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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁUNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
MARIA DO SOCORRO DE OLIVEIRA
O ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL NAS SÉRIES INICIAIS DO
FUNDAMENTAL: TRADIÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA NA OBRA DE ROZENDO SAMPAIO GARCIA
Maringá2010
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁUNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
MARIA DO SOCORRO DE OLIVEIRA
O ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL NAS SÉRIES INICIAIS DO FUNDAMENTAL: TRADIÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA NA
OBRA DE ROZENDO SAMPAIO GARCIA
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
como requisito para a obtenção do título de
Licenciado em Pedagogia pelo de Pedagogia
da Universidade Estadual de Maringá.
Orientadora: Professora Doutora Maria
Leopoldino Tursi Toledo
Maringá2010
MARIA DO SOCORRO DE OLIVEIRA
O ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL NAS SÉRIES INICIAIS DO FUNDAMENTAL: TRADIÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA NA
OBRA DE ROZENDO SAMPAIO GARCIA
Trabalho de Conclusão de Curso,
apresentado como requisito para a obtenção
do título de Licenciado em Pedagogia pelo
Curso de Pedagogia da Universidade
Estadual de Maringá.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Leopoldino
Tursi Toledo
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Prof ª. Orientadora Dra. Maria Leopoldino Tursi Toledo
__________________________________________________________________________
Prof ª. Vanessa C. Mariano Rukstadter
___________________________________________________________________________
Prof ª. Renata
O ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL NAS SÉRIES INICIAIS DO FUNDAMENTAL:
TRADIÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA NA OBRA DE ROZENDO SAMPAIO
GARCIA
OLIVEIRA, Maria do Socorro
RESUMO: As transformações ocorridas no ensino de história ao longo dos tempos,
fez com que os historiadores e professores dessa disciplina, pensa-se a relação
entre o campo pedagógico e o campo histórico. Essa relação é fundamental na
formação docente,por isso torna-se necessário pensar as ideologias, a formação, o
pensamento deste enquanto conhecedor da história e os usos que o mesmo dá ao
livro didático na sua prática escolar, porque tão importante como saber ensinar, é
também compreender o que se ensina. O presente estudo tem como objetivo
estuda o volume 1 da coleção didática Histórias de nossa História, de Rozendo
Sampaio Garcia. A obra desse historiador e professor foi publicada pela Editora do
Brasil S/A, bem como analisar como o autor trata temática '' o Descobrimento do
Brasil'', atentando para as tradições historiográficas acerca da abordagem do tema.
Palavras-chave : Ensino de História. História do Brasil. Historiografia didática.
1. INTRODUÇÃO
Os autores que discutem o ensino de história hoje indicam a necessidade de superar
as práticas consideradas tradicionais no ensino, principalmente aquelas
fundamentadas numa abordagem de tempo linear na qual os sujeitos históricos são
os heróis nacionais. Também compreendem que, para essa mudança, discutir a
relação entre o campo pedagógico e histórico é fundamental na formação do
docente.
Considerando esse último aspecto e alguns pontos relativos ao método, é possível afirmar que a história escolar aproxima-se mais da história acadêmica do que da história de circulação massiva. Contudo seus objetivos são significativamente distintos de ambas. Em primeiro lugar porque a história escolar não visa obviamente, formar historiadores ou produzir conhecimento erudito,acadêmico, muito menos construir uma narrativa escrita capaz de articular os diferentes elementos que compõe uma história.O conhecimento que ela visa tem relação com um objetivo de fundo de toda historiografia: suprir a carência de orientação no mundo.Pra tanto é preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si capaz de favorecer o sentimento de identidade ( por conseguinte, de pertencimento) e, ao mesmo tempo, a capacidade crítica para reconhecer e lidar com as diferenças e situa-las historicamente. Neste sentido, pode-se dizer que o objetivo da história escolar é ensinar/aprender a pensar historicamente, rompendo com as naturalizações e abrindo o horizonte de expectativas (ROCHA, 2009,p.6)
Neste sentido é possível dizer que nas últimas décadas ocorreram um aumento da
preocupação de professores e outros especialistas no sentido de questionar e
analisar mais detidamente a relação existente entre o saber histórico acadêmico e o
saber histórico escolar. (BITTENCOURT, 1993; FONSECA, 2003; CIAMPI, 2008).
Este trabalho está inserido nessa discussão. Ou seja ao referir-se a historiografia
didática – entendida como a escrita da história escolar – tem por preocupação
chamar a atenção para a importância dos conteúdos que são vinculados no ensino
nas salas de aula, fundamentalmente aquele que cujo os temas se vinculam a
história nacional, especificamente nas séries iniciais do fundamental.
Isso porque, conforme afirmou Thais Nivia Fonseca, no ensino das séries iniciais da
escola fundamental o ensino de História ficou circunscrito ao conteúdo de uma
memória nacional, no qual os heróis nacionais eram exaltados principalmente
nessas séries.
Essa marca do herói é recorrente nas mitologias políticas nacionais desde o século XIX, e a elevação de alguns indivíduos a essa condição coincidiu, naquela época, com o esforço empreendido em muitos países da Europa e da América na construção de suas histórias nacionais e dos elementos fundadores de suas identidades. (FONSECA, 2009, p.116).
A questão assim posta é ainda mais problemática quando se entende que, conforme
indicou Costa (2007), a formação do educador em relação ao conteúdo não é
discutida com frequência no seu processo de formação. Diz: ''[...] quando se coloca
a necessidade de uma revisão, é sempre na base da ''reciclagem'' via cursos rápidos
de capacitação através de professores universitários (COSTA, 2007, P. 154).
Nesse caso, entendemos que tão importante como saber ensinar, é também
compreender o que se ensina.
O conteúdo de história proposto para o ensino tem sido igualmente, desde a década
de 1970, discutida entre os pesquisadores da área. Preocupados naquela década e
nas seguintes em denunciar ideologias nos livros didáticos parte dos autores
enfatizam os aspectos ideológicos nos livros e acríticos dos textos, deixando claro
que o conteúdo escolar é um importante veículo na formação de conceitos sobre o
passado e a atuação dos sujeitos na sua construção.
Os autores compreenderam que a escrita da história escolar deve ser um objeto de
análise para os professores quando se quer contribuir para a renovação do ensino
de história .
É nesse sentido que o trabalho proposto de justifica. Buscamos tratar dessa questão
tomando o livro didático Histórias de nossa História de Rozendo Sampaio Garcia
como forma de abordar essa questão: a da historiografia didática nacional.
O autor e sua obra foram escolhidos por dois motivos básicos: primeiro por se tratar
de um livro didático cujo as características editoriais resultam de um momento
histórico ( década de 1960 ) que antecede os debates sobre ''ideologia do livro
didático'' marcadamente preocupado em identificar ''vilões'' na história ensinada
(Franco 1982). Nesse sentido buscamos relacionar a produção de Garcia ao
período de sua produção, procurando compreender os motivos históricos que
possibilitaram sua escrita da história escolar.
O livro de Garcia abre uma coleção de livros didáticos para o ensino de história do
Brasil com características paradidáticos e formato de “história em quadrinhos”,
publicada pela Editora do Brasil S/A, na década de 1960.
Essa editora, fundada em 1943, norteou as diretrizes editorias do período,
participando com divulgação de suas obras em bibliotecas públicas escolares
nacionais e assumiu importância na história dos livros didáticos brasileiros. Tratando
do livro didático de história no Brasil, JUNIOR Gatti(2004) afirma:1
O período compreendido entre as décadas de 1930 e 1960 caracterizou-se, no que diz respeito aos manuais escolares, da seguinte forma: foram livros que permaneceram por longo período no mercado sem sofrerem grandes alterações; livros que possuíam autores provenientes de todos os lugares tidos, naquela época, como de alta cultura, como o Colégio D. Pedro II, livros publicados por poucas editoras que, muitas vezes, não os tinham como mercadoria principal e, por fim, livros que não apresentavam um processo de didatização e adaptação de linguagem consoante ás faixas etárias as quais destinavam. ( JUNIOR, 2004,p.37)
Por meio das observações do autor, citada acima, entende-se que a obra de Garcia
é representativa de um período de transição na história dos livros didáticos
brasileiros, pois se relaciona por um lado a esse período sem alterações e ao
mesmo tempo como um período de transformações no processo de didatização do
livro escolar.
Além desses dois aspectos que permitem caracterizar a obra reconhecemos que tal
autor não aparece nos estudos sobre a escrita da história escolar até o momento,
caracterizando-se em um autor praticamente desconhecido, embora se verifique,
que a obra tem divulgação nos sites de Sebos nacionais.
Quanto a escolha da obra “Histórias de nossa História” entendemos que ela permite
1 Sobre a trajetória editorial do livro didático no Brasil para o ensino de história ver Décio Gatti Junior 2004.
de forma singular abordar a questão da permanência de determinada abordagem
historiográfica nos conteúdos do ensino de história. Ou seja a narrativa apresentada
no formato da história em quadrinhos nos permite verificar tradições, entendidas
como permanências, na escrita da história escolar que oferecem condições para um
entendimento de que a história do Brasil, por muito tempo, representou a história de
sua formação nacional.
Por meio desse exercício entendemos que, embora no ensino o professor não
trabalhe como o historiador no que se refere ao trato com a pesquisa historiográfica,
ele deve acompanhar as discussões procedentes do oficio do historiador. Isso
porque é essa operação que põe em movimento a discussão teórica e metodológica
que, em geral, embasa o seu fazer pedagógico, necessitando por isso compreender
o que é tradição historiográfica na escrita da história escolar.
Do ponto de vista metodológico, esse trabalho interessa por um tipo de estudo
historiográfico que envolve conhecer como um determinado tema e sua abordagem
pode permanecer no ensino escolar. Para isso selecionamos para a análise o tema
“Descobrimento do Brasil”, presente no livro de Garcia. Para essa análise, voltada
para o objetivo de abordar a questão proposta, tomamos como fundamento o
trabalho de Toledo (2009) '' historiografia e o ensino de história: nota acerca da
formação do estado nacional'' para proceder a reflexão.
No trabalho a autora explicita a formação do modelo historiográfico para a escrita da
história escolar fundamentado na obra de Joaquim Manuel de Macedo, a partir de
1861. Por intermédio da obra de Macedo, o compêndio “Lições de história do Brasil”,
escrito em 1861, a autora confirma indicações (Gasparello 2004) de que, com
Macedo e suas Lições é que se verifica um momento da historiografia didática,
instituída oficialmente, ser legitimada por seus pares e pelas instituições que fazia
parte como membro'' (TOLEDO, 2009, p. 5).
Trata-se, portanto, de entender este trabalho como esforço de relacionar
temporalmente dois autores que, vivendo em períodos históricos diferentes, trataram
do tema ''Descobrimento'' em perspectivas muito próximas. Em suas abordagens
tanto Macedo quanto Garcia viram na formação do estado nacional o principal tema
para ensinar a história do Brasil na educação escolar.
Entendemos que esse exercício reflexivo pode ajudar os professores e pedagogos a
pensar os desafios pedagógicos para o trato com a história ensinada nas séries do
ensino fundamental. Proceder á critica da escrita da história escolar é de
fundamental importância para que a ruptura com o ensino baseado numa história
linear, na qual somente alguns personagens aparecem como sujeitos da história e a
nação ou lugar onde se desenrola os fatos a serem estudados.
2. Historiografia Didática e o Ensino de História
Ao relacionar história e ensino de História na perspectiva de sua historicidade Toledo
(2009) indica uma “matriz de pensamento histórico-pedagógico” data de fins do
século XIX da qual os autores de livros didáticos no século XX ainda retiram suas
interpretações de fatos históricos sobre a História Nacional. Afirma a autora que os
estudos sobre a historiografia didática nacional indicam que teria sido com Joaquim
Manoel de Macedo e suas “Lições de História do Brasil” que uma tradição da escrita
da história escolar se afirma no contexto brasileiro pós-independência nacional.
Por meio desse compêndio, a história nacional é apresentada a elite imperial carregada de imagens “civilizatórias”. O Brasil aparece em processo de formação gerado por uma pátria-mãe branca e construída por seus descendentes (descobridores) – os colonos – que, nessa construção, necessitaram exercer sua “superioridade”, de raça e civilização sobre os antigos habitantes naturais – nômades que percorriam o território brasileiro – e os africanos trazidos como escravos. (TOLEDO, 2009, p.6).
Nessa história, os fatos, conceitos e periodização utilizados são os fios que tecem a
representação da nação, assim sintetizada por Gasparello, citada pela autora:
[...] o brasileiro é fundamentalmente produto dos colonos audazes e destemidos na defesa dos seus interesses. Seus construtores são os descendentes da raça colonizadora e como tais ligados fundamentalmente aos europeus brancos e civilizados. Os integrantes dos grupos dominados – índios e negros – têm contra si o estigma da inferioridade: social, cultural e ética. Nada os salva. Na vida social, a situação humilhante de escravo, cujo único sentido de existir, para os senhores brancos, é o trabalho duro, penoso e não reconhecido: no mais profundo sentido da palavra, seu destino é o de servir aos brancos. (Toledo, 2009, apud Gasparello, 2004, p.148)
A história da nação é o eixo da história de Macedo, nesse eixo o tema nacional e
seu processo de formação criam os acontecimentos considerados importantes, bem
como a temporalidade e os sujeitos que contribuíram para essa formação. Esse eixo
também permitiu aos autores de livros didáticos do período marcar o
“Descobrimento” como um ponto de partida para o aparecimento da nação.
O compêndio didático de Macedo, por sua vez, estaria fundamentado na obra
historiográfica de Francisco Adolpho Varnhagen, História Geral do Brasil (1854).
Gasparello indica que sua obra será a principal referencia na elaboração de livros
didáticos que vão servir à divulgação da história nacional segundo os princípios
monarquistas da elite no poder e das instituições que respaldam esse modelo, como
o IHBG e o Colégio Pedro II. (Toledo, 2009).
A explicação para a existência dessas obras – no campo acadêmico e no campo do
ensino escolar – no século XIX está ancorada no contexto histórico do período. O
Brasil pós-independência buscava uma identidade, no estudo de Gasparello (2004)
cabia as elites brasileiras responder a questão: quem somos nós? Essa pergunta foi
respondida por meio das duas obras historiográficas, a de cunho acadêmico – de
Varnhagen – e a de cunho didático, de Macedo.
O tema “Descobrimento” é o fundador, ou seja, inicia a história nacional em Macedo
com a lição intitulada “Descobrimento do Brasil: considerações preliminares”.
Estudado especificamente por Melo (2008), o tema está traçado na obra de Macedo,
segundo Melo, por meio dos seguintes movimentos:
[...] buscar as origens remotas dos descobrimentos é buscar a ação de reis descobridores, de príncipes de visão alargada, de dinastias com que eleitas por Deus, para dirigir os destinos de povos. É a partir de D. João, “mestre de Avis, filho natural de D Pedro o Justiceiro” que nossa história começa. (MELO, 2008, p.105).
A presença heróica de Colombo também aparece em Macedo. Afirma Melo:
A apresentação de Colombo, por Macedo, é completa. O futuro descobridor da América é exaltado por suas qualidades intelectuais, de líder, de navegador, de homem que avança no tempo, para além do seu próprio. (MELO, 2008, p.107).
As indicações historiográficas de Macedo são percebidas pelos autores que
analisaram sua obra didática como de uma abordagem “em nível” político, com
preocupações temporais voltadas para dar vida a história brasileira – seu surgimento
como nação. É essa historiografia didática que permanece como continuidade, como
tradição na escrita da história escolar em muitos livros didáticos ainda hoje.
A obra de Garcia, escrita na década de 1960 é exemplar desse trajeto de
continuidades historiográficas no ensino de História.
Rozendo Sampaio Garcia foi professor de História da América na Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras da Universidade Estadual de São Paulo e escreveu sobre
vários temas: a escravidão, indígenas, comércio e contrabando e história geral. Suas
ideias foram divulgadas pela Revista de História de São Paulo em 1955 e pela
Revista do Instituto Geográfico de São Paulo.
Escreveu o livro didático Histórias de nossa História que não consta de datação. No
entanto, alguns indícios da pesquisa permitem afirmar que foi entre os anos de 1950
e 1960. Considerando que foram nas décadas de 1950 e 1960 que as indicações
sobre as produções de Garcia anunciam como décadas possíveis de suas
publicações, tomamos esses anos como norteadores da análise da obra didática do
autor.
Segundo os estudos de Mota (1980), as primeiras obras historiográficas produzidas
nas academias foram de autoria de um grupo de estudiosos de São Paulo que, no
ano de 1943, por meio da Faculdade de Filosofia e Letras – Núcleo da Universidade
de São Paulo, analisaram, em seus trabalhos, o processo histórico do qual o Brasil
foi constituído. Embora as temáticas fossem diversas, Mota enfatiza que esses
estudos:
Possuindo traços teóricos, temáticas e estilos bastante distintos entre si, contém, entretanto, alguns pontos em comum: procuram libertar-se seja da perspectiva mitológica, bandeirista, tipificadora dos Institutos Históricos, seja da orientação factualista ingênua, marcada entre nós pelo positivismo de Langlois-Segnobos. (MOTA, 1980, p. 34).
Outro ponto de apoio aos estudos historiográficos que procurava discutir o homem
na sua sociedade se deu pela Revista de História, da Universidade de São Paulo
que, segundo Mota, tornou-se, nos anos cinquenta, ''pólo centralizador de toda
produção seja ela local e de outros estados, a mesma fora criada aos moldes da
revista de Annales (MOTA, 1980, p. 36).
Os anos cinquenta no Brasil foi um espaço amplo para as produções voltadas para o
estudo do Brasil. Para Mota (1980, p. 36),
Não é exagero afirmar que, nesse momento, encontram-se alguns divisores de água com os traços significativos das principais tendências do pensamento histórico, político e cultural no Brasil. Cada tendência corresponde a uma vertente importante da maneira pela qual os historiadores se debruçam sobre a realidade do país.
Ou seja, todas as obras produzidas nas academias brasileiras durante os anos de
1940 a 1970, de uma forma ou outra, procuram entender as mudanças sociais e
políticas no Brasil. São, portanto, décadas voltadas para o estudo da História e da
historiografia do Brasil na sua totalidade. O livro de Rozendo Sampaio Garcia,
embora não apresente data,de que foi escrito nessa época.
Sabe-se que os homens são seres históricos, já que ao longo dos tempos fizeram e
fazem história por sua condição de seres sociais. Todo processo histórico
constituído pelos homens é passado para as gerações que se seguem advindo por
meio dos escritos ou pela via da oralidade dos fatos quando a escrita ainda não se
fazia presente.
Nesse sentido, entende-se porque, para Queiroz (2003, p.7), “[...] passado e
memória dão conteúdo, identidade e espessura a todos os humanos”. Desta forma,
parte-se em busca do passado para entendê-lo como Rozendo Sampaio Garcia o
fez e encontrou terreno fértil para a divulgação de sua obra didática no Brasil nas
décadas de 1950/1960.
De acordo com o trabalho de Oliveira (2006), as décadas de 1950/1960 no Brasil
foram marcadas pela afirmação da História da América com o intuito de, a partir
dela, chegar à construção da identidade nacional.
Com a determinação do ensino da disciplina História da América na 2ª. Série ginasial em 1951, o mercado editorial se viu obrigado a lançar uma maior produção de livros didáticos de História da América, o que anteriormente era praticamente inexistente no país [...]. (OLIVEIRA, 2006, p. 5).
Ao que consta, Garcia era professor de História da América. Ana Hutz (2008),
mestre em História Econômica pela UNICAMP e orientanda do conhecido e
renomado historiador brasileiro Fernando Antônio Novais, resgatou a obra
acadêmica de Garcia, deixando entrever um pouco de sua vida acadêmica.
Os pontos de partida foram os trabalhos de Rozendo Sampaio Garcia, de Enriqueta Vila Vilar e de José Gonçalves Salvador, todos os três trabalham exatamente com o mesmo período trabalhado aqui, ou seja, o período dos asientos portugueses.Rozendo Sampaio Garcia analisou os documentos do Archivo General de Índias de Sevilha, estudou um a um os contratos de asiento e sua execução e publicou suas observações em um dos volumes da separata dos Anais do Museu Paulista, de 1962, chamado ''Contribuição ao estudo do aprovisionamento de escravos negros na América espanhola (1580-1640)''. (HUTZ, 2008, p. 12, grifo nosso).
Considerada historiadora de grande repercussão no universo acadêmico, Hutz
(2008) afirma que Garcia foi professor de História da América na USP.
José Gonçalves Salvador, por sua vez, inicia seu livro Magnatas do Tráfico Negreiro [1981] afirmando que ele surgiu motivado pela disciplina que cursou com Rozendo Sampaio Garcia, que lhe sugeriu que o tráfico de escravos esteve concentrado nas mãos de cristãos novos portugueses. Seu trabalho não analisa os contratos um a um, mas amplia o estudo de fontes africanas do tráfico de escravos, que, muitas vezes, estavam nas mãos dos mesmos comerciantes que fariam o tráfico para a América espanhola. (HUTZ, 2008, p. 12, grifo nosso).
Embora ainda não se tenha dados dos impactos dos estudos de Garcia sobre a
intelectualidade paulista, o trabalho de Hutz deixa claro sua importância para a
historiografia do tráfico no Brasil. Como nosso estudo não trata desses trabalhos
acadêmicos, o que tomamos para a análise foi seu livro didático e, além do mais,
não temos dados de sua relação profissional com o ensino escolar. Centramos o
estudo apenas da obra didática conforme segue.
3. Rosendo Sampaio Garcia e a Tradução Historiográfica Escolar
Embora não se tenha muitas informações sobre a sua vida pessoal, no que se refere
às suas obras, no entanto, encontramos sua produção literária em bibliotecas de
universidades nacionais. Quanto ao livro didático que tomamos para análise, seu
estudo nos levou às décadas de 1960 e 1970. As indicações da editora também
permitiram levantar novas informações sobre o trajeto da obra e do autor.
A Editora do Brasil foi fundada em cinco de agosto de mil novecentos e quarenta e
três, com o propósito de “oferecer ao país livros de qualidade para a Educação”
(EDITORA DO BRASIL, 2010). Seu fundador foi o Dr. Carlos Costa, médico de
formação e considerado um autor de sucesso pelos livros publicados nas áreas de
Química e Biologia.
Consta que, desde o início de suas atividades, a Editora do Brasil cresceu com
vocação de ser ''uma organização a serviço dos educadores'', e a fidelidade a este
princípio norteou os primeiros passos para se tornar uma das mais importantes
colaboradoras no ambiente educacional. Por estas indicações, já podemos
considerar a importância do livro de Garcia para a história da disciplina de História
no Brasil.
Os estudos sobre o livro didático têm mostrado que as políticas públicas e as
editoras deixam marcas na história da disciplina escolar. A circulação, difusão nas
escolas, em suas bibliotecas indicam sua inserção na produção de saberes
escolares.
No caso da Editora do Brasil, não encontramos trabalhos específicos sobre ela.
Considerando, entretanto, que teve sua afirmação nas décadas de 1950/1960,
tornando-se, conforme as informações do site, uma importante editora nesse
segmento no Brasil. Seus ''produtos'' têm ampla circulação nos grandes centros
brasileiros.
O livro didático Histórias de nossa História, do qual Garcia é o escritor, não consta a
data de sua publicação. Esse livro é voltado para o ensino de história dentro da
escola, auxiliando os alunos nesse conhecimento. O livro apresenta questões
históricas sobre o Brasil desde o seu descobrimento até a invasão dos franceses no
nosso país. O autor utiliza-se das histórias em quadrinhos e do recurso visual, com
ilustrações bem elaboradas e coloridas para chamar a atenção do aluno.
Por se tratar de uma coleção de livros didáticos, outros autores participaram da
criação dos demais volumes, entre eles José Pimentel Pinto e Cláudio de Souza,
bem como os ilustradores Gustavo Pires da Silva e Messias Mello.
Nos primeiros capítulos, Garcia apresenta os feitos dos homens portugueses para
dominar as técnicas marítimas com a intenção de chegar não só nas Índias como
também descobrir novas terras. Para Garcia, o Descobrimento do Brasil se fez por
meio de uma intencionalidade, já que os portugueses tinham certo conhecimento
sobre a existência dessas terras. Assim ressalta o autor:
Em 1500, partia de Portugal uma poderosa esquadra destinada às Índias. Comandava-a um notável fidalgo português, Pedro Álvares Cabral, a quem possivelmente fora dada missão de descobrir terras de cuja existência suspeitara Vasco da Gama em sua viagem para o Oriente (GARCIA, s/d, p. 6).
Um dos homens de maior destaque deste processo foi Pedro Álvares Cabral,
acompanhado de outro herói português Pero Vaz Caminha, que, segundo o autor, foi
o escrivão da certidão de nascimento do Brasil a 22 de abril de 1500, na qual marca
o seu nome na história e dá aos portugueses o direito de posse da terra recém-
''descoberta''.
Pode-se afirmar que, dentro desse livro didático, aparece uma gama muito grande
de datas e de homens, cujos nomes foram perpetuados pela genealogia da nação,
conforme discutiu Furet em seu livro A Oficina da História s/d , quando tratou do
nascimento da História desde o século XVIII. O caminho percorrido para chegar ao
Descobrimento do Brasil, exposto por Garcia, demonstra bem a questão discutida
por Furet (s/d) o ensino de História voltado para nação.
Como havia certeza de que existia terras além do continente e que a mesma era
dotada de grande riqueza, seu processo de colonização se deu por meio da
exploração de suas riquezas, buscando por meio dessa exploração, o crescimento
econômico da metrópole. Riquezas retratadas na carta que Caminha enviara ao rei
de Portugal, na qual apresentava, com grande entusiasmo, as belezas e a
prosperidade que essa terra poderia dar ao povo português.
A carta de Caminha – certidão de idade do descobrimento da terra brasileira – revela igualmente as primeiras impressões que a terra produziu no ânimo dos recém-vindos. Caminha profetizou o futuro agrícola do Brasil e o seu encantamento pelas belezas: ''em tal maneira é graciosa que, querendo a aproveitar, dar-se-á tudo águas que tem'' (GARCIA, s/d, p. 9).
O processo de colonização do Brasil foi um campo vasto voltado para guerras entre
portugueses, franceses e holandeses, que queriam, assim como os
portugueses,comercializar a riqueza da colônia. Assim se expressou Garcia(s/d, p.
12 ) ''Viu-se então Portugal obrigado a defender a nova colônia, na medida de seus
recursos, enviando expedições destinadas a afastar estrangeiros da colônia''.
Com o intuito de afastar os estrangeiros foram criadas as capitanias hereditárias,
que tinham como objetivo povoar a colônia e difundir a soberania portuguesa sobre
essas terras. Estas não deram certo por diversos fatores, entre eles: [...] grande
extensão de terras, o que dificultava a sua defesa, a hostilidade do ambiente e falta
de recursos de muitos colonos. (GARCIA, s/d, p. 22).
O rei de Portugal D. João, sabendo das dificuldades de cuidar da colônia e dos
interesses de outros países para com a mesma, e diante do fato de perder a sua
colônia, criou uma lei que instituía um governo geral. A este cabia observar de perto
os problemas de cada capitania, bem como desenvolvê-la economicamente.
Dando cumprimento á sua missão, viajou Tomé de Sousa pelas capitanias, procurando conhecer-lhes os progressos e as necessidades. Cuidou principalmente, do desenvolvimento econômico da terra, estimulando o plantio da cana de açúcar e a criação de gado (GARCIA, s/d, p. 24).
Outra questão que, apesar de já se fazer presente nesse momento, começou a
ganhar corpo diz respeito às funções religiosas católicas, representadas pelos
Jesuítas, que têm na figura do padre de José Anchieta o maior colaborador da
missão religiosa neste país. Seu trabalho de evangelização teve grande influência
na formação dos brasileiros que aqui viviam. O autor assim o descreve:
Fator de extraordinária importância moral foi a vinda ao Brasil, com Tomé de Souza dos primeiros jesuítas, que se destinavam a catequese dos indígenas e a assistência religiosa aos colonos (GARCIA, s/d, p. 26).
Sobre a questão do governo geral, já mencionado acima, o Brasil passou por três
governos gerais, os quais obtiveram sucessos e fracassos. Pode-se afirmar quanto
aos fracassos que os índios e os franceses colaboraram e muito para tal fato.
Os primeiros não aceitavam as condições de submissão que lhes impunham e os
últimos tinham interesses econômicos, comerciais e de se estabelecerem nesta
terra, formando o que Garcia (s/d) denominou de Franca Antártica, que serviria de
refúgio para aqueles franceses que estavam fugindo das lutas na Europa. Vale
ressaltar que os franceses eram protestantes, portanto, iam contra a religião que
imperava no mundo nessa época, a religião católica. Fica evidente que os fatos que
levaram a várias lutas originavam-se de dois fatores: o religioso e o econômico.
Apesar da resistência dos franceses, os portugueses acabaram ganhando a luta,
afirmando a soberania portuguesa sobre as demais nações naquele momento.
Reconhecendo a superioridade dos atacantes, os franceses resolveram abandonar a luta e, embarcando no seu navio, fizeram-se ao mar. Termina assim, depois de doze anos de aventuras, a chamada “Franca Antártica” (GARCIA, s/d, p. 38).
Desta forma, Portugal seguiu firme na sua decisão de transformar a colônia
conforme seus interesses econômicos e políticos.
Foi durante o curto reinado de D. Sebastião que, após a morte de Mem de Sá, resolveu o monarca português iniciar no Brasil uma experiência administrativa: a divisão do Brasil em governos (GARCIA, s/d, p. 42).
Essas transformações fizeram com que a colônia progredisse comercialmente. Esse
progredir se difundia na criação de gado e na agricultura da cana-de-açúcar, sendo
esta última a principal fonte de renda e que, portanto, impulsionava a economia:
“Florescia a cana-de-açúcar, que se transformava em riqueza nacional, pois o
açúcar era uma especiaria de alto custo na época” (GARCIA s/d, p. 44).
Embora a questão da economia estivesse satisfatória, a questão intelectual deixava
a desejar, os jesuítas, ''professores'' da época, não tinham realizado nenhum
progresso nesta área. Observa-se que a questão educacional, apesar de fazer parte
da sociedade, tanto quanto a economia ou a política, não conseguira corresponder
ao crescimento econômico. É necessário reconhecer que esse fator já se fazia
presente desde o começo da nossa história.
[...] lutavam os jesuítas para estimular o desenvolvimento intelectual, proporcionando as luzes da instrução em seus modestos colégios, como o de São Paulo onde, zelosamente, prosseguiam na gloriosa tarefa iniciada (GARCIA, s/d, p. 44).
Os fatos que compõem a história do Brasil que se iniciou no seu ''Descobrimento '' e
continuou durante a sua formação, enquanto colônia de Portugal passou por
diversas atribulações graças ao fato de que as demais nações não consideravam
Portugal dono do Brasil.
Assim, os holandeses, como fizeram os franceses, também reclamavam a sua parte.
No caso dos holandeses, não era só a questão econômica que lhes despertava
interesse, o fator político representava um grande peso: [...] os holandeses
detestavam os espanhóis, que os oprimiram por muito tempo e, assim, ao atacarem
o Brasil, procuravam igualmente ferir os seus inimigos (GARCIA, s/d, p. 46).
Os holandeses no fator político como demonstrou Garcia foram muito sagaz
tentaram estabelecer relações amigáveis com os colonos atribuindo direitos que até
então pareciam inviável ''decretou igualmente a liberdade religiosa e a emancipação
do indígena'' (GARCIA, s/d, p. 50).
Ainda dentro da questão referente à invasão dos holandeses, o autor aborda a
composição do povo do Brasil. Nesse momento, a questão da miscigenação já se
fazia presente e acompanharia todo o processo histórico brasileiro. “Diariamente
chegava ao Arraial mais e mais gente, de todas as camadas sociais, portugueses e
brasileiros, mamelucos, indígenas e negros” (GARCIA, s/d, p. 58).
A questão ideológica no processo de consolidação do Brasil enquanto colônia
portuguesa se fez presente nas mais diferentes áreas, mas a religião católica foi um
campo ideológico de poder sobre os homens brasileiros desse momento. Como
apresenta Garcia (s/d, p. 65): “O choque de religião era um dos motivos principais
para que os retirantes preferissem abandonar seus lares a suportar a dominação
dos protestantes”.
O poder da igreja católica ocorreu desde o ''descobrimento'' e se mantém até hoje
apesar da existência de várias religiões no Brasil. Essa dominação ainda está
arraigada nas tradições brasileiras por meio de seus dogmas.
À medida que os capítulos se encaminham para a finalização do livro, o autor
explicita que chamar o povo da colônia portuguesa de brasileiros, nesse momento,
era pertinente, já que esses homens começavam a apresentar insatisfação com a
dominação de outra nação sobre eles. “Dizemos brasileiros porque, nessa época, já
se vinha formando um sentimento nacional estimulado pelo ardente desejo de
libertar nossa pátria do jugo dos invasores” (GARCIA s/d, p. 70).
Enquanto os brasileiros pensavam em se libertar dos colonizadores, os mesmos
mantinham o trabalho escravo no Brasil. Garcia entendia que este tipo de trabalho
foi de suma importância para o desenvolvimento econômico do Brasil.
O escravo africano tornou -se essencial em todos os momentos de desenvolvimento econômico do Brasil. Foi ele quem criou a prosperidade do açúcar, rasgou os veios de ouro e regou com o seu suor a terra destinada ao café (GARCIA, s/d, p. 76).
Sobre os negros e a sua participação no desenvolvimento do país,não há dúvidas, o
que aparece na obra de Garcia é uma controvérsia que diz respeito à própria
personalidade deste indivíduo. Em um primeiro momento, ele assim os descreve:
''Um dos traços mais característicos foi a humildade, contrastando com a rebeldia do
índio'' (GARCIA, s/d, p. 9). Em um segundo momento, os negros são apresentados
ainda como importantes para a o crescimento econômico, mas os traços de
personalidade citados acima não fazem mais parte desse sujeito:
O negro, elemento integrante da nossa nacionalidade, fator decisivo da nossa prosperidade econômica, nem sempre suportou pacientemente os grilhões do cativeiro. Explodiu, por vezes, em revoltas de maior ou menor importância (GARCIA, s/d, p. 77).
Outro fato que contribuiu para a economia do país e o enriquecimento dos homens
diz respeito ao bandeirismo. Mas, no capítulo que se refere a eles, o fato que chama
a atenção é a deferência que o autor atribui a esses homens:
A história do bandeirismo é uma página de heroísmo e bravura de nossa gente. A essa raça de gigantes [...] pertencem Fernão Dias Paes, Borba Gato, Dias da Siva, o esperto Anhaguera, e muitos outros heróis (GARCIA, s/d, p. 78).
Ao tratar sobre os movimentos nativistas no país, destaca a revolução de Beckman,
que contestou a política econômica estabelecida no país, onde uma empresa
determinava os rumos do comércio. Evidencia, na figura de Manuel Beckman, o
modelo de homem para a solução de problemas:
Um outro movimento nativista teve por teatro o Maranhão, ali por volta de 1684. Seu dirigente foi Manuel Beckman, revoltado como os privilégios da Companhia de Comércio do Maranhão que explorava indignamente os nortistas, impondo gêneros ordinários por preços muito elevados (GARCIA, s/d, p. 83).
Neste ponto, assim como em outros capítulos do livro, a figura do herói é
permanentemente exposta por Garcia. Esta forma de escrever sobre a História
demonstra bem a questão discutida por Furet (s/d) sobre o ensino de História
voltado para a nação vinculada ao herói e não como tomada de consciência
nacional.
4 Considerações Finais
As pesquisas sobre os livros didáticos de História estiveram circunscritas à
preocupação em '' denunciar'' mentiras, ideologias ou concepções de história. Nas
últimas décadas do século passado, essas perspectivas transitaram para uma
problemática mais significativa – quando tomada historicamente: pensar o livro
didático como um produto social, um artefato cultural e mercadoria na sociedade
capitalista. Essas análises trouxeram novas abordagens para o livro escolar de
História.
Como produto social, o livro didático não se faz por si só, é produção intelectual de
atores sociais, sujeitos que estão inseridos num contexto sociocultural que, ao
serem estudados, podem revelar parte dos motivos pelos quais suas obras
aparecem mais ou menos comprometidas com as conjunturas sociais de que são
frutos.
No mesmo sentido, o livro didático, entendido como um artefato cultural, participa da
vida escolar, por isso, ele se molda e articula aos objetivos definidos pela sociedade
sobre o que se deve ensinar em determinado período sobre o passado. Participa da
vida do professor como uma fonte legítima de reprodução de saber na escola. E,
enfim, por ser também uma mercadoria, na sociedade capitalista, as mudanças
historiográficas são mais lentas no âmbito da escrita da história escolar, obedecem
muito mais a prescrições curriculares de determinantes das políticas publicas do que
as recentes pesquisas que são efetuadas nas academias. O que indica, portanto, o
caráter cristalizador dos conteúdos históricos escolares nos livros didáticos por
longas décadas e atualmente.
A essas mudanças nos estudos sobre os livros didáticos soma-se ainda o
reconhecimento de que existe uma memória histórica que participa na consolidação
de ''tradições historiográficas'' no campo desse ensino. A memória do ensino de
História – como mostrou Toledo (2004) – está presente nos conteúdos que são
ensinados, em geral obedecendo a uma temporalidade linear com vistas ao
progresso (que é exemplar a divisão clássica do processo em etapas: pré-história,
história antiga, medieval, moderna e contemporânea), mas também é percebida nos
recortes temáticos privilegiados, como, por exemplo, no caso brasileiro: colônia,
império, repúblicas (velha e nova), atualidade, ligados a temas da vida política:
descobrimento do Brasil e, na sequência, sua colonização, e os subtemas que
derivam desse eixo central, que é exemplar: divisão das capitanias, governos gerais,
invasões estrangeiras, lutas pela independência, império,...
A cristalização de certos temas, temporalidade, sujeitos, fatos chamam-se memória
histórica da História ensinada. Memória porque não se vê quebra de linearidade, não
se vê contradições, segue no sentido de mostrar uma ascensão rumo ao progresso
da nação brasileira, com a preocupação clássica: justificar a vida em sociedade na
forma como ela se apresenta no presente. Não se trata, portanto, de questionar os
acontecimentos e eventos vividos em sociedade pela população brasileira, mas
justificar sua forma de apresentar-se como ''natural''.
A escolha, portanto, do livro didático de Garcia como fonte de pesquisa encerra
alguns pressupostos. Em primeiro lugar, tal opção não implica a identificação do
texto didático com o que se passava no interior das salas nas décadas de
1950/1960, no desenvolvimento das atividades de professores e alunos. Como
indicaram autores que tratam da História das disciplinas escolares (CHERVEL,
1990), o movimento interno da escola, em suas práticas cotidianas, apresenta
características próprias que devem ser pesquisadas especificamente. Por outro lado,
as disciplinas escolares ''resultam da complexa teia formada pelos conhecimentos
socialmente válidos daquele momento histórico, dos instrumentos e meios de
divulgação desses conhecimentos e do conjunto de práticas e representações
sociais sobre essas práticas dos seus diversos agentes dentro e fora da escola''
(GASPARELLO, 2004, p. 20).
Entendemos, com base nessas observações, que a relação entre a elaboração dos
currículos escolares e a criação dos livros didáticos e as aulas constituem um meio
de investigar (fontes) para estudar a disciplina em outros períodos históricos.
Enquanto produto historiográfico, seu sentido refere-se a um saber histórico
produzido, por tratar-se de uma memória histórica. A produção historiográfica
consolidada, nesse sentido, chama-se aqui ''tradição historiográfica''. Ou seja, uma
vez consolidada a memória histórica por meio da escrita da história, essa escrita –
tomada em seu conjunto – pode ser analisada em termos de uma longa tradição
presente nas abordagens das temáticas.
Rozendo Sampaio Garcia foi um escritor dedicado a escrever sobre fatos históricos,
verificado por meio das temáticas que ele desenvolveu, dentre elas a escravidão dos
negros, a questão dos índios e, sobre e a história do Brasil. Está última desenvolvida
no livro Histórias de nossa História, no qual o autor discute como se deu o
Descobrimento do Brasil.
A coletânea, publicada pela editora oficial de livros didáticos no período, externa
uma trajetória teórica que vinha sendo construída desde o século XIX para explicar a
História do Brasil e se firmou no século XX, quando, por várias décadas, contou,
sob os mesmos aspectos, a ascensão do país para a condição de Estado-Nação.
Uma historiografia didática presente por seu roteiro preso à valorização dos ''mitos
de identidade nacional'' – heróis e principais fatos –, sobre a qual se permite, nesse
momento da história da disciplina, afirmar a presença de tradições historiográficas.
Tradição historiográfica essa que, nos anos de 1950-1960, foi marcada pela busca
da nacionalidade brasileira no interior do espaço americano. Isso porque foi a
temática do território americano uma das questões a ser tratada pelos historiadores
no período. Dessa maneira, comprova-se a presença da História da América como
conteúdo do então chamado 2º grau, as séries do ensino fundamental mantiveram e
intensificaram aquela historiografia de nação.
Atualmente, novos aportes teóricos têm permitido rever essa produção e avançar na
superação dessa tradição historiográfica da qual Rozendo S. Garcia foi exemplar.
Acreditamos ter dado um exemplo da complexidade que é o trabalho de escrita da
história e a produção de conhecimentos nessa área, em especial quando se deseja
enfatizar conceitos como de sujeitos, temporalidade, acontecimentos históricos.
Referências
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ANEXO
CAPA DO LIVRO DESCRITO
GARCIA, Rozendo Sampaio. Histórias de nossa História. v. 1. São Paulo: Editora do Brasil
S/A, s/d. p.5-86.