O ESPELHO DE UMA CIDADE: O Carnaval de Montevidéu, identidade e turismo.
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FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E ECONOMIA
CURSO DE BACHAREL EM TURISMO
EVA BETTINA ACOSTA DE PAULA
O ESPELHO DE UMA CIDADE: O Carnaval de Montevidéu, identidade e turismo.
Porto Alegre
Junho 2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E ECONOMIA
CURSO DE BACHAREL EM TURISMO
EVA BETTINA ACOSTA DE PAULA
O ESPELHO DA CIDADE:
O Carnaval em Montevidéu, identidade e turismo.
PORTO ALEGRE
2011
EVA BETTINA ACOSTA DE PAULA
O ESPELHO DA CIDADE:
O Carnaval em Montevidéu, identidade e turismo.
Monografia apresentada como requisito para
obtenção do grau de Bacharel pelo Programa
de Graduação da Faculdade de Turismo da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Orientador: Prof.ª Me. Ana Maria Beber
Porto Alegre, junho de 2011.
“Adiós Carnaval espero
Recorrerte otra vez
Cantarle al rigor
Un nuevo cuplé
Hasta que el rulo del tambor
Marque otro final
Adiós Carnaval
Parece mentira las cosas que veo
Por las calles de Montevideo...”
Letra de Ádios Juventud de Jaime Roos,
1982.
AGRADECIMENTOS
A Bruna, luz da minha vida, por ter
resistido as minhas ausências, a minha
falta de atenção, aos fins de semana em
casa. Bruna eu te amo por ser o rumo da
minha vida, por ser a força que me levou
até aqui, pela força que me dás todos os
dias, por ser a razão dos batimentos do
meu coração.
A minha mãe que sempre, mesmo nos
momentos mais difíceis me ajudou, me
colocou no caminho, me iluminou e
dedicou sua vida a mim, os acertos da
minha vida, dedico a ela, assim como
minhas conquistas, todas nasceram da
força que ela tem ao acreditar em mim.
A Ariadne, pela frase “tu é uma
guerreira”. As minhas parceiras de todo
o curso Mariana e Renata, obrigada por
tudo.
A professora Ana Beber quem me
incentivou me ajudou, me deu suporte e
construiu este trabalho junto comigo.
Que esta seja o inicio de uma longa
caminhada entre discípulo e mestre.
A professora Suzana, minha guia na
faculdade, porque em aula disse que
nosso caminho seria construído por
aquilo que mais amamos fazer. E com
isso me levou de volta para o carnaval e
para o lugar que mais amo no mundo.
A todos aqueles que me apoiaram, aos
entrevistados aos que pararam para me
contar histórias, aos amigos que fiz em
Montevidéu e principalmente ao
abençoado momento em que decidi fazer
este trabalho que me reaproximou do
meu pai depois anos de distancia e que
me ajudou a reconciliar-me com minha
origem para trilhar meu futuro.
RESUMO
Este trabalho objetiva analisar o carnaval como expressão de identidade local e produto
turístico na cidade de Montevidéu, no Uruguai, analisando como esta manifestação está
intrinsecamente ligada à identidade na cidade e o carnaval na sua modalidade atual. A
pesquisa utilizou a abordagem qualitativa pela qual se buscou resgatar o histórico do
carnaval de Montevidéu, assim como a construção da identidade da cidade e sua
comunicação através do carnaval. As técnicas de pesquisa utilizadas foram a pesquisa
bibliográfica, a observação participante e o questionário de perguntas abertas. A
pesquisa bibliográfica baseou-se no acervo da Biblioteca Nacional do Uruguai, a
observação participante deu-se durante o carnaval de 2011 e o questionário aplicou-se à
participantes do carnaval. Evidenciou-se no resultado que o carnaval, mesmo sendo
considerada manifestação cultural do Uruguai, não se constitui, ainda, em um produto
turístico de forte apelo. O carnaval vem sendo trabalhado, primeiramente, como uma
representatividade da cidade e, portanto, faz com que surjam políticas para salvaguardar
esta representatividade identitária. O turismo, no entanto, ainda não possui uma política
que desenvolva o apelo turístico que o carnaval necessita para se desenvolver como
produto turístico, dependendo, assim como toda a cadeia turística do Uruguai,
prioritariamente dos turistas argentinos.
Palavras-chave: Turismo. Montevidéu. Carnaval. Identidade. Patrimônio.
RESUMEN
Este trabajo tiene como objetivo analizar el carnaval como expresión de identidad local
y producto turístico en la ciudad de Montevideo, en el Uruguay, analizando como esta
manifestación esta intrínsecamente envuelta con la identidad en la ciudad y carnaval en
su modalidad actual. La pesquisa utilizo un abordaje cualitativo por el cual se buscó
rescatar el histórico del carnaval de Montevideo, así como la construcción de la
identidad de la ciudad y su comunicación a través del carnaval. Las técnicas de pesquisa
utilizadas fueron la revisión bibliográfica, la observación participante y el cuestionario
de preguntas abiertas. La revisión bibliográfica se basa en la colección de la Biblioteca
Nacional del Uruguay, la observación participante se dio a cabo durante el carnaval de
2011 y el cuestionario se aplicó a participantes del carnaval. Se evidenció en el
resultado, que el carnaval, mismo siendo considerado manifestación cultural del
Uruguay, no se constituye, todavía, en un producto turístico de fuerte atractivo. El
carnaval ha sido trabajado, primero, como una representatividad de la ciudad y, por
tanto, hace con que se críen políticas para salvaguardar esta representatividad
identitaria. El turismo, sin embargo, todavía no posé una política que desarrolle el
atractivo turístico que es lo que el carnaval necesita para desarrollarse como un
producto turístico, dependiendo, de esta forma, como toda la cadena turística del
Uruguay, prioritariamente, de los turistas argentinos.
Palavras-clave: Turismo. Montevidéu. Carnaval. Identidade. Patrimônio.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Obra de Eduardo Vernazza ............................................................................. 70
Figura 2: Cortiço Mediomundo ...................................................................................... 74
Figura 3: Tablado de Bairro anos 30 século XX ............................................................ 81
Figura 4: Murga Patos Cabreros ..................................................................................... 81
Figura 5: Mapa do Uruguai ............................................................................................ 90
Figura 6: Cartaz Carnaval 1915-1916 ............................................................................ 91
Figura 7: Mapa Desfile Inaugural Canaval 2011 ......................................................... 103
Figura 8: Figura Desfile Inaugural 2011 ...................................................................... 105
Figura 9: Figura Desfile Inaugural 2011 ...................................................................... 106
Figura 10: Figura Desfile Inaugural 2011 .................................................................... 107
Figura 11: Figura Desfile Inaugural 2011 .................................................................... 107
Figura 12: Ingresso Tablado do Velódromo ................................................................. 110
Figura 13: Programação Tablado do Velódromo ......................................................... 111
Figura 14: Figura Tablado do Velódromo .................................................................... 112
Figura 15: Figura Tablado do Velódromo .................................................................... 112
Figura 16: Integrantes Murga la Gran Siete ................................................................. 113
Figura 17: Entrada Carnaval de Gala ........................................................................... 114
Figura 18: Apresentação Murga la Gran Siete ............................................................. 114
Figura 19: Venda de Merchandising Teatro de Verano ............................................... 115
Figura 20: Apresentação Murga La Gran Siete ............................................................ 116
Figura 21: Público no Teatro de Verano ...................................................................... 116
Figura 22:Apresentação Murga Falta y Resto .............................................................. 117
Figura 23: Ingresso Teatro de Verano .......................................................................... 117
Figura 24: Apresentação Murga Agarrate Catalina ...................................................... 118
Figura 25: Apresentação Murga Diablos Verdes ......................................................... 119
Figura 26: Libreto Murga Diablos Verdes ................................................................... 119
Figura 27: Propaganda do Carnaval do Bicentenário .................................................. 121
Figura 28: Apresentação Murga Curtidores de Hongos ............................................... 121
Figura 29:Entrada para o Carnaval do Bicentenário .................................................... 122
Figura 30: Apresentação Murga Curtidores de Hongos ............................................... 122
Figura 31: Murga Araca la Cana .................................................................................. 123
Figura 32: Mapa Desfile de Llamadas .......................................................................... 124
Figura 33: Aquecimento tambores ............................................................................... 125
Figura 34: Desfile de Llamadas .................................................................................... 126
Figura 34: Desfile de Llamadas .................................................................................... 126
Figura 35: Desfile de Llamadas .................................................................................... 127
Figura 36: Desfile de Llamadas .................................................................................... 127
Figura 37: Desfile de Llamadas .................................................................................... 128
Figura 38: Desfile de Llamadas .................................................................................... 128
Figura 39: Desfile de Llamadas .................................................................................... 129
Figura 40: Desfile de Llamadas .................................................................................... 130
Figura 41: Desfile de Llamadas .................................................................................... 132
Figura 42: Logotipo do Museu do Carnaval ................................................................. 135
Figura 43: Ingreso do Museu do Carnaval ................................................................... 136
Figura 44: Museu do Carnaval ..................................................................................... 136
Figura 45: Museu do Carnaval ..................................................................................... 137
Figura 46: Museu do Carnaval ..................................................................................... 137
Figura 47: Museu do Carnaval ..................................................................................... 138
Figura 48: Folhexo explicativo do Carnaval ................................................................ 138
Figura 49: Museu do Carnaval ..................................................................................... 139
Figura 50: Museu do Carnaval ..................................................................................... 139
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANP – Administración Nacional de Puertos
DAECPU – Diretores Associados de Espectáculos Carnavalescos Populares del
Uruguay
DINARP – Dirección Nacional de Relaciones Públicas
DIPRODE – Dirección de Proyectos de Desarrollo
ICOMOS - International Council on Monuments and Sites
IMM – Intendência Municipal de Montevideo
MEC – Ministério de Educación y Turismo del Uruguay
MINTURD – Ministério de Turismo y Deportes del Uruguay
MTOP – Ministério de Transportes y Obras Públicas del Uruguay
MVOTMA – Ministério de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente del
Uruguay
OMT – Organização Mundial do Turismo
PCCCP – Programa de Competitividad de Conglomerados y Cadenas Productivas
UCCI – Unión de Ciudades Capitales Ibero-Americanas.
UDELAR – Universidade de la Republica
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Uruguay.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13
2 A RELACAO ENTRE CULTURA, IDENTIDADE E CARNAVAL ......................... 19 2.1 CULTURA ..................................................................................................................... 19
2.2 MEMORIA ...................................................................................................................... 21
2.3 IDENTIDADE ................................................................................................................. 24
2.4 TURISMO E TURISMO PATRIMONIAL ................................................................... 26
2.5 CARNAVAL .................................................................................................................. 32
3 DA MEMÓRIA AO CARNAVAL DE MONTEVIDÉU .............................................. 40
3.1 MEMORIA NO URUGUAI ........................................................................................... 40
3.2 IDENTIDADE URUGUAIA .......................................................................................... 42
3.4 DITADURA NO URUGUAI .......................................................................................... 49
3.3 CARNAVAL EM MONTEVIDÉU ................................................................................ 55
3.3.1 Llamadas ..................................................................................................................... 66
3.3.2 Murgas ......................................................................................................................... 76
3.5 CARNAVAL E DITADURA .......................................................................................... 85
3.6 TURISMO EM MONTEVIDÉU E NO URUGUAI ....................................................... 90
3.7 CARNAVAL COMO PRODUTO TURISTICO ............................................................ 93
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 98
5 RESULTADO E ANÁLISE ............................................................................................. 103
5.1 DESCRICAO DO CARNAVAL DE MONTEVIDEU 2011 ......................................... 103
5.1.1 Desfile Inaugural ........................................................................................................ 103
5.1.2 Tablados ...................................................................................................................... 108
5.1.3 Llamadas ..................................................................................................................... 124
5.1.4 Carnaval e Mídia ........................................................................................................ 133
5.1.6 Museu do Carnaval .................................................................................................... 135
5.2 ANALISE DOS RESULTADOS .................................................................................... 140
5.2.1 Identidade Montevideana .......................................................................................... 141
5.2.2 Construção do Patrimônio através do carnaval ...................................................... 143
5.2.3 Carnaval Como Produto Turístico ........................................................................... 145
5.2.4 Carnaval Como Manifestação Cultural ................................................................... 148
CONSIDERACOES FINAIS .............................................................................................. 152
PRINCIPIOS ETICOS NORTEADORES DA PESQUISA ............................................ 155
REFERENCIAS .................................................................................................................. 157
ANEXO A ............................................................................................................................ 168
ANEXO B ............................................................................................................................ 169
ANEXO C ............................................................................................................................ 170
ANEXO D ............................................................................................................................ 171
13
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como propósito apresentar a monografia do trabalho de
Conclusão do Curso II do curso de Bacharelado em Turismo da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS. O tema proposto para a pesquisa é o carnaval
como expressão de identidade local e produto turístico na cidade de Montevidéu, no
Uruguai, analisando como esta manifestação está intrinsecamente ligada à identidade na
cidade e o carnaval na sua modalidade atual. Analisou-se o carnaval e as implicações no
período ditatorial, assim como suas implicações em termos de memória e uso do
patrimônio com fins turísticos.
O carnaval de Montevidéu é aqui entendido como uma representação identitária
da cidade, utilizada como produto turístico, podendo ser estendida em um nível
nacional. A importância de estudar o carnaval como fenômeno cultural e suas
implicações turísticas, permite ampliar o conhecimento sobre a utilização do patrimônio
cultural como produto turístico e, como esta manifestação, pode ser ao mesmo tempo,
significativa para uma cidade. Desta forma, mostraremos a trajetória do carnaval através
dos processos históricos que alimentaram sua criação e crescimento. No carnaval de
Montevidéu existem cinco tipos de agremiações, para um melhor direcionamento deste
trabalho optou-se por focar a pesquisa em duas destas agremiações as Murgas1e as
Llamadas 2
. Das llamadas faz parte o candombe3, declarado pela UNESCO, em
setembro de 2009, como Patrimônio Cultural da Humanidade (UNESCO, 2009, p.73): “
por sua função social de potencializar a identidade da comunidade afro uruguaia, a
partir dos símbolos existentes no candombe.” O carnaval de Montevidéu foi declarado
1 Para Bordolli (2002) a murga é “(...) uma manifestação dramático musical, polifônica e de integração
tradicionalmente masculina” (BORDOLLI, 2002, p. 2, tradução nossa). A mesma autora completa
dizendo que a murga surgiu a partir do “(...) aporte migratório predominantemente espanhol e italiano
(...)” (BORDOLLI, 2002, p. 5, tradução nossa). 2 Em Marrero (2006) encontramos que “Llamadas de tambor nas ruas de Montevidéu instituíram um
núcleo potencializador de identidade social que se construiu a partir da possibilidade de expressar-se
baixo uma modalidade de baile, música e instrumentos próprios, conhecida genericamente como
Candombes” (MARRERO, 2006, p. 101, tradução nossa). Para Olaza (2009) as llamadas, assim como o
candombe, é uma das máximas representações da cultura afro no Uruguai. 3 O candombe para Carámbula (1985) é “(...) a sobrevivência do acervo ancestral africano – de raiz bantú
– trazido pelos negros chegados ao Rio de Prata” (CARÁMBULA, 1985, p. 13, tradução nossa). Para
Picotti (1998) “A palavra “candombé”, que entre nos aparece a mediados do século passado,
denominando esta celebração profana de origem fundamentalmente bantú e característica dos africanos de
ambas as margens do Rio da Prata, é também uma voz genérica para todo baile afroamericano do
subcontinente e até do Caribe” (PICOTTI, 1998, p. 155, tradução nossa).
14
de interesse nacional4 no ano de 2007, pelo então presidente em exercício, Tabaré
Vasquez, tendo como justificativa que este reconhecimento ajudará ao desenvolvimento
do carnaval, para que este seja reconhecido internacionalmente.5
Sendo assim, apresenta-se um vasto campo de estudo a ser trilhado no que se
refere às questões ligadas ao carnaval de Montevidéu, a relação intrínseca com a
identidade local, a construção do patrimônio através do carnaval e da memória, o
fortalecimento da função comunicativa do carnaval no período ditatorial, a
representatividade identitária que é utilizada pelo Ministério do Turismo e Esporte do
país quando da divulgação do carnaval como um produto turístico que permite ao turista
ter “contato com o espírito e contato deste povo” 6. São várias as questões que vem à luz
quando se trata de uma manifestação cultural retroalimentada pela sociedade que a
criou. Por esta razão escolheu-se como objeto deste estudo: o carnaval de Montevidéu é
visto como produto turístico e representativo da identidade montevideana pelos
participantes do carnaval após a ditadura? Para obter-se a resposta a esta indagação tem-
se como objetivo geral analisar o carnaval como expressão de identidade local e produto
turístico da cidade de Montevidéu. Para alcançá-lo, os objetivos específicos são:
Fazer uma retrospectiva histórica do carnaval no período da ditadura.
Identificar a percepção dos protagonistas em relação ao carnaval de Montevidéu
e à construção da identidade local;
Descrever o Carnaval 2011 de Montevidéu.
Para chegar aos objetivos delimitados, apresentaremos a seguir, a metodologia
que foi utilizada. A ciência etimologicamente significa conhecimento. Gil (1999)
explica que não há uma definição permanente para o conceito de ciência, ou seja, ela
tem como finalidade criar normas pelas quais os fenômenos serão regidos. O mesmo
autor completa analisando que sendo a ciência cabível de verificação e sendo construída
pela racionalidade, ela também pode vir a falhar, porém, através da aplicação da ciência,
o mundo tem sido reconstruído profundamente e com exatidão. O método científico
para Gil (1999, p. 26) é “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados
para se atingir o conhecimento” Assim, com o uso do método, a ciência alcançaria
4 No dia 01 de novembro de 2007 o presidente em exercício Tabaré Vasquez declarou o carnaval de
interesse nacional. O Documento oficial está disponível em http://daecpu.com.uy/decretopres.htm. 5 Informacao disponível em http://www.uruguayaldia.com/2010/02/vazquez-declaro-de-interes-nacional-
transmision-carnaval/. 6 Informação disponível em http://www.uruguaynatural.com/cultural/tradiciones-carnaval.
15
então, seu fim que seria nas palavras do próprio Gil (1999) o meio utilizado para dar
autenticidade aos fenômenos. Já para Goldenberg (1997, p. 104) o método científico
“(...) é a observação sistemática dos fenômenos da realidade através de uma sucessão de
passos, orientados por conhecimentos teóricos (...)”.
A pesquisa proposta neste estudo analisa o carnaval de Montevidéu utilizando a
abordagem qualitativa de caráter exploratório, pois no desenvolvimento do trabalho é
essencial a análise das subjetividades para o entendimento do tema. Esta adjetivação da
pesquisa qualitativa vai ao encontro do tema escolhido para este trabalho, pois questões
identitárias não são mensuráveis assim como os processos que as constroem, elas ficam
no campo da subjetividade daqueles que participam do carnaval e de toda uma
sociedade. Para Santos e Candeloro (2006, p. 71):
A pesquisa de natureza qualitativa é aquela que permite que o acadêmico levante
dados subjetivos, bem como outros níveis de consciência da população estudada, a
partir de depoimentos dos entrevistados, ou seja, informações pertinentes ao
universo a ser investigado, que leve em conta a ideia de processo, de visão
sistêmica, de significações e de contexto cultural.
A pesquisa qualitativa, para Minayo (2008, p. 79) tem como foco “a exploração
do conjunto de opiniões e representações sociais sobre o tema que pretende investigar”,
pois ela trabalha com assuntos que não podem ser determinados como os significados.
Para Goldenberg (1997, p. 14), na pesquisa qualitativa, o foco do pesquisador não está
na “(...) representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento
da compreensão do grupo social, de uma organização (...)”. A autora afirma que, ao não
poder quantificar a pesquisa qualitativa, pois não podem medir-se as subjetividades do
ser, este tipo de pesquisa evita que o pesquisador seja parcial no assunto estudado.
Moreira (2002, p. 17) explica que “(...) a pesquisa qualitativa pode ser associada à
coleta e análise de texto -falado e escrito - e à observação direta do comportamento”.
Para uma melhor compreensão do carnaval como manifestação, optamos por
uma pesquisa exploratória, que se caracteriza por, através de um determinado fato
estudado, proporcionar uma visão holística do mesmo como encontramos em Gil
(1999).
Para Gil (1999) as pesquisas exploratórias mostram um determinado
acontecimento, a partir de uma visão sistêmica. O uso deste tipo de pesquisa, neste
trabalho, justifica-se a partir desta visão geral proporcionada, pois o carnaval como
16
manifestação cultural congrega diversas representatividades que não seriam possíveis de
ser estudadas em separado. Alcançar esse caráter exploratório da pesquisa, também
ajuda a “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista a
formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos
posteriores” (GIL, 1999, p. 43). Encontramos em Bastos (2009) que todo trabalho
científico tem como base este tipo de pesquisa, pois ela possui como objetivo buscar
mais dados sobre o objeto da investigação para que haja mais informações sobre ele e,
dando uma amplitude maior sobre o tema estudado.
Como técnica de coleta de dados foi utilizada a revisão bibliográfica, observação
participante e questionário de perguntas abertas. A pesquisa bibliográfica, para Gil
(1999), tem como principal vantagem à abrangência sobre um tema possibilitando
agregar dados dispersos. Para Carvalho (1989, p.99): “Pesquisar (...) é procurar uma
informação que não se sabe e que se precisa saber.”, sendo assim temos que a pesquisa
bibliográfica tem como fim localizar “(...) fontes diversas de informação escrita, para
coletar dados gerais ou específicos sobre um determinado tema” (CARVALHO, 1989,
p. 100). Desta forma, chegamos à opinião de Santos e Candeloro (2006, p. 70) para
quem a pesquisa bibliográfica “(...) consiste na busca de elementos para a sua
investigação em materiais impressos ou editados eletronicamente”. Os autores também
tratam a pesquisa bibliográfica como uma forma de obter dados, a partir produções
acadêmicas, de determinados autores que tratam do assunto de uma forma específica.
Outra fonte de pesquisa crucial para este trabalho foi à internet, sobre esta Castells
(2003b, p. 7) explica que “(...) a internet passou a ser a base tecnológica para a forma
organizacional da Era da informação: a rede.” Na internet buscou-se informações
referentes ao carnaval, focando sempre em notícias atuais que viessem a enriquecer a
pesquisa, também procurou-se a bibliografia que viria a ser utilizada como referencial
para este trabalho, assim como outras informações pertinentes ao assunto aqui tratado.
Para Goldenberg (1997) a observação participante é uma maneira de evitar
preconceitos sobre um determinado assunto, já que o observador estará inserido no seu
locus de pesquisa de uma forma que ele terá condições de analisar e processar
informações que não gerem preconceitos sobre o tema tratado. Na observação
participante o pesquisador interage com os atores, participa das rotinas e participa de
diversas ocorrências dentro do objeto da sua pesquisa. Para Lopes (2006, p. 172):
17
Na observação participante, o pesquisador participa da situação que está
estudando sem que os demais elementos envolvidos percebam a posição dele,
que se incorpora ao grupo ou à comunidade pesquisadora, de modo natural
(quando já é elemento do grupo) ou artificialmente.
Para Coutinho e Leal (2009) a observação participante parte da premissa da
inserção do pesquisador no ambiente do outro com a finalidade de facilitar a
comunicação com a sociedade observada com a troca de informações constante para
estabelecer uma conexão com os dados obtidos a partir da revisão bibliográfica e outras
técnicas de obtenção de dados. Em Alves (2003, p. 174) encontramos que:
Embora sejam vistas como etapas distintas, os trabalhos de construção de um
objeto de pesquisa e de sua observação e registro são processos que se
articulam, exigindo um exercício de reflexão por parte do pesquisador.
