O Emprego Da Cavalaria Mecanizada Brasileira Em Ambiente Urbano

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O EMPREGO DA CAVALARIA MECANIZADA BRASILEIRA EM AMBIENTE URBANO: ENSINAMENTOS COLHIDOS NO HAITI Luiz Fernando Coradini Carlos André Maciel Levy RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo destacar os principais ensinamentos colhidos para a Cavalaria Mecanizada Brasileira, fruto de sua atuação nos diversos contingentes da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). A missão teve início em 1º de junho de 2004, com a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU, e se estende até os dias atuais. Desde o 1º Contingente Brasileiro da MINUSTAH há a participação de um Esquadrão de Fuzileiros Mecanizado (Esqd Fuz Mec), composto por elementos das Unidades de Cavalaria Mecanizada do Exército Brasileiro. Essa experiência tem se revelado rica em ensinamentos quanto ao emprego da subunidade e das frações mecanizadas, principalmente no tocante ao ambiente operacional urbano, em um cenário hostil em que, muitas vezes, foi necessário impor a paz. Palavras-Chave: Cavalaria Mecanizada, MINUSTAH, operações militares em ambiente urbano, Haiti. ABSTRACT: This paper aims to highlight the main lessons learned for the Brazilian Mechanized Cavalry, product of his performance in the various contingents of the UN Mission for Stabilization in Haiti (MINUSTAH). The mission started on June 1, 2004 with the sanction by the UN Security Council, and extends to the present day. Since the 1st Brazilian contingent of MINUSTAH there the participation of a Cavalry Squadron Mechanized, composed of Mechanized Cavalry Units of the Brazilian Army. This experience has proved rich in lessons about the use of mechanized subunit and fractions, especially with regard to operations in urban terrain, in a hostile scenario in which, often, it was necessary impose peace. Keywords: Mechanized Cavalry, MINUSTAH, military operations in urban terrain, Haiti.

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O EMPREGO DA CAVALARIA MECANIZADA BRASILEIRA EM AMBIENTE URBANO: ENSINAMENTOS COLHIDOS NO HAITI

Luiz Fernando Coradini

Carlos André Maciel Levy

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo destacar os principais ensinamentos colhidos para a Cavalaria Mecanizada Brasileira, fruto de sua atuação nos diversos contingentes da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). A missão teve início em 1º de junho de 2004, com a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU, e se estende até os dias atuais. Desde o 1º Contingente Brasileiro da MINUSTAH há a participação de um Esquadrão de Fuzileiros Mecanizado (Esqd Fuz Mec), composto por elementos das Unidades de Cavalaria Mecanizada do Exército Brasileiro. Essa experiência tem se revelado rica em ensinamentos quanto ao emprego da subunidade e das frações mecanizadas, principalmente no tocante ao ambiente operacional urbano, em um cenário hostil em que, muitas vezes, foi necessário impor a paz. Palavras-Chave: Cavalaria Mecanizada, MINUSTAH, operações militares em ambiente

urbano, Haiti.

ABSTRACT: This paper aims to highlight the main lessons learned for the Brazilian

Mechanized Cavalry, product of his performance in the various contingents of the UN

Mission for Stabilization in Haiti (MINUSTAH). The mission started on June 1, 2004 with

the sanction by the UN Security Council, and extends to the present day. Since the 1st

Brazilian contingent of MINUSTAH there the participation of a Cavalry Squadron

Mechanized, composed of Mechanized Cavalry Units of the Brazilian Army. This experience

has proved rich in lessons about the use of mechanized subunit and fractions, especially with

regard to operations in urban terrain, in a hostile scenario in which, often, it was necessary

impose peace. Keywords: Mechanized Cavalry, MINUSTAH, military operations in urban terrain, Haiti.

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O EMPREGO DA CAVALARIA MECANIZADA BRASILEIRA EM AMBIENTE URBANO: ENSINAMENTOS COLHIDOS NO HAITI

A participação brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização

do Haiti (MINUSTAH) propiciou o emprego do maior contingente de Cavalaria no

exterior desde a 2ª Guerra Mundial (2ª GM), revelando-se uma experiência rica em

ensinamentos quanto ao emprego da subunidade e das frações mecanizadas,

principalmente no tocante ao ambiente operacional urbano, em um cenário hostil em

que, muitas vezes, foi necessário impor a paz.

Observa-se um crescente interesse pelo estudo de operações militares neste

tipo de ambiente, pois, nos conflitos mais recentes, verificou-se que o controle de

grandes áreas urbanas constitui-se em uma questão estratégica para a consecução

dos objetivos táticos e operacionais, uma vez que as cidades compreendem o

epicentro social, político, econômico e cultural de uma região. 1

Além disso, especialistas em tática e estrategistas políticos expressam uma

opinião comum ao afirmar que, na guerra do futuro, a maioria dos combates se dará

em teatros de operações urbanos.

Isso é justificável, pois o crescimento populacional e a franca expansão e

desenvolvimento das cidades, as transformam em objetivos capitais, capazes de

proporcionar consideráveis vantagens a quem os mantiver. A análise de conflitos

recentes como Beirute, Jerusalém, Chechênia, Grozny, Sarajevo, Kuwait e Bagdá,

confirmam essa assertiva.2

Portanto, como conseqüência natural do combate moderno, verifica-se que as

operações militares em áreas urbanas são uma necessidade, que trazem consigo

problemas com sérias implicações materiais, jurídicas, táticas e de opinião pública,

cuja inobservância poderá ser decisiva à força armada e ao país perante a

comunidade internacional. 1

Dessa forma, as experiências vividas por nossas tropas no Haiti estão sendo

muito úteis para o aperfeiçoamento de nossa doutrina, uma vez que o Brasil não é

empregado em combate real desde a 2ª GM.

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ANTECEDENTES

De 1º de janeiro de 1804, data de sua independência, aos dias atuais, o

Haiti vivenciou inúmeros conflitos internos que contribuíram para o agravamento

da instabilidade política e geraram uma atmosfera de conturbação da paz

social e de entrave ao desenvolvimento econômico do país. 3

No ano de 1994, o Conselho de Segurança (CS) da ONU autorizou o

desdobramento de uma força multinacional com cerca de 20 mil militares para

facilitar o retorno rápido ao poder das autoridades haitianas legítimas, promover a

segurança interna e a estabilidade do país e fomentar e garantir a implementação

do Estado de Direito.

No período de 1994 a 2000, apesar de avanços como a eleição democrática

de dois presidentes, o Haiti viveu mergulhado em crises. Devido à instabilidade,

reformas políticas profundas não puderam ser implementadas.

Nesse período, sucessivas missões da ONU estiveram presentes no Haiti a

começar pela MINUHA (Missão das Nações Unidas no Haiti), MANUH (Missão de

Apoio das Nações Unidas ao Haiti), MITNUH (Missão de Transição das Nações

Unidas no Haiti) e MIPONUH (Missão de Polícia Civil das Nações Unidas no Haiti). 8

A eleição parlamentar e presidencial de 2000 foi marcada pela suspeita de

manipulação pelo presidente Jean-Bertrand Aristide e seu partido. O diálogo entre

oposição e governo ficou prejudicado. Em 2003, a oposição passou a clamar pela

renúncia de Aristide. A Comunidade do Caribe, Canadá, União Européia, França,

Organização dos Estados Americanos e EUA, apresentaram-se como mediadores.

Entretanto, a oposição refutou as propostas de mediação, aprofundando a crise.

Em fevereiro de 2004, conflitos armados eclodiram em Gonaives, espalhando-

se por outras cidades nos dias subseqüentes. Gradualmente, os insurgentes

assumiram o controle do norte do Haiti. Apesar dos esforços diplomáticos, a

oposição armada ameaçou marchar sobre Porto Príncipe. Aristide deixou o País em

29 de fevereiro e asilou-se na África do Sul.

De acordo com as regras de sucessão constitucional, o presidente da

Suprema Corte, Boniface Alexandre, assumiu a presidência, interinamente. Boniface

requisitou, de imediato, assistência das Nações Unidas para apoiar uma transição

política pacífica e constitucional e manter a segurança interna. Nesse sentido, o

Conselho de Segurança (CS) aprovou o envio da Força Multinacional Interina (MIF)

que, prontamente, iniciou seu desdobramento, liderada pelos EUA. 9

4

Considerando que a situação no Haiti ainda constitui ameaça para a paz

internacional e a segurança na região, o CS decidiu estabelecer a Missão das

Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), que assumiu a

autoridade exercida pela MIF em 01 de junho de 2004.

Para o comando do componente militar da MINUSTAH (Force Commander)

foi designado o General Augusto Heleno Ribeiro Pereira, do Exército Brasileiro.

O efetivo autorizado para o contingente militar foi de 6.700 homens, oriundos

dos seguintes países contribuintes: Argentina, Benin, Bolívia, Brasil, Canadá, Chade,

Chile, Croácia, França, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru, Portugal, Turquia e

Uruguai. 9

A mais recente participação brasileira, iniciada em 2004, e estendida até os

dias atuais, encontra-se com o seu 13º Contingente em operações no Haiti.

A MINUSTAH caracteriza a maior participação brasileira em Missões de Paz

da ONU. Do início da missão brasileira até fevereiro de 2010, o efetivo militar

empregado vinha sendo, com pequenas variações entre os contingentes, o de um

batalhão quaternário do Exército Brasileiro acrescido de um Grupamento Operativo

do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil. Assim, cerca de 1.050 homens

compõem o efetivo do Batalhão Brasileiro de Infantaria de Força de Paz (B I F

Paz/Brazilian Battalion/ BRABATT) em Porto Príncipe, no Haiti. Desse efetivo, o

Exército Brasileiro possuía cerca de 850 homens e a Marinha do Brasil cerca de 200

homens. 3, 7

Além dessa tropa, o Brasil ainda participa da MINUSTAH com uma

Companhia de Engenharia de Força de Paz (Cia Eng F Paz).

Após o trágico terremoto que atingiu o Haiti em 12 de janeiro de 2010, foi

mobilizado o 2º Batalhão de Infantaria de Força de Paz (BRABATT2), sendo

constituído por 810 (oitocentos e dez) militares. 10

Em menos de um mês já estava com suas tropas chegando em solo haitiano.

Por levas, a partir de 10 de fevereiro o batalhão foi desdobrado em Porto Príncipe

para manter um ambiente seguro e estável, apoiar e desenvolver atividades de

assistência humanitária e apoiar a reconstrução das instituições do Haiti.

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AMBIENTE OPERACIONAL

O Haiti é um país situado na América Central, banhado pelo Mar do Caribe,

que ocupa o terço ocidental da ilha Hispaniola (ou Ilha de São Domingos), possuindo

fronteira com a República Dominicana, a leste. O país possui uma superfície de

27.750 Km2 e sua capital é a cidade de Porto Príncipe. 4

Ele é uma ex-colônia da França, primeira república liderada por negros no

mundo e primeiro estado do Caribe a obter sua independência. Mas várias décadas

de ditaduras violentas e corruptas, como as de François “Papa Doc” Duvalier e de

seu filho, Jean-Claude, o “Baby Doc”, tornaram o país o mais pobre das Américas,

com uma população miserável e sem perspectivas.

Figura 1 – Mapa do Haiti 4

O terreno do Haiti consiste principalmente de montanhas escarpadas com

pequenas planícies costeiras e vales fluviais. O leste e a zona central é um grande

planalto elevado. A maior cidade é a capital, Porto Príncipe, com cerca de 2 milhões

de habitantes, sendo seguida por Cap-Haitien com 600 mil.

O Haiti encontra-se na placa Caribenha, que possui um pequeno tamanho

quando comparadas as placas Sul-americana e Norte-americana. Estas

"comprimem" a placa Caribenha e faz com que a região do Haiti se torne instável e

propensa a terremotos.

A cidade de Porto Príncipe caracteriza-se pela existência de uma grande

quantidade de favelas e de bolsões de miséria em seu interior. As favelas

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apresentam construções de forma desordenada, com inúmeros becos e vielas, que,

por sua vez, também ramificam-se irregularmente, sem qualquer padrão definido. 5

ORGANIZAÇÃO DO ESQD FUZ MEC

O Esquadrão de Fuzileiros Mecanizado (Esqd Fuz Mec) integrante do

BRABATT é composto por cerca de 150 militares. Conta com 4 pelotões de fuzilieros

mecanizados (Pel Fuz Mec) e uma seção de comando. 5

Cada pelotão é composto por 3 grupos de combate mecanizados (GC Mec) e

um grupo de comando, todos embarcados em Viaturas Blindadas de Transporte de

Pessoal (VBTP) Urutu.

Ao todo, o Esqd Fuz Mec possui 16 VBTP Urutu, dois caminhões de 5 Ton,

uma viatura ½ Ton Land Rover e uma ambulância.

Figura 2 – Viaturas do Esqd Fuz Mec 5

O Pel Fuz Mec é constituído por 36 homens divididos em 3 GC e um Gp de

Cmdo, guarnecendo 4 VBTP Urutu. Todos os militares foram dotados de Pistola

9mm (Beretta ou Imbel) e Pára-FAL. Conduzia-se, também, armamento não letal,

como a espingarda Cal 12 (com munição de borracha) e o lançador de granadas M

600. Cada GC contava com um Sd Atirador, portando fuzil com luneta.

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PRINCIPAIS MISSÕES EXECUTADAS

“Fomos ao Haiti achando que os inimigos seriam os ex-militares. Mas eram,

na verdade, as gangues. Havíamos nos preparado para uma missão militar, mas era

uma questão policial”, analisa um oficial que atuou no país. 13

Olhando em retrospectiva, o comandante das forças da ONU no Haiti de 2007

a 2008, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, divide a história da MINUSTAH em

dois momentos fundamentais. O primeiro, de 2004 a 2008, consistiu na luta contra

gangues que controlavam as favelas de Bel Air, Cité Militaire e Cité Soleil.

O objetivo era conquistar pontos estratégicos nas regiões e manter uma

presença ostensiva. Simultaneamente, houve uma investida para conquistar a

confiança da população. 13

Reduzida a violência, veio, então, a última – e mais decisiva – etapa,

intensificada a partir de 2008: o auxílio ao desenvolvimento e a reconstrução da

infraestrutura do país caribenho.

Dentre a gama de missões recebidas pelo Esqd Fuz Mec, podemos citar as

seguintes: patrulhamento em áreas de risco, ocupação de pontos fortes,

reconhecimentos, desaferramento de tropas engajadas, ocupação de posições

de bloqueio, vigilância de zona de ação, monitoramento de manifestações, escoltas

de comboios e autoridades, desobstrução de vias públicas e apoio às ações da

Polícia Nacional do Haiti, dentre outras. 5

Figura Nr 3 – Pel Fuz Mec realizando patrulha no Haiti

8

Desde o início das operações, uma das características do blindado – o

poder de choque – contribuiu para a atuação preventiva nas ruas de Porto Príncipe.

A ação dissuasória causada pela simples presença da VBTP colaborou para a

inibição de delitos e distúrbios, impondo respeito e arrefecendo ânimos.

Essa característica inerente à Cavalaria Mecanizada e Blindada foi

responsável também pelos bons resultados obtidos no monitoramento de

manifestações e no controle de distúrbios (aliado ao fato de o blindado propiciar

uma posição elevada de observação de multidões).

Em um ambiente de crescente hostilidade como o encontrado no Haiti,

principalmente a partir de meados de setembro de 2004, outra característica da

Cavalaria Mecanizada – a proteção blindada – destacou-se, sobretudo porque

possibilitava a realização de patrulhas em áreas de risco, operações de cerco tático

e incursões, minimizando o risco de exposição de militares.

A realização de operações de segurança de autoridades foi outra missão

executada com sucesso, como no caso do resgate do Embaixador francês em

agosto de 2004 e da visita do Secretário de Estado Norte-americano, Gen Colin

Powell, em novembro do mesmo ano. A blindagem da VBTP Urutu revelou-se

extremamente resistente aos impactos de armas leves (5,56mm, 7,62mm, etc).

Atuando em uma zona de ação que abrangia toda a região metropolitana de

Porto Príncipe, onde vários incidentes ocorriam simultaneamente, a mobilidade

da tropa mecanizada foi um fator determinante de êxito. Graças ao excelente

adestramento de motoristas e guarnições, os pelotões conseguiam locomover-

se com facilidade, apesar das distâncias, do trânsito caótico e dos bloqueios

realizados pelas forças adversas. As guarnições adquiriram grande experiência na

desobstrução de vias interditadas por barricadas, sem a exposição desnecessária da

tropa.

Em operações de cerco tático e de incursão, atuando em conjunto com a

UNPOL (Polícia das Nações Unidas) e com a Polícia Nacional Haitiana (PNH), os

blindados foram empregados ocupando posições críticas dentro de setores de

fundamental importância, fornecendo segurança às equipes encarregadas do

vasculhamento e de identificação de ameaças.

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A ação de choque, a proteção blindada e a mobilidade, aliadas ao fato de que

as forças adversas não possuíam armas anticarro capazes de impactar as VBTP

Urutu, possibilitaram o emprego irrestrito da tropa mecanizada.

ENSINAMENTOS COLHIDOS

a. Emprego das VBTP

A VBTP Urutu mostrou ser eficiente e adequada às missões do Esqd Fuz Mec

empregado no Haiti. Entretanto, algumas modificações na estrutura da viatura

fizeram-se necessárias com o decorrer das operações.

Além das adequações operacionais para o emprego em ambiente urbano,

também houve a necessidade de adaptações técnicas na estrutura física dos

blindados. Dessa forma, a VBTP Urutu no Haiti incorporou três acessórios principais:

- a cabine de proteção blindada do motorista,

- a cabine de proteção balística do atirador da metralhadora; e

- a lâmina frontal para remoção de obstáculos, também conhecida como

removedora de barricadas ou limpa-trilho. 3

Figura 4 – VBTP Urutu adaptada 3

Sua proteção blindada mostrou-se eficiente para os calibres empregados pela

força adversa (F Adv), que na sua maioria era 5,56 mm. A blindagem mostrou-se

eficiente também para o calibre 7,62mm. 11

10

Figura 5 – Proteção blindada do motorista 11

Desde o 1° Contingente viu-se a necessidade da utilização de sacos de areia

para aumentar a área de proteção nas escotilhas, diminuindo o efeito dos estilhaços

e dos tiros diretos. Sua eficácia pôde ser testada em diversas oportunidades. 11

Figura 6 – Utilização de sacos de areia na VBTP 11

No tocante à manutenção, essas viaturas apresentaram confiabilidade ímpar,

tendo índices de indisponibilidade muito pequenos. Como referência disso, um

Urutu rodava cerca de 33 km/dia (aproximadamente 1.000 km/mês), enquanto que

no Brasil, nas unidades de origem, essa média é de cerca de 1 km/dia.

O maior problema residia na reposição de pneus. Em 6 (seis) meses de

operações do 1º Contingente foram perdidos 46 (quarenta e seis) pneus que

11

ficaram irrecuperáveis, rasgados, principalmente devido às ações de desbloqueio de

vias.

Figura 7 - Viatura Urutu realizando desbloqueio de via. 10

b. Emprego das Comunicações

Em relação às Comunicações, seu emprego revelou-se fundamental em todos

os níveis. Porém, em ambiente urbano, a comunicação em módulo FM tornou-se

muitas vezes ineficaz, até mesmo em pequenas distâncias, tendo sido a telefonia

celular amplamente utilizada.

As ligações entre as patrulhas e suas bases ou entre viaturas distantes mais

de 8 km eram realizadas por intermédio de antenas repetidoras, que possuíam

abrangência e canais pré-selecionados para cada sub-região de Porto Príncipe. 3

As ordens eram transmitidas via rádio, por intermédio de ordens

fragmentárias (O Frag), conforme preconizado pelo Centro de Instrução de

Blindados (CI Bld). 5

Foram necessárias adaptações nas antenas dos rádios, para sua melhor

utilização no interior de Cité Soleil, bem como houve a necessidade de revisão do

sistema de intercomunicação das viaturas. 13

As viaturas blindadas possuíam ainda um sistema de localização por satélite

que possibilitava ao C Com do Esqd Fuz Mec saber a posição exata do blindado em

qualquer ponto da Área Operacional de Responsabilidade (AOR) do batalhão. 3

12

c. Instrução e Adestramento

As guarnições dos blindados, provenientes de unidades de cavalaria

mecanizada, souberam tirar o máximo proveito das características do material em

todos os seus aspectos táticos, demonstrando a eficácia do adestramento executado

nas OM operacionais do Exército Brasileiro.

Como oportunidade de melhoria, verificou-se a necessidade do treinamento

dos motoristas em direção escotilhada (escotilha fechada), o que muitas vezes é

negligenciado nos exercícios. Da integridade física do motorista depende a

segurança de toda a guarnição. 5

A carência de motoristas, por vezes, apontou para uma apertada escala de

serviço. Dessa forma, identificou-se a necessidade de que outros militares, do

próprio GC, fossem também habilitados a dirigir blindados, uma vez que o intenso

ritmo de missões e o estresse resultante impunham uma demanda grande na escala

de condutores de VBTP.

d. Emprego Tático

A formação de forças-tarefa subunidade revelou-se bastante eficaz. A

situação demonstrou a aptidão dos Pel Fuz Mec para operações de combate às

forças adversas em cenário urbano. 14

Observou-se que os blindados transportavam a tropa com segurança e

ampliavam-lhe a capacidade de concentração e dispersão em curto espaço de

tempo, favorecendo seu emprego no local e hora que fosse mais adequada ao

cumprimento da missão. 14

Embora houvesse dificuldades e riscos, o patrulhamento a pé constituía em

um excelente complemento ao patrulhamento mecanizado, pois projetava a tropa no

interior da zona de ação, dificultando o homizio de forças adversas e restringindo-

lhes o movimento. 5

Além disso, o deslocamento a pé aumentava a visibilidade de nossos

soldados, contribuindo para o aumento da sensação de segurança da população

haitiana e para a obtenção de dados de inteligência necessários às operações

da tropa. 5

Durante os deslocamentos, para aproveitar melhor a proteção blindada das

VBTP, era utilizado o seguinte dispositivo: uma Vtr para realizar a segurança à

frente, outra para a retaguarda, mantendo-se a tropa a pé se deslocando entre as

13

Vtr, realizando a progressão ponto-a-ponto (uma técnica de progressão).

Permaneciam embarcados os atiradores de Mtr MAG, mais um militar por Vtr para

realizar a segurança das construções mais altas (lajes). 11

Figura 8 – Uso da proteção blindada das VBTP 10

É importante ressaltar que essas operações criaram condições para o

desenvolvimento de uma doutrina militar que contemplasse as técnicas de

intervenção de tropa em conflitos de baixa intensidade. Para tanto, cada contingente

vem apresentando significativa contribuição. 14

CONCLUSÃO

Este artigo teve por objetivo levantar os principais ensinamentos colhidos para

a Cavalaria Mecanizada Brasileira quanto à atuação em ambiente urbano, com base

na atuação de nossa tropa na MINUSTAH.

Como o assunto é extenso e ainda pouco explorado em nossa doutrina, não

se pretende, de forma alguma, esgotá-lo. Muitos outros aspectos cabem ser

estudados, bem como os aqui apontados, requerem aprofundamento, servindo de

estímulo para pesquisas futuras.

Além disso, como a missão ainda não tem um prazo definido para seu

término, novos ensinamentos estão sendo e ainda serão adquiridos pelas tropas que

constituem o Esquadrão Mecanizado no Haiti.

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Buscou-se, antes de tudo, despertar o interesse de análise e de reflexão

sobre o emprego de frações de cavalaria mecanizada em operações urbanas – o

inexorável campo de batalha de nossos dias.

Em todos os depoimentos e experiências estudadas, observou-se que o Esqd

Fuz Mec tem sido uma peça de manobra fundamental para o Batalhão Brasileiro no

Haiti. Ele tem atuado como a ponta de lança nas diversas operações, destacando-se

pela sua Ação de Choque, Mobilidade, Flexibilidade e pelo seu grande poder

dissuasório.

Dessa forma, verifica-se que o emprego de blindados em missões dessa

natureza, além de factível, tornou-se imprescindível, conduzindo o pensamento da

Força Terrestre ao estabelecimento de uma doutrina de emprego atualizada e em

conformidade com o que é aplicado pelos demais exércitos.

AUTORES

Cap Cav Luiz Fernando Coradini. Possui os cursos de formação de oficiais de Cavalaria (AMAN, 2001); de especialização em Equitação, na Escola de Equitação do Exército (2008); realizou o Estágio Técnico de Leopard do CIBld (2005) e mestrado em Operações Militares (EsAO, 2010). Foi instrutor do Curso de Cavalaria da AMAN no período de 2005 a 2007. Atualmente está concluindo o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais na EsAO.

Maj Cav Carlos André Maciel Levy. Possui os cursos de formação de oficiais de Cavalaria (AMAN, 1995); de especialização em Educação Física pela Escola de Educação Física do Exército (1998); realizou o Estágio Tático de Blindados do CIBld (2005) e mestrado em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (2003). Atualmente é instrutor do Curso de Cavalaria da EsAO.

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REFERÊNCIAS

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12. PEREIRA, A. H. R. Haiti – Um retrospecto da participação do Brasil. Revista Sangue Novo, AMAN, Resende, RJ, 2007.

13. SIMON, R. Missão haitiana vira teste para Brasil. Disponível em: < http://www.forte.jor.br/2010/01/24/missao-haitiana-vira-teste-para-brasil/>. Acesso em: 22 out 2010.

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14. GEOVANINI, C. A. Emprego de Blindados no Haiti – “Operação Liberté”. Revista Ação de Choque Nr 8, 2009.