o espaço agrario no brasil

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AGRÁRIA, São Paulo, no 9, pp. 96-102, 2008 PAULINO, Eliane Tomiasi; ALMEIDA, Rosemeire Aparecida. Terra e território: a questão camponesa no capitalismo. São Paulo: Expressão Popular, 2010. Ricardo Manffrenatti Venturelli 1 [email protected] Sempre em busca pelo entendimento da permanência e da reprodução do campesinato brasileiro, as professoras Eliane Tomiasi Paulino 2 e Rosemeire Aparecida de Almeida 3 compõem sua mais nova obra. Em “Terra e Território: a questão camponesa no Capitalismo” (2010), as autoras, como elas mesmas afirmam, realizam o exercício da ação-reflexão-ação, baseadas nas atividades docentes e de pesquisa, para buscar compreender as relações que permeiam o capitalismo e o campesinato, a partir de suas contradições, e a conseqüente luta pela terra e território entre forças díspares no campo. No exercício do entendimento da questão camponesa no Brasil, Eliane e Rosemeire recorrem aos autores clássicos, como forma de ressignificar seus conceitos e revalidar o papel do campesinato na economia capitalista do século XXI. Entender a complexidade dialética entre o capital e o campesinato no século XXI, implica ater-se em questões que envolvem a irracionalidade da sociedade atual, onde se privilegia sistemas bancários em crise e se nega a necessidade da Reforma Agrária, e sua legitimidade social, negando também a supremacia nacional através da segurança alimentar. Logo, o campesinato aparece como algo ‘diferente’ do capitalismo, por muitos entendidos como o ‘atraso no campo’. Contudo, o campesinato, e suas relações tipicamente não-capitalistas de trabalho e produção, trabalho esse baseado em sua maioria pela mão-de-obra familiar, por mais que possa parecer como um entrave ao desenvolvimento do capital, não o é. O campesinato brasileiro do século XXI permanece e se reproduz através das contradições do capital. A sujeição da renda camponesa ao capital industrial e/ou comercial, e a necessidade destes pela produção 1 Integrante do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana (Mestrado em Geografia Humana) da Universidade de São Paulo (USP), sob a orientação da Profª Dra. Larissa Mies Bombardi. Professor do Centro Paula Souza nos cursos de Ensino Médio e Técnico em Meio Ambiente. 2 Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina (UEL). 3 Docente do Departamento de Ciências Humanas – Campus Três Lagoas da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

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alguns apontamentos sobre lucro na terra

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  • AGRRIA, So Paulo, no 9, pp. 96-102, 2008

    PAULINO, Eliane Tomiasi; ALMEIDA, Rosemeire Aparecida. Terra e territrio: a questo camponesa no capitalismo. So Paulo: Expresso Popular, 2010.

    Ricardo Manffrenatti Venturelli1 [email protected]

    Sempre em busca pelo entendimento da permanncia e da reproduo do

    campesinato brasileiro, as professoras Eliane Tomiasi Paulino2 e Rosemeire Aparecida

    de Almeida3 compem sua mais nova obra. Em Terra e Territrio: a questo

    camponesa no Capitalismo (2010), as autoras, como elas mesmas afirmam, realizam o

    exerccio da ao-reflexo-ao, baseadas nas atividades docentes e de pesquisa, para

    buscar compreender as relaes que permeiam o capitalismo e o campesinato, a partir

    de suas contradies, e a conseqente luta pela terra e territrio entre foras dspares no

    campo.

    No exerccio do entendimento da questo camponesa no Brasil, Eliane e

    Rosemeire recorrem aos autores clssicos, como forma de ressignificar seus conceitos e

    revalidar o papel do campesinato na economia capitalista do sculo XXI.

    Entender a complexidade dialtica entre o capital e o campesinato no sculo

    XXI, implica ater-se em questes que envolvem a irracionalidade da sociedade atual,

    onde se privilegia sistemas bancrios em crise e se nega a necessidade da Reforma

    Agrria, e sua legitimidade social, negando tambm a supremacia nacional atravs da

    segurana alimentar.

    Logo, o campesinato aparece como algo diferente do capitalismo, por muitos

    entendidos como o atraso no campo. Contudo, o campesinato, e suas relaes

    tipicamente no-capitalistas de trabalho e produo, trabalho esse baseado em sua

    maioria pela mo-de-obra familiar, por mais que possa parecer como um entrave ao

    desenvolvimento do capital, no o . O campesinato brasileiro do sculo XXI

    permanece e se reproduz atravs das contradies do capital. A sujeio da renda

    camponesa ao capital industrial e/ou comercial, e a necessidade destes pela produo

    1 Integrante do Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana (Mestrado em Geografia Humana) da Universidade de So Paulo (USP), sob a orientao da Prof Dra. Larissa Mies Bombardi. Professor do Centro Paula Souza nos cursos de Ensino Mdio e Tcnico em Meio Ambiente. 2 Docente do Departamento de Geocincias da Universidade Estadual de Londrina (UEL). 3 Docente do Departamento de Cincias Humanas Campus Trs Lagoas da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

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    camponesa, expressam essa relao contraditria, passvel de ser analisada no momento

    atual pela tica dos pensadores clssicos, o que representa consequentemente

    (re)entender o campesinato.

    O objetivo desta obra no visa ser apenas mais uma nas estantes das bibliotecas,

    mas sim servir de objeto de reflexo acadmica e social, como ferramenta de

    entendimento desse campesinato, que se reproduz com as foras que tem, seja a luta

    pela terra, seja pela sujeio de sua renda, sempre sob os marcos da justia social, pela

    legitimidade dos movimentos sociais e pela emergncia do respeito classe camponesa

    que alimenta o Brasil.

    interessante ressaltar algumas reflexes dos Pensadores Clssicos da Questo

    Agrria, dentre eles os marxistas Kautsky (1980) e Lnin (1985), que se dedicaram a

    interpretar a insero do capitalismo no campo, em que este iria fazer sucumbir todos os

    processos no-capitalistas, demonstrando que o campesinato estaria em vias de

    extino. Ao remeter essas reflexes para entendimento do desenvolvimento do capital

    no campo brasileiro, aqueles que seguem essa corrente terica, concluem que o capital

    atingiu nveis de insero no campo que so irreversveis, e que cada vez se consolidar

    como o que vem a ser a expresso do moderno.

    Contudo, o que presenciado no campo brasileiro a irracionalidade da

    concentrao de terras, que faz prevalecer a desigualdade social, expressando a face do

    pas. Assim, a Reforma Agrria e a consolidao da classe camponesa no Brasil

    necessidade no apenas para o fortalecimento do mercado interno, como tambm

    veculo pra a distribuio de renda e qualidade de vida, afirmados como bandeira dos

    movimentos sociais.

    Entretanto, atualmente o discurso do agronegcio ganhou o imaginrio popular

    como o moderno no campo brasileiro, em detrimento do campesinato. A diferena

    entre ambos, no que diz respeito ao nmero de pessoas ocupadas, gerao de renda e

    produo de alimentos se encontra muito mais recorrente no campesinato, enquanto que

    o agronegcio quem ganha a simpatia da sociedade e os interesses polticos. Apesar

    de serem os velhos latifndios modernizados, mas somente as mquinas so modernas,

    pois as relaes so reprodues das mais arcaicas.

    nesse bojo que o campesinato entra como relaes de produo e classe social

    que necessitam de interpretaes e entendimentos no campo brasileiro atual. Partindo

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    das consideraes de Chayanov (1974), em que possvel entender os mecanismos e

    fenmenos da recriao do campesinato, e como as intencionalidades e o uso da terra

    camponesa diferem do uso capitalista, surgem as disputas por territrio, seja por terra,

    seja para nela se manter.

    A permanncia da questo camponesa no mundo moderno carrega consigo a problemtica a terra e do territrio no capitalismo. Por conseguinte, no possvel falar em campons sem fazer referncia a esse debate, pois a terra, em disputa, se transforma em territrio e continua desempenhando papel sui generis no capitalismo. (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 16)

    Assim, na primeira parte deste livro dada especial ateno natureza da

    economia camponesa. A questo camponesa elencada como fundante na discusso

    sobre a relao de trabalho familiar e o capitalismo, ou seja, os mecanismos de

    reproduo do grupo familiar e a sujeio camponesa pelo capital.

    Logo, se valendo das concepes de Shanin (1980, 1983 e 2008), tem-se que para

    entender o campesinato,

    importante no apenas para identificar as razes de sua capacidade de resistncia, que est fundamentalmente centrada na economia familiar, mas sobretudo, para entender que os elementos dessa economia domstica, como ensina Chayanov, no so explicveis por meio das categorias da economia capitalista ou da economia estatal. (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 19)

    Dessa forma, Paulino e Almeida (2010) elencam como primordial uma

    interpretao camponesa baseada nas dinmicas econmicas do sculo XXI, utilizando

    os elementos conceituais escritos pelos autores clssicos no final do sculo XIX e incio

    do sculo XX, uma vez que muito foi escrito sobre o fim ou irracionalidade desta classe,

    que permanece nos dias de hoje, como classe contraditria ao capitalismo.

    Reinterpretar e ressiginificar os conceitos forjados pelos pensadores clssicos da

    questo agrria de fundamental importncia para se entender os movimentos de

    reproduo camponesa e a sua relao com o capital. E nessa ordem, que as autoras se

    dedicam a investigar, a partir da reflexo terica, as dinmicas que permeiam as

    contradies do campo brasileiro no sculo XXI.

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    Logo, possvel compreender a relao entre o capitalismo e o campesinato,

    uma vez que o desenvolvimento do capital no se faz em sentido nico, antes a sua

    reproduo ampliada se faz ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, (re)cria

    formas no capitalistas com vistas extrao da renda, via pilhagem, como forma de

    produzir capital (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 28).

    Portanto, sob a interpretao marxista de formao econmica e social,

    fundamental entender o processo do capital atravs das contradies do

    desenvolvimento desigual. O campesinato mesmo sendo formado por relaes de

    trabalho no-capitalistas, sua reproduo deve ser entendida a partir das contradies do

    capital e no como fruto da articulao entre modos de produo.

    Assim, Eliane e Rose nessa obra evidenciam o avano na teoria de Chayanov,

    uma vez que na atualidade possvel desvendar a lgica camponesa e o seu lugar na

    dinmica de produo/reproduo do capital.

    Como afirma Marx (1974), o desenvolvimento do capital na indstria e no

    campo difere, e logo, o tempo de produo de alguns produtos agrcolas repelem o

    capital. Assim, o tempo de trabalho na indstria coincide com o tempo de produo, na

    agricultura, a produo no depende apenas do trabalho, mas tambm dos ciclos

    biolgicos e climticos. Essas ocorrncias abrem margem para a produo camponesa.

    Nesse momento vale a reflexo sobre a produo camponesa, onde h a

    estocagem de alimentos para consumo da famlia nos perodos de entressafra, o que

    demonstra a irracionalidade do ponto de vista do capital, pois sem a comercializao do

    produto, no h lucro. Surge aqui as contribuies de Chayanov sobre a teoria do

    balano entre o trabalho e consumo, fundamental para entender as dinmicas produtivas

    no campesinato.

    Quanto renda da terra, tem que se partir do carter da propriedade privada da

    terra, exercida por alguns em detrimento do restante da sociedade. A propriedade

    privada da terra camponesa difere da capitalista. Logo, a propriedade privada da terra

    camponesa supe o seu controle produtivo, sua liberdade. nesse ponto em que os

    movimentos sociais de luta pela terra, como o MST (Movimento dos Trabalhadores

    Rurais Sem-Terras), remetem quanto recriao e reproduo camponesa, tais como

    nos assentamentos.

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    Assim, a permanncia e recriao do campesinato no sculo XXI, aparecem

    como um desafio a toda a sociedade. Debates conceituais entre os termos campesinato

    e agricultura familiar so estritamente polticos, uma vez que demonstram ideologias

    polticas e sociais sobre a interpretao das relaes de produo familiar no campo. E

    separ-los conceitualmente significa dizer que o agricultor familiar um representante

    do agronegcio capitalista de fato, mas em pequena escala. E essa pequena produo

    agrcola, para esta corrente, est fadada ao desaparecimento, seja por via de se tornar

    um capitalista ou ter que se assalariar.

    importante, assim, rever as teorias de Chayanov, para entender que este

    sujeito, agora chamado por outro nome por muitos tericos, de fato o campons, que

    se reproduz atravs de suas estratgias, sujeitando sua renda ao capital, mas no se

    valendo de relaes capitalistas de trabalho e produo para se reproduzir.

    Portanto, a explorao do campesinato pelo capital no se d sobre o trabalho,

    mas sobre a produo. Logo, a terra para o campesinato aparece como terra de trabalho,

    e no terra de negcio. Uma analise superficial sobre a teoria do balano entre o

    trabalho e consumo na propriedade camponesa, poderia dar a entender que o

    excedente produzido pelo campons que se torna mercadoria e comercializado,

    garantindo assim a remunerao camponesa.

    Entretanto, pode ser notada a intensidade em que se desenvolvem os setores

    especializados na produo camponesa, onde h a sujeio formal ao capital industrial.

    Mas tambm h o poder de articulao camponesa, enquanto produtor de matrias-

    prima, garantindo o seu papel no setor produtivo, visto a necessidade do capital em se

    valer de relaes tipicamente no-capitalistas para efetuar a produo do capital, e o

    campesinato se valendo dessa estratgia capitalista, cria mecanismos para efetivar a sua

    reproduo.

    Logo, importante ressaltar que a presena camponesa no decorre de uma

    licena capitalista, mas sim da capacidade prpria de se articular, enquanto classe

    (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 65).

    Tal fato ficou provado estatisticamente aps a divulgao do Censo

    Agropecurio de 2006, fazendo com que a CNA (Confederao Nacional da

    Agricultura) questionasse os dados censitrios do IBGE (Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica) quanto supremacia da pequena produo agropecuria, de

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    base familiar, na produo de alimentos, pessoas ocupadas e gerao de renda. Chegou-

    se por parte dessa confederao elaborao de pesquisas para provar o contrrio, com

    o intuito de desmentir os resultados desse censo, e logo a capacidade produtiva

    camponesa, como forma de propagar seus interesses, ou seja, uma falsa verdade

    sociedade.

    nesse ponto que fica evidente a aliana entre terra e capital no Brasil, que

    difere dos pases de capitalismo central. Sendo que no Brasil comum se fundir na

    mesma pessoa a figura do latifundirio e do burgus, privilegiando a propriedade

    privada da terra, sob seu carter rentista, em detrimento da produo.

    Portanto, a resistncia camponesa explcita a contradio de classes entre esses e

    os capitalistas, como tambm a luta pela terra, que a expresso polticas de um

    reordenamento territorial em constante disputa. Disputa essa entre os camponeses que

    pem o alimento na mesa do brasileiro, e o latifundirio que coloca a soja na rao do

    gado europeu, ou que desmata a Amaznia para moveis de luxo nos EUA.

    O que no est dito para quem a comida no pode faltar, j que o flagelo contemporneo determinado, em grande medida, pela poltica de exportao de alimentos pelos pases perifricos, e que tem culminado na privao desses mesmos alimentos para os pobres que ali vivem. (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 100)

    Referncias Bibliogrficas

    CHAYANOV, Alexander V. La Organizacin de la Unidad Econmica Campesina. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visin, 1974.

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    LENIN, Vladimir Ilyich. O desenvolvimento do Capitalismo na Rssia: O processo de formao do Mercado Interno para a Grande Indstria. So Paulo: Nova Cultural, 1985.

    MARX, Karl. O Capital Livro 3, volume 6. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1974

    PAULINO, Eliane Tomiasi; ALMEIDA, Rosemeire Aparecida. Terra e Territrio: A

    Questo Camponesa no Capitalismo. So Paulo: Expresso Popular, 2010.

  • PAULINO, Eliane Tomiasi; ALMEIDA, Rosemeire Aparecida. Terra e territrio: a questo camponesa no capitalismo. So Paulo: Expresso Popular, 2010, pp. 95-102.

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    SHANIN, Teodor. Lies Camponesas. In: PAULINO, Eliane Tomiasi; FABRINI, Joo

    Edimilson (Orgs.). Campesinato e Territrios em Disputa. So Paulo: Expresso

    Popular, 2008, p, 23-47

    ______. La Classe Incomoda: Sociologa poltica del campesinato en una sociedad en

    desarrollo (Rssia 1910-1925). Vrsion Espaola de Fernando Andrada Tpia.

    Madri: Alianza Editorial 1983.

    ______. A definio de campons: conceituao e desconceituao: o velho e o novo em uma discusso marxista. Estudos Cebrap, Petrpolis, n.26, p.43-79, 1980.