utilizando o seu próprio patrimônio. A propriedade neste

sentido não é um direito intangível e sim um direito em

constante mudança a modelar-se às necessidades sociais,

às quais deve responder.

No mesmo sentido, Wilson Batalha62:

A propriedade não é o direito subjetivo do proprietário, mas

é a função social do possuidor da riqueza; disso resulta que

a propriedade deixa de ser um direito intangível e absoluto.

A propriedade não é um direito, mas uma função social. Daí

por que, se o proprietário não cultiva o seu campo,

59 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea. p.19-20 60 Apud CHEMERIS, Ivan Ramon. A função social da propriedade: o papel do Judiciário diante das invasões de terras. p.57 61 GOMES, Orlando. Direitos Reais. pp.108-109 62 Apud CHEMERIS, Ivan Ramon. A função social da propriedade: o papel do Judiciário diante das invasões de terras. p.54

19

receberá a intervenção governamental para fazê-lo, a fim

de obrigá-lo a cumprir sua função social.

Porém, não se deve negar a existência de direitos

subjetivos, pois é de se recordar que o instituto é considerado um Direito

Fundamental. Sendo assim, destaca-se que a Função Social é parte do

Direito de Propriedade, mas não seu conteúdo exclusivo.

No entendimento de Bodnar63, o eficaz esforço em

favor do progresso, e da proteção em respeito à pessoa humana exige

dos operadores jurídicos uma nova postura em relação à interpretação

dos direitos individualistas, como o Direito de Propriedade, para que este

esteja em serviço da Sociedade em geral e não somente voltada ao

interesse particular, desempenhando assim com as suas funções sociais.

Tepedino64, ao tratar da temática, observa:

Tal conclusão oferece suporte teórico para a correta

compreensão da função social da propriedade, que terá,

necessariamente, uma configuração flexível, mais uma vez

devendo-se refutar os apriorismos ideológicos e

homenagear o dado normativo. A função social modificar-

se-á de estatuto para estatuto, sempre em conformidade

com os preceitos constitucionais e com a concreta

regulamentação dos interesses em jogo.

Comenta Bodnar65: “É somente com este repensar

crítico que nós operários do direito, poderemos construir uma sociedade:

mais justa, solidária, fraterna e com menos desigualdade social”.

63 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. p.42 64 Apud GOMES, Orlando. Direitos Reais. p.124 65 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. p.42

20

1.4 DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS REAIS DE USUFRUTO, USO E HABITAÇÃO

Os Direitos Reais sobre coisa alheia são aqueles que

limitam o exercício dos direitos ligados à Propriedade. Para Lisboa66,

podem ser divididos em dois grandes grupos: Direitos Reais de uso e gozo e

Direitos Reais de garantia.

Usufruto (usus fructus), Uso (usus) e Habitação

(habitatio) são espécies de Direitos Reais de gozo ou fruição, derivadas do

direito romano. Transfere-se o estudo para a identificação de cada um

dos institutos individualmente.

1.4.1 Usufruto

O artigo 713 do Código Civil Brasileiro de 191667 definiu

Usufruto como sendo: “o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma

coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade”, em

decorrência da influência do direito romano, onde Paulo68 já conceituava

o instituto como “o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de

perceber-lhe os frutos, ressalvada sua substância”. O vigente Código Civil

Brasileiro não conceitua Usufruto, apenas trata de sua incidência e

aplicabilidade.

Clóvis Beviláqua69, assim como o referido artigo do

Código Civil Brasileiro de 1916, falha na definição, pois despreza a idéia de

preservação da substância. Segundo o autor, é “o direito conferido a uma

pessoa, durante certo tempo, que autoriza a retirar da coisa alheia os

frutos e utilidades que ela produz”.

66 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. p.217 67 BRASIL. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 ago. 2006. 68 Apud MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2000. p.286 69 Apud RODRIGUES, Silvio. Direito civil v.5. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2002. p.295

21

O mesmo acontece com Mauro70 ao definir Usufruto

como “um direito real em função do qual certa pessoa assume,

temporariamente, os poderes de uso e fruição sobre coisa alheia”. A idéia

de não comprometimento da substância é fundamental à noção do

instituto.

No conceito de Venosa71, “usufruto é um direito real

transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo

tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a

outra pessoa, a qual conserva sua substância”.

Bodnar72 descreve o Usufruto no mesmo sentido, como

sendo “a faculdade temporária conferida a alguém de usar determinado

bem ou dele retirar seus frutos e utilidades, sem comprometer-lhe a sua

substância”.

No mesmo norte e, baseando-se na definição

encontrada no art. 578 do Código Civil francês, Gomes73 transcreve:

“Nessa ordem de idéias, o usufruto pode ser definido como o direito de

desfrutar um bem alheio como se dele fosse proprietário, com a

obrigação, porém, de lhe conservar a substância”. O autor complementa

acrescentando que esse direito deve ser temporário.

Dois sujeitos compõem o Usufruto sendo: o usufrutuário

e o nu proprietário. Segundo Diniz74, o usufrutuário “detém os poderes de

usar e gozar da coisa, explorando-a economicamente”, enquanto que o

nu proprietário “faz jus à substância da coisa, tendo apenas a nua

propriedade, despojada de poderes elementares”.

70 MAURO, Laerson. 1000 perguntas de direito das coisas. 5 ed. Rio de Janeiro: Thex Editora, 2001. p.248 71 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p.455 72 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. p.116 73 GOMES, Orlando. Direitos Reais. p.333 74 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.415

22

1.4.2 Uso

Também derivado do direito romano, o Uso, segundo

Venosa75, originalmente se caracteriza como “o direito de usar uma coisa

sem receber os frutos”.

Dessa mesma idéia, Bessone76 define o Uso como

sendo “o direito de servir-se a pessoa de coisa alheia, sem perceber-lhe os

frutos”.

Mauro77 assim conceitua: “uso é direito real que

confere ao titular o poder de utilizar-se de uma coisa alheia, para o fim

exclusivo de atender às necessidades pessoais e de sua família”.

Lisboa78 utiliza-se do mesmo conceito. Em suas

palavras, “uso é o direito real sobre coisa alheia através do qual o usuário

pode se utilizar da coisa, sem poder perceber os seus respectivos frutos,

salvo para uso próprio ou familiar”.

No concepção de Bodnar79:

Uso é a faculdade temporária conferida a alguém a título

gratuito de auferir todas as utilidades do bem para satisfazer

as suas necessidades e as de sua família. As necessidades

devem estar comprovadas e são avaliadas de acordo com

o contexto social em que vive o usuário.

Deve-se considerar a condição social e o local onde

vive o usuário, para que se possa calcular quais as suas necessidades, nos

termos do artigo 1412, §1º do Código Civil80.

75 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p.481 76 BESSONE, Darcy. Direitos reais. p.302 77 MAURO, Laerson. 1000 perguntas de direito das coisas. P.260 78 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. p.229 79 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. p.117

23

Segundo Diniz81:

O uso não é imutável, poderá ser ampliado ou diminuído se

houver aumento ou diminuição das necessidades pessoais

do usuário, tendo-se sempre por base a sua condição social

e o local em que ele vive, pois é possível que haja, por

exemplo, uma ascensão da condição social do

beneficiário, por ter ele adquirido novos recursos

intelectuais, caso em que ele poderá utilizar frutos ou

rendimentos que satisfaçam a tal ordem de novas

necessidades, não fazendo uso de frutos naturais, industriais

ou civis, que ultrapassem o limite ideal dessas necessidades.

O artigo 1412, §2º do Código Civil Brasileiro82 ordena

que as necessidades da família do usuário compreendam as de seu

cônjuge, as dos filhos solteiros e as das pessoas de seu serviço doméstico.

Wald83 explica que o usuário pode utilizar a coisa e

apropriar-se dos seus frutos, em sua limitação, com a finalidade de

consumo e não a de alienação.

São direitos do usuário, segundo Gomes84: “fruir a

utilidade da coisa; perceber frutos que bastem às suas necessidades e de

sua família; administrar a coisa”. Suas obrigações são as de: “conservar a

coisa; não dificultar o exercício dos direitos do proprietário; restituir a

coisa”.

80 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 27 ago. 2006. 81 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.443 82 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 27 ago. 2006. 83 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. p.226 84 GOMES, Orlando. Direitos Reais. p.354

24

Alguns doutrinadores, assim como Gomes85, apelidam

o instituto de “usufruto em miniatura”.

Não existe muita distância entre o Direito Real de Uso e

o Usufruto, o que diferencia é a intensidade do direito. Pereira86 explica

que, “enquanto o usufrutuário aufere toda a fruição da coisa, ao usuário

não é concedida senão a utilização reduzida aos limites das

necessidades”.

Para Wald88: “a diferença básica entre o uso e o

usufruto é não implicar o primeiro o gozo amplo e ilimitado da coisa, que

encontramos no segundo. Quando constituído sobre coisa fungível

(dinheiro, título ao portador), equipara-se completamente ao usufruto”.

Outras distinções entre os dois institutos são de que o

Usufruto pode ter o seu exercício cedido enquanto o Uso não. Ainda, o

Usufruto é indivisível, admite, embora impropriamente, como objeto, um

bem fungível e consumível, enquanto que o Uso não.

Como bem observa Rodrigues89, “o uso é uma espécie

de usufruto de abrangência mais restrita, pois é insuscetível de cessão e é

limitado pelas necessidades do usuário e de sua família”.

1.4.3 Habitação

Como o Direito de Habitação requer um fim

delimitado, que é o de servir de moradia a pessoa beneficiada e sua

família, este instituto é ainda mais restrito que o Uso.

85 GOMES, Orlando. Direitos Reais. p.351 86 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p.307 88 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. p.226 89 RODRIGUES, Silvio. Direito civil v.5. Direito das coisas. p.312

25

Segundo Bodnar90, “trata-se de direito real

personalíssimo e temporário que confere ao beneficiário o direito de

habitar gratuitamente casa alheia, pessoalmente ou com sua família”.

Outro conceito de mesmo caráter é o de Lisboa91, ao

definir Habitação como “o direito real sobre coisa alheia através do qual

um sujeito (o habitante) poderá se utilizar gratuitamente de um imóvel,

para moradia própria e de sua família”. O autor completa ensinando que

o Direito Real de habitação só terá validade se for averbado junto ao

registro imobiliário respectivo.

Segundo Diniz92, o Direito Real de Habitação é limitado,

personalíssimo, temporário, indivisível, intransmissível e gratuito. A

doutrinadora ensina que o habitador poderá viver na casa com a sua

família e ainda hospedar parentes e amigos, desde que não seja cobrada

a estadia, sendo vedado ao habitador alugar ou emprestar a coisa.

O atual Código Civil Brasileiro ordena em seu

artigo141493:

Art. 1414. Quando o uso consistir no direito de habitar

gratuitamente coisa alheia, o titular deste direito não a

pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la

com sua família.

Nesse sentido, ensina Oliveira94:

Habitação distingue-se de usufruto, pois tem caráter mais

restrito. Consiste em uso para moradia, não abrangente da

percepção dos frutos, pois somente confere direito de

90 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. p.118 91 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. p.231 92 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p.450 93 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 27 ago. 2006. 94 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. 6 ed. São Paulo: Editora Método, 2003. p.209

26

habitar, gratuitamente, imóvel residencial alheio. Quem

habita não pode alugar nem emprestar a coisa, mas

somente ocupa-la com sua família.

