O Duque #09

20
1 julho O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 9- Julho de 2014 www.oduque.com.br pág 19 CAPÍTULO UM Gabriel Dominato divide com leitores d'O Duque trecho do seu primeiro livro, Os Amores de José dos Milagres e das Cruzes É POSSÍVEL VIVER DE ARTE, SIM! Cibele Chacon vai atrás de artistas que encontraram alternativas de fazer do seu talento, uma profissão e mais pág 10 pág 19 BEIJO GAY NA NOVELA DAS 9 Vinicius Huggy estreia coluna sobre o mundo LGBT e suas defesas pág 18

description

 

Transcript of O Duque #09

Page 1: O Duque #09

1julho

O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 9- Julho de 2014www.oduque.com.br

pág 19pág 19

CAPÍTULO UMGabriel Dominato divide com

leitores d'O Duque trecho do seu primeiro livro, Os Amores de José

dos Milagres e das Cruzes

É POSSÍVEL VIVER DE ARTE,

SIM!Cibele Chacon vai atrás de artistas que encontraram alternativas de fazer do

seu talento, uma profi ssão

e mais

pág 10

pág 19

BEIJO GAY NA NOVELA DAS 9

Vinicius Huggy estreia coluna sobre o mundo LGBT e suas defesas

pág 18

Page 2: O Duque #09

2

Page 3: O Duque #09

3julho

CONSELHO EDITORIALJulho / Edição nº 09 / Ano I

O jornal da cultura de Maringá e região18.427.739/0001-40

EDITOR-CHEFEMiguel Fernando

JORN. RESPONSÁVELGustavo Hermsdorff Mtb 9966

CO-EDITORALuana Bernardes

REVISORZé Flauzino

COLABORADORESPatrícia Marcondes - Entrevista (página 09)Rachel Coelho - Teatro (página 15)Ademir Demarchi - Literatura (página 16)Vinicius Huggy - Give-me a Huggy (página 17) Gabriel Dominato - #Sarau (página 18)

Críticas, dúvidas ou sugestõ[email protected]

Departamento Comercial44 9959-8472

Departamento de [email protected]

Fale com O [email protected]

facebook.com/jornaloduque

www.oduque.com.br

@jornaloduque

As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

DESIGN EDITORIAL E REPORTAGENS

IMAGENSNuno SkorCapa, especial e colunas

[email protected]

Impressão: Grafi norteTiragem: 3.000 exemplares20 Páginas / Tablóide Americano

Duque N'roll!Reza a lenda que Julho é o mês mundial

do rock devido ao festival de 1985, Live Aid, realizado simultaneamente nos Estados Unidos e Inglaterra com o

objetivo de ajudar a combater a fome na Etiópia. Então, dia 13 de julho os grandes monstros do rock como Black Sabbath, Led Zeppelin, Th e Who, U2, Paul McCartney subiram aos palcos com transmissão ao vivo pela rádio BBC.

A fome da Etiópia não acabou, infelizmente, mas muitas dessas bandas citadas sim. Só que a vibração dos pedais elétricos das guitarras plugadas, baixos e as sequências de baterias deles - e de outras bandas que se inspiraram - ainda move multidões em festivais e shows mundo afora. Nosso jornalista Elton Telles revirou a história de Maringá para achar onde nós nos encaixamos nessa efervescência toda. E olha, apesar de todo atraso de um mundo analógico, pré internet, no qual as informações demoravam certo tempo para chegar - ainda mais em cidades do interior - podemos dizer que a cena do rock’n’roll autoral maringaense nos surpreendeu! Assim como também a história das casas que apoiavam essas bandas nascidas e que faziam seu som em solo pé vermelho. Destacamos isso também para vocês na matéria que começa na próxima página.

A doutora em história cultural, Patrícia Marcondes, presenteia os leitores do Duque com uma entrevista exclusiva com Luis Carlos Maciel, autor do livro “O Sol da Liberdade”. Maciel, que já foi tido como “guru da contracultura brasileira”, aproveita a entrevista para falar sobre assuntos desde seu livro recente até os black blocks?, sob um olhar muito peculiar.

Principal símbolo da resistência analógica frente aos avanços dos últimos anos, os sebos ganham destaque em uma matéria de duas páginas. Nessa edição, conversamos com donos e funcionários de sebos da cidade que comprovam o que muitos não esperavam: que o advento da tecnologia não foi o fi m desses verdadeiros recantos culturais, e que seu papel se reinventou para unir pessoas de diversas idades, pelos mais diversos interesses. De quebra ainda preparamos uma matéria muito curiosa sobre as dedicatórias dos livros que chegam aos sebos e suas histórias. Afi nal, cada livro conta uma história antes mesmo de ser lido.

Depois de explicar o branco criativo, a jornalista Cibele Chacon foi atrás de outra pauta feita para os artistas de Maringá: Afi nal, dá pra viver de arte? Com essa pergunta na cabeça, Chacon conversou com produtores e artistas maringaenses pra mostrar as diversas possibilidades. E olha, são muitas, é escolher uma e correr atrás. Fechando as matérias da edição, Gustavo Hermsdorff foi falar com Aly Muritiba e Andrew Knoll, respectivamente diretor e ator do curta BRASIL, única produção paranaense a fi gurar entre os selecionados da mostra competitiva do Festival de Gramado de 2014.

Esse mês nossos colunistas habituais tiraram férias da gente porque convidamos um novo time para rechear com ainda mais conteúdo o seu mês. Grande parceira do jornal desde o seu nascimento, a jornalista e produtora cultural Rachel Coelho enfi m estreia uma coluna própria sobre teatro! Pra quem acompanha já seu trabalho como blogueira no Toca da Coelho, vai encontrar agora um texto completo e profundo sobre a especulação imobiliárias e os espaços de teatro em Maringá, vale a leitura.

Grande referência quando falamos de literatura em Maringá, Ademir Demarchi também estreia seu espaço próprio no jornal falando sobre as dores e delícias no trabalho de uma microeditora. O formato de pequenas tiragens, o cuidado do livro feito à mão, a importância de ter vários títulos e o espaço aberto para novos escritores são assuntos nessa coluna. E completando a nova equipe que vai circular por nossas páginas, Vinicius Huggy, estudante e conselheiro de cultura de Maringá, vem pra falar sobre um assunto importantíssimo e que merece destaque: a cultura LGBT e sua defesa. Porque um beijo gay na novela causa tanto alvoroço? Confi ra na coluna Give-me a Huggy.

E fechando nossa nona edição temos o prazer de apresentar, com exclusividade, o primeiro capitulo do livro de Gabriel Dominato, promessa da literatura pé-vermelha. "Capitulo Um" é o início da história de "Os amores de José dos Milagres e das Cruzes", que deve sair em breve.

Aproveite a leitura!

Page 4: O Duque #09

4

Especial

Até as árvores da cidade – que não são poucas – sabem que o nome de batismo de Maringá foi inspirado na famosa canção de Joubert de Carvalho, importante compositor mineiro do século XX que impulsionou a carreira de Carmen Miranda e Luiz Gonzaga. Música, independente do estilo, está no DNA da cidade. E embora o seu princípio seja embasado na MPB, o rock sempre se fez presente, comendo pelas beiradas. O que dizer sobre Os Jacarés, que foi a primeira banda de rock-twist do Brasil? Ou ainda Brittinho e Seus Cometas, que repaginou a sonoridade da Cidade Canção com os riff s da primeira guitarra elétrica do município logo no início da década de 1960? Os acordes agudos atravessaram os anos e, certamente, essa geração de dinossauros abriu caminho para a garotada que viria autenticar a primeira cena do rock n’ roll autoral maringaense em meados dos anos 80.

Sem ter um espaço adequado para o sobe som, qualquer lugar era válido. Era uma terra de ninguém e de todos ao mesmo tempo. Na calçada, estacionamentos, rotatórias, botecos, na cantina da UEM, padaria ou casas de amigos, valia até fundo de motel. Foi em uma praça, durante um festival chamado Sabor Verão, em 1985, que o estudante Edmilson Sales, o Tiné, abordou os integrantes da Cidade Virgem e se ofereceu para “melhorar a sonoridade dos caras”. Não é tão errado dizer que Tiné

“corrompeu” a Cidade Virgem, porque de um pessoal que fazia cover de Elis Regina se originou a primeira banda de metal maringaense, a Virga Férrea. “Antes disso, o rock em Maringá era boêmio e se resumia às apresentações acústicas nos bares. Viemos para abalar as estruturas”, diz.

Infl uenciado por Deep Purple e Led Zeppelin, a Virga Férrea fi cou marcada pelas letras de cunho político que demonstravam insatisfação com o período que o país atravessava no fi nal da década de 1980. Ao todo, foram 15 músicas compostas, mas só disponibilizaram oito em um CD, que foi lançado posteriormente, em 1995. Considerando as condições da época, era preciso garra e persistência para iniciar um novo segmento musical e reunir público cativo para as apresentações. Segundo Tiné, havia alguns obstáculos que difi cilmente ele podia pular. Sentia-se de mãos atadas. “Os instrumentos musicais eram muito caros e a sonoridade pífi a, os equipamentos de som eram ruins e a estrutura precária, isso sem falar no acesso dos materiais básicos. Revista de cifra era coisa de playboy, a gente tirava tudo no ouvido.”

