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O ENSINO JURÍDICO A DISTÂNCIA NO BRASIL NESTE NOVO MILÊNIO: SONHO OU REALIDADE? THE LEGAL DISTANCE EDUCATION IN BRAZIL IN THIS NEW MILLENNIUM: DREAM OR REALITY? Jamila de Souza Gomes Cristiane Winckler RESUMO O grande desafio da educação no século XXI é promover o desenvolvimento humano, baseado em quatro pilares fundamentais: o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. O ensino jurídico como importante vetor da evolução da sociedade, desempenha papel primordial nesta transformação. Infelizmente, o ensino jurídico não ficou imune aos fracassos da educação tradicional. Necessário se faz rever as bases educacionais e tornar a universidade um ambiente mais atrativo que possibilite a construção do conhecimento. O ensino jurídico a distância trouxe ao mesmo tempo inclusão social e inércia na produção do conhecimento, como também ausência de formação de espírito crítico. O papel do professor nunca foi tão relevante como nos dias atuais. PALAVRAS-CHAVES: EDUCAÇÃO; DESENVOLVIMENTO HUMANO; ENSINO JURÍDICO A DISTÂNCIA; INCLUSÃO SOCIAL; DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO; PROFESSOR; CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO. ABSTRACT The greatest challenge of the XXI is to promote the human development based on four fundamental pillars: learn to know, learn to do, learn to live together and learn to be. The juridical teaching as an important vector of society evolution, has primordial role in this change.Unfortunately, the juridical teaching was not immune to the failures of traditional education. It is necessary to review the educational bases and make the university a more attractive place which make it possible the building of knowledge. The educação a distancia brought at the same time social inclusion and inertia in the production of knowledge, as well as lack of formation of critic sense. The role of the teacher has never been so relevant as in the present days. KEYWORDS: : EDUCATION, HUMAN DEVELOPMENT, JURIDICAL TEACHING DISTANCE, SOCIAL INCLUSION, TEACHING DEMOCRATIZATION, TEACHER, KNOWLEDGE BUILDING. 4547

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O ENSINO JURÍDICO A DISTÂNCIA NO BRASIL NESTE NOVO MILÊNIO: SONHO OU REALIDADE?

THE LEGAL DISTANCE EDUCATION IN BRAZIL IN THIS NEW MILLENNIUM: DREAM OR REALITY?

Jamila de Souza Gomes Cristiane Winckler

RESUMO

O grande desafio da educação no século XXI é promover o desenvolvimento humano, baseado em quatro pilares fundamentais: o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. O ensino jurídico como importante vetor da evolução da sociedade, desempenha papel primordial nesta transformação. Infelizmente, o ensino jurídico não ficou imune aos fracassos da educação tradicional. Necessário se faz rever as bases educacionais e tornar a universidade um ambiente mais atrativo que possibilite a construção do conhecimento. O ensino jurídico a distância trouxe ao mesmo tempo inclusão social e inércia na produção do conhecimento, como também ausência de formação de espírito crítico. O papel do professor nunca foi tão relevante como nos dias atuais.

PALAVRAS-CHAVES: EDUCAÇÃO; DESENVOLVIMENTO HUMANO; ENSINO JURÍDICO A DISTÂNCIA; INCLUSÃO SOCIAL; DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO; PROFESSOR; CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO.

ABSTRACT

The greatest challenge of the XXI is to promote the human development based on four fundamental pillars: learn to know, learn to do, learn to live together and learn to be. The juridical teaching as an important vector of society evolution, has primordial role in this change.Unfortunately, the juridical teaching was not immune to the failures of traditional education. It is necessary to review the educational bases and make the university a more attractive place which make it possible the building of knowledge. The educação a distancia brought at the same time social inclusion and inertia in the production of knowledge, as well as lack of formation of critic sense. The role of the teacher has never been so relevant as in the present days.

KEYWORDS: : EDUCATION, HUMAN DEVELOPMENT, JURIDICAL TEACHING DISTANCE, SOCIAL INCLUSION, TEACHING DEMOCRATIZATION, TEACHER, KNOWLEDGE BUILDING.

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INTRODUÇÃO

A educação tem passado por constantes alterações nos últimos séculos. Não há como negar que até mesmo o ensino jurídico tem se submetido á tais alterações, contudo entre todas essas inovações o objetivo da educação ainda se mantém, qual seja, promover a inclusão social e despertar o senso critico nos alunos, uma vez que este é elemento essencial no processo cognitivo.

Entre tantas modificações surge o ensino a distância, que tem se tornado uma realidade na sociedade, sendo certo que a conseqüência dessa modalidade tem sido a inclusão social

Não se pode olvidar que, muito embora existam vantagens no ensino jurídico a distância, algumas deficiências ainda existem, tais como a inexistência de relação direta entre aluno e professor, o que será abordada no presente artigo.

Com certeza a educação deve buscar sempre atender o desafio do século XXI, porém há que primar sempre pela qualidade do ensino, principalmente do ensino jurídico.

A mudança deve sempre ser bem vinda quando estiver respaldada de soluções para os conflitos pré-existentes. No caso do ensino jurídico alguns problemas podem ser vislumbrados de pronto, tais como, má preparação do docente, salas com número de alunos exageradamente maiores do que o conveniente.

O que se sabe é que, seja a distância ou não, o ensino fornecido pela instituição deve fornecer o mínimo para que haja uma formação técnica e de qualidade.

Tanto o ensino jurídico tradicional como o ensino jurídico a distância deve ser o lugar apropriado para incitar a pesquisa, compreensão e sobretudo a argumentação.

Outro fator importante é o papel do professor no ensino a distância, que diversamente do que se imagina, tem sido muito mais importante nessa modalidade de ensino, uma vez que ele possui papel de mediador.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO

Na Grécia Antiga, surge um modelo de cultura e educação que marcará o Ocidente. A paidéia, o ideal de educação grego, incluía a formação integral do ser humano, com a gymnastiké (educação do corpo, por meio da educação física e atlética) e a mousiké (educação da mente ou do espírito, por meio das musas, incluindo a música e a poesia).

A educação grega está intimamente associada à filosofia. Os sofistas eram professores itinerantes e remunerados que educavam os gregos, principalmente na arte da dialética e nas questões da política. Platão, discípulo de Sócrates, funda por volta de 387 a.C. sua célebre Academia. Na República, Platão expõe seu ideal de educação,

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centrado no exercício da filosofia. Por volta de 335 a.C., Aristóteles, discípulo de Platão na Academia, funda sua própria escola, o Liceu.

A educação elementar em Roma era geralmente realizada em casa, pelos pais ou por um tutor, que ensinavam a criança (em geral a partir dos sete anos) a ler, escrever e calcular. Havia também, para quem preferisse, escolas primárias. A educação das meninas terminava aqui; se um menino fosse destinado para algum tipo de educação adicional, ele seria enviado, por volta dos 12 anos, para estudar literatura e gramática latina com um gramático, a partir dos 15 anos com um retórico, e posteriormente com um filósofo. Os mosteiros, muito importantes para a preservação da ciência e da cultura antigas, surgem por volta do século IV. A partir do século IX, o ensino clássico medieval passa a se fundamentar nas sete artes liberais: o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e música). A formação e o desenvolvimento das bibliotecas também merecem destaque na Idade Média, exercendo influência decisiva na história da educação. Maior estabilidade política garantiu ao Império Romano do Oriente ( ou Bizantino, cuja capital era Constantinopla) a continuidade da tradição romana na educação, além da continuidade lingüística por meio do latim. Não houve no Oriente, como no Ocidente, o predomínio do ensino religioso, mas sim do estudo dos clássicos, e por isso o Oriente garantiu a transição do conhecimento dos gregos e romanos para a civilização ocidental moderna. Com a urbanização e o desenvolvimento do comércio... ABC do Ead – p. 2

3 A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, conforme o conceito elaborado pela Lei de Diretrizes e Bases. ( Lei n.º 9.394, de 20/12/1996). Neste norte, o legislador identificou como formadores da personalidade e, por conseqüência, responsáveis pela educação, não só o Estado e as instituições de ensino privadas, como também, a família e a comunidade nas suas multifaces.

Esse pensamento traduz perfeitamente o que se espera da educação no século XXI: comprometimento do Estado e da sociedade em todas as esferas, em busca do desenvolvimento humano.

Seguindo uma perspectiva social, e não utilitarista, o termo desenvolvimento humano reflete ideais ligados aos problemas gerados pela falência do Estado, não só no sistema educacional, mas principalmente, voltados ao princípio da dignidade da pessoa humana. A pobreza, a fome, o elevado índice de mortalidade infantil, o caos na saúde pública, o desemprego, o envolvimento dos jovens com as drogas, a explosão da criminalidade e da violência; todas essas mazelas da sociedade e muitas outras podem ser superadas através da educação.

Para Elias de Oliveira Motta “este posicionamento, que incentiva a integração da escola não só com as empresas, mas também com a comunidade como um todo, é uma decorrência lógica de nossa evolução social e econômica e de uma visão sistêmica da educação”.[1]

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O crescimento de uma nação possui relação diretamente proporcional à realização pessoal de cada um. Pessoal não no sentido individualista, egoísta, hedonista... Mas uma satisfação plena de alguém que se considera parte de um mecanismo interligado aos outros seres humanos e à natureza e, que aproveita todos os recursos de informação e tecnologia para uma maior interação e desenvolvimento coletivo.

Partindo dessa premissa, a Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI, apresentou relatório à UNESCO estabelecendo quatro os pilares básicos da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.

Nenhum conhecimento se adquire sem o interesse em explorar seja lá qual for o objeto de estudo. Isso quer dizer, assimilar e destacar as características que o integram. Observando o bebê, a mãe identifica no seu choro a fome, a dor, o sono. Mesmo sem possuir uma visão nítida, o recém nascido já sabe qual é o cheirinho da mamãe, e reconhece sua voz em meio à multidão. É esta sintonia que faz com que a mãe tenha a atitude correta para acalmar o seu filho. Eles se conhecem.

O aprender a fazer parece estar mais ligado ao tecnicismo, onde a prática é sua mestra. É a materialização do aprendizado teórico.

A vida em sociedade é algo complexo, que exige atitudes flexíveis, bom senso, solidariedade, para não dizer altruísmo. É o abdicar, por vezes, do bem estar individual em benefício da coletividade.

Conhecer a si mesmo. Eis o desafio lançado. Muitos de nós leva uma vida inteira para descobrir quais as coisas de que realmente gosta, seus sonhos, dons, vontades, o que nos faz feliz. Outros, nem desta forma chegam à conclusão de quem realmente são. Conhecer a si mesmo é o primeiro passo para entender os sentimentos alheios. Aprender a ser.

Não se faz necessário ser especialista na área da educação para afirmar que no ensino tradicional o aprender a conhecer e aprender fazer ofuscam o brilho dos outros dois fundamentos. Para Jacques Delors:

(...) em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como prolongamento natural das duas primeiras. Ora, a Comissão pensa que cada um dos “quatro pilares do conhecimento” deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade.

Desde o início dos seus trabalhos que os membros da Comissão compreenderam que seria indispensável, para enfrentar os desafios do próximo século, assinalar novos objetivos à educação e, portanto, mudar a idéia que se tem da sua utilidade. Uma nova

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concepção ampliada de educação devia fazer com que todos pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo – revelar o tesouro escondido em cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a visão puramente instrumental da educação, considerada como via obrigatória para obter certos resultados (saber-fazer, aquisição de capacidades diversas, fins de ordem econômica), e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a ser.[2]

Estabelecidos os fundamentos da educação do século XXI, cumpre adaptar o ensino à esse novo modo de visualizar o mundo, otimizando a troca de experiências, o aprender e o ensinar simultaneamente.

4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Caracteriza-se educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.[3]

CONCEITOS EAD - DIVERSOS

4.1 ASPECTOS NORMATIVOS DA EAD

A educação a distância é regulada pelo Decreto n. 5.622/2005, que regulamentou o art. 80 da Lei 9.394/1996, art.87; que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Decreto 2.494 de 10 de fevereiro de 1998.Portaria 301/98 Pós-graduação: lato sensu: art. 2 e 3 dec.2494. Resolução 1/2001 da camara de educação superior do conselho nacional de educação – pós-graduação.

Quanto ao tratamento oferecido à pós-graduação, explica Roberto Fragale Filho:

É preciso distinguir aqui duas possibilidades, relacionadas com a oferta de pós-graduação strito sensu e lato sensu. Enquanto, no Dec. 2.494/98, a regulamentação da primeira é remetida a uma outra ocasião (art.2.º, §1.º), a segunda não é objeto de qualquer consideração. Na verdade, elas acabaram sendo regulamentadas pela Res. 1/2001 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, que estabeleceu, de forma genérica, as normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação no país. Por conta de seu art. 3.º, os cursos de pós-graduação strito sensu a distância serão oferecidos exclusivamente por instituições credenciadas para tal fim pela União, obedecendo às mesmas exigências de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento estabelecidas pela referida regulamentação. Eles devem,

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necessariamente, incluir provas e atividades presenciais, observando-se que os exames de qualificação e as defesas de dissertação ou tese também devem ser presenciais, diante de banca examinadora que inclua pelo menos um professor não pertencente ao quadro docente da instituição responsável pelo programa. Por fim, a avaliação efetuada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) utilizará critérios que garantam o cumprimento do preceito de equivalência entre a qualidade da formação assegurada por esses cursos e a dos cursos presenciais. Embora, consoante o art. 6.º da referida resolução, os cursos de pós-graduação lato sensu oferecidos por instituições de ensino superior ou por instituições especialmente credenciadas pra atuarem nesse nível educacional independam de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento, quando realizados a distância, eles só podem ser oferecidos por instituições credenciadas pela União e devem incluir, necessariamente, provas presenciais e defesa presencial de monografia ou trabalho de conclusão de curso (art. 11), com seus diplomas devendo indicar, entre outras coisas, o ato legal de credenciamento da instituição (art. 12, §1.º, I). [4]

O artigo 9.º do mesmo diploma legal dispõe em seu parágrafo único que as instituições de pesquisa científica e tecnológica, públicas ou privadas, de comprovada excelência e de relevante produção em pesquisa, poderão solicitar credenciamento institucional, para a oferta de cursos ou programas a distância de especialização, mestrado, doutorado e educação profissional tecnológica de pós-graduação.

4.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EAD

Há registros de cursos de taquigrafia a distância, estampados em anúncios de jornais, desde a década de 1720. Este período até meados de 1970, foi considerado a primeira geração da EaD. O início da EaD desenvolveu-se através de cursos por correspondência, que utilizava materiais impressos de estudo. Neste período, o modelo dominante do capitalismo era o fordismo, que teve seu auge na década de 1920. Esse modelo industrial propunha uma grande produção para um grande número de destinatários e possuía três características básicas: baixa inovação dos produtos, pouca variabilidade dos processos de produção e um nível mínimo de organização de trabalho. Desta forma, a educação nesta época tinha a finalidade de atender basicamente às necessidades deste modelo econômico, numa perspectiva positivista. O ensino se tornou mecanizado, padronizado, produzido e consumido em massa. Em ritmo acelerado, várias propostas de criação de cursos a distância se espalharam com o aparecimento das sociedades, instituições e escolas. Destaque para os cursos técnicos de extensão universitária. Todavia, o paradigma de que os cursos por correspondência tinham um caráter supletivo, inviabilizou muitos cursos universitários a distância, que teve poucas experiências bem sucedidas mesmo em países de primeiro mundo. Na década de 1960 inicia-se a queda do modelo fordista. Esse período é marcado pela transição do modelo econômico, que não conseguiu mais atender ao processo operacional e, por novas concepções de educação, inspiradas na evolução tecnológica. São criadas novas formas de organização de trabalho. Neste contexto surgiu a segunda geração da EaD.

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A segunda geração da EaD incorporou o uso de novas mídias como a televisão, o rádio, as fitas de áudio e vídeo e o telefone. Um momento importante é a criação das universidades abertas de ensino a distância, influenciadas pelo modelo da Open University britânica, fundada em 1969, que se utilizavam intensamente de rádio, TV, vídeos, fitas cassetes e centros de estudo, onde aconteciam múltiplas experiências pedagógicas. O interesse pela EaD teve um aumento significativo a partir destas experiências bem sucedidas. Surgiram assim as megauniversidades abertas a distância, em geral as maiores, em número de alunos, de seus respectivos países, como o Centre National d’Enseignement à Distance (CNED) na França; etc. Este período caracterizado pela utilização de meios de comunicação audiovisuais vai até o início da década de 1990.

A partir daí o modelo econômico vivenciado é o neofordismo. O neofordismo caracteriza-se pela alta inovação dos produtos e grande variabilidade do processo produtivo, todavia, ainda se utilizava de uma organização de trabalho típica do modelo fordista. Passou a surgir então uma proposta mais flexível de educação, a fim de atender aos anseios sociais. Os cursos eram menores, mas a atualização era constante. Esta nova geração introduziu a utilização do videotexto, do microcomputador, da tecnologia de multimídia, do hipertexto e de redes de computadores, caracterizando a educação a distância on-line. A terceira geração da evolução da EaD seria marcada pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e da comunicação. Por volta de 1995, com a incontrolável propagação da internet no mundo, surge um novo espaço para a educação, o ambiente virtual de aprendizagem, digital e fundamentado na rede mundial de computadores. [5]

A primeira experiência de EaD no Brasil deu-se através da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro que transmitia programas de literatura, radiotelegrafia e telefonia, línguas e outros, em 1923. O Instituto Universal, fundado em 1941, utilizando material impresso, também é lembrado como pioneiro da EaD no Brasil. Todavia, a EaD somente teve expressão com a criação do Programa Nacional de Teleducação (Prontel) em 1972. Em 1981, o Sistema Nacional de Radiodifusão se fortaleceu com a criação do Fundo de Financiamento da Televisão Educativa (Funtevê), que passou a transmitir programas educativos em parceria com várias rádios educativas e canais de TV. Instituições privadas e governos estaduais também começaram a desenvolver projetos, destaque para o Movimento de Educação de Base (MEB) em 1956.Outras iniciativas se seguiram nas décadas de 60 e 70. No final dos anos 1970, foi criado o Telecurso de Segundo Grau, numa parceria entre a FPA (TV Cultura) e a Fundação Roberto Marinho (TV Globo), que se destaca pela continuidade de transmissão e recepção das teleaulas, gerando posteriormente o Telecurso de Primeiro Grau em 1980 e Telecurso 2000 na década de 1990. Ainda na década de 1970, destaque para o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e para o Programa Logos, que de 1977 a 1991 qualificou cerca de 35 mil professores em 17 estados, basicamente utilizando material impresso. Em 1980 a Universidade de Brasília (UnB) iniciou trabalhos a distância. Em 2007, mais de 2,5 milhões de usuários estudaram a distância no Brasil.[6]

Os números dos usuários da educação a distância realmente impressionam. Vale lembrar, que esses alunos encontram-se divididos em níveis e modalidades educacionais da seguinte forma: educação básica (somente em casos excepcionais), educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissionalizante ( cursos técnicos de

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nível médio e tecnológicos de nível superior), educação superior( cursos seqüenciais, de graduação, especialização, mestrado e doutorado).[7]

4.3 MÉRITOS DA EAD

Primeiramente, destaca-se a importância dessa modalidade de educação no que tange à democratização do ensino e a inclusão social. Elegendo condições flexíveis na forma de ingresso, ou seja, prescindindo do vestibular, a EaD amplia as possibilidades de acesso à grande parte da população.

Frise-se ainda, que os cursos são oferecidos em diversos horários, permitindo ao acadêmico uma otimização do tempo, isso quando o próprio aluno não escolhe o seu horário( e-learning).

O investimento em um curso superior a distância costuma ser notadamente inferior aos valores desembolsados nos cursos presenciais.

Pesquisas demonstram que o aprendizado na EaD se dá na mesma proporção da educação tradicional, muitas vezes com mais eficiência.

O tempo é de certa forma melhor aproveitado haja vista que por ser uma modalidade mais estruturada, as horas/aula são repassadas normalmente de forma ininterrupta.

O aluno tem a oportunidade de ter professores de renome nacional e internacional.

Os materiais impressos geralmente são de boa qualidade. A EaD dispõe de sistemas de aprendizado sofisticados tais como a videoconferência.

Na universidade aberta, todos podem se matricular independentemente de educação prévia, o curso pode ser iniciado a qualquer momento e em qualquer lugar, inclusive em casa.

3.4 DAS FALHAS DA EAD

Indubitavelmente é uma forma interessante de se aprender. Todavia, possui falhas como qualquer modalidade de educação. O principal ponto negativo do ensino jurídico reside na distância entre professor e aluno e alunos entre si. Neste sentido é a visão de Lorenzo García Aretio:

El objetivo de la socialización presenta dificultades para ser logrado mediante esta modalidad. Las ocasiones pra la interacción personal de los alumnos y de éstos com su profesor son escasas, aunque de no ser así se desvirtuaría el própio concepto de educación a distancia. Pocas ocasiones pueden presentarse para la realización de

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actividades culturales, deportivas, de movilización a escala comunitaria o grupal, etc. [8]

E ainda:

Las ventajas de la riqueza de la relación educativa personal entre profesor y estudiante se ven empobrecidas. La retroalimentación, el feed-back puede ser muy lento en la educación a distancia. La rectificación de posibles errores cometidos en el diseño, em los materiales, em los mensajes, en la evaluación, et., presenta mayores dificultades que en los procesos educativos presenciales. [9]

Entretanto, Aretio diz que os tutores presenciais e os novos meios tecnológicos reduzem estes inconvenientes. [10]

Para Francisco José da Silveira Lobo Neto:

Junto com a interação professor-aluno, a relação entre colegas de curso, mesmo a distância, é uma prática valiosa, capaz de contribuir para evitar o isolamento e manter um processo instigante, motivador de aprendizagem, facilitador de interdisciplinaridade e de adoção de atitudes de respeito e de solidariedade. Sempre que necessário, os cursos de graduação a distância devem prever momentos presenciais. Sua freqüência deve ser determinada pela natureza da área do curso oferecido. O encontro presencial, no início do processo, é importante para que os alunos conheçam professores, técnicos de apoio e seus colegas, facilitando, assim, contatos futuros a distância.[11]

Maria Luiza Belloni, aponta o tradicional uso do telefone como uma forma de interação pessoal entre professor e aluno na educação a distância:

Em situações de aprendizagem a distância, a interação pessoal entre professores e alunos é extremamente importante e neste caso o uso do telefone pode ser de grande eficácia, sendo totalmente diferente do uso pelo estudante de um programa informático mesmo que este lhe ofereça muitas possibilidades interativas: na primeira situação há intersubjetividade e retorno imediato, troca de mensagens de caráter socioafetivo, enquanto na segunda há busca e troca de informações. Em ambas as situações pode e deve ocorrer aprendizagem, e os dois tipos de meios evocados podem e devem ser úteis e complementares para a EaD.[12]

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Da falta de interação entre professor e aluno surgem diversos outros problemas. A vantagem da relação pessoal entre professor e aluno e entre os alunos se vêem empobrecidas. Muitos alunos não respondem à exigência da autodisciplina indispensável no ensino a distância. O professor não possui a mínima noção do aprendizado do aluno, uma vez que nesta modalidade de educação o contato se restringe a questionamentos do aluno ao professor, e não o contrário, e ainda somente quando o aluno desejar. Por vezes a timidez e o medo de se manifestar perante todos os alunos conectados representa obstáculo ao conhecimento. No ensino presencial, a convivência rotineira com os demais se não elimina esse problema, minimiza-o.Os professores devem estar preparados para este tipo de ensino, com variadas técnicas. As relações sociais ficam prejudicadas. Os alunos são meros receptores de conhecimento, e com tanta informação a dificuldade em assimilar isso tudo é considerável. Não há espaço para a construção do conhecimento e um pensamento crítico. Para Marcos T. Masetto:

A ênfase no processo de aprendizagem exige que se trabalhe com técnicas que incentivem a participação dos alunos, a interação entre eles, a pesquisa, o debate, o diálogo; que promovam a produção do conhecimento; que permitam o exercício de habilidades humanas importantes como pesquisar em biblioteca, trabalhar em equipe com profissionais da mesma área e de áreas afins, apresentar trabalhos e conferências, fazer comunicações, dialogar etc.; que favoreçam o desenvolvimento de habilidades próprias da profissão na qual o aluno pretende se formar; que motivem o desenvolvimento de atitudes e valores como ética, respeito aos outros e a suas opiniões, abertura ao novo, criticidade, educação permanente, sensibilidade às necessidades da comunidade na qual o comunicar conhecimentos seja por meio de meios convencionais, seja por meio de novas tecnologias. [13]

Carmem Maia, comentando Dreyfus e Albert Borgmann, anota:

Para Dreyfus, os alunos virtuais não teriam a experiência que vem da resposta direta às situações arriscadas e perceptualmente ricas que o mundo nos apresenta. Sem a experiência de seus sucessos e fracassos incorporados em situações reais, eles não seriam capazes de adquirir a habilidade de um expert, que responde imediatamente a situações presentes como um mestre. Para Dreyfus, a expertise não pode ser adquirida no ciberespaço desencorporado, pois necessita do exercício de interconexão de corpos, da intercorporalidade, da presença de uma sala de aula.(...)

Outro autor que argumenta na mesma direção é Albert Borgmann, em seu Holding on to reality. Para ele, a educação implica disciplina para sustentar o esforço de aprendizado, que por sua vez precisa do suporte de tempo, espaço e socialização que têm sido partes da natureza humana desde que nos envolvemos em um mundo de informações naturais. Além disso, as universidades virtuais poderiam a ajudar a perpetuar um problema, o dos preconceitos, que as universidades reais já começaram a resolver, pois nestas os ‘superiores’ e ‘inferiores’ são obrigados a conviver frente a frente com tarefas comuns e exigentes. Para Borgmann, o campus tradicional recria uma ordem espacial e temporal cara à informação natural. As aulas têm seu tempo e espaço específicos. Elas ocorrem em salas cavernosas com boa parte da atenção centrada em uma pessoa. Seminários são

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conduzidos em pequenas salas com grande interação de alunos e professores. Os laboratórios têm um cheiro característico e envolvem o tato, assim como a visão e a audição. As bibliotecas oferecem espaços para leituras silenciosas. Lanchonetes nos cercam com seu zumbido confortante. Mesmo na pequena escala do escritório, escrever aqui, procurar uma pasta ali, levantar para pegar um livro da estante caracterizam-se como envolvimentos menores do corpo que ajudam a espacializar e temporalizar a informação, tornando mais provável sua transformação em conhecimento. A informação tecnológica, ao contrário, brota infinita e incansavelmente de uma fonte em direção a um corpo imobilizado por um sentido. Ou assim seria se microcomputadores fossem uma fonte de informação verdadeiramente rica. Mas o que ocorre é um desequilíbrio proibitivo entre a informação tecnológica abundante, de um lado, e a capacidade de absorção severamente atrofiada, de outro. [14]

Pode ocorrer também fenômeno de um monopólio em que instituições se consagrem no cenário nacional, passando a educar em massa, com os melhores professores e recursos tecnológicos, sendo procuradas e as demais repelidas.

Considerando que tanto nos cursos de graduação como de especialização, mestrado e doutorado, busca-se uma formação não só teórica e prática, mas humanista, o ensino jurídico a distância não se mostra como a melhor alternativa. O ideal seria mesclar a educação tradicional com os avanços tecnológicos da educação a distância.

Para Jacques Delors:

Todas as universidades deviam tornar-se “abertas” e oferecer a possibilidade de aprender a distância e em vários momentos da vida. A experiência do ensino a distância demonstrou que, no nível de ensino superior, uma dose sensata de utilização dos meios de comunicação social, de cursos por correspondência, de tecnologias de comunicação informatizadas e de contatos pessoais, pode ampliar as possibilidades oferecidas, a um custo relativamente baixo. Estas possibilidades devem incluir, ao mesmo tempo, a formação profissional e os ensinamentos de enriquecimento pessoal. Além disso, de acordo com a idéia segundo a qual cada um deve simultaneamente aprender e ensinar, a universidade deve apelar mais à colaboração de especialistas além dos professores de ensino superior: o trabalho de grupo, a cooperação com a comunidade circunvizinha, o trabalho de estudantes a serviço da comunidade, são alguns dos fatores a que podem enriquecer o papel cultural das instituições de ensino superior e como tal merecem ser encorajados.[15]

4 O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

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A Lei de 11 de agosto de 1827 criou dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil, um na cidade de São Paulo e outro em Olinda. A origem dos cursos está relacionada com a necessidade de uma estrutura político-administrativa que viabilizasse a independência. Todavia, após a instalação dos cursos priorizou-se a formação de juízes e advogados. O aprendizado no Brasil Império era muito semelhante ao que ocorre ainda hoje, ou seja, as universidades não preparam o profissional para a profissão nem para a vida, sua formação vem da experiência no mercado de trabalho.[16]

Com efeito, a principal diferença do Brasil Império e dos dias de hoje é a explosão da oferta de cursos jurídicos no país. Infelizmente, o ensino jurídico não ficou imune aos fracassos da educação tradicional.

A péssima qualidade dos cursos de direito fica evidente quando se observa o elevado índice de reprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, combinado com a postura de profissionais que não possuem compromisso nenhum com a ética, a moral e a justiça. Os acadêmicos do último ano das universidades de direito hoje não possuem nem ao menos noção de dogmática jurídica, como esperar então uma atitude crítica? Na opinião de Alberto Consolaro, a essência da universidade está em formar sujeitos capazes de produzir e manifestar um pensamento crítico:

A universidade, uma comunidade pensante, existe para ensinar a desenvolver o espírito crítico de seus estudantes e o seu próprio julgamento. Educar para a universidade significa ensinar a pensar sozinho. Os indivíduos assim formados devem ser capazes de pensar e criticar com independência e saber transmitir à sociedade este espírito. Esta é a essência da universidade.[17]

Contemporaneamente não mais se sustenta a concepção de que o acadêmico simplesmente assista às aulas como telespectador. A visão de que o docente é um ser superior, dotado de sabedoria infinita, há muito tempo foi superada. A universidade tem de representar um caldeirão de idéias, somente assim abrirá caminhos para a construção do conhecimento.

Partindo deste pressuposto, tornar a universidade atrativa não é tarefa das mais fáceis. Entretanto, a combinação entre professores de qualidade voltados a uma formação humanística, ambiente reflexivo, didática eficiente, estrutura física capaz de abrigar a pesquisa científica inovadora, disponibilidade de recursos tecnológicos e troca de experiências entre os alunos e a comunidade, seria um bom começo.

Para Pedro Demo:

O que a universidade deve ter de especial é mérito acadêmico inequívoco, comprovado na capacidade permanente de reconstrução própria do conhecimento, formação extremamente qualitativa de seus alunos, habilidade de manejar a fronteira das inovações importantes na sociedade e na economia. Se esse fosse o caso, haveria pouco

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que reclamar sobre custos, por exemplo, porque não existe educação qualitativa barata, mas sobretudo porque, sendo o manejo inteligente do conhecimento o fato diferencial entre os povos, não há preço para essa competência humana. Isso também fundamentaria, de sobra, sua gratuidade, não, porém, o discurso social mentiroso que imagina estar defendendo os pobres. Estes não passam do ensino fundamental.[18]

É fato que as universidades públicas, sobretudo as mais conceituadas, constituem território das classes média e alta. Poucos são os jovens que após ter concluído o ensino fundamental e médio em escola pública conseguem ingressar no ensino superior. Sendo esta dificuldade aparente até mesmo nas instituições privadas, o que dizer da universidade pública?

Fortalecer a educação pública desde o ensino fundamental, passando pelo ensino médio e preparando o aluno para ingressar na universidade, seria o projeto ideal.

Mas como a realidade e o sonho quase sempre estão muito distantes, o Estado não dispondo dos recursos necessários para essa arrojada reforma, busca alternativas que somente acentuam as diferenças. Um exemplo é a criação do sistema de cotas. Fala-se em cotas para afro-descendentes, índios, pobres, etc. A falha no sistema permanece, e cria-se outro problema ainda mais grave, que é a subdivisão da população em “comunidades”, tais quais às da internet (Orkut).

A importância do ensino jurídico está se perdendo no mundo globalizado. A explicação é de que o mercado gira em torno das ciências econômicas, administrativas, de produção, comércio exterior, tecnologias de informação, etc.

Com tanto assunto, não há tempo para se discutir o direito, até porque seria inútil. Enquanto se discute, o cenário mundial já se modificou. É o direito sempre correndo atrás da evolução (involução?) da sociedade. Involução no sentido de ter que avançar, ultrapassar conceitos e modelos, para ao final da trajetória concluir que tudo o que tínhamos lá no início era, senão melhor, ao menos palpável, concreto, real. Toma-se como exemplo o uso de terapias alternativas para cura de determinadas doenças, a procura cada vez maior por alimentos orgânicos, a fuga da metrópole em busca de uma vida simples no campo. Até receber cartas era muito mais romântico do que o tal do e-mail.

É uma pena que no passado também tenham se perdido valores essenciais para a vida em sociedade. Da problematização levantada até o presente momento, a relativização da ética e da moral constitui o ponto nuclear da crise do ensino jurídico no Brasil.

Poucos são os acadêmicos que elegem o Direito por ideologia. A maioria ingressa na universidade ainda muito jovem, sem saber ao certo qual rumo tomar na vida. A escolha é determinada basicamente por uma perspectiva de status social e perseguição do lucro (ilusão). Outros ainda escolhem o Direito somente pra pleitear vaga em concursos públicos que exigem graduação em curso superior.

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Destarte, as instituições de ensino jurídico jogam no mercado profissionais sem o mínimo de conhecimento do direito positivado, incapazes de qualquer atitude reflexiva e desprovidos da genuína consciência ética e moral.

Para José Renato Nalini, à deontologia forense aplica-se um princípio fundamental: agir segundo ciência e consciência. Ciência a significar o conhecimento técnico adequado, exigível na generalidade, quanto à consciência:

Formar a consciência é o objetivo mais importante de todo o processo educativo. Ela é que avalia o acerto das ações, ela é que permite reformular o pensamento e as opções. Somente ela permitirá coerência ao homem, propiciando-lhe comportar-se de acordo com a própria consciência. Por isso é que a formação da consciência, além de ser o objetivo mais importante, resume em si todo o inteiro processo educativo.[19]

A relevância em despertar a consciência no acadêmico de direito toma suas reais proporções na medida em que não podemos apostar na evolução espontânea da sociedade como pressuposto para uma ascensão qualitativa do ensino jurídico no país. Para José Renato Nalini: “A decantação dos maus costumes para ver aflorar os bons não tem sido a regra na história das civilizações. Há razões para muito ceticismo e, até, para certo pessimismo. O momento de se pensar seriamente em ética era ontem, não amanhã.”[20]

Na visão de Eduardo Bittar:

A opção pela ética é uma opção que procura direcionar esforços no sentido do enriquecimento do estoque de paradigmas construtivos e dignificantes da humanidade. Por ser patrimônio da humanidade, o conjunto de todos os valores, ações e ideologias que contribuem em seu favor merece proteção e culto diários, para que se possa realmente estabelecer os parâmetros para uma sociedade de fato livre e igualitária.[21]

Neste diapasão, a ética e a moral são valores que devem fazer parte do cotidiano de todos os indivíduos, de forma ininterrupta.

Relativamente aos operadores do direito, quando a ética e a moral lhes faltar, ameaçados estarão também o Estado Democrático de Direito e a justiça.

Por esta razão, muito antes do ensino abordar a dogmática, deve orientar o acadêmico a construir uma vida fundamentada nos valores éticos e morais. Deontologia jurídica deve ser disciplina presente e obrigatória em todos os currículos de ciências jurídicas e sociais.

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Após discorrer sobre a problemática da estrutura interna do ensino jurídico, pertinente a ponderação a respeito do avanço incontrolável do número de cursos de direito existentes no país.

A oferta indiscriminada de cursos jurídicos no País tem uma razão de ser: em nenhum momento da história se lucrou tanto com a educação como hoje em dia. Para Fernando Facury Scaff:

Não se deve perder de vista a função social dos operadores do direito, sua formação deve sempre ter por escopo a importância de sua atuação como vetor do desenvolvimento e da redução das desigualdades sociais, em busca da Justiça, e não como um instrumento de manutenção e reação às mudanças sociais. Faz-se observar que nem sempre o moderno, o mais recente, quer dizer novo. As mudanças se operam com o ultrapassamento de problemas através da efetiva alteração de paradigmas, e não com o retorno a experiências malsucedidas, travestidas de modernidade. Não mais se admite uma educação que sacrifique a qualidade, e o ensino, o desenvolvimento humano para obtenção de lucro, denominando inclusão social. Expandir sem qualidade será o suicídio de uma geração.[22]

Enquanto as instituições de ensino superior se multiplicam numa velocidade admirável, multiplica-se também o número de profissionais desorientados e desempregados por conta da péssima qualidade do curso.

Assim, temos graduados em direito ocupando vagas nas mais diversas áreas, cargos e salários.

Os cursos preparatórios para concursos nunca tiveram tantos alunos na disputa. Mesmo com curso superior, grande parte deles se prepara para ingressar no funcionalismo público ainda que seja para ocupar uma função de ensino médio.

A solução talvez esteja em barrar o credenciamento dos cursos, com normas mais rigorosas, todavia, estar-se-ia criando outro problema, a grande dificuldade em se ingressar no curso superior. Também não podemos negar a função social das instituições de ensino na geração de empregos.

Em meio à gigantesca onda dos cursos de direito, o ensino jurídico a distância se destaca por características peculiares, e é alvo de acalorados debates.

4.1 O ENSINO JURÍDICO A DISTÂNCIA

Outra crítica relevante à Educação a Distância se fundamenta na inexistência de ambiente para formação de um pensamento crítico. Conseqüentemente, também não há

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espaço para a construção do conhecimento. O caminho da ética e da moral, também não são ensinados nas instituições de ensino jurídico a distância. Para San Tiago Dantas:

Considerando que as falhas na modalidade de ensino a distância verificam-se basicamente na falta de interação entre aluno e professor e alunos entre si, o que dificulta sobremaneira e construção do conhecimento, o pensamento crítico e a formação ética e moral, é o pensamento de San Tiago Dantas:

Pela educação jurídica é que uma sociedade assegura o predomínio dos valores éticos perenes na conduta dos indivíduos e sobretudo dos órgãos do poder público. Pela educação jurídica é que a vida social consegue ordenar-se segundo uma hierarquia de valores, em que a posição suprema compete àqueles que dão à vida humana sentido e finalidade. Pela educação jurídica é que se imprimem no comportamento social os hábitos, as reações espontâneas, os elementos coativos, que orientam as atividades de todos para as grandes aspirações comuns.[23]

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crise no ensino jurídico se tornou um fato indiscutível, não há como negar as causas desse problema generalizado, porém, durante alguns anos se buscou incansavelmente a solução para essa gravosa crise, sendo certo que nada se resolveu.

Deste modo, a EAD surge como uma modalidade de ensino não presencial, que tem como objetivo principal fornecer o ensino, não respeitando empecilhos outrora existentes, tais como, barreiras geográficas e falta de tempo.

Deste modo, evidente a exitencia de falhas nessa modalidade de ensino, contudo, deve-se ter em mente que apenas alguns detalhes podem fazer a diferença.

O que o EAD pretende, não é romper com a tradicional forma de ensinar, em absoluto, porém deseja apenas facilitar a vida daqueles que desejam buscar novos conhecimentos mas não pode de modo algum se desvencilhar da ética e da moral, pois já não há espaço para as faculdades que buscam somente o lucro infindável, uma vez que o próprio mercado de trabalho seleciona os novos profissionais.

Por fim, independentemente da modalidade de ensino,não se pode esquecer valores considerados essenciais para a vida em sociedade, não há que se permitir a relativização da ética e da moral, pois só assim a solução surgirá para a crise no ensino jurídico brasileiro.

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[1] MOTTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e educação no século XXI. Brasília:UNESCO, 1997. p.213.

[2] DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. 5.ed. São Paulo:Cortez; Brasíia : MEC:UNESCO, 2001. p.85.

[3] Decreto Lei n.5.622 de 10 de dezembro de 2005. Art. 1.

[4] FRAGALE, Roberto Filho. Educação a distância: análise dos parâmetros legais e normativos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.21/22.

[5] MAIA, Carmem. ABC da EaD; a educação a distância hoje. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. p. 21-23.

[6] GUAREZI, Rita de Cássia Menegaz. Educação a distância sem segredos.Curitiba: Ibpex, 2009. p. 34 a 38.

[7] Decreto Lei n. 5.622 de 10 de dezembro de 2005. Art.2.

[8] ARETIO, Lorenzo García. La educación a distancia: De la teoria a la práctica. Barcelona: Ariel, 2006. p. 87/88.

[9] Idem.

[10] Ibidem.

[11] LOBO, Francisco José da Silveira Neto. Educação a distância: referências e trajetórias. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, 2001. p. 132.

[12] BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. 3.ed. Campinas, SP; Autores Associados, 2003. p .58

[13] MORAN, José Manoel et alli. Novas tecnologias e mediação pedagógica.3ed. Campinas, SP: Papirus, 2000. P. 143-144.

[14] MAIA, Carmem. Op.cit., p.12.

[15] DELORS, Jacques. Op.cit. p.144

[16] BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 1 ,42.

[17] CONSOLARO, Alberto. O “Ser” Professor: arte e ciência do ensinar e aprender. 4.ed. Maringá : Dental Press, 2005. p. 23.

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[18] DEMO, Pedro. A Nova LDB: Ranços e Avanços. 18ed. Campinas: Papirus, 2004. p.82.

[19] NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.183.

[20] Idem. p.203, 204.

[21] BITTAR, Eduardo C.B.. Curso de Ética Jurídica: Ética geral e profissional. 2ed. SãoPaulo: Saraiva, 2004. p.65.

[22] SCAFF, Fernando Facury. OAB Recomenda: Um Retrato dos Cursos Jurídicos. Brasília:OAB, Conselho Federal. 2001. p.80.

[23] DANTAS, San Tiago. Palavras de um professor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.57

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