O Discurso Da Sustentabilidade e Suas Implicações Para a Educação

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Ambiente & Sociedade ISSN: 1414-753X [email protected] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade Brasil Costa Lima, Gustavo da O discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação Ambiente & Sociedade, vol. 6, núm. 2, julio-diciembre, 2003, pp. 99-119 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade Campinas, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31760207 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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As duas últimas décadas testemunharam a emergência do discurso dasustentabilidade como a expressão dominante no debate que envolve as questões demeio ambiente e de desenvolvimento social em sentido amplo. Em pouco tempo,sustentabilidade tornou-se palavra mágica, pronunciada indistintamente por diferentessujeitos, nos mais diversos contextos sociais e assumindo múltiplos sentidos.Sua expansão gradual tem influenciado diversos campos do saber e deatividades diversas, entre os quais o campo da educação. Há pouco mais de umadécada, observa-se entre os organismos internacionais,as organizações não-governamentaise nas políticas públicas dirigidas à educação, ambiente e desenvolvimentode alguns países, uma tendência a substituir a concepção de educação ambiental, atéentão dominante, por uma nova proposta de “educação para a sustentabilidade” ou“para um futuro sustentável”.

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  • Ambiente & SociedadeISSN: [email protected] Nacional de Ps-Graduao ePesquisa em Ambiente e SociedadeBrasil

    Costa Lima, Gustavo daO discurso da sustentabilidade e suas implicaes para a educao

    Ambiente & Sociedade, vol. 6, nm. 2, julio-diciembre, 2003, pp. 99-119Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Ambiente e Sociedade

    Campinas, Brasil

    Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31760207

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    Projeto acadmico sem fins lucrativos desenvolvido no mbito da iniciativa Acesso Aberto

  • O DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE EO DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE EO DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE EO DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE EO DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE ESUAS IMPLICSUAS IMPLICSUAS IMPLICSUAS IMPLICSUAS IMPLICAES PARA A EDUCAES PARA A EDUCAES PARA A EDUCAES PARA A EDUCAES PARA A EDUCAOAOAOAOAO

    GUSTGUSTGUSTGUSTGUSTAAAAAVVVVVO DO DO DO DO DA COSTA COSTA COSTA COSTA COSTA LIMAA LIMAA LIMAA LIMAA LIMA*****

    CONSIDERAES PRELIMINARESCONSIDERAES PRELIMINARESCONSIDERAES PRELIMINARESCONSIDERAES PRELIMINARESCONSIDERAES PRELIMINARES

    As duas ltimas dcadas testemunharam a emergncia do discurso dasustentabilidade como a expresso dominante no debate que envolve as questes demeio ambiente e de desenvolvimento social em sentido amplo. Em pouco tempo,sustentabilidade tornou-se palavra mgica, pronunciada indistintamente por diferentessujeitos, nos mais diversos contextos sociais e assumindo mltiplos sentidos.

    Sua expanso gradual tem influenciado diversos campos do saber e deatividades diversas, entre os quais o campo da educao. H pouco mais de umadcada, observa-se entre os organismos internacionais,as organizaes no-gover-namentais e nas polticas pblicas dirigidas educao, ambiente e desenvolvimentode alguns pases, uma tendncia a substituir a concepo de educao ambiental, atento dominante, por uma nova proposta de educao para a sustentabilidade oupara um futuro sustentvel.

    Essa renovao discursiva no debate internacional pode ser observadanas conferncias e documentos da UNESCO, na Agenda 21 proposta na Rio-92, naspolticas educacionais de diversos governos da Unio Europia e na produo acadmicainternacional que serve de base a esta orientao. Gradualmente, e com intensidadesvariadas, o novo discurso passou a penetrar tambm o debate em outros pases centraise perifricos e nas demais esferas institucionais.

    No Brasil, o discurso da educao para a sustentabilidade ainda poucodisseminado na literatura e nas prticas que relacionam educao e meio ambiente.Entretanto, a crescente difuso do discurso da sustentabilidade no contexto de ummundo globalizado marcado por relaes entre as esferas locais e globais e por relaes

    *Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Paraba-UFPB e Doutorando em CinciasSociais no IFCH/UNICAMP, e-mail: [email protected]. Recebido em 28/02/2003.

    Aceito em 28/07/2003.

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    de dependncia poltica e cultural entre pases do centro e da periferia do sistemamundial recomenda a anlise de seus significados e a avaliao de suas contribuiespara o debate brasileiro.

    Quais os significados e implicaes desta articulao entre a educao ea sustentabilidade? Qual a natureza e os objetivos desta renovao discursiva? Educarpara sustentar o qu? Qual a diversidade de leituras sobre este debate e quais osprincipais argumentos a favor e contra a nova proposta? Que fundamentos, valores einteresses esto envolvidos neste processo? Qual a histria da construo do discursoda sustentabilidade e de sua insero na educao?

    Essas so algumas das questes que norteiam a reflexo deste ensaio.Problematizando-as, procuramos compreender as relaes entre a sustentabilidade e aeducao, a diversidade de sentidos envolvidos nesta construo, o jogo de foras einteresses que nela se destacam, assim como as principais nfases e contradies quemarcam este campo discursivo.

    Para realizar o trabalho, recuperamos, em primeiro lugar, um pouco dahistria do surgimento do discurso da sustentabilidade. Em seguida, desenvolvemosuma anlise das principais crticas favorveis e desfavorveis a este discurso. Em umterceiro momento, exploramos a diversidade de interpretaes que constituem asustentabilidade como um campo discursivo para, finalmente, abordarmos os significadose implicaes da insero do discurso da sustentabilidade no campo educacional.

    Por compreendermos a sustentabilidade como uma proposta em torno daqual gravitam mltiplas e diversas foras sociais, interesses e leituras que disputamentre si o reconhecimento e a legitimao social como a interpretao verdadeirasobre o tema, optamos por trat-la como um discurso, no sentido empregado por MichelFoucault no contexto da arqueologia e, sobretudo, da genealogia do saber-poder.Segundo esse autor, toda sociedade controla e seleciona o que pode ser dito numacerta poca, quem pode dizer e em que circunstncias, como meio de filtrar ou afastaros perigos e possveis subverses que da possam advir (FOUCAULT, 2001).

    Os discursos so entendidos como prticas geradoras de significados quese apiam em regras histricas para estabelecer o que pode ser dito, num certo campodiscursivo e num dado contexto histrico. Essa prtica discursiva possvel resulta deum complexo de relaes com outras prticas discursivas e sociais. O discurso, portanto,relaciona-se simultaneamente, com suas regras de formao, com outros discursos ecom as instituies sociais e o poder que elas expressam.

    Todo discurso contm procedimentos de seleo e excluso queestabelecem os limites do permitido e do proibido, do que aceito e rejeitado, do que considerado verdadeiro ou falso numa certa configurao histrico-cultural. Sendoassim, o modo como falamos e pensamos afetam profundamente a vida social,condicionando nosso comportamento e experincia, nossa viso de mundo e, por fim,o prprio mundo que ajudamos a criar (FOUCAULT, 2001).

    Se em suas anlises arqueolgicas Foucault se detm sobre a formao etransformao das relaes de significado produo de saber expressas nos discursos,nas anlises genealgicas, ele enfatiza as relaes de poder investidas nesses discursos.

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    Para Foucault, saber e poder no existem separados um do outro:

    No h relao de poder sem constituio correlativa de um campo desaber, nem saber que no suponha e no constitua ao mesmo temporelaes de poder (FOUCAULT Apud ARAJO, 2001: 72).

    Em Foucault, a verdade no existe como um saber essencial e absoluto,oculto na profundidade das coisas. Trata-se antes de uma inveno histrica, construdasocialmente. V a verdade como uma interpretao entre outras, dotada de poderesespeciais que se impem sobre o real e a tornam reconhecida como a interpretaohegemnica numa dada poca e num certo campo discursivo. Assim, tanto o saberquanto a verdade veiculados nos discursos esto enraizados no domnio do poder.

    Para Foucault, portanto, no h discurso neutro ou desinteressado. Eleconcorda com Nietzsche que toda linguagem e todo discurso expressa uma vontadede poder e de dominao (FOUCAULT, 1974; CARVALHO, 1991). Para realizar estaaspirao de conquista, o poder investido nos discursos se associa ao saber, em especialquele saber socialmente reconhecido como verdadeiro.

    No caso da sociedade moderna, o discurso verdadeiro identificado como saber cientfico, que produz efeitos de poder devido objetividade e neutralidadeatribudos cincia e s instituies que a promovem. O reconhecimento do discursocientfico e de suas qualidades naturalizam-no como verdade impessoal, racional elivre de todo questionamento, elevam-no a uma posio de hegemonia social etransferem-lhe o poder de avaliar e julgar os demais saberes.

    Esclareo, entretanto, que apesar de fazer uso do conceito de discurso deFoucault e de algumas de suas formulaes tericas, no seguirei, na presente anlise,o conjunto de estratgias metodolgicas esboadas pelo autor ao longo de sua obra.Isto porque, por um lado, o prprio Foucault no pretendeu nem apresentou algo comoum mtodo cientfico formal e integrado, como o expresso no paradigma racionalista.Por outro lado, porque adoto na presente anlise modos de observar e interrogar arealidade que no cabem no modo de investigao praticado pelo autor.

    Desejo apenas com a contribuio de Foucault reter a idia de que tododiscurso expressa uma vontade de poder que aspira e luta para ser reconhecido comoa verdade sobre um determinado campo em um certo contexto histrico. Esta verdadefavorece a legitimao social do discurso quando multiplica seus efeitos de poder emascara a inteno de domnio nele contida.

    A EMERGNCIA DO DISCURSOA EMERGNCIA DO DISCURSOA EMERGNCIA DO DISCURSOA EMERGNCIA DO DISCURSOA EMERGNCIA DO DISCURSODDDDDA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTABILIDABILIDABILIDABILIDABILIDADEADEADEADEADE

    Embora os germes do discurso da sustentabilidade possam ser identificadosem diversas falas e contextos histricos remotos, suas expresses mais recentes talvezpossam ser observadas nos princpios da dcada de 70 do sculo passado. Podemos verseus sinais nos movimentos sociais em defesa da ecologia que irromperam nesse perodoao redor do mundo; nas conferncias internacionais promovidas pela ONU

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    Organizao das Naes Unidas para debater os temas do meio ambiente e dodesenvolvimento; nos relatrios do Clube de Roma1 e, mais ou menos diretamente,nos trabalhos de autores pioneiros, de diversos campos, que refletiram sobre as mesmasquestes.2

    Contudo, as referncias mais explcitas noo de desenvolvimentosustentvel esto sistematizadas nos trabalhos do economista Ignacy Sachs, quedesenvolveu a noo de Ecodesenvolvimento, e nas propostas da Comisso Brundtland3

    que projetaram mundialmente o termo desenvolvimento sustentvel e o contedoda nova estratgia oficial de desenvolvimento.

    Sachs, ao formular a noo de Ecodesenvolvimento, propunha umaestratgia multidimensional e alternativa de desenvolvimento que articulava promooeconmica, preservao ambiental e participao social. Perseguia, com especialateno, meios de superar a marginalizao e a dependncia poltica, cultural etecnolgica das populaes envolvidas nos processos de mudana social. , portanto,marcante em seus trabalhos o compromisso com os direitos e desigualdades sociais ecom a autonomia dos povos e pases menos favorecidos na ordem internacional (SACHS;1986; BRUSEKE, 1995; LIMA, 1997).

    A Comisso Brundtland, por sua vez, embora apoiada em muitas das idiasapontadas por Sachs, chegou a um resultado qualitativamente diferente, ao esvaziar ocontedo emancipador do Ecodesenvolvimento, que representava, talvez, sua marcamais inovadora. Assim, embora alguns elementos da sntese de Sachs permanecessemconstantes, como a idia de articular crescimento econmico, preservao ambientale eqidade social, as prioridades e os arranjos resultaram bem diversos. Ao contrriodo Ecodesenvolvimento, a Comisso ressaltava uma nfase econmica e tecnolgica euma tnica conciliadora que tendia a despolitizar a proposta de Sachs.

    Leff concorda com essa avaliao ao afirmar que:

    antes que as estratgias de Ecodesenvolvimento conseguissem romperas barreiras da gesto setorializada de desenvolvimento ... as prpriasestratgias de resistncia mudana da ordem econmica foramdissolvendo o potencial crtico e transformador das prticas deEcodesenvolvimento. Da surge a busca de um conceito capaz deecologizar a economia, eliminando a contradio entre crescimentoeconmico e preservao da natureza ... Comea ento naquelemomento a cair em desuso o discurso do Ecodesenvolvimento, suplantadopelo discurso de Desenvolvimento Sustentvel (LEFF, 2001: 18).

    De outra perspectiva, pode-se observar que o discurso da sustentabilidadesurgiu como um substituto ao discurso do desenvolvimento econmico,4 produzido edifundido pelos pases centrais do capitalismo sobretudo os Estados Unidos para oresto do mundo no contexto da Guerra Fria. A partir dos anos 70 do sculo passado, odiscurso desenvolvimentista revelou seus limites atravs de uma crise, que emborativesse maior visibilidade econmica, era tambm social, ambiental e tico-cultural.

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    Nesse sentido, a questo ambiental introduziu um ingrediente novo queampliava a crtica social na direo de uma reviso mais abrangente do modelo decivilizao ocidental e da necessidade de incorporar ao debate os mltiplos aspectosque constituem as relaes entre a sociedade e seu ambiente. Como coloca Guimares,ficava cada vez mais claro que a dimenso da crise no se reduzia, como poca daConferncia de Estocolmo, a uma questo de como manter limpos os ecossistemas e osrecursos dos quais dependem nossa sobrevivncia. Uma nova conscincia constatavaa impossibilidade de contrapor os problemas do meio ambiente e do desenvolvimentosimplesmente porque esses problemas eram resultantes do modelo posto em prtica(GUIMARES, 1995).

    Vale tambm lembrar que toda essa reorientao da idia de desenvol-vimento se deu no contexto de crise do prprio capitalismo e de consolidao de umahegemonia do pensamento e de polticas neoliberais, postas em prtica a partir dosanos 80, como parte da estratgia global de reestruturao sistmica. Enfim, o RelatrioBrundtland, que estabeleceu os parmetros e projetou o debate social sobre odesenvolvimento sustentvel, parte de uma concepo multidimensional de desenvol-vimento e o define como aquele que responde s necessidades das geraes presentessem comprometer a capacidade das geraes futuras atenderem suas prprias neces-sidades (BRUNDTLAND, 1991).

    No tpico seguinte apresentaremos uma crtica geral das principaisinovaes e vulnerabilidades expressas no discurso de sustentabilidade.

    A CRTIC A CRTIC A CRTIC A CRTIC A CRTICA DO DISCURSO DA DO DISCURSO DA DO DISCURSO DA DO DISCURSO DA DO DISCURSO DA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTABILIDABILIDABILIDABILIDABILIDADEADEADEADEADE

    O discurso da sustentabilidade, apresentado ao debate pblico, apesarde padecer de diversos problemas que tentaremos apontar ao longo da anlise, no uma construo ingnua. Revela, ao contrrio, uma hbil operao poltico-normativae diplomtica, empenhada em sanar um conjunto de contradies expostas e norespondidas pelos modelos anteriores de desenvolvimento.

    Tratava-se, em primeiro lugar, de gerenciar a reproduo econmica docapitalismo ante os efeitos da degradao ambiental, tanto do ponto de vista da ofertade recursos naturais essenciais continuidade do sistema produtor de mercadorias,quanto da perspectiva dos resduos da produo e da poluio da decorrentes.Implicava tambm em responder aos questionamentos sobre os limites do crescimento,intensamente discutidos na dcada de 70 em todos os fruns, direta ou indiretamente,relacionados temtica do desenvolvimento.

    Carvalho, refletindo sobre o processo, observa que:

    Desde a Conferncia de Estocolmo, em 1972, ficou claro que apreocupao dos organismos internacionais quanto ao meio ambienteera produzir uma estratgia de gesto desse ambiente, em escala mundial,que entendesse a sua preservao dentro de um projeto desen-volvimentista. Dentro dessa perspectiva produtivista, o que se queria

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    preservar de fato era um modelo de acumulao de riquezas onde opatrimnio natural passava a ser um bem. O apelo humanidade e aobem-estar dos povos era usado como libi, sempre citado ao lado dosobjetivos de crescimento econmico, emprestando uma preocupaohumanista a intenes no to nobres (CARVALHO apud RIBEIRO,1991: 79).

    Dirigia-se, igualmente, pacificao de conflitos na relao entre os pasesdo eixo norte-sul, separados por assimetrias sociais, econmicas e polticas quetensionavam historicamente as relaes internacionais. Os debates sobre os limites docrescimento j reconheciam que as aspiraes de todos os povos e pases do mundo aodesenvolvimento no podiam seguir os modelos do norte industrializado, pois isto levariaa uma sobrecarga dos ecossistemas.

    Desde a Conferncia de Estocolmo em 1972, por exemplo, os pases pobresdefendiam suas necessidades de desenvolvimento e de superao da crise social comouma demanda mais relevante que a preservao ambiental, enquanto os pases ricospriorizavam a manuteno de seus nveis de crescimento econmico e padresde consumo.

    Grosso modo, os pases pobres responsabilizavam os pases ricos pela maiorparte da degradao global, promovida por um modelo predatrio de crescimento, etransferia para eles as iniciativas e os investimentos necessrios sustentabilidade. Ospases ricos, por sua vez, viam o crescimento populacional e a poluio gerada pelapobreza como os motivos principais do problema e resistiam a todas as sugestes quepudessem representar limites sua expanso.

    O discurso da sustentabilidade tambm buscava responder s demandase crticas do movimento ambientalista internacional, em suas diversas expresses, quereivindicavam a incluso da questo ambiental na agenda de prioridades poltico-econmicas contemporneas. Se olharmos do ponto de vista das virtudes do discurso,pode-se dizer que ele inova: ao propor uma estratgia multidimensional de desen-volvimento, que tenta superar os reducionismos dos modelos anteriores; ao incorporaruma viso de longo prazo sintonizada com os ciclos biofsicos e com o futuro; aoconsiderar a dimenso poltica dos problemas ambientais, comumente abordados deuma perspectiva meramente tcnica; ao discutir as relaes norte-sul e ao recomendaro uso de teorias e mtodos multidisciplinares de anlise, aproximando as cinciasnaturais e sociais na abordagem da relao sociedade-ambiente.

    Seu apelo se apoiava, sobretudo, em um estilo conciliador que favoreciaa aceitabilidade poltica internacional e a realizao de amplas coalizes de interesses.Possibilitava, ainda que vagamente, a construo de um campo comum que, se nopromovia o consenso entre as diversas concepes e grupos divergentes, permitiaamortecer ou camuflar os conflitos que os dividiam. Esse campo comum e genrico dasustentabilidade permitiu aproximar capitalistas e socialistas, conservacionistas eecologistas, antropocntricos e biocntricos, empresrios e ambientalistas, ongs,movimentos sociais e agncias governamentais.

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    Alguns analistas elogiam seu realismo poltico e os cuidados diplomticosem evitar posies extremadas capazes de prejudicar o esforo de conciliaopredominante. Consideram, nesse sentido, que a proposta de desenvolvimentosustentvel teve o mrito de introduzir a temtica ambiental em fruns poltico-econmicos nacionais e internacionais, conquistando um reconhecimento indito natrajetria do ambientalismo at ento (VIOLA & LEIS, 1995; VIEIRA, 1995;BRUSEKE, 1995).

    Analisando o discurso, Drysek concorda que:

    ... sua principal realizao foi combinar sistematicamente um conjuntode questes que tem freqentemente sido abordados isoladamente, ouao menos como concorrentes: desenvolvimento (especialmente dos pasesdo terceiro mundo), questes ambientais globais, populao, paz,segurana e justia social, tanto intra quanto extrageracional. Esta visoera sedutora, embora como j observei, Brundtland no avanou osuficiente para demonstrar a viabilidade dessa viso, ou indicar os passosprticos necessrios sua realizao (DRYSEK, 1997: 126).

    O mesmo autor acrescenta que, num cenrio de transnacionalizao docapitalismo, submetido aos imperativos do mercado livre, da mobilizao do capital ede governos comprometidos com polticas de privatizao, o discurso do desenvol-vimento sustentvel s poderia obter sucesso se conseguisse demonstrar que aconservao ambiental promovia o crescimento dos negcios e da economia e noapenas que estes valores antagnicos podiam ser reconciliados.

    Este exatamente o apelo da Modernizao Ecolgica,5 uma verso maiselaborada do discurso do desenvolvimento sustentvel, formulado por um grupo decientistas sociais de pases ricos como a Sucia, a Holanda, a Alemanha, a Noruega eo Japo. A Modernizao Ecolgica se constitui hoje como o discurso de maior aceitaointernacional entre os pases e corporaes de vanguarda do ecocapitalismo (IDEM,1997). Resumidamente, pode ser entendida como uma proposta de reestruturao daeconomia poltica do capitalismo que se esfora em demonstrar a compatibilidadeentre crescimento econmico e proteo ambiental, e a possibilidade de enfrentar acrise ambiental dentro dos marcos do capitalismo.

    Do ponto de vista daqueles que questionam o discurso da sustentabilidade,as crticas se concentram sobre a frgil factibilidade da proposta no contexto de umasociedade capitalista orientada pelo mercado. Destacam as contradies e ambigi-dades que se interpem entre a retrica da sustentabilidade e a possibilidade de suaconcretizao. Nesta direo, so muitas as vulnerabilidades apontadas.

    parte a prpria contradio semntica do termo, a definio dedesenvolvimento sustentvel veiculada pelo Relatrio Brundtland permite umapluralidade de leituras que oscilam, desde um sentido avanado de desenvolvimento,associado justia socioambiental e renovao tica, at uma perspectiva conservadorade crescimento econmico ao qual se acrescentou uma varivel ecolgica. Esta

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    polissemia revela o curioso paradoxo de reunir, ao mesmo tempo, a fora e a fraquezado discurso, a depender do olhar e dos interesses de quem observa.

    A evidente nfase sobre os aspectos econmicos e tecnolgicos da crisesocioambiental tambm contradiz as promessas de uma abordagem plural e complexade desenvolvimento, e sugere o predomnio da esfera do mercado na conduo dasustentabilidade em detrimento da sociedade civil e do Estado. Para os setoresinteressados num projeto de mudanas de maior amplitude, esta sustentabilidade demercado, que tem orientado as aes e debates recentes, denuncia a falcia do discursoda sustentabilidade. Segundo eles, a necessidade de uma sntese harmnica entre osdiversos objetivos da sustentabilidade, possvel na retrica, torna-se invivel quandoprojetada no contexto do capitalismo.

    Condena-se, por exemplo, esta sustentabilidade hegemonizada pelomercado por no atender plenamente aos objetivos de preservao ambiental, dada adisparidade entre os tempos biofsico e econmico e os conflitos de interesse entre osdois objetivos. A manuteno do equilbrio climtico e da biodiversidade, a substituiodo uso de energia e recursos no-renovveis por outros renovveis, a manuteno daqualidade ambiental gua, ar, solo, etc. e a recuperao de ecossistemas degradadosso alguns exemplos de metas que transcendem a ao do mercado.

    Esta incompatibilidade entre economia e ecologia tem sido a tnica dosgrandes eventos ambientais internacionais promovidas pela ONU, e se expressa nadificuldade de definir compromissos e metas ambientais que representem algum tipode restrio econmica. Na maioria das vezes,6 os pases ricos, sobretudo os EstadosUnidos, so as principais fontes de resistncia a essa definio de metas, como observou-se recentemente na ltima Cpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentvelrealizada em Johannesburgo, frica do Sul, em agosto prximo passado.

    Uma sustentabilidade de mercado no responde igualmente crisesocial, j que a racionalidade inerente ao mercado se orienta para a concentrao eno para a distribuio de riquezas e oportunidades. Sendo resultantes da prpriaao e lgica do mercado, as desigualdades sociais no podem ser por ele solucionadas.A experincia tem demonstrado, por numerosas evidncias, que o mercado umeficiente instrumento de alocao de recursos, mas um perverso gestor das disparidadessociais. Em sendo assim, sempre quando a mo invisvel do mercado deixada livre daregulao do Estado e da sociedade, o desenvolvimento humano e social tendeao sacrifcio.

    Tambm so incompatveis os esforos para conciliar o crescimentoeconmico e a participao social num projeto de sustentabilidade direcionado pelomercado. Desenvolver uma democracia participativa requer a possibilidade deestabelecer relaes polticas mais horizontais, onde a maioria dos cidados tenhaacesso aos direitos sociais bsicos que os habilitem a participar, voluntria econscientemente, da escolha dos rumos sociais. Como realizar esse objetivo emsociedades divididas pela desigualdade?

    A presente crise tico-cultural, caracterizada, entre outros fatores, pelofetiche do consumo que em dcadas recentes se converteu, talvez, na nica ideologia

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    remanescente pela exacerbao de valores individualistas, utilitaristas e decompetitividade, pela escalada da violncia, da corrupo, do consumo e trfico dedrogas e pela crescente corroso do sentido da vida outro desafio ao projeto desustentabilidade e ao tecido civilizatrio global que o mercado no est minimamentehabilitado a responder.

    Parece, enfim, que a magnitude da crise contempornea demanda umprojeto de sustentabilidade que transcende as fronteiras do mercado. O prprio discursoda sustentabilidade, em sua origem, pressupe uma articulao complexa que integrauma multiplicidade de aspectos sociais. Assim, uma sustentabilidade liderada pelomercado e apoiada em mudanas tcnicas e demogrficas ser sempre reducionista e,portanto, necessariamente insustentvel.

    No item seguinte exploraremos a diversidade de interpretaes quedividem o campo, focalizando os principais valores, interesses e foras que nele semovimentam e antagonizam.

    A SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTA SUSTENTABILIDABILIDABILIDABILIDABILIDADE COMOADE COMOADE COMOADE COMOADE COMOCAMPO DISCURSIVOCAMPO DISCURSIVOCAMPO DISCURSIVOCAMPO DISCURSIVOCAMPO DISCURSIVO

    Conforme exposto acima, o conceito de discurso como expresso e exercciode poder pressupe a sustentabilidade como um campo discursivo onde uma pluralidadede foras e interpretaes disputam entre si o reconhecimento como o discursoverdadeiro sobre o assunto. Embora a sustentabilidade presuma, como campo, umsubstrato comum identificado com a idia de um futuro vivel para as relaes entrea sociedade e a natureza, esta base comum muito vaga e permite leituras diversassobre o que significa um futuro vivel e sobre quais os melhores meios de alcan-lo.

    Assim, medida que o debate da sustentabilidade vai se tornando maiscomplexo e difundido socialmente, ele vai sendo apropriado por diferentes forassociais que passam a lhe imprimir o significado que melhor expressa seus valores einteresses particulares. Viola e Olivieri, analisando o cenrio do ambientalismocontemporneo, reafirmam as idias de diversidade e conflito discutidas:

    Em outras palavras, a luta pelo significado legtimo do desenvolvimentosustentvel expressa diversas categorizaes e classificaes fundadas,obviamente, em prticas diferentes e ligadas a mltiplas cosmovisesprovenientes de uma pluralidade de pontos de vista essencialmenteconflitantes. ... Em outras palavras, os diferentes atores do ambientalismoformulam e pleiteiam suas diferenas internas dentro desse campo designificado, denominado ambientalismo multissetorial. ... Nesse sentido,pode-se afirmar que as diversas posies do ambientalismo em relao aosignificado da transio em direo a uma sociedade sustentvelimplicam lutas simblicas pelo poder de produzir e de impor uma visolegtima de sustentabilidade (VIOLA & OLIVIERI, 1997: 212-3)

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    No objetivo deste ensaio mapear toda a diferenciao do campo dasustentabilidade, mas indicar as duas grandes matrizes interpretativas que nele sesobressaem a ttulo de tipos ideais. Essas duas matrizes polarizam o debate atualfuncionando como um eixo ao longo do qual se posicionam toda a multiplicidade detendncias poltico-filosficas.

    A primeira matriz corresponde ao discurso oficial da sustentabilidade,que detm a hegemonia presente do campo, e que, para muitos efeitos, atua como averdade sobre o tema. Compreende o desdobramento da proposta de sustentabilidade,originada nos trabalhos da Comisso Brundtland e reproduzida nas grandes confernciasinternacionais e nos programas governamentais sobre meio ambiente e desenvolvimento.Tanto pela fora de sua posio hegemnica, quanto pelo contedo que a constitui,esta interpretao tambm foi assimilada por setores no-governamentais e empresariais,em sua forma pura ou acrescida de adaptaes ao perfil particular de cada grupo.

    Trata-se de um discurso politicamente pragmtico, que enfatiza a dimensoeconmica e tecnolgica da sustentabilidade e entende que a economia de mercado capaz de liderar o processo de transio para o desenvolvimento sustentvel, atravsda introduo de tecnologias limpas, da conteno do crescimento populacional edo incentivo a processos de produo e consumo ecologicamente orientados.

    Este discurso defende a possibilidade de articular crescimento econmicoe preservao ambiental, e entende que o dinamismo do sistema capitalista no scapaz de se adaptar s novas demandas ambientais como tambm de transform-lasem novos estmulos competitividade produtiva. Segundo essa viso, economia eecologia so no s conciliveis, como tambm possvel elevar a produo reduzindoo consumo de recursos naturais e a quantidade de resduos industriais. De um modogeral, este o discurso da Modernizao Ecolgica, mencionado acima, e representaum esforo de elaborao do discurso do desenvolvimento sustentvel.

    A argumentao econmica e tcnico-cientfica ocupa uma posioprivilegiada nessa matriz interpretativa e tende a deixar em segundo plano consideraesticas e polticas associadas a valores biocntricos, de participao poltica e de justi-a social.

    A segunda matriz interpretativa se coloca como um contradiscurso versooficial e pode ser entendida como uma concepo complexa ou multidimensional desustentabilidade que tenta integrar o conjunto de dimenses da vida individual esocial. Politicamente, esta matriz tende a se identificar com os princpios da democraciaparticipativa e a considerar que a sociedade civil organizada deve ter um papelpredominante na transio para a sustentabilidade social. Prioriza o preceito deequidade social e desconfia da capacidade do mercado como alocador de recursos.

    Com relao ao papel do Estado, pode-se dizer que essa matriz se subdivideem duas tendncias principais: uma que suspeita da ao poltica estatal e defende asubordinao do Estado Sociedade Civil, e uma segunda que defende a intervenoestatal como o melhor caminho de transio para a sustentabilidade.

    Esta segunda tendncia v o Estado como agente indispensvel nesseprocesso. Fundamenta esta posio com base no entendimento de que a sociedade

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    civil isolada no capaz de se contrapor s foras do mercado e na suposio de que oambiente, como patrimnio pblico, no pode ser preservado sem a ao normativa epoltica do Estado. Advoga, entretanto, a democratizao do Estado e sua articulaos foras da sociedade civil.

    Para evitar o economicismo e o universalismo implcitos na proposta dedesenvolvimento sustentvel, essa matriz prefere utilizar a expresso sociedadesustentvel para salientar as idias de autonomia poltica e singularidade cultural decada pas tidas como necessrias realizao de uma sustentabilidade complexa(DIEGUES, 1992).

    Os defensores dessa matriz complexa de sustentabilidade reagem aosreducionismos econmico e tecnolgico que, segundo eles, caracterizam o discursooficial. Consideram ainda que no h sustentabilidade possvel sem a incorporaodas desigualdades sociais e polticas e de valores ticos de respeito vida e s diferenasculturais.

    No que se refere dimenso ecolgica da sustentabilidade, pode-seobservar uma diversidade de posies que oscilam entre vises mais ou menosantropocntricas ou biocntricas, embora com predomnio das primeiras.

    De forma geral, esta matriz de sustentabilidade fundamenta-se numacrtica ampla da civilizao capitalista ocidental que reprova o mito do progresso, oprimado da razo instrumental, o fetiche consumista, a idolatria cientificista e odescentramento do homem e da vida na agenda de prioridades sociais (LEFF, 1999;BLOWERS, 1997; CRESPO, 1998; VIOLA & LEIS, 1995; ECKERSLEY, 1992).

    Como vimos ao longo da anlise, o enfoque de mercado detm a posiohegemnica no debate contemporneo da sustentabilidade. Esta constatao,entretanto, coloca o dilema entre a efetiva implementao do projeto de susten-tabilidade e um conjunto de evidncias que demonstram a incapacidade do mercadoem viabilizar uma sustentabilidade complexa, capaz de responder magnitude dacrise que vivemos, conforme discutimos no tpico anterior.

    A EDUCA EDUCA EDUCA EDUCA EDUCAO E A SUSTENTAO E A SUSTENTAO E A SUSTENTAO E A SUSTENTAO E A SUSTENTABILIDABILIDABILIDABILIDABILIDADEADEADEADEADE

    A maioria dos autores que analisa a proposta de uma educao para asustentabilidade concorda que ela surgiu como uma tentativa de superar algunsproblemas apresentados pela educao ambiental praticada nas escolas de diversospases da Unio Europia, como a Itlia, a Espanha, a Inglaterra, a Irlanda, a Alemanha,o Pas de Gales, a Holanda e a Polnia, entre outros (STERLING, 2001; TILBURY,1996; SAUV, 1997).

    Esses autores reconhecem, em geral, que a educao ambiental noapresentou os resultados esperados nas ltimas dcadas, nem se mostrou capaz deatender crescente complexidade da crise contempornea. Nesse sentido, acreditamque essas limitaes se devem, em grande parte, inadequao entre o paradigmacartesiano-mecanicista, prevalecente na sociedade e cincia ocidentais, e os problemas

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    que hoje atingem a vida social, o ambiente, a economia e a cultura. Segundo essacompreenso, as mudanas necessrias e desejadas exigem um novo paradigmaintegrador ou holstico que a educao ambiental no conseguiu colocar em prtica,embora tenha reconhecido essa necessidade retoricamente.

    Em resumo, os autores argumentam que a educao ambiental assumiu,nesses contextos, expresses reducionistas em vrios aspectos: ao tratar a crise ambientalcomo uma crise meramente ecolgica; ao confundir o meio ambiente com a natureza;ao desprezar suas dimenses polticas, ticas e culturais; ao apresentar uma abordagemfragmentada e acrtica da questo socioambiental; ao aplicar metodologias disciplinares,no participativas e de baixa criatividade e ao propor respostas comportamentais etecnolgicas para problemas de maior complexidade (STERLING, 2001; TILBURY,1996; SAUV, 1997).

    Embora reconheam a importncia da educao ambiental no processode sensibilizao para a questo ambiental e nas reivindicaes de iniciativas sociaisvoltadas para a preservao socioambiental, acreditam que ela no teve suficienteflego para atender as expectativas de mudanas criadas em seu desenvolvimento.Portanto, a partir de uma crtica e de um diagnstico da educao ambiental experimen-tada em muitas escolas europias ao longo das ltimas dcadas, chegou-se nova pro-posta de educao para a sustentabilidade ou para o desenvolvimento sustentvel.

    Abro aqui um parntesis para estabelecer algumas conexes entre o debateinternacional e nacional sobre a educao ambiental. Sem dvida, so muitas as diferen-as que separam as realidades europia e brasileira, como so diferentes as experinciasde educao ambiental desenvolvidas nesses dois contextos scio-culturais. H,contudo, no debate europeu sobre a educao ambiental e na insero do discurso dasustentabilidade no campo da educao, questes relevantes para a compreenso denosso prprio processo e para a construo de nossos caminhos. Ou seja, guardadas asdevidas diferenas, h nas crticas dirigidas s aes educacionais europias inegveispontos de contato com a trajetria da educao ambiental brasileira, que podem seconstituir em focos de reflexo teis ao desenvolvimento de nosso processo educacional.

    Sabemos que a educao ambiental brasileira, sobretudo a partir da dcadade 90, vem desenvolvendo iniciativas tericas e prticas renovadoras que se empenhamem superar tanto a herana naturalista proveniente das cincias naturais quanto asvises reducionistas e politicamente conservadoras que estiveram presentes na formaodo campo no Brasil. J constatamos, nesse sentido, a presena de um significativoconjunto de educadores, pesquisas e experincias comprometidas com uma educaoambiental crtica e integradora, mas ainda no conhecemos com clareza por falta depesquisas e/ou acompanhamento sistemtico abrangentes o perfil e as tendncias docampo da educao ambiental no Brasil e a extenso dessa renovao poltico-pedaggica nesse universo. A escassez de dados empricos passveis de generalizaono autoriza afirmaes definitivas sobre o estado da arte da educao ambiental noBrasil, mas tambm no nos impede de supor que ainda convivemos com expressivossetores que se orientam por vises ingnuas e conservacionistas.

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    Um dos poucos levantamentos talvez o nico publicado que se esforapor fazer o mapeamento das experincias de educao ambiental desenvolvidas noBrasil, foi realizado pela comisso organizadora da I Conferncia Nacional de EducaoAmbiental em 1997. Na parte que elenca os problemas e desafios da educao ambientalno ensino formal, o documento fornece algumas pistas sobre essaa situao:

    O modelo de educao vigente nas escolas e universidades respondea posturas derivadas do paradigma positivista e da pedagogia tecnicista que postulamum sistema de ensino fragmentado em disciplinas, o que se constitui um empecilhopara a implementao de modelos de educao ambiental integrados e interdisciplinares.

    A falta de material didtico para orientar o trabalho de educaoambiental nas escolas, sendo que os materiais disponveis em geral, esto distantes darealidade em que so utilizados e apresentam carter apenas informativo eprincipalmente ecolgico, no incluindo os temas sociais, econmicos e culturais,reforando as vises reducionistas da questo ambiental.

    A ausncia de uma viso integrada que contemple a formao ambientaldos discentes e a incluso das questes ticas e epistemolgicas necessrias para umprocesso de construo de conhecimento em educao ambiental.

    A ausncia de conceitos e prticas da educao ambiental nos diversosnveis e modalidades de ensino refora as lacunas na fundamentao terica dospressupostos que a sustentam (MMA/MEC, 1997).

    Assim, mesmo se considerarmos a relativa desatualidade dos dados acima,parece que um dos desafios colocados aos educadores que fazem educao ambientalno Brasil est em estender os nveis de discusso e de crtica conquistados pelaslideranas que estabelecem as referncias conceituais, pedaggicas e polticas do campoao conjunto de educadores e s prticas que o constituem.

    Por outro lado, conforme indicamos acima, a crescente permeabilidadeentre os nveis locais e globais da sociedade e cultura mundiais faz com que astendncias mundiais - sejam materiais ou simblicas, sobretudo aquelas protagonizadaspelos blocos hegemnicos que em grande medida definem a orientao dos organismosinternacionais tendem a nos influenciar com maior ou menor intensidade.7

    Entendo, enfim, que este debate se torna especialmente relevante quandoconsideramos que o discurso da sustentabilidade se expandiu aos quatro ventos econquistou, apesar de toda sua ambigidade, uma condio de unanimidade quem contra a sustentabilidade? que pode induzir a confuses. Quando, portanto, sepassa a propor, como faz a UNESCO, que o desenvolvimento sustentvel o objetivomais decisivo da relao homem-natureza e que todo o processo educativo deveria serredirecionado para o desenvolvimento sustentvel, o mnimo que precisamos fazer perguntar e discutir o que significa o desenvolvimento sustentvel e o que educarpara o desenvolvimento sustentvel (UNESCO apud SAUV, 1997).

    Retomo aqui a anlise concordando com a crtica que aponta os limitesda educao ambiental desenvolvida nas escolas europias e a necessidade de renov-

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    la a fim de realizar as mudanas culturais que dela se espera. Acredito, entretanto,que o novo discurso de educao para a sustentabilidade ou para o desenvolvimentosustentvel levanta novos problemas e contradies que merecem ser discutidos.

    Se considerarmos, por exemplo, a polissemia que caracteriza o discursoda sustentabilidade, mencionada acima, ficamos diante da incerteza de saber em quedireo estamos nos orientando ao adotar uma educao para a sustentabilidade.Ou seja, dada a diversidade de sentidos atribuveis a esta noo e a incompatibilidadeentre algumas de suas premissas, educar para a sustentabilidade converte-se numaexpresso vazia e duvidosa. A impreciso envolvida na proposta nos leva a compararsua aceitao com a situao de um passageiro que embarca num trem sem conhecerseu destino.

    Por essa razo, e pelo potencial que essas concepes tm de influenciaros educadores na escola e na prtica de um projeto educativo, Sauv defende anecessidade de discutir criticamente os contedos implcitos nos diversos discursos desustentabilidade e de confrontar as diferenas entre eles. Importa, segundo a autora,ter clareza sobre os modelos de educao disponveis ou impostos, seus objetivos,interesses e valores, seu pblico preferencial e sobre as foras que governam o campo(SAUV, 1997).

    Jickling questiona o discurso da educao para a sustentabilidade a partirde sua instrumentalidade. Argumenta que a educao dirigida a um fim especfico,seja ele qual for, contraria o esprito da educao enquanto prtica de liberdade.Entende que a educao pressupe autonomia e pensamento crtico. Para ele, os alunosdeveriam ser estimulados a pensar, julgar e se comportar por si prprios e no orientadospara uma finalidade pr-determinada. Para Jickling, uma educao orientada parauma finalidade determinada sugere mais um treinamento para aquisio de certashabilidades do que um aprendizado envolvido com a compreenso. Refletindo sobreos fundamentos da proposta, argumenta:

    importante notar que essa posio se apia em algumas suposies.Primeiro, supe que o desenvolvimento sustentvel um conceitoincontestvel e, segundo, que a educao uma ferramenta para serusada para seu avano. O primeiro ponto claramente falso e deve serrejeitado; existe considervel ceticismo sobre a coerncia e eficcia dotermo. A segunda suposio tambm pode ser rejeitada. A prescrio deuma perspectiva particular incongruente com o desenvolvimento dopensamento autnomo (JICKLING, 1992: 8).

    Sterling, em anlise mais genrica sobre o campo educacional, concordaque, no momento atual, um extremo instrumentalismo domina suas polticas e prticas.Esse instrumentalismo se manifesta num modelo pragmtico de educao orientadopelas demandas da economia que tende a priorizar a profissionalizao para o mercadode trabalho e valores relacionados eficincia, controle de qualidade e competiti-vidade. O autor comenta essa tendncia afirmando que:

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    Em suma, a Nova Direita, ou as foras neoliberais e neoconservadorascapturaram e mudaram a agenda educacional. Isto aconteceu em vriossistemas educacionais do ocidente. Este impulso poderoso parece tercomeado atravs da influncia das agncias internacionais como aOrganizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico - OCDEe o Banco Mundial, os quais, a partir de 1980, produziram relatrios queapontavam a necessidade de reestruturar a educao de acordo com oajuste estrutural da economia (STERLING, 2001: 39).

    Nesse sentido, Sterling levanta a necessidade de diferenciar tipos deaprendizado e mudana que classifica de 1 e 2 ordens. Os processos de 1 ordem soadaptativos e quantitativos, ocorrem dentro dos limites do modelo educacional pr-existente e buscam melhorar sua eficincia, embora sem questionar nem alterar osvalores bsicos j estabelecidos. Podemos dizer que as tendncias instrumentais acimaverificadas, mais voltadas conservao do status qo, identificam se com osprocessos de mudanas deste primeiro tipo. So, por esse motivo, tambm denominadasde mudanas dentro da permanncia.

    Os processos de 2 ordem envolvem tipos de mudana e aprendizado refle-xivos e integradores que estimulam a capacidade crtica a autocrtica inclusive aautonomia e a criatividade, e capacitam os educandos a resolver problemas e a realizarmudanas sociais e individuais qualitativas. Pondera que as duas ordens de mudanaso necessrias ao desenvolvimento da educao, embora os problemas de alta comple-xidade que caracterizam a sociedade contempornea e desafiam a transio para asustentabilidade dependem, principalmente, de respostas de 2 ordem.

    H no texto da UNESCO Educao para um Futuro Sustentvel algunselementos que podem enriquecer a presente anlise, seja porque confirmam astendncias educacionais acima apresentadas, seja porque acrescentam novos pontossugestivos. Esse trabalho, fruto de elaborao coletiva,8 foi apresentado como textooficial de referncia da Conferncia Internacional de Tessalnica, Grcia, em 1997,que teve como tema Educao e Conscientizao Pblica para a Sustentabilidade evisava consolidar o conceito e as mensagens da educao para a sustentabilidade(UNESCO, 1999). No conjunto, o documento transparece a criao coletiva ao mesclarposies mais e menos avanadas. Seu texto reflete, tambm, a preocupao deresponder crtica direcionada ao discurso do desenvolvimento sustentvel.

    Primeiramente, observa-se na educao para a sustentabilidade uma ten-dncia a destacar a necessidade de mudanas de atitudes e comportamentos individuaisem detrimento de mudanas que envolvem processos polticos e econmicos. Assim,os problemas socioambientais aparecem mais relacionados esfera privada que esferapblica, e supem uma desresponsabilizao dos agentes coletivos pblicos e privados,como por exemplo, o Estado e as corporaes globais.

    O texto aposta na importncia da tecnologia como meio de superar osproblemas ambientais, mas no problematiza os limites desse potencial. Isto , emboraa tecnologia possa contribuir com a preservao, ela no uma panacia e nem atuaisoladamente sem o concurso de outras mudanas econmicas, polticas e culturais. O

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    texto tambm no discute, entre outros aspectos, o risco e o descontrole envolvidos naproduo e uso das modernas tecnologias, nem a concentrao de poder que recaisobre os especialistas e a comunidade cientfica, nem a dependncia tecnolgica entrepases pobres e ricos. Ao depositar excessiva esperana em respostas de alcance maislimitado, revela, portanto, uma abordagem simplista (BECK, 1992; GIDDENS, 1999;SACHS 1986, BRUSEKE, 1995).

    Quando analisa as causas da crise socioambiental, o texto menciona opapel das desigualdades sociais nesse processo, mas centra sua nfase explicativa napobreza e no crescimento demogrfico dos pases perifricos. O silncio sobre osimpactos ambientais decorrentes da produo e consumo da riqueza e sobre anecessidade de definir limites sua expanso provoca estranheza. Ao discutir a relaoentre pobreza e degradao, defende a necessidade de crescimento dos pases pobrespara superar a misria e, novamente, no discute a possibilidade de promover polticasde distribuio de renda. A compreenso de que a educao um instrumento-chavepara um fim determinado, no caso, o futuro sustentvel ou certas condutas e estilosde vida sustentveis, permeia todo o documento e reedita o problema do instru-mentalismo discutido acima.

    H, enfim, em todo o texto, um apelo recorrente participao dosindivduos, colaborao pblica e cidadania como fatores essenciais sustentabilidade social, que merece ser discutido. Isto porque, no momento de formularas polticas estatais e privadas de crescimento que induziram crise ambiental, osindivduos e o pblico no foram consultados nem convidados a participar e, agora,quando se trata de reparar os danos causados, so estimulados a colaborar com asreformas. Concordo que a participao pblica constitui um elemento indispensvelna construo de polticas que visam o bem-estar social. Entretanto, a parcialidade doapelo, realizado desta forma, mais parece uma estratgia de privatizao dos benefciose socializao das perdas.

    Em trabalho anterior, discutimos a ambigidade e a banalizao do usodas noes de cidadania e participao social nos discursos oficiais de educaoambiental, incluindo-se a o caso brasileiro, e nos demais discursos liberais. Discutimostambm a necessidade de diferenciar um modelo de participao e de cidadania passiva,conservadora e tutelada de um outro modelo ativo, transformador e autnomo (LIMA,2002, CARVALHO, 1991; VIEIRA, 1998; DEMO, 1996).

    A cidadania e a participao social so bastante invocadas no debatesobre a educao ambiental, mas em geral no esto relacionadas com uma crtica dubiedade implcita no conceito liberal de cidadania. Refiro-me ao fato dessas noesserem, no contexto do capitalismo, freqentemente usadas como meios de ocultar asdesigualdades sociais e de legitimar sua manuteno. Cabe, portanto, lembrar que aoutorga de uma igualdade jurdica formal, desacompanhada de outras conquistaseconmicas, sociais e polticas, converte a cidadania num mero artifcio para camuflare perpetuar a explorao capitalista sobre a sociedade e a natureza (ALVES, 2000).

    Assim sendo, considero que, embora o texto da UNESCO Educaopara um Futuro Sustentvel se esforce em incorporar a crtica dirigida proposta de

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    sustentabilidade social, formulada pela Comisso Brundtland, ele no consegue superaras contradies e os limites nela manifestos. Nele prevalece a inspiraoneoconservadora que caracteriza a proposta mencionada. Como texto institucionalque referencia e fundamenta o discurso oficial da educao para a sustentabilidade,ele se apresenta como um programa de reformas dentro da ordem, uma vez que sugeremudanas adaptativas que garantem a reproduo sistmica, mas no arranham aprofundidade e a complexidade dos problemas vivenciados.

    No conjunto, podemos dizer que a proposta de educao para asustentabilidade desenvolvida sob o signo do mercado promete muito e realiza pouco.Pretende formular respostas aos limites paradigmticos da educao ambientalanalisada sem apresentar vias efetivas de mudana que ultrapassem os limites daconformidade. Colocada desta maneira to ambgua, a proposta serve para conciliarconflitos, camuflar contradies e dissolver a diversidade do campo, no para estimularmudanas qualitativas na prtica educacional.

    Esse conservadorismo dinmico, que realiza mudanas superficiais paragarantir que o essencial seja conservado, representa talvez o maior obstculo concepo e implementao de uma proposta complexa e transformadora desustentabilidade. No entanto, uma educao crtica e integradora pode ajudar asuperar tal obstculo.

    CONSIDERAES FINAISCONSIDERAES FINAISCONSIDERAES FINAISCONSIDERAES FINAISCONSIDERAES FINAIS

    A ttulo de concluso, e para no ficar restrito tarefa crtica de descons-truo, quero sugerir algumas pistas para a reflexo dos educadores ambientaisinteressados na busca de novos caminhos.

    Como vimos, desejvel estimular a discusso e a compreenso crtica dacrise socioambiental, problematizando a diversidade de concepes de sustentabilidadeapresentadas em seu argumentos, valores, objetivos, posies tico-politicas e em suasimplicaes sociais. Esse exerccio de diferenciao e esclarecimento auxilia o educadora escolher, conscientemente, os caminhos que quer seguir em seu projeto e prti-ca educativa.

    Jickling, embora crtico de uma educao para a sustentabilidade porcausa de seu carter instrumental, prope uma outra abordagem onde o tema dasustentabilidade seja apresentado e discutido com os alunos, de uma forma que permita-os: conhecer os argumentos favorveis e contrrios ao discurso, avaliar o conjunto daargumentao e participar deste debate. Segundo ele, a discusso visa revelar adiversidade de vises de mundo envolvidas no debate, de modo que os alunos nosejam educados para a sustentabilidade, mas capacitados a comparar, debater ejulgar por si prprios as diversas posies manifestas no debate e aquelas que lhesparecem mais sensatas. Segundo ele, somente dessa maneira podemos dizer que setrata de uma abordagem educacional, pois a outra, ao procurar educar para algo,perde o sentido educativo (JICKLING, 1992). Sterling toma emprestado de Einsteinuma construo simples e significativa para a prtica educacional que diz:

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    Nenhum problema pode ser resolvido a partir da mesma conscinciaque o criou. Precisamos aprender a ver o mundo renovado (EINSTEINapud STERLING, 2001).

    Precisamos ver diferente, deslocar e renovar nosso ponto de vista paracompreender e agir diferentemente. Aprendizado e mudana so inseparveis,pois no possvel mudar sem aprender (ver o novo), ou aprender sem mudar(STERLING, 2001).

    A idia de aprendizado, em sentido amplo, adquire assim uma importnciacentral no debate contemporneo da sustentabilidade. O tipo de vida, educao esociedade que teremos no futuro vo depender da qualidade, profundidade e extensodos processos de aprendizado que formos capazes de criar e exercitar individual esocialmente. A educao e os educadores, em especial, que concentram as tarefas deconceber e pr em prtica os modelos de ensino e aprendizagem sociais tm umaresponsabilidade singular nesse processo.

    Clark discute a idia de sociedade aprendiz e define-a como aquelacapaz de se autocriticar, autocompreender e criar novas vises de mundo e cursos deao, de acordo com a necessidade histrica. Essa concepo de sociedade aprendiztranscende os limites de uma sociedade (ou sistema) que funciona e se esgota nosobjetivos de produzir e reproduzir-se, e supe outras capacidades como: autoconhecer-se e conhecer seu ambiente numa perspectiva dinmica; refletir e tirar concluses doresultado de suas aes, inclusive as no-exitosas; discernir os momentos em quemudanas se impem, ter a flexibilidade de implementar as mudanas julgadasnecessrias, fazer escolhas inteligentes e priorizar iniciativas cooperativas, entre outras.Est claro que a vida exige ambas as polaridades. Processos de aprendizado de 1 e de2 ordens, repetio e criao, estabilidade e mudana, ordem e liberdade so facesinseparveis e complementares da realidade que assumem a condio de prioridaderelativa em cada conjuntura histrica. As caractersticas dos atuais modelos desociedade e de educao demonstram que eles tm sido desproporcionalmentegovernados por princpios instrumentais, mecnicos e competitivos. Esse ambienteconjuntural tanto reduz as possibilidades da reflexividade e da criatividade prosperaremno meio social quanto do sinais de que estamos no pico de uma onda de mutao quepode ser bem ou mal aproveitada (CLARK, 1989).

    Construir, portanto, uma educao ambiental complexa, capaz de respondera problemas igualmente complexos, implica em ir alm de uma sustentabilidade demercado reprodutivista, fragmentria e reducionista. Pressupe a capacidade deaprender, criar e exercitar novas concepes e prticas de vida, de educao e deconvivncia individual,9 social e ambiental capazes de substituir os velhos modelosem esgotamento.

    Esta renovao j est em movimento nos subterrneos da presentesociedade atravs de diversas iniciativas alternativas, atomizadas em diversos camposde conhecimento e atividade, embora ainda subsistam num plano no-dominantedentro do sistema global. Uma das tarefas estratgicas para os educadores ambientaisinteressados numa mudana paradigmtica est em pesquisar, relacionar destaca-se

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    aqui o papel das redes , selecionar e multiplicar o potencial positivo dessas experinciasj existentes na resposta aos problemas aqui discutidos. Importa tambm, nesse sentido,ter presente a relao de interdependncia que articula o sistema educacional e osistema social global, de modo a explorar as sinergias capazes de promover experinciasde educao, de vida e sociedade mais integradas e saudveis.

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    NOTNOTNOTNOTNOTASASASASAS

    1. O Clube de Roma foi uma associao livre de cientistas, empresrios e polticos de diversos pases que se reuniuem Roma, no princpio da dcada de 70, para refletir, debater e formular propostas sobre os problemas do sistemaglobal (MCCORMICK, 1992).

    2. Como Lester Brown, Rachel Carson, Georgescu Roegen, John Galtung, Gregory Bateson, Barry Commoner, E.F. Schumacher, Paul Ehrlich, Herman Daly, Herbert Marcuse, Daniel Cohn Bendit, Barbara Ward, Ren Dubos,Donella Meadows, Jean Pierre Dupuy, Edgar Morin, Murray Bookchin e Arne Naess, entre tantos outros.

    3. A Comisso Brundtland, presidida pela ento primeira-ministra da Noruega Gr Harlem Brundtlad, foi organizadapela ONU, em 1983, para estudar a relao entre o desenvolvimento e o meio ambiente e criar uma novaperspectiva para abordar essas questes. O Relatrio Nosso Futuro Comum, produzido pela Comisso, veio apblico em 1987 (HERCULANO, 1992; MCCORMICK, 1992).

    4. Para acessar uma histria e debate sobre o desenvolvimento econmico numa perspectiva da sustentabilidade,ver HERCULANO (1992), LIMA (1997) e ALMEIDA(1999).

    5. Sobre o debate e a crtica da Modernizao Ecolgica, ver DRYSEK (1997), MOL & SPAARGAREN (1998) eBLOWERS (1997).

    6. Lembro a possibilidade de pases subdesenvolvidos, embora ricos em recursos naturais, tambm adotarem posiesecologicamente incorretas quando esto em jogo a defesa de seus interesses, como j foi o caso de alguns pasesda Organizao de Pases Exportadores de Petrleo - OPEP.

    7. , por exemplo, ilustrativo que a proposta de educao para a sustentabilidade tenha sido apresentada comoconcepo oficial na Conferncia Internacional de Tessalnica, Grcia, promovida pela UNESCO em 1997,talvez o ltimo evento global voltado para a educao ambiental.

    8. O trabalho reuniu a colaborao de diversos especialistas da prpria UNESCO, do sistema das Naes Unidase de outras instituies como o Banco Mundial, a Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmi-co OCDE, a Unio Internacional para Conservao da natureza UICN, agncias governamentais, no-governamentais e universidades de diversos pases.

    9. Refiro-me aos processos de autoconhecimento, na linha de uma ecosofia da subjetividade humana discutida porGUATTARI (1990), que est intimamente associada forma como nos relacionamos com a sociedade e oambiente.