O questionário de perguntas abertas, na opinião de Gil (1999, p. 128), tem como
“(...) objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, situações
vivenciadas etc.”. A formatação do questionário é explicada por Lopes (2006, p. 241)
para quem o questionário é uma “[...] série ordenada de perguntas, que devem ser
respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador”. Desta forma, conseguiremos
então identificar percepções e construções identitárias com pertinência ao tema tratado
neste trabalho. A amostragem para a aplicação do questionário levou em consideração a
participação das pessoas no carnaval de Montevidéu. Para isto, durante os 24 dias, em
que deu-se a observação na cidade, foram realizadas pesquisas em diversos meios
eletrônicos e em mídia impressa com a finalidade de encontrar às pessoas que,
efetivamente, não só participam do carnaval, como contribuem da alguma forma para a
percepção da identidade montevideana.
Para Carvalho (1989) a análise de dados coletados é uma ordenação de tudo
aquilo que foi visto durante as técnicas de pesquisa. Desta forma para cada resposta
serão retiradas palavras que estejam ligadas diretamente ao fenômeno estudado, a
repetição destas palavras ou do assunto, se tornará uma categoria que irá formar uma
variável para assim, definir, o que Moreira chama de, “formulação de sentidos”
(MOREIRA, 2002, p. 121). Desta forma, chegamos a Lopes (2006, p. 38) para quem a
“(...) a análise dos dados dever permear todo o trabalho de pesquisa, pois é ele que dará
sustentação referencial (...) para a análise dos resultados e conclusões obtidas.”.
18
Este trabalho está organizado através das seguintes partes: a introdução que
apresenta o tema abordado, situando o leitor no contexto do carnaval montevideano, a
justificativa da escolha da autora pelo tema, a problematização, objetivos e a
metodologia, explanando sobre as técnicas que nortearam esta pesquisa.
Posteriormente apresentaremos o capítulo que trata da relação entre cultura,
identidade e carnaval, para um melhor entendimento, este é dividido da seguinte forma:
cultura, memória, identidade, turismo e patrimônio cultural e carnaval. No capítulo da
memória ao carnaval do Montevidéu, explanaremos os temas tratados no primeiro
capítulo porém tendo como foco o tema desta pesquisa, para isto, esta parte do trabalho
apresentará os seguintes temas: memória no Uruguai, identidade uruguaia, ditadura no
Uruguai, carnaval em Montevidéu, aqui haverá duas subdivisões onde apresentaremos
as llamadas e as murgas, finalizando este capitulo teremos o carnaval e ditadura,
turismo em Montevidéu e no Uruguai e o carnaval como produto turístico. Após esta
explanação apresentaremos os procedimentos metodológicos utilizados neste trabalho,
para então, finalizar com o resultado e análise, que apresentará a descrição do carnaval
de Montevidéu do ano 2011, que será subdivido em desfile inaugural, tablados,
llamadas, carnaval e mídia e museu do carnaval. Faremos após, a análise dos resultados,
apresentando estes, então, na forma de identidade montevideana, construção do
patrimônio através do carnaval, carnaval como produto turístico, carnaval como
manifestação cultural, finalizando esta pesquisa então teremos as considerações finais e
os princípios éticos que nortearam esta pesquisa.
19
2 A RELACAO ENTRE CULTURA, IDENTIDADE E CARNAVAL
Neste capítulo serão apresentados referenciais relativos à cultura, identidade e
memória, bem como conceituaremos turismo cultural, patrimônio e mostraremos a
conceituação de carnaval, e as possíveis origens dos festejos de carnaval.
2.1 CULTURA
Neste texto serão contemplados alguns conceitos sobre cultura, como ela se
constrói através da sociedade e como suas materializações capturam um determinado
momento da sociedade. Utilizaremos autores como Achúgar (1994), Boas (1964),
Coelho (2008), entre outros. Tendo com propósito situar o carnaval de Montevidéu em
um contexto atual partindo da sua história e dos seus campos de ação nos quais ele está
inserindo, se faz necessário uma compreensão das ideias em torno à cultura. Nos
estudos considerados clássicos da cultura, tomemos a concepção de E.B. Tylor que diz
que:
A cultura ou civilização, no sentido etnográfico amplo, é esse todo complexo
que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes
e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem enquanto
membro de uma sociedade (TYLOR, 1871 apud LARAIA, 2001, p. 25).
Portanto, a cultura é formada pelas construções do homem inserido em uma
sociedade, esta sociedade é dinâmica e faz das suas construções também dinâmicas.
Com isso, temos que a cultura é um processo dinâmico que acompanha a sociedade que
a constrói, para entender este processo utilizaremos a definição de Boas (1964, p.3,
tradução nossa) que entende a cultura como “um processo de criação orgânica e viva e
não uma adaptação mecânica”. Desta forma chegamos a Achúgar (1994, p.10, tradução
nossa) para quem a cultura pode ser vista como “as estruturas de pensamento e de
sentimento, porém em função de sua formalização ou de sua expressão simbólica”.
20
Podemos verificar, então, que a cultura surge das construções da sociedade, para
reger sua convivência em comunidade e das interações desta comunidade com a
natureza como destaca Laraia (2001). Para Boas (1964) cada cultura, irá fornecer
informações de que a sua conseqüência de ser é o efeito das condições as quais foi
submetida, porém estas conseqüências não determinam necessariamente o que o sujeito
que nasce dentro de determinada cultura será.
Pode definir-se a cultura como totalidade das reações e atividades mentais e
físicas que caracterizam a conduta dos indivíduos componentes e um grupo
social, coletiva e individualmente, em relação ao seu ambiente natural, a
outros grupos, a membros do mesmo grupo, e de cada individuo consigo
mesmo. Também inclui os produtos destas atividades e sua função na vida
dos grupos (BOAS, 1964, p. 167, tradução nossa).
Geertz (1994) opina que a cultura descansa no fenômeno das representações.
Desta forma, tudo o que é produzido pela sociedade representa algo a ser demonstrado
para si ou para os outros como uma forma de identificação. Ainda no campo das
representações para Lévi-Strauss (1995) a cultura carrega significados a serem
traduzidos levando em conta que estes existem material e culturalmente.
Para Coelho (2008, p.9) a visão clássica da cultura continua necessária nos dias
de hoje, esta concepção clássica da ideia da cultura engloba um “(...) conjunto de
iniciativas que atendem as reivindicações das diferentes linguagens e gêneros
clássicos”. Não existem visões erradas ou certas de ver a cultura e sim formas diferentes
de se entender o que é cultura. Para cada objeto de estudo deve existir uma maneira de
se trabalhar as teorias sobre a cultura de uma forma que esta consiga efetuar uma leitura
precisa do processo a ser estudado.
Coelho (2008, p.15) ao refletir como a nossa atuação através das cidades é feita
“(...) também pelas cartografias mentais e emocionais que variam segundo os modos
pessoais de experimentar as interações sociais”. Na declaração da UNESCO de 1982 na
Cidade do México o primeiro princípio citado que deve reger as regras para políticas
públicas mostra a cultura como representante de “Um conjunto de valores único e
insubstituível, já que as tradições de cada povo e formas de expressão são os seus meios
mais eficazes de demonstrar sua presença no mundo” (UNESCO, 1982, p.1, tradução
nossa). A seguir na mesma declaração nos pontos que devem reger a dimensão cultural
do desenvolvimento encontra-se que: A cultura constitui uma dimensão fundamental do
21
processo de desenvolvimento e contribui para reforçar a independência, soberania e
identidade das nações (UNESCO, 1982, p. 2, tradução nossa).
Leslie White, antropólogo norte-americano, explana que para os atuais
estudiosos de antropologia da América do Norte.
(...) a cultura é o produto acumulado dos atos criadores de um sem número de
indivíduos, que o indivíduo e a fonte e origem de todos os elementos culturais, e,
finalmente que o processo cultural deve ser explicado em termos de indivíduo
(WHITE, 1982, p. 162, tradução nossa).
White (1982, p.142, tradução nossa) conseguiu dimensionar sua teoria sobre a
cultura, sendo esta a seu entender uma “organização de fenômenos que depende do uso
de símbolos”. Neste caso podemos entender que a cultura então atua como uma
organização de fenômenos sociais adaptáveis ao seu meio e surgidos também devido a
eles, porém, não como subordinação, que se fazem entender para seus atores e para os
outros com a utilização de símbolos.
2.2 MEMORIA
Nesta parte do estudo explanaremos sobre a memória, como ela se constrói
como ela se representa como uma manifestação e como o carnaval torna-se um lugar de
memória e construção cultural. Utilizaremos autores como Candau (2008), Arias (2004)
e Beramendi e Baz (2008), para as explanações pertinentes ao assunto.
Para Candau (1998) quando uma pessoa, através das memórias coletivas, se
compreende como parte de uma sociedade ele começa a materializar a memória
transformando-a em patrimônio. Acosta, Del Rio e Valcuende (2007) explanam que
cada pessoa tem sua memória, a chamada memória individual, o individuo quando se vê
como integrante da sociedade começa a utilizar suas memórias em uma interação com a
memória coletiva que é o meio na qual ela interage e conclui que as representatividades
materiais e imateriais de uma sociedade tomam forma a partir do esquecimento e das
lembranças desta sociedade. Desta forma conseguimos entender como esta sociedade
foi se ordenando dentro da sua realidade.
22
Toda memória é individual, porque são os indivíduos os que fazem ou não, uso da
memória, mas ao mesmo tempo toda memória é coletiva, ou seja, se nutre e se
transforma a partir de referentes culturais em função da interação social. (ACOSTA;
DEL RIO; VALCUENDE, 2007, p. 21, tradução nossa).
Temos em Beramendi e Baz (2008, p. 46, tradução nossa) que “A memória é um
fenômeno de recreação que, por definição, está artificial, cultural e socialmente
determinado”. Ou seja, a memória seria, em última análise, produto de um determinado
momento da sociedade, levando em conta todas as suas conjunturas. Então temos que a
memória é construída conforme a dinâmica da sociedade em determinados espaços
temporários. Para Arias (2002) a memória é a salvaguarda dos sistemas que regem a
sociedade que funcionam como uma ligação entre o que a sociedade foi e o que ela é,
desta forma o uso da memória trilharia a formação da identidade. Desta forma
encontramos que “Se a memória condiciona nossa ação, a memória é também um
recurso mutável que se transforma em função de contextos históricos e pessoais”
(ACOSTA; DEL RIO; VALCUENDE, 2007, p. 23, tradução nossa).
Nora (apud BERAMENDI; BAZ, 2008, p. 47) designa como memória “todas as
formas da presença do passado que não se reconstroem na história critica formas que
não excluem a lembrança, mas não a pressupõe”. Em Hershberg e Agüero (2005)
encontra-se a ideia da memória como o discurso de um determinado momento da
sociedade em uma intrínseca relação entre o que é lembrado até aquele momento pela
sociedade e a memória do integrante desta sociedade. A memória coletiva se afirma nas
ritualidades de uma sociedade em um processo continua de revitalização entrando no
discurso de preservação das tradições como encontramos em Arias (2004). Achúgar
(2004) explana que a construção da memória tem diversas variantes como a geração na
qual um indivíduo pertence e a classe social onde ele está inserido, sendo assim, a
construção da sociedade tem diversos pontos a serem analisados para criar um
metarelato de uma sociedade.
A construção da memória ocorre na atualidade do processo histórico que ocorre
na sociedade, em uma constante revivificação do passado, este uso do passado no
presente provoca alterações na memória, tornando-a um diálogo
conflitivo como explana Arias (2004). A seleção da memória, para Beramendi e
Baz (2008), tem como resultado o simbolismo que se materializa em manifestações,
23
monumentos e outros mecanismos que funcionam como preservação da memória,
porém continuam os autores, explanando que mesmo com estes mecanismos as reais
fontes da construção de memória desaparecem com quem as criou, ficando a
materialização. Essa recuperação da memória é a criação de significados adaptados à
atualidade da sociedade para que o passado tenha um sentido atual como encontramos
em Acosta, Del Rio e Valcuende (2007).
“[...] memória e identidade não são aspectos que atuam isoladamente; são um
cenário de combate onde se enfrentam forças que tem desiguais cotas de
poder, que são um elemento de importância no momento de construir seu
resultado.” (JELIN, 2004, p. 143, tradução nossa)
Jelin e Lorenz (2004) opinam que na atualidade a memória trabalha como um
mecanismo de esquecimento, sendo assim, para que as não se torne um recurso sempre
utilizado tem que existir uma mudança no relato histórico, o que altera a construção da
memória social e assim da construção da ideia de nação. Para Achúgar (2004, p. 128,
tradução nossa) o monumento é a “objetivação da memória”, sendo que, continua o
autor, a relação entre memória e história sempre apresenta um choque devido ao que é
considerada parte da história e a construção da memória. Verifica-se que “(...) a análise
da memória não pode separar-se da analise das identidades.” (ACOSTA; DEL RIO;
VALCUENDE, 2007, p. 16, tradução nossa).
Em Cueto (2009, p. 25, tradução nossa) encontramos que “A memória de
identidade, como memória ancestral, se expressa nos elementos carnavalescos do
universo simbólico das manifestações”. Para Alfaro (2002) o carnaval, ao materializar
toda uma gama de representações simbólicas da memória, este pode ser visto “(...)
“lugar de memória” e como relato possível do Uruguai imaginário.” (ALFARO, 2002,
p.27, tradução nossa). Por lugar de memória entende-se “(...) lugar onde se fomenta a
memória, uma fábrica onde se elabora uma determinada visão do passado.”
(BERAMENDI; BAZ, 2008, p. 46, tradução nossa). Beramendi e Baz (2008)
completam a sua colocação explicando que a materialização da memória nasce nos
lugares de memória assim, esta materialização se torna um “lugar de memorializacão”
(BERAMENDI; BAZ, 2008, p. 47, tradução nossa).
Sendo o carnaval uma manifestação cultural e lugar de memória, temos que a
cultura é “memória comum” (LOTMAN apud PIÑEYRUA, 2005, p. 40, tradução
nossa). Na opinião de Ainsa (2008, p. 7, tradução nossa) todo “espaço mental tem um
24
passado e um futuro”, desta forma a encenação funcionaria como uma salvaguarda da
memória.
Na medida em que concebemos a cultura como memória, ou “gravação na
memória do que foi vivido pela coletividade”, a estamos relacionando
necessariamente com a experiência histórica passada. Quando decidimos que
se cria uma nova cultura, conjunturamos que ela vai se tornar memorial,
realizamos uma antecipação, embora somente o futuro vai demonstrar a
legitimidade (ou seja, a permanência) de uma nova cultura (PIÑEYRUA,
2005, p. 41, tradução nossa).
2.3 IDENTIDADE
Entende-se necessário explanar alguns dos conceitos existentes sobre identidade,
como, por exemplo, de que maneira ela se constrói. Para a construção deste tópico
buscamos autores como Arias (2002), Castells (2003a) e Hall (2006) entre outros.
Como vimos no capítulo anterior, a cultura é uma construção da sociedade a partir da
sua interação com o meio e também uma forma de normatizar a sua convivência, sendo
assim é um processo de construção social. Já a identidade marca um processo, um
determinado momento de uma sociedade, ela é a construção de um fato social. Na
opinião de Arias (2002) cultura e identidade não são o mesmo, apesar de serem
construídas pela sociedade.
A cultura, como construção simbólica da práxis social, é uma realidade objetiva que
tem permitido aos grupos ou a um indivíduo chegar a ser o que é. Enquanto que a
identidade é um discurso que nos permite “eu sou ou nós somos isto”, mas que só
pode construir-se a partir da cultura. Então temos que a cultura e identidade são
conceitos diferentes, pois não é o mesmo “ser” que “dizer o que se é” (Arias, 2002,
p. 103, tradução nossa)
Arias (2002) completa afirmando que a cultura não é, necessariamente, uma
construção consciente do indivíduo, porém quando se constrói desta forma chega a
alterar a cultura onde surge. Na opinião de Hall (2006) a construção da identidade de
um indivíduo remonta a uma origem em comum da sociedade que ele faz parte, ou
como foram utilizados os recursos circundantes ao indivíduo para que este esteja
constantemente construindo o ser e não o de ser efetivamente; pois a construção da
25
identidade remonta a questão: em que podemos nos converter. Pois, a identidade, está
em constante processo de construção então o indivíduo não chega a ser, está
constantemente no processo de construir o será. Já na visão de García e Morín (2000,
p.31, tradução nossa): “Carece de sentido conceber uma identidade substancial, quando
só há conjuntos múltiples de elementos que formam sínteses, mas ou menos
estavelmente organizadas, cujo ser depende das interações”.
Para Castells (2003a) a identidade só se percebe como tal a partir do
reconhecimento que um indivíduo tem de si dentro do contexto cultural pertencente a
sua sociedade, o autor diz que a estruturação de um indivíduo na sociedade gera uma
conseqüência na estruturação da sociedade como um todo. Castells (2003a) continua
explanando que na era da pós-modernidade onde a desintegração das organizações
sociais e políticas e onde cada vez mais as construções culturais se tornam transitórias a
identidade pode ser considerada uma “fonte de significado” (Castells, 2003a, p.29).
Castells (2003a) completa afirmando que essa significação atribuída à identidade é à
base da significação das construções sociais. Sendo assim temos que: “As identidades
são fonte de sentido para os próprios atores e por eles mesmos são construídas mediante
um processo de individualização” (CASTELLS, 2003a, p. 29, tradução nossa).
Hall (2006) analisa que é justamente a construção da identidade dentro um
determinado espaço temporal que capta o processo que vive a sociedade naquele
momento, ou seja, a identidade é a construção discursiva de um terminado contexto
histórico da sociedade. Arias (2002) explica que a comunicação entre o eu e os outros,
cada um com suas cargas simbólicas, cria uma perspectiva do que é próprio e o que é do
outro, esta comunicação pode ocorrer entre indivíduos ou entre sociedades. As
identidades sociais surgem no momento que indivíduos se unem em torno de símbolos e
rituais que os representam, assim eles compartilham esta representação que os situa
dentro de determinado contexto social.
A coesão da identidade social se dá em torno à memória conforme opinião de
Beramendi e Baz (2008) para quem os indivíduos precisam lembrar-se de valores
comuns para se tornar um grupo coeso na questão identitária. Sendo então, a identidade,
uma construção social não estática como analisa Arias (2002) ela é tão dinâmica quanto
à sociedade que a constrói. Portanto, ela tem como característica representar
simbolicamente as construções desta sociedade. O mesmo autor completa dizendo que a
26
produção consciente das representações as torna um cenário de conflito, pois ela mostra
as relações sociais existentes naquela sociedade.
A festa é entendida por Pizzano (2004) como o melhor lugar para abrigar a
representação coletiva de uma identidade, pois é durante as festas que a identidade é
representada aos outros e então se reafirma dentro da sua própria sociedade. Para Koch
(1998) com as mudanças em festividades advindas do turismo, este também lhe abre as
portas para o seu reforço identitário. Esse reforço, para Barretto (2001), também existe
quando há o encontro entre o outro, turista, e o autóctone, que ocasiona, dentro do
espaço visitado, um reforço de identidade e cultura para, justamente, criar a diferença
entre eles, a mesma autora conclui que a invenção das culturas reinventa as identidades.
Assim temos que: “A identidade turística dos lugares é uma construção social, feita de
tradições inventadas e de construções culturais atendendo aos mais diversos interesses.”
(BARRETTO, 2001, p. 18).
2.4 TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL
Trataremos aqui da conceituação do turismo assim como do turismo cultural
também o conceituando e verificando o uso do patrimônio para fins turísticos. Para
tratar deste tema utilizamos, autores como Barretto (2007), Santana (2003) e Prats
(1997) entre outros. Devido ao tema tratado neste trabalho o enfoque para conceituação
do turismo será sobre uma ótica cultural e patrimonial já que o turismo utiliza-se destes
como atrativos.
Como verificamos nos dois capítulos anteriores as construções da sociedade
geram a cultura, essas construções se transformam na identidade de uma sociedade, a
materialização desta identidade é que chamamos de patrimônio. Neste capítulo veremos
como o turismo se apropria comercialmente deste patrimônio para atrair turistas. O
turismo conceitua-se pelo deslocamento de pessoas para ocupar seu tempo livre fora do
seu local de residência, tendo diversas motivações para escolha de um determinado
local a partir dos atrativos turísticos que mais satisfazem suas expectativas. Utilizando o
conceito de Barretto (2007) sobre turismo, tem-se que:
27
O turismo pressupõe a existência de contingentes de pessoas (turistas) que se
deslocam para fora do seu lugar habitual de residência durante um período de tempo,
com sua carga de expectativas provenientes das mais diversas fontes (propaganda,
amigos Etc.) e pelos mais diversos motivos (BARRETTO, 2007a, p. 23)
Barretto (2007) completa informando que comercialmente o turismo, é o
resultado de um processo que utiliza como substratos recursos naturais e culturais. A
pluralidade de motivações que leva a uma pessoa a viajar é complexa, focando no tema
tratado neste trabalho a motivação principal é a experiência de conhecer a cultura de
outra região a partir de uma manifestação cultural que abarca um patrimônio imaterial
da humanidade. Sendo assim, utilizamos a explanação de Barretto (2007, p.38) que diz
que: “A experiência cultural é a de estar num meio onde o passado histórico e as
tradições convivem com os modos de produção do presente”. Para a OMT (1998) o
turismo cultural é aquele que tem como atrativo principal a cultura do destino criada
pelas particularidades de uma sociedade, os atrativos podem ser materiais ou imateriais
e sua temporalidade pode ser fixa ou sazonal.
Uma das definições mais aceitas para turismo cultural é a do ICOMOS7 (1976)
onde encontramos que:
O turismo cultural é aquela forma de turismo que tem por objeto, entre outros fins, o
conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos. Exerce um efeito
realmente positivo sobre estes enquanto contribui (...) a sua manutenção e proteção.
Esta forma de turismo justifica, de fato, os esforços que tal manutenção e proteção
exigem da comunidade humana, devido aos benefícios socioculturais e econômicos
que comporta para toda a população implicada8
Para Peralta (2003) o turismo cultural ganha uma importância maior a cada dia
dentro do turismo mesmo que o atrativo cultural não seja o principal motivo da
visitação, pois ele efetivamente traz ganhos econômicos e também porque ele pode
gerar a conscientização da conservação patrimonial diminuindo o custo da preservação
para o Estado, pois a sociedade também passa a se sentir responsável por suas próprias
criações culturais sejam elas materiais ou imateriais.
Barretto (2007) entende por turismo cultural o turismo que tem por finalidade as
construções da sociedade em diversos âmbitos sejam na sua construção imaterial como
costumes ou na sua construção material como sua arquitetura. As primeiras definições
7 A sigla ICOMOS á a abreviatura de International Council on Monuments and Sites.
8 Disponível em http://www.icomos.org/docs/tourism_es.html (tradução nossa)
28
de turismo cultural se centravam, na sua maioria, no deslocamento que ocorre para
conhecer o patrimônio cultural material, ou seja, museus, cidades-monumento, sítios
arqueológicos e etc. o patrimônio cultural imaterial não era visto como objeto do
turismo cultural e sim como um complemento daquele. Porém, a cultura como produto
de uma sociedade não produz só patrimônios tangíveis, a intangibilidade patrimonial é
aonde o turista consegue se inserir na realidade representativa da localidade visitada,
sendo assim, quando o turista participa de manifestações culturais ele também inicia, de
certa forma, a se identificar, quando se torna, nas palavras de Alfonso (2003)
observadores ativos, pois assim criam este sentimento de identificação com o
patrimônio imaterial.
Praticamente todas as definições existentes sobre o turismo cultural têm sido
criticadas desde alguma perspectiva, já que o alcance do próprio turismo cultural
está experimentando uma evolução contínua com o papel mais ativo dos turistas nas
próprias atividades do turismo cultural. Desta forma, o turismo cultural não se centra
exclusivamente nas visitas a monumentos, conjuntos históricos, sítios arqueológicos
e museus, senão que em suas atividades se integram muitos outros aspectos, como a
cultura tradicional, as festas populares, os festivais, a música e a dança, as
exposições, as festividades religiosas e peregrinações, a gastronomia, as feiras e
outros recursos e acontecimentos diversos (MARCHANTE, HERNÁNDEZ,
VINUESA, 2008. p. 296, tradução nossa).