Segundo Venosa95, “tanto o uso como a habitação

possuem cunho eminentemente alimentar, embora a lei não proíba que

decorram de negócios onerosos”.

Para Bessone96, “o Direito Real de habitação

diferencia-se qualitativamente do usufruto e também da figura que o

Código chamou de uso, por consistir uso típico, não abrangente da

percepção dos frutos”.

No que diz respeito à constituição e à extinção do

Direito de Habitação, aplicam-se os princípios básicos relacionados ao

Usufruto.

A seguir, transfere-se o estudo às considerações

acerca do instituto da União Estável.

95 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p.484 96 BESSONE, Darcy. Direitos reais. p.305

27

CAPÍTULO 2

CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO

2.1 BREVE HISTÓRICO DA UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL

A União Estável apenas foi reconhecida como

entidade familiar quando inserida ao texto constitucional97, no artigo 226,

§3º, determinando que o Estado protegesse o instituto. Todavia, antes do

seu reconhecimento, as relações extramatrimoniais apresentaram-se,

muitas vezes, de forma repreendida.

Cavalcanti98 explica que o fato de as relações

extramatrimoniais terem sido repreendidas se deve ao fato de que o Brasil

adotava regras muito formais quanto à família, ou seja, a família sempre

deveria ser calçada pelo casamento como se este fosse uma forma de

defesa.

Prossegue Cavalcanti99 mencionando que, na época

imperial, as leis que regiam o Brasil seguiam as regras das Ordenações de

Portugal, que já naquela época posicionavam-se contra as relações que

não fossem seladas pelo casamento, até mesmo porque, perante o

sacerdote, o casamento era considerado sacramento.

Apenas em 1.890, com o Decreto nº 181 de 24 de

janeiro, passou o casamento civil a ser o único meio de constituição de 97 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 03 set. 2006. 98 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. São Paulo: Manole, 2004. p.48-49 99 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.48-49

28

família legítima e, logo em seguida, no ano de 1.891 ficou estabelecido

que não se poderia admitir a dissolução do vínculo conjugal. Cavalcanti100

ensina que apenas em 1.912, com o Decreto 2.681, a companheira

adquiriu um benefício, sendo que nesse decreto era prevista a

responsabilidade das empresas de estrada de ferro de indenização aos

dependentes, inclusive às companheiras. Afirma, ainda, a doutrinadora,

que o Código Civil de 1.916101 se absteve de regulamentar a União Estável,

mencionando apenas algumas regras repressoras, tais como o artigo 183,

III, e o art. 1.777.

Segundo ensinamento de Cavalcanti102:

O avanço jurisprudencial da questão tornou-se de suma

importância para evolução dos direitos advindos destas

relações extramatrioniais, afastando-se graves injustiças

presentes em leis ultrapassadas. Nesse sentido, o Supremo

Tribunal Federal acabou editando quatro súmulas

jurisprudenciais a respeito, que trouxeram mais justiça e

conforto para os relacionamentos não formalizados pela

celebração do casamento.

Trata-se da Súmula 35 que fala acerca do acidente de

trabalho, onde a concubina tem direito de indenização; a Súmula 380,

que menciona que se comprovada a sociedade de fato, poderá haver a

dissolução; a Súmula 382 que diz que o convívio more uxório não é

indispensável à caracterização da sociedade conjugal e, por fim, a

Súmula 447, que se refere à disposição testamentária. Todas as Súmulas do

Supremo Tribunal Federal, antes mencionado.

100 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p. 50 101 BRASIL. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 03 set. 2006. 102 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p. 52

29

Foi com o reconhecimento na Constituição Federal103,

artigo 226, § 3º, que a União Estável então passou a ser considerada

entidade familiar. Todavia, aduz Cavacanti104, que mesmo após seu

reconhecimento, houve dúvidas acerca de sua configuração, já que não

foi apresentado conceito e efeitos provenientes, cabendo, então, à

jurisprudência e à doutrina dirimir questões duvidosas que fossem surgindo.

Com o advento do atual Código Civil, o conceito foi claramente exposto

e, portanto, preencheu a lacuna que antes apresentava.

Após o estudo do breve histórico da evolução da

União Estável no Brasil, dirige-se o estudo ao conceito do instituto.

2.2 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL

Além da Constituição Federal de 1988, em seu artigo

226, § 3º, o artigo 1.723 do Código Civil105 também reconheceu a União

Estável e a define como entidade familiar entre homem e mulher,

“configurada na convivência pública, contínua e duradoura e

estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Para Venosa106 “a união estável, denominada na

doutrina como concubinato puro, passa a ter a perfeita compreensão

como aquela união entre homem e mulher que pode converter-se em

casamento”.

103 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em 10 set. 2006. 104 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p. 53 105 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 10 set. 2006. 106 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.453

30

Lisboa107 conceitua a União Estável como sendo “a

relação íntima e informal, prolongada no tempo e assemelhada ao

vínculo decorrente do casamento civil, entre sujeitos de sexos diversos

(conviventes ou companheiros), que não possuem qualquer impedimento

matrimonial entre si”.

O professor Álvaro Villaça Azevedo108 também

transcreve acerca do tema:

União estável é a convivência não adulterina nem

incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e

de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como

se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo,

assim, sua família de fato.

No mesmo sentido, Santos109 apresenta a União Estável

como “a convivência estável e séria entre um homem e uma mulher, sem

que nenhum deles seja ligado por um vínculo precedente matrimonial”. O

autor complementa dizendo que é este “um fenômeno social, antes de

jurídico, que não pode certamente incorrer nas qualificações de ilicitude

ou de ilegitimidade, pondo em risco os fundamentos de ordem pública

sobre os quais o casamento se assenta”.

Segundo entendimento de Cavalcanti110:

Trata-se de fato jurídico não solene, de formação sucessiva

e complexa. Ou seja, somente após a configuração de

certos elementos é que ela finalmente poderá ser

reconhecida como entidade familiar pelo sistema jurídico.

Isto quer dizer que a união estável precisa se adequar a

107 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.213 108 Álvaro Villaça Azevedo – União Estável. Artigo publicado na Revista do Advogado n° 58, AASP, São Paulo, março/2000. Disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina /texto.asp?id=696 - Acessado em 15/08/2006. 109 SANTOS, Frederico Augusto de Oliveira. Alimentos decorrentes da união estável. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.15 110 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.113

31

certos elementos para que seja finalmente reconhecida

como fato jurídico.

Cahali111 ensina que:

A união estável nada mais é do que um fato no mundo

empírico com conseqüências jurídicas pela sua existência.

Concomitantemente ao fato social, caracteriza-se como

fato jurídico. (...) Diverge, substancialmente, nesse particular,

a união estável do casamento, pois os companheiros

passam a integrar o instituto não após o cumprimento das

formalidades legais para a sua celebração, mas pela sua

caracterização diante da conduta dos partícipes,

passando, a partir daí, pela postura adotada pelo

relacionamento, a ser atingida pela esfera jurídica das

partes, entre si, perante a sociedade e o Estado.

Destacam-se, a seguir, alguns dos elementos

configuradores da União Estável.

2.3 ELEMENTOS DA UNIÃO ESTÁVEL

Para que seja configurada a União Estável, alguns

elementos devem ser considerados. Dispõe Lisboa112:

a) a diversidade de sexo; (...) b) a inexistência de

impedimento matrimonial entre os conviventes; c) a

exclusividade; d) a notoriedade ou publicidade da relação;

(...) e) a aparência de casamento perante a sociedade,

como se os conviventes tivessem contraído matrimônio civil

entre si; f) a coabitação; g) a fidelidade; (...) h) a

informalização da constituição da União; i) a durabilidade,

caracterizada pelo período de convivência, para que se

reconheça a estabilidade da união.

111 CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996. p.52 112 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.213-214

32

Cavalcanti113 explica que a diversidade dos sexos é

requisito essencial para a consolidação da caracterização da União

Estável, visto que está expressamente previsto na Constituição Federal este

elemento.

Afirma Oliveira114: “O mandamento constitucional

exige, para a união estável, que a coabitação se dê entre pessoas de

sexos diferentes, isto é, entre homem e mulher, não tendo amparo

constitucional a união estável entre homossexuais”.

Outro elemento apontado como requisito para que se

caracterize a União Estável é a inexistência de impedimentos matrimoniais,

ou seja, de acordo com Cavalcanti115, conforme dispõe o artigo 1.723, §

1º, do Código Civil116, “a união estável não se constituirá se presentes os

impedimentos do casamento (artigo 1.521), não se aplicando o

impedimento matrimonial por vínculo no caso de a pessoa casada se

achar separada judicialmente ou de fato”.

Já a exclusividade trata-se de um elemento objetivo

necessário relacionado ao princípio da monogamia, onde não é admitido

o compromisso com terceiros, constituindo relacionamento paralelo e

desleal. Dando seguimento ao raciocínio, este é o entendimento de

Guilherme Calmon Nogueira da Gama117:

A união extramatrimonial entre homem e mulher para fins

de constituição de família e dotada de estabilidade deve

ser caracterizada como o único vínculo existente para 113 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.117 114 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessão no casamento e na união estável. 7 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p.85 115 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.132 116 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 10 set. 2006. 117 Apud CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.117

33

ambos os companheiros, ou, em termos sintéticos, deve-se

tratar de uma união monogâmica.

Alguns doutrinadores, como Francisco José Cahali e

João Roberto Parizatto118, entendem que poderá se caracterizar a União

Estável mesmo se um, ou até ambos os conviventes forem casados, desde

que separados de fato dos respectivos cônjuges, pois a união de

indivíduos separados de fato já vem sendo reconhecida doutrinariamente

e jurisprudencialmente há algum tempo.

Com relação à notoriedade e à publicidade da União

Estável, preleciona Cavalcanti119:

A Lei 9.278/96 e o novo Código Civil (art. 1.723) determinam

claramente que a união para ser considerada estável deve

ser pública. Isto quer dizer que não podemos considerar

uma relação oculta, escondida e, portanto, sem

notoriedade como uma entidade familiar. (...) Portanto, essa

publicidade que deve existir necessita estar relacionada

com a notoriedade do tratamento familiar entre o qual,

pelo menos perante as pessoas mais próximas, que tenham

contato direto com eles. Ou seja, familiares, amigos e outras

pessoas da sua convivência.

O elemento durabilidade é outro requisito que merece

destaque, e apesar de a Constituição Federal não fixar prazo para a

caracterização da União Estável, este período deverá ser duradouro,

lembrando-se que sempre deve haver o ânimo de constituir família para

que se caracterize a União Estável. “Deve-se entender razoável o período

de cinco anos, como indicativo de um período condizente para o

118 Apud OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessão no casamento e na união estável. p.90-91 119 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.128

34

reconhecimento da estabilidade”, ensina Lisboa120. “Porém não pode ser

admitido como regra absoluta”, completa o autor.

Identificados alguns dos principais elementos da União

Estável, se encaminha o estudo à distinção entre o instituto e o

Concubinato.

2.4 CONCUBINATO E UNIÃO ESTÁVEL: DISTINÇÕES

Inicialmente cabe destacar a análise feita por

Matielo121 acerca da distinção entre Concubinato e União Estável, ou seja,

segundo o doutrinador, no decorrer do tempo foi convencionado

classificar toda e qualquer espécie de convivência como pertencente a

um grande gênero denominado Concubinato.

Posto isso, prossegue Matielo122:

Em sentido amplo (lato sensu) como a união entre o homem

e a mulher, sem casamento e em sentido estrito (stricto

sensu), onde, o concubinato assume as exatas feições da

união estável como concebida pela legislação protetora.

É consabido que o Concubinato pode ser classificado

como puro e impuro, sendo que Matielo123 ensina que o “puro” refere-se

ao sentido estrito, acima indicado e o “impuro” refere-se ao sentido

amplo.

É o entendimento do Desembargador Sérgio Fernando

de Vasconcellos Chaves124:

O elemento diferenciador que a doutrina estabelece entre

uma relação concubinária pura ou impura está na

120 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.214 121 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Concubinato. 3 ed. São Paulo: Novak, 2001. p.22-23 122 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Concubinato. p.22-23 123 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Concubinato. p.24-25 124 Apud RIZZARDO, Arnaldo. Direito e Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.904

35

manutenção do vínculo do matrimônio paralelamente ao

concubinato. Se o concubinato é mantido paralelamente

ao casamento, diz-se concubinato impuro ou

concubinagem; se os conviventes não têm qualquer

impedimento matrimonial, diz-se que vivem em

concubinato puro. Considera-se também que constitui

concubinato dito impuro a situação em que um ou os dois

componentes mantém uma união de fato paralelamente a

um casamento ou a uma união estável.

Já na concepção de Lisboa125, Concubinato nada

mais é do que a união informal entre pessoas de sexos diferentes e que,

como se fossem casados civilmente, passam a viver perante a sociedade.

Todavia, classifica o Concubinato em duas modalidades, ou seja,

“natural” ou “puro” e, “espúrio” ou “impuro”.

Lisboa126 define o Concubinato natural ou puro como

sendo aqueles efetivados livremente entre pessoas de sexos diferentes,

sem impedimento matrimonial, e de forma estável. O Concubinato espúrio

ou impuro é definido pelo doutrinador como sendo aquele efetivado por

homem e mulher, de forma estável, porém impedidos de casar.

Deve-se identificar, portanto, a diferença apontada

por Lisboa127, ou seja, o Concubinato espúrio não pode ser comparado à

União Estável, haja visto que ele se fundamenta na possibilidade de

facilitar a conversão em casamento, constitucionalmente protegida sob a

égide de entidade familiar.

Destaca-se, nesse sentido, o entendimento de

Rizzardo128 sobre a diferença da União Estável e da União Concubinária. A

primeira é definida pelo autor como sendo a união entre pessoas de sexos

diferentes em situações de inexistência de impedimentos para o

125 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.215 126 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.216-217 127 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.217 128 RIZZARDO, Arnaldo. Direito e Família. p.893

36

casamento, abrangendo, inclusive, a união de pessoas que estão apenas

separadas de fato com outra pessoa. Já a segunda é vista como sendo a

união quando há impedimento para o matrimônio, todavia, deve haver

uma união prolongada, convivência constante e disposições que

impeçam a realização da conversão da união em matrimônio.

Dessa forma, vê-se de maneira clara que a

modalidade Concubinato, prevista no artigo 1.727 do atual Código

Civil129, constitui em relações não eventuais entre homem e mulher,

impedidos de casar, ao contrário da União Estável, a qual não prevê fatos

impeditivos para a transformação da união em casamento.

Reconhecendo-se a União Estável como entidade

familiar, transfere-se o estudo à análise dos efeitos produzidos, tanto no

que concerne aos aspectos extrínsecos quanto aos intrínsecos. Efeitos

estes de ordem social, patrimonial e pessoal.

2.5 EFEITOS DA UNIÃO ESTÁVEL

Ao se referir aos efeitos resultantes da União Estável,

destaca-se o ensinamento de Gama130:

O conjunto de efeitos produzidos pelo fenômeno é tão

amplo que muito se assemelha aos efeitos do casamento,

mesmo porque ambos os institutos são formadores e

mantenedores da instituição familiar. Outrossim, alguns

efeitos gerados pelo companheirismo afetam tão somente

a esfera da vida pessoal do casal, sem qualquer conotação

econômico-patrimonial, gerando direitos e deveres

denominados de família puros, enquanto outros se refletem

no campo patrimonial, impondo obrigações e/ou deveres

129 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 130 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família. São Paulo: Editora RT, 1998. p.222

37

em contraposição ao direito titularizado por algum

partícipe. Estes são os direitos patrimoniais ou econômicos.

Pessoa131 doutrina que a União Estável gera efeitos

jurídicos de ordem social, pessoal e patrimonial, sendo que os dois

primeiros advêm do estado concubinário e o último das repercussões de

caráter econômico em relação aos conviventes e a terceiros.

Pereira132 transcreve da seguinte maneira acerca do

tema:

As tendências e tentativas de estabelecer os efeitos da

união estável são sempre no sentido de equipará-la a um

casamento oficial, fazendo-se uma analogia às regras

definidas de um casamento civil, mas com as

peculiaridades e os cuidados morais, às vezes até mesmo

moralistas de cada tribunal. Podemos dizer, então, que de

um casamento informal, ou seja, de uma união estável,

estabelecem-se relações pessoais e patrimoniais com

conseqüentes efeitos jurídicos.

Nos próximos itens serão abordados, separadamente,

os efeitos sociais, patrimoniais e pessoais da União Estável.

2.5.1 Efeitos Sociais

A Constituição Federal reconheceu a União Estável por

ser ela uma realidade social, porém, ensina Diniz133, que não só por esse

motivo foi reconhecida, mas, também, para que fosse tutelada pelo

Estado, e para que sua conversão em casamento fosse possível.

Orlando Soares134 entende que:

131 PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. São Paulo: Saraiva, 1997. p.61-62 132 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.51 133 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. p.352 134 Apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p.450

38

Seja como for, o desinteresse pelo casamento acabou

provocando uma espécie de clamor público, no sentido de

que fossem constitucionalizadas e reguladas,

legislativamente, as uniões livres entre homem e mulher,

para efeito de recíproca assistência e proteção à prole daí

resultante; originando a noção de entidade familiar, prevista

na Cata Política de 1988, em razão do que não mais pode

falar em família ilegítima, em oposição à família legítima,

pois ambas essas situações estão sob o mesmo manto da

proteção legal e constitucional.

Para Cavalcanti135, a regulamentação da União

Estável exteriorizou a vontade das partes de criar uma entidade familiar

diferente do casamento, mas reconhecida pelo direito e com efeitos de

ordem patrimonial e pessoal que repercutem na esfera social, gerando

efeitos sociais basilares, observando-se, sempre, os princípios do direito de

família.

2.5.2 Efeitos Patrimoniais

Com relação aos efeitos patrimoniais da União Estável,

Pessoa136 explica que as partes podem estipular as regras para a

convivência, ou seja, os deveres e direitos de cada convivente podem ser

entabulados através de um contrato escrito.

Em sua obra, Pessoa137 descreve que até o advento da

Lei n° 8.971/94138 esses efeitos se limitavam ao campo previdenciário e da

infortunística; estenderam-se, com a atuação dos tribunais ao Direito das

Obrigações, quanto aos atos lícitos e ilícitos, aos quais foram acrescidos os

decorrentes da obrigação alimentar, no campo do Direito de Família e os

135 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.240 136 PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. p.61 137 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. P.68 138 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm. Acesso em 22 set. 2006.

39

relacionados ao Direito Sucessório, sendo que estes últimos, até então,

eram apenas objeto de controvérsias na doutrina e na jurisprudência.

Com a edição da Lei nº 9.278/96139, firmou-se a

regulamentação dos direitos sucessórios do companheiro, onde se

introduziu a partilha dos bens adquiridos na constância da União Estável

no âmbito patrimonial, bem como o Direito Real de Habitação do

companheiro sobrevivente, relativamente ao imóvel destinado à

residência da família.

A questão patrimonial no âmbito sucessório do

companheiro merece destaque, e será tratada com mais clareza e

profundidade no próximo capítulo deste trabalho.

Encontra-se o primeiro efeito patrimonial da União

Estável no artigo 1.725 do Código Civil140, ordenando que, “na união

estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às

relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de

bens”.

Rodrigues141 conceitua o regime de comunhão parcial

de bens como sendo:

(...) aquele que, basicamente, excluem da comunhão os

bens que os consortes possuem ao casar ou que adquirir por

causa anterior e alheia ao casamento, e que inclui na

comunhão os bens adquiridos posteriormente.

O segundo efeito patrimonial está disposto no artigo 5º

da Lei 9.278/96142, que dispõe sobre a partilha do patrimônio formado

139 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em 15 set. 2006. 140 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 141 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.206

40

durante a convivência, onde “os bens móveis e imóveis adquiridos por um

ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título

oneroso, são considerados fruto do trabalho e a colaboração comum,

passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo

estipulação em contrário em contrato escrito”.

Nesse sentido explica Rizzardo143:

Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na

constituição do patrimônio amealhado durante o período

de convivência more uxório, a contribuição consistente na

realização das tarefas necessárias ao regular

gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços

domésticos, admissível o reconhecimento da existência da

sociedade de fato e conseqüente direito à partilha

proporcional.

O terceiro efeito patrimonial a ser enfrentado diz

respeito ao pagamento de pensão alimentícia ao ex-companheiro(a),

assegurado pelo disposto no art. 1.964 do Código Civil144: “podem os

parentes, os cônjuges ou conviventes pedir uns aos outros alimentos de

que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição

social, inclusive para atender às necessidades do reclamante e dos

recursos da pessoa obrigada”.

Assim, aduz Pessoa145, que na relação entre

companheiros, os alimentos se revestem das mesmas características da

obrigação alimentar, ou seja, da condicionabilidade, da variabilidade, da

irrenunciabilidade, da reciprocidade, da impenhorabilidade etc.

142 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em 15 set. 2006. 143 RIZZARDO, Arnaldo. Direito e Família. p.911 144 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 145 PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. p.74

41

Por fim, analisa-se a necessidade ou não de outorga

uxória entre os companheiros e, conforme descreve art. 1.647, I, do

Código Civil146, vê-se que não há, teoricamente, a sua obrigatoriedade.

Todavia, para Lisboa147, em se tratado de bens imóveis, é necessária a

autorização dos conviventes para a transmissão da coisa.

2.5.3 Efeitos Pessoais

Ensina Pessoa148, no que diz respeito apenas aos efeitos

pessoais da União Estável, que são aqueles relacionados à formação da

estrutura da união concubinária, ou seja, aqueles que não tem relação

com o cunho econômico. Nesse sentido, aponta o doutrinador como

sendo, por exemplo, a fixação de domicílio, a representação do casal e

relação da prole para com terceiros, as relações de família e as relações

com a sociedade.

