o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o...

16
o EMPRESÁRIO E A INFLAÇAO BRASILEIRA RAIMAR RICHERS Se fôr aceitável a hipótese de que nosso industrial considera a inflação como algo inevitável ou até ne- cessário, é lícito afirmar-se que sua influência sôbre- o processo de desvalorização monetária seja consi- derável. Desde o mais modesto dos operários ao mais influente dos homens públicos, a inflação atinge e aflige a nação brasi- leira. É ela o mais "sentido", discutido e controvertido dos fenômenos de ordem econômica. Nestas condições, qualquer tentativa de análise fria e ob- jetiva da inflação é fàcilmente dificultada pelos efeitos que o aviltamento da moeda produz no âmbito de nossas atividades, experiências e perspectivas pessoais. Ademais, não dispomos de elementos que possam servir de padrão. para medir o grau de influência que ela exerce sôbre o desenvolvimento econômico do Brasil, pois pràticamente desconhecemos situações em que o país tivesse progredido consideràvelmente na ausência de inflação. Sabemos, ape- nas, da possibilidade de haver coexistência entre uma ele- vada taxa de crescimento econômico e um alto grau de depreciação monetária. Ao que parece, a opinião pública brasileira e, particular- mente, a da classe empresarial, tem sido grandemente in- fluenciada por essa coexistência, a ponto de atribuir o RAIMAR RICHERS - Professor-Adjunto, Departamento de Mercadologia, e Chefe do Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de- Emprêsas de São Paulo.

Transcript of o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o...

Page 1: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

o EMPRESÁRIOE A INFLAÇAO BRASILEIRA

RAIMAR RICHERS

Se fôr aceitável a hipótese de que nosso industrialconsidera a inflação como algo inevitável ou até ne-cessário, é lícito afirmar-se que sua influência sôbre-o processo de desvalorização monetária seja consi-derável.

Desde o mais modesto dos operários ao mais influente doshomens públicos, a inflação atinge e aflige a nação brasi-leira. É ela o mais "sentido", discutido e controvertido dosfenômenos de ordem econômica.Nestas condições, qualquer tentativa de análise fria e ob-jetiva da inflação é fàcilmente dificultada pelos efeitosque o aviltamento da moeda produz no âmbito de nossasatividades, experiências e perspectivas pessoais. Ademais,não dispomos de elementos que possam servir de padrão.para medir o grau de influência que ela exerce sôbre odesenvolvimento econômico do Brasil, pois pràticamentedesconhecemos situações em que o país tivesse progredidoconsideràvelmente na ausência de inflação. Sabemos, ape-nas, da possibilidade de haver coexistência entre uma ele-vada taxa de crescimento econômico e um alto grau dedepreciação monetária.Ao que parece, a opinião pública brasileira e, particular-mente, a da classe empresarial, tem sido grandemente in-fluenciada por essa coexistência, a ponto de atribuir o

RAIMAR RICHERS - Professor-Adjunto, Departamento de Mercadologia, eChefe do Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de-Emprêsas de São Paulo.

Page 2: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

32 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

progresso econômico dos últimos anos à incidência da in-flação. Isto, por sua vez, deve ter contribuído substancial-mente para modificar as atitudes do empresário, de modoa influenciar o próprio processo inflacionário.

Propomo-nos, neste artigo, a analisar esta atitude, ba-seando-nos em resultados parciais de uma pesquisa re-cente (1) a fim de demonstrar que nosso administradorde emprêsas constitui um elemento-chave na evoluçãodo processo inflacionário brasileiro e que êste poderia sersubstancialmente modificado, caso o administrador se dis-pusesse a reavaliar sua atitude e ação direta sôbre o mer-cado.

ADVERSÁRIOS ...

No Brasil, a inflação tem encontrado defensores dos maisentusiastas e críticos dos mais severos, inclusive entre oseconomistas profissionais. Esta divergência de interpreta-ções tem certamente contribuído para confundir a opiniãopública, a ponto de permitir a abertura de caminhos fran-camente desfavoráveis aos interêsses econômicos e sociaisdo país.

Se se fizesse um levantamento estatistico das opiniões degrandes economistas a respeito da inflação, notar-se-ia,provàvelmente, que apenas um número restrito de peritosse declara a seu favor, sobretudo nos países altamenteindustrializados. Também para os governos dêsses paísesa prevenção dos efeitos da depreciação monetária repre-senta um princípio inabalável da política financeira, po-dendo, para tal, contar com o apoio da grande maioria

(1) Conduzida entre executivos de 136 indústrias brasileiras, visando ainvestigação dss opiniões e atitudes do empresário quanto à ação do govêrnono tocante ao desenvolvimento econômico. O trabalho foi contratado pelo"Center for International Affairs" da Universidade de Harvard e realizado porum grupo de professôres da Escola de Administração de Emprêsas de SãoPaulo sob coordenação geral do autor e coordenação técnica do ProfessorClaude Machline. Dentro em breve serão publicados os resultados gerais doinquérito. Alguns pormenores sôbre a metodologia utilizada neste projetopoderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas ,

Page 3: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

R.A.E./4 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO 33

da população. Nestas condições, não nos causou surprêsao fato de que muitos dos executivos de companhias norte--americanas, consultados em um inquérito paralelo ao nos-so e realizado nos Estados Unidos, tivessem apontado ainflação como o principal obstáculo às operações de em-prêsas subsidiárias no Brasil. ( 2 )

Contràriamente àquilo que se observa no Exterior, as opi-niões de nossos economistas sôbre os efeitos da inflaçãoestão bastante divididas. Para EUGÊNIO GUDIN, por exem-plo, o combate à inflação sempre significou um - senãoo principal - marco de sua longa carreira profissio-nal. (3) Já CELSO FURTADO argumenta, com igual bri-lhantismo, a favor dos "dois lados do processo inflacioná-rio". (4)

O que mais impressiona nestas discussões é o fato de queos adversários e partidários da inflação operam pràtica-mente com os mesmos argumentos, apenas dando-lhes in-terpretações diversas. Em essência, êsses argumentos gi-ram em tôrno de dois aspectos: um relacionado com aformação de capitais, outro com os efeitos sociais da in-flação.Os adversários da inflação alegam ser ela prejudicial aodesenvolvimento econômico, por desencorajar a poupança,desanimar o investimento estrangeiro, distorcer os inves-timentos domésticos (a favor de estoques e/ou imóveisem vez de bens de produção) e encorajar a fuga de capi-tais. (5) Como efeito secundário, êstes obstáculos à for-mação de capital provocariam uma redistribuição da ren-da nacional a favor da classe alta, prejudicando a classemédia e o operariado, o que intensificaria o processo de

('2) L. Gordon, "Incentivos aos Investimentos Americanos no Brasil",Revista de Administração de Emprêsas, voI. 1, n.? 3, F. G. V., janeiro fabril 62.(3) Vide sobretudo: E. Gudin, Inflação, Crédito e Desenvolvimento, livrariaAgir Editôra, Rio de Janeiro, 1956.(4) C. Furtado, Formação Econômica do Brasil. Editôra Fundo de CulturaS.A., Rio de Janeiro, 1959, capítulo xxxv.(5) G. Haberler, "Inflation and Economic Development", em: Contribuiçõesà Análise de Desenvolvimento Econômico, Livraria Agir Editôra Rio de J aneiro, 1957, págs. 177, 187. '

Page 4: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

34 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

despoupança, além de provocar o intervencionismo esta-tal, o contrôle de preços e a corrupção política e moral .

... E PARTIDÁRIOS DA INFLAÇÃO

A maioria dos adeptos da inflação não nega que esta possaproduzir alguns dêsses efeitos ou mesmo todos êles. Ale-gam êles, contudo, que isto traria benefícios à economia,particularmente quando há uma baixa formação de capi-tal a obstruir o desenvolvimento. Acima de tudo, a inegá-vel redistribuição e maior concentração da renda nacionalna mão dos empresários provoca efeitos semelhantes àpoupança forçada, por uma ou mais das seguintes razões:(a) a propensão marginal a poupar e investir cresce como aumento da renda dos empresários, porque as pessoasmais ricas tendem a utilizar uma taxa crescente de suarenda em investimentos e uma taxa inferior no consumo,sempre que seus rendimentos sejam incrementados; (b)o receio de perder a "substância" de seus rendimentos emdinheiro leva os indivíduos a aplicá-los o mais ràpidamen-te possível em bens reais, o que aceleraria o processo deinvestimentos; (c) as expectativas de um considerávelrendimento do capital aplicado em inversões aumentacom a inflação, pois enquanto os preços dos bens sobeme o dinheiro se desvaloriza, conservar-se-ia o valor real dosinvestimentos.

Muitos dos partidários da inflação admitem, também, quea desvalorização monetária e a redistribuição da rendaseja prejudicial às classes média e operária. Na sua opi-nião, contudo, êste efeito seria apenas de ordem passa-geira, pois com a aceleração dos investimentos, aumenta-ria também a procura pela mão-de-obra, da qual a grandemaioria da população poder-se-ia beneficiar a médio oulongo prazo.Cabe acrescentar, ainda, que dentre os autores que advo-gam a inflação, vários apontam um - ou ambos - dosseguintes argumentos limítrofes: (a) a desvalorizaçãomonetária deve ser restrita a um nível máximo (corres-

Page 5: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO 35R.A.E.j4

pondente a mais ou menos 5% anuais); e (b) o processoinflacionário deve ser combatido logo que o país consigaformar capital por meios não artificiais, ou seja, por inter-médio da poupança popular.

o DILEMA DO EMPRESÁRIO .

Várias tentativas foram feitas para comprovar a validezdessas duas teses. (6) Infelizmente, porém, nada de real-mente convincente foi até hoje publicado no Brasil sôbretão discutida matéria. Em última análise, os dados sãocoligidos e interpretados em função de uma opinião pre-estabelecida.Face a esta controvérsia; o empresário é colocado diantede um dilema: de um lado, os peritos não lhe podem for-necer uma resposta precisa sôbrea melhor atitude a to-mar; de outro, é forçado; devido à própria natureza de suafunção social, a integrar-se .no campo econômico, inclusiveno sentido de exercer uma influência no desenrolar doprocesso inflacionário.

O que fará êle nestas condições? Evidentemente aquiloque prometetrazer os maiores benefícios à sua emprêsa.Se acreditar que a inflação produz efeitos posit~V'~~,}tlcen-tiva-la-á, conscientemente ou não, por exemplo, ao pro-curar um máximo de créditos alheios, inclusive para adqui-rir bens e matérias-primas em quantidades superiores 'àssuas necessidades imediatas de produção. Se, ao rcon-trário estiver convencido de que a inflação trará malesà sua organização, suas decisões administrativas. terão umcaráter diferente. Por exemplo: êle entrará em contatocom seus concorrentes a fim de propor uma política mode-rada de elevação de preços para seu ramo de atividade.

Disto tudo se pode concluir que, a opinião e .atitúdedenosso administrador de emprêsas quanto à inflaçãoe seusefeitos exercem uma influência considerável sôbre a natu-

(ti )ComÔ"' exemplo 'de recente' publicação, citamos: 'Conjuntura Econômica,"Inflação e 'DesenvolvimentbEcon6rriico'\' Furidacão'<Getúlio Vargas ano XVn.? 4, Rio de Janeiro, abril 196t,:págs:45'~S2i . ," ' •

Page 6: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

36 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

reza e intensidade do processo inflacionário. Ê naturalque esta influência não possa ser medida em têrmos exa-tos, pois impossível seria isolá-la de outros fatôres que,em conjunto, formam o processo. Todavia, da investiga-ção sôbre as correntes predominantes no pensamento doempresário, podemos inferir algo sôbre a participação dês-te no desenrolar da desvalorização monetária. A inclusãode uma seção sôbre inflação e desenvolvimento econô-mico no inquérito mencionado teve como objetivo primor-dial esclarecer êsse problema.

A ADAPTAÇÃO À INFLAÇÃO

No inquérito em questão, a primeira pergunta referenteao problema inflacionário foi assim formulada: "A suaemprêsa tem procurado adaptar suas atividades aos efei-tos da inflação monetária?" Como era de esperar, a grandemaioria dos empresários consultados (89 %) respondeuafirmativamente à pergunta. Menos previsíveis eram asrespostas sôbre a forma na qual esta adaptação se realiza-va. (Vide Quadro 1.)

QUADRO 1: FORMA DE ADAPTAÇÃO À INFLAÇÃO

Respostas Freqüência C-'/0

29 26

25 2213 11

12 1112 11

8 7

7 6

4 33 3

Totais 113 100

Reajustando preços(além de outras medidas)

Reajustando preços(única medida mencionada)

Racionalizando para diminuir custos(única medida mencionada)

Procurando novas f'ontes de capital(única medida mencionada)

Várias medidas conjugadasRestringindo o capital em giro ou caixa

(única medida mencionada)Convertendo dinheiro em investimentos

(única medida mencionada)Adotando política de estoques condizente com inflação

(única medida mencionada)Outros fatôres mencionados isoladamente

NOTA: Do total de 136 respondentes, 23 não foram incluídos neste quadro,seja porque responderam "não" à pergunta anterior, ou porque suaresposta foi considerada insatisfatória.

Page 7: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

R.A.E./4 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO 37Ao analisar-se os dados do Quadro 1 e, particularmente,as respostas constantes dos próprios questionários, obtém-se a impressão que os respondentes tendem a interpretara pergunta de duas maneiras diversas. Há os que a enten-dem no sentido de prevenção ou defesa contra os efeitosda inflação, enquanto outros no de uma solicitação paraexplanar de que forma a emprêsa procurou tirar proveitodo processo inflacionário ou, ao menos, acomodar os efei-tos negativos da inflação transformando-os em armas ad-ministrativas. Isto talvez explique porque apenas cêrcade 40% mencionaram especificamente o reajustamentodos preços, medida de adaptação sem a qual nenhumaemprêsa nacional teria conseguido sobreviver nestes úl-timos anos. Aparentemente, o reajustamento era tão evi-dente para muitos dos entrevistados, que sua menção pa-recia supérflua.

Além do reajuste de preços, as seguintes medidas forammencionadas com maior freqüência como meio de adap-tação:

A . A racionalização das operações, ou, nas palavras deum dos respondentes, "procurando racionalizar e mecani-zar a produção, padronizar o mais possível, simplificandoos processos de produção, comprando pelo melhor preço,tentando reduzir os fretes - enfim, procurando semprediminuir os custos". Outros acrescentaram a êste racio-cínio o esfôrço de diversificar, de controlar os custos pormeio de contabilidade especializada, de aprimorar o siste-ma de previsão e orçamento ou de compensar preços maiselevados por qualidade superior.

B. O reestruturamento do capital, seja por meio da rea-valiação do ativo. da incorporação de lucros, da subscriçãode novas ações ou da procura e obtenção de financiamen-tos a longo prazo.

C. A ampliação da linha de crédito e/ou restrição docapital em giro, a fim de suprir a escassez de meios a curtoprazo.

Page 8: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

38 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

D. A conversão dos meios disponíveis em investimentosreais, tais como maquinaria ou instalações, a fim de con-servar ou incrementara substância do capital.

E. .'A manipulação de estoques. sobretudo no sentido deconservar elevados os estoques de matérias-primas e bai-xos os de produtos' acabados.

F . A adatapção da política salarial, a fim de conservaro melhor nível de empregados sem privara emprêsa dasreservas financeiras em moeda corrente.

OS EFEITOS DA INFLAÇÃO

Em uma segunda seção, o questionário procurou investigaras opiniões dos empresários sôbre os efeitos da inflação.Inicialmente, perguntou-se: "Na sua opinião, a inflaçãomonetária tem influenciado o desenvolvimento econômicodo país?" Mais uma vez, a grande maioria dos respondentes(75% ), deu uma resposta afirmativa. Verificou-se, con-tudo, que apenas um número restrito tinha opinião cate-górica quanto à forma ou intensidade dessa influência.A grande maioria qualificou as respostas. procurando de-monstrar que a inflação, quer seja essencialmente positivaquer negativa para o desenvolvimento, apresenta aspectosque contrabalançam ou compensam o impacto básico.(Para um resumo das respostas vide Quadro 2).

QUADRO 2: INFLUENCIA INFLACIONÁRIA SÔBRE DESENVOL-VIMENTO

-----Freqüência %

72 53

33 24

6 5

25 18

136 100

Respostas

Predominantemente positiva

Predominantemente negativa

Parcialmente positiva e negativa

Sem resposta

Total .

Page 9: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

R.A.E.j4 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO 39

Ao verificar esta tendência, procedemos a uma análise mi-nuciosa de todos os questionários, donde chegamos aosseguintes resultados:

A. Os fatôres positivos superam em cêrca de 30% osfatôres negativos; e

B. Uma elevada proporção dos respondentes alegou tersido excessiva a taxa inflacionária no Brasil e que o malda inflação consiste mais neste excesso do que no fenô-meno em si.Além destas duas tendências básicas, o estudo revelouuma série de outros aspectos específicos, sobretudo quantoà forma pela qual a inflação tem influenciado o desen-volvimento .Dentre as opiniões que salientam uma relação favorávelentre inflação e desenvolvimento. cabe destacar:

A. O estímulo à produção e ao consumo. Citamos umindustrial que, de maneira precisa, expressa o pensamentopresente nas declarações de muitos de seus colegas: "Odinheiro é como batata quente: na época da inflação nin-guém quer tê-lo em mão; isto leva a novas aplicações pelaprópria emprêsa, concorrendo para um maior desenvolvi-mento." Enquanto êste tipo de manifestação frisa o as-pecto empresarial, outros industriais vêem o estímulo maisdo lado do consumidor, ao afirmar, por exemplo, que ainflação gera "um aumento nas rendas de tôda espécie,criando uma ampliação da procura, que, por sua vez, pro-voca um incremento das atividades produtoras".

B. A maior movimentação de capitais. Êste fator estáintimamente ligado ao acima mencionado, destacando-senêle, contudo, o aspecto financeiro. Na opinião de algunsdos entrevistados, a inflação propagou o acúmulo de lucrosou promoveu maiores facilidades creditícias, o que deumargem a maiores investimentos. Isto não só permitiu aampliação do parque industrial existente, mas sobretudofacilitou a criação de novas indústrias ou até ramos indus-triais.

Page 10: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

40 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

C. Um número considerável de entrevistados declarouser a favor da inflação sem especificar porque ou como.Muitos afirmaram apenas que a inflação era "necessária","indispensável", ou que tinha "facilitado" o desenvolvi-mento.

Dentre as reações predominantemente negativas, cumpredestacar:

A . A falsa euforia, desconfiança e insatisfação. Repre-sentativa dêste tipo de opinião é a seguinte afirmação deordem genérica: "Tôda instabilidade gera preocupações erestrições que abalam a confiança em novos empreendi-mentos." Dentro do mesmo espírito, alguns entrevistadosafirmaram que a inflação cria dinheiro fictício, abre o cam-po para desonestidade e especulação, "freiando as fôrçaseconômicas sadias", com um "efeito muito mais desastrosodo que a última guerra" por ter "corrompido o sistema po-lítico e concorrido para a degradação dos costumes".

B . Os efeitos sociais. Não são poucos os industriais queconsideram a inflação uma injustiça social. Um dêles afir-mou: "São desastrosos os efeitos nas classes menos favo-recidas que são roubadas diàriamente sem saber porque,enquanto os homens de emprêsa podem defender-se e atélucrar com a inflação."

C. Também entre os adversários da inflação houve vá-rios que se declararam contra ela sem oferecer uma razãoprecisa.

Cabe, ainda, fazer-se uma referência à freqüente mençãosôbre o "exagêro" da taxa inflacionária presente na econo-mia brasileira. Quer o industrial seja bàsicamente a favorda inflação, quer seja contra ela, para muitos o problemaprincipal consiste no excesso de sua taxa. Esta, na opiniãode vários respondentes, não deveria passar de 2% a 10%ao ano, sendo que "uma inflação da ordem de 5% ao anoé salutar, pois estimula o empresário".

Page 11: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

R.A.E./4 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO 41

A INFLAÇÃO COMO COMPORTAMENTO DE GRUPOS

Ao conjugar as considerações iniciais de natureza genéricae os resultados do inquérito realizado, podemos notar quecertos paralelos se tornam evidentes. Para sintetizá-los,recorreremos a uma teoria alheia.

Em sua obra intitulada "Inflation", PAUL EINZIG cita dozecausas da inflação. (7) Tôdas elas são de natureza mo-netária. Há, contudo, outras origens: entre elas as deordem estrutural (8) e as de ordem psicológica. Para es-tas últimas é que desejamos chamar a atenção. Entre osautores que têm defendido a tese psicológica, se destacaA. AFTALION. Mais recentemente, FRANÇOIS PERROUX eHENRI AUJAC têm procurado reviver a tese, baseando-seem novas pesquisas econômicas e sociais.

Em síntese, AUJAC argumenta que "a inflação é o resultadodo comportamento de grupos sociais" (9), ou, mais exa-tamente, da maneira pela qual um determinado grupo rea-ge a uma alteração no comportamento de um outro gru-po. Simplificando um pouco o raciocínio do autor, sem,contudo, prejudicar a essência de sua idéia, podemos exem-plificar: suponhamos que, em dada época e num dadopaís, todos os grupos sociais aceitem (voluntàriamente ounão) suas condições de vida e, por conseguinte, as rela-ções monetárias existentes. De repente, no entanto, ogovêrno resolve impor um nôvo impôsto aos empresários.Se êstes aceitarem esta imposição, reduzindo, digamos, seuslucros e seu consumo e se o govêmo aplicar em obras pú-blicas o excesso de arrecadação (para compensar a reduçãona demanda de bens de consumo), não haverá uma alte-ração no nível de preços, apenas uma redistribuição da ren-da. Por outro lado, se os empresários resolverem imedia-

(7) Paul Einzig, lnilation, Chatto and Windus, Londres, 1952, pág, 24.(8) Exemplo: uma greve em indústria de base produz uma escassez de bensde produção que, temporàriamente, provoca a paralisação de indústrias detransformação, causando uma alta nos preços por motivos não monetários.(9) Henri Aujac, "Inflation as the Monetary Consequence of the Behaviourof Social Groups: A Working Hypothesia", lnternational Economic Papers,n.? 4, MacMilIan, Londres, Nova York, 1954, pág. 110.

Page 12: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

42 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

tamente aumentar os preços de seus produtos, (10) a in-flação será inevitável, sobretudo se existir uma defasagementre o aumento dos preços dos bens de consumo e dospreços da construção das obras públicas. Por êste racio-cínio, (11) AUJAC conclui que "a inflação surge em con-seqüência da tentativa de grupos de modificarem o cará-ter de compatibilidade entre comportamentos que é deter-minado por relações monetárias". (12)

Para efeito do presente estudo, menos importa se a teoriade AUJAC consegue dar uma explanação inteiramente sa-tisfatória sôbre as origens da inflação, do que duas infe-rências que dela podemos tirar. A primeira é a de quequalquer medida de ordem monetária ou estrutural quedê início ou impulso a um processo inflacionário é prece-dida por uma atitude de um grupo. E a segunda é queesta atitude domina a intensidade com que a inflação éprovocada ou difundida numa economia.

Em outras palavras, quando os grupos sociais de maiorinfluência na estrutura econômica de um país resistemà idéia da inflação, suas ações farão com que esta não surjaou não se expanda. Se, ao contrário, êles a aceitam de bomgrado, seu comportamento acelerará o processo inflacio-nário.

Que esta última atitude é comum a muitos dos industriaisficou patente nas respostas ao nosso inquérito. Vários em-presários afirmaram que a inflação constitui "um mal ne-cessário", particularmente quando se trata de desencadearfôrças e recursos naturais, provocar "o impulso inicial" ou,como um dêles disse, "para encher o balão de ar".

(10) Cabe salientar que, na prática, os empresários só poderão aumentar ospreços de seus produtos, sem sofrer uma retração considerável das quantidadesprocuradas, se a procura dêstes bens fôr inelástica. Isto comprova que a rea-lidade é mais complexa do que o exemplo demonstra, mas não altera o prin-cípio que procuramos ilustrar.

( 11) Os exemplos de Aujac são mais complexos, mas acreditamos que nossailustração tenha, com fidelidade, reproduzido o pensamento central do autor.

(12) Aujac, op. cit .• pág. 123.

Page 13: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO 43R.A.E.j4

FATÔRES DE ACELERAÇÃO DO PROCESSO INFLACIONÁRIO

Será exagêro afirmar que os resultados do inquérito reve-lem, com precisão, até que ponto o industrial brasileiroaceita o processo inflacionário como algo fatal e, sobre-tudo, de que maneira essa aceitação vem influenciandosuas decisões administrativas. Apenas .uma análise bemmais ampla, partindo de uma amostra mais representa-tiva do meio empresarial e, sobretudo, operando com osinstrumentos da pesquisa motivacional, poderá demons-trar quão profundamente enraigada em nosso empresárioestá a crença na inevitabilidade das fôrças inflacionárias.Por outro lado, porém, o inquérito nos fornece indícios sô-bre algumas das atitudes que o empresário toma face aesta situação.Acima de tudo, o empresário parece estar dominado poruma expectativa de continuidade do processo, que SE re-flete, particularmente, nas suas decisões quanto: (a) àdeterminação de preços; (b) ao financiamento a curtoe longo prazo das operações; (c) ao sistema de vendas e(d) à política de rotação de estoques.

Dos fatôres acima citados, o mais óbvio é o primeiro, poisé natural que os empresários em épocas inflacionárias pro-curem sempre deter.minar preços que lhes assegurem umamargem capaz de cobrir a reposição dos fatôres de pro-dução, além de uma taxa normal de lucros. O que é menosóbvio, porém, se bem que humano, é que o industrial es-pecule com a inflação, acrescentando margens aos seuspreços que dificilmente poderão ser justificadas pela taxainflacionária corrente, particularmente quando opera emum mercado vendedor no qual a procura excede a ofertaglobal do produto, o que ainda se dá com muitos dos nos-sos bens. Onde êsse fôr o caso, é lícito afirmar-se que aprópria política de preços das emprêsas em questão con-tribui para a aceleração do ritmo inflacionário.

Como nossa inflação é acompanhada por uma constanteescassez de recursos financeiros de fontes externas à em-prêsa, o dirigente financeiro é colocado em uma situaçãoparticularmente crítica dentro da emprêsa. Para poder

Page 14: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

44 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

assegurar continuidade de operações e uma possível ex-pansão, muitos empresários se vêem obrigados a recorrera uma série de medidas para obtenção de meios que, sobcondições normais, seriam, por êles mesmos, consideradosprejudiciais, senão à emprêsa, pelo menos à nação comoum todo. A sonegação de impostos ou a não observânciade algumas das leis bancárias constituem exemplos quepesam nos orçamentos federal, estaduais e municipais, cagravam a pressão inflacionária, mas, por outro lado, re-presentam, inegàvelmente, fontes substanciais para o fi-nanciamento de subsistência ou expansão.

As vendas a prazo constituem, provàvelmente, outro fatorde aceleração da depredação monetária, não pelo sistemaem si, pois êste estimula o processo de produção e, porconseguinte, o desevolvimento, mas pelo exagêro dos pra-zos e das sobretaxas, calculados à base de uma futura des-valorização já prevista com uma margem de "segu-rança" .

Talvez o melhor exemplo de que a corrida inflacionárianão beneficia nem comprador nem vendedor é a políticade estoques, comum a muitas emprêsas, que determina se-jam conservados estoques de matérias-primas em um má-ximo e de produtos acabados em um mínimo, a fim deproteger-se a emprêsa contra futuras altas do materialde reposição e, ao mesmo tempo, assegurar o capital degiro essencial à continuidade das operações, Faz isto, con-tudo, com que a procura de matérias-primas seja incre-mentada além das reais necessidades de produção, o que,evidentemente, se reflete em preços mais altos, tanto parao produtor quanto para o consumidor final.

Esta ilustração dos fatôres de aceleração do processo in-flacionário poderia parecer parcial sem a menção a ou-tros fatôres, que também estão implícitos nas entrevistasrealizadas, e que vieram demonstrar que a presença dainflação teve, igualmente, repercussões antiinflacionáriasnas emprêsas analisadas. Entre êstes fatôres destacam-sedois: (a) a ansiedade de alguns empresários de reaplicaros lucros obtidos em novos empreendimentos; e (b) o de-

Page 15: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

R.A.E.j4 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO 45

sejo de muitos de racionalizar as operações. Perguntamo-nos, todavia, se êstes fatôres, por refletirem mais umacondição de espírito do real empresário do que uma ati-tude de precaução, não estariam presentes também na au-sência de inflação.

CONCLUSÕES

Ao encerrarmos êste trabalho corremos o risco de cair namesma armadilha para a qual procuramos chamar a aten-ção do leitor no início: a de sobrepor às nossas conclusõeso conceito pessoal que fazemos da inflação: que ela éintegralmente maléfica; ou que nos beneficia a todos.Contudo, não deve ser nosso propósito acrescentar apenasmais uma opinião subjetiva à infinidade de outras opiniõesjá existentes.

Acima de tudo, cabe reconhecer que ainda não foram en-contradas provas definitivas sôbre se a inflação tem au-xiliado os países novos a superar o seu subdesenvolvimen-to, ou se ela tem criado obstáculos ao progresso econômicoe social. Há teorias a respeito, mas elas se contradizem.O fato é que o desenvolvimento pode ocorrer sem ou cominflação, talvez apesar dela (13) e só eventualmente de-vido a ela. O fato é, também, que simplesmente não exis-tem dados que demonstrem uma correlação precisa (istoé, matemática) entre os dois fatôres.

Quanto ao caso específico do Brasil, é inegável que naépoca de seu maior desenvolvimento observou-se tambéma mais acidentada taxa de inflação. Contudo, isto nãocomprova que deva existir uma relação de causa e efeitoentre os dois fenômenos. (14).

Fazendo-se, pois, a soma das teorias econômicas ou daanálise econométrica, chega-se mais ou menos ao ponto

(13) D. Nogueira, "A Incompatibilidade Inflação-Desenvolvimento", Revistade Administração de Emprêsa,s, voI. 1, n.? 1, F. G. V., maio/agôsto, 1961,pâgs. 65-78.(14) Isto, por sinal, ficou plenamente demonstrado pela experiência em outrospaíses latino-americanos ccmo o Chile ou a Bolívia, onde o processo ínflacíc-nário não foi acompanhado por um aumento substancial da renda real.

Page 16: o EMPRESÁRIO EA INFLAÇAO BRASILEIRA...poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Govêrno" no pre-sente número da Revista de Administração de Etnprêsas , R.A.E./4

46 EMPRESÁRIO E INFLAÇÃO R.A.E./4

zero, aquêle em que os "prós" e os "contras" se anulammutuamente, nada de definitivo revelando ao homem daprática que lhe possa servir de guia de comportamento ouação.

Na ausência de uma orientação profissional segura, tantoos homens públicos quanto os administradores de emprê-sas recorrem às suas próprias diretrizes, baseando-se emimpressões, experiências e, às vêzes, conveniências. Des-tarte, suas opiniões e atitudes revestem-se de uma impor-tância decisiva, particularmente se fôr verdadeira a hipó-tese de que o processo inflacionário se caracteriza mais porum conflito entre comportamentos grupais do que psr seusintoma externo, ou seja, a distorção monetária.

Disto deduzimos que a influência de nosso executivo in-dustrial sôbre o desenrolar do processo inflacionário é maisintensa do que revelam suas ações diretas designadas afazer face ao aviltamento da moeda, em parte porque suaatitude tende a aceitar a inflação como algo inevitávele em parte por ser esta atitude indício de um comporta-mento grupal que favorece o processo inflacionário. Pode-se disto chegar a alguma conclusão prática? Acreditamosque sim, no sentido de que o empresário, tanto como indi-víduo, quanto como membro de um grupo social, reavaliea importância e extensão da sua influência, a ponto depoder formular diretrizes capazes de controlar a naturezae intensidade do processo inflacionário.