A exigência de Tiné condiz com a seriedade que ele levava a carreira, motivo pelo qual já negou vários shows por não receber cachê. “Eu invisto demais na qualidade da banda para tocar por cerveja”, diz ele, que prefere fazer uma

festa particular e convidar alguns amigos. Para ele, o músico que faz essa troca barata e injusta deixa de valorizar a própria música. “Se fi car somente nesse esquema, a banda deixa de criar para apenas reproduzir o que já tem. É um passo pra trás”, complementa. Hoje, a Virga Férrea se apresenta esporadicamente. Ofi cial de justiça há quase 40 anos e pai de três fi lhos, Tiné diz que prefere fi car em casa dando play na sua coleção de 1.200 “bolachões”.

Em Maringá, o punk rock começou a ganhar destaque no início dos anos 90 com o surgimento da banda Os Prolétas, cujo nome é a abreviação de “proletários”, pois a vida já não era fácil há 25 anos e todo mundo precisava pagar as contas. Portanto, os ensaios rolavam todo domingo na frente da casa de um dos integrantes. O som começava após o almoço, às 13h e não tinha hora pra acabar. O primeiro show da banda foi na boate

[email protected]

RepórterEltonTelles

Show do Virga Férrea no extinto bar Aqualung, em 2002. / Crédito: Arquivo pessoal

EspecialEspecial

[email protected]

RepórterEltonTelles

Page 5: O Duque #09

5julho

Especial

Yellow, mesmo dia que também se apresentaram as bandas locais Sex Hansen e Anarcophobia. “Foi meio assustador, mas todos já nos conheciam, porque os nossos amigos assistiam aos ensaios”, lembra o vocalista Carlos Tostes, o Mamá.

O show mais importante d’Os Prolétas, até pela repercussão, foi em 93, quando abriram para a Coléra num domingo à tarde na extinta Apoteose, uma casa de samba da cidade. Mas para Mamá, as melhores lembranças foram as apresentações numa casa velha localizada no centro, a qual o público apelidou carinhosamente de Podrinho’s Bar. “Era um lugar que tinha muitas prostitutas e travestis trabalhando. Uma delas ouviu nosso som e lembro que comentou comigo ‘é bem barulhento, mas você falou algo sobre preconceito que eu achei bem legal’. Foi muito importante para nós e para o público ter contato com esse pessoal, pois abriu a mente de muita gente”, diz Mamá. Outra recordação afetiva da banda foram os manifestos e ações de panfl etagens organizadas pelo coletivo União Libertária Maringaense (ULM).

Algo que ajudou a fortalecer a cena de rock autoral em Maringá foi a cumplicidade e o respeito mútuo entre bandas e público. Não havia rixas, nem desentendimento por terem gostos diferentes: era punk que andava com headbanger, que ia na casa dos skatistas, que mais tarde tomava uma cerveja com alguém do grunge. “Todos eram muito unidos e o mais bacana é que era algo natural. Ninguém chegava com um alto falante e gritava ‘pessoal, vamos fazer o rock de Maringá acontecer!’.” A harmonia e a boa convivência fi zeram dos anos 90 a mais prolífi ca e divertida época do rock independente em Maringá. Variedade de casas de shows (veja na página seguinte), surgimento de bandas com atitude (Hellen Bisker, Th e Guavas, Foolish...) e muitas festas em chácaras. Foi o auge. E depois dele, veio a ressaca.

É opinião quase unânime que o início dos anos 2000 foram decadentes para o rock local, com o fechamento de muitos bares e a explosão de bandas cover, sem muita pretensão de tirar o próprio som. De forma tímida, isto foi mudando aos poucos com a união de uma galera de personalidade. Um fenômeno que impulsionou o cenário independente da cidade foi a produtora Sonic Flower Club, fundada em 2004, que começou como uma modesta discotecagem de indie rock todas as quintas-feiras no Tribo’s e, aos poucos, foi tomando proporções surpreendentes até para o seu próprio idealizador, Flávio Silva . “Eu fi z o projeto também como público, porque tinha várias bandas nacionais que eu queria ver o show”, comenta.

De quebra, as bandas maringaenses aproveitavam o ensejo e a visibilidade para abrir os shows de Matanza, Vanguart, Canastra, Vespas Mandarinas, Móveis Coloniais de Acaju, Dead Fish, Cansei de Ser Sexy, Wander Wildner, Jupiter Maçã, Ludov e Apanhador Só, dentre outras várias atrações arranjadas pela Sonic Flower.

Atualmente, em plena hegemonia do sertanejo universitário, algumas casas tradicionais da cidade estão abrindo espaço para o rock local. Mas se o sertanejo está aí tomando a frente, isto é fruto da esperta estratégia e alto investimento de seus empresários, pois como comenta Flavio, “um dos maiores erros do rock independente é a falsa ilusão de que a internet salva tudo; assim, cria-se uma falsa dependência e as bandas acham que não precisam de rádio, nem TV para divulgar seus trabalhos. E isso, já sabemos, é uma grande lorota”.

Frequentador de shows de rock independente desde os 14 anos, o jornalista Th iago Soares já produziu shows, ajudou na organização de festas e festivais e, no comando do programa Garagem, da Rádio Unicesumar, entrevistou vários nomes do cenário alternativo nacional. Em 2009, ele se propôs a escrever o livro-reportagem “Espora de Galo – O Surgimento do Rock Autoral em Maringá” como trabalho de conclusão de curso. A convite d’O Duque, Soares fala sobre o processo de produção do material.

O que te motivou a recuperar os primeiros anos da cena autoral do rock n’ roll em Maringá?

Foram vários motivos. Eu estava envolvido com a cena, o tema era algo que me animava e não transformava o trabalho num drama e eu tinha acabado de ler o livro “Mate-me, por favor”... Eu queria produzir alguma coisa legal pra entender e divulgar o que eu gostava.

Encontrou di� culdades no processo? Como é algo relativamente recente, todo mundo dessa

época ainda estava por aí e fazendo algo pelo rock da cidade. Minha maior difi culdade na verdade foi o tempo. Eu não entrevistei todas as fontes que eu queria. Até hoje não considero o livro pronto, por isso nunca o publiquei.

O que mais te surpreendeu durante a pesquisa?Em primeiro lugar, o trabalho que a galera tinha pra

fazer o rock acontecer. Gravar, prensar e divulgar, tudo dava muito trabalho, e os caras realmente faziam tudo isso. Em segundo, acho que descobrir que muitas coisas que nós temos hoje são consequências dessa primeira galera, desde os bares até os estilos e preferências musicais do público e das bandas. Uma coisa levou a outra.

A banda maringaense Betty By Alone mandando um som no projeto Sonic Flower Club, no Aquaticus Bar, em 2009 / Crédito: Bulla Jr.

Primeiro show da banda Prolétas na boate Yellow, em 1991./ Arquivo pessoal

Formação original d’Os Prolétas. Da esq p/ dir.: Mamá (vocal), Guinho (guitarra), Zero (baixo), Fabio (bateria) e Shigeo (guitarra) / Arquivo Pessoal

“O ROCK DÁ TRABALHO”

Page 6: O Duque #09

6

Especial

Nova York tinha o CBGB, Liverpool ostenta o Cavern Club até hoje, Seattle colocou o Crocodile Cafe no mapa e Maringá também teve (e ainda tem) casas de rock para chamar de sua

Chaplin’s Bar (meados dos anos 80) – O Chaplin’s Bar teve dois momentos. No início, funcionava na esquina da Av. Herval com a Av. Néo Alves Martins. Depois de um tempo, o espaço expandiu sua área e foi para a Av. Tiradentes, onde hoje é a Churrascaria Silvan Cult. Um dos primeiros pontos de encontro entre os rockeiros da cidade em virtude da cerveja barata, o bar, no entanto, seguia uma linha mais tradicional. A decoração era clássica, sem arrojamentos: um palco simples, voz, violão e muitos covers de MPB. Apresentaram-se por lá músicos como Tisley Barbosa, Beto Baiano e Ronaldo Gravino.

Yellow (1990 – 1994) – Localizada na Avenida Pedro Taques, a Yellow era uma típica discoteca dos anos 80, repleta de efeitos de luzes coloridas e globos de espelho na espaçosa pista de dança. O forte da boate era a música pop eletrônica. Deee-Lite, Locomia e Technotronic estouravam nas caixas de som, mas vez ou outra, a casa reservava espaço nas matinês para o rock n’ roll. Um evento marcante foi o Yellow in Concert, em 1991, que reuniu bandas locais e outras de renome nacional, como Vodu, Volkana e Replicantes. “Foram três finais de semana de puro rock. Muitas pessoas depois chegaram em mim dizendo que não imaginavam algo assim em Maringá”, lembra Helcio Colombo, um dos ex-proprietários da Yellow.

Ópera Bar (1992 – 1994) – A proposta do Ópera era ser um vídeo bar. Com o surgimento da MTV Brasil, a direção colocou dois televisores de 24’’ (o maior tamanho para a época) e esse era o som que dominava o local, que ficava na Av. Cidade de Leiria, onde futuramente seria o Tribo’s. “A MTV era uma coqueluche, a molecada gostava muito e a programação noturna sempre foi voltada para o rock”, comenta o dono do espaço, Anderson Toregeani.