Lisboa149 cita seis efeitos pessoais da União Estável com

destaque e ênfase ao disposto no artigo 1.724 do Código Civil, sendo eles:

a fixação de domicílio pelos coniventes, a coabitação exclusiva, a

fidelidade física e moral, a assistência material e imaterial recíproca, a

adoção do nome do convivente, e o registro e reconhecimento de filho

havido da União Estável.

Acerca dos efeitos pessoais da União Estável,

Cavalcanti150 ensina que o legislador não previu expressamente a

fidelidade, a lealdade e a coabitação para a União Estável, porém se

preocupou apenas com o respeito e a consideração recíproca, que são

elementos indispensáveis para um relacionamento familiar. Todavia,

146 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 147 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.232 148 PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. p.62 149 LISBOA, Robero Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.231 150 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.214-215

42

explica a doutrinadora, que quando o legislador se refere ao respeito e

consideração recíproca, de forma subjetiva, ele quis dizer também

fidelidade e coabitação, no sentido de que assim se estabelece uma

exclusividade e uma presunção de racionamento sexual e, portanto, se

configura a União Estável.

Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos151

prossegue e aponta a assistência moral recíproca como efeito pessoal da

União Estável, transcrevendo da seguinte forma sobre o assunto:

A assistência moral baseia-se no amor, que se presume

existir entre os companheiros, razão pela qual pode parecer

impossível delimitar seu conteúdo no plano jurídico.

Realmente o amor ou afeição é sentimento que a lei não

pode impor aos companheiros, o que gera falsa noção de

que a assistência moral seja um dever mais moral do que

jurídico, vago e de difícil sancionamento legal.

Por fim, tem-se o efeito pessoal denominado “poder

familiar”, enfatizado por Cavalcanti152, já que a Constituição Federal de

1.988 estabeleceu ampla equiparação da União Estável ao Casamento,

devendo os companheiros, convivendo sob o mesmo teto ou não,

reconhecerem o poder familiar e exercerem a guarda, educação e

sustento dos filhos.

Após algumas considerações gerais acerca da União Estável no Direito

Brasileiro, tais como o breve histórico, o conceito, os elementos

configuradores, a distinção entre o Concubinato e os seus efeitos, dirige-se

o estudo do próximo capítulo à dissolução da União Estável por morte do

companheiro e o Direito Real do sobrevivente.

151 Apud CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.217 152 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e União Estável: requisitos e efeitos pessoais. p.220

43

CAPÍTULO 3

A DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL POR MORTE DO COMPANHEIRO E O DIREITO REAL DO SOBREVIVENTE

3.1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DOS DIREITOS HEREDITÁRIOS DO

COMPANHEIRO COM O ADVENTO DAS LEIS 8.971/94 E 9.278/96

Com o reconhecimento da União Estável como

entidade familiar pela Constituição Federal de 1.988153 (artigo 226, § 3º),

para fins de proteção do Estado, significativas mudanças ocorreram para

a evolução do instituto.

É de se observar que mesmo antes do advento da Lei

8.971/94154, que veio a regular os direitos dos companheiros no plano

sucessório, alguns doutrinadores e juízes, ainda que minoritários, se

pronunciaram no sentido de resguardar direitos sucessórios causa mortis

aos que viviam em União Estável, com base no artigo 226, §3º da Lei

Maior155, estendendo as mesmas garantias do cônjuge ao companheiro.

Contudo, segundo Pellizzaro156, essas manifestações doutrinárias e

jurisprudenciais “eram restritas aos casos de concordância integral de

todos os herdeiros”.

153 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 20 set. 2006. 154 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm. Acesso em 22 set. 2006. 155 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 20 set. 2006. 156 PELLIZZARO, André Luiz. A Sucessão Hereditária na União Estável. Curitibanos: Edipel, 2000. p.63

44

Somente com o advento da Lei nº 8.971/94157 é que o

direito sucessório dos companheiros foi reconhecido. O texto da lei,

publicado no Diário Oficial de 30/12/1994, é o seguinte:

Art. 1º. A companheira comprovada de um homem solteiro,

separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele

viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá

valer-se do disposto na Lei 5.478, de 25/07/1968, enquanto

não constituir nova união e desde que prove a

necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é

reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada

judicialmente, divorciada ou viúva.

Art. 2º. As pessoas referidas no artigo anterior participarão

da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes

condições:

I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto

não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos

bens do de cujos, se houver filhos deste ou comuns;

II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto

não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens

do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam

ascendentes;

III – na falta de descendentes e de ascendentes, o (a)

companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da

herança.

Art. 3º. Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da

herança resultarem de atividade em que haja colaboração

do(a) companheiro(a), terá o sobrevivente direito à metade

dos bens.

157 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm. Acesso em 22 set. 2006.

45

Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º. Revogam-se as disposições em contrário.

Como o art. 4º diz respeito à data de publicação da

lei, e o art. 5º à revogação das disposições em contrário, Oliveira158 afirma

que a referida norma trata dos direitos decorrentes da União Estável em

apenas três artigos substanciais, delimitando a situação dos companheiros

e a convivência entre casais “solteiros, separados judicialmente,

divorciados, ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com prole dessa união”.

Observa-se que o inciso III do art. 2º da lei alterou a

ordem de vocação hereditária que previa o art. 1.603 do Código Civil de

1.916159, colocando o companheiro na mesma posição em que se

encontrava o cônjuge, ou seja, depois dos descendentes e ascendentes,

e antes dos colaterais, bem como dos Municípios, Distrito Federal e ou

União.

Pellizzaro160 entende que com a edição desta lei, a

União Estável consagrou-se como “verdadeiro instituto jurídico,

colocando-se ao lado do casamento e passando, portanto, a integrar o

direito de família”.

Assim consideram Oliveira e Amorim161:

Passou a ser admitida a sucessão causa mortis entre

companheiros, similar ao direito consagrado ao ex-cônjuge

pelo Código Civil de 1916 nos artigos 1.603, inc. III, e 1.611,

com implícita alteração da ordem de vocação hereditária,

158 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.89 159 BRASIL. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 03 set. 2006. 160 PELLIZZARO, André Luiz. A Sucessão Hereditária na União Estável. p.34 161 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. AMORIM, Sebastião Luiz. Inventários e partilhas – direito das sucessões. São Paulo: LEUD, 2003. p.162-163

46

uma vez que, existindo companheiro com direito à herança,

afasta-se o chamamento dos colaterais sucessíveis.

Nas palavras de Gomes162, “a existência da união

estável colocou o companheiro, sob a égide da referida lei, na ordem de

sucessão dos herdeiros antes dos colaterais, afastando-os da sucessão”.

Pronuncia-se João Roberto Parizatto163 nesse sentido:

No caso em apreço, igualou-se para fins sucessórios a(o)

concubina(o) ao cônjuge, prevendo-se que, na hipótese de

inexistirem descendentes ou ascendentes do de cujus, a(o)

concubina(o) receberá a totalidade da herança, o que

ocorre, na mesma hipótese, ao cônjuge sobrevivente que

aparece em terceiro lugar na ordem de vocação

hereditária prevista no art. 1.603 do Código Civil.

Baseando-se no teor do artigo 2º, inciso III, Oliveira164

concorda em ser o convivente sobrevivente o herdeiro totalitário em caso

da não existência de descendentes e ascendentes, tornando assim o

companheiro como herdeiro necessário, porém, esta colocação não

recebe total amparo da doutrina.

Por mais que o companheiro tenha se equiparado ao

cônjuge na ordem de vocação hereditária, nos termos do inciso III, do

artigo 2º, da Lei 8.971/94165, não se deve interpretar que tal disposição

legal tenha equiparado a união estável ao casamento, porque, desta

maneira, desnecessária seria a determinação constitucional de converter

162 GOMES, Orlando. Sucessões. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.67 163 Apud OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessão no casamento e na união estável. p.238 164 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessão no casamento e na união estável. p.236 165 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm. Acesso em 22 set. 2006.

47

a união em casamento, conforme ordena o artigo 226, § 3º da

Constituição Federal de 1.988166.

Na concepção de Lisboa167:

Tem-se a impressão, destarte, que a lei regulou a matéria de

forma açodada e discriminatória, desprestigiando o

casamento e desfavorecendo os interesses do cônjuge

sobrevivente. É mais vantajoso, nessa situação jurídica, ser

convivente do que possuir o status de cônjuge supérstite

remanescente de um casamento sob o regime de bens de

comunhão universal, de separação obrigatória de bens ou

de comunhão parcial sem a existência de bens particulares

do autor da herança.

Segundo Venosa168, “embora haja o reconhecimento

constitucional, as semelhanças entre o casamento e a união estável

restringem-se apenas aos elementos essenciais”.

Na interpretação de Mário Roberto Carvalho de

Faria169:

Tendo a Constituição Federal colocado o casamento em

um patamar superior à união estável, não há dúvida de que

a posição do cônjuge é superior à da companheira,

devendo por isso precedê-la na ordem da vocação

hereditária. Discordamos daqueles que entendem estar a

companheira colocada no mesmo plano do cônjuge. Em

havendo cônjuge, jamais será a companheira considerada

herdeira do autor da herança.

Gama170, oportunamente, ensina que: 166 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em 10 set. 2006. 167 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, volume 5: direito de família e das sucessões. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p.427 168 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.150 169 Apud OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessão no casamento e na união estável. p.238

48

A missão do intérprete, diante da norma constitucional, é

adotar orientação que não permita reconhecer maiores

benefícios aos companheiros do que aos cônjuges,

inexistindo qualquer vedação que o tratamento seja

idêntico. E é justamente o que ocorre em relação ao direito

previsto no art. 2º, inciso III, da Lei 8.971/94, ou seja, à

equiparação do direito à sucessão dos companheiros ao

direito à sucessão dos cônjuges.

Uma outra evolução, que na concepção de

Rodrigues171, “mostra a boa vontade do legislador para com os

participantes da união estável”, é que o legislador deferiu, conforme

estipula o art. 3º da referida lei, o direito à metade dos bens do pré-morto

ao companheiro sobrevivente, se demonstrado apenas uma colaboração

para a construção do patrimônio, enquanto que a Súmula 380 do

Supremo Tribunal Federal somente admitia a partilha dos bens, se fossem

provados que estes eram decorrentes do esforço comum de ambos

conviventes.

A referida lei teve a finalidade de consagrar o direito

hereditário do companheiro, para que se consolidasse a jurisprudência

dos tribunais e resultasse na pacificação doutrinária, que até então era

esparsa e conflitante. Porém, algumas imperfeições e dúvidas surgiram

com a norma.

Oliveira172, em sua obra, destaca alguns graves vícios

técnicos na redação da lei, argüindo inclusive uma inconstitucionalidade,

no ponto em que a crítica considera um excesso de direitos resguardados

ao companheiro, quando a lei “dá mais direitos ao companheiro que ao

casado, havendo que se restringir para atender aos mesmos princípios

que informam o direito sucessório para o cônjuge sobrevivente”. 170 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espécie de família. p.427 171 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. p.306 172 OVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.91-93

49

Segundo Jorge Lauro Celidônio173, “ao invés de estar

facilitando a conversão em casamento, desestimulando o concubinato,

está, na realidade, estimulando a sua continuidade”, afrontando a norma

constitucional.

A Lei nº 9.278/96174, que aparentemente viria

esclarecer as dúvidas deixadas pela lei anterior, confundiu ainda mais os

direitos do companheiro no plano sucessório, não passando imune à

crítica dos doutrinadores.

Segundo Wald175:

A situação da companheira ficou ainda mais confusa com

a Lei 9.278, de 10.05.1996, que, sem exigir prazo específico

para o reconhecimento da união estável, atribuiu à

companheira (e ao companheiro), que denomina

convivente, o direito à meação em relação aos bens

adquiridos onerosamente, por qualquer um dos integrantes

da união, durante a vigência da mesma (art. 5º), salvo

estipulação contratual em contrário. Por outro lado, ficou

também assegurado ao companheiro sobrevivente o direito

real de habitação na moradia comum, enquanto não

constituir nova união ou não contrair matrimônio (art. 7º,

parágrafo único).

Portanto, com a nova lei, o período para a

caracterização da União Estável, que até então era de cinco anos passou

a deixar de existir, e um único acréscimo feito pela lei foi a garantia do

Direito Real de Habitação ao companheiro sobrevivente, o mesmo direito

reservado ao cônjuge viúvo no artigo 1.611, § 2º, do Código Civil de

173 Apud OVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.90 174 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em 15 set. 2006. 175 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro – direito das sucessões. 11 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p.90

50

1.916176. A lei não se referiu aos direitos de usufruto e de herança, não

revogando o disposto na lei anterior.

No entendimento de Venosa177:

O diploma legal mais recente, Lei nº 9.278/96, que poderia

aclarar definitivamente a questão, mais ainda confundiu,

pois se limitou, laconicamente, a atribuir direito real de

habitação ao companheiro com relação ao imóvel

destinado à residência familiar, enquanto não constituísse

nova união.

No que diz respeito à concessão do Direito Real de

Habitação, quando o companheiro sobrevivente já possuía direito à

herança e ao usufruto nos termos da lei anterior, Oliveira178 expressa-se da

seguinte maneira:

Note-se que a cumulação de direitos sucessórios na união

estável vai além do que o Código Civil de 1.916 prevê ao

cônjuge sobrevivente, com distinções muito claras a quem

tenha sido casado no regime que não seja o da comunhão

de bens, ou no regime da comunhão universal, para acesso

ao usufruto ou à habitação, respectivamente (art. 1.611, §§

1º e 2º).

Uma outra crítica observada por parte da doutrina

aparece quando a lei estabelece em seu art. 1º que: “é reconhecida

como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de

um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição

de família”, nota-se, que o legislador foi omisso quanto às uniões

homossexuais, que, segundo Pellizzaro179, “a existência, e até mesmo

176 BRASIL. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 03 set. 2006. 177 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.150 178 OVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.97 179 PELLIZZARO, André Luiz. A Sucessão Hereditária na União Estável. p.49

51

aceitação, vêm ocorrendo, como se verifica notadamente, na legislação

previdenciária”. O doutrinador cita em sua obra o comentário do

desembargador gaúcho Marco Antonio Scapini180 no que diz respeito às

uniões de pessoas de mesmo sexo:

A Constituição deixou claro que só a união estável entre

pessoas de sexos opostos é reconhecida como entidade

familiar. Afastou, portanto, a concepção de família, num

resquício de conservadorismo preconceituoso, as uniões

heterossexuais. Estas, no entanto, formam parcela

importante e significativa da sociedade, que não pode ser

desprezada.

(...)

Na convivência de pessoas do mesmo sexo, formado

patrimônio com participação mútua, pode-se,

perfeitamente, reconhecer a existência de uma sociedade

de fato, passível de dissolução, tal qual ocorria na visão

antiga do concubinato.

(...)

É corriqueiro amantes, mesmo em relacionamento

extraconjugal, formarem patrimônio comum. Se tal ocorrer

com a contribuição de ambos, pode-se aí, igualmente,

admitir a existência de uma sociedade de fato, resolvendo-

se os litígios com base no Direito das Obrigações (Revista da

Ajuris nº 53, p.305).

Contudo, apesar das críticas sofridas pela doutrina em

relação à redação e à técnica legislativa utilizadas pelo legislador na

elaboração da Lei nº 8.971/94181, é de se considerar que um importante

caminho foi percorrido para o cumprimento da norma constitucional,

180 Apud PELLIZZARO, André Luiz. A Sucessão Hereditária na União Estável. p.49-50 181 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm. Acesso em 22 set. 2006.

52

sendo que, em matéria sucessória, o maior avanço se deu com o advento

da Lei nº 9.278/96182, que supriu a lacuna deixada em relação aos

conviventes, no que tange o direito sucessório de propriedade e usufruto,

e, ainda, introduziu o direito de habitação em caso de União Estável.

Ressalta-se que até a entrada em vigor do atual

Código Civil, o entendimento doutrinário é no sentido de que a Lei

9.278/96 não havia ab-rogado a lei 8.971/94, o que propiciou a vigência

conjunta das mesmas. Segundo Oliveira183, “deu-se, pois, somente a

derrogação da Lei 8.971/94, porque revogada em parte, naquilo que se

tornou incompatível com os termos da Lei 9.278/96”.

3.2 A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO NO ATUAL CÓDIGO CIVIL

Tratando-se da sucessão do companheiro e o amparo

do atual Código Civil, inicia-se o estudo com a seguinte afirmação de

Venosa184: “O mais moderno Código conseguiu ser perfeitamente

inadequado ao tratar do direito sucessório dos companheiros”.

O vigente Código Civil retrocedeu consideravelmente

a matéria relativa à sucessão do companheiro sobrevivente na União

Estável. Em local impróprio e em apenas um único dispositivo, o código

define a situação dos companheiros no que se refere ao direito sucessório.

Dispõe o artigo 1.790185:

182 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em 15 set. 2006. 183 OVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.98 184 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.155 185 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006.

53

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da

sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos

onerosamente na vigência da união estável, nas condições

seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota

equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança,

tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito

a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à

totalidade da herança.

O dispositivo sofre várias críticas por parte da doutrina.

Primeiramente, acredita-se que a matéria está disposta em lugar incorreto

do Código Civil, por se encontrar no capítulo das disposições gerais sobre

o Direito das Sucessões, sendo que deveria constar no título da Sucessão

Legítima, que abrange os descendentes, ascendentes, cônjuge e

colaterais, capítulo este sobre a Ordem da Vocação Hereditária.

Hironaka186 transcreve da seguinte maneira:

Não obstante sua importância, parece, todavia, que a

regra está topicamente mal colocada. Trata-se de

verdadeira regra de vocação hereditária para as hipóteses

de união estável, motivo pelo qual deveria estar situada no

capítulo referente à ordem de vocação hereditária.

Para Oliveira187:

186 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentário ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões, vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856). São Paulo: Saraiva, 2003. p.53 187 OVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.105

54

O novo código sequer inclui o companheiro na ordem da

vocação hereditária, limitando-se a tratar de seus direitos

nas disposições gerais do Direito das Sucessões.

(...)

É certo que também o companheiro tem direito à herança,

ainda que de forma distinta daquela prevista para o

cônjuge, mas não pode ser excluído da qualidade de

sucessor legítimo, em determinadas circunstâncias.

No entendimento de Venosa188:

A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador

teve rebuços em classificar a companheira ou companheiro

como herdeiros, procurando evitar percalços e críticas

sociais, não os colocando definitivamente na disciplina da

ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma

eufemisticamente que o consorte da união estável

“participará” da sucessão, como se pudesse haver um

meio-termo entre herdeiro e mero “participante” da

herança.

Verifica-se, ao analisar os artigos 1.790, 1.845 e 1.846 do

Código Civil189, que o companheiro, ao contrário do cônjuge supérstite,

não aparece como herdeiro necessário, o que acarreta uma possibilidade

do autor da herança dispor, em testamento, da integralidade de seu

patrimônio, ressalvado, conforme o caso, ao companheiro sobrevivente o

direito de meação quanto aos bens adquiridos onerosamente na

constância da união estável.

Sobre a restrição da participação do companheiro na

sucessão do outro somente sobre os bens adquiridos onerosamente na

vigência da União Estável, constatada no caput do artigo 1.790, adverte-

188 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.156 189 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006.

55

se que esta não estava prevista na Lei nº 8.971/94190, em que o

companheiro poderia herdar a integralidade da herança quando não

existisse descendente ou ascendente. Por outro lado, o inciso IV deste

artigo ressalta que não havendo parentes sucessíveis o companheiro terá

direito à totalidade da herança. Com isto, observa-se uma dificuldade ao

se interpretar o caput e o inciso IV simultaneamente.

Ainda no caput do artigo 1.790191, verifica-se a

confusão que o legislador fez entre sucessão e meação. Zeno Veloso192 faz

a distinção entre os dois institutos, ensinando que a meação é decorrente

de uma relação patrimonial existente em vida, estabelecida por lei ou

pela vontade das partes, enquanto que a sucessão hereditária origina-se

na morte, e transmite-se aos sucessores conforme as previsões legais

(sucessão legítima) ou a vontade do hereditando (sucessão

testamentária).

Inácio de Carvalho Neto193 deu o seguinte parecer

acerca da confusão desencadeada pelo legislador:

Em primeiro lugar, limita o art. 1.790 à sucessão aos bens

adquiridos na vigência da união estável. Esse fato mostra a

confusão que o legislador fez entre sucessão e meação.

Veja-se o absurdo desta regra: não tendo o de cujus

deixado nenhum outro herdeiro sucessível, o companheiro

recolherá todos os bens adquiridos na constância da união

a título oneroso, e os demais bens serão considerados

vacantes, passando ao domínio da Fazenda Pública. Não

190 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm. Acesso em 22 set. 2006. 191 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 192 Zeno Veloso - União estável e direitos sucessórios à luz do Direito Civil-Constitucional. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8213&p=2 Acessado em 19/08/2006. 193 Inácio de Carvalho Neto – A sucessão do cônjuge e do companheiro no novo Código Civil. Disponível em http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Doutrina_Detalhar&di d=20168 Acessado em 19/08/2006.

56

obstante a confusão, prevalece ainda a distinção, já que o

art. 1.725 é claro em falar do regime de bens na união

estável. Não vemos incompatibilidade entre as duas

disposições. Nada impede que o companheiro tenha direito

à meação e à herança. Mas esta será sempre (ressalve-se a

hipótese de haver testamento beneficiando o

companheiro, quando então poderá este ser contemplado

inclusive com bens anteriores à união) sobre os bens

adquiridos na constância da união a título oneroso.

Portanto, segundo a redação do art. 1.790, ocorrendo

a hipótese de inexistirem descendentes, ascendentes ou outros parentes

sucessíveis, e também não existirem bens adquiridos onerosamente ao

longo da vigência da união estável, pode-se chegar à conclusão de que

o companheiro não terá direito à sucessão, e os bens do de cujus

adquiridos antes da união estável passarão ao Município ou ao Distrito

Federal. Porém, a referida interpretação poderá ser defasada a partir da

previsão do art. 1844 do Código Civil de 2002194, o que não exime de

críticas o caput do art. 1.790.

Rodrigues195 tem as seguintes considerações em

relação à atual norma civil e as mudanças nela trazidas:

Em vez de fazer as adaptações e consertos que a doutrina

já propugnava, especialmente, nos pontos em que o

companheiro sobrevivente ficava numa situação mais

vantajosa do que a viúva ou o viúvo, o Código Civil coloca

os partícipes de união estável, na sucessão hereditária,

numa posição de extrema inferioridade, comparada com o

novo status sucessório dos cônjuges. (...) Diante desse

surpreendente preceito, redigido de forma inequívoca, não

se pode chegar à outra conclusão senão a de que o direito

sucessório do companheiro se limita e se restringe, em

194 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 195 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Sucessões. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.117

57

qualquer caso, aos bens que tenham sido adquiridos

onerosamente na vigência da união estável. (...) Sendo

assim, se durante a união estável dos companheiros, não

houve aquisição, a título oneroso, de nenhum bem, não

haverá possibilidade de o sobrevivente herdar coisa

alguma, ainda que o de cujus tenha deixado valioso

patrimônio, que foi formado antes de constituir união

estável.

Visto que, pela lei anterior, o companheiro era o

terceiro na ordem da vocação hereditária, nota-se uma considerável

redução em sua participação, uma vez que, segundo Oliveira196, pelo

código vigente, o companheiro concorrerá com os colaterais. Porém, será

favorecido, concorrendo este com ascendentes e descendentes, assim

como se reconhece ao cônjuge sobrevivente. O referido autor comenta

que “trata-se de evidente retrocesso no critério no sistema protetivo da

união estável, pois no regime da Lei 8.971/94 o companheiro recebia toda

a herança na falta de descendentes ou ascendentes”.

Rodrigues197 é enfático quando diz:

Nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa

posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa

com quem viveu pública, contínua e duradouramente,

constituindo uma família, que merece tanto

reconhecimento e apreço e que é tão digno quanto a

família fundada no casamento. O correto, como fazia a Lei

nº 8.971/94, art. 2º, III, teria sido colocar o companheiro

sobrevivente à frente dos colaterais.

Outro benefício que a lei dispõe somente a favor do

cônjuge é o que traz o artigo 1.832198. Na concorrência com os

196 OVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.211 197 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das Sucessões. p.119 198 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006.

58

descendentes, “caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem

por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da

herança, se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer”,

enquanto que se o companheiro concorrer com descendentes somente

do autor da herança terá direito à metade que couber a cada um deles,

e concorrendo com outros parentes sucessíveis terá direito a 1/3 (um

terço) da herança (artigo 1.790, incisos II e III).

Um detalhe que se deve observar, ressalta Fernanda

Moreira dos Santos199, é que no inciso I a lei menciona a palavra “filhos”,

enquanto que no inciso II a palavra é “descendentes”. Deve-se, portanto,

interpretar o inciso I de forma ampliada, compreendendo os

descendentes de modo a evitar injustiças na hipótese de não haver filhos,

porém netos em comum, por exemplo. Ocorre, como se verifica, uma má

técnica legislativa.

Uma última controvérsia que gera discussão no âmbito

doutrinário é saber se o vigente Código Civil200 revogou ou não os

dispositivos das Leis 8.971/94201 e 9.278/96202, pois não o fez expressamente.

Busca-se definir se o direito real de habitação, previsto no art. 7º,

parágrafo único da Lei n. 9.278/96, e o usufruto vidual em favor do

companheiro sobrevivente, previsto nos incisos I e II do art. 2º da Lei nº

8.971/94, ainda prevalecem diante da atual norma civil, pois esta não os

mencionou, o que significa outro recuo. Este será o objeto de estudo do

título que dá seqüência a este trabalho. 199 Fernanda Moreira dos Santos – União estável e direitos sucessórios à luz do Direito Civil-Constitucional. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8213&p=2 Acessado em 22/08/2006. 200BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 201 BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm. Acesso em 22 set. 2006. 202 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em 15 set. 2006.

59

No entendimento de Cahali203

Houve a revogação dos artigos referidos por

incompatibilidade com a nova lei. Com efeito, o art. 1.790

estabelece que o companheiro ou companheira

“participará da sucessão do outro (...) nas condições

seguintes”. Fora das condições previstas na norma, o

sobrevivente não participa da sucessão de seu falecido

companheiro; e aqueles direitos não deixam de representar

uma forma de participar da sucessão. Vale dizer, neste

particular – sucessão decorrente da união estável -, o novo

Código disciplinou inteiramente a matéria, revogando,

assim, os efeitos sucessórios entre os conviventes previstos

em normas anteriores.

Oliveira204 transcreve da seguinte forma acerca das

mudanças ocorridas com o advento do atual Código Civil205 em relação à

sucessão dos companheiros:

Nada mais se contempla em favor do companheiro além

do discutível e limitado direito de herança. Decai o direito

de usufruto, não mais previsto no novo ordenamento civil, o

que se justifica diante da participação do companheiro

(assim como do cônjuge) na herança atribuída aos

descendentes e ascendentes. Também desaparece, e aqui

sem justificativa, o direito de habitação em favor do

companheiro, muito embora seja previsto para o cônjuge

sobrevivente (art. 1.831 do novo Código Civil), que ainda

passa a qualificar-se como herdeiro necessário (art. 1.845 do

novo Código Civil). Como se verifica, o direito sucessório do

companheiro é flagrantemente discriminatório, em

comparação com a posição reservada ao cônjuge, nada

justificando essa diversidade de tratamento legislativo

quando todo o sistema jurídico, à luz da Constituição,

203

CAHALI, Francisco José. Curso Avançado de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: Editora RT,

2003. p.232 204 OVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. p.213 205 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 16 set. 2006.

60

recomenda proteção jurídica à união estável como forma

alternativa de entidade familiar, ao lado do casamento.

Rodrigues206 sintetiza em um único parágrafo a

decepção causada aos doutrinadores e à toda comunidade jurídica

pelas falhas e erros trazidos pela atual lei civil:

O Código Civil regulou o direito sucessório dos

companheiros com enorme redução, com dureza imensa,

de forma tão encolhida, tímida e estrita, que se apresenta

em completo divórcio com as aspirações sociais, com as

expectativas da comunidade jurídica e com o

desenvolvimento de nosso direito sobre a questão.

Ante todo o exposto, nota-se que, no que tange o

Direito Sucessório dos companheiros, o Código Civil de 2002 representou

um grande retrocesso em relação às conquistas alcançadas por meio da

legislação especial. As leis 8.971/94 e 9.278/96 haviam conferido ao

companheiro garantias que os deixaram muito próximos aos direitos do

cônjuge, e, em algumas ocasiões, em situações até mais benéficas.

Porém, a edição do vigente Código Civil reduziu significativamente o

amparo que vinha sendo oferecido no plano sucessório ao convivente,

deixando este em posição muito inferior se comparados ao cônjuge.

No próximo item irá se definir a posição da doutrina e

da jurisprudência quanto ao Direito Real de Habitação reservado ao

companheiro sobrevivente.

3.3 A GARANTIA DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO AO COMPANHEIRO

SOBREVIVENTE NA UNIÃO ESTÁVEL

Como já visto anteriormente, o Direito Real de

Habitação do companheiro foi introduzido no ordenamento jurídico

206 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das Sucessões. p.119

61

brasileiro com a Lei 9.278/96207, por intermédio do seu artigo 7º, parágrafo

único. Após o advento da referida lei, estava assegurada, ao cônjuge

sobrevivente, a garantia de continuar residindo na moradia do casal,

desde que aquele bem fosse o único daquela natureza a inventariar e

enquanto se mantivesse o estado de viuvez.

O vigente Código Civil208 trata do Direito Real de

Habitação em seu artigo 1.831, porém, não faz referência à União Estável.

Logo, o artigo 1.790 do Código Civil, que ampara a União Estável, nada

menciona a respeito do Direito Real de Habitação. Dessa forma,

identifica-se a grande controvérsia em torno do direito reservado aos

conviventes, afinal, o parágrafo único da Lei 9.278/96 foi revogado ou não

pelo Código Civil de 2002? A grande maioria da doutrina entende que

não, assim como as decisões proferidas pelos tribunais.

Preceitua Rodrigues209:

O direito real de habitação sobre o imóvel destinado à

residência da família, que a legislação anterior conferia ao

companheiro sobrevivente, não foi mencionado no Código

Civil, com relação à união estável, o que significa outro

recuo. Porém, como o direito real de habitação,

relativamente ao imóvel destinado à residência da família,

foi previsto em lei especial (Lei nº 9.278/96, art. 7º, parágrafo

único), e como esse benefício não é incompatível com

qualquer artigo do novo Código Civil, uma corrente poderá

argumentar que ele não foi revogado, e subsiste. Em

contrapartida, poderá surgir opinião afirmando que o

aludido art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96 foi

revogado pelo Código Civil, por ter este, no art. 1.790,

regulado inteiramente a sucessão entre companheiros, e,

207 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em 15 set. 2006. 208 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 16 set. 2006. 209 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das Sucessões. p.119

62

portanto, não houve omissão quanto ao aludido direito real

de habitação, mas silêncio eloqüente do legislador.

Na seqüência, verificam-se as versões de alguns

doutrinadores a respeito da temática.

Para Hironaka210:

Não estabelece o Código Civil atual o direito real de

habitação previsto pela Lei nº 9.278/96, devendo-se, por

isso, e em analogia com a situação garantida ao cônjuge e

autorizada pela Constituição Federal, ter o dispositivo do art.

7º, parágrafo único, desta lei como não revogado.

Venosa211, nesse mesmo sentido, ensina que:

A Lei nº 9.278/96 estabelecera, no art. 7º, o direito real de

habitação quando dissolvida a união estável pela morte de

um dos companheiros, direito esse que perduraria enquanto

vivesse ou não constituísse o sobrevivente nova união ou

casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência

da família. Somos da opinião de que é perfeitamente

defensável a manutenção desse direito no sistema do

Código de 2002. Esse direito foi incluído na referida lei em

parágrafo único de artigo relativo à assistência material

recíproca entre os conviventes. A manutenção do direito de

habitação no imóvel residencial do casal atende às

necessidades de amparo do sobrevivente, como um

complemento essencial ao direito assistencial de alimentos.

Esse direito mostra-se em paralelo ao mesmo direito

atribuído ao cônjuge pelo atual Código no art. 1.831. Não

somente essa disposição persiste na lei antiga, como

também, a nosso ver, a conceituação do art. 5º, que diz

respeito aos bens móveis e imóveis que passam a pertencer

aos conviventes no curso da união estável. De qualquer

forma, a situação desses dispositivos é dúbia e trará

incontáveis discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

210 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentário ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões, vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856). p.56 211 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.158

63

Também entendendo pela manutenção do direito real

de habitação na união estável, após a entrada em vigor do Código Civil

de 2002212, destaca-se o ensinamento de Diniz213:

(...) urge lembrar que o companheiro sobrevivente, por

força da Lei 9.278/96, art. 7º, parágrafo único, e,

analogicamente, pelo disposto nos arts. 1.831 do Código

Civil, e 6º da Constituição Federal (Enunciado n. 117 do STJ,

aprovado nas Jornadas de Direito Civil de 2002), também

terá direito real de habitação, enquanto viver ou não

constituir nova união ou casamento, relativamente ao

imóvel destinado à residência de família; mas pelo Código

Civil tal direito só é deferido ao cônjuge sobrevivente.

Diante da omissão do Código Civil, o art. 7º, parágrafo

único daquela Lei estaria vigente por ser norma especial.

Cahali214, entendendo os argumentos utilizados por tais

estudiosos, porém, apenas no que tange a subsistência do Direito Real de

Habitação, não se relacionando com o Usufruto, posiciona-se

diferentemente:

Sustentarão alguns estudiosos, com bons argumentos, que o

Código não revoga lei especial, como aquelas. Utilizam esta

fundamentação, porém, apenas para sustentar a

subsistência do direito real de habitação, silenciando

quanto ao usufruto.

A premissa é verdadeira, quando se afirma que a legislação

especial não foi revogada. Porém, a nova regra restringe

expressamente a participação do herdeiro nas condições

nela estabelecidas. Daí a incompatibilidade das normas

apta a gerar a revogação daquelas previsões. Se assim não

for, estaria subsistindo, também, pelas mesmas razões, o

212 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006. 213 DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 117 214 CAHALI, Francisco José. Curso Avançado de Direito Civil. p.233

64

usufruto, criando uma situação privilegiada para o

companheiro sobrevivente.

Com a mesma interpretação, Bráulio Dinarte da Silva

Pinto215 enfatiza:

(...) não consigo ver direito real de habitação como o

resultado sucessório de uma união estável, quando o óbito

tiver ocorrido sob a vigência da nova lei. Tal injustiça deve

ser enfrentada pelo legislador, de tal forma a, melhorando o

texto legal, resolver tal problema. Porém, não pode o

homem do direito, que não tem função legislativa, avocar

para si a responsabilidade de legislar e de aplicar direito

que inexiste, a benefício de uns, mas prejuízo de outros. A

omissão da lei nova serviu para revogar o direito ao usufruto

vidual, e tal é indiscutível na posição uniforme da doutrina.

Mas por que alguns sustentam que a omissão do Código de

2.002 não retirou o direito real de habitação dos

companheiros? Sustentam, os defensores do direito à

habitação aos companheiros, que tal resulta ainda do

parágrafo único, do art 7o, da Lei 9.278/96. A Lei 9.278/96

está revogada. O caput do art. 7o, da Lei 9.278/96, também

está revogado. Todos os demais dispositivos da Lei 9.278/96

estão revogados, menos o parágrafo único, do art. 7o.

Portanto, estamos diante de uma lei que foi integralmente

revogada pela nova lei, menos um único parágrafo que se

mantém vivo e vigente. Data maxima venia, não consigo

aceitar tal interpretação. Entendo a preocupação e o

desejo de proteger a união estável, aproximando-a, ao

máximo, e até igualando-a, ao casamento. Mas não

consigo aceitar a manutenção de um parágrafo solto e

perdido no meio de uma lei revogada. E não consigo ler

direito real de habitação no art. 1.790 e nem ler união

estável no art. 1.831.

215 Bráulio Dinarte da Silva Pinto - Direito real de habitação no novo Código Civil. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9745 Acessado em 02/10/2006.

65

Diante desta lacuna, o Projeto de Lei nº 6960/2002216,

visando alterar o artigo 1.790 do Código Civil, apresenta a seguinte

redação:

Projeto de Lei nº 6960/2002 - O companheiro participará da

sucessão do outro na forma seguinte:

I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma

quota equivalente à metade do que couber a cada um

deles, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a

união estável e o autor da herança não houver deixado

bens particulares, ou se o casamento dos companheiros se

tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo

da convivência, fosse pelo regime da separação

obrigatória(art. 1641);

II – em concorrência com ascendentes, terá direito a uma

quota equivalente à metade do que couber a cada um

deles;

III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à

totalidade da herança.

Parágrafo único: Ao companheiro sobrevivente, enquanto

não constituir nova união ou casamento, será assegurado,

sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o

direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado

à residência da família, desde que seja o único daquela

natureza a inventariar.

Nesse sentido, é de se destacar o Enunciado 117 do

Superior Tribunal de Justiça, aprovado nas Jornadas de Direito Civil de

2002217:

216 Projeto de Lei 6960/2002, que visa alterar o artigo 1.790 do Código Civil. Data da apresentação: 12/06/2002. Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe. asp?id=56549

66

Enunciado 117 – Art. 1831: o direito real de habitação deve

ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido

revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da

interpretação analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º,

caput, da CRFB/88.

A extinção do direito real de habitação se dá com a

morte do companheiro, ou com a constituição por este de nova união

estável ou casamento, ou, ainda, com a ocorrência de alguma das

hipóteses que ensejam a extinção do usufruto (Código Civil de 2002218,

artigo 1.416). O companheiro pode, ainda, renunciar ao direito real de

habitação, por se tratar de direito sucessório.

Observar-se-á, a seguir, que a jurisprudência é

praticamente unânime em conceder o Direito Real de Habitação ao

companheiro sobrevivente, desde que comprovada a União Estável e

preenchido os requisitos, como destinação do bem (moradia), e desde

que o bem seja único de natureza residencial a inventariar.

3.4 OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA BRASILEIROS E A CONCESSÃO DO DIREITO REAL

DE HABITAÇÃO AO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE

A jurisprudência brasileira vem decidindo da seguinte

maneira quanto ao cabimento do Direito Real de Habitação:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - UNIÃO ESTÁVEL - DIREITO REAL

DE HABITAÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 7º, PARÁGRAFO

ÚNICO, DA LEI Nº 9.278/96 - REINTEGRAÇÃO DE POSSE -

MEDIDA LIMINAR - AUSÊNCIA DE REQUISITOS LEGAIS DO ART.

927 DO CPC - INDEFERIMENTO DO PEDIDO - AGRAVO

DESPROVIDO”. (Agravo de Instrumento n. 2001.000060-7, de

217 Enunciado aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ.

218 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 15 set. 2006.

67

Criciúma. Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben, em

29/08/2002)219.

A ementa acima transcrita é agravo de instrumento

interposto pelos herdeiros da falecida e seu espólio, contra decisão

proferida pela Dra. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de

Criciúma, que indeferiu pedido de liminar visando à reintegração de posse

dos herdeiros no imóvel de propriedade da autora da herança.

Comprovada a União Estável entre o agravado e a

falecida, a Juíza teve como fundamento o parágrafo único do artigo 7º

da Lei 9.278/96220, negando o provimento do recurso.

No mesmo sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - DIREITO REAL

DE HABITAÇÃO - INTELIGÊNCIA DA LEI 9.278/96 E DO ARTIGO

226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PERMANÊNCIA DA

COMPANHEIRA NO IMÓVEL - UNIÃO ESTÁVEL - SENTENÇA

MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

Reconhecida a união estável, dissolvida por morte de

um dos conviventes, prescreve o parágrafo único, do artigo 7º, da Lei

9.278/96 que é assegurado ao sobrevivente o direito real de habitação,

enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente

ao imóvel destinado à residência da família, o que não interferirá no

direito sucessório dos herdeiros em relação ao referido bem”. (AC nº

98.008621-3, de São Francisco do Sul, Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz,

em 10/12/01)221.

219 Disponível em www.tj.sc.gov.br Acessado em 02/10/2006. Grifo meu. 220 BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em 15 set. 2006. 221 Disponível em www.tj.rs.gov.br Acessado em 02/10/2006. Grifo meu

68

Em caso idêntico, assim decidiu o Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul:

“ACÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. UNIÃO ESTÁVEL. LEI

9.278/96. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. SENDO

INCONTROVERSO QUE A AGRAVANTE RESIDIA HÁ ALGUNS

ANOS NO IMÓVEL OBJETO DA DEMANDA, EM ALEGADA

SITUAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL COM O DE CUJUS, ATÉ A

DATA DO ÓBITO DESSE, E ESTANDO DEMANDANDO EM JUÍZO

O RECONHECIMENTO DAQUELE VÍNCULO, NÃO ESTÁ

CARACTERIZADA SITUAÇÃO DE ESBULHO POSSESSÓRIO

SUFICIENTE PARA AUTORIZAR A CONCESSÃO DE LIMINAR DE

REINTEGRAÇÃO DE POSSE AOS SUCESSORES DO FALECIDO,

QUE SEQUER COABITAVAM NO IMÓVEL, MORMENTE NÃO

ESTANDO PROVADA SITUAÇÃO DE POSSE NOVA. O ART. 7º,

PARAGRÁFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.278/96 ASSEGURA AO

SOBREVIVENTE DA RELAÇÃO ESTÁVEL DIREITO REAL DE

HABITAÇÃO NO IMÓVEL QUE CONVIVIAM, AINDA QUE AQUELA SITUAÇÃO ESTEJA SUB JUDICE, HIPÓTESE QUE

REFORÇA A TESE DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA

REINTEGRAÇÃO LIMINAR DA POSSE, CABENDO AO MÉRITO

DA DEMANDA A SOLUÇÃO DO FEITO POSSESSÓRIO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO”. (AI nº 70003211836,

Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, em 08/11/01).

Outra decisão no mesmo sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE

HABITAÇÃO. O parágrafo único do art. 7º da Lei nº. 9.278/96

assegura à companheira sobrevivente da relação estável o

direito real de habitação no imóvel em que residia com o

falecido desimportando que ela possua imóvel próprio.

Precedentes. Apelação Provida”. (APELAÇÃO CÍVEL:

70013330881. Rel. José Ataídes Siqueira Trindade. TJRS. Data

do julgamento 22/12/2005)222.

222 Disponível em www.tj.rs.gov.br Acessado em 02/10/2006. Grifo meu

69

Observa-se a decisão proferida pela Comarca da

Capital:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE

EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE DE FATO - DECISÃO

INTERLOCUTÓRIA - QUE DETERMINA A RESERVA DA METADE

DOS BENS INVENTARIADOS E O DIREITO REAL DE

HABITAÇÃO - ADMISSIBILIDADE - GARANTIA DE EVENTUAIS DIREITOS DA CONCUBINA - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO”. (Agravo de

instrumento n. 2002.021566-5, da Capital - Fórum Distrital do

Estreito. Relator: Des. Wilson Augusto do Nascimento, em

28/02/2003)223.

Trata-se de agravo de instrumento interposto com o

desiderato de ver reformada a decisão interlocutória que determinou a

reserva de metade dos bens inventariados em favor da agravada, bem

como lhe conferiu o Direito Real de Habitação. Com efeito, o Juiz

declarou que o Direito Real de Habitação reconhecido pelo julgador a

quo, deveria ser mantido até a decisão definitiva da lide, resguardando,

assim, os direitos da agravada.

A este respeito, decidiu a Câmara, por votação

unânime, negar provimento ao recurso:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE

POSSE - LIMINAR DEFERIDA EM FAVOR DA CONCUBINA -

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO - MANUTENÇÃO DA LIMINAR - AGRAVO DESPROVIDO”.(ACV n. 98.015244-5 - Rel.

Juiz Torres Marques).

Nesse mesmo sentido se manifesta o Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná:

223 Disponível em www.tj.sc.gov.br Acessado em 02/10/2006. Grifo meu

70

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO

ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DA CONVIVENTE

SOBREVIVENTE. O ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº

9.278/96 ASSEGURA AO CONVIVENTE SOBREVIVENTE DA

RELAÇÃO ESTÁVEL DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO IMÓVEL

EM QUE RESIDIA COM O FALECIDO, NÃO IMPORTANDO QUE

O BEM TENHA SIDO ADQUIRIDO ANTES DO

RELACIONAMENTO, MESMO PORQUE O DIREITO REAL DE

HABITAÇÃO ESTÁ CALCADO NOS PRINCÍPIOS DA

SOLIDARIEDADE E MÚTUA ASSISTÊNCIA, ÍNSITOS À UNIÃO

ESTÁVEL. Apelação desprovida”. (TJRS, Ap. Cív. Nº

70009713736, 8a CC, Rel. Des. José S. Trindade, julgamento:

21/10/2004)224.

Portanto, esse é o posicionamento que a jurisprudência

vem tomando quanto à concessão do Direito Real de Habitação ao

companheiro sobrevivente na União Estável.

224 Disponível em www.tj.pr.gov.br Acessado em 02/10/2006. Grifo meu

71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visto que, a União Estável é a convivência não

adulterina, nem incestuosa, entre casais de sexo oposto, de forma

duradoura, pública e contínua, sem nenhum vínculo matrimonial entre

eles, porém convivendo como se casados fossem, a presente pesquisa

tratou de estabelecer os direitos sucessórios decorrentes dessa relação.

Não teve o objetivo de esgotar o assunto, mas buscou levantar as

necessidades dos companheiros, principalmente no que diz respeito à

concessão do Direito Real de Habitação ao companheiro sobrevivente

desta união, e o seu amparo diante do atual ordenamento jurídico

brasileiro.

A Constituição Federal de 1.988 admitiu a União Estável

como “entidade familiar”, posta sobre a proteção do Estado, inseriu a

matéria no âmbito do Direito de Família. A partir daí, deixou de gozar o

casamento da aptidão exclusiva para servir de fundamento à família.

Para a regulamentação da matéria relativa ao direito

sucessório entre companheiros, de acordo com o artigo 226, § 3º, da

Constituição Federal, foram promulgadas duas leis: a Lei 8.971/94 e a

9.278/96. Ambas não chegaram a expressar originariamente o atual

panorama brasileiro, mas elevaram os direitos originados da União Estável

a patamares similares ao do casamento, conferindo semelhança aos

cônjuges e companheiros, e, em algumas situações, deixando os

companheiros em posição até mais benéfica que o próprio cônjuge. A

dúvida que existia era se, o advento da segunda lei havia, ou não,

revogado a primeira, restando lacunosa a interpretação por algum

tempo.

72

Com o advento do atual Código Civil, pensava-se que

as dúvidas que até então haviam diante das lacunas deixadas pelas leis

especiais seriam preenchidas, porém, o Código Civil veio confundir ainda

mais os intérpretes e aplicadores dessas, com a entrada em vigor.

Embora não haja revogação expressamente pelo

Código das Leis 8.971/94 e a 9.278/96, com base nas pesquisas, conclui-se

que a Lei nº 8.971/94 foi revogada tacitamente porque o atual Código

abordou todos os assuntos nela contidos, e a Lei n. 9.278/96 não foi

totalmente revogada porque permaneceu em vigor o parágrafo único,

do artigo 7º, de que trata o Direito Real de Habitação, direito este

garantido ao cônjuge sobrevivente de morar no imóvel que servia de

residência à família.

Se houvesse limitação a este direito, ter-se-ia uma

grave injustiça. O legislador garantiu ao cônjuge o Direito Real de

Habitação no artigo 1.831 do Código Civil, por analogia, aplicar-se-ia o

mesmo ao companheiro, e ainda, se a norma especial já previa este

direito, não convém revogar e desamparar o companheiro suprimindo o

parágrafo único, do artigo 7º da Lei 9.278/96, embora este

posicionamento contrarie o pensamento de alguns doutrinadores.

A situação do cônjuge sobrevivente melhorou no que

diz respeito aos problemas de ordem sucessória, ampliando-se os direitos

que lhe assistem. Quanto ao companheiro, em parte acompanhando as

inovações em relação ao cônjuge, também acolhe melhoramentos. Mas

no que se distanciou da sucessão do cônjuge, foi efetivamente um

desastre a regulamentação da matéria. Era de se esperar que o

companheiro supérstite tivesse também sua condição privilegiada,

relativamente àquela condição anteriormente descrita em leis, e tivesse

garantido a igualdade de direito em relação ao cônjuge sobrevivente,

fazendo-se, assim, valer o direito constitucional em sua amplitude.

73

Como se observou na regulamentação do direito

sucessório do companheiro no vigente Código Civil, não houve as

adaptações e consertos solicitados pela maioria dos doutrinadores, mas

sim uma regulamentação estrita, que frustra as expectativas da

comunidade jurídica e flagela as aspirações dessas entidades familiares.

Vem, por isso, recebendo críticas doutrinárias,

começando por classificar o companheiro como herdeiro eventual e

mero participante. É lamentável o fato de o legislador ter regulado a

sucessão do companheiro no capítulo das Disposições Gerais (Capítulo I,

do Título I, do Livro V, da Parte Especial), enquanto que a sucessão do

cônjuge é corretamente tratada no capítulo Da Ordem de Vocação

Hereditária, que se coloca no âmbito da Sucessão Legítima (Capítulo I, do

Título II). Com isso, o partícipe da União Estável encontra-se em posição

inferior em relação à nova posição sucessória do cônjuge.

Embora o legislador tenha deixado de colocar

expressamente o companheiro supérstite como herdeiro necessário, óbice

não há que ele concorra com os descendentes comuns, na ordem de

vocação hereditária, como herdeiro necessário.

Outro tratamento reducionista concedido à União

Estável é o que limita o direito do companheiro de só receber a totalidade

da herança na inexistência de parentes colaterais de quarto grau (primos,

sobrinhos netos, tios avós).

Ademais, analisando o caput do artigo 1.790 do

Código Civil, constata-se a restrição da participação do companheiro na

sucessão do outro somente sobre os bens adquiridos onerosamente na

vigência da união estável. Valendo advertir que esta restrição não

imperava na Lei nº 8.971/94, em que o companheiro poderia herdar a

integralidade do acervo quando não existisse descendente ou

ascendente. Por outro lado, o inciso IV deste artigo ressalta que não

74

havendo parentes sucessíveis o companheiro terá direito a totalidade da

herança. Observa-se, com isto, um problema ao interpretar o caput e o

inciso IV, conjuntamente.

Aos aplicadores do direito caberá uma interpretação

construtiva com o objetivo de garantir ao companheiro, na ausência de

outros herdeiros, a totalidade da herança, por força do inciso IV, do artigo

1.790 e do artigo 1.844, não permitindo assim que a herança se torne

vacante e passe para o acervo do Município, do Distrito Federal ou da

União.

Enfim, o Direito Real de Habitação sobre o imóvel

destinado à residência da família, objeto primordial deste trabalho, que a

legislação anterior conferia ao companheiro sobrevivente, em relação à

união estável, não foi mencionado no atual Código Civil, significando,

assim, mais um retrocesso da legislação vigente.

Os debates sobre este tema, embora tenha sido pauta

de discussão entre os diversos estudiosos do Direito, ainda perdurará por

algum tempo, por estar ainda em discussão no Congresso Nacional as

mudanças em relação à sucessão expressa no artigo 1.790 do Código Civil

e o amparo da garantia do Direito Real de Habitação ao companheiro da

União Estável, e ainda pelo fato da sucessão das uniões entre

homossexuais continuarem sem qualquer previsão legal. Porém, cedo ou

tarde, creio que haverá de ser reconhecida seus direitos como entidade

familiar por força do princípio da dignidade da pessoa humana.

Os doutrinadores, bem como os tribunais, vêm se

posicionando favoravelmente ao companheiro no que se refere à

concessão do Direito Real de Habitação, desde que comprovados os

requisitos para a caracterização da União Estável, e desde que o imóvel

seja único a ser inventariado com a finalidade de moradia. Porém, crê-se

que muito ainda se tem que fazer, para se definir, com clareza, os limites e

75

o alcance do Direito Real de Habitação, na nova formatação que lhe foi

outorgada pela Lei de 2.002. Progride-se, com debates e discussões a

respeito, e esta pesquisa teve esta finalidade.

Quanto às hipóteses de pesquisa, as mesmas foram

devidamente confirmadas no seguinte sentido:

a) É a União Estável uma entidade familiar,

reconhecida constitucionalmente, formada entre homem e mulher,

configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e

estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem vínculo

matrimonial, porém, vivendo os companheiros como se casado fossem.

b) O Direito Real de Habitação é um direito limitado,

personalíssimo, temporário, indivisível, intransmissível e gratuito, que

concede ao companheiro sobrevivente na União Estável, de morar no

imóvel que servia de residência para a família, desde que comprovada a

união de fato e desde que o bem a ser inventariado seja único com a

finalidade de servir de moradia à pessoa beneficiada, enquanto viver ou

não constituir nova união ou casamento.

c) Apesar de o atual Código Civil não amparar o

Direito Real de Habitação na União Estável, entendem os tribunais, assim

como a doutrina majoritária, que o companheiro tem a garantia do Direito

Real de Habitação em analogia com o Direito concedido ao cônjuge

pelo ordenamento jurídico vigente, e pela defesa da não revogação das

leis especiais que já haviam concedido o benefício ao companheiro

sobrevivente.

76

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ANEXOS

ANEXO 1 – LEI Nº 8.971/94

ANEXO 2 – LEI Nº 9.278/96

83

ANEXO 1 – LEI Nº 8.971, DE 29 DE DEZEMBRO DE 1994.

Publicada no Diário Oficial da União, de 30 de

dezembro de 1994.

Regula o direito dos companheiros e alimentos à

sucessão.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte lei:

Art. 1º A companheira comprovada de um

homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com

ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do

disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir

nova união e desde que prove a necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas

condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada

judicialmente, divorciada ou viúva.

Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior

participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito

enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens

do de cujos, se houver filhos ou comuns;

II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito,

enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do

de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;

84

III - na falta de descendentes e de ascendentes,

o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.

Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a)

da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a)

companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua

publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 29 de dezembro de 1994; 173º da

Independência e 106º da República. ITAMAR FRANCO

85

ANEXO 2 – LEI Nº 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996

Publicada no Diário Oficial da União de 13 de maio de

1996.

Regula o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e

eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a

convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,

estabelecida com objetivo de constituição de família.

Art. 2° São direitos e deveres iguais dos conviventes:

I - respeito e consideração mútuos;

II - assistência moral e material recíproca;

III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns.

Art. 3° (VETADO)

Art. 4° (VETADO)

Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou

por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título

oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum,

passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo

estipulação contrária em contrato escrito.

86

§ 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a

aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos

anteriormente ao início da união.

§ 2° A administração do patrimônio comum dos

conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato

escrito.

Art. 6° (VETADO)

Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a

assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos

conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte

de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação,

enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente

ao imóvel destinado à residência da família.

Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a

qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento,

por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu

domicílio.

Art. 9° Toda a matéria relativa à união estável é de

competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de

justiça.

Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua

publicação.

Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 10 de maio de 1996; 175º da Independência e 108º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO