O Dualismo Cartesiano

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Comentário de texto:

Bohm, David, A new theory of the relationship of mind and

matter, 1 Introduction, 2 The implicate order and the quantum

theory.

Ana Catarina Dias Nabais nº 1189418-11-2007

UN/FCSHSeminárioProf. Luísa Couto Soares

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“As coisas tomadas em conjunto são o todo e o não-todo, algo que se reúne e se separa, que está em consonância e em dissonância; de todas as coisas provém uma unidade, e de uma

unidade, todas as coisas”.Heraclito

“ .. man's general way of thinking of the totality, i.e. his general world view, is crucial for overall order of the human mind itself. If he thinks of the totality as constituted as independent

fragments, then that is how his mind will tend to operate, but if he can include everything coherently and harmoniously in an overall whole that is undivided, unbroken and without

border (for every border is a division or break) then his mind will tend to move in a similar way, and from this will flow an orderly action within the whole”.

David Bohm

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1.Introdução

Este trabalho visa comentar o artigo de David Bohm: A new theory of the relationship of mind and matter, na tentativa de demonstrar que aquilo que se considerava como substância material e inanimada é de facto substância mental, caracterizada por um movimento contínuo cujas características serão devidamente explicitadas.

Adopta-se a palavra substância porque em termos filosóficos será a mais precisa para denominar tudo o que constitui a realidade.

Esta mudança de compreensão da realidade assenta naquela que tem sido uma crescente mudança de paradigma, que se traduz pela transição de uma epistemologia cartesiana, caracterizada pela dualidade mente/matéria e que veio a influenciar todo sistema de leis elaborado pela física clássica, para uma compreensão nova, não dual, mas caracterizada por uma conciliação entre a física clássica e a fisíca quântica, traduzindo-se numa nova visão do universo e do homem, assim como numa reformulação de critérios epistemológicos. Esta nova compreensão assenta precisamente no facto da substância ser mental.

Este comentário começará com a exposição de algumas das considerações de Descartes acerca da natureza da realidade colocadas por Bohm. Seguidamente saltamos para a parte final da segunda parte do artigo de Bohm já que é necessário compreender em toda a sua extensão o tipo de paradoxos e problemas que puseram em causa a validade de algumas teses defendidas pela física clássica e por Einstein.

Comentar-se-á o princípio da segunda parte do artigo de Bohm, onde este expõe a sua tese do universo holográfico como sendo constituído por uma ordem implicada e por uma ordem explicada, em que a primeira é um fluxo contínuo de potencialidades e a segunda a actualização de algumas dessas potencialidades, traduzindo-se na realidade a que temos acesso.

Será demonstrado que a dinâmica que caracteriza o funcionamento da realidade é em tudo semelhante à dinâmica que caracteriza a mente e que essa semelhança significa que a realidade é composta por substância mental.

Para melhor expor estas semelhanças e defender porque é que a substância é de facto mental, será exposta como complemento à tese de Bohm, as investigações levadas a cabo por Karl Pribam, que aplica precisamente o mesmo modelo holográfico de Bohm ao funcionamento da memória no cérebro.

Verificar-se-á que a memória como fenómeno mental serve de analogia perfeita para explicar a própria dinâmica presente no funcionamento do universo, demonstrando porque é que este se constitui por uma substância mental.

A visão de um terceiro autor, Rupert Sheldrake, será introduzida como comentário há questão de Bohm de como é que se processa exactamente o movimento entre ordem explicada e ordem implicada; será colocada uma hipótese ainda que meramente especulativa.

Como iremos ver para Sheldrake a memória não se localiza no cérebro mas no que ele denomina por campo mórfico, desta maneira podemos dizer que tudo é constituído por campos mórficos dentro de campos mórficos desde uma célula á totalidade do universo.

Através da tese dos campos mórficos Shledrake sustenta que o acesso aos mesmos é feito por um procedimento de sintonização ou ressonância, sendo que esta

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hipótese poderia estar na origem da passagem e organização de certo tipo de informação da ordem implicada para ordem explicada.

Conclui-se que se de facto a realidade tiver substância mental como sustenta, uma vez conscientes deste processo, poderemos vir a ter uma capacidade de influência muito profunda na nossa realidade agudizando a já perceptível influência entre observador e objecto ao nível da realidade sub atómica.

2. Dualismo cartesiano

Apesar de Bohm nem sempre se referir a substância, muitas vezes substituindo este conceito pelo o de matéria – o que a leva a algumas confusões pois refere-se matéria como material e mental – é aceite que o senso comum e a própria física clássica têm vindo a considerar dois tipos de substância: mental e material (res cogitans, res extensa).

Como se sabe esta visão dual da realidade remete para Descartes que se focaliza na tematização epistemológica do conhecimento que é, como iremos ver, inseparável de qualquer formulação de uma compreensão da realidade.

A formação escolástica de Descartes fez com que se decepcionasse com todas as disciplinas que não fossem caracterizadas pela exactidão da matemática e da geometria, e com que aderisse posteriormente às teses de Galileu. Esta é uma questão importante para se perceber como nascia aqui a cisão entre o pensamento religioso e o cientifico e a sua difícil coexistência1.

A tese de Descartes assenta numa construção fundacionalista, em que partindo de um principio irrefutável todo o edifício do conhecimento poderia ser construindo com toda a credibilidade possível, e esse principio é o famoso cogito ergo sum: se existem pensamentos é porque os penso, logo existo como ser pensante; defende assim que a natureza do homem é intrinsecamente mental e que o corpo não pode entrar naquilo que define o homem ontologicamente.

Descartes recorre a uma argumentação notoriamente circular de que se Deus existe o mundo existe, porque seria incompreensível de alguma forma viver num mundo que nos parece real, enganados por Deus; e Deus existe precisamente porque ocorre uma relação causal entre uma ideia a que chamou de clara e distinta (entre outras) e a própria existência de Deus (Descartes 1992)..

Bohm alude a esta tese de Descartes: a de que as ideias claras e distintas corresponderiam a objectos no mundo real pelo que os objectos em si nem sempre corresponderiam com total exactidão às ideias dos mesmos, pelo que uma análise e investigação da realidade teria que ser feita a partir de ciências exactas e abstractas

1 Essa cisão pode ser novamente culmatada, se considerarmos que a substância é mental, pode-se vir a dar

uma integração desses dois aspectos esta hipótese é colocada por Karl Pribam: : “ I think in the twenty-first century we're going to be able to do an awful lot that we weren't able to do up to now, simply because science will be admitted to the spiritual aspects of mankind, and vice versa. What has been segregated for at least three hundred years, since Galileo, where the spiritual aspects, in Western culture at least, have been sort of relegated over here. People have split this, you know. We build buildings, and we do surgery, and do all of these things. Then we have a spiritual aspect to ourselves; we go do that somewhere else. Whereas now I think these things will come together... (Pribam 1998).

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como a matemática ou a geometria e nunca do ponto de vista empírico (Descartes, Sexta Meditação 1992: Bohm 1990) .

Portanto, próprio conhecimento não está na dimensão empírica da realidade mas unicamente na mente ou na razão, e visto que através da formulação do cogito ergo sum, o que define ontologicamente o humano é o puro pensamento, torna-se necessário separar a mente ou espírito da matéria: res cogitans é imaterial e res extensa é material.

A substância material é aquilo do qual o mundo é composto, e se o mundo é comporto de res extensa então não tem “alma”, falamos de um mecanismo, uma máquina constituída por múltiplas partes, que pela investigação sistemática e estritamente racional poderemos vir a compreender totalmente e a dominar.

A contra argumentação habitual a esta tese, é a da impossibilidade de conceber um homem que se definir por um corpo que sem uma ligação à mente não poderia funcionar; as naturezas incomensuravelmente diferentes de uma e de outro tornaria impossível a existência de alguma relação entre eles, no entanto essa relação tem que existir, pois as acções do corpo são reguladas pela mente.

A tese das ideias claras e distintas colocadas por Deus são mote para que haja alguma explicação para a evidência da ligação entre entre corpo e mente. Descartes também denomina a glândula pineal como ligação entre o corpo e o espírito ou mente, estaríamos de alguma forma a falar de um dualismo interaccionista (Descartes 1992, 2000). No entanto, este interacconismo depende da intervenção divina para explicar a relação entre corpo e mente e esse tipo de argumentação não pode ser aceite: “Descartes solved the problem by assuming that God, who created both mind and matter is able to relate them by putting into the minds of human beings the clear and distinct thoughts that are needed to deal with matter as extended substance. It was of course also implied by Descartes that the aims contained in thoughts had somehow to be carried out by the body, even though he asserted that thought and the body had no domain in common. It would seem (as was indeed suggested at the time by Malebranche) that nothing is left but to appeal to God to arrange the desired action somehow. However, since that time, such an appeal to the action of God has generally ceased to be accepted as a valid philosophical argument. But this leaves us with no explanation of how mind and matter are related” (Bohm 1990).

O que Bohm tenta fazer é precisamente encontrar uma explicação para a realidade e também, como veremos, para o homem, sem recorrer à inevitável fragmentação de um tese dualista, ou a um monismo que reduza a substância à mente, no caso de ser um ideialismo ou à matéria, no caso de ser um materialismo.

3. Problemas e Paradoxos

Como sabemos a física quântica rompeu com alguns pressupostos da física newtoniana influenciada pela dimensão epistemológica das teses cartesianas: a de que o universo funcionava como um mecanismo, e de que leis imutáveis regulavam esse mesmo mecanismo, e de facto verificou-se que no mundo físico havia uma previsibilidade muito considerável dos fenómenos e que estes podiam ser explicados desta maneira.

Com a descoberta de inúmeros paradoxos presentes na realidade sub atómica investigada pela física quântica, a concepção cartesiana/ newtonina e portanto essencialmente materialista deixou de fazer sentido. Como se falou anteriormente um universo mecânico constituído por múltiplas peças desmontáveis deixou de ser um

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modelo aceitável para a física quântica, forçando a emergência de um novo paradigma e de um novo modelo para a explicação do universo.

Bohm refere no seu artigo alguns dos problemas que forçaram a mudança de uma visão da realidade como composta de matéria, para uma realidade cuja substância possui características mentais.

Um destes problemas é o fenómeno denominado entaglement referido por Einstein como uma transmissão fantasmagórica à distância. Alan Aspect descobriu que partículas subatómicas podem comunicar-se instantaneamente a distâncias muito grandes, o que significaria que a tese de Einstein, que nada poderia viajar a uma velocidade mais rápida que a da luz, seria violada. (Talbot; Pratt 1993).

Outro problema referido por Bohm é o da dualidade onda-particula, ou seja electrões por exemplo podem-se comportar como partículas mas também como ondas (o que é inesperado do ponto de vista da física newtoniana).

Este fenómeno pode ser observado com particular evidência na experiência da dupla-fenda levada a cabo por Thomas Young e repetida inúmeras vezes (Bohm 1980, 1990; Goswami 1995; Schafer 2003 e sites mencionados na bibliografia).

O que se observa é que ao passar um electrão por uma dupla fenda este cria um padrão num detector, uma espécie de ecrã. O padrão esperado que se constituiria por duas barras horizontais onde se localizaria a maior incidência de electrões, não aparece, aparece sim um padrão de interferência típico das ondas (que surgiria se duas ondas passassem pela dupla fenda, um padrão constituído por círculos concêntricos formando no ecrã um conjunto de barras horizontais)2.

Isto leva os cientistas a especular que o electrão teria que passar pelos dois lados ao mesmo tempo, ou que entra completamente por um ou por outro, ou simplesmente dizer que não sabemos por onde vai (pois parece que ao passar pela dupla fenda o electrão se comporta como onda). Perante este problema, tentou-se iluminar uma das fendas no sentido de perceber por onde passava efectivamente o electrão, e acontece que o electrão passa exactamente pela fenda iluminada e constitui o padrão no ecrã que se estaria à espera, o padrão constituído por duas barras horizontais3 (Bohm 1980, 1990; Goswami 1995; Schafer 2003 e sites mencionados na bibliografia).

Parece desta forma haver uma clara influência do observador perante o objecto observado, pois o electrão quando observado comporta-se da maneira esperada, quando não observado comporta-se de uma maneira incompreensível.

Veremos que Bohm tentará explicar este fenómeno com a sua teoria do universo holográfico, que levará a reconsiderar a plausibilidade de uma realidade, ou melhor, substância que possui características mentais ou mesmo conscientes (pois de alguma forma o electrão parece estar consciente de que o observador está lá a observá-lo).

4. Ordem Implicada e Ordem Explicada

A tese de Bohm visa dar uma explicação plausível para os paradoxos expostos acima conciliando, a física quântica com a física clássica e as teses de Einstein.

2 Thomas Young fez esta experiência num tanque com ondas de água para sustentar um a teoria de hidráulica que na época estaria a formular.

3 Estamos a falar do efeito de superposição: quando um electrão é observado perde o efeito de super posição, ou seja, de estar em vários sítios ao mesmo tempo (potencialidade), e actualiza-se num determinado sítio, daí o padrão de interferência típico das ondas desaparecer; o electrão comporta-se como estávamos à espera.

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Como já foi referido, problema reside essencialmente em considerarmos a realidade como possuidora de uma substância de cariz material, susceptível de ser decomposta e analisável, no entanto se considerarmos que essa substância é mental problemas como a dualidade onda-particula e a comunicação não local de partículas podem ser explicadas.

Bohm no seu artigo parece chegar à conclusão de que o que pode unir estas duas maneiras de ver o mundo é precisamente a ideia de Todo ou Unidade. Bohm sustenta que a natureza última da realidade não é um conjunto de objectos separados e em última análise indivisíveis, mas um todo unificado caracterizado por um fluxo dinâmico de potencialidades. Esta ideia pode ser melhor compreendida com os dois conceitos criados por Bohm de ordem implicada ou dobrada e ordem explicada ou desdobrada.

A ordem implicada é precisamente esse fluxo dinâmico de potencialidades tal como uma espécie de éter primordial, sendo que a ordem explicada é o que se desdobra desse mesmo fluxo e se actualiza na realidade tal como nós a conhecemos.

Desta forma todas as coisas que emergem para a ordem explicada estão implicadas umas nas outras numa espécie de totalidade. Este fenómeno de interligação pode explicar por um lado como é que partículas tão longe umas das outras parecem comunicar, é que de facto a sua separatividade é ilusória, ou seja, parecem separadas na ordem explicada, porque são facetas daquilo que é o mesmo na ordem implicada (há uma totalidade implicita), vejamos o exemplo do aquário de Bohm: “ Imagine an aquarium containing a fish. Imagine also that you are unable to see the aquarium directly and your knowledge about it and what it contains comes from two television cameras, one directed at the aquarium's front and the other directed at its side. As you stare at the two television monitors, you might assume that the fish on each of the screens are separate entities. After all, because the cameras are set at different angles, each of the images will be slightly different. But as you continue to watch the two fish, you will eventually become aware that there is a certain relationship between them. When one turns, the other also makes a slightly different but corresponding turn; when one faces the front, the other always faces toward the side. If you remain unaware of the full scope of the situation, you might even conclude that the fish must be instantaneously communicating with one another, but this is clearly not the case (Talbot). Isto significa que tal como nas partículas, estamos a ver o mesmo peixe de duas perspectivas diferentes.

Da mesma forma, poderíamos dizer que na experiência da dupla fenda, o que se passa com o electrão entre o cátodo que o envia para o ecrã e a sua chegada ao ecrã situa-se na ordem implicada, uma ordem de possibilidades onde o electrão pode estar em diversos sítios ao mesmo tempo; uma vez iluminado o local para ver onde o electrão passa, ele de facto vai passar onde esperemos que passe porque já está no domínio da ordem explicada4, ou seja actualizamos uma das inúmeras possibilidades por onde o electrão passaria, sendo que o padrão de interferência visualizado no ecrã desaparece dando origem ao padrão que esperaríamos que se formasse.

5. O modelo Holográfico do universo

Este modelo criado por Bohm denomina-se modelo holográfico porque parte do mesmo princípio de funcionalidade de um holograma. E é precisamente por esta razão

4 Ou seja, a partir do momento em que o observador observa o electrão, cria, por assim dizer a sua realidade, actualiza-o.

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que veremos como é que podemos atribuir à substância componentes essencialmente mentais e não materiais, mas para isso é necessário compreender o que é um holograma.

Um holograma é uma imagem tridimensional para a qual são necessários dois raios laser: o primeiro incide sobre o objecto, o segundo sobre uma película, o padrão de interferência criado por esses dois feixes, vai interagir na película. A imagem criada a partir desses dois raios laser é imperceptível, mas um terceiro raio direccionado para a película produz uma imagem tridimensional, um holograma.

O mais interessante num holograma é que se cortarmos uma parte da película e se incidirmos novamente um raio laser sobre a mesma, temos ainda assim uma imagem a três dimensões, o que sugere que bocadinhos de película cortados possuem sempre a totalidade da imagem ( Bohm 1980; Goswami 1995; Schafer 2003; Pratt 1993; Talbot) .

É nesta noção de parte no todo que assenta a teoria de Bohm, cada fragmento é uma subtotalidade que remete para o todo, tal como cada bocado de película pode reproduzir a totalidade da imagem tridimensional. Da mesma forma, a analogia resulta para a explicação da relação de participação entre ordem implicada e explicada: a realidade mais tangível e palpável “directamente” apreendida e vivenciada é o holograma, e por detrás da mesma há um nível de realidade de uma ordem mais primária mais vasta cheio de potencialidades que corresponde precisamente à imagem imperceptível primeiramente formada. Essa primeira imagem é a ordem implicada e a segunda é a ordem explicada.

Como a ordem implicada é um fluxo de potencialidades, a um nível mais elevado de informação a partir do qual emerge tudo o que está actualizado na ordem explicada, Bohm decidiu chamar a este processo de holomovimento: “Because the implicate order is not static but basically dynamic in nature, in a constant process of change and development, i called its most general form the holomovement. All things found in the unfolded explicate order emerge from the holomovement in which they are enfolded as potentialities and ultimately they fall back into it ” (Bohm 1990).

O holomovimento como participação entre a ordem implicada e explicada possui um tipo de funcionamento, por assim dizer, muito semelhante ao da mente: “ It takes only a little reflection to see that a similar sort of description will aply even more directly and obviously to mind, with its constant flow of evanescent thoughts, feelings, desires, and impulses, which flow into and out of each other, and which in a certain sense, enfold each other”(Bohm 1990).

Isto significa que os pensamentos estão de alguma forma implicados uns nos outros, e que cada pensamento é uma subtotalidade que remete para um todo, sendo que esse todo é a mente ou a consciência.

A ordem explicada é a emergência de um pensamento do fluxo contínuo da ordem implicada, esse pensamento não existe sozinho mas está interligado com todos os outros, é uma subtotalidade. Da mesma forma a realidade é uma mente gigantesca 5 ou pelo menos comporta-se como tal, daí que a dualidade mente/matéria cartesiana deixa de fazer sentido. Bohm não pretende defender um monismo idealista, pois quer manter tanto as teses de Einstein como a física clássica, e nós sabemos que esta realidade mundana e tangível existe de alguma forma, e existe naquilo a que Bohm chama de ordem explicada, mas esta ordem é apenas uma desdobramento mínimo da imensidão de potencialidades que residem na ordem implicada, e a relação entre as duas, o holomovimento, pode vir a ser explicada pela física quântica.

5 Daí a bela noção de Bohm de que o universo não é uma máquina mas antes um organismo vivo: “Physics is more like a quantum organism than quantum mechanics, i think physicists have a tremendous reluctance to admit this.” (Bohm 1980).

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A substância é mental, mas ainda a podemos analisar em certa medida como material, na medida em a realidade por assim dizer material é um holograma, e portanto não é completamente real, pois as partes que a compõem remetem para a totalidade presente na ordem implicada.

É por isso que a tese de Bohm se aplica tão bem à neurologia, e não terá sido por acaso que Karl Pribam construiu, independentemente de Bohm, um modelo semelhante para o cérebro (Pribam 1998; Talbot). De facto, Bohm defende que a participação entre ordem explicada e implicada, ou seja, o holomovimento é semelhante ao tipo de fenómenos que denominamos como mentais, Pribam aplica uma teoria em tudo semelhante à de Bohm num fenómeno misterioso da mente: a memória.

Inúmeras experiências levadas a cabo pelo professor de Pribam, Karl Lashley, permitiram compreender que não importa que partes do cérebro de um rato se tirassem, este lembrava-se sempre de exercícios com os quais tinha sido treinado, tornando impossível determinar que parte do cérebro corresponderia à memória (Sheldrake 1987; Talbot). Note-se a interessante similaridade entre o tipo de processos que ocorrem na memória e os que Bohm denomina que ocorrem na mente no próprio universo: um constante fluxo de memórias das quais podemos desdobrar a rememoração de uma situação específica. Mais uma vez essa rememoração denominar-se-ia como presente na ordem explicada sendo que todas as outras que não foram emergidas situar-se-iam ainda assim na ordem implicada.

O que Pribam fez foi aplicar a teoria do holograma ao cérebro, pelo que a memória não estaria situada em nenhuma parte do cérebro, mas por todo o cérebro, em padrões de impulsos nervosos formando uma espécie de padrão de interferência, tal como o da película do holograma 6.

A memória e o tipo de processos que a caracterizam, são excelentes para explicar porque é que a realidade possui susbtância mental, à luz das teses de Bohm. De facto a memória acumula grandes quantidades de informação sem que as mesmas se possam desdobrar todas ao mesmo tempo: tal como no modelo de Bohm cada ente está ilusoriamente separado – pois a árvore, a estrela e a célula estão numa relação de interligação na ordem implicada – também com a memória apenas podemo-nos apenas lembrar de uma coisa de cada vez, ainda que uma lembrança não exista sozinha, pois cada lembrança remete para uma totalidade que denominamos memória. E curiosamente é a memória, na sua totalidade, um dos aspectos da mente que não é possível localizar no cérebro, o que nos faz especular se essa mesma memória não estaria numa outra ordem de realidade, a ordem implicada.

Se juntássemos as teorias de Bohm e Pribam entenderíamos o universo como uma espécie de mar caleidoscópio relativamente ao qual nós receptores através de um processo de selecção e organização de informação teríamos a ordem explicada. Desta forma mente e realidade são o mesmo, pois a realidade implicada é um desdobramento efectuado por nós, pela nossa mente que apesar de ter a imagem total, forma uma imagem que apesar de limitada é perceptível, ou seja, concretiza o processo do terceiro raio laser do holograma, digamos que faz a revelação da película.

Apesar de Pribam fazer questão de se referir ao cérebro e não à mente (Pribam 1998), porque sem duvida mente é um conceito muito vago e abstracto, após a conciliação das teorias de Bohm e Pribam é inevitável não chegar à conclusão que o próprio cérebro é um holograma, assim a memória e todos os outros fenómenos mentais

6 Parece que o padrão de interferência formado a partir de ondas terá alguma coisa a ver com a ordem implicada, pois já foi analisado na experiência da dupla fenda, na teoria do holograma e agora no fenómeno da memória.

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poderiam ter alguma representação no cérebro – na medida em que na ordem explicada este de alguma forma os representa – mas situar-se-iam noutro lado.7

6. Holomovimento e Ressonância

Por outro lado Bohm expressa a dificuldade de explicar em que consiste este movimento da ordem implicada para a explicada e como é que se dá a formação do nosso mundo: “Thus even on the physical side, it lacks a well defined set of general principles that would determine how the potencialities enfolded in the implicate order are actualized as relatively stable and independent forms in the explicate order” (Bohm 1990).

Mesmo a um nível meramente especulativo e sem ter a presunção de se pretender responder à pergunta de Bohm seria ainda assim interessante colocar a hipótese do holomovimento da ordem implicada para a explicada ser efectuado por via da ressonância.Rupert Sheldrake propõe para o problema apresentado por Lashley e Pribam acerca da memória, é que esta não se situaria no cérebro, não obstante o seu papel de sintonizador, tal como uma televisão sintoniza e organiza informação em imagens: “What Lashley and Pribram (at least in some of his writing) do not seem to have considered is the possibility that memories may not be stored inside the brain at all. The idea that they are not stored inside the brain is more consistent with the available data than either the conventional theories or the holographic theory. Many difficulties have arisen in trying to localize memory storage in the brain, in part because the brain is much more dynamic than previously thought. If the brain is to serve as a memory storehouse, then the storage system would have to remain stable; yet it is now known that nerve cells turn over much more rapidly than was previously thought. All the chemicals in synapses and nerve structures and molecules are turning over and changing all the time. With a very dynamic brain, it is difficult to see how memories are stored.Sheldrake explica que em vez da memória se situar no cérebro, situa-se nos chamados campos mórficos que contêm a forma e a informação de cada organismo, pelo que qualquer organismo possui um campo mórfico.8

Mas o mais interessante acerca da teoria de é que os campos mórficos estão de alguma forma ligados entre si, numa dimensão de realidade desconhecida, à qual pontualmente pode ser acedida, essa ordem de realidade superior é precisamente a ordem implicada.De facto como Bohm defende: “the general implicate pocess is common both to mind and matter”, ou seja aquilo que à partida consideraríamos como material, possui características semelhantes à mente, nomeadamente, como temos estado a analisar, à memória.

7 Assim, atribuir ao cérebro o papel de descodificador e organizador do que está na ordem implicada para a ordem explicada, não é defender uma perspectiva reducionista, visto que o próprio cérebro é em si um holograma.

8 Falamos do mesmo paradigma que sustenta a tese de Bohm: o que mais intrigava Sheldrake acerca dos organismos vivos seria a capacidade de se regenerarem algo que por exemplo um computador não possui (Sheldrake), essa regeneração dá-se precisamente através do campo mórfico do organismo que possui a informação necessário para que a regeneração aconteça; da mesma forma, memórias perdidas podem ser recuperadas através do campo mórfico da pessoa; esta capacidade de recuperação de partes perdidas é análoga à do fragmento de película que contêm a totalidade do holograma.

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Segundo Sheldraje é por um processo de ressonância9 que nos sintonizamos às nossas memórias, e também, porque como já foi dito os campos mórficos estão interligados entre si não há razão para nos sintonizarmos aos campos mórficos de outras pessoas. No fundo o que Shledrake defende é uma sustentação da teoria do inconsciente colectivo de Jung. Mais uma vez o inconsciente colectivo seria um fluxo continuo de memórias, a ordem implicada de Bohm do qual se actualizariam determinadas memórias para o campo mórfico de cada um. Verificamos que sõ sistemas dentro sistemas: ao nível de células, indivíduos, espécies e por fim todo o universo: “What I am suggesting is that a very similar principle operates throughout the entire universe, not just in human beings”. Desta forma é possível explicar razoavelmente algumas expriências feitas por Stanilav Groff (Talbot), em que se usou LSD, os pacientes se recordavam-se como animais dando descrições pormenorizadas do seu aspecto e interacção com o meio ambiente, também em Jung muitas descrições implausíveis são dada por pacientes que tiveram sonhos com aspectos mitológicos completamente descontextualizados da sua realidade cultural (Sheldrake) À luz da tese de Bohm e de Sheldrake haveria um acesso à ordem implicada, ou seja não só os diversos campos mórficos entre si mas também estariam interligados num maior, como Sheldrake defende, pelo que se percebe a questão da totalidade evocada por Bohm pois tudo desde o grão de areia à estrela fariam de alguma forma parte um todo unificado não directamente perceptível por nós.O movimento constante que de abertura e fechamento para a ordem exlicada seria o mesmo a dos campos mórficos através de um processo de sintonização ou ressonância10, isto poderia explicar o holomovimento de Bohm: por exemplo, árvore danificada recupera a informação que precisa para se regenerar, digamos que entra em sintonia ou ressonância com essa informação. Mesmo que por analogia poder-se-ia argumenta que a realidade que vemos possui uma substância mental por que é o desdobramento daquilo com que entramos em ressonância, isto significa que observador e objecto observado não podem ter uma relação independente como temos sido levados a pensar, mas fazem parte dum todo: In particular, such wholeness means that in na observation carried out to a quantum theoretical level of accuracy, the observing apparatus and the observed system cannot be regarding as separate, precisamente porque um participa no outro; ou seja, nós participamos, mesmo sem nos apercebermos na nossa própria realidade (não só a nível sub atómico, pois Bohm sustenta que nível macroscópico é possível defender o mesmo)11.

7. Conclusão

Bohm consegue assim conciliar a física clássica com a quântica na medida em que a primeira ainda se mantêm válida na análse da ordem explicada, tendo a segundo objectivo de perceber em que consiste a relação entre ordem implicada e explicada. Não é uma tese dualista porque a ordem explicada como selecção e organização de

9 Shledrake fala em ressonância mórfica comulativa precisamente aquilo que nos impede de cair da bicicleta uma vez que já aprendemos como andar nela.10

11 Se considerarmos a mente ou campo mórfico como descodificadores então poderíamos assumir que poderia ocorrer uma sintonização a diversos níveis de frequência, pelo que esta realidade é uma entre muitas. Bohm contempla de alguma forma esta tese já que não considera que exista só uma ordem explicada e uma ordem implicada mas um sistema de remissão incontável de ordem para ordem (Bohm 1980).

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informação reterida da ordem implicada, faz parte dela, mas também não é estritamente monista. No entanto dá uma explicação do universo que funciona como um modelo holográfico que possui a mesma aplicabilidade ao funcionamento da mente. Desta forma torna-se plausível defender que no mínimo a substância tem características mentais muito fortes e que o universo é por assim dizer uma espécie de mente holográfica onde o homem possui um papel fundamental, porque sendo ele mesmo caracterizado por umam mente com o mesmo modelo poderá vir a ter uma papel mais preponderante do que se imagina na própria realidade vivência diariamente

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Schafer, Lothar, Em Busca Da Realidade Divina, A ciência como fonte de inspiração, trad. Fernando Dias Antunes, Esquilo, Lisboa, 2003.

Talbot, Michael, The Universe as a Hologram , artigo retirado do site http://twm.co.nz/hologram.html.

Sites sobre a experiência da dupla fenda (double slit experiment):

Page 14: O Dualismo Cartesiano

Texto introdutório e vídeo (site de um dos laboratórios que levou a cabo esta experiência): http://www.hqrd.hitachi.co.jp/em/doubleslit.cfm;

Vídeo sobre a experiência da dupla fenda: http://www.youtube.com/watch?v= DfPeprQ7oGc.