O ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS NO BRASIL: DA … · A adoção do modelo quadripartite de História...
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 5795
O ENSINO DE ESTUDOS SOCIAIS NO BRASIL: DA SUA GÊNESE AOS ANOS DA DITADURA MILITAR (1930-1970)1
Thiago Rodrigues Nascimento 2
Introdução
Este trabalho se insere no conjunto de estudos que têm como temática principal a
constituição histórica das disciplinas escolares. Analisamos a configuração do ensino de
Estudos Sociais3 no Brasil, entre os anos de 1930 e 1970, considerando dois contextos
principais em que este foi discutido e/ou implantado. São privilegiadas as perspectivas
defendidas por Carlos Miguel Delgado de Carvalho, entre as décadas de 1930 e 1950, e por
Raimundo Valnir Cavalcante Chagas, um dos formuladores da política educacional dos anos
da ditadura militar (1964-1985)4. Apontamos alguns caminhos da pesquisa de doutorado que
vem sendo desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da PUC - Rio.
A proposta de “integração de conteúdos” não é recente no cenário educacional
brasileiro. Desde a década de 1930 ocorrem debates sobre o estabelecimento de grandes
“áreas de estudo” nos currículos escolares da educação básica, em substituição às disciplinas
específicas (História, Geografia, Ciências, dentre outras). Mais recentemente, nas discussões
sobre a Base Nacional Comum Curricular, o tema voltou ao debate. Diferentemente das
propostas anteriores, o documento é organizado em quatro áreas: Linguagens, Matemática,
Ciências Humanas e Ciências da Natureza. Para os seus formuladores, “tal organização visa
superar a fragmentação na abordagem do conhecimento escolar pela integração e
contextualização desses conhecimentos, respeitando-se as especificidades dos componentes
curriculares que integram as diferentes áreas” (BRASIL/MEC, 2015, p. 15). Os textos que
1 Bolsista Capes. Uma primeira versão deste texto foi apresentada no XXVIII Simpósio Nacional de História, realizado na cidade de Florianópolis, em 2015.
2Doutorando em Ciências Humanas, Educação, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista Capes. Mestre em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-Mail: <[email protected]>.
3 Ao longo do século XX teve diferentes denominações: “matéria escolar”, “disciplina optativa”, “disciplina”, “área de estudos”.
4 Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980) foi professor do Colégio Pedro II e catedrático de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia/Universidade do Brasil.
Raimundo Valnir Cavalcante Chagas (1921-2006) foi professor catedrático da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Ceará e, posteriormente, docente na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Atuou no Conselho Federal de Educação (CFE) entre 1962 e 1976.
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compõem o documento preconizam a integração em dois níveis: 1) entre as disciplinas que
compõem determinada área. 2) Entre as áreas.
A tentativa mais antiga, e talvez a mais combatida, de integração dos conteúdos, se
refere a das chamadas Ciências Humanas. Durante boa parte do século passado, educadores
e políticos defenderam que História e Geografia deveriam ser ensinadas no interior de uma
área de estudo denominada como Estudos Sociais, o que se tornou realidade, de forma
obrigatória, durante a ditadura militar. Deste modo, a memória mais recente sobre os
Estudos Sociais decorre do processo de luta contra a ditadura e sua política educacional
autoritária. No processo de oposição a esta "área de estudo", consolidou-se uma literatura
que tende a destacar os seus aspectos negativos, classificando-os, unicamente, como uma
“descaracterização das Ciências Humanas”. Afinal, o momento era de tomada de posição e de
defesa do ensino de História nas escolas. Entretanto, mesmo passados mais de 30 anos do
final da ditadura e luta pela extinção dos Estudos Sociais, tal abordagem permanece.
Tais trabalhos analisam os Estudos Sociais isoladamente ou como criação de
determinado período histórico – sobretudo, durante a ditadura – sem uma preocupação em
considerar os diferentes momentos pelos quais passou esta disciplina escolar. A partir dos
referenciais teóricos advindos da história das disciplinas escolares (CHERVEL, 1990;
BITTENCOURT, 2003) e da história do ensino de História, tencionamos compreender a
historicidade do ensino de Estudos Sociais na escola brasileira a partir da primeira metade
século XX. As principais fontes são os artigos, livros e pareceres escritos por Delgado de
Carvalho e Valnir Chagas.
Delgado de Carvalho e o ensino de Estudos Sociais
A estruturação do Imperial Colégio de Pedro II, criado em 1837, através do seu
primeiro Regulamento, em 1838, marcou a introdução da disciplina História no currículo
escolar brasileiro (NADAI, 1993, p. 144-145). Com forte influência eurocêntrica, sobretudo
francesa, os estudos históricos tinham como funções principais a construção do ideário de
Estado-Nação e da identidade comum do brasileiro. Era preciso escrever a História do Brasil,
independente, uma das tarefas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado
em 1838, e difundi-la por meio da educação e do ensino (LIMA E FONSECA, 2011, p. 46). A
instrução, sob os anos do Império, era para poucos. Uma das preocupações primordiais era
com a formação das elites dirigentes. Em relação ao ensino secundário, o Colégio Pedro II se
tornou a “escola modelo”, padrão a ser seguido pelas outras.
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A adoção do modelo quadripartite de História – Antiga, Medieval, Moderna e
Contemporânea –, vigente até os dias atuais, e a leitura de manuais franceses, traduzidos ou
não, caracterizava um ensino que tencionava se aproximar da Europa, sinônimo de progresso
e civilização. A cronologia privilegiava os acontecimentos políticos, grandes homens e suas
biografias. Para Lima e Fonseca (2011, p. 50), “não se pode afirmar, a rigor, que o advento da
República alterou a essência do ensino de História, no que diz respeito às concepções
predominantes neste campo de conhecimento”. Entretanto, novos heróis foram adicionados
ao panteão nacional e a ênfase foi posta na “formação do cidadão adaptado à ordem social e
política vigente”, bem como no estímulo “aos sentimentos patrióticos”. Para além das elites,
era imprescindível incorporar outros segmentos da sociedade à escola e a instrução
elementar. O ensino da História era visto como um dos instrumentos para a conformação
social e cultural (LIMA E FONSECA, 2011, p. 45). A aprendizagem se dava, prioritariamente,
pela memorização.
A historiografia educacional aponta para a longevidade deste modelo, que, com
algumas alterações, predominou por grande parte do século XX (NADAI, 1993; CAIMI, 2001;
LIMA E FONSECA, 2011). Isso não significa, conforme argumenta Nadai (1993, p. 152), que
não tenham surgido vozes discordantes defendendo outras “possibilidades de se ensinar
História”. As décadas de 1920 e de 1930 foram ricas nesse sentido. A crítica se concentrava,
por exemplo, no enciclopedismo dos programas, na memorização excessiva e na não
articulação das questões históricas com a realidade do educando. O contexto é o das reformas
educacionais – regionais e nacional, criação da Associação Brasileira de Educação (ABE),
ampliação da divulgação dos ideais da Escola Nova no país, constituição de um sistema
nacional de ensino e de criação das universidades e cursos de formação de professores para o
ensino secundário. Foi neste cenário que, pelas mãos de Anísio Teixeira e Delgado de
Carvalho, surgiu à primeira proposta de ensino de Estudos Sociais no Brasil. As discussões
tiveram como objetivo, a partir da experiência norte-americana, introduzir novas
metodologias de ensino.
Os pesquisadores norte-americanos defendem – embora salientem que as origens
remontam ao século XIX – que os Estudos Sociais se institucionalizaram na escola
secundária dos Estados Unidos a partir da publicação, em 1916, do relatório intitulado The
Social Studies in Secondary Education (“Os Estudos Sociais na escola secundária”, em livre
tradução). O documento faz parte dos trabalhos desenvolvidos pelo Committee on Social
Studies of the Commission on the Reorganization of Secondary Educaticn of the National
Education Association (“Comissão de Estudos Sociais para reorganização da educação
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secundária da Associação Nacional de Educação”, em livre tradução) (FALLACE, 2009;
NELSON, 1994). De acordo com Murry Nelson (1994, p. 77, livre tradução), este relatório
marcou “a utilização do termo Estudos Sociais, que não era de uso popular antes disso”. O
texto apresenta uma primeira definição do que são os Estudos Sociais: “assunto que se
relaciona diretamente com a organização e desenvolvimento da sociedade humana e ao
homem como membro de grupos sociais”. Os seus objetivos se ligavam ao “cultivo da boa
cidadania” (p. 88, livre tradução).
Importante observar que os membros da Comissão não tinham uma ideia fechada de
Estudos Sociais, abordando-os a partir de diferentes perspectivas disciplinares, e não
ofereceram contornos detalhados para o curso (FALLACE, 2009; NELSON, 1994), já que a
seleção dos temas e a organização do assunto deveria ser determinada em decorrência das
necessidades imediatas (NELSON, 1994, p. 88). Era um guia para formulação das propostas
dos diferentes estados. Em 1921, a Associação Nacional de Educação criou o National
Council for the Social Studies (NCSS) (“Conselho Nacional de Estudos Sociais”, em livre
tradução). Na década de 1930, foram publicados A Charter for the Social Sciences in the
schools (“A Carta das Ciências Sociais nas Escolas”, em livre tradução) (1932) e Conclusions
and recommendations of the Comission on The Social Studies of Association American
History (“Conclusões e recomendações da Comissão de Estudos Sociais da Associação
Americana de História”, em livre tradução) (1934). Documentos que delimitaram o ensino de
Estudos Sociais nos Estados Unidos e que inspiraram a discussão nas reformas brasileiras.
São conhecidas as viagens de estudo e trabalho, de Anísio Teixeira e Delgado de
Carvalho, aos Estados Unidos e a influência de John Dewey sobre seus trabalhos e escritos5.
No Brasil, “os Estudos Sociais foram introduzidos no currículo da escola elementar do
Distrito Federal na gestão de Anísio Teixeira, à frente do Departamento de Educação, da
Secretaria da Educação e Cultura do Distrito Federal” (NADAI, 1988, p. 04). Do mesmo
modo, tornou-se uma “matéria de ensino” da Escola de Professores do Instituto de Educação,
ficando a cargo da professora Maria dos Reis Campos (1932; 1937) 6. É de sua autoria o
Programa de Estudos Sociais, escrito em dezembro de 1935 e publicado em Arquivos do
5 Em trabalho anterior analisamos, exploratoriamente, a influência de Dewey sobre a constituição do ensino de Estudos Sociais no Brasil (NASCIMENTO, 2015).
6 Não foi possível encontrar muitas informações sobre a docente. Sabemos, no entanto, que teve atuação destacada a partir da gestão Fernando de Azevedo (1927-1930) e, posteriormente, na gestão Anísio Teixeira (1931-1935). Na década de 1930, atuou como inspetora escolar, chefe da Secção de Programas e Atividades Extra-classe, do Instituto de Pesquisas Educacionais, do Departamento do Educação, docente na Universidade do Distrito Federal e no Instituto de Educação. Por meio da Associação Brasileira de Educação e da Fundação Carnegie, visitou Nova York em finais da década de 1920. A partir desta experiência escreveu o artigo A Educação primária nos Estados Unidos, publicado no Boletim de Educação Pública em 1930.
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Instituto de Educação em 1937, e o livro Escola Moderna, de 1932, leitura base do curso. Seu
objetivo principal era fornecer aos professores "os conhecimentos e conceitos de ordem
técnica necessários ao ensino desta disciplina na escola primária" (CAMPOS, 1937, p. 229).
A preocupação do curso era possibilitar aos professorandos a compreensão do que
eram os Estudos Sociais, sua função na escola primária, as bibliografias e materiais didáticos
mais atuais, os métodos, dosagens do conhecimento (CAMPOS, 1937, p. 330). Na
organização da Escola de Professores, as “matérias de ensino” detinham posição central no
projeto de Anísio Teixeira7. De acordo com Sônia de Castro Lopes (2009, p. 52):
A importância dispensada às matérias de ensino na matriz curricular do curso de formação de professores primários traduzia-se como produto das reflexões de Anísio Teixeira à luz do pensamento de John Dewey, para quem o material básico do estudo não poderia ser colhido de forma acidental e desordenada, e sim da experiência atual do aluno, onde residem as fontes dos problemas a serem investigados.
Ainda de acordo com a autora, “era fundamental para Anísio que as matérias de
ensino partissem de questões propostas pelos programas da escola primária” (LOPES, 2009,
p. 52). A perspectiva, conforme adverte Lourenço Filho (1934), procurava articular conteúdo
e método e defendia uma profunda relação entre a formação do professor e a escola
elementar. Deste modo, o programa da docente Maria dos Reis Campos (1937, p. 330), visava
capacitar os futuros docentes da escola primária a construir com os seus alunos "habilidades
para a vida social". Em 1934, o Instituto de Pesquisas Educacionais, dirigido por Delgado de
Carvalho, publicou, em dois volumes, o Programa de Ciências Sociais8. Na apresentação dos
programas da escola primária, Delgado de Carvalho (1934) salienta que eles se baseiam na
experiência da cidade de Denver (Colorado/EUA). Portanto, o modelo adotado no Brasil
sofreu, mesmo que indiretamente, a influência da “Carta das Ciências Sociais nas Escolas”,
contemporânea ao Programa de Ciências Sociais. A própria denominação Ciências Sociais
está em consonância com o que defendeu, em 1934, a Comissão de Estudos Sociais da
Associação Americana de História. Neste momento, não há uma distinção clara entre os
termos Ciências Sociais e Estudos Sociais, algo que ficará explícito no pensamento do autor
apenas em sua escrita na década de 1950 (NASCIMENTO, 2015).
7 A própria organização da Escola de Professores, segundo Lourenço Filho (1934), é inspirada nos Teachers College norte-americanos. Sua organização se fazia a partir de 10 seções, dentre as quais a de “Matérias de Ensino”: Cálculo, Leitura e Linguagem, Literatura Infantil, Ciências Naturais e Estudos Sociais. Eram ministrados no segundo ano geral do curso (VIDAL, 2001, p. 82).
8 Entre 1934 e 1935, a Secção de Programas e Atividades Extra-classe, chefiada por Inácia Ferreira Guimarães, vinculada ao Instituto de Pesquisas Educacionais, publicou o Programma de Linguagem, o Programma de Mathematica, o Programma de Sciencias Sociais (Volumes 1 e 2), o Programma de Musica, o Programa de Sciencias (Volumes 1 e 2) e o Guia de Jogos infantis.
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Para Delgado de Carvalho (1934), “a escola, numa democracia moderna, não se pode
desinteressar da vida social do ambiente em que se acha e permanecer estranha aos
problemas da comunidade que, em última instância, ela representa”. A obra se insere num
contexto de reformulação da escola, inspirado na educação progressiva defendida por Anísio
Teixeira durante a sua gestão. Era preciso uma escola que se adequasse as necessidades do
brasileiro (MENDONÇA, 2002, p. 50). Um ensino mais próximo da realidade imediata do
aluno e que acompanhasse os avanços científicos. No Programa de Ciências Sociais foram
apresentadas algumas premissas que guiaram o pensamento de Delgado de Carvalho nas
décadas seguintes, como o papel dos Estudos Sociais na formação do cidadão e a relação
entre escola e vida social. Era preciso um novo modelo educacional que orientasse os estudos
para uma "visão mais prática das coisas",
afastando os programas e os compêndios das normas tradicionais e batidas, das operações militares, dos detalhes políticos, dos nomes próprios e da pesada cronologia que caracterizavam a história de outrora [...] Foram se convencendo os pedagogos de que nem todos os seus alunos se destinavam a ser generais, estadistas e diplomatas e que questões de ordem cívica, econômica e social tomariam na vida de cada um deles maior importância do que as guerras e os tratados, detalhadamente estudados (CARVALHO, 1934a, p. 10).
Para a concretização desta nova orientação era necessária a introdução de novas
temáticas na formação escolar, como o estudo da Ciência Política e da Economia Política.
Mais ainda era preciso um ensino que restituísse a complexidade da vida. Em sua
argumentação, o objetivo do ensino varia de acordo com o nível de escolaridade a que se
destina, primário ou secundário. Neste sentido, na escola primária, para Delgado de Carvalho
(1934a, p. 12), não haveria vantagem na tradicional divisão em disciplinas
"compartimentadas e estanques". Seria suficiente oferecer ao estudante "os dados julgados
interessantes ao seu conhecimento sob estes vários aspectos". A melhor organização,
portanto, seria a integração das disciplinas em uma unidade denominada como Estudos
Sociais. Seu objetivo principal era a formação para a cidadania, seu conteúdo "a vida
contemporânea em toda a sua realidade e complexidade". Os conhecimentos deveriam ter
uma utilidade (CARVALHO, 1934b, p. 10).
Nos anos que antecederam ao golpe de 1964 constituiu-se no Brasil uma concepção
de Estudos Sociais que teve longa vida e muitas leituras. Seu principal expoente, Delgado de
Carvalho (1934a; 1934b; 1934c; 1949; 1953; 1957[1970]), propôs uma sistematização e
significação sobre os Estudos Sociais em duas importantes obras: Os Estudos Sociais no
curso secundário (1953), artigo publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, e o
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livro Introdução metodológica aos Estudos Sociais (1957) 9, onde aprofunda as questões
esboçadas no primeiro trabalho. Na década de 1950, o educador propõe uma diferenciação
entre Ciências Sociais, campo vasto e fruto do pensamento e pesquisa, e sua vulgarização, os
Estudos Sociais. Mais do que um ensino para a cidadania, no artigo, Carvalho (1953)
defendeu uma reformulação do ensino de História e clamou pelo fim do enciclopedismo dos
programas da área de Ciências Humanas. Em seu livro, destacou que o ensino, na forma
como se organizava, não atendia às necessidades de professores e alunos, e argumentou que a
educação deveria preparar o indivíduo para o convívio em sociedade.
Nas décadas seguintes, outras interpretações sobre o ensino de Estudos Sociais foram
construídas e muitas vezes colocadas em prática, mas nem sempre o seu objetivo foi o
mesmo. Nos anos de 1950 e 1960, os Estudos Sociais aparecem como propostas indicativas e
de caráter experimental, porém não obrigatórias. O seu ensino é aceito e considerado como
inovador. Em alguns estados, como São Paulo e Minas Gerais, chegou a ser incluído nos
currículos de 1º grau através de perspectivas de ensino integrador e interdisciplinar e nos
Ginásios Vocacionais (NADAI, 1988). Segundo Clarice Nunes (2000, p. 54), os Ginásios
começaram a ser instalados, em São Paulo, em 1962. Foram criadas seis unidades, na Capital
e cidades do interior (pólos industriais, zonas agrária e pecuária, centro ferroviários, dentre
outros). Tinha como perspectiva situar “o adolescente brasileiro no processo histórico de
desenvolvimento”, estimulando a “consciência da realidade e a participação em todos os
setores da vida social”. A prática pedagógica objetivava, dentre outros aspectos, “a apreensão
integrada do conhecimento” e “a disposição para atuar no próprio meio”. Para Nunes (2000,
p. 55):
A área de maior peso era, portanto, os Estudos Sociais, que incluía noções de História, Geografia, Economia, Sociologia e Antropologia. Uma ou outra dessas disciplinas poderia ser explorada mais profundamente, dependendo da unidade em estudo. A partir dos Estudos Sociais desenvolvia-se um sistema de relações com as demais áreas.
Nesta experiência fica evidente a ideia de “integração” entre as disciplinas, que não
perderam suas identidades, e Estudos Sociais como “área” (NADAI, 1988, p. 09). O currículo
se aproxima da realidade do aluno, propondo, inclusive, a análise de problemas ligados a sua
realidade social. O objetivo era formar um aluno ativo. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, promulgada em dezembro de 1961, concedeu amplos poderes ao
Conselho Federal de Educação. Em 1962, o Conselho estabeleceu os Estudos Sociais como
9 O livro contou com duas edições. A 2ª ed. foi publicada em 1970, já durante o Regime Civil-Militar, e não possui diferenças significativas em relação à difundida na década de 1950. Utilizamos a 2ª edição.
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disciplina optativa do currículo escolar, ficando a cargo dos estabelecimentos de ensino
oferecê-la ou não. O golpe de 1964 trouxe novos contornos ao debate.
O núcleo comum: Valnir Chagas e a reescrita dos Estudos Sociais durante a ditadura militar
Nas palavras de Valnir Chagas, relator do Parecer 853/71 e da Resolução nº 8/71, de
1º de dezembro de 1971, o núcleo comum era o mais importante desdobramento da Lei nº
5.692/71, “prolongamento de suas formulações iniciais e medida concreta de sua
implantação” (CHAGAS, 1993, p. 385 10). De acordo com a Lei de Reforma de Ensino de 1º e
2º graus, os currículos deveriam possuir um núcleo comum, obrigatório em âmbito nacional,
e uma parte diversificada que atendesse as particularidades locais, dos estabelecimentos de
ensino e as diferenças dos alunos. A Lei conferiu ao CFE, no Inciso I, a responsabilidade de
fixar as matérias relativas ao núcleo comum, “definido-lhes os objetivos e amplitude” 11. Tal
tarefa coube ao Conselheiro Valnir Chagas, professor de História da Educação da
Universidade de Brasília, membro do CFE a partir de 1962 e participante ativo nos grupos de
trabalho que resultaram na Lei nº 5.540/68 e na Lei nº 5.692/71. Este definiu o núcleo
comum através do Parecer 853/71, aprovado pelo CFE em 12 de novembro de 1971, e da
Resolução nº 8/71. Nestes documentos, o conselheiro explicita concepções e princípios que
no entender de Santos (2011, p. 197) “foram defendidos ao longo dos anos 1960 e
consolidados [a partir] de 1971”.
Valnir Chagas (1984) em trabalho sobre aspectos da educação brasileira, intitulado o
Ensino de 1º e 2º graus: antes, agora e depois, cuja primeira edição é de 1978, reflete sobre e
justifica as reformas educacionais implementadas entre os anos de 1960 e 1970 deixando
explicita uma concepção de educação marcada por influências de educadores americanos e
brasileiros, como John Dewey e Anísio Teixeira. O princípio básico de organização curricular,
proposto por Valnir Chagas (1993), objetivava a “educação integral” do indivíduo/aluno.
Parte do pressuposto “da substancial unidade do conhecimento humano”. Se, “o saber é um
só”, como argumenta o Parecer 853/71 do CFE, o que “se aprende isoladamente de fato não
10 Utiliza-se como Referência o Parecer 853/71 e a Resolução nº8/71 publicados na RBEP em 1993. Cf. CHAGAS, Valnir. Núcleo comum para os Currículos de 1º e 2º graus. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 74, n. 177, p. 385-423, maio/ago. 1993.
11 De acordo com Martins (2000, p. 22), manifestavam-se através de Pareceres, Indicações e Resoluções. “Os Pareceres correspondem à forma como os Conselheiros apresentam os argumentos e os resultados dos estudos e das opiniões sobre as matérias encaminhadas ao órgão e que são discutidas nas Câmaras, Comissões ou Plenário. As Indicações são as proposições apresentadas pelos Conselheiros para assuntos sobre os quais as Comissões ou as Câmaras se pronunciaram e que devem então ser apreciadas pelo Plenário. Manifestavam-se ainda por meio das Resoluções, de caráter mais objetivo, decorrentes dos pareceres e que deveriam ser seguidos como normas pelos sistemas estaduais de ensino”.
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se aprende”, como já salientava Anísio Teixeira nos anos de 1950. O Conselheiro se apropria
do conceito de “educação pela experiência”, tal como formulado por John Dewey. No início
do quinto capítulo da obra supracitada, apresenta a concepção de currículo que sustenta o
estabelecimento do núcleo comum.
No seu mais amplo sentido, currículo é a totalidade das influências que o indivíduo recebe e às quais reage adquirindo novos comportamentos, ou modificando comportamentos anteriores, em uma ou mais das esferas cognitiva, afetiva, conativa e fisiomorfológica. Esta abordagem, como se vê, em nenhuma ocasião permite distinguir o indivíduo enquanto pessoa e enquanto aluno [...] (CHAGAS, 1984, p. 131).
É o aprendizado por associação, a partir daquilo que o aluno já conhece e através da
“reorganização da experiência”. Uma definição de currículo mais informal e edificada a partir
de um processo em que o aluno/pessoa, em um processo ativo, reage a certos estímulos
construindo sua personalidade. No sentido oposto, há uma concepção mais formal e
tradicional de currículo, onde este “surge como um conjunto preestabelecido de conteúdos de
ensino escalonados em tempo que se estima capaz de assegurar sua assimilação”, sem,
portanto prever uma atitude ativa dos alunos frente ao conhecimento que lhe é transmitido
(CHAGAS, 1984, p. 131). Na prática estas concepções não se opõem. Segundo o educador, “na
verdade o que de fato ocorre é uma informalização maior ou menor dos planos formalmente
traçados; e quanto maior seja ela, com ajustamento da intencionalidade aos dados concretos
de cada situação, mais autêntica se tornará a atividade educativa” (Ibidem). As diretrizes
publicadas a partir de 1971 propunham como objetivo da escolarização, dentre outros
aspectos, “o desenvolvimento de potencialidades individuais”. Portanto, o ensino não se faria
apenas através de aspectos formais, como vinha, na perspectiva do autor, ocorrendo
prioritariamente até então.
A melhor escola seria aquela que aproximasse o aluno do mundo real. Para tanto,
seria necessária, na visão de Chagas (1984, p. 134) e dos conselheiros do CFE que se
reformulasse a educação através da eliminação de alguns itens e fusão de outros nos
currículos. O termo matéria presente na legislação educacional adquire um novo significado.
Matéria seria todo campo de conhecimento fixado ou relacionado pelos Conselhos de
Educação, e em alguns casos acrescentados pela escola. Em outras palavras seria a “matéria-
prima” a ser destrinchada nos currículos plenos. A Resolução nº 8/71 estabeleceu as matérias
que formariam o núcleo comum. Estas, por sua vez, teriam seus conteúdos específicos:
Comunicação e Expressão (Disciplinas: Língua Portuguesa e Língua Estrangeira); Estudos
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Sociais (Disciplinas: História, Geografia e Organização Social e Política do Brasil); e, Ciências
(Disciplinas: Matemática e Ciências Biológicas).
O relator parte do pressuposto de que o “saber é um só”, perspectiva semelhante à
adotada por Delgado de Carvalho na defesa dos Estudos Sociais nos de 1960, quando este
defendia que a Ciência é Una. Da mesma forma que Carvalho (1970), Chagas (1993), no
Parecer 853/71 critica a compartimentação do saber, argumentando que esta tinha um efeito
mutilador sobre o conhecimento. As matérias fixadas, já tão restritivas, destaca o conselheiro,
eram divididas de forma ainda mais arbitrária, tornando impossível a sua reinclusão no
conjunto. Assim, propõe a divisão do conhecimento em “grandes linhas”, formulando
somente o mínimo para que se possa “chegar ao destaque de partes sem retirá-las
funcionalmente do seu todo natural” (p. 398). Dentre as formas possíveis de visualizarem-se
as matérias por esta opção chegou-se a divisão tríplice: Comunicação e Expressão, Estudos
Sociais e Ciências. Nesta divisão os Estudos Sociais teriam uma função especial.
Com efeito, na medida em que se cogite de uma divisão do Conhecimento, e só nessa medida, os Estudos Sociais constituem um elo a ligar as Ciências e as diversas formas de Comunicação e Expressão: têm uma abordagem mais científica do que estas últimas, ao tempo em que para muitos chegam a confundir-se com elas, e, sobretudo colocam no centro do processo a preocupação com o Humano (CHAGAS, 1993, p. 398).
O objeto destas “grandes linhas” se constituía no homem e seus valores, “o homem
como centro de toda a ação e o sujeito do processo ensino-aprendizagem [...] O foco da
educação centrava-se, portanto, no aspecto social” (SANTOS, 2011, p. 194). A partir deste
objeto se delineou os objetivos ou funções de cada uma das matérias. Aos Estudos Sociais
cabiam o "ajustamento crescente do educando ao meio, cada vez mais amplo e complexo, em
que deve não apenas viver como conviver, dando ênfase ao conhecimento do Brasil na
perspectiva atual do seu desenvolvimento” (CHAGAS, 1993, p. 401). O objetivo dos Estudos
Sociais se assemelha aos apontados por Delgado de Carvalho (1970) em seus trabalhos. Um
ensino que restituísse o aluno a complexidade da realidade da vida e fornecesse uma visão
global dos fenômenos sociais, preparando o discente para a vida e convívio em sociedade.
Segundo o Parecer 853/71 os Estudos Sociais teriam como função principal a “integração
espaço-temporal e social do educando em âmbitos gradativamente mais amplos” (CHAGAS,
1993, p. 403).
Os seus componentes básicos são a História e Geografia, focalizando-se na primeira a Terra e os fenômenos naturais referidos à experiência humana e, na segunda, o desenrolar dessa experiência através dos tempos. O fulcro do ensino, a começar pelo “estudo do meio”, estará no aqui e no agora do mundo em que vivemos e, particularmente, do Brasil e do seu
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desenvolvimento [...] O legado de outras épocas e a experiência presente de outros povos, se de um lado devem levar à compreensão entre os indivíduos e as nações, têm que de outra parte contribuir para situar construtivamente o homem em sua “circunstância” (CHAGAS, 1993, p. 403).
Os conteúdos específicos da História e da Geografia, dentro da matéria de Estudos
Sociais, assumiam um papel importante para a formação da pessoa/aluno. Em articulação, e
considerando-se a sua “fundamental interdependência”, promoveriam uma compreensão dos
“fenômenos relativos à experiência humana” e o “desenrolar desta experiência através dos
tempos”. Não o conhecimento puro e simples, mas uma forma de situar os educandos no
mundo em que viviam. Para tanto, seria necessário conhecer não apenas o imediato, isto é, o
mundo atual, mas o “legado de outras épocas” e de outras nações. Perspectiva semelhante a
defendida por Carvalho (1970) que destacava como objetivos a serem atingidos com o ensino
dos Estudos Sociais, dentre outros, o desenvolvimento de “interesses culturais e senso de
responsabilidade, despertando e moldando a personalidade do educando” e “integração do
indivíduo na sociedade democrática em que vive promovendo a sua cooperação como bom
cidadão”. Desta forma, as matérias do núcleo comum, assumindo a perspectiva de que “tudo
está em tudo” não seriam encaradas isoladamente assumindo uma perspectiva integradora.
Tanto o Parecer 853/71 quanto a Resolução nº 8/71 apresentam um projeto
claramente interdisciplinar. O primeiro chega mesmo a criticar o isolamento das disciplinas.
No Art. 2º da Resolução nº 8/71 ficava estabelecido que “as matérias fixadas diretamente e
por seus conteúdos obrigatórios, [deveriam] conjugar-se entre si e com outras que se lhes
acrescentem para assegurar a unidade do currículo em todas as fases do seu
desenvolvimento”. Nos currículos plenos as matérias, Comunicação e Expressão, Ciências e
Estudos Sociais se desdobram em atividades, áreas de estudo e disciplinas. Do mais
abrangente para o mais específico, ou seja, “da maior para a menor amplitude do campo
abrangido” (Art. 4º. Resolução nº 8/71).
§ 1º Nas atividades, a aprendizagem far-se-á principalmente mediante experiências vividas pelo próprio educando no sentido de que atinja, gradativamente, a sistematização de conhecimentos. § 2º Nas áreas de estudo, formadas pela integração de conteúdos afins, as situações de experiência tenderão a equilibrar-se com os conhecimentos sistemáticos para configuração da aprendizagem. § 3º Nas disciplinas, a aprendizagem se desenvolverá predominantemente sobre conhecimentos sistemáticos (CHAGAS, 1993, p. 421).
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No início da escolarização, nas séries iniciais do 1º grau, os Estudos Sociais, sob o
título Integração Social, seria estudado predominantemente através de atividades. Nas séries
seguintes, 5ª a 8ª do 1º grau, os Estudos Sociais apareceriam sob a forma de áreas de estudo
e no ensino de 2º grau, “tratadas predominantemente como disciplinas e dosadas segundo as
habilitações profissionais pretendidas pelos alunos” (Art. 5). A ideia de amplitude expressa
pelos conselheiros se refere, principalmente, a uma gradação dos conteúdos e nas formas
como estes são ensinados. Assim, a “divisão adotada resulta, claramente de um duplo critério
de amplitude do campo abrangido naquelas situações (atividades, áreas de estudo e
disciplinas) e, ao mesmo tempo, da forma de sua abordagem com vista aos conhecimentos”
(CHAGAS, 1993, p. 390). Uma perspectiva que leva em conta a distribuição dos conteúdos de
acordo com a idade dos alunos.
Não há uma ruptura entre as ideias pedagógicas desenvolvidas ao longo dos anos de
1960 e algumas das propostas encontradas na Lei nº 5.692/71 e nos Pareceres do CFE que a
seguiram. Neste sentido, a proposta de Estudos Sociais que se coloca a partir de 1971 é fruto
de ideias anteriormente construídas, isto é, antecedem ao golpe de 1964. Entretanto, é
durante o regime militar que estas proposições são mobilizadas com maior força. Os Estudos
Sociais se aproximam das pretensões educacionais pós-1964, a partir do novo contorno de
preocupação com a formação. Se, na argumentação de Carvalho (1970), podemos perceber a
preocupação com a formação de um aluno crítico e capaz de refletir sobre a sua atuação na
sociedade, a perspectiva dos Estudos Sociais sob o regime militar visava o “exercício
consciente da cidadania”. O ensino das matérias fixadas no núcleo comum deveria convergir
para: “[...] o desenvolvimento, no aluno, das capacidades de observação, reflexão, criação,
discriminação de valores, julgamento, comunicação, convívio, cooperação, decisão e ação,
encaradas como objetivo geral do sistema educativo” (CHAGAS, 1993, p. 420).
Uma formação preocupada muito mais com a difusão de valores, do que com a
construção de conhecimentos. Estes só teriam validade à medida que contribuíssem para
situar o aluno na realidade social à qual estava inserido. Para um ensino novo, organizado
tendo como base a Lei nº 5.692/71 e o núcleo comum, era necessário um professor com um
tipo de formação diferenciada. Delgado de Carvalho e os precursores das discussões sobre os
Estudos Sociais, pensavam a formação do professor sob um enfoque técnico, metodológico. A
formação se faria diariamente no decorrer das aulas e da prática docente que utilizasse
técnicas adequadas. As licenciaturas curtas em Estudos Sociais surgem antes da Reforma de
Ensino de 1º e 2º graus, mas esta, ao criar uma disciplina escolar no ensino de 1º grau,
englobando História e Geografia, torna necessária a sua reconfiguração.
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Considerações Finais
Os Estudos Sociais não são uma criação da ditadura. Sua introdução nas escolas
brasileiras ocorreu na década de 1930, numa tentativa de se romper o ensino de História
enciclopédico e distante da realidade vivida pelo aluno. O modelo de ensino de humanidades
francês, incorporado nos programas do Colégio Pedro II, desde a sua fundação, havia se
tornado dominante, mas, para muitos educadores, não atendia as necessidades dos discentes.
Nesse contexto, criticava-se a compartimentação em disciplinas, como História e Geografia, e
a rigidez dos currículos escolares brasileiros, que não possibilitavam maiores contatos entre
as disciplinas. A primeira proposta foi defendida por Delgado de Carvalho, em sua passagem
pelo Departamento de Educação do Distrito Federal.
A década de 1960 foi fecunda em propostas ditas inovadoras, como as dos Ginásios
Vocacionais. Nestas experiências os Estudos Sociais, conforme assinala Clarice Nunes (2000,
p. 55), assumiram certa importância. Os currículos dos Ginásios se constituíam “partir da
dinâmica do princípio da apreensão dinâmica e articulada da cultura e da interpretação do
processo histórico”. Nesse sentido, o Conselho Federal de Educação não inventou uma
proposta a partir do zero. Os Estudos Sociais permaneciam como elo de integração das
demais áreas de estudo, na nova configuração: Comunicação e Expressão e Ciências. Sua
preocupação deveria ser o homem e suas relações.
A perspectiva era a da interdisciplinaridade e da dosagem do conhecimento, partindo-
se do mais simples para as análises mais complexas. O conselheiro Valnir Chagas retoma
alguns dos pressupostos defendidos por Carlos Delgado de Carvalho, principal defensor do
ensino de Estudos Sociais na primeira metade do século XX, em sua formulação de doutrina
do núcleo comum. Entretanto, num contexto de regime de exceção, os Estudos Sociais
perderam sua característica principal que era propiciar aos alunos as habilidades necessárias
ao pleno exercício da cidadania. O aluno não deveria discutir, mas se ajustar. Ao perder seu
caráter experimental os Estudos Sociais adquirem outro – a obrigatoriedade.
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