Alcatraz (1994 – 1995) – O nome do bar não era à toa. A fachada simulava mesmo uma prisão: tijolos à vista e tinha até guarita. Mas lá dentro, todo mundo ficava “solto”. No coração da Av. Tiradentes, o Alcatraz trazia a proposta de apresentar um rock mais alternativo, longe do mainstream. Sonic Youth, Pixies, Pavement e Smashing Pumpkins eram algumas das bandas que embalavam o ambiente, que reunia tanto o pessoal do rock quando o do skate. Bandas de rock autoral de Maringá se apresentavam pontualmente.

Balaio de Frango (1994 – 1995) – Já foi Chicken In e Clube da Esquina, mas foi com o nome de Balaio de Frango que o bar se consagrou como um dos primeiros espaços abertos para receber o rock independente da cidade. Localizado na Av. Colombo, praticamente no portão da UEM, era o ponto de encontro dos universitários, que antes iam ao Free (antigo Pilekinho) tomar cerveja barata e depois curtir rock no Balaio até amanhecer. Além de palco para bandas locais, abrigou algumas dições do Porão Rock Show, organizado pelo jornalista Andye Iore, que trouxe Wry (SP),

Tribo’s Bar (1996 - até hoje) – Como falar de rock em Maringá sem citar o Tribo’s, local responsável por escrever e carimbar a história do rock independente na cidade? Aberto há 18 anos, é a única casa de show segmentada e remanescente daquela época, quiçá a mais duradoura em atividade. Seu proprietário, Antonio Batista de Sousa Junior, o Juninho, tinha 22 anos quando se juntou com dois sócios para abrir o espaço. Largou a faculdade de Engenharia Civil e inaugurou a saudosa “casinha” na Av. Cidade de Leiria, uma casa de madeira pequena, improvisada na gambiarra e caoticamente rock n’ roll. “Eu não tinha o menor conhecimento de como funcionava um bar, fui aprendendo na raça”, admite. O Tribo’s sempre teve sua imagem associada ao metal, mas foi democrático com os sons, tendo tocado os mais variantes tipos de rock, jazz, blues e até maracatu. Em 2006, a casa mudou de endereço e encontrou sede na Av. Cerro Azul, onde a estrutura ficou bem melhor na avaliação do seu dono, o que permitiu trazer atrações mais nobres, como o Ratos de Porão, pelo qual Juninho sente muito orgulho. Quanto ao público, ele não vê tanta diferença assim.. “O pessoal que ia na ‘casinha’ envelheceu e dificilmente vai hoje ao Tribo’s. Estou lidando com uma nova geração, mas só muda mesmo a vestimenta, porque as atitudes são as mesmas”, declara.

Low Dream (Brasília), dentre outras bandas underground do cenário nacional para afinar as guitarras em Maringá.

Rasta Rock (1995) – Após ficarem órfãos com o fechamento do Alcatraz, uma turma de amigos em comum fundaram o Rasta Rock, na Av. Paraná, ao lado de onde é hoje a loja maçônica. O som alternava do rock para o reggae, e entre as atrações mais marcantes da casa, destaca-se a banda Killing Chainsaw (SP).

Caixa D’Água (1996) e Aqualung

(2000 – 2003) – Próximo ao Atacadão, o Caixa D’Água era praticamente um galpão abandonado, frequentado por universitários. Cedia espaço para bandas locais, como o Hellen Bisker, que fez sua estreia nos palcos em 96. “Foi um show bem divertido, com vários amigos que lotaram a casa”, lembra o fotógrafo Bulla Jr., baixo e vocal da banda. A casa ficou fechada por um tempo e reinaugurou em 2000 com o nome de Aqualung e recebeu shows gringos memoráveis, como o Yo La Tengo (foto) e John Spencer Blues Explosions, ambos em 2001.

AeroAnta (1997 – 1998) – Grandes nomes de renome nacional passaram pelo AeroAnta, como Ira!, Engenheiros do Hawaii, O Rappa e Biquini Cavadão. A balada era uma espécie de armazém/depósito e ficava onde hoje é

o teatro da Faculdade Unifamma, na Av. Bento Munhoz da Rocha.

DaLata (1997 – 1999) – O DaLata abriu as portas na Av. XV de Novembro como um bar comum, com trilha rock n’ roll, mas aos poucos foi se configurando como uma casa de shows e atingiu o ápice em 98, alternando o palco com bandas independentes locais e nacionais. “Avesso” às baladas tradicionais, a discotecagem era pioneira em tocar rock alternativo. Beck, Primal Scream e Stone Roses eram a divina trindade das pick-ups dos DJs. Outro diferencial que tornava o DaLata um bar único era a decoração: mesas de metal, luminárias de ferro retorcido, porta giratória e como se esquecer da cabine de ônibus na hora de pagar a conta?

Due (1999) – O Due não era propriamente uma casa de shows, mas entra na história por ter sido palco para a mitológica apresentação de Marky Ramone em Maringá. A decoração do bar, localizado na Galeria Boulevard, na Av. Cidade de Leiria, investia na opulência com cortinas vermelhas no palco e uma prateleira gigante cheia de bebidas.

Asterisco (2004 – 2007) – Em uma época que o rock maringaense estava mal das pernas, o Asterisco foi um importante reduto para canalizar a cena autoral da cidade. Ficava localizado na Avenida Rio Branco, onde posteriormente reabriu como Pub Fiction e hoje é o New York Lounge.

AS PEDRAS FUNDAMENTAIS DO ROCK N’ ROLL!

Crédito: Eduardo Cavalari

Page 7: O Duque #09

7julho

Especial

“Para uma banda independente, a maior difi culdade sempre vai ser o tempo. É preciso tempo de maturação, seja para a banda encontrar o seu som, seja para o público se identifi car. E é muito difícil dar tempo ao tempo; geralmente você quer apressar as coisas, esperar um resultado imediato e/ou forçar a aceitação do público. O Havana 55 sempre foi um lazer para nós, um hobby em comum entre amigos. Por isso mesmo nossa maior recordação desse tempo é o próprio tempo que passávamos juntos.”Renato Andrade (Havana 55)

“Começamos para valer em 2003, mas o primeiro disco só saiu em 2005. De lá para cá, gravamos quatro álbuns e o DVD "Ao Vivo Sesc Vila Mariana", em São Paulo, com a participação do dramaturgo Mario Bortolotto, passagem esta que considero o ápice e maior realização da banda. Agora em 2014 voltaremos aos shows e já estamos entrando em estúdio para gravar o quinto disco. O rock não pode parar e a gente segue tentando surpreender.”

“Os anos de 2006 e 2007 foram os de ouro para a banda. Éramos jovens espirituosos, cheios de gás e acredi-távamos que algo podia mudar em Maringá. Temos três discos lançados, todos feitos com muita dedicação, boas ideias e pouco dinheiro. Atual-mente, estamos meio que de férias, todos com alguns quilos a mais, cabe-los a menos e outras ocupações, como fi lhos e trabalhos.”Fernando Vinicius(A VI Geração da Família Palim do Norte da Turquia)

“Além de termos tocado em Maringá,cidades ao redor e São Paulo, o lugarque mais nos marcou foi um bar em

Sarandi. Era um daqueles botecosde fi m de rua, com portas de correr,

uma mesa de sinuca e um balcãoservindo cachaça. E foi inacreditável!

A rua na frente do bar foi tomada por uma

multidão e a mesa de sinuca se transformou

em um palco de dança. O mais autêntico clima

rock and roll que já vimos. Quando saímos do bar é

que notamos a dimensão da coisa: a rua havia sido interditada.”

“O fato é que o Brian Oblivion nunca

se preocupou com a imagem, nem

mesmo existia interesse em gravar as

músicas autorais. Nunca entramos numa

competição desenfreada para estar na

moda. A gente só queria mesmo tocar pra

não pagar a bebida e divulgar a Surf Music,

mas vejo que há dez anos havia mais

oportunidades pra beber de graça. A gente .

tocava em quase toda festa de república '

próxima à UEM, foi a melhor fase que vivi .

na banda. Atualmente, a gente só ensaia .

mesmo, joga conversa fora e bebe uma .

cerveja. Assumimos nosso amadorismo.” .

“O Th e Soundscapes tem uma ligação muito forte com Maringá. Foram cinco shows até agora, e todos foram especiais e juntaram um bom público, amigos que aproveitamos para rever. Um em especial foi justamente o primeiro, organizado pela Sonic Flower Club. Foi o nosso primeiro show no Brasil, quando voltamos de Nova Iorque. Sempre existiu uma cultura indie na cidade, formada por uma comunidade de amigos que desde os anos 80 e, especialmente nos anos 90 e 2000, organiza-vam festas e shows.”Rodrigo Carvalho (Th e Soundscapes)

“O Seres Inteligíveis Vindos do Hiperurano

começou numa greve da UEM, em 2001.

Tocamos muito na casinha do Tribos, festivais,

festas universitárias e, em 2005, de supetão,

gravamos um álbum ao vivo no Teatro da

UEM. Foi intenso! A melhor lembrança que eu

tenho da banda é a sensação de harmonia nas

apresentações, porque cada um dependia dos

outros e ao mesmo tempo apoiava os outros. Essa

sincronia é uma memória sensorial, pois foi uma

experiência praticamente sinestésica dos sons de

cada integrante em muitas apresentações.”

“Algo que nos marcou muito foi em 99, quando a VJ Soninha, da MTV, recomendou nosso primeiro CD. Levamos um susto! Em seguida tocamos no programa Lado B com as principais bandas alternativas do país na época, como Pelvs, Second Come e Grenade. Foi aí que começa-mos nossa história. Uma grande "brincadeira séria" que sempre fi ze-mos com muita curtição e lealdade ao rock and roll.”

Miquele Puma (Banda Foolish)

“No fundo, somos super sortudos!

Nossa ignorância inicial nos forçou a

trabalhar duas vezes mais do que

bandas locais e isso trouxe resultados,

como ter nosso primeiro single

resenhado na Revista NME. Isso foi

incrível. A trajetória do Th e Tamborines

em Maringá foi curta, pois nosso EP

estava sendo lançado por uma gravadora

americana e estávamos tendo boas

reviews em sites da França, Canadá e

Itália. A decisão de ir pro exterior foi

meio que natural.”

Henrique Laurindo (Th e Tamborines)Jonas Almeida (Dadline)

Rafa Souza (A Inimitável Fábrica de Jipes)

Ernandes Ferreira (Seres Inteligíveis

Vindos do Hiperurano)

Gustavo Bordin (Brian Oblivione Seus Raios Catódicos)

Page 8: O Duque #09

8

Page 9: O Duque #09

9julho

Entrevista //

Chego ao Rio de Janeiro, debaixo de um sol de “quase dezembro”, inspirador para interlocuções libertárias. Convido Luiz Carlos Maciel para um passeio na praia, cenário ideal de nossa conversa sobre seu livro, “O Sol da Liberdade”. Maciel transita pela praia e assuntos, com a rapidez e a jovialidade que lhe são características. Foi chamado de “guru da contracultura brasileira” por ser o principal divulgador da “nova consciência em terras tropicais” através do seu trabalho ímpar na imprensa alternativa.

Jornalista, roteirista de cinema, teatro, televisão, fi lósofo, escritor, ator entre outras habilidades, trouxe grande contribuição ao cenário cultural brasileiro, principalmente por sua visão diversifi cada com infl uências advindas do pensamento contracultural. Em “O Sol da Liberdade” traz refl exões sobre temas atuais, ensaios, entrevistas e algumas experiências que vivenciou e marcaram sua visão de mundo.

Quando lhe perguntei sobre a inspiração do título, “O Sol da Liberdade”, falou sobre suas experiências na seita religiosa União do Vegetal e que, sob os efeitos alucinógenos de ayahuasca, a doutrina foi explicada: “O Sol é Deus” e então conclui: “a liberdade é um sol, o sol é a liberdade”. A liberdade é a essência de Deus.

A ontologia da liberdade realizada por Maciel nesta obra faz referências aos pensadores que trouxeram à tona a questão do ser, a liberdade, a despeito de todas as formas que a engrenagem se utiliza para aprisionar o indivíduo e distraí-lo de sua autonomia e capacidade de gerir seu próprio caminho.

Luis Carlos Maciele O sol da liberdade

Patrícia - O que o leitor pode esperar do Sol da Liberdade, o que você aborda nesta obra?

Patrícia - Baudrillard comenta a respeito da perversão da virtualidade quando a vida real é transposta para o virtual. O que pensa a respeito da virtualidade, do mundo das conexões, das redes sociais?

Patrícia – Você foi um ícone da juventude brasileira nas décadas de 60 e 70, uma espécie de guru pelo montante de cartas que recebia no semanário O Pasquim. Qual é a sua opinião sobre a juventude atual? Ao contrário da geração sessentista, grande parte da atual juventude está focada no binômio: dinheiro e poder. Observamos também jovens envoltos em movimentos políticos pela recriação de partidos conservadores como a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e a volta da União Democrática Nacional (UDN). É o que você chama de “retrovírus da História”?

Editora: Vieira&Lent Casa EditorialAno: 2014Autor: Luiz Carlos MacielOrganização, apresentação e edição:Patrícia Marcondes de BarrosPrefácio: Jorge Mautner

Maciel - Os meus livros são compostos por pequenos textos que vou escrevendo ao correr do tempo. Nunca consegui quando jovem concentrar minha atenção e energia para, por exemplo, elaborar um livro sobre um determinado tema, desenvolvê-lo analiticamente. Sempre escrevia coisas curtas e já desconfi ava ter uma mente mais sintética do que analítica. Não sei fazer análise, só penso por sínteses e então os meus livros são cheios de sínteses. Interessam ao leitor na medida em que este goste de ler sobre determinado assunto e então apresento sua síntese. Fiquei satisfeito quando uma vez, conversando com Jaime Martins (jornalista brasileiro que logo depois da revolução comunista de 1949 na China, foi para lá fazer um programa de rádio dirigido aos brasileiros) observou que a mente analítica não é muito dos chineses. Eles não pensam por análise, isto é uma característica do Ocidente. Os chineses pensam em camadas de sínteses, e é isso que de certa maneira faço. O que tem no meu livro O Sol da Liberdade são camadas de sínteses. Por exemplo, eu leio Jean Baudrillard e faço uma síntese do que eu acho interessante neste autor, que é exatamente a ideia da reversão da história,

presente no livro. Ele começou a perceber que as coisas andavam para trás, que os projetos feitos no sentido libertário nos anos 60 fi caram no passado. Em 1968, tinha-se a promessa que tudo seria diferente no futuro e não foi. O futuro começou a fi car cada vez mais parecido com o passado do que com a vanguarda dos anos 60 e vem então este conceito de reversão da história.

Maciel - Como a vida já é pervertida, com a “perversão virtual”, fi ca duplamente pervertida. (risos) A internet é uma maravilha e eu me sirvo utilmente. É um almanaque, que satisfaz a curiosidade e se pode pesquisar qualquer coisa, mas é também um repositório de perversões humanas que se caracteriza pela irresponsabilidade que a internet propicia, aliás, nós estamos vivendo um tempo de grande prestígio da irresponsabilidade. Como eu sou um sartreano de origem, enfatizo a liberdade e assim, a responsabilidade do indivíduo em tudo que se faz. O que percebo atualmente é um incentivo a irresponsabilidade. A internet é um almanaque maravilhoso e um esgoto,

fétido também. Então nisso ela também é parecida com a vida. E propicia acesso ao que é bom, a exemplo da informação; e ao que é horrível, como essa extroversão descarada. Não é só a internet que estimula a irresponsabilidade atualmente. Uma prática que é admitida pelas autoridades, que é a de você denunciar crimes sem se identifi car, a denúncia anônima, é um estímulo à irresponsabilidade. Tivemos a morte sob tortura do Amarildo, na Rocinha, por exemplo. A tortura não teve efeito, Amarildo continuou negando que sabia de alguma coisa e os policiais então, o mataram. Por quê? Porque teve um irresponsável que fez a denúncia anônima. Agora, ninguém quer saber quem foi este cara. Isso é uma coisa que não interessa nem às autoridades, nem a chamada justiça, a ninguém. Eles acham isso normal, a irresponsabilidade passou a ser normal. Então o progresso nos conduziu a este estado de irresponsabilidade total. Nisto não se pode dizer que foi reversão da História, porque antigamente havia mais responsabilidade. Lembro-me do meu pai que era advogado e dizia que o Direito era o reino da responsabilidade e exigia que você fosse responsável por tudo, pelas palavras e atos. Hoje em dia não é assim, o Direito aceita passivamente a irresponsabilidade.

Maciel - A UDN voltou piorada e mais reacionária do que a UDN histórica. Participei ultimamente de alguns debates com velhos e moços... Lembro-me de um debate,

particularmente, que fui convidado junto ao Domingos Oliveira para debater com jovens atores a versão carioca da emblemática peça HAIR, que encarnava o espírito dos anos 60. Durante esse debate o Domingos expressou bastante à visão das pessoas da nossa idade, os septuagenários, sobre a nova geração, que não era muito positiva, porque julgada como “conformista, comodista, incapazes de qualquer ação”. Na minha fala, defendi tal geração, em primeiro lugar, porque toda a plateia era composta de jovens (risos). E fui aplaudidíssimo porque falei que não poderia julgar essa geração pelos padrões da nossa e que os jovens de hoje tinha razões que o nosso coração desconhecia. Eu tenho certeza que esse debate não se realizaria assim nesses termos depois dos blackblocs, que são muito mais violentos que qualquer jovem da nossa geração, mais ainda do que os guerrilheiros, aquela parte da geração brasileira que caiu na clandestinidade contra a ditadura. Eles eram dedicados a combater os soldados evidentemente, mas não tinham essa fúria que tem os blackblocs, de quebrar tudo que vê pela frente, então você vê... A atual geração, em sua maioria, parece de conformistas comodistas, mas não é toda ela assim, então não se sabe qual será a evolução dos acontecimentos. Vale atentar o que li em George Bataille, na obra “O Erotismo”(1957), que dizia ser a velha geração por sua natureza, necrófi la, porque está se aproximando da morte, e então vai paralisando tudo, não faz mais nada. Enquanto a nova geração é que injeta a vitalidade na sociedade e na cultura. Na nossa civilização é necessário que haja a ação juvenil para que a sociedade se revitalize, caso contrário, não acontece mais nada, todo mundo morre. O “vandalismo” dos blackblocs é o que renova a sociedade.

Serviço

Por Patrícia Marcondes de Barros (Doutora em História Cultural-UNESP)

Page 10: O Duque #09

10

Viver de Arte //

Eles são unânimes em afirmar que não é fácil viver do trabalho artístico em um país sem a tradição no consumo da cultura. Mesmo assim, transformaram o que era sonho em fonte de renda, utilizando materiais que vão muito além das tintas, cifras, palcos e do talento. Para vencer no mercado como artistas, os profissionais são categóricos ao dizer que há um passo anterior a qualquer iniciativa e que, nesse caso, é o de estudar, ter a certeza do caminho escolhido e encarar o trabalho com a mesma dignidade e dedicação de qualquer outro.

Para a atriz Leiza Maria, que já atuou em 14 peças, o profissional tem de experimentar e fazer, sem o dever de ganhar dinheiro. Segundo ela, a arte é um compromisso com a realidade e, após a certeza da escolha, o artista deve estudar ainda mais, ser generoso e responsável com o trabalho para que a arte possa se tornar um meio de sustento. “O que mais vejo são pessoas confundindo o ‘ser artista’ que, na minha opinião, precisa ter um profundo conhecimento da alma humana, com ter desenvoltura e um estilo hippie”, afirma.

Hoje, o artista se profissionalizou, apesar de muitas vezes parecer trabalhar brincando. Mesmo com diversas dificuldades, o violonista Flavio Apro, com seis discos gravados, acredita em uma lei de causa e efeito que define o cenário artístico: “aquele

que investiu tempo e energia, trabalha com seriedade e determinação, em algum momento vai colher os resultados de seus esforços”. O músico, que também é professor de violão na Universidade Estadual de Maringá, faz concertos no Brasil e no exterior e coleciona elogios por onde passa.

Para sobreviver à baixa demanda por telas e esculturas, Rene Meyring, que trabalha como artista plástico há 18 anos, também dá aulas de desenho e faz bicos em outras funções artísticas,

como cenógrafo e iluminador. Formado em artes visuais, ele já teve alguns prejuízos financeiros ao longo da carreira, creditados principalmente à inexperiência e falta de auxílio. “Hoje eu sei que a graduação me deu ainda mais credibilidade, mas ao longo dos anos pude perceber que talento é fundamental, mas que também é necessária uma boa divulgação e organização em todos os projetos”, diz.

Também existem os artistas que

Repórter

[email protected] empresários ainda não

veem vantagem nesse tipo de investimento, ou seja, mais

um passo mercadológico que precisamos dar. Já tomei prejuízo financeiro, sim, mas

sempre valeu a penaLleiza Maria

atriz

Aquele que investiu tempo e energia, trabalha com

seriedade e determinação, em algum momento vai

colher os resultados de seus esforços

Flávio Apromúsico

respiram arte, mas não ganham dinheiro com ela, precisando atuar em outra atividade. É o caso do escritor Luigi Ricciardi, que tem dois livros publicados e trabalha como professor. “Até agora não posso dizer que ganhei dinheiro com a escrita. Talvez, alguns centavos. As tiragens foram pequenas e foi mais para divulgar o trabalho do que para ganhar dinheiro”, conta. Ainda assim, ele acredita ser perfeitamente possível viver de arte e cita o exemplo do maringaense Marcos Peres, autor do livro “O Evangelho Segundo Hitler”.

Sobre as experiências como escritor, Ricciardi diz que o segundo livro foi bancado pela editora, mas que o primeiro foi pago do próprio bolso. “Não tive prejuízo, mas também não tive lucro. Ao menos, no final, as despesas foram pagas.” Para a atriz Leiza Maria, arcar com os próprios custos não é algo inadmissível. Segundo ela, a arte precisa ser encarada um pouco mais do ponto de vista mercadológico e, infelizmente, nem todos os produtos artísticos são consumidos como o cinema, que atrai muitos patrocínios. “Os empresários ainda não veem vantagem nesse tipo de investimento, ou seja, mais um passo mercadológico que precisamos dar. Já tomei prejuízo financeiro, sim, mas sempre valeu a pena”, finaliza.

Para o músico Rafael Morais, que acaba de lança o primeiro EP, intitulado “Rafael Morais Ao Vivo no Mojo”, a música vai muito além de letras, harmonias e melodias. Segundo ele, além de muita vontade e amor

CibeleChacon

pelo trabalho, não se pode esquecer que tudo custa dinheiro. “O CD foi produzido com recursos totalmente independentes. A banda é nossa empresa e investimos dinheiro nela para viabilizar o desenvolvimento musical”, garante. O músico acrescenta, ainda, que já teve alguns prejuízos no começo da carreira, em shows autorais. “Fiz muitos shows de graça, mesmo havendo custo com profissionais que trabalhavam junto. Mas vejo todo esse processo como algo natural em um lugar onde é necessário conquistar espaço e reconhecimento com algo que é totalmente subjetivo como a arte”, diz.

Fazendo jus ao reconhecimento de Cidade Canção, para Rafael, a produção artística em Maringá é riquíssima, com grande diversidade e profissionais talentosos em diversas áreas. Segundo o músico, grande parte desses artistas tem dificuldade em se inserir no mercado, mas tem notado movimentações positivas nesse sentido. “Acredito que os artistas estão, cada vez mais, atentando-se a isso, e

É possível viver de arte, sim!

Page 11: O Duque #09

11julho

Viver de Arte //

o cenário tende a inverter daqui pra frente.” Para ele, a maior parte do lucro obtido por um músico é por meio de shows, já que esse é o produto fi nal que chega aos consumidores. Mas não deixa de citar a importância dos editais que viabilizam algumas produções e a distribuição dos CDs que ajudam a criar o público dos shows. “Existem diversas maneiras de se conseguir ganhar dinheiro. É um universo a se explorar. Admito que estamos começando a conhecer e a nos apropriar desses mecanismos. ”

Aos que tem, guardado dentro da gaveta, a vontade de trabalhar e se sustentar com a própria produção artística, o músico Flavio Apro aconselha a acreditar na arte como agente transformador da sociedade e, depois, acreditar em si. “É importante não medir esforços para atingir os objetivos pessoais, mesmo que isso exija caminhar na contramão do senso comum. Não tem nenhum segredo”, diz. Rafael Morais endossa o coro e diz para nunca se desprenderem do fazer artístico, do desenvolvimento, da pesquisa, do ócio e de tudo mais que sirva para a construção de uma obra de arte.

Ele também ressalta a importância de se atentar à realidade social e às questões políticas para a formação da identidade cultural de uma região e de um povo. “Não precisamos ser cópias. Podemos dar valor às coisas que essa cidade pode nos proporcionar, com o imaginário construído a partir da nossa experiência de viver aqui e, principalmente, de conviver aqui”, afi rma. O músico acrescenta, ainda, que é fundamental saber que há um mercado em que é possível buscar os recursos para pagar o aluguel, a comida, e continuar tendo tempo para viver e produzir arte.

As vantagens oferecidas pela formalização vêm atraindo um número cada vez maior de profi ssionais da Economia Criativa no Brasil. São músicos, atores, iluminadores, produtores de teatro e de audiovisual que passaram a encarar o trabalho como negócios a serem geridos de maneira regularizada e comuns a quaisquer outras empresas.

A atriz Leiza Maria sentiu a necessidade de se formalizar como MEI (micro empreendedor individual), que é uma maneira de não precisar mais contar com a boa vontade de outras empresas para ceder uma nota fi scal e, também, de fi car tranquila com relação a essa parte burocrática. Sobre a difi culdade dessa parte administrativa, a atriz é categórica: “Comecei a ler, perguntar, aprendi muita coisa sozinha. Não é a melhor parte, mas precisa ser feita. E conhecimento não ocupa espaço.”

O músico Rafael Morais ainda não formalizou o trabalho da banda, mas reconhece ser fundamental para o desenvolvimento profi ssional. “Quando nos tornarmos uma empresa, vamos poder conversar de instituição para instituição, o que pode facilitar o acesso a inúmeras oportunidades de realização de shows, participações em editais, e também nos qualifi ca como empresa formalizada no setor cultural”, diz.

Hoje, existem políticas públicas que trabalham com os editais e as leis de incentivo à cultura. São processos de seleção com regras claras para

administrar o repasse de recursos como um método de democratizar o acesso e a verba para as práticas culturais. Dessa forma, o artista contemporâneo passa a colecionar funções como a de proponente, empresário cultural, captador de recursos e um especialista na área de elaboração de projeto, com conhecimentos indispensáveis de processo público e interpretação de leis. Mas você, artista, não se assuste, existem produtoras e consultorias culturais que podem cuidar dessa parte burocrática.

Segundo o vice-presidente do Instituto Cultural Ingá, Edson Pereira, não há formula para ser aprovado em editais. “Mesmo que o projeto seja bom, bem modelado, com objetivos e metas claras e bem defi nidas, pode não atender totalmente ou ser o único a atender os objetivos da banca. Ou mesmo, ter pela banca de julgamento pouco reconhecimento”, pontua. Ele acrescenta, ainda, que prefere aprovar os próprios projetos nas leis de incentivo. “O convencimento é olho no olho do patrocinador, e isto substitui a etapa das bancas dos editais e aumenta as chances. Também ter uma boa estratégia de captação com cotas de patrocínio bem defi nidas, com contrapartidas negociais e de imagem bem limitadas, aumenta a possibilidade.”

Edson ressalta que, para aprovar o projeto nas leis de incentivo, é necessário ser claro na maneira de colocar no papel todos os pontos

solicitados. Segundo ele, na maioria dessas leis e, principalmente, na Lei Rouanet, se fi zer tudo certo, terá o projeto aprovado. “Depois, a captação fi ca por conta do artista e, Maringá, está muito acima da média de captação nacional. Pode demorar, mas sairá o patrocínio”, fi naliza.

Com uma ideia pioneira no Brasil, o maringaense Julio Gonçales criou a Fulldead, um projeto cultural que funciona como uma ação colaborativa de artistas, na qual será disponibilizado um local adequado para os profi ssionais venderem as próprias artes. “Buscaremos, de certa maneira, subsidiar o desenvolvimento de produtos ligados aos artistas, lançaremos cada um em mídias especializadas a procura do público-alvo”, explica. O artista assina o contrato com a Fulldead e, juntos, desenvolverão ambas as marcas, podendo vender CDs, camisas, telas e quaisquer outros produtos artísticos.

Segundo Julio, a ideia é criar o hábito nas pessoas de comprar os produtos de marcas e artistas alternativos. “Para isso, temos a internet, as mídias sociais, os jornais culturais, rádios alternativas, o universo universitário e outros adeptos”, diz.

Formalização

Alternativas da Economia Criativa Merchandising

e produtos oficiais

Produtos Full Dead, empresa personalizará linha para artistas maringaenses

Page 12: O Duque #09

12

Literatura //

Muito se fala do conforto e praticidade de se comprar um livro pela internet. Estar a um clique do material desejado economiza tempo e dinheiro em algumas ocasiões. No entanto, priva o leitor de “sujar as mãos” e respirar conhecimento ao adentrar aquelas enormes fileiras repletas de histórias e se sentir engolido por tanta oportunidade de aprendizagem. É sacar um livro aleatório da estante, sentar no chão mesmo, ler três páginas e trocá-lo pelo o que está do lado. É ficar com princípio de torcicolo no final da tarde por passear com a cabeça inclinada para ler os títulos na lombada. E é também sentir um pouco de impotência por existir tanta coisa interessante para descobrir e tão pouco tempo para explorá-las. Essa é a magia dos sebos e, segundo os proprietários das três lojas físicas em Maringá, não há internet que possa substituir essa sensação.

Mas quando o assunto é mercado, os donos salientam que é preciso ficar

de olho na internet, avaliar os preços e investir nas obras mais solicitadas pelos leitores para evitar um impacto negativo nas vendas. À frente do Fonte do Livro há 13 anos, Robespierre Tosatti, o Robs, criou uma rotina de consulta diária nos sebos online para ajustar os seus produtos, que chegam a um volume de quase 60 mil exemplares. Com a popularização das lojas virtuais de livros usados em meados de 2008, ele diz que sente a concorrência desde então e cita alguns clientes que trocaram sua loja pelo digital. Na mesma medida, comenta casos de leitores lesados pela compra online, como atraso na entrega e materiais danificados. Para Robs, a opção de comprar na loja física facilita a vida do consumidor, pois o evita de esperar alguns dias úteis e tem a garantia de ter um livro em bom estado. “O leitor de verdade sabe disso e não reclama de pagar um pouco mais caro”, diz.

O atendimento, o ambiente confortável, a conservação e a qualidade dos produtos são critérios analisados pelos clientes e que, segundo ele, influenciam na decisão de compra. Entretanto, ciente da nova geração que já nasce com um smartphone nas mãos, Robs se previne e diz que em breve vai catalogar os seus livros e colocá-los à disposição na internet. Como diz aquele famoso provérbio “se não pode

Repórter

[email protected]

EltonTelles

vencê-los, junte-se a eles”. E é isso o que fez Claudineia Basques, a Néia, do Sebo Cultura. Além da loja física, ela já tem metade do seu acervo em exposição para venda no Estante Virtual, o maior sebo online do Brasil. Néia considera a internet interessante para os sebos, pois com o acesso fácil à informação acaba-se criando novos leitores e também funciona como uma vitrine para auxiliar nas vendas. “A internet é uma opção a mais que vem para complementar, e não para substituir”, arremata. Em sua opinião, na equação custo-benefício, “a loja física sempre vai ser melhor que o online, porque o livro está ao alcance e torna-se uma compra objetiva”.

Da mesma opinião compartilha Cláudio Basques, proprietário do Sebo Mania. Também hospedado no Estante Virtual, ele afirma que além de uma ferramenta catalisadora para as vendas, o espaço digital é também uma fonte de consulta para precificar os produtos. Atualmente, o Estante

ADMIRÁVELSEBO NOVO

“O sebo é uma prestação de serviço cultural à sociedade. As pessoas

gostam de vir aqui sem a pretensão de comprar, somente para ficar

vendo o que tem nas prateleiras”.

Cláudio Basquesproprietário de sebo

Virtual abriga 1.300 sebos e livreiros de 340 cidades do Brasil e, para se destacar entre tantos, Basques diz que investe em bons títulos e na “apresentação” do livro, que inclui no pacote um preço atrativo, fotos de qualidade e uma boa descrição. Atualmente, as vendas pela internet do Sebo Mania corresponde a 20% do lucro total, tendo já exportado livros para França e Estados Unidos.

Mas nada se compara à presença na loja e o contato com a diversidade de itens que vai dos livros de ficção aos acadêmicos, materiais audiovisuais, CDs, LPs e revistas. “Muitos vêm ao sebo não somente com o intuito de comprar, mas porque é entretenimento e virou um ponto de encontro entre amigos”, comenta Claudio. Já Robs exalta a figura do colecionador, aquele “bicho” que fica mais de 2 horas somente analisando as prateleiras. “O cheiro, o tato e o manuseio do livro... são várias coisas que atraem esse tipo de pessoa mais saudosista, e isso nunca vai ter fim.”

Diante das compras cada vez mais frequentes na internet, os sebos de Maringá se adaptam à realidade virtual, mas são taxativos: “as lojas não estão com os dias contados”

Page 13: O Duque #09

13julho

Literatura //

Imagine o quão desagradável não deve ser estar em um sebo escolhendo sua próxima leitura e se deparar com um livro que você presenteou uma pessoa e ainda escreveu uma dedicatória. Funcionário da Fonte do Livro há 4 anos, o atendente Renato Chiderolli passou por essa experiência frustrante. Durante seus serviços diários de arrumar as prateleiras, encontrou um livro que ele mesmo deu de aniversário para uma professora da UEM e que continha no verso palavras de amizade. Tempos depois, ela apareceu no sebo e Chiderolli, ao vê-la, diz ter fi cado muito sem graça. “Eu fi quei

chocado na época e nunca comentei sobre esse incidente, mas hoje eu racho o bico.”

Uma amizade ruída, um amor desfeito. Os motivos para se desfazer de livros com dedicatórias pode ser tanto emocional quanto por necessidade. De dinheiro, principalmente. Cada sebo tem uma estratégia diferente para lidar com as dedicatórias, mas depende das solicitações do cliente. “Muitos pedem para tirar o nome para não se sentir constrangidos”, diz Néia. Mesmo que seja aquele livro de autoajuda que ganhamos no amigo secreto ou aquele exemplar do Paulo Coelho que a tia deu com a melhor das intenções, quando tem uma dedicatória, o costume é guardar. “Risca o nome se brigou com a pessoa, mas não se desfaça do livro”, sugere Robs.

Passeando pelos sebos da cidade, O Duque selecionou algumas dedicatórias inusitadas, que vão de frases prontas de calendário a sinceros votos de felicidade.

Te dedico!

“Uma amizade ruída, um amor desfeito. Os motivos para se

desfazer de livros com dedicatórias pode ser tanto emocional quanto

por necessidade. De dinheiro, principalmente.”

O casal Beto e Alexandra e o pioneirismo da dedicatória-desabafo por terem fi cado plantados 5 horas no aeroporto; o livro é “O Homem Que Matou Getúlio Vargas”, de Jô Soares

Dedicatória no livro “O Crepúsculo do Macho”, de Fernando Gabeira. E pelo jeito, o Fábio não curtiu muito, não.

Page 14: O Duque #09

14

Page 15: O Duque #09

15julho

Teatro //

O teatro e aespeculaçãoimobiliária

No ano passado, artistas e produtores culturais de Maringá deram início a uma luta pela revitalização do Cine Teatro Plaza, equipamento cultural localizado na Praça Raposo Tavares, próximo ao terminal rodoviário. Ele está inativo e interditado há pelo menos dez anos. Tal ação vem ao encontro de um movimento que, infelizmente, é nacional. Outros espaços culturais estão sofrendo os efeitos da especulação imobiliária, do desrespeito e do desinteresse pelas ações culturais, por mais importantes que elas sejam.

Em São Paulo, o Centro Internacional de Teatro Ecum (CIT-Ecum), apesar de desenvolver um trabalho relevante que ganhou enorme destaque em apenas um ano, fechou as portas no mês passado. O proprietário do imóvel pediu a desocupação do prédio para transformá-lo em um empreendimento considerado mais lucrativo. O CIT-Ecum já é um espaço reconhecido na cidade, visto que seus diretores e curadores são nomes muito atuantes na cena teatral e conseguiram oferecer uma programação de qualidade, somada a cursos, ofi cinas e debates. Sua criação foi resultado de um trabalho que já vinha sendo realizado desde 1998 por meio do Encontro Mundial das Artes Cênicas. A Cooperativa Paulista de Teatro entrou com pedidos de tombamento do prédio e de registro como patrimônio imaterial, uma vez que lá funcionou a primeira fábrica de aparelhos de televisão na cidade de São Paulo, considerando também a importância cultural do teatro. O pedido foi acompanhado de um abaixo-assinado que circulou na internet e teve a adesão de mais de 2.700 assinaturas.

Também em São Paulo o Teatro Brincante, criado pelo músico, dançarino, coreógrafo e educador Antonio Nóbrega está ameaçado. Da mesma forma que ocorreu com o CIT-Ecum e com tantos outros espaços alternativos da capital paulista, uma construtora comprou o terreno localizado na Vila Madalena e pretende demolir o prédio. Para eles pouco importa o trabalho que Nóbrega vem desenvolvendo há mais de 40 anos pela cultura popular brasileira, pelo teatro, dança, contação de histórias, pela educação e por tantas crianças, jovens e adultos que passam pelo Instituto Brincante. Na rede também foi criado o movimento #fi cabrincante. Resta saber se terá resultado.

Conectada a todos estes acontecimentos em rede nacional, a revista de teatro Antro Positivo criou a campanha #Deixemoespaçodoteatroempaz, simbolizada por fotografi as em que uma fi ta amarela e preta, daquelas usadas em áreas interditadas, esconde a imagem de artistas, produtores, críticos e jornalistas especializados. A campanha surgiu em São Paulo e ganhou eco no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, onde espaços culturais também estão sendo ameaçados pela especulação imobiliária.

Enquanto isso, em Maringá, um Grupo de Trabalho criado numa audiência pública vem trabalhando como pode pela cultura local e, neste assunto, vem realizando uma campanha chamada O Cine Teatro Plaza é nosso. A primeira ação foi criar uma fanpage com este mesmo nome, que já tem mais de 1.800 curtidas (e se você ainda não curtiu, curta!). No início de março foi realizado o Hip Hop no Plaza com

a participação de diversos artistas. O objetivo era chamar a atenção da população para a causa e por isso outro evento está sendo organizado para ocorrer em breve.

Mas por que é importante lutar por este espaço?

O prédio começou a ser construído em 1968 e foi inaugurado no ano seguinte. Tendo em vista que a fundação ofi cial de nossa cidade é de 1947, trata-se de um dos primeiros equipamentos culturais que ainda está de pé. Como se isso não bastasse, é um dos últimos cinemas de rua que ainda existem no Estado do Paraná. E mais: é um dos nossos maiores espaços culturais, ultrapassando os 600 lugares (só perde em capacidade para o Teatro Marista e para o Teatro Calil Haddad); está localizado na região central e, portanto, em local de fácil acesso para o grande público. Além disso, quem precisa solicitar agendamento de um teatro sabe o quão difícil está encontrar uma data disponível, competindo com eventos de outra natureza, tais como formaturas, congressos, seminários e apresentações de escolas. Precisamos urgentemente de mais espaços culturais!!! Precisamos de mais investimentos, pois é certo que, para ser reaberto, o Plaza precisa ser reformado e equipado. Precisamos cuidar da preservação de nossa história e memória. Precisamos, sobretudo, que a arte e a cultura sejam vistas como prioridades.

Colunista

RachelCoelho

Page 16: O Duque #09

16

O cenário editorial destes últimos dez anos é de crescimento considerável da concentração do mercado por grandes editoras, redes de livrarias e distribuidores que servem a esse sistema, não havendo espaço nos pontos de venda para pequenas editoras. As livrarias que existem não têm espaço para tudo o que é publicado, preferindo expor somente o que é vendável, sofrendo também concorrência das grandes editoras que têm adotado regularmente promoções que chegam a 50% de desconto no preço de capa para as vendas on line, que é o meio por onde se está fazendo a distribuição mais rápida e efetiva dos livros publicados.

Paradoxalmente, isso ocorre neste país de 200 milhões de habitantes em que 7% são analfabetos, 68% são analfabetos funcionais, restando apenas 25% (50 milhões) deles com capacidade de leitura, mas que não leem. Esses dados são de 2005, obtidos em pesquisa de medição do analfabetismo funcional pelo Instituto Paulo Montenegro/IBOPE, com critérios de compreensão de leitura aplicados na medição dos dados; essa pesquisa é distinta dos critérios de medição do Governo Federal/IBGE, mais recente, que se baseia em dados de escolaridade, o que falseia a realidade, uma vez que a escolaridade não garante a alfabetização, ainda mais com a baixa qualidade de ensino oferecida no país; basta dizer que entre universitários, que são considerados "alfabetizados" pelos índices do governo, em 2012 o índice de analfabetismo funcional era de 38%!!!! As Pesquisas de Retrato de Leitura no Brasil, feitas pelo Instituto do Livro, indicam que o que mais se lê no país são livros religioso... Ou seja, o que se poderia chamar de “mercado” de livros de cultura (romances, poesia, ensaios de diversos gêneros) é muito pequeno, sendo indicativo disso também o fato de que as tiragens desses livros são irrisórias (nas grandes editoras variam de mil a três mil exemplares).

Contra esse mercado fechado, têm aparecido pequenas editoras com projetos criativos que incluem também novas formas de chegar ao leitor. A marca principal delas é ter um site de informações e vendas,

combinado com eventos de lançamento e divulgação em diversas mídias. São nestas pequenas editoras em que a vida contemporânea pulsa mais livremente sem medo de riscos e sem preocupação com lucros, abrindo-se também espaço para publicação de novos autores.

A editora que mais tem dado notícia é a Patuá (www.editorapatua.com.br), de São Paulo, cujo editor Eduardo Lacerda já publicou em três anos quase 200 títulos muito bem acabados, preferencialmente, de poesia, em geral com tiragens de 100/150 exemplares, com venda on line e lançamentos festivos, conseguindo ótima visibilidade na mídia e até premiações importantes, estando atualmente com vários títulos entre os 20 melhores de cada categoria no Prêmio Portugal Telecom. Uma de suas características é publicar livros de novos autores.

Como a Patuá, em quantidade de publicação de poesia, está a 7Letras (www.7letras.com.br), do Rio de Janeiro. Há anos no mercado com uma livraria, revistas literárias de alta qualidade e muitos livros publicados, constituiu um catálogo importante na área de ciências humanas, com destaque para a poesia, que teve na revista Inimigo Rumor sua publicação mais importante, atualmente substituída pela Lado7.

No Rio está, também, a Confraria do Vento (www.confrariadovento.com), que começou com uma ótima revista e se desdobrou em uma editora de qualidade, também com livros selecionados na segunda etapa do Prêmio Portugal Telecom, destacando-se pela publicação de poesia, ficção, ensaios e investimentos em textos experimentais.

Outra editora muito peculiar é a Cultura e Barbárie (www.culturaebarbarie.org), que tem formado um catálogo ensaístico de alta qualidade e provocação crítica, com destaque para a tradução de publicações raras como a revista Acéphalle de Georges Bataille ou o romance experimental de Raymond Roussel, Locus Solus. Destaca-se também sua revista on line Sopro, editada como um dicionário temático peculiar em que o

pensamento filosófico prepondera. Outra editora notável é a Nephelibata (http://

edicoesnephelibata.blogspot.com.br/), sediada em Florianópolis/SC, com tiragens de títulos de 50 exemplares, cujo lema é o seguinte: “Seguindo o temperamento dos poetas simbolistas do século XIX e o espírito punk do ‘faça você mesmo’, a Edições Nephelibata se insere entre as ‘independentes’, editando livros em pequenas tiragens, destinados a um seleto número de leitores, insistindo em alguns títulos estranhos de autores obscuros por raro gosto estético e, sobretudo, por ter nascido, e permanecido à margem. A Nephelibata é uma entidade nômade, centralizada na figura de seu editor, Camilo Prado”. Seus livros são preciosos na edição.

O apuro formal e artesanal dos livros da Demônio Negro (facebook.com/LivrariaDemonioNegro), editados por Vanderley Mendonça em capas duras de linho e impressão refinada tem valor expresso em títulos como O Guesa, de Sousândrade, Lustra, de Ezra Pound, ou os Poemóbiles, de Augusto de Campos.

Há muitas outras, porém concluo com a Crivo (o site é www.crivoeditorial.com, mas as informações no Facebook estão mais atualizadas), pelo exemplo: alguns amigos se reuniram, publicaram o primeiro projeto, uma antologia de vozes díspares, mas que se desdobrou numa editora que está publicando livros de poesia com apresentação gráfica primorosa apostando nas novas linguagens e na experimentação, abrindo caminhos novos.

Ou seja: no Brasil é como se estivéssemos no deserto, um campo aberto, em que basta ter um projeto e fazer com que se consiga criar algo novo e, no caso dessas editoras, ao mesmo tempo em que há uma união em torno das pessoas envolvidas em cada projeto, há uma abertura para o mundo possibilitada pela internet. O Duque, com as edições do jornal, já ganhou a experiência necessária e um ótimo veículo de divulgação para começar um projeto nesse sentido. Basta definir: que livros publicar?

A vidainteligentedas pequenaseditoras

Colunista

AdemirDemarchi

Literatura //

Page 17: O Duque #09

17julho

Give-me a Huggy //

UM “BEIJO GAY” NA NOVELA DAS NOVE E A INCLUSÃO SOCIAL DOS CASAIS HOMOAFETIVOS NO BRASIL

Nos últimos tempos, a presença de cenas de relacionamentos homoafetivos nas televisões tem, substancialmente, tomado maior espaço e, sem dúvidas, gerado várias polêmicas e discussões.

O (A) brasileiro (a) participante da grande massa noveleira deste país sabe que é deveras signifi cativo estar representado em frente às câmaras, sobretudo às da Rede Globo e nos roteiros de Manoel Carlos. É sempre uma “alegria” saber que aquela cena está sendo gravada na sua cidade, que aquele personagem tem o seu nome, ou até mesmo ouvir que a atriz da novela das nove é parecida com você. Representação simbólica é importante!

Um par de atores interpretando um casal homossexual estável (ou não), ou duas atrizes interpretando um simples beijo para uma audiência de milhões telespectadores é, com certeza, um passo para a representatividade e a visibilidade homoafetiva no Brasil. Mas não é o sufi ciente.

Há séculos, ter um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo é considerado crime hediondo aos olhos da classe dominante, vestida com uma máscara branca e fundamentalista de “família tradicional” para sustentarem seus preconceitos e incitações de ódio. Em países como Rússia, Nigéria e Uganda ser LGBT não é “considerado” crime, é um crime!

Podemos analisar o objeto – cena televisiva de um casal homossexual em representação afetiva – de várias maneiras. Tomo, nesta perspectiva, a variável da visibilidade LGBT. Temos neste ato milhares de famílias homoafetivas que, em várias escolas, supermercados, bancos e hospitais, sofrem por não serem (re)conhecidos

em suas características familiares. Por não terem visibilidade, nenhum veículo de comunicação os vincula, nenhuma citação nos livros de história, nem didáticos. Nada os consideravam simbolicamente importantes, até agora.

Neste momento temos a ascensão da categoria LGBT em vários setores da sociedade e da economia, abrindo assim várias portas de inclusão social. Vendo a cultura e a comunicação como aparelhos sociais, temos em um beijo televisionado entre duas mulheres um passo para a inclusão social dos casais homoafetivos no Brasil.

Finalmente, o “Pink Money”¹ pode atingir os gestores da indústria cultural brasileira, “comprando” assim um espaço na novela das nove para serem menos hostilizados, mesmo nos espaços que lhes pertencem.

Mesmo trazendo uma carga excessivamente pessimista, comemoro essa conquista. Muito embora, não pude deixar de me ofender com os comentários homofóbicos de pessoas dizendo-se ofendidas em ver outro tipo de expressão sexual no seu veículo de comunicação tradicional. Temos neste momento uma luta gigante para o futuro, mas temos uma vitória a ser comemorada no presente. Temos beijo para as gay, beijo pras bi, e um beijo pras travestis!

Colunista

ViniciusHuggy

Page 18: O Duque #09

18

#Sarau //

Capítulo um Gabriel

Dominato

Um dia no leito conjugal Maria das Cruzes começou a levitar. José dos Milagres, seu esposo, a viu subir aos pouquinhos, até chegar no teto. Lá ficou até que José dos Milagres, recobrado do espanto, subiu na cama e a puxou pelo pé e a colocou de volta, sentada na cama. Voltaram a se deitar, mas em pouco tempo Maria estava novamente levitando, segura pelo teto. Por mais duas vezes ele tentou descê-la do teto e a deixar na cama, mas descobriu ser inútil. Correu então para a dispensa e de lá trouxe uma corda, que amarrou no pé da esposa e na cama. Nessa noite e em muitas outras que viria a levitar, Maria das Cruzes dormiu no teto. José teve que contratar serviçais para a casa, agora que a mulher ameaçava sair levitando a qualquer momento, com medo de que ela se perdesse, saindo voando céu afora. Então por algum tempo, ela não saiu de casa, sempre amarrada em algum dos móveis da casa para poder realizar suas atividades diárias sem perigo. Após o choque inicial, voltaram a dar passeios pelas ruas de Bom Caminho dos Peixes, com Maria sempre amarrada pelos pés e aos braços de José. Às vezes, ela começava a se suspender no ar, até que ficava pairando com os pés sobre a cabeça de João como um balão, enquanto ele segurava a corda com tanta força que chegava machucar a mão, temeroso de que ela pudesse escapar. Algo do terrível destino de Maria agradou José, pois como a força de atração das levitações era imensa, permitia a eles que fizessem amor no teto, com a corda amarrada entre a cintura dos dois, fazendo ambos levitarem. Se amavam flutuando pelo teto. Algum tempo depois nasceria José dos Milagres e das Cruzes. A bolsa se rompeu sobre a cama e José veio correndo quando Maria deu um grito agudo. Teve tempo apenas de entrar no quarto e se atirar na cama para pegar José, que pairava suspenso pelo cordão. Cortou-o e segurou o bebê nos braços.

Na infância, José, uma criança muito diferente, não brincava de bola, não gostava de ordenhar as vacas nem de andar de jegue. Quando ia na casa da tia, José não desgrudava da barra de sua saia, grudava nela e não saía mais. O mesmo se dava com todas as mulheres que encontrava no vilarejo. Quando eram homens a lhe pegar no colo abria logo o choreiro, mesmo com o pai levou muito tempo para se acostumar. Eram animais estranhos, de caras duras e cabeças muito grandes. Só se sentia em conforto ao redor das mulheres, brincando apenas com meninas, tanto que seu pai ficara preocupado quando o viu brincando de boneca com as primas.

[...]

Acossado pelo ímpeto de seu romantismo, José dos Milagres e das Cruzes se tornou um homem excêntrico, uma vez que não há faceta mais definida para o romantismo que o exagero. Alto, esguio e com um jeito engraçado de andar, como se mancasse com a perna direita, José ganhava as ruas de chão de Bom Caminho dos Peixes, quase sempre depois do almoço, pois dormia tarde e acordava ainda mais tarde, gastando as noites pensando na mulher amada, pensando em uma forma de ganhar seu coração. Ia trabalhar no dia seguinte com grandes olheiras e olhar sonhador, com a determinação superando o cansaço, para receber seu ordenado no final da semana. Davam oito horas, José saía da marcenaria já enfiado em seu terno, que deixava meticulosamente pendurado em um cabide antes de ir trabalhar, e que voltava a colocar antes de ir para a rua, após lavar as mãos e o rosto. Era um homem de meia idade, moreno e galanteador e, quando teimava estar apaixonado, só vestia terno, gravata e seu chapéu de fita, os únicos que possuía, pois, se tinha muito amor no peito, na poupança não sobrava um só tostão, e todo o seu ordenado ficava para as prendas que fazia questão de dar a cada amada. Dizem que só em presentes dera o equivalente à duas centenas de cabeças de vaca, sendo cerca de duas prendas por paixão, dependendo da longevidade do amor, que, no geral, durava de uma a duas semanas, brevidade que lhe permitiu amar todas as mulheres de Bom Caminho dos Peixes.

Se faltassem rosas para entregar a uma mulher, pela ausência de floriculturas em Bom Caminho dos Peixes ou por que já não tinha mais vintém de seu ordenado da marcenaria, gasto com outros presentes para as amadas, José pularia o portão de Dona Marcela Bernadette de Hollanda e roubaria um ramalhete de rosas, deixando seu jardim pelado, indo embora corrido, segurando com uma mão o ramalhete e com a outra o chapéu, que ameaçava voar, devido a sua correria, pois Dona Marcela Bernadette, sabendo dos pequenos furtos de José dos Milagres e das Cruzes, sempre o esperava com a espingarda de chumbo de seu falecido marido, Augusto Cândido de Hollanda, emitindo intempéries com a arma enferrujada nas mãos e jogando maldições à estirpe de José. Tanto o amaldiçoou que uma das pragas pegou em seu primogênito, que nasceu sem impressões digitais nos dedos e nunca pode ser registrado oficialmente no cartório. Dona Marcela Bernadette, que o povoado de Bom Caminho dos Peixes dizia ser bruxa, havia dito que se José roubasse mais uma rosa só que fosse, seu nome deixaria de existir. Mas, apesar da maldição, o nome dos Milagres e das Cruzes iria seguir adiante por muitos anos, José dos Milagres e das Cruzes viria a ter quinze filhos, cada um com uma mãe diferente, dando continuidade à estirpe, ainda que deixasse de existir no papel, uma vez que todos seus demais filhos nasceram sem impressões digitais.

Embora fosse um romântico, nada tinha dos trovadores melancólicos do século anterior, tinha uma vivacidade e bom humor que o tornara um personagem conhecido por todos no povoado, principalmente depois de seu amor por Julieta, episódio que ficaria para sempre na memória coletiva de Bom Caminho dos Peixes. Pode-se dizer que José já amou todas as mulheres da cidade, todas com a mesma intensidade e o mesmo pedido. Todas as vezes que se apaixonava por uma mulher, descia até a prefeitura e solicitava que fosse decretado feriado municipal em júbilo a amada da ocasião. Julieta Maria Aurélia ganhou um feriado em sua homenagem, mas isto nada teve a ver com José, mas por que ela virou santa.

Page 19: O Duque #09

19julho

Page 20: O Duque #09

20