Arévalo (2010) ainda refere-se às duas funções do patrimônio ou a seus dois
valores que seriam o valor de uso e o de troca. O primeiro refere-se ao uso do
patrimônio como salvaguarda da identidade, e o segundo aplica-se a mercantilização do
patrimônio, já que nos dias de hoje onde tudo é negociável o patrimônio também passa
a ser negociado. Uma das formas de “utilizar” o patrimônio no turismo, para Prats
(1997) poderia constituir-se de um valor agregado para destinos turísticos, porém não
sendo o principal motivo do turismo em si, desta forma (...) para redefinir su oferta, a
la busqueda y captura de um turismo “de calidad” (PRATS, 1997, p.43).
O uso do patrimônio cultural intangível como produto turístico para Santana
(2003) faz com que ocorra um resgate através de campanhas realizadas para
conscientização da sociedade que o construiu, para que esta conheça a sua história que
está sendo representada através do patrimônio, desta forma cria uma releitura da
memória forçando sua fixação. Nas palavras de Silberberg (1995) turismo patrimonial é:
“(...) a visita de forasteiros motivada, no todo ou em parte, pelo patrimônio histórico,
artístico, cientifico ou pelo estilo de vida de uma comunidade, região, grupo ou
instituição. (SILBERBERG, 1995 apud BARRETTO, 2007, p. 88)”.
29
Para Prats (1997) o que faz o patrimônio um atrativo turístico são suas virtudes
como a sua gratuidade e o seu acesso a todos sem discriminação a partir da sua
gratuidade na maioria dos casos, o autor continua que desta forma o atrativo turístico
patrimonial seria o único que pode ser gerenciado somente através do Estado e pode ser
utilizado pela iniciativa privada e também sendo o patrimônio construção da sociedade
ele confere uma diferenciação perante outros atrativos que são estacionários. Peralta
(2003) expõe que: “(...) para que determinados elementos se constituam como
patrimônio tem de ser resgatados de um corpus cultural mais ou menos difuso e sujeitos
a uma engenharia social que lhes confere valor e significado” (PERALTA, 2003, p. 85,
tradução nossa). Para a UNESCO (2009) o patrimônio cultural não abarca somente a
materialidade da cultura abarca também as construções imateriais transmitidas de
geração para geração através de diversas formas de expressão.
Arévalo (2010) expõe que: “A UNESCO considera o patrimônio cultural
imaterial como elemento fundamental da identidade” (ARÉVALO, 2010, p.1, tradução
nossa). Sendo então um elemento representativo da identidade encontramos em Santana
que: “El Patrimonio es la síntesis simbólica de los valores identitarios de una sociedad
que los reconoce como propios” (INIESTA, 1990 apud SANTANA, 1998, p. 1). Para
Prats existe na atualidade um momento de transcição no qual se passa “del monumento,
soporte de la memoria, hemos pasado al patrimonio, soporte de la identidad”
(DESVALLÉES, 1987 apud PRATS, 1997, p. 8). O entrelaçamento entre memória,
sociedade e patrimônio é explicado pela seguinte concepção:
Existe estreita relação entre o que entendemos por memória social e
patrimônio; tendo em conta que a memória social sirva para reelaboração da
continuidade entre o passado e o presente, e é, como o patrimônio, resultado
de uma construção social e fator mediante o qual se configura a identidade
dos grupos sociais, conferindo-lhes sentido ao seu passado e significação ao
seu presente. Porque a cultura e o patrimônio são a base da memória coletiva
e componentes essenciais na confirmação da memória social; se bem, como a
memória o patrimônio é dinâmico e ativo, pelo que esta submetido a câmbios
(ARÉVALO, 2010, p. 7, tradução nossa).
O patrimônio como produto do turismo cultural ou do turismo patrimonial,
primeiramente foi entendido mais como visitas a monumentos e similares, ou seja, ao
patrimônio material, porém, como vimos o patrimônio na sua relação com a memória
social cria estruturas patrimoniais intangíveis que também são objetos da motivação dos
30
turistas, pois este tipo de patrimônio se comunica com o turista, pois o carnaval é um:
“(...) sistema de comunicação mediante símbolos (...)” (ARÉVALO, 2009, pág. 31,
tradução nossa).
Para Santana (2003) quando o patrimônio começa a ser utilizado para fins
turísticos ele não demonstra o motivo da sua construção através, por exemplo, de
questões de identidades, ou seja, ele continua representando o momento no qual foi
criado, porém é inserido em um contexto atual para que seja utilizado como atrativo
turístico. Paes (2009) explana que o interesse do turista tem como objetivo justamente a
materialidade das representações da identidade construídas no território, esse interesse
acabaria por corroborar estas representações e por valorizar aquilo que muitas vezes é
esquecido pelos próprios agentes de construção desta identidade. Complementando esta
afirmação encontramos em Acosta, Del Río e Valcuende (2007) que a memória como
parte integrante do patrimônio intangível é o que pode fazer ocorrer a
patrimonialização, ou seja, valorizar a própria memória, não só mais de um grupo
somente, mas que mostre todas as representatividades culturais oriundas dos múltiplos
simbolismos da complexa trama social. Desta forma ao ser ativa pela memória a
patrimonialização imaterial estaria colocando valores acima de objetos.
Arévalo (2010) afirma que a utilização do patrimônio como fins turísticos,
inserindo-o na comercialização cultural não destruirá a construção de identidade
vinculada ao patrimônio pelo contrário a fortaleceria e ajudaria, em alguns casos, para
que a própria sociedade fizesse uma releitura da sua história. Quando o turista tem
contato com o território onde são construídas as representações de uma identidade ele
passa a ter contato com a memória desta sociedade que é materializada no espaço. Para
Arévalo (2010) a importância concedida ao patrimônio é concomitante com seu uso
como produto turístico, pois é uma nova forma do homem pós-moderno, ou seja, do pós
turista, fazer turismo. Ainda na opinião de Arévalo (2010) ao iniciar o uso como
produto turístico do patrimônio se cria um “(...) produto com valor econômico e social
mediante a patrimonialização das formas de vida e suas manifestações mais singulares
(ARÉVALO, 2010, p. 10, tradução nossa)”.
A produção de identidades territoriais (HAESBAERT, 1999) se manifesta em
escalas variadas, das nações, regiões, aos espaços sociais nas cidades,
territorialidades muitas vezes marcadas pela segregação ou pela auto-
segregação. Estas territorialidades podem também ser projetadas por práticas
sociais (festas, rituais), pelo mercado (enclaves homogêneos de consumo), ou
31
por estratégias e discursos políticos (valorização e institucionalização de
paisagens e monumentos), lembrando que o sujeito e o meio estão em
contínua integração e são constitutivos um do outro (BERDOULAY &
ENTRIKIM, 1998, p.118 apud PAES, 2009, p. 165).
O turista que procura uma diferenciação em um produto turístico é chamado de
pós-turista que para Santana (2003) é aquele turista que procura produtos ofertados para
um número reduzido de turistas, evitando assim, aqueles destinos tidos como de massa,
o autor ainda completa dizendo que esse turista tem “(...) gostos sofisticados e de
eufemística qualidade, buscando cobrir, no melhor dos casos, os segmentos ocultos e
pouco explorados do mercado, mas também ocupar os resquícios que os turismos
clássicos tinham deixado” (SANTANA, 2003, p. 32, tradução nossa).
Desta forma temos um turista diferenciado, ou que busca sê-lo, a procura de
experiências também diferenciadas e fora do circuito do turismo de massa. Estas
experiências chegam a este turista como um produto turístico opcional àquilo que lhe é
ofertado regularmente. Ignarra (2003) utiliza a concepção de Valls (1996) para
descrever o produto turístico, assim para Ignarra (2003) o conjunto de elementos
materiais e imateriais é o que dá forma ao produto turístico.
A cidade, vitrine de tempos diversos, se oferece à percepção dos seus signos
e símbolos e se reduz suas narrativas ao ser preservado como paisagem
representativa de um tempo único. Subversiva, ela emerge vigorosa, com
uma energia que perturba estas representações visuais estabelecidas por
concepções verticais. (PAES, 2009, p.9).
Em Gastal e Castrogiovanni (2003, p.14) encontramos que “o passado é que
torna o lugar mais do que um espaço”. Assim entendemos que o passado, feito de
memórias faz com que o lugar se torne a materialização das construções representativas
de uma sociedade. O autor ainda completa afirmando que “A cidade como escritura
deve ser entendida como desafio cognitivo” (GASTAL;CASTROGIOVANNI, 2003, p.
14). Para Gastal e Castrogiovanni (2003, p. 24) “os fluxos [de turistas] também
interagem, formam resistências, aceleram mudanças, criam expectativas, desconstroem
o aparentemente rígido cenário urbano”.Dessa forma o turista passa a fazer parte do
cenário que ele observa, construindo a interação que é necessária, como vimos para
criar um sentimento de identificação.
32
Olhar para as cidades é sempre um prazer especial, por mais que possa ser o
panorama urbano. A cidade é uma construção física e imaginária,
compreende um lugar e faz parte do todo geográfico. O tecido urbano é
dinâmico e está inserido no processo histórico de uma sociedade. O traçado
de uma cidade é uma arte processual e representa uma leitura temporal
(GASTAL; CASTROGIOVANNI, 2003, pág. 25).
O carnaval, transformado em um produto turístico, conforme vemos em Arévalo
(2009) se insere no circuito de comercialização cultural, sendo assim temos que: “A
festa implica, pois, a continuidade das gerações e os grupos sociais locais; atualmente se
debate, não obstante, entre valores de uso (identidade) e os valores de troca (turismo).”
(ARÉVALOS, p.1, tradução nossa). Jeudy e Jacques (2006) argumentam que o valor de
troca do carnaval teria sido atrelado a este na sua forma urbana, que também gerou uma
espetacularização do próprio carnaval e da cidade, transformada em cenário ou palco
dependo da participação ou não, daqueles que estão presentes no ato da manifestação.
Tornar uma manifestação um espetáculo dentro do espaço urbano dá inicio ao processo
de gentrificação espacial.
A grande cidade tem assumido um status de exótica, o turismo moderno já
não está centrado nos monumentos históricos, nas salas de concerto ou nos
museus, senão na cena urbana, ou mais, em alguma versão da cena urbana
adequada para o turismo (SASSEN; ROST, 1999 apud JUDD, 2003, p. 57,
tradução nossa).
2.5 CARNAVAL
Qué palabra, Carnaval, qué palabra,
Es más mágica, aún, que abracadabra
Qué palabra, Carnaval, qué palabra,
Es más trágica que otrás más macabras.
Qué palabra, Carnaval, no sé cómo
Hay quien prefiera decir fiesta de Momo.
Qué palabra, Carnaval, estupenda,
Y es más fácil que decir Carnestolenda.
(Saudação Murga La Gran Siete 2008.)
Com o objetivo de apresentar um panorama de festas, ritos e comemorações que
aludem ao carnaval, estudaremos primeiramente as diversas correntes que tentam
explicar a origem desta manifestação, cada uma delas aponta diversas características em
comum das comemorações de séculos passados com o carnaval atual. São diversas as
explicações, desde o festejo da entrada da primavera no hemisfério norte, os festejos a
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Isis no antigo Egito segundo Ferreira (2004), a imitação da vida do urso despertando da
sua hibernação como se verifica em Walter (1999), os festejos para a deusa Artemis em
Siracusa e ainda os festejos babilônicos, os que ocorriam em Atenas, além das famosas
saturnais- festas dedicadas ao deus Saturno. De acordo com Ferreira (2004).
No Antigo Egito uma das festas mais famosas era realizada durante a
primavera em homenagem a Ísis, deusa da castidade (...). A festividade longe
de se apresentar como uma orgia descontrolada era caracterizada por atos
piedosos (...) a comemoração era aberta por pessoas com disfarces variados
como os de soldados, caçador, gladiador, magistrado, filósofo ou mesmo
homens travestidos de mulher (FERREIRA, 2004, p.19).
A etimologia da palavra carnaval é discutida ainda hoje, ficando ainda em aberto
a uma explicação definitiva sobre sua origem. No seu livro, o autor Felipe Ferreira
(2004) explica que a presença de pequenos barcos nas festividades em homenagem a
deusa Ísis poderia ter iniciado umas das correntes de explicação da palavra carnaval:
É a presença, nas festas, desses pequenos barcos com rodas que acabou por
fazer com que alguns pesquisadores considerassem tais celebrações como um
exemplo de folia carnavalesca da antiguidade, ao imaginar que o nome
“Carnaval” teria origem em Carrus Navalis, ou seja, um carro em forma de
navio. Hipotese que, anos mais tarde, foi suplantada por outra que associa a
palavra Carnaval à CARNE VALE, ou “adeus à carne” (FERREIRA, 2004,
p.18).
Ainda na questão da etimologia da palavra carnaval, Vidart (2001) explica que
as palavras utilizadas em espanhol como sinônimos de carnaval que são antruejo e em
catalão introido, teriam a ver com introito proveniente do latim que por sua vez é a
palavra que designa a severidade da quaresma. Esta etimologia não levaria em conta a
frase latina Dominican ante carnes tollendas, que significa o domingo de retirar as
carnes, esta frase também advinda da questão do jejum na Quaresma. Encontramos em
Minois a seguinte afirmação:
A mesma prudência se encontra em Julio Caro Baroja, que, em sua obra
clássica O Carnaval, demonstrou a ausência de qualquer prova decisiva de
continuidade com a festa antiga. Toda a argumentação dos clérigos repousa
sobre a etimología fantasista do currus navalis (...) enquanto a etimologia,
quase certa, faz derivar “carnaval” de carne levamen, ou carne levamine, ou
carne levale, expressão retirada de um texto romano de 1285 que significa o
momento em que a carne (carne) vai ser “retirada”, proibida, durante a
Quaresma. O termo, italianizado, indicaria, portanto, uma festa tipicamente
cristã, marcando a ruptura da ordem normal das coisas com a entrada no
período de jejum: uma festa de abundância, da alegria e da prosperidade da
época anterior aos interditos (BAROJA 1979 apud MINOIS, 2003 p. 162).
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Em Vidart (2001) percebe-se que muitas das etimologias que explicam a palavra
carnaval vêm da invenção da Quaresma, ou seja, depois do carnaval viria à época de
retirar a carne do cardápio, por isso à questão da comilança de carnes e seus derivados
antes do carnaval. Uma das etimologias “remete a carnelevare, que, na língua italiana
significa retirar a carne” (VIDART, 2001, p.26, tradução nossa). Do latim viria carnis
vale que teria o mesmo sentido de retirar a carne do cardápio. Assim como a origem da
própria manifestação a origem da palavra gera debates dependendo da origem que se
utilize para o estudo da mesma.
O posicionamento de Ferreira (2004) é de que apesar das similaridades dos
festejos que se utilizam para justificar a origem do carnaval, não podemos dizer que
estas comemorações eram a manifestação como a conhecemos hoje em dia, esta
colocação é concordante com outros autores estudados durante a pesquisa. Gracejos que
ocorriam durante as festas pagãs continuaram ocorrendo na idade média, dando a festa
um elemento de continuidade do paganismo apesar da festa ser “enclausurada” pela
Igreja com uma data fixa.
Até o século XVIII, todas as festas que aconteciam nos meses de dezembro,
janeiro e fevereiro – como as saturnais, os ritos de inversão, as festas de
loucos e os carnavais – eram vistos como se fossem uma mesma e, muitas
vezes, condenável manifestação do populacho, ou seja, um “carnaval”
(FERREIRA, 2004, p. 22).
As festas que aconteciam nas civilizações romanas e gregas, além do conteúdo
da homenagem aos deuses, carregavam uma forte manifestação relativa a uma inversão
da realidade, pois pessoas consideradas dos mais baixos escalões sociais podiam se
fantasiar de clérigos, juízes ou outra posição mais elevada, assim como aqueles que
possuíam o privilégio de estarem em uma posição mais favorável se fantasiavam
daqueles que não ocupavam a mesma posição durante o resto do ano segundo Ferreira
(2004).
Ora, nelas sempre encontramos quatro elementos: uma ritualização dos
mitos, que são representados e imitados, dando-lhes a eficácia; uma
mascarada, que dá lugar, sob diversos disfarces, a rituais mais ou menos
codificados; uma prática da inversão, na qual é necessário brincar de
mundo ao contrário, invertendo as hierarquias e as convenções sociais; e uma
fase exorbitada, em que o excesso, o transbordamento, a transgressão das
normas são a regra, terminando em caçoada e orgia, presididas por um
efêmero soberano que é castigado no fim da festa. A importância relativa
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desses elementos varia, mas quase sempre eles se combinam e estão
presentes (MINOIS, 2003, p.30).
Essa inversão era permissiva por todas as classes, claro que, assim que
finalizadas as festividades tudo retornava a seu “sentido” de normalidade. Dentro das
festividades “transgressivas” se destacam as festas dionisíacas que se tornaram festas
primeiramente gregas para depois se tornaram romanas após a conquista dos mesmos
pelos anteriores, e assim os romanos tomaram para si a festividade, assim o destaca
Ferreira (2004). O mesmo autor completa dizendo que este processo de aculturação irá
ocorrer durante toda a história do carnaval aonde a civilização posterior vai tomando
para si o que a anterior havia delimitado para a festividade retirando alguns elementos,
invertendo a importância de outros, colocando as suas características, ou seja,
configurando-o para sua realidade afim de que a festa se se torna um símbolo do que
ocorria naquela sociedade.
O carnaval, assim como muitas outras datas festivas, como período de tempo, foi
decidido pela Igreja. Esta decidiu que os católicos apostólicos romanos teriam um
intervalo de tempo determinado para lembrar os 40 dias que Jesus sofreu as provações
no deserto. Este tempo foi chamado de Quaresma, porém nasceu sem data pré-definida,
esta data só veria a ser sacramentada pelo Papa Urbano II no Sínodo de Benevento
como podemos verificar em Minois (2003).
È verossimil que a Igreja, quando da cristianização dos usos pagãos no início
da Idade Média, não tenha tido dificuldade para instaurar a regra da
Quaresma: depois da patuscada carnavalesca, como não fazer abstinência, já
que só se comia carne duas ou três vezes por ano? (VARAGNAC 1948 apud
MINOIS, 2003, p. 162).
Com a Quaresma ficou decretado os quarenta dias “espirituais” entre a quarta
feira de cinzas e a Páscoa, onde todos deveriam honrar estes dias ao sacrifício feito por
Jesus no deserto. Como definiu a pesquisadora Martine Grimberg no livro Carnavals et
Masquerades: “O carnaval, antes de ser uma festa, é uma data.” (GRIMBERG, 1975,
FERREIRA, 2004, p.29). Já na opinião de Joan Prat i Carós (2003) “o carnaval deve ser
analisado como um período de caos criador e gerador de vida” (CARÓS, 2003, p. 3
tradução nossa) desta forma verifica-se como o carnaval sempre estava delimitado por
um determinado período no tempo, seja ele destacado pela igreja ou pelas estações do
ano como continua explanando o autor.
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Ao tomar para si a data do Carnaval, a Igreja o enclausurou dentro das suas
festividades, como o Natal no dia 25 de dezembro, o dia de Reis no dia 06 de janeiro, a
quarta-feira de cinzas e assim por diante segundo a compreensão de Ferreira (2004).
Natalie Zemon Davis refere-se a que a “vida festiva” além de ser
simplesmente uma “válvula de segurança” desviando a atenção da realidade
social, pode, por uma parte, perpetuar determinados valores da comunidade
(inclusive garantir sua sobrevivência) e, por outra, criticar a ordem política. A
desordem pode ter seu próprio rigor e pode também decifrar reis e estados
(ZEMON 1975 apud MUIR, 2003, p. 109, tradução nossa).
Com a instituição da data da quaresma, a Igreja fundamentou os folguedos de
carnaval, porém, negando a teoria marxista de oposição de Bakhtin onde haveria uma,
sempre existente, oposição entre a quaresma e o carnaval como visto em Alfaro (1991).
Há relatos que mostram que os próprios clérigos participavam das festividades e que
muitos destes aconteciam dentro das igrejas. É consenso também entre os autores que o
carnaval seria uma válvula de escape para as tensões existentes, fosse de quaisquer
ordens existentes, ou seja, a realidade exigia que houvesse um tempo onde tudo ou
quase tudo fosse permitido afim de que, depois tudo retornasse ao normal com sua
“severa” tranqüilidade rotineira, que na Idade Média, era instituída pelas regras da
Igreja esta opinião se encontra tanto em Muir (1997) como nas palavras de Ferreira
(2004).
Uma das hipóteses mais comuns considera que o carnaval atuava como uma
“válvula de segurança” para as tensões que surgiam em toda a sociedade
hierarquizada e muito estruturada (MUIR, 1997, p.107, tradução nossa).
Essa válvula de segurança seria a transgressividade, a troca de papéis, a questão
da não limitação dos divertimentos, antevendo a seriedade da quaresma, era o momento
de libertar-se antes da clausura nos ditames da Igreja. Era o momento em que, conforme
Ferreira (2004) a Igreja permitia, sob a efígie da aceitação, tais transbordos de
comportamento a fim de abonar a sua posição perante a sociedade. Onde a maioria dos
pecados ocorria sem que a Igreja interviesse afim de que no final do período a ordem
estabelecida retornasse.
Nas festas carnavalescas, o povo representa a própria vida, parodiando-a e
invertendo-a; uma vida melhor, nova, livre, transfigurada. “O Carnaval é a
segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É a sua vida de festa”
(MINOIS, 2003, p.156).
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Para Baroja (2006), a manifestação seria um “filho dileto do cristianismo, e a
forma com a qual se apresenta desde a Idade Média européia, demonstra estar
intimamente ligada à idéia da quaresma” (BAROJA, 2006, p. 31, tradução nossa). São
diversas as possíveis origens do carnaval, no entanto, existem diversas peculiaridades
encontradas em todas as manifestações que foram citadas, como a inversão dos papéis
sociais, a fantasia, o riso (BAROJA, 1979 apud SOIHET, 1999, p. 2). Que “pode-se no
máximo, segundo Baroja, falar de semelhanças na morfologia ritual, no tempo e no
espaço”. A Igreja entraria para a história justamente por delimitar o espaço-tempo dos
festejos carnavalescos ao tentar moldá-los a nova realidade que ela mesma impunha aos
participantes, tomando como próprio, muitos festejos pagãos durante a idade mediam,
reagrupando e transformando-os em festejos próprios da era cristã “(...) para orientar em
direção à religião cristã ritos, mitos e lugares que correspondiam a divindades pagãs (ou
pré Cristiana)” (WALTER, 1999, p.153, tradução nossa).
Assim a igreja acreditava acabar com o paganismo existente até essa época, pois
tudo aquilo que caracterizava tais festividades era condenado pela Igreja. Dando-lhe um
ar de oficialidade clerical conferia-lhe autorização a festa e uma forma de acercar os
seguidores de tais manifestações pagãs arrebanhando-os para a Igreja. Deste modo a
Igreja, ao determinar o período da quaresma e, portanto, o período do carnaval acaba
por, de certa forma, por normatizar os rituais pagãos e fazendo sua leitura através da
óptica da Igreja, assim, na compreensão de Ferreira (2004) julgando o certo e o errado,
porém esta leitura vai ocorrer mais estritamente durante a Idade Média, sendo que na
entrada da Idade moderna é a burguesia que dita às regras dos folguedos carnavalescos.
Alguns especialistas atribuem-lhes (aos rituais) grande importância como
formas de comportamento, outros como representações que criam
solidariedade social ou fórmulas de identidade social; outros se centram no
ritual como modalidade de comunicação, que permite aos seres humanos
contar histórias a si mesmas; e alguns vêm os rituais como representações
criadas de forma coletiva, um tipo de prática que constrói, conservam e
modificam a própria sociedade (MUIR, 2001, p. XIX tradução nossa).
O renascimento chega com uma fusão das antigas comemorações rurais, porém
em âmbito citadino. Nas cidades diversas comemorações eram agregadas àquelas já
sacramentadas, começam a surgir as sociedades alegres “Durante el renacimiento, en
las grandes ciudades europeas, el carnaval evolucionó a partir de un festival
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prácticamente universal” (MUIR, 2001, p. 111, tradução nossa ). É no renascimento
que a festa começa a transladar-se para a cidade, urbanizando-se.
Uma das cidades onde o renascimento floresceu, foi Florença para onde
convergiu um grande número de artistas como pintores, escultores, arquitetos, escritores
e toda espécie de artista da época. Neste momento quando começaram a surgir os
conglomerados urbanos, também surgiram novas formas de conviver e novas formas de
festejar. Neste contexto surgiram novas comemorações como o “triunfo” citado por
Ferreira (2004). O mesmo autor completa que eventos deste tipo honravam os soberanos
que se encontravam no poder com desfiles pelas ruas da cidade, com os súditos indo a
pé ou em carruagens. Porém como o próprio autor explica estes desfiles eram inspirados
nos desfiles dos imperadores romanos e nos desfiles das corporações na Idade Média.
Devemos contextualizar estes desfiles com a época, onde estes eram uma
amostra do poder dos soberanos, portanto nesta contextura o Carnaval como evento e
como desfile, englobará o Triunfo foi englobado pelo Carnaval, quando ocorreu isto os
próprios soberanos começaram a fazer parte dos desfiles carnavalescos nas cidades da
Itália. Ferreira cita a prática de “lançamento de ovos coloridos com líquidos
perfumados” (FERREIRA, 2004, p.42) prática que séculos mais tarde viria a ocorrer em
Montevidéu conforme Alfaro (1991).
Após o renascimento a burguesia começa a sofisticar o Carnaval a fim de se
diferenciar da plebe, ao ritmo de bailes e operetas. Parte da festa saia das ruas e se
deslocava para os salões requintados onde durante quase dois meses eram festejadas as
festas da burguesia onde havia “sofisticação e libertinagem, característicos da cidade”
(FERREIRA, 2004, p. 44). Mesmo com as festas da burguesia a população continuou
com as brincadeiras na rua, o que a burguesia utilizou como desculpas para separar-se
do trato social da plebe, surgem então “dois carnavais”, algo similar que ocorreu
também no Carnaval de Montevidéu no início de Século XX como verificamos em
Alfaro (1991).
A Paris do século XIX influenciou fortemente nos festejos de Carnaval e com a
derrocada de Napoleão e a entrada da década de 30 do proferido século, surgiu a ideia
de brincadeiras próprias para a época já que, até então, não havia uma regularidade
destas brincadeiras, que variavam de cidade para cidade. E é em Paris, que a burguesia
fazia com que seus gostos prevalecessem, sendo assim tudo o que fugisse desta forma
burguesa de fazer o Carnaval seria considerado grosseiro. A burguesia começa a
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resgatar os grandes bailes da antiguidade o que é copiado em todo o mundo, porém os
bailes se disseminam também nas camadas mais baixas. Toda essa elegância dos bailes
burguesias caia por terra quando se leiam as regras das sociedades de foliões existem na
época – os badouillards – que mostravam que apesar da sofisticação ainda havia certa
agressividade nas brincadeiras carnavalescas como explana Ferreira (2004).
Mas o carnaval não ficou restringido somente aos salões de baile, no rigoroso
inverno parisiense um desfile de carruagens fazia surgir o boulevard, este tipo de
exibição era propicia para a burguesia. Foi neste período, que pela opinião de Ferreira
(2004) o carnaval parisiense passou a ser o festejo principal deste tipo no século XIX e,
portanto, devido a sua importância ele deveria ter um passado a altura da atual festa. Foi
quando as antigas festas ganharam uma ligação com a festa realizada em Paris.
A festa escolhida, por assim dizer, para dar a Paris um passado “carnavalesco”
foi a festa do Boi Gordo, não se tem certeza da origem desta festividade, porém o que se
sabe que este costume dos açougueiros de Paris de colocaram um “boi cevado que
passeava pela cidade enfeitado de fitas e guizos, carregando um menino vestido de
Cupido, antecedido por um grupo de pessoas fantasiadas de deuses do Olimpo”
(FERREIRA, 2004, p.63). O carnaval de Paris influenciou fortemente os carnavais no
mundo ocidental, principalmente para definir a sua propriedade, se a burguesia com
bailes, desfiles e passeios ou a outra parte da sociedade com sua algazarra e a maneira
mais alegre e espontânea de comemorar. Enquanto as outras cidades viam os carnavais
agonizando, Ferreira (2004) continua explanando que a cidade de Paris não só manteve
as comemorações como a tornou uma das festas mais importantes do mundo ocidental
dando origem a outros carnavais e fazendo o renascimento de outros que já estavam
esquecidos.
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3 DA MEMÓRIA AO CARNAVAL DE MONTEVIDÉU
Neste capítulo, focalizaremos os assuntos resgatados no marco teórico, para
delinear o tema proposto. Para tanto, este capítulo apresentará a identidade uruguaia,
sob o foco da sua formação, onde se utilizaram autores como Achúgar (1994),Demasi
(2004) e Rico e Achúgar (1995), também serão apresentados a história do carnaval de
Montevidéu, abarcando o período histórico onde surgiu à base da sua formatação atual.
Para esta explanação utilizamos como base Alfaro (1991), (1992), (2008) e (2009),
sendo que este subcapítulo será dividido em dois dedicados as murgas e llamadas. Após
explanaremos sobre a ditadura no Uruguai e sua relação com o carnaval.
Apresentaremos os dados sobre o turismo em Montevidéu e no Uruguai e também, será
mostrado o carnaval como produto turístico
3.1 MEMORIA NO URUGUAI
Em Ainsa (2008) encontramos que a normatização da memória, vinda do poder,
cria as tradições símbolos da memória social de uma época, sendo a comemoração o
fruto da relação entre memória e identidade, pois na comemoração encontramos a
representação dos simbolismos de uma época o que cria uma identificação com os
indivíduos que fazem parte deste relato. Então temos que as comemorações trazem o
relato de um determinado tempo, dando um novo valor aos signos que a ela pertencem.
O discurso sobre memória no Uruguai atravessa, obrigatoriamente, o período ditatorial.
Os doze anos em que o Uruguai se viu submerso no entremeado da ditadura fez surgir,
já na democracia, um forte discurso sobre quais são os elementos que realmente formam
a memória uruguaia sempre tentando ver quais os fatores alterados durante o período da
ditadura.
Em Jelin e Lorenz (2004) encontramos que esquecer é algo que marca a
sociedade uruguaia, que sempre dispôs do esquecimento para proteger um histórico de
uma democracia pouco abalada por períodos violentos e de quebras de democracia.
Esquecendo, a sociedade uruguaia tenta apresentar no seu discurso histórico uma
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passividade que não ocorreu, porém esta passividade é um dos sustentáculos da
identidade uruguaia. A busca de uma “nova” memória uruguaia surgiu após a retomada
da democracia, em busca de uma nova forma de pensar-se como uruguaio alterando a
idéia de uma nação sempre em paz com a sua história como explanam Jelin e Lorenz
(2004).
Para Romero (2005), no caso do Uruguai, o resgate da noção de direitos
humanos passa pelo processo de não negação da memória em torno à ditadura militar,
para que não exista este esquecimento, o resgate memorial passa por uma política vinda
do Estado, para que assim se chegue à construção de uma identidade nacional. No
Uruguai, conforme Jelin e Lorenz (2004) a memória se constrói através da história, pois
a história sempre registrou mais intensamente os momentos democráticos do país,
relegando os momentos de conflitos a um esquecimento ou a mínima parcela do relato
histórico da nação. Demasi (2004) explica que a memória no Uruguai pode ser
explicada através das ““(...) sucessivas transformações da memória histórica no Uruguai
como um longo processo simbólico de “definição de fronteiras”” (DEMASI, 2004, p.
13, tradução nossa), continua o autor informando que a construção da memória no
Uruguai não passou por uma falsificação do passado, mas sim pelos novos olhares dos
historiadores em torno do passado o que alterou a memória social do Uruguai. Para
Ainsa (2008) o momento atual da memória no Uruguai passa por uma reconstrução da
memória, para desta forma aceitar os seus momentos históricos que não fazem parte do
histórico de democracia da nação.
Em Achúgar (2004) encontramos que o novo debate sobre a memória no
Uruguai tem uma nova dimensão após a ditadura, pois fazer uma leitura deste momento
considerado o mais traumático da história, em um país que se considerava o mais
democrático da América Latina, faz com que outros fatos que estavam de fora da
história formal viessem à tona para tentar entender como o Uruguai se inseriu neste
contexto ditatorial que envolvia a America Latina. Neste contexto de releitura da
história a partir das memórias o carnaval se insere materializando a forma como o
uruguaio se via naquele momento.
[...] o lugar que tem ocupado o carnaval como âmbito desde o qual os
uruguaios tem se pensado a si mesmo e tem construído um imaginário
coletivo, o converte em revelador cenário para a resignificação de mitos
fundacionais e de heranças do passado. (ALFARO, 1991. p. 8, tradução
nossa)
42
Para Alfaro (1991) a festa se torna a voz daqueles que são excluídos das
construções de memória da nação, trazendo a tona memórias do passado que não estão
no relato formal da história, desta forma resgata a história “dos esquecidos”, pois a
construção de simbolismos passa por uma leitura de um contexto histórico que não
exclui ninguém, pois é uma construção dinâmica que mira sempre no futuro
reconstituindo um passado. Em Lamolle (2005) encontramos que no inicio do século o
carnaval resgatou a palavra murga e recriou seu significado dentro do contexto em que
estes conjuntos atuavam em Montevidéu, o mesmo ocorreu com o candombe que
ganhou nova significação a partir da sua inserção nos festejos de carnaval conforme
Alfaro (2002), sendo assim, temos que o “(...) o papel da memória não consiste em
conservar o passado senão em dar continuidade ao processo de construção permanente
das identidades” (ALFARO, 2002, p. 28, tradução nossa).
3.2 IDENTIDADE URUGUAIA
Salú, salú
Pueblo Oriental
Hay que reír
Ai que gozar
Mientras reine la algaravia
Habrá alegría y buen humor.
Retirada murga Curtidores de
Hongos, 1956
A explanação deste capítulo centra-se em torno da construção da identidade
uruguaia utilizando autores como Achúgar (1994) Rico e Achúgar (1995) Demasi
(2004) entre outros. Desta forma, será apresentado como o país foi se estruturando
identitariamente. Na opinião de Achúgar (1994) existem alguns símbolos na formação
da identidade uruguaia que além de ainda estarem presentes na vida dos uruguaios como
“(...) os charruas e Solís9, a Hernandarias
10 e suas vacas” (ACHÚGAR, 1994, p. 34,
9 Juan Díaz de Solís foi o descobridor do Rio de la Plata conforme Aínsa 2008.
10 Conforme Arreguine (2008) Hernandarias é como ficou conhecido Hernando Suárez de Saavedra, que
ocupou o cargo de governador da colônia do Rio de la Plata e Paraguai entre o fim do século XVI e início
do XVII. Como sua origem é crioula, pois nasceu na atual capital do Paraguai, Assunção, é o primeiro
43
tradução nossa) ainda não se apagaram e mantêm sua força a isto se soma a situação
geografia do Uruguai que o transforma, como o próprio autor define, em um país-
fronteira ou uma fronteira-país em Achúgar (1994).
Assim nasceu o que pode ser considerado a primeira identidade do Uruguai, um
país agrário e defensor da sua fronteira. O Uruguai iniciou o final do século XIX
querendo converte-se em um país europeu na América, pois se encontrava em uma
construção identitária, apartir das imigrações e também envolvido por “(...) nostalgia de
uma Europa que não éramos [assim o] Uruguai foi construindo sua auto-imagem”
(ACHÚGAR, 1994, p. 15, tradução nossa). Para Demasi (2004) os historiadores tiveram
um papel importante na construção de uma nova identidade uruguaia, pois, eles,
deixaram registrado o que se queria ser oficialmente como nação, ou seja, utilizaram as
lembranças e esquecimentos em tal medida, que forjaram a identidade uruguaia, assim
temos que “A essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas
em comum e também que tenham esquecido muitas coisas” (ERNEST RENAN 1882,
apud ACHÚGAR, 2004, p. 119, tradução nossa).
Então a partir desta nova maneira de perceber-se como país, verificamos como:
“A percepção que uma sociedade tem sobre seus antepassados é um componente
fundamental para a constante construção de sua identidade” (AROCENA; AGUIAR,
2007, p. 18, tradução nossa). Esta visão estava ancorada em realidades concretas e na
arrogância de ser um país único dentro do contexto geral latino americano devido aos
imigrantes que chegaram entre o final do século XIX e o início do século XX. Rico e
Achúgar (1995) exprimem que a prosperidade econômica e principalmente a questão de
ter uma história política dedicada à questão democrática, fizeram com o que o
imaginário identitário do uruguaio sempre ressaltasse a diferença do Uruguai como país
latino.
Essa visão cosmopolita e europeirizada eram aplicadas desde a capital, enquanto
o interior sofria com as penúrias que acometeram desde sempre o meio rural conforme
encontramos em Achúgar (1994). Desta forma então, levando em consideração que para
Demasi (2004) “Todo relato (também o relato histórico) constitui a identidade dos
protagonistas ao mesmo tempo em que descreve a ação, e o momento da seleção dos
feitos tem uma forte impregnação ideológica” (DEMASI, 2004, p.12, tradução nossa).
governador crioulo das colônias. Foi responsável pelo início da criação de gado no território que era
chamado Banda Oriental (todo o Uruguai e um pedaço do estado do Rio Grande do Sul)
44
Portanto, a percepção dos uruguaios no final do século XIX era de ser um país
bárbaro, de uma formação praticamente espanhola e chárrua11
passa por uma
reconstrução da identidade que levou em conta o que se era, o que se estava vivendo, ou
seja, a ação que ocorria e a projeção do que se queria ser como nação. A questão de
acreditar-se europeu, devido à imigração, e de querer ver-se como tal, Achúgar (1994) a
descreveu a partir de o Uruguai ser um país fronteira ou uma fronteira país é o que
formou uma constante de medo ao desconhecido e medo daquilo demasiado conhecido,
isso se deve a dualidade ao caráter ambíguo de ser uma fronteira como complementa o
próprio autor, o mesmo ainda nos contempla com a opinião de que a fronteira também é
um estado mental, um espaço simbólico.
Durante várias décadas os uruguaios construímos ou cultivamos – em função
de um orgulho que surgia da leitura de nossa historia como detentora de um
arraigado civilismo democrático – outro elemento central de nosso
imaginário: a excepcionalidade de nosso país (RICO; ACHÚGAR, 1995,
p.17, tradução nossa).
Na política de disciplinamento que foi implantada pelo governo e que abarcou
todas as esferas da população, a partir, principalmente do novo método12
de educação,
introduzido por Varela, este novo método criou “novos uruguaios” como nos mostra
Achúgar (1994). O que ocorreu durante este período foi uma busca de um discurso que
justificasse a autoestima que era ensinada na escola. Demasi (2004) explica que a
história e a memória não são o mesmo, porém na sociedade uruguaia a transmissão da
memória se faz através da história tornando-se uma só forma de transmissão, esta
maneira de transmissão foi utilizada no disciplinamento da reforma vareliana e
posteriormente na ditadura.
Para Rico e Achúgar (1995) ocorreu uma pasteurização da realidade do país
transformando, por exemplo, violência em atos oficiais, portanto a violência passa a ser
útil para a construção de uma nação. Para Demasi (2004) existe um consenso dos
historiadores em cristalizar a história uruguaia em um momento de pujança,
11
Os charruas eram um povo original que habitava grande parte do Uruguai e um pedaço da Argentina na
América pré hispana conforme Arreguine (2008). 12 A reforma Vareliana marcou a o fim da hegemonia da igreja católica sobre a educação, tornando-a
pública, assim o estado passou a ser o responsável pela educação que passou a ser laica e totalmente
gratuita como verificarmos em Arocena e Aguiar (2007).
45
domesticando os indígenas13
e apaziguando a conduta dos Gauchos 14
, que serviram
como baluarte da conquista da liberdade do país. Continua Demasi (2004) que essa
visão europeizada se institui formalmente depois que o Uruguai passou a reclamar da
Doctrina Zeballos15
, o que forjou a que se pensasse na origem do país como uma forma
de argumentar a sua governabilidade sobre o Rio de La Plata já que também era uma
nação a qual pertencia o rio, assim também trabalharia uma imagem surgida no final do
século XIX de uma nação soberana, usando-a afim de que se se vende esta imagem
tanto aos novos imigrantes, mas também para as novas inversões econômicas que o país
procurava atrair segundo Demasi (2004).
Exemplos desta pasteurização ou cristalização da realidade e da história se
encontram em dois exemplos citados por Demasi (1999) que foram à amortização das
ditaduras de Terra e o golpe do A. Baldomir. Essas amortizações foram uma forma
domesticar a história para formar a memória de um país democrático e perpetuar a idéia
de civilidade que o Uruguai tanto desejava. Esse novo contexto do “ser uruguaio”
conforme Marchesi (2004) através do disciplinamento que ocorria no Uruguai é
concomitante com a chegada dos imigrantes a este país e com a integração destes à
sociedade o que ocorreu foi uma assimilação das culturas imigrantes, assim estas
culturas deixaram seus legados para o que seria a futura identidade uruguaia. Porém a
sua essência foi se perdendo engolida pelo novo projeto de nação. Para Darcy
Ribeiro(1970) quando o Uruguai multiplicou por 32 a sua população devido aos
imigrantes, falava da população do Uruguai como “povo transplantado” (RIBEIRO,
1970 apud ACHÚGAR, 1994, p.15, tradução nossa).
Ao contrário da Europa onde se instaurava a Belle Epoque símbolo de países que
viviam o resultado da industrialização, o que ocorria no Uruguai, conforme analisa
Bethell (2000), era uma incipiente industrialização, surgiram às leis trabalhistas, foi o
período onde o Estado começou a delimitar o espaço do privado e começou a cuidar da
maioria das instituições pelas quais o Estado consegue criar uma situação de bem estar
13 O que ocorreu não foi uma domesticação dos charruas, mas sim um massacre comandado por
Fructuoso Rivera dos últimos charruas que ainda sobreviviam em terras uruguaias roubando gado até que
foram traídos pelo presidente em uma emboscada, os que sobreviveram vingaram-se e assassinaram o
irmão do presidente como explica Galeano (1979). 14
Para Corbière (1998) gaúcho significa o homem do campo, que de servical foi transformado, pela
literatura, em uma espécie de herói uruguaio. 15
Achúgar e Rico (1995) explicam que a Doctrina Zeballos foi o nome dado ao tratado do Río de la
Plata, o nome se deve ao chanceler argentino Estanislao Zeballos que acreditava que a navegação do Rio
de la Plata deveria ser unicamente argentina e que o Uruguai não tinha direito algum a sua navegação, o
que causou forte impacto no Uruguai e trouxe à tona um sentimento nacionalista.
46
social, é quando, por exemplo, ocorre a estatização mais importante que é a do Banco de
la República.
Durante a ditadura de Gabriel Terra16
ocorreu à defesa da indústria nacional e o
alinhamento com os governos norte americano e inglês, além de uma aproximação com
o Estado fascista de Mussolini, como mostra Sechtig (2005). Isto gerou uma idéia de
posse, ou seja, de apropriação definitiva do espaço uruguaio, além do distanciamento
que a prosperidade econômica criava dos seus vizinhos latinos. Porém a consolidação
desta prosperidade só viria a ocorrer no final da década de 1940 com o Estado
intervindo em quase todas as áreas de produção na explanação de Garcé (2002). Já na
década de 1950, o que ocorreu foi um massivo aporte na educação no ano de 1950
estavam matriculados 249.40017
alunos nas escolas de educação básica.
Então, temos todos os componentes que serviram de base a frase “Como el
Uruguay no hay” e onde se consolidou a imagem de Suíça da América devido aos
indicadores sociais que possuía para a época e por sua continuada democracia o que não
ocorria no restante da América Latina. Os anos 1960 trouxeram uma crise econômica
que diminui o país, naquilo que ele acreditava ter de diferente do resto da América
Latina, isto tornou o Uruguai o paisito, ou pequeno país, o que acarreta o que Achúgar
(1994) chama de uma “negação do tamanho e negação do espaço” (ACHÚGAR, 1994,
p.23, tradução nossa), ou seja, a sociedade uruguaia, ao atravessar uma crise devido à
subordinação dos seus principais produtos a preços ditados por estrangeiros, se sentiu
diminuída, então começou a negar o seu próprio espaço considerando-se um pequeno
país em todos os âmbitos como social, econômico e geográfico, por exemplo.
Ainda complementando Achúgar (1994) acredita que o Uruguai não consegue
alcançar uma imensidão condescendente com o que pode ser devido à carga histórica de
auto-suficiência e auto-complacência, que se iniciou nesta época. Na vida das
sociedades, a história e a memória são mecanismos estruturantes do passado, assim
como a esperança e a utopia dão forma ao futuro: “o objetivo último de todas elas é
dotar de sentido o presente” (DEMASI, 2004, p. 9, tradução nossa).
No caso do Uruguai ocorreram alterações nos dois mecanismos que Demasi
(2004) menciona. O primeiro abrangeu o fim da última década do século XIX e início
do século XX patrocinada pelo governo onde a sua política mais efetiva foi a reforma da
16
Gabriel terra governou o Uruguai de 1933 a 1942 conforme encontramos em Jelin e Lorenz (2004). 17
Dados disponíveis em http://www.mec.gub.uy/
47
educação. A segunda alteração ocorreu na época da ditadura militar da década de 70 do
século XX, quando ocorre a quebra de realidade devido as incessantes crises
econômicas que se abateram no Uruguai. Neste cenário ocorre uma mudança de
imaginário passando do otimista para o pessimista criando uma espécie de ufanismo que
até hoje não se dizima que se concretiza com a instituição da ditadura como acredita
Achúgar (1994). Para Rico e Achúgar (1995) “Uma história “desde o estado” não é uma
criação da ditadura, senão a continuação da tendência historiográfica tradicional do
nosso país” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p.40, tradução nossa). Ou seja, desde o fim do
século XIX o Estado sempre moldou a maneira como os uruguaios se viam, assim como
na ditadura dos anos 70 no século XX. Os autores ainda complementam dizendo que a
ditadura foi uma quebra na continuidade da auto-imagem que o uruguaio tinha de si
mesmo, quebra, pois aqueles nascidos antes da ditadura possuíam e ainda possuem uma
imagem diferente daqueles que cresceram após a mesma.
No documentário Mundialito18
lançado em novembro de 2010, fica claro como o
governo queria instaurar uma “Nova República” e no ano de 1980 ocorreu um
Campeonato de campeões mundiais de futebol que reunia em um torneio onde o
Uruguai sagrou-se campeão como uma forma de mostrar como ainda era uma nação que
podia se reconstruir. Com o fim da ditadura começam a surgir diversos estudos sobre o
que é ser uruguaio, quais os símbolos que traduzem o que é a sociedade uruguaia.
Durante o período da ditadura ocorreram “mudanças não só a transformação
tecnológica senão também a político-cultural, e de fato a simbólica” como encontramos
em Rico e Achúgar (1995, p.17, tradução nossa). Para Irigoyen (2000) os
“restauradores” nada mais fazem do que recuperar aquilo que os “fundadores” tinham
decidido que seria a nacionalidade da nação. Assim, surge uma mudança na política
cultural do governo, pois como na opinião de Canclini (2002, p. 35, tradução nossa)
“Toda política cultural é uma política com os imaginários que podem fazer com nos
acreditemos semelhantes”. Desta forma pode-se verificar então que os traumas criados
pela ditadura acarretaram um rompimento de continuidade da memória coletiva, com as
políticas de “esquecimento” ou de uma nova construção da história nacional.
18
O documentário Mundialito dirigido por Sebastián Bednarik mostra a estratégia militar para legitimar a
ditadura no Uruguai no ano de 1980. Disponível em http://www.larepublica.com.uy/cultura/431057-
mundialito-un-filme-que-recupera-algo-siempre-necesario-la-memoria
48
Para Morín (2000 p.18, tradução nossa) “O estado é um aparato que dispões de
aparatos apêndices”, e foi através de um dos seus apêndices o DINARP19
. Este órgão do
governo cuidou de fortalecer as circunstâncias que tinham ficado de fora no imaginário
batllista, desta forma criando uma “nova realidade” para a representação dos uruguaios.
Como nos apresenta Marchesi (2001), para Peluffo (1992) a DINARP trabalhou para
criar “uma imagem do nacional no negativo (...) definida pelo que não devemos ser e o
que não devemos ter e o que não devemos fazer” (PELUFFO, 1992 apud MARCHESI,
2001, p. 136, tradução nossa).
O acúmulo de mudanças acarretado pelo final da ditadura e mais as diversas
mudanças ocorrendo no âmbito mundial (fim da dualidade da guerra fria, queda do
muro de Berlim, novas invenções, novas necessidades, novos atores sociais surgindo)
fazem refletir que “estamos vivendo um tempo de “mutação civilizatória”” conforme
Rico e Achúgar (1995, pag. 17, tradução nossa). Os autores ainda continuam afirmando
que desta forma houve a necessidade de repassar fatos históricos, principalmente o mais
cruel que foi a ditadura. Somando-se a estes fatores ainda existe a crise dos “sujeitos
sociais e os conceitos básicos da democracia chamada “ocidental”” e o “surgimento de
novos atores sociais: as mulheres, os gays, os agrupamentos étnicos e religiosos e o
novo protagonismo da terceira idade” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p.17, tradução nossa).
Em Clemente (2008, p.95 tradução nossa) encontramos que:
A sociedade uruguaia se caracteriza hoje pela fragmentação desde inícios da
década de 90 se registra uma tendência à formação de segmentos separados
no sentido espacial, econômico, cultural e educativo.
O autor examina ainda que a atual fase da sociedade uruguaia mostra uma
transição onde se quer manter certo continuísmo em concomitância com a mudança,
sendo que o agente desta interação seriam as políticas públicas, que além desta função
guiariam esta transição. Desta forma podemos ver que o Uruguai nos anos noventa se
achava exprimido entre o fim da ditadura e o fim do século, dando uma oportunidade de
fazer uma releitura do seu passado.
Esta revisão do relato histórico implícita na releitura do passado se dá em
meio a um processo econômico, político e cultural que tem sido chamado de
19
Dinarp era a sigla da Dirección Nacional de Relaciones Públicas
49
globalização financeira, de conformação de espaços regionais integrados
política ou economicamente e de mundialização cultural e mediática
(HARARI, 1997, p.111, tradução nossa).
Ainda nessa releitura que se faz da história Rico e Achúgar (1995) opinam que
“Há tradições a recuperar e a conservar e há tradições/inércias que tem que se
modificar” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p.19, tradução nossa) desta forma podemos ver
como existe uma necessidade de mudança, porém concomitante a isso se faz necessária
à preservação de representações que não se perca a essência da identidade. Ainda neste
contexto Harari (1997) diz que cada vez que é necessário voltar na história, se
reconstrói o passado, sendo assim a história “(...) realiza sua construção sinalando não
só uma sorte de Canon (...) senão estabelecendo-se e fundamentando uma “origem”, sua
origem” (HARARI, 1997, p. 113, tradução nossa). Ou seja, a releitura do passado
fundamenta uma nova origem, devido a sua nova concepção à luz do momento atual
que a sociedade vive desde o fim da ditadura. Pois:
A ditadura implica uma crise do paradigma implícito em todo o resto do
relato, uma fratura em uma tradição longamente construída e assumida; é
uma etapa traumática no desenvolvimento social e sua explicação questiona
muitas das certezas tradicionais, desde a idéia de um talante social
essencialmente pacífico até a mesma viabilidade do país como âmbito de
coexistência de um entramado social variado. A própria existência da
ditadura representa a evidência de um fracasso, a prova da ineficácia ou da
falsidade de muitos caracteres que tem dado forma ao imaginário coletivo
(JELIN; LORENZ, 2004, p. 143, tradução nossa).
3.3 DITADURA NO URUGUAI
No dia 27 de junho de 1973 quase todos os militares e um grupo de civis
terminaram de reinventar a tradição democrática uruguaia, já em deterioro
desde alguns anos, e começaram a fundar uma nova sociedade mediante as
armas e a tortura, uma sociedade autoritária, repressiva, sem cultura, sem
arte, sem literatura. (HARARI, 1997, p.7, tradução nossa).
Dizem que uma nuvem negra cobriu o Uruguai no dia 27 de junho do ano de
1973. O país que até então era conhecido pelo seu caráter democrático e por isso se
diferenciava do restante da América Latina, viu-se mergulhado em uma crise política
jamais vista. Juan Maria Bordaberry escolhido democraticamente, entregou o poder aos
50
militares enquanto acenava da janela do palácio do governo. este momento para alguns
foi previsível devido, além do deterioro econômico e de governos de representatividade
baixa, ao desmantelamento da esquerda a partir da política antisubversiva.Com isso,os
militares surgiram como uma salvaguarda da nação “A ditadura no Uruguai consistia,
em termos gerais, em negações, exclusões e perseguições” (VIÑOLY,
PARASKEVAÍDIS, 2009, p. 3, tradução nossa).
A identidade até então construída, que tinha suavizado as ditaduras anteriores
como a de Terra e A. Baldomir e que tinha optado pelo esquecimento das barbáries do
século XIX, se viu envolta em uma política de medo, regressão e vergonha. Para
aqueles que não saíram do país restou esconder-se, baixar a cabeça e acreditar que “todo
pasa”, alguns de alguma forma decidiram lutar com o que sabiam fazer e era cantar,
interpretar e divertir. Em Rico e Achúgar (1995) encontramos que naquela névoa20
na
qual o Uruguai era envolto junto com seus países vizinhos, surgiu uma resistência
interna, uma teimosia em rir e fazer rir, em chorar e fazer chorar, algo que dizia que os
uruguaios ainda estavam ali e os faziam lembrar que um coração ainda batia por baixo
dos sofrimentos, desaparecimentos e censuras, porque rir ainda era permitido e o
pensamento não podia ser censurado, somente o seu resultado e mesmo assim, ele ainda
conseguiu se materializar naqueles que teimaram em ser uruguaios, opinião que
encontramos em Rico e Achúgar (1995).
Em Harari (1997) encontramos que “A ditadura fez tábua rasa da cultura. Cortou
seu desenvolvimento, aplicou uma política de extermínio21
, teve afãs fundacionais
absurdos, inconsistentes” (HARARI, 1997, p.36, tradução nossa). Para isso contou com
braços como o DINARP (1975) – Dirección Nacional de Relaciones Públicas - o
organismo que traçou as diretrizes e colocou em funcionamento as políticas da ditadura
para a comunicação. Abarcando praticamente todas as áreas possíveis o Dinarp teve
como questões fundamentais a criação um novo Uruguai nas suas origens, moldando-o
as necessidades surgidas para acompanhar a mentalidade dos governantes do país,
comunicar quais boas eram as intenções da ditadura e reter a campanha anti-ditatorial
que emergia no exterior por parte dos exilados.
20
O regime política ditatorial não se instaurou somente no Uruguai, Brasil e Argentina também tiveram
seus governos tomados pelos militares conforme Bethell (2000). 21
O termo política de extermínio utilizado por diversos autores como Harari (1997) e define as políticas
que os governos ditatoriais utilizaram para calar os contrários aos regimes.
51
Políticas culturais são: “intentos de intervenção deliberada, com os meios
apropriados, na esfera da constituição pública, macrossocial e institucional da cultura,
com o fim de obter efeitos buscados” (BRUNNER, 1985 apud MARCHESI, 2001, p.13,
tradução nossa). Tem-se como efeitos a geração de uma nova identidade utilizando os
elementos que compõem um imaginário coletivo que forma a identidade cultural de uma
nação. A ditadura formou uma nova concepção do quem eram os uruguaios, inserindo-a
na sua forma de pensar. Para Marchesi (2001) a tentativa de construção de um novo
imaginário representativo dos uruguaios foi construído através dos produtos das novas
políticas culturais que foram utilizadas pelo regime afim de que este novo cenário de
imagens pudesse representar um novo Uruguai a partir da instauração da ditadura.
Desta forma temos que:
“(...) a idéia de que os discursos de nosso imaginário contemporâneo se
desenvolveram durate o primero batllismo22
, ao longo do século o mesmo
sofreu diversas crises que não se resolveram com a criação de novas síntesis,
senão com o intento restaurador da matriz original” (MARCHESI, 2001, p.
28, tradução nossa).
Para entender a alteração na forma do uruguaio de perceber-se é necessário
compreender as fases, principalmente econômicas e sociais que o país passou no início
do século XX. Entre a última década de do século XIX e a alvorada no novo século
foram colhidos os novos frutos da reforma civilizatória cujo período de barbárie foi
deixado para trás e um novo Uruguai surgiu. Através da imigração, a industrialização e
de um novo projeto de educação. Entre a década de 30 até o ano de 1958 o Uruguai
sofreu oscilações e devido à crise econômica provocada desde o início da crise mundial
de 1929 que fez com que os preços das matérias primas diminuíssem.
Caetano e Rilla (1987) explicam os antecedentes do golpe de estado e citam
como exemplo a repressao aos trabalhadores durante a década de 1930 e a supressão de
alguns direitos constitucionais. Após o inicio da segunda guerra a democracia retorna ao
22 O batllismo se refere ao grupo formado ao redor das idéias do José Batlle y Ordoñez, dirigente do
partido colorado “(...) orientados por uma ideologia de cunho reformista e modernizador forjada nos
últimos trinta anos da do século XIX (...)” (Souza, 2003, p.19). Ainda hoje o Battilismo é muito forte
dentro do partido Colorado, donde há diversos grupos políticos que tem como enfoque a ideologia
batllista: Corriente Batllista Independiente, Batllismo Abierto, Batllismo Radical, Foro Batllista,
Compromisso Batllista, Unión Colorada y Batllista y ProBa. A questão Batllista é tão forte que no site do
partido colorado a principal notícia das primeiras semanas de outubro era a acusação que um jornalista
fazia sobre a morte de um político, Washington Beltrán, que possivelmente foi morte por José Batlle y
Ordoñez. http://www.partidocolorado.com.uy/index.html
52
pais e com isto a prosperidade23
retorna ao país de 1974 a 1951. Entre 1958 e 1971 a
alteração do poder ficou entre blancos e colorados, em 1971 surgiu o Frente Amplio 24
,
concomitantemente surgiram os Tupamaros25
.
No começo, nos anos desde 1903 até 1930, a democracia política se
consolidou sob o comando do presidente José Batlle y Ordoñez (1856-1929),
que foi presidente duas vezes, primeiro desde 1903 até 1907, segundo desde
1911 até 1915. Neste tempo cresceu a prosperidade econômica e a ascensão
social foi fácil para a classe media (SECHTIG, 2005, p.3, tradução nossa).
Quando Jose Batlle y Ordoñez tomou as rédeas do partido a ideologia passou a
ser a equiparação, dentro do possível, entre ricos e pobres entendendo que as diferenças
sempre existem isto tornava o estado intervencionista o que faria com que ele
distribuísse a riqueza produzida. Quando foi fundado26
, o Partido Colorado, possuía a
elite como parte majoritária da sua constituição e desde o inicio teve como diretriz que a
capital deveria comandar unilateralmente o país conforme analisa Demasi (2004). O
autor coloca que o partido colorado fazia acordos com o partido em diversas questões,
surgiram às primeiras leis em defesa aos trabalhadores entre elas o direito a
aposentadoria. O Uruguai passou a ter quase dois milhões de habitantes, isso graças a
um conjunto de medidas higiênicas do governo o que fez com que a taxa de mortalidade
infantil diminuísse, porém ao mesmo tempo surgiu o controle de natalidade, o
analfabetismo também diminui.
As mulheres conseguiram o divórcio e depois o direito ao voto, a pujança
econômica ocorreu pela diversificação da produção devido à industrialização assim se
iniciou o ciclo modernizador daquele país que viria a ser conhecido como a suíça da
23
Coincidentemente os títulos mundiais de futebol do Uruguai foram no ápice dos dois momentos de
prosperidade econômica que o país viveu, assim os dois títulos ganhos, de 30 e de 50 são um símbolo da
pujança econômica do país e da confiança no futuro que a população declamava aos quatro cantos
conforme Achúgar (1992). 24 Durante os anos de 67 a 72 o governante do Uruguai Jorge Pacheco Areco foi considerado um déspota
já que suprimiu as garantias individuas e com a desculpa de colocar o país novamente nos moldes de
pujança econômica das décadas de 30 e 50 atuou com um controle da inflação que não foi bem aceito pela
sociedade conforme Villalobos (2006) 25
Os tupamaros era o nome usado pelos guerrilheiros do Movimento de Liberación Nacional do Uruguai,
foi fundado por Raul Sendic e congregava diversos agremiações da esquerda partidária urbana do país
como também conseguiu atrair diversos grupos de camponeses e trabalhadores rurais, na época do seu
surgimento formal no ano de 1965 havia um descrito total nos partidos políticos do país o que fez com
que os tupamaros também tivessem nas suas fileiras estudantes universitarios da clase média conforme
encontramos em Villalobos (2006). 26
O Partido colorado foi fundando em 1836 pelos simpatizantes de Fructuoso Rivera, o partido colorado
governou o Uruguai, sem interrupções, de 1865 a 1959 conforme encontramos em Devoto e Pagano
(2004).
53
America Latina como se verificou em Achúgar (1994) e Rico e Achúgar (1995).
Segundo Demasi (2004) na origem do partido Colorado, haviam idéias consideradas
liberais para a época, e que podiam ser consideradas antinacionalistas, defendiam o livre
comércio e o financiamento de obras por empresas estrangeiras. Em 2011, o partido
colorado tenta levar a pauta principal da política situações como a legalização da venda
da maconha, da eutanásia e do aborto, e também, seguindo o exemplo argentino, a
legalização do casamento gay e a adoção de crianças por parte destes27
.
Durante 94 anos o partido colorado ocupa a presidência da republica permitindo
que o Partido Blanco fizesse parte com algumas propostas. Em 1933 o presidente
Gabriel Terra, toma o poder instaurando o que se chamou de Dictablanda28
. Terra
promulgou uma nova constituição onde ficava proibida a entrada de imigrantes que se
consideravam fora do contexto do que o país precisava deficientes físicos, por exemplo,
além do governo se alinhar a política norte-americana e inglesa, para onde exportava
carne enlatada, em 1939 o peso uruguaio chegou a valer mais que o dólar, o que foi
considerado um símbolo da pujança nacional. “A tradição civilista de Uruguai (incluso
e a pesar da “dictablanda” de Terra) integrava o imaginário nacional como um rasgo
quase essencial y constituía parte do orgulho com que os uruguaios se auto-
imaginavam” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p. 16, tradução nossa).
A partir de 1958 inicia uma dualidade governamental com a chegada ao poder
do Partido Nacional (Blanco), o partido começou com uma ampla camada ruralista e
após foi incorporando setores urbanos. Um dos principais políticos do partido foi Luis
Alberto de Herrera (este viria a ser avô de Luis Alberto Lacalle de Herrera, presidente
da república de 1990 a 1995 pelo mesmo partido) e em torno dele surgiu o
Herrerismo29
. Em Zemelman (1990) durante a década de 1960 uma economia
desgovernada e as políticas que não conseguiam frear o aumento da inflação fizeram
27
Informação disponível em http://www.partidocolorado.com.uy/ 28
Para Jelin e Lorenz (2004) o fato de ter sido utilizada a nomenclatura dictablanda, que na tradução seria
dictablanda criando uma maneira de suavizar a palavra ditadura, deve-se a tentar suavizar a situação para
que não houvesse uma quebra de imagem do Uruguai utilizada pelo ex-presidente Luis Batlle Berres
“pequeno oásis de paz, liberdade e justiça em um mundo perturbado por trágicas realidades”. (JELIN;
LORENZ, 2004, p 141, tradução nossa). 29 O Herrerismo tinha como uma das temáticas principais, devido a ter fazendeiros tradicionais dentro da
sua base, o antiimperealismo e a conservação da economia nacional, para alguns é o partido mais
tradicionalista e o que poderia ter gerado uma ditadura no Uruguai, já que tinha uma forte aproximação
com o fascismo. Com o fim da dualidade URSS - EUA o partido tomou uma direção mais centro-direita,
o Presidente Luis Alberto Lacalle na década de 90, seguindo a política Argentina e Uruguaia intentou
privatizar empresas estatais, porém a maioria dos projetos não foi aprovada devido a forte oposição dos
partidos oposicionistas como verificamos em Devoto e Pagano (2004).
54
com que surgisse uma coligação de esquerda que acabou se tornando o Frente Amplio
posteriormente.
Em Tristán (2005) encontramos que a esquerda uruguaia era, até a década de
1960, extremamente montevideana, sendo o interior ainda divido entre blancos e
colorados, o que impedia uma boa representatividade da esquerda no governo uruguaio
a partir deste panorama a esquerda se uniu formando uma frente popular e assim surgiu
o Frente Amplio. Em 1972 entrou no poder Juan Maria Bordaberry, declarando estado
de guerra interno e com o congresso suspendendo qualquer tipo de garantia
constitucional; houve greves gerais, inflação em alta e desvalorização da moeda como
podemos verificar em Tristán (2007).
No dia 27 de junho do ano de 1973 as forças armadas deram o golpe de Estado
assumindo o poder até fevereiro de 1985, porém baixo o governo civil de Bordaberry30
que dissolveu o Legislativo e criou um conselho que era administrado pelos militares,
ao contrário de outras ditaduras em 1976 enquanto as forças armadas queriam um
retorno à democracia, Bordaberry suspendeu as eleições desse ano devido a esse motivo
ele foi deposto pelos militares conforme encontramos em Marchesi (2004). Como
expõem Sechtig (2005) entre os anos de 76, com Bordaberry sendo deposto, os militares
escolheram os dois futuros presidentes, montando um novo conselho nacional, privando
de direitos políticos aqueles que tinham atuado politicamente.
Em Marchesi (2001) encontramos que a ditadura, então, querendo resgatar o
imaginário surgido no auge do Batllismo que amortizava os atos de violência, fazia dos
charruas heróis nacionais e mostrava o Uruguai como uma nação democrática desde o
seu nascimento, recorria a ele quando necessário e tentou apagar da memória da
população as duas décadas que tinham se passado (1950 e 1960) e que tinham deixado
uma imagem de decadência econômica e social. Mesmo com todo o aparato da ditadura
para que todas as esferas sociais convergissem para uma única ideia sobre seus novos
imaginários “A ditadura não conseguiu o respaldo nem o tácito acordo dos intelectuais
para seus projetos propensos a criar uma nova ordem” (VIÑOLY, PARAKESVAÍDIS,
2009, p. 3, tradução nossa). Marchesi (2001) explica que desta forma começou o
expurgo da sociedade daqueles que não concordavam com a nova política implantada,
30
Juan María Bordaberry foi presidente do Uruguai entre 1972 – 1973, foi o presidente que dissolveu o
do parlamento em 1973 conforme Jelin e Lorenz (2004).
55
alguns saíram do país diretamente para a Europa, alguns para a América Latina,
músicos, escritores, jornalistas, políticos todos rumaram para outras terras.
A alteração identitária da política ditatorial do Uruguai consistia em alterar o
passado e assim fazer uma releitura do século XX, Marchesi (2001) explica que para
fundamentar a imagem que a ditadura queria construir ela tinha que recriar o passado.
Desta forma continua o mesmo autor, o cerne na questão da mudança de imagem
consistia no papel que o Estado possuía dentro da história nacional “e o contexto
autoritário no qual se desenvolvem as propostas” (MARCHESI, 2001, p. 62 tradução
nossa).
Chegamos assim as alterações no plano cultural onde se tentou retirar todo o
simbolismo criado na época do Batllismo, ou seja, a construção de um índio passivo e
heróico. O país como uma ilha européia na America Latina, um país que se considerava
hegemonicamente branco, foi neste período que surgiu a idéia da Suíça da America.
Para Moraña a política cultural se baseava em “combater e erradicar os símbolos, relatos
e rituais que questionavam o governo militar ou que faziam referência a vida anterior à
ditadura” (MORAÑA, 1988 apud REMEDI, 2001 p. 133, tradução nossa).
A ditadura conseguiu, de feito, implantar en um país um conjunto de
sentimentos, valores, afetos, ideais e sensibilidades: aceptação da ordem das
coisas, despolitização, submissão, delação, conservadorismo socio-cultural,
falta de solidariedade, concepção individualista e darwinista da sociedade,
concepção salfívica do livre mercado, aceptação da ideologia do
desenvolvimento, fetichismo da tecnologia e dos bens de consumo.
(REMEDI, 2001, p. 133, tradução nossa)
3.4 CARNAVAL EM MONTEVIDÉU
O carnaval de Montevidéu faz uma leitura da atualidade a partir de um recorte
temporal. Das agremiações, focos deste estudo, verifica-se que a participação das
murgas no carnaval, sempre teve como principal argumento expor o que ocorre na
sociedade, utilizando a crítica na sua forma de comunicar-se com o espectador. A
crítica, que utiliza o humor como principal componente, é o que caracteriza estas
agremiações que sempre tiveram nas suas apresentações uma visão da atualidade da
sociedade e confronta passado e presente quando necessário. Como se verifica em
56
Cárambula (1985), as llamadas mostram o resultado de um processo histórico
envolvendo a cultura afro-uruguaia, rememorando-a através de simbolismos que fazem
parte das suas apresentações e desfiles.
Para Alfaro (1991) os símbolos encontrados no Carnaval de Montevidéu “(...)
plasmam uma visão uruguaia do mundo; (...) para construir (e reconstruir com uma
mensagem dinâmica) uma identidade nacional” (p. 230, tradução nossa).
“Qué barullo colosal,
Que relajo tan bestial...
¡Es carnaval!
(Saludo La Gran Siete 2008.)
Não haviam se passado 10 anos da independência do Uruguai perante o Brasil
quando em 1832 os jornais da época descreviam um carnaval onde todos participavam
de um jeito bárbaro. O país ainda inserido em um contexto rural, já tinha Montevidéu
como sua maior cidade como mostra Alfaro (1991) que completa analisando que a
festividade era realmente uma liberação de toda e qualquer formalidade existente
durante o ano.
O jogo de Carnaval foi à expressão culminante da “cultura lúdica” que,
ambientada pelo ócio e o igualitarsmo do Uruguai pré-capitalista, impregnou
a vida daquela sociedade jovem, plebéia e descontraída (BARRÁN 1999
apud ALFARO 1992, tradução nossa).
O carnaval fugia do período antecessor da quaresma e seguia, claro que em uma
proporção menor, durante o ano, pois as brincadeiras estender-se de um carnaval a
outro. No início do século XIX já se observavam os bailes de máscaras e os desfiles de
comparsas31
, porém neste período a máxima do carnaval não era participar de um grupo,
ir a bailes ou assistir espetáculos, mas sim brincar o carnaval, mesmo durante uma
apresentação em algum dos teatros espalhados pela cidade às brincadeiras ocorriam
neste período não importando onde se estivesse. Na visão de Alfaro (1991) o Uruguai é
um país que nasceu da guerra e da resistência perante seus dois vizinhos Argentina e
Brasil, onde a violência estava em seus atos de defesa do território, não era de se esperar
31
As comparsas é uma das vertentes da manifestação do candombe, que é o ritmo executado pelos afro-
uruguaios, mas que também pode definir a festa em si. As comparsas são formadas pelas cuerdas de
tambores. Para Guterres (2003) as comparsas são “(...) apenas umas das formas visíveis pelas quais se
expressa à tradição dos tambores de candombe afro-uruguaios” (GUTERRES, 2003, p. 11)
57
que ela se mantivesse longe do folguedo de carnaval, a guerra foi literalmente levada
para dentro da festividade sem menor ressentimento.
Naquela sociedade aonde a violência era componente inseparável da vida, o
jogo concebido como guerra foi à dramatização mais ostensiva dessa
realidade, sintetizada na ordem que presidia um dos cantões que
protagonizou nosso Carnaval “heróico” (ALFARO, 1992, p. 23, tradução
nossa).
Para a mesma autora, o carnaval era composto de duas partes distintas e bem
definidas na sua forma de festejo. O chamado Carnaval heróico que compreende o
período de 1800 a 1872 e a segunda parte que vai do ano 1873 até o ano 1904 e é
chamado pela autora de Carnaval Civilizado. A diferenciação seria devido ao que a
autora considera o marco civilizatório do carnaval, que ocorreu quando os governantes
da época querendo que a civilização, esta considerada como uma característica da
sociedade industrial e, portanto oriunda da modernização, se estendesse a outras esferas
sociais e não só ao espaço físico então foram criadas regras para trazer a civilidade ao
carnaval, modernizando-o.
Continuando o relato de Alfaro (1991) que cita invasões de casa, ovos de
avestruz, baldes com urina, pedras e outros materiais que eram utilizados nas
brincadeiras de carnaval. No período do carnaval heróico tudo podia ser usado durante o
carnaval, senhoras faziam das suas casas verdadeiras fortalezas para não serem
invadidas pelos “foliões”, moças bem comportada enchiam baldes e bexigas com água
para jogarem nos transeuntes desde seus terraços. Essa violência vista na forma de
comemorar o carnaval também faz parte do contexto político-social daquele período no
Uruguai, como vimos à independência do Uruguai foi no ano de 1825, porém a país
ainda não tinha a paz tão almejada durante o processo de independência, devido a
conflitos internos.
De acordo com Bethell (2001) mesmo com o Uruguai tendo sua primeira
constituição em 1830 o Brasil ainda ocupava uma faixa perto do Río Negro e as
disputas internas vieram a ocasionar a Guerra Grande que ocorreu no período de 1839 a
1851, guerra que marcou o início da dualidade política que ocorreu no Uruguai até o
século passado entre “blancos” e “colorados”. Durante a guerra, mais precisamente
entre os anos de 1843 e 1851, ocorreu o “sítio de Montevidéu”, no ano de 1851
58
Urquiza32
unido com o governo brasileiro adentra as terras uruguaias sem prévia
permissão. A Guerra do Paraguai, que se iniciou em 1864, foi uma forma de selar a paz
entre argentinos, brasileiros e uruguaios já que foram unidos sob os interesses ingleses.
Mesmo com o fim da guerra do Paraguai, as crises político-econômicas
assolavam o Uruguai principalmente devido ao sistema bipartidário existente e ao
processo de modernização que ocorria no país como dito anteriormente, completando a
década de 1860, no ano de 1868. Venancio Flores e Bernardo Berro, dois ex-presidentes
do Uruguai, foram assassinados as portas do Carnaval daquele ano este dia ficou
conhecido como El día de los chuchillos largos e fez parte da Revolución de las
lanzas33
como vemos em Achúgar e Moraña (2000).
Em 1876 começa um ciclo de militarismo (em 1876 se instaura o governo do
coronel Latorre, foi no início deste ciclo do militarismo que o Uruguai começou a
consolidar-se como nação). Porém, no final do século XIX, o Uruguai já começa a ser a
“Suíça da América”, para Barrán (2001) a segunda metade do século XIX seria uma
etapa de disciplinamento do país, ou seja, o Uruguai (na realidade a capital Montevidéu,
o interior ainda se mantêm agrário) começa a entrar no circuito capitalista que começa a
surgir nesta parte da América. Com este disciplinamento uma nova maneira de opinar
sobre a realidade, de agir perante o mundo começa a surgir na nova Suíça. Com toda a
história do século XIX marcada com conflitos externos e internos o carnaval não
parou34
; a barbarização do carnaval acompanhou todo esse histórico de tensões políticas
principalmente no que tange a defesa do território, assim para Alfaro (1992) os abusos
ocorridos durante o carnaval “remiten significativamente a décadas de turbulencia
política, a años de Sítio Grande y a la necesidad de exorcizarlos a través de la risa y el
juego” (ALFARO, 1992, p. 25).
A isto se deve o grande número de acidentados durante o carnaval relatado por
Alfaro (1992), dessa forma a função de válvula de escape do carnaval fica visível, neste
caso soma-se às regras habituais o estado permanente de guerra ou de sítio que viveu o
Uruguai e a cidade de Montevidéu em parte do Século XIX. O carnaval também servia
32
Governador da província de Entre Rios na argentina no período de 1854-1860 conforme Bethell (2001); 33
Em 1870, ano da derrota da França frente ao exército alemão e da constituição do Império germânico, a
rebelião campesina no Uruguai denominou-se “revolución de las lanzas”, porque era com elas que
lutavam os esquadrões rurais contra um exército que introduziu o fuzil Rémington, para vencê-los
(RAMA, SOSNOWSKI, MARTÍNEZ 1985, p. 351, tradução nossa). 34
Na escolha de Montevidéu como capital ibero-americana do Carnaval este fato foi fundamental, o de
nunca ter interrompido seu carnaval mesmo em épocas de guerra ou períodos ditatórias. Informação
disponível em http://www.montevideocapitalcarnaval.com/core.php?m=amp&nw=OQ
59
como um canal para a socialização entre as classes, pois o Uruguai no início do Século
XX construa uma imagem de um país majoritariamente branco onde o negro e o
indígena não coexistiam com os novos emigrantes europeus que lá iam tentar o seu
futuro. As Mojigangas35
, comparsas e de certas formas os corsos36
faziam com que toda
a população festeja-se junta esquecendo a opressão que uma classe sofria pela outra.
Lembramos que na opinião de Alfaro37
(1991) enquanto os bailes tiveram uma maior
facilidade de domesticação, a rua ainda continuou como palco de uma liberação que ia
ficando, cada vez, menos genuína, porém mantinha a zombaria como símbolo da
manifestação das ruas.
Já nas décadas de 50 e 60 do século XIX, os bailes de máscaras começam a
durar mais dos que os três os dias habituais, além de antecipá-la entraram quaresma
adentro, marcando os Carnavais Bárbaros. Quando, um baile de máscaras pagou a
ampliação do Cemitério Novo da cidade, devido a isto Alfaro (1992) mostra que era o
profano ajudando o sagrado. Na década de 70 do século XIX começa a se comemorar o
enterro do carnaval que aqui no Brasil é o Enterro dos ossos. Em Montevidéu o início
da comemoração deste “enterro” serviria como uma forma de fundamentar a transição
do carnaval bárbaro para o civilizado e também como representação da revivificação do
Sagrado perante o desmando do profano.
Eram chamados de “reformadores de la sensibilidad” (BARRÁN 1990 apud
ALFARO, 1991, p. 39, tradução nossa) todos aqueles que de certa forma ajudaram a
mudar a sensibilidade bárbara da sociedade e prepará-la para a modernização insurgente
que vinha adentrando junto com o Século XX. Para estes “sensibilizadores” os festejos
de carnaval, da forma que ocorriam, lembravam um Uruguai economicamente agrário,
politicamente colonial e culturalmente “bárbaro”, além claro, de todo a subversão de
valores que o carnaval tem intrínseca como manifestação. Além disso, vemos aqui a
questão do surgimento do homo economicus38
em detrimento do sujeito que se diverte
35
As Mojigangas podem ser definidas como um (...) gênero parateatral de procedência popular (BUEZO,
2005, p.2, tradução nossa) que tinham como palco as festas burlescas e participavam “(...) representando
entremeses cantados o bailes entremeseados palaciegos.” (BUEZO, 2005, p. 2, tradução nossa). 36
Para Ferreira (2004) em uma analogia com as batalhas de confete, o autor informa que “(...) consistiam
basicamente de grupos de pessoas encarapitadas sobre carruagens ou automóveis, desfilando a elegância e
o charme da burguesia endinheirada para o deleite da população” (FERREIRA, 2004, p. 241). 37
A utilização predominante de Alfaro na temática carnaval uruguaio se deve a que esta é
considerada a maior historiadora do carnaval uruguaio 38 Para Jiménez e Franco (2007) o homo economicus é um ser “(...) racional e de proveta, carente de
condicionantes sociais ou culturais, e sem outros sentimentos que o desejo de perseguir os fins que marca
60
no carnaval, então a modernização do país também passava pelo fato de “corrigir
aqueles que brincam nas horas que deveriam dedicar ao trabalho” (ALFARO, 1992 p.
40, tradução nossa). Mesmo com todo o aparato civilizatório que trabalhava em prol de
mudanças no carnaval, algumas brincadeiras bárbaras ainda eram cometidas por foliões,
pois este período era libertador e nivelador, era quando todos se viam iguais como
verificamos em Alfaro (1991).
A “domesticação” da festa por parte das autoridades suaviza o riso e diminui o
poder corrosivo que a festa possuía nas ordens hierárquicas estabelecidas na sociedade.
Podemos dizer que a primeira fase, ou seja, a primeira forma de festejar o carnaval é
herdada da Espanha conforme Alfaro (1992): “É difícil inclusive, determinar com
exatidão quando os montevideanos adotaram como sua essa “barbárie” carnavalesca
herdada da Espanha” (ALFARO, 1992, p. 41, tradução nossa). Sendo a segunda fase
do carnaval uma cópia do processo civilizatório do carnaval que ocorria em Paris e fruto
de um processo reformador da sociedade por parte do estado, a civilidade significava
progresso, o que o Uruguai buscava de forma árdua em todos os campos da sociedade.
As primeiras normas que tentaram aplacar a barbárie dos dias do Carnaval diziam
respeito ao material utilizado para tal diversão onde, por exemplo, Alfaro (1991) explica
que foram proibidos quaisquer ovos que não fossem de galinha e a água teria que ser
limpa.
Para que este processo civilizatório começasse a surgir efeito “(...) era preciso
dotar gradualmente a festa de novos conteúdos que apagaram seu caráter essencialmente
lúdico” (ALFARO, 1992, p.44, tradução nossa). Alfaro (1992) ainda continua relatando
que no ano de 1868 com todas as regras criadas e desrespeitadas os “sensibilizadores”
“determinaram suspender totalmente as brincadeiras com água ou projétil ao mesmo
tempo em que liberou o uso da fantasia a qualquer hora do dia, os bailes de máscaras e
as comparsas” (ALFARO, 1992, p. 45, tradução nossa). O processo de civilizar o
carnaval teve várias idas e vindas com proibições que depois perdiam a validade ou que
retornavam a qualquer momento. Na opinião de Alfaro (1992) os instrumentos desta
mudança, que começou a se solidificar na década de setenta do século XIX, quarenta
anos depois das primeiras tentativas civilizatórias, foram os bailes de máscaras, as
comparsas e o uso controlado das fantasias.
o sistema capitalista tendente a buscar a máxima ganância individual imediata” (JIMÉNEZ; FRANCO,
2007, p.69, tradução nossa).
61
A máscara foi um instrumento muito valioso nessa mudança do carnaval de
Montevidéu, pois a sua permissão foi concedida pelas brincadeiras curiosas e
inofensivas que quem a usava fazia, mesmo assim quem a usava deveria identificar-se
antes da entrada nos bailes, isso devido ao caráter de anonimato que o uso conferia ao
usuário. Os foliões que a utilizavam eram chamados de máscaras como nos descreve
Alfaro (1991), em 1867 mesmo com a Guerra do Paraguai e com a permissão para
utilizar máscara sendo cobrado, o número de solicitações para sua utilização mais do
que triplicou segundo a própria autora.
Procurando um ar de amenidade nos folguedos de carnaval começou-se a proibir
a presença negra nos bailes de carnaval, por isso a norma da retirada da máscara e das
luvas antes da entrada em um baile. Assim, começa a surgir a diferenciação do carnaval
da elite que ocorre nos bailes de máscaras e o carnaval daquelas pessoas que não eram
aceitas em tais bailes, estes acabaram migrando para as festas na rua da cidade no
Carnaval Callejero. Para alguns veículos da mídia este tipo de medida tirava a alegria
das festas, pois o onde mais ela se encontrava era justamente nas camadas mais
populares da sociedade como vemos em Alfaro (1992).
A resposta dos negros, por sua parte, não se fez esperar: iniciando uma longa
tradiação, em 1872, o infatigável Eulogio Ansina organizou no Teatro San
Felipe um suntuoso baile para a classe de cor, onde escolheu a atuação das
comparsas Pobres Negros Orientales e Raza Africana (ALFARO, 1992,
p.61, tradução nossa).
A força das mudanças inseridas no carnaval, seja por ordem dos mandatários,
seja por uma separação de classes provocadas pela elite ou mesmo por mudanças
naturais inerentes a qualquer manifestação como formas de adequação a uma nova
realidade foram moldando o carnaval do final do século XIX. Na linha de pensamento
de Alfaro (1992) nestes aspectos da mudança mesmo que as camadas mais populares
fossem literalmente jogadas à rua pela sua condição ou pela cor, as brincadeiras
começavam a mudar para os montevideanos.
No ano de 1870 o espetáculo já começa a surgir como forma de diversão
substituindo aos poucos as brincadeiras, é o momento quando se inicia a separação entre
atores e espectadores do carnaval, comparsas organizadas foram surgindo cada vez mais
fortes e mais organizadas. Os negros com seus ritmos já estavam presentes no carnaval
desde 1830 como nos mostra Alfaro (2008), porém é só na década de 70 junto com a
62
junção da cultura negra, do tambor, da dança e que surgem nos bairros Palermo e Sur o
que hoje denominamos comparsas.
Distintas agrupações surgiram em torno da música passando por diversos
gêneros musicais, enquanto a elite não conseguia rir da sua própria realidade nos bailes,
na rua a paródia tinha o seu palco e o seu público assim como explana Alfaro (2008).
Nada escapava nem os próprios festejos de carnaval, modismo e os militares também
figuram na lista de vítimas das letras carnavalescas no século XIX cantadas na rua. O
que vale destacar neste período de fim de século é o comércio se interessando pelo
carnaval é tratando-o como, efetivamente era, uma das datas se não a mais importante
do ano para as vendas.
Para Barrán (1992) “(...) uma paixão uruguaia tem continuidade apesar das
mudanças sofridas é a paixão pela política” (BARRÁN, 1990, ALFARO, 1992 pag.79,
tradução nossa). Segundo o pensamento de Alfaro (1992) esta paixão pela política fica
evidente na forma cantada de fazer o carnaval e a crítica política existente no mesmo,
algo que poderia ser estritamente masculina no Uruguai também é uma paixão feminina.
(...) as paixões políticas, impregnadas da exuberante carga afetiva que nelas
depositou a sensibilidade bárbara, marcaram a fogo os carnavais daquelas
décadas turbulentas, dando lugar a reveladoras instâncias nas quais a
carnavalização da política sucumbiu ante a politização do carnaval
(ALFARO, 1992, p. 80, tradução nossa).
Esta politização do carnaval serviu, para Alfaro (1992) e ainda serve como
termômetro da participação da sociedade na política do país, e aqui também entramos
no conceito que a burla, na realidade, perpetua a ordem estabelecida ou que esta para se
manter no poder tem a necessidade de permitir tal situação de sátira com isso se mantêm
no comando como a autora conclui. Para Alfaro (1991) o ano de 1873 marca uma
mudança na forma de brincar o carnaval, claro que fruto de todas as tentativas de
domesticação iniciadas 40 anos atrás na década de 30 do século XIX.
Estas transições, ainda tiveram um tempo de maturação até que os historiadores
pudessem falar do fim da transição e do início de um carnaval disciplinado. Aos poucos
a estética ganha o espaço das brincadeiras, às vezes brutais, que tinham espaço no
Carnaval, para Alfaro (1991) “há uma verdadeira revolução fisiológico-social”
(ALFARO, 1991, p.14, tradução nossa). Em um contexto mais generalista o país
começa a sofrer mudanças econômicas e também urbanistas, Montevidéu passa por um
63
processo intenso de urbanização com o surgimento dos bulevares. Com estas alterações,
que surgem em diversos âmbitos, é de se esperar que os valores dos montevideanos
sofram alterações principalmente no plano simbólico na tentativa de se modernizar,
tomando para si os valores vindos da Europa como mostra Alfaro (1992), e assim ocorre
uma alteração endógena para adequação aos novos valores do mundo ocidental.
Barrán (1990) fala de uma “privatização das emoções” (BARRÁN, 1990 apud
ALFARO, 1991, p. 15, tradução nossa), ou seja, a espontaneidade dos festejos, brincar
por brincar o carnaval, o divertimento, tudo isto é relegado a segundo plano, quando
não, retirado da vida pública como uma forma de adequação ao formalismo exigido pelo
capitalismo. No carnaval as mudanças vieram de cima para baixo como uma forma de
domesticação da barbárie das classes consideradas inferiores. Para Alfaro (1991) a
aceitação do modo de vida europeu junto com suas normas de ordem e civilidade: “a
acelerada aculturação39
derivada de nossa inserção periférica no mundo capitalista que,
através da desigual confrontação de modelos culturais, nos tomou ainda mais
vulneráveis ante o tradicional influxo europeu” (ALFARO, 1991, p.16, tradução nossa).
A tudo isso Barrán (1990) fala da troca de tipo de castigo se antes existia o
castigo do corpo a tática foi alterada para uma repressão da alma (BARRÁN 1990 apud
ALFARO, 1991, p.16, tradução nossa). Para isto foram utilizadas diversas ferramentas
como, por exemplo, uma nova forma de educação que estava surgindo, porém essa
mudança no início obrigatória passou a ser aceita pela sociedade como algo necessário.
Se partirmos do suposto de que a história dos sistemas de valores e dos
comportamentos coletivos ignora as mutações bruscas, resulta surpreendente
o tom emblemático que assumiu a mudança, pelo menos no terreno do
Carnaval, naqueles primeros anos da década de setenta (ALFARO, 1991,
p.17, tradução nossa).
O olhar do outro – no caso o Europeu – começa a construir o que Montevidéu
quer ser, a ano de 1873 marca o primeiro adorno das ruas conforme Alfaro (2008) e o
primeiro desfile de comparsas o que ocorreu conjuntamente com uma série de normas
que teriam que ser seguidas para evitar desagravos durante os festejos de carnaval.
Como todo ritual coletivo, o Carnaval requer um espaço próprio, um âmbito
especialmente reservado para sua celebração e, nesta conjuntura, essa
39
Em Santana, encontramos que aculturação refere-se: “(...) especificamente aos processos e
acontecimentos que provem dos encontros de duas ou mais culturas e, em principio, por definição, todas
as culturas implicadas se verão afetadas” (SANTANA, 1997, p. 18, tradução nossa)
64
dimensão espacial da festa converteu a cidade num grande cenário para a
dramatização da nova ordem em gestação (ALFARO, 1991, p.20, tradução
nossa).
No início da década de 70 do século XIX e no decorrer do final do século XIX
verificamos diversas mudanças, é um dos períodos conhecidos como Militarismo.
Depois da Guerra da tríplice aliança o Uruguai inicia um longo processo de recuperação
a fim de sanar os danos provocados pela guerra. Surgem planos de urbanização e
remodelação tanto do espaço urbanístico como uma remodelação para a transição do
agrário para o industrial.
Além disto, há uma transformação nos simbolismos, ao se modernizar o país,
novos valores surgem para uma adequação a fundamentação que vem da Europa do
certo e do errado em como agir, vestir, sentir e viver, em um processo de aculturação.
Em concomitância com a opinião de Alfaro (2008) podemos verificar que o homem
adquirindo a posição perante o mundo de homo economicus e então, transformando a
sua vida e que passa a ter o trabalho como temporizador assim o ser humano esquece-se
da diversão ou a relega para um segundo plano, pois seu novo status dentro das
alterações da economia não lhe permite dar-se o luxo de diversões, principalmente
carnavalescas tidas para muito como uma lembrança das festividades “selvagens” que
agora seriam relegadas aos “operários”.
O espaço da cidade começou a ser preparado para receber a civilidade do novo
carnaval, começa a surgir a decoração de carnaval dos principais bulevares da cidade,
também surgiu o desfile de carros alegóricos e as fantasias começaram a ser premiadas
nos bailes. Na reflexão de Alfaro (2008) a festa ganha a oficialidade que a nova ordem
exige; as camadas dominantes tomam as fantasias como símbolo desta nova forma de
festejar, relegando a máscara a “plebe” e lhe concedendo um papel de símbolo daquele
carnaval de antanho40
. A fantasia mostra a civilidade que a burguesia da época deseja
mostrar para se diferenciar da simples máscara da plebe.
Essa separação nas formas de festejar das camadas da sociedade vem a
corroborar as mudanças culturais que começam a surgir em praticamente todos os
40 Um século depois na década de 80 não havia criança que não tivesse uma máscara dos mais diversos
personagens, Mulher Maravilha, Chaves, Tom e Jerry todos estavam com os vendedores durantes os
desfiles e fora deles, havia quem colecionasse e aqueles que para cada dia de Carnaval usassem uma
diferente. As máscaras de hoje em quase nada se pareciam às máscaras do século XIX e início do século
XX e na década de 80 deste último era o máximo símbolo infantil da comemoração de Carnaval
(comprovação empírica).
65
campos da sociedade. As relações entre os diversos âmbitos da sociedade
montevideana, na opinião de Alfaro (2008) começam a ser alterados nas suas formas de
comunicação dentro do disciplinamento que ocorre devido à adequação ao capitalismo.
No marco de um novo Uruguai, a atualização de simbologias, conteúdos e
cenários carnavalescos expressou pontualmente a lenta e trabalhosa
emergência de uma nova ordem simbólica. De alguma maneira, o ano de
1873, ponto de partida de um novo itinerário através do Carnaval
montevideano (…) marca o início do longo processo que conduzirá a
consolidação de uma festa de acordo com as formas de viver e de sentir desse
novo país (ALFARO, 1992, p.95, tradução nossa).
A nova forma de estar no mundo também fazia parte dos setores
desprivilegiados da sociedade, que, apesar de que na historiografia carnavalesca esta
informação não apareça.
Confirmando a riqueza e a complexidade dos processos culturais, a “reforma
do Carnaval” está cheia de incongruências do mais variado signo que
permitem detectar quão manchada é a línea divisória que separa as culturas
populares da elite (ALFARO, 1991, p. 64, tradução nossa).
Apesar de todas as reformas a sátira continuou presente desde os tempos mais
remotos do carnaval montevideano, antes da eleição de 1873 que ocorreu no dia 1º
março, não era difícil encontrar diversas máscaras “presidenciáveis” nos desfiles. Desde
esta época, carnaval faz uma leitura satírica da política do país, a partir de sátiras às
vezes amargas, às vezes festivas41
. No final do século XIX, temos a consolidação das
comparsas42
como ingrediente fundamental da celebração (ALFARO, 2008, p.18,
tradução nossa), junto a estas comparsas surgem também uma quantidade considerável
de conjuntos, chamados por Alfaro (2008) de “agrupaciones de negros y lubolos”.
Para o final do século XIX, mas precisamente na década de 90, o candombe, que
na sua essência é uma cerimônia ritual africana, passa a ser incorporada ao carnaval, o
que para Cárambula (1985), faz surgir uma sincronia de elementos da realidade do
negro no espaço-tempo em Montevidéu com o passado ritualista dos mesmos, como por
41 No ano de 2005 a murga Agarrate Catalina fez uma apresentação onde falava do Presidente Pepe
Mujica quando este ainda era Senador da República e foi indicado para entrar no primeiro governo do
partido Frente Amplio a nível federal, se utilizou a figura do atual presidente da República para satirizar o
medo que algumas camadas da sociedade tinham e preconizavam sobre a toma de poder por parte do
partido esquerdista que tinha o Presidente PePe Mujica como símbolo da luta contra a ditadura, já que
este foi guerrilheiro e faz parte do Movimiento de Participación Política. Vídeo disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=Hsifiaxn_tA>.
66
exemplo, a maneira de andar dos componentes de uma cuerda de tambores43
que faz
uma “reverência” aos passos dos negros escravos e seus grilhões, o que impossibilitava
que levantassem os pés, assim eram arrastados ou levantados muito pouco do chão,
como fazem até hoje os integrantes das cuerdas.
“Para ser autêntica a festa só pode se expressão do seu tempo e, com sua justa
dose de tradição e inovação, de ruptura e permanência, de loucura e sanidade”
(ALFARO, 1991, p.215, tradução nossa). Fruto direto de diversos processos como o
disciplinamento e a aculturação, e devido às influências européias, o Carnaval de
Montevidéu sobreviveu e foram justamente estas mudanças que ajudaram a sua
sobrevida e consolidação no século XX. O carnaval como manifestação, se adaptou as
mudanças sociais e culturais que ocorreram no final do século XIX e continuaram
posteriormente.
A evolução das agrupações que faziam o carnaval somando-se as novas regras
que a nascente realidade exigia fez surgir a espetacularização da festa, o carnaval onde a
brincadeira era que reinava, dá lugar ao um novo carnaval da dança, dos ritos e de falas.
As premiações já não são mais obras de arte, mas prêmios em dinheiro como
encontramos em Alfaro (2008b) e se antes negros e brancos disputavam os mesmos
prêmios nos tablados isso começa a mudar no raiar do século XX por exigência dos
próprios negros assim começam a surgir às categorias do para premiação do carnaval.
Na alvorada da primeira década dos anos 1900 temos um verdadeiro panorama do que
era a sociedade montevideana da época e, também, onde ainda incipiente o molde do
carnaval como o conhecemos hoje começa a surgir, onde o ponto máximo foi o carnaval
da virada do século em 1899 se utilizaram “quinze milhões de serpentinas” um símbolo
da civilização na época. (ALFARO, 2008b, p.27, tradução nossa).
Se a construção da nação na era moderna foi, entre outras coisas, o resultado
de um complexo processo de integração de síntese e aculturação (...) no
marco de um país que necessitava pensar se a si mesmo e imaginar-se como
comunidade. (ALFARO, 1991, p.128, tradução nossa).
Hoje as categorias que fazem parte do Carnaval montevideano são cinco:
Parodistas, Humoristas, Murgas, Revistas e as agrupações de Negros e Lubolos. O
papel das pessoas no carnaval do Uruguai é extremamente bem definido, atores,
43 Cuerda de Tambores, explica Olaza (2009) é onde o candombe é tocado por uma cuerda de três
tambores, chico, repique y piano e é tocado por três indivíduos, e cada tambor tem sua medida específica
(...) e vão se multiplicando de três em três. (OLAZA, 2009, p. 53, tradução nossa)
67
músicos, empresários, letristas, espectadores, isto foi parte da transição do carnaval
brincado para um tipo de carnaval assistido e menos participativo como podemos ver
em Vidart (2001).
3.4.1 LLAMADAS e CANDOMBE
Dale negro p’a delante no me pares de luchar
Grupo Pareceres
Partiram de diversas regiões da África os negros que desembarcaram em
Montevidéu eram em sua maioria da civilização Bantú, que ocupavam o que hoje são as
regiões de Camarões e da Nigéria segundo Rodríguez (2006). Somando-se a estes,
também fazem parte da raiz africana no Uruguai as civilizações Dahomey e Sudanesa.
Estima-se que em torno de 40.000 pessoas vindas para trabalhar como escravos
desembarcaram em terras uruguaias a este contingente foram somando-se escravos
oriundos do Brasil que fugiam para a região quase desértica da Campanha no Uruguai.
Os negros ocupavam funções principalmente na indústria do charque, cuidando da carne
que seria vendida para os países vizinhos, também eram chamados para lutar quando o
país entrava em guerra enquanto que as mulheres eram enviadas para o serviço
doméstico. “Em 1791 Montevidéu, foi designado, único porto de introdução de escravos
para o Rio de la Plata, Chile e Peru” (MEC, 2007, p. 4, tradução nossa).
As afinidades culturais dos escravos serviram como ponto de partida para que,
chegando a Montevidéu, estes se agrupassem segundo sua língua, crenças, religião
enfim, tudo aquilo que pudesse ser considerado um elo da sua origem e assim, servindo
como um agregador para unir os negros na sua chegada a estas terras como
identificamos em Carámbula (1985). Esta união também serviu como uma maneira de
proteger a carga cultural que cada um trazia, afim de que isto lhe concedesse uma
identidade dentro do seu novo espaço. Ainda para Carámbula (1985) os
afrodescendentes conseguiram unir-se por sua origem, idioma e outros fatores devido à
necessidade de proteção e de ajuda entre semelhantes.
68
A denominação de “nações” foi, precisamente, ocorrência dos negreiros, que,
para facilitar suas despiadadas transações comerciais, classificam a
mercadoria humana de acordo com sua origem, por resultar mais cômodo e
facilitar sua rápida identificação (CARÁMBULA, 1985, p.23, tradução
nossa).
Nas nações havia uma corte com reis e rainhas, para Carámbula (1985) as
diversas culturas africanas que aportaram no Uruguai são a origem das nações, pois
cada uma representava a majestosidade deixada em solo africano. As Nações não só
trabalhavam para agrupar e fortalecer o espírito de origem comum dos negros
organizando as festividades e rituais religiosos, mas também serviam de apoio àqueles
que necessitavam da ajuda da sua comunidade, mais ou menos nos moldes de
associações de ajuda como as que os imigrantes espanhóis e italianos fundariam
posteriormente, assim nesta forma de agrupamento eles “(...) buscaram formas e
espaços de encontro dentro da legalidade de uma época que apenas aceitou seu
agrupamento nas chamadas Naciones” (MEC, 2007, p. 13, tradução nossa).
Os negros que chegaram as terras uruguaias trouxeram sua rítmica denominada
candombe, que no país vizinho denominou tanto o ritmo quanto os festejos dos negros
no século XIX. “El término ka-ndombe na lingua kimbundo, significaría “costume ou
dança dos ndombes”” (MEC, 2007, p. 14, tradução nossa) complementando, para
Carámbula (1985) “ Provavelmente a onomatopéia rítmica, deu origem ao uso da
palavra candombe para tudo o que era de origem “negra” como bailes, dança negra e
etc. (CARÁMBULA, 1985, p. 13, tradução nossa). Candombe se chamavam as
festividades do dia seis de janeiro, dia de reis44
·, a reunião dos tambores, o ritmo, tudo
aquilo que fosse vinculado aos afrouruguaios era candombe.
A palavra candombe aparece pela primeira vez em uma crônica do escritor de
época Isidoro de Maria, que titulou “el recinto y los candombes” (1808-
1829). Posteriormente, a lemos em uma composição do poeta Acuña de
Figueroa, aparecia no “El Universal”, em 1894 e cujo primer verso diz:
“compañelo di candombe.” (CARÁMBULA, 1985, p.13, tradução nossa).
O candombe se caracteriza por uma conversa entre tambores, um toque chama
outro toque de outro tambor e assim se forma a rítmica do candombe. “O candombe,
como o samba brasileiro ou o guagancó cubano, é a evolução, ao contato com realidades
44 A escolha do dia de Reis, também era uma forma de reverenciar o rei mago negro Baltazar, também
não era difícil dentro das casas existirem imagens dele e de São Bento. (MONTAÑO, 2010, disponível
em http://www.alterinfos.org/spip.php?article4155, tradução nossa).
69
locais, de um ritmo original dos ritos africanos de fecundidade” (POLIMENI, 2002, p.
146, tradução nossa). Para Carámbula (1985) a formação do candombe seria a segunda
etapa da constituição das danças afro-criolas; ele é o ritmo que ditava e dita as
festividades dos afrouruguaios, em um primeiro momento estas festividades ocorriam
nas casas das Naciones denominadas Salas ou nas Canchas. Conforme o MEC (2007)
os candombes dos negros de antanho eram uma forma de sobrevivência e assim
serviriam como válvula de escape aos moldes do carnaval da Idade Média “um íntimo e
intenso chamado a rebeldia antes as imposições e ao avassalamento do qual eram
objeto” (MEC, 2007, p.13, tradução nossa).
No desenvolvimento do candombe do Rio de la Plata, o papel decisivo
correspondeu aos congos, cujo ritual se iram somar quase todas as outras
“nações”, pelo que o vocábulo se generalizou até o ponto de englobar quase
todas as danças dos negros, inclusive as carnavalescas (CARÁMBULA,
1985, p.8, tradução nossa)
As nações tinham o seu território nas Salas. As salas estavam instaladas em
antigas casas coloniais abandonadas ou alugadas pelos próprios amos, que eram
ocupadas pelas nações, estes eram os mais velhos e eram respeitados dentro da
“hierarquia” existente dentro das nações segundo Carámbula (1985) o autor ainda
completa que eram os reis das nações que definiam as regras de comportamento que os
componentes da nação deveriam seguir, estas Salas eram mantidas através das esmolas
recebidas em nome destas nações eram convertidas para ajudar aqueles da comunidade
que não tinham como se sustentar. . “Isidoro De María (1968) considera o período de
1808-1829 como a “época de ouro”, o auge dos candombes das nações a sul da cidade,
contra as muralhas e o mar” (DE MARÍA, 1968 apud GUTERRES, 2002, p.71) desta
forma, pode considerar-se a importância que as Salas tiveram como lugar de memória,
identificação e manutenção da cultura afro uruguaia.
“domingo a domingo, “os amos permitiam aos seus escravos que fossem a
suas “canchitas” alinhadas ao longo da muralha que fechava e cuidava de
cidade”. Nesses pequenos espaços de terra cobertos, com uma camada de
areia, se reuniam todos os africanos de acordo com a sua nação. “Cada grupo
ia llamando a seus companheiros, os que saiam das casas de seus amos, e se
reuniam com aqueles que llamaban desde a rua ou desde a canchita.” (MEC,
2007, p. 15, tradução nossa).
Uma das manifestações do candombe é a comparsa, que é a reunião dos
tambores, a corda dos tambores, somado a outros elementos que simbolizam a cultura
70
afrouruguaia e os personagens como o gramillero, o escobero, a mama vieja. O
Gramillero deve seu nome às gramillas ou yuyos (ervas) como explana Carámbula
(1985) que usava para curar seus pacientes, assim ele simbolizava o curandeiro; o
escobero o bastonero era um personagem que tinha sua importância fora e dentro das
Salas. No MEC (2010) encontramos que o papel deste personagem como sendo o
“diretor de uma orquestra” isto mesmo antes das comparsas existirem como tal. A
Mama Vieja é o personagem feminino da comparsa, robusta, sempre de branco, com
uma saia rodada e segurando um abanico na mão, companheiro do gramillero na dança
à frente da cuerda de tambores na comparsa. Para alguns a Mama Vieja era a dona das
chaves, ou seja, aquela que controlava a saída e a entrada das pessoas na casa dos amos,
na visão de Carámbula (1995) a Mama Vieja simboliza a rainha das Nações.
A comparsa tem uma formação clássica: seu estandarte vai à frente com
troféus conquistados, logo as Bandeiras, e na retaguarda a meia lua, estrelas e
faróis de tecido pintado, distintivo que, pelas noites, dá um especial encanto e
a faz visível a distancia. Os negros vão caminhando em fila indiana com suas
típicas y vistosas fantasias, caminhando entre o intenso e cálido som dos
tamboriles, que lhe dão uma fisionomia exótica e pitoresca, colocando uma
nota de tom local nas festas do efêmero e funambulesco reinado de momo.
(CARÁMBULA, 1985, p.48, tradução nossa).
A cuerda de tambores é o que forma a comparsa somando-se todos os
personagens, a corda tem três tambores o Chico, o Repique e o Piano. “As comparsas,
portanto, são apenas uma das formas visíveis pelas quais se expressa à tradição dos
tambores do candombe afro uruguaio (...) na forma de agremiações” (GUTERRES,
2002, p. 11) e ainda complementa que as cuerdas de tambores são as orquestras
percussivas do candombe.
71
FIGURA 01: PROJETO EDUARDO VERNAZZA Y EL CARNAVAL 1930 - 1991
FONTE: PÁGINA ELETRONICA MUSEO DO CARNAVAL
A corda de tambores, nos seus desfiles, junto com os personagens, saindo junto a
outras cordas de tambores caracteriza as llamadas, que hoje fazem parte do desfile de
agremiações do Carnaval, para Guillén (2007) antigamente as llamadas eram um
chamado de fé já que ocorriam no dia de reis45
. As llamadas também eram um ato de
congregação entre as Nações, e, portanto, entre as comparsas, esse chamado também é
o coração do candombe já que os tambores se chamam entre si. O candombe, portanto é
um ritmo onde ocorre uma conversa entre os tambores, por isso, o nome de llamadas
“(...) se va llamando, uno llama, repica al outro, se va llamando a cada barrio” (
OLAZA, 2009, p. 59).
Para Carámbula (1985) existiram três etapas da formação do candombe, sendo
que hoje, vemos a terceira etapa que seria a formação das comparsas, que surgiu em
1867 com o aparecimento da sociedade de negros “La raza africana”. Nas llamadas se
congregam todos os símbolos da cultura afrouruguaia que por muito tempo foram
proibidos, a comparsa aparece com as luas, estrelas, os personagens, se para Guillén
(2006) o candombe é uma degeneração da religião afro, podemos identificar que na sua
raiz o ritmo era uma forma de veneração dos Deuses do panteão africano, então a
mesma autora identificou que as llamadas também era um llamado da fé africana isto
45
Em Chirimini e Varese (2000) encontramos que: “Também os candombes se dançavam em datas
indicadas¸especialmente no dia 6 de janeiro, a festa dos Reis Magos. Esse dia, depois de uma missa
solene na Igreja Matriz, a que assistiam os reis negros e todo seu séquito, se fazia uma visita às
autoridades (governador espanhol ou português ou o presidente em exercício, dependendo da época) e
mais tarde se rumavam em procissão musical até a sala, onde após um suculento banquete se iniciava o
candombe até o por do sol. Na dança participavam todos os membros da sala, aos que se uniam um coro
de curiosos, tanto brancos quanto negros, para presenciar o espetáculo barulhento.” (CHIRIMINI;
VARESE, 2000, p. 98, tradução nossa)
72
esta em consonância com a opinião de Ayesterán (1953) “(...) as danças negras no
Uruguai, trazem uma idéia de sincretismo religioso” (AYESTERÁN, 1953, p.65,
tradução nossa).
Herança direta do tronco comum africano, a força desse fraseado (conversa
entre tambores) é versão local de uma misteriosa comunhão com a música e a
dança, ingrediente chave na existencia do negro, que, mais além de
fronteiras, expressa uma forma de ver e de sentir a vida (ALFARO; COZZO,
2008a, p.52, tradução nossa).
Todas as manifestações dos afrouruguaios ocorriam em locais onde lhes era
permitido fazê-lo. Quando a Montevidéu de antanho estava encerrada entre as muralhas
da Ciudadela46
, o candombe se realizava dentro da cidade, na antiga Plaza del Mercado
Chico ou no Paseo del Recinto, na costa sul (CARÁMBULA, 1985, p.21, tradução
nossa), também em “lugares denominados “canchas” e nas salas (...) se levavam a cabo
com mimética solenidade palaciana”(CARAMBULA,1985, p.17, tradução nossa).
Quando as muralhas da Ciudadela são derrubadas, os afrouruguaios continuam a usar as
imediações da mesma para seus festejos.
As celebrações ou os bailes africanos desde os fins do século XVIII ocorriam na
zona sul do Recinto (espaço estabelecido entre as bóvedas sobre a bahía e o cubo do
Sur a beira do mar, atual tramo que se estende aproximadamente desde a Rambla
Roosevelt a Rambla Gran Bretaña) (MEC, 2007, p. 7, tradução nossa).
Os negros não saíram de entorno a cidadela já que o porto e suas Salas se
encontravam nesta região, estes bairros, hoje em dia, Sul e Palermo são referência para
a população negra montevideana. A localização geográfica dos negros nestes bairros é
do tempo que o Uruguai ainda era uma colônia e pela reclamação dos habitantes que
tinham que ouvir os toques dos tambores dos negros estes foram permitidos a tocar fora
das muralhas da Cidadela. O que criou uma “fixação topográfica do candombe”
(ALFARO; COZZO, 2008, p. 23, tradução nossa). Desta forma os bairros Sul e Palermo
tornam-se um marco da cultura negra e do seu representante o candombe. Para
Carámbula (1985) os sítios africanos conseguiam aproximar toda a população da cidade,
não importando origem, gênero ou idade, como uma forma de fuga da sua fastidiosa
realidade.
46
A ciudadela, quando da edificação em 1741 foi projetada para ser um pequeno forte. Para Ribeiro: “La
ciudad em si era aquella que se encerraba em sus defensas” (RIBEIRO, 1997, p. 21), ou seja ela
“encerrou” a cidade dentro dos seus muros até hoje na entrada do bairro Ciudad Vieja a sua porta esta
visível como um monumento da cidade.
73
Quando se derrubam os muros da cidade e esta se alargou, transpondo os limites de
pedra da severa Cidadela. Então os negros, ansiando maior liberdade, escolheram os
subúrbios extramuros, pois devido ao ruído infernal dos tambores a população
continuava a se queixar as autoridades (CARAMBULA, 1985, p.22, tradução
nossa).
“Com o advento da industrialização e as mudanças sociais que ocorriam no
Uruguai, os negros continuaram convergindo para as “docas do porto, as imediações da
Antiga cidade e perto do mercado” (MEC, 2007, p. 6, tradução nossa). Antes do
surgimento dos cortiços, alugaram peças de inquilinato. Os cortiços começaram a ser
erguidos em uma conjuntura de modernização e industrialização que ocorria no final do
século XIX para abrigar a mão de obra imigrante que provinha da Europa como
verificamos em Alfaro e Cozzo (2008) principalmente italianos e espanhóis nesta
conjuntura de novos moradores de Montevidéu se encontravam os negros libertos que
chegavam em grande número a capital e que se somavam a aqueles que já estavam na
cidade.
Nos cortiços o novo homem livre, se via rodeado, no início por um ambiente que
não lhe era de todo agradável, já que estava envolto por regras dos primeiros moradores
na sua maioria imigrantes assim o afro uruguaio se vê diante de um desafio de “adaptar
sua vida a novos códigos sociais sobre os que não têm nenhum antecedente”
(RODRÍGUEZ, 2006, p.33, tradução nossa). Dos cortiços mais conhecidos se
destacaram três pelo surgimento de congregações de cultura negra em torno deles, o
Mediomundo, Ansina e Gaboto, os três tiveram cuerdas e comparsas, geraram ícones
do candombe e da cultura negra, enclaves destas duas que mesmo com sua
desintegração física continuam colocando nome aos tambores e aos toques oriundos das
cordas de tambores existentes ainda hoje. “O Mediomundo era delimitado pelas ruas
Cuareim, Islas de Flores, Yi e Durazno” (ALFARO; COZZO, 2008, p.18, tradução
nossa) e por uma convenção mais dos seus moradores do que realmente pela
demarcação dos bairros como completa a autora, o cortiço ficou sendo no Barrio Sur e
seu maior rival candombero, no Bairro Palermo. Possuía 40 habitações, com um pátio
no meio equipado com 32 tanques para lavagem de roupas, contava apenas com quatro
latrinas é o mais conhecido dentre os três.
“(...) enclaves associados desde sempre a sua tradição e a sua produção simbólica,
neles como sustenta Luis Ferreira, a desempenho musical dos tambores delimita
uma territorialidade urbana e promove uma reinvenção do local que nutre-se de
74
códigos próprios, totalmente diferentes o autônomos dos critérios urbanísticos
oficiais” (ALFARO; COZZO, 2008, p.9, tradução nossa).
O cortiço teve vários nomes que dependiam de quem o povoava como nos
mostram Alfaro e Cozzo (2008), teve o nome dos seus construtores Cortiço de Risso, na
década de 20 começou a ser chamada de Cancha de Wanderers, aludindo desta forma as
cores da camiseta da mesma equipe de futebol o branco e o preto, já que nesta altura o
cortiço possui metade da população negra e metade branca, por última ganhou o nome
da rua que o circundava Conventillo Cuareim47
.
“(...) no caso específico de Mediomundo, a categoria (lugar antropológico) se torna
particularmente reveladora quando explora o dispositivo pelo qual um determinado
âmbito pasa a ser depositário da identidade do grupo” (ALFARO; COZZO, 2008, p.
9, tradução nossa).
Muitos dos traços sociais dos cortiços se construíam através da necessidade
advindas das dificuldades do dia a dia. O compartilhamento de pertences era comum,
assim como algumas mulheres serviam de babás para as outras que precisavam sair a
buscar roupas para lavar e assim fazer o seu sustento. No cortiço nasceram, criaram-se
ou estiveram figuras do carnaval ou que dele vieram a fazer parte posteriormente.
Alfaro e Cozzo (2008) citam Rosa Luna48
, Juan Ángel Silva49
, Carlos Paez Vilaró50
como alguns nomes inesquecíveis que vivem no imaginário carnavalesco da cidade e
que tiveram o Mediomundo como palco.
Juan Ángel Silva foi considerado patriarca de Cuareim e uma das figuras mais
importantes da cultura afrouruguaia segundo a opinião de Alfaro e Cozzo (2008), seu
apelido era Cacique, nasceu em 1919, em 1940 chegou ao cortiço, casou, teve filhos,
conseguiu um emprego público devido a suas amizades na política e fundou Lonjas de
Cuareim passando a se chamar Morenada em 1953 sua primeira comparsa. Cacique
ficou conhecido pela sua forte ligação com o artista plástico Paéz Vilaró que tinha um
atelier no cortiço na peça que ainda era de Cacique, além disso, a mesma peça para a
47
A comparsa que se originou no cortiço, hoje utiliza o nome Cuareim 1080 mesmo que alguns dos seus
integrantes não tenham raízes no cortiço e nem no bairro. Disponível em
http://www.cuareim1080.com.uy/pres.html 48
Uma das vedetes com mais destaque no Carnaval Uruguaio, falecida no ano de 1994. 49
Por muito tempo foi quem “comandou” o cortiço Mediomundo conforme Alfaro e Cozzo (2008). 50
Artista plástico uruguaio conhecido internacionalmente por ter construído Casapueblo na cidade de
Punta del Este. Desfilava pela comparsa Cuareim C1080 sendo seu último desfile no ano de 2010.
Disponível em http://www.lanacion.com.ar/1232960-lluvia-tambores-y-una-despedida
75
sede do clube de futebol Yacumenza. Foi um símbolo da década de 50 do qual é “um
produto típico e inconfundível” (ALFARO; COZZO, 2008, p.50, tradução nossa).
Lonjas de Cuareim e posteriormente a comparsa Morenada alcançaram êxito
internacional graças a Vilaró que com seus contatos conseguia shows em Punta del Este
e em outras cidades do mundo.
FIGURA 02: CORTICO MEDIOMUNDO
FONTE: HECTOR DEVIA IN ALFARO E COZZO (200a, p. 19)
Em 1954 Paéz Vilaró decidiu que sua exposição, que participaria da Conferencia
Internacional da UNESCO a ser realizado em Montevideú, seria no cortiço dando ainda
mais visibilidade ao cortiço conforme explicam Alfaro e Cozzo (2008). Paez pintou os
negros não só porque os admirava, mas também porque convivia com eles no dia a dia.
Os cortiços também se caracterizaram por serem escolas de candombe, onde os filhos
dos moradores aprendiam desde pequenos a tocarem o tambor ou a se transformarem
em mini vedettes do carnaval. Assim mantendo uma tradição que até hoje, mesmo com
o desmantelamento dos cortiços continua e nos desfiles ainda se faz uma homenagem
àqueles que já se foram e deixaram sua marca em frases como “en esta noche (la de las
llamadas) ellos estan presente junto a nosotros” (ALFARO; COZZO, 2008, p.57).
O cortiço Mediomundo não só albergou Paéz Vilaró também são figuras do
cortiço Rosa Luna uma das maiores vedetes que o carnaval já teve nascida no cortiço
em 1937, Martha Gularte e lágrima Rios completam o panteão de vedetes uruguaias que
fizeram história não só pela sua beleza, mas pela sua história na cultura afrouruguaia, as
76
duas eram freqüentadoras assíduas do cortiço, como encontramos em MEC (2007) o
cortiço não só era também ponto de encontro de crianças que moravam nos arredores do
mesmo.
Sendo um dos símbolos da cultura negra, o cortiço sempre foi muito visitado por
turistas que queriam ver a “alma” do candombe e segundo Alfaro e Cozzo, (2008) “o
enigma radica da força dos atributos que faziam que o Mediomundo fosse uma das
grandes capitais culturais do candombe e, por isso, muito mais que um simples cortiço”
(ALFARO; COZZO, 2008, p.64, tradução nossa). Para Alfaro e Cozzo (2008) a década
de 60 foi crucial para a vida do cortiço, mesmo com a consolidação da imagem de
comparsas como morenada, o deterioramento físico continua, a esta altura tinham se
passado oitenta anos da inauguração do prédio. As obras de manutenção previstas nunca
ocorreram, as pinturas da fachada davam um ar provisório de melhora, um arremate
frustrado, a revogação da lei que tornou o cortiço um Monumento Histórico Nacional51
e o barramento de outro projeto, o de exploração turística do local abriram as portas
para o que depois seria o desmantelamento deste lugar de memória.
Nos processos de construção das identidades, tanto as coletividades como os
indivíduos tem a necessidade de simbolizar esta identidade em alguns
referentes compartilhados. O tratamento do espaço é um dos principais meios
ao qual se recorre para a concreção deste operativo (ALFARO; COZZO,
2008, p.9, tradução nossa).
As cuerdas de hoje, Cuareim52
, Ansina53
e Cordon54
, tiveram sua origem em três
cortiços, os respectivos Mediomundo, Ansina e Gaboto, cada um com um toque de
tambor diferenciado que o identificam com sua origem. No momento que houve a
demolição dos cortiços por parte da ditadura, pensou-se que haveria uma desintegração
da cultura negra, porém o que ocorreu e que alguns que foram desalojados acabaram
voltando para casas de amigos ou parentes que continuaram no bairro ou mesmo
aqueles que não conseguiram retornar fizeram do entorno ao cortiço seu local de ensaio
e de passeio, além disso, a dispersão daqueles que não puderam ou conseguiram voltar
51
Referente à história da revogação do tombamento do cortiço encontramos que “havia sido declarado
Monumento Histórico Nacional pela resolução 1.941/975, desalojado no dia 3 de dezembro de 1978, foi
extinta a declaração de Monumento Histórico em 1979 pela Resolução 2.570/979 e demolido nesse
mesmo ano. No transcurso de quatro anos o valor e o significado atribuído pelo Estado ao cortiço Medio
Mundo, mudou radicalmente. De digno de ser preservado como “representativo da cultura de uma época”,
se transformou em passível de ser apagado” (Adinolfi; Erchini, 2007, p. 137, tradução nossa). 52
Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=td5gX2xMSrM> 53
Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=ZHpmz3XIQ4U> 54
Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=wAzNQmCmd4w&feature=related>
77
originou a dispersão do candombe pela cidade, o que seria a desagregação da cultura
negra acabou fortalecendo a “Cultura do tambor” por quase toda a cidade segundo as
palavras Alfaro e Cozzo (2008).
78
3.4.2 MURGAS
Retornar
Al tablado de barrio
Mistério de esquina.
Caminar
Sobre una serpentina...
Eso es Carnaval.
(CARRIZO, 2000, p. ix)
A Murga é a agremiação carnavalesca aos moldes europeus do carnaval
montevideano; a sua origem pelas paragens americanas tem época delimitada, em 1909
um grupo chamado “A Gaditana” desembarcou para uma série de apresentações, as
quais não conseguiram público suficiente para a volta do grupo a Espanha, referindo-se
a este grupo “podemos recordar como a primeira murga espanhola em Montevidéu:
como uma imitação desta murga é que nascem os conjuntos que atuarão durantes os
festejo de carnaval desde o ano 1909 em frente” (DIVERSO, 1989, p.23, tradução
nossa). O fato da pouca assiduidade do público fez com que o grupo fizesse suas
apresentações na rua e não cobrasse entrada e sim fazia pedidos voluntários de
colaborações chamados de “pasar la manga”. Existe um consenso que na Espanha a
Murga tem sua aparição em Cádiz, porém os elementos que estão presentes nestas
murgas são encontrados em outros locais da Europa:
Cádiz, por sua vez, tem uma dupla herança: por um lado, um marcado
componente migratório italiano, basicamente genovês e veneziano. Máscaras,
pistolas de água e fantasias (...) foram elementos que Cádiz herdou dos
carnavais italianos (LAMOLLE, 2005, p.12, tradução nossa).
Diverso (1989) situa temporal e politicamente o aparecimento destas
agremiações: A murga surgiu no Uruguai durante o primeiro governo de Claudio
Wlliman, e sua origem está relacionada com uma companhia de zarzuelas55
que
viajavam assiduamente ao Uruguai, no início do século, provenientes de Espanha. A
primeira murga, que pode ser chamada de legitimamente uruguaia surgiu para,
justamente, parodiar os espanhóis: “La gaditana que se va (...) esta foi à primeira murga
55 “(...) a zarzuela (...) está pelo seu assunto dentro dos gêneros cômico e trágico em toda sua extensão.
Porem falamos, além disso, que parte dela é cantada (...) se bem é composição dramática, é também uma
composição lírica, uma espécie de ópera; na qual as declamações são simplesmente falados” (RODICIO;
BARBIERI, 1994, p.262, tradução nossa).
79
uruguaia que atuou nos carnavais, e na imprensa da época aparecem referencias a este
conjunto no mesmo ano: 1909” (DIVERSO, 1989, p. 23, tradução nossa).
Alfaro (1991) conseguiu identificar como se viam as murgas na época do seu
surgimento: “sinfonias orquestrais” que se confundem com as “notas estridentes y
desafinadas produzidas por latas, bombos y platillos” (ALFARO, 1991, p.98, tradução
nossa) em outras oportunidades a murga é mostrada como “o resultado de um longo
processo (...) cujos incertos antecedentes se fundem” (ALFARO, 1991, p.70 tradução
nossa); Então podemos definir a murga como um processo (artístico) de diversas
vertentes que confluíram para formar uma manifestação músico-teatral que serve como
uma forma de comunicação, manifestação e representatividade popular. Também
encontramos uma definição que consegue unir tudo aquilo que as murgas congregavam
no início do Século XX:
Síntese e herdeiro das festas e dramas cristãos da colônia, das cerimônias e da
musica africana, do circo, o teatro gauchesco e o sainete crioulo, das
estudiantinas56
e comparsas do século XIX, e também das zarzuelas e
operetas gaditanas que, no início deste século, visitavam o Rio da Prata
(CAPAGORRY; DOMÍNGUEZ, 1984 apud REMEDI, 2001, p. 130,
tradução nossa).
Remedi resume o espírito pelo qual é guiado até hoje a essência das murgas: Um
grupo de uruguaios que decidiram imitar uma manifestação artística espanhola em tom
de brincadeira foi suficiente para que as murgas se constituíssem em umas das
expressões populares mais importantes (DIVERSO, 1989, p.31, tradução nossa). O tom
de brincadeira que é citado refere-se à burla, ao costume de rir de acontecimentos de
uma nova forma utilizando-o como mecanismo de comunicação. Uma “manobra”
artística utilizada pelas murgas é o uso da base de uma música conhecida, este tipo de
elaboração é conhecido como Contrafactum, assim é usada uma melodia já conhecida
com uma nova letra adaptável a este tema57
. Conforme Diverso: As canções tinham a
música das zarzuelas58
mais populares da época, iniciando assim a tradição murguera
56
Martínez e García (2004, p.112, tradução nossa) conceituam uma estudiantina da seguinte forma “(…)
grupos lírico-musicais de divertimento, formadas por jovens de ambos os sexos das classes acomodadas
da cidade, e que constituem os elementos mais dinâmicos, engraçados e festejados do carnaval.” 57
No ano de 2010 a murga Agarrate Catalina utlizou a base da música Solo Le Pido a Dios do músico
León Gieco, imortalizada pela cantora Mercedes Sosa, para a sua apresentação, que justamente, falava de
Deus.
80
de usar melodias já conhecidas para vincular novas letras, tradição que em parte se tem
mantido até hoje (DIVERSO, 1989, p.33, tradução nossa).
Em uma primeira aproximação falaremos que a Murga é uma expressão
artístico-popular, de caráter massivo, aparentada com outros gêneros como o
teatro de rua, a zarzuela ou opereta, geralmente oposta a forma de arte
considerado “culta” e que tem desenvolvido caracteres próprios
tradicionalmente reconhecidos. A sátira dos acontecimentos sociais e um
modo específico de representação constituem seus rasgos mais
característicos, tradição que tem sido em parte recolhida, pelas “Normas
Básicas Municipales de Carnaval” da cidade de Montevidéu, que em seu
artículo 25 estabelece: “A categoria murgas recolhe uma expressão
claramente popular: o que as pessoas vêem, ouvem e dizem a propósito dos
acontecimentos salientes do ano tomados como piada e em seu aspecto
insólito ou jocoso. Distingue a murga, (...) a mímica, a vivacidade, o
movimento, o contraste, a informalidade cênica e o grotesco (...)”
(DIVERSO, 1989, p. 89, tradução nossa).
Através da ironia como figura retórica fundamental, a murga fazia eco de
expectativas e rumores da população, especialmente os setores socioculturais mais
baixos, sendo assim a grande parte da população que assistia aos espetáculos das
murgas vinham destas camadas conforme Diverso (1989). No início as murgas eram
constituídas, na sua maioria, por canillitas, que era o nome dado aos vendedores de
jornais das esquinas, já que estes trabalhavam com a voz para vender o seu produto,
criaram uma impostação de voz que se transformou na forma de cantar e falar das
murgas.
No início do século com a modernização do país e do carnaval, cada vez mais as
manifestações artísticas, assim como outras manifestações dividiam a população de
Montevidéu. As camadas da população mais abastadas se dirigiam aos teatros para
apreciarem as Óperas européias que faziam suas turnês pela América, já as classes com
menos recursos se dirigiam a palcos callejeros para assistir as apresentações dos grupos
de zarzuela, que atingiam o público que não podia aceder a outro tipo de diversão. “O
1900 é a época da popularidade da zarzuela e simultaneamente dos espetáculos
operísticos eram o centro das preferências dos setores, mais distinguidos da sociedade”
(DIVERSO, 1989, p. 33, tradução nossa).
Uma das características que diferenciam os festejos do carnaval uruguaio de
outros mais conhecidos é a notória descentralização na representação de suas
diferentes manifestações artísticas. O carnaval uruguaio se reduz além de
alguns bailes e desfiles (corsos) inaugurais, as atuações que durante quarenta
dias os conjuntos realizam em meio a uma centena de cenários de ruas
81
dispersos pelos distintos bairros da cidade (DIVERSO, 1989, p. 33, tradução
nossa).
As murgas sempre se caracterizam, no Uruguai, pelo tom crítico-humorístico
das suas apresentações, a partir de um recorte semiótico feito em um momento da
atualidade da sociedade montevideana59
e utilizando os elementos que lhe são
pertinentes ela mostra uma crítica, por vezes considerada ácida60
, do momento atual.
Essa crítica remete a origem da murga para Diverso (1989) a crítica passa a ser um
elemento do carnaval montevideano que passa a ser vinculada a imagem da murga em
1909, para este autor a murga surge neste ano de uma forma repentina.
A forma de retratar a sociedade fez o sucesso da murga crescer entre a
população montevideana, pois era uma forma de comunicação, que se mantêm até hoje,
das camadas menos abastadas, ou seja, era um meio de comunicação feito por
participantes desta classe – lembremos dos canillitas – para ser ouvida, na sua maioria,
por esta classe e com a realidade própria do dia-a-dia, assim podemos dizer que no
início a murga era feito pelo povo e para o povo.
O êxito que as murgas iam obtendo através de suas atuações no Carnaval
montevideano, devia-se fundamentalmente ao conteúdo social e o tratamento
informal e irônico de seus versos, que estabeleciam certo desvio da norma
“culta” dominante, possibilitando uma maior identificação do público
(DIVERSO, 1989, p. 91, tradução nossa).
Ao utilizar formas e temas que não eram reconhecidos como arte no início do
século, pelo contrário, as ironizava, assim as murgas criaram um canal de comunicação
que contrariava o conteúdo elevado das apresentações operísticas. Para Diverso (1989)
isto seria a continuação de uma tradição medieval, pois utiliza “(...) expressões verbais
ou certas referências indiretas a temas moralmente proibidos na cultura oficial”
(DIVERSO, 1989, p. 34, tradução nossa).
59 Utilizaremos a sociedade montevideana como confluente da atualidade da sociedade uruguaia como um
todo, por acreditar que aquela representa de uma forma concisa a realidade do país. 60 Depois da sua vitória no segundo turno das eleições no Uruguai, o presidente Pepe Mujica foi
“homenageado” pela murga Agarrate Catalina, porém diferentemente do ano de 2005 onde ele foi assunto
da mesma murga quando ainda era senador, neste ano a crítica foi mordaz com um Cuplê chamado
“Civilizemos al Pepe” o qual recordava a forma de vestir e falar do presidente, assim como falava do seu
animal de estimação, carro e casa. O Presidente não gostou da crítica, considerando-a mal educada. Vídeo
disponível em http://www.youtube.com/watch?v=7c3CJo1UTJ0.
82
A murga configurou, desde seu nascimento, um fenômeno político. Não pelo
que diz respeito à militância partidária senão pela origem de sua arraigado e
as conotações cidadãs de seu repertorio. Surgida da polis, da cidade, seu
cancioneiro transparece o impacto da perda do caráter sagrado e do
desencanto próprio do racionalismo urbano. (VIDART, 2001, p.121, tradução
nossa).
A partir desta crítica em um âmbito sócio-político, a murga cria um elo de
identificação, assim ela passa a ter uma função dentro da sociedade, já que ela faz um
recorte semiótico (VIDART, 2001, p. 21, tradução nossa) da sociedade, trabalha este
recorte transformando-o em uma crítica-satírica, dentro deste recorte os temas mais
encontrados em toda a historiografia referente ao carnaval trata de questões políticas e
de modismos da sociedade. É claro que o carnaval em si, se tratando de uma forma de
invenção da realidade não poderia deixar de rir de si mesmo. No ano de 2004 o
DAECPU exigiu que as murgas contassem com pelo menos uma mulher, já que estas
não faziam parte das apresentações e sim, ficavam atrás do palco, como maquiadores ou
montando as fantasias, então no ano de 2005 a Murga Contrafarsa fez o Cuplê61
“La
Gorda Bella62
”.
A apresentação da murga se desenvolve em palcos chamados Tablados. Para
Alfaro: “O tablado63
contava a vida do bairro” (ALFARO, 2008, p.59, tradução nossa) e
“(...) geograficamente os dois bairros de tradição murguera são La Teja y La Unión”
(LAMOLLE, 2005, p.26, tradução nossa). Assim havia uma questão geográfica na
identificação das murgas com seu público, assim como o time de futebol do bairro, era
comum ver vizinhos em uma apresentação da murga do bairro em outra localidade. Na
década de 60 era comum, famílias inteiras iram de camioneta para os clubes aonde a
murga do bairro iria se apresentar.
As murgas foram se adaptando conforme o espaço que lhe era concedido, no
início do século a forma de cantar dos canillitas era necessária devido às condições
61 “O Cuplé, sem dúvidas, é a parte mais “teatral” na representação das murgas. Também é o único
momento verdadeiramente narrativo onde existe a preocupação de compor personagens. Os papéis
protágonico o assumem os “cupleteros”, integrantes especializados do coro que possuem, além de serem
cantores solistas, certa capacidade histriônica para esta modalidade de atuação” (DIVERSO, 1989, p.80,
tradução nossa). É onde existe uma conversa entre o coro e o cupletero, onde geralmente o público toma
partido de parte do coro. 62
Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=EqmdAHmoP5E 63 “O maior “tablado” do Uruguai, é sem dúvida o Teatro de Verano, anfiteatro ao ar livre com
capacidade para cinco mil pessoas, onde anualmente se realiza o concurso oficial de agrupações
carnavalescas. O concurso oficial de comparsas já estava instaurado desde o ano 1874, porém tem sofrido
varias transformações tanto em suas formas organizativas como a quantidade de categorias de conjuntos
participantes” (DIVERSO, 1989, p. 88, tradução nossa).
83
precárias de acústica que existiam nos tablados, já que nem microfone havia. O palco
por excelência das murgas são os tablados, Diverso (1989) diz que os tablados por si só,
devido ao seu espaço físico, tomam a responsabilidade de ditar as regras da
apresentação, assim no decorrer dos anos, continua o autor, os tablados foram
formatando as apresentaçãos das murgas até o que se conhece hoje em dia.
FIGURA 03: TABLADO DE BAIRRO ANOS 30 DO SÉCULO XX
FONTE: MUSEU DO CARNAVAL
FIGURA 04: MURGA PATOS CABREROS DÉCADA DE 30, SÉCULO XX.
FONTE: GOOGLE IMAGENS
Outra questão de identificação do público com as murgas são os temas e as
formas como os temas são tratados, isto de certa forma tem a ver com o histórico das
84
murgas e com seus componentes letristas64
·, durante a ditadura as murgas com mais
afluência de público eram aquelas que criticavam, como se podia na época, o governo
ditatorial, como por exemplo, a murga Falta y Resto. Desta forma a murga cumpre o
que Diverso (1989) chama de “funções sócias culturais” inerentes a murga que faz com
que ela se identifique com certo público, assim “as letras das murgas se definem antes
que nada pelo conteúdo temático” por suas referencias ao contexto político-social,
antes que pelo uso de certos tropos verbais ou por sua construção literária” (DIVERSO,
1989, p. 49, tradução nossa). Para Bordolli (2008) a murga cria um “sentido de
pertencimento” nas camadas populares da população, servindo assim como uma forma
representatividade.
Álias, se bem que o Carnaval não é em si um fenômeno política, as murgas,
tanto ontem como hoje tem estado possuídas pelo demônio da politização.
Em conseqüência, a arma satírica de aquelas faz alvo nos aparatos do poder
ou no andamento dos costumes (VIDART, 2001, p.23, tradução nossa).
Assim vemos como o letrista, a partir de um corte semiótico da sociedade, faz
uma “análise espectral” (VIDART, 2001, p. 21, tradução nossa) da sociedade onde ele
está inserido, seja em nível de bairro, cidade ou país, utilizando mecanismos como a
sátira política, a murga constrói um repertório feito de imagens oblíquas (LAMOLLE,
2005, p.20, tradução nossa). Desta forma é construído um relato a partir de um diálogo
entre personagem e o coro65
da murga, como forma de representação do Cuplê como
opina Diverso (1989) utilizando “Nas suas representações (...) elementos teatrais, de
opereta, zarzuela e outras vertentes que são tratadas de modo particular” (DIVERSO,
1989, p. 41, tradução nossa). Desta maneira a murga se transforma em
Uma forma de nos reconhecermos, em nossas realizações e frustrações, em
nossas tristezas e alegrias, em nossos desejos e postergações cotidianas; o
caminho largo e generoso, enfim, para gritar em voz alta às injustiças e dar-
lhe luz verde a sátira, ao barulho, a picaresca em riste, que é também uma
forma implacável de autocaricatura sem concessões (VIDART, 2001, p. 123,
tradução nossa).
64 O letrista é quem escreva as músicas, portanto conforme Diverso (1989) segue este, informando que ele
não obrigatoriamente é intregrante da murga. 65
“O canto coral, por sua parte, é o elemento definidor do gênero. O canto de varias vozes simultâneas
conformando um coro, se remonta as origens da murga y tem-se mantido como um rasgo mais
característico no que diz respeito às diferentes formas expressivas adotadas.” (DIVERSO, 1989, pág.36,
tradução nossa)
85
Na apresentação das murgas vemos que a participação do público é de crítico-
espectador, já que este não participa da apresentação de uma forma ativa, assim como
nas llamadas o público assiste a quem faz o carnaval, a participação nas brincadeiras
ficou na história do carnaval parado no início do século XX. “O povo, transformado em
público, já não se disfarça nem usa a máscara nas praças, nas ruas, nos salões de baile
ou nos corsos” (VIDART, 2001, p.133, tradução nossa).
A participação do publico durante a representação das murgas difere em
termos gerais do caráter dionisíaco dos festejos de carnaval universalmente
mais conhecidos. Se vive o carnaval, por assim dizer, mais que nada em
forma distanciada e até crítica com respeito as diferentes propostas: as
murgas representam o Carnaval para que seu publico julgue. Também a
delimitação de função ator/espectador está claramente definida e raramente é
transgredida. (VIDART, 2001, p. 124, tradução nossa).
Nos anos de 1990 surgiram oficinas de murgas nos bairros mais afastados, com
o intuito de surgisse uma renovação, estas oficinas surgiu de um convênio entre a
intendência e o TUMP-Taller66
Uruguayo de Música Popular. Alguns grupos que se
formavam nestas oficinas se independizavam do tallerista, assim grupos de amigos do
bairro onde acontecia a oficina criava uma murga. Com murgas surgindo em quase
todos os bairros de Montevidéu surgiu o ENCUENTRO DE MURGAS JOVENES que no ano
2010 chega a sua 14ª edição67
.
Antes desta renovação oriunda de uma necessidade de primeiramente fortalecer
a música uruguaia em contra a todos as outras vertentes musicais advindas do exterior e
de, como política pública educacional, ocupar o horário inverso ao da sala de aula, uma
renovação ainda mais pontual surgiu durante o período da ditadura. “A renovação de
certos aspectos da murga (...) que se afirmou a partir dos últimos anos da ditadura, se
deu, sobretudo nas murgas (do bairro) La Teja” (LAMOLLE, 2005, p.26, tradução
nossa).
As murgas, como uma manifestação artística dinâmica, sofre modificações,
também por uma necessidade de se fazer entender frente às novas ferramentas
comunicacionais existentes. Em 2004 em um acordo da DAECPU68
com VTV69
o
carnaval começou a ser televisionado para todo o Uruguai, o que para muitos era uma
forma de afastar o público dos tablados, pelo contrário, fez surgir fenômenos como a
66
Oficina 67
Informação disponível em http://www.montevideo.gub.uy/noticias/abren-inscripcion-para-murga-joven 68
DAECPU é o orgão responsável pelo concurso de Carnaval como já citado na introdução. 69
A VTV televisionou pela primera vez o Carnaval no ano de 2003 conforme Alfaro e Fernández (2009).
86
murga Agarrate Catalina70
atraindo um público que não freqüentava os tablados. Esse
televisionamento fez com que a murga adaptasse a sua forma de falar para a TV, o
palco também sofreu adaptações. Salvo as queixas de alguns, sobre estas alterações tem
que ser lembrado que “(...) a murga sempre tem se caracterizado pela continua
assimilação de outras formas artísticas para seus fins de comunicação” (DIVERSO,
1989, p. 41, tradução nossa).
Para Vidart (2001) a questão do horário fechado junto aos interesses comerciais
da televisão e as novas tarifas dos tablados têm entrado no circuito de comercialização
da cultura. As murgas continuam sofrendo modificações pelo dinamismo da própria
sociedade na qual estão inseridas, estas alterações não são pontuais, mas trabalham
como um processo contínuo de adaptação às novas realidades que surgem a todo o
momento. Elas sofreram “sofrem inumeráveis modificações (...) nos últimos anos
inclinados a “trazê-lo de volta ao grande mundo”, isto é, a fazê-lo soar, mas parecido a
tudo e menos a si mesmo” (LAMOLLE, 2005, p.15, tradução nossa).
Esta colocação de Lamolle vai ao encontro de um pensamento muito difundido
entre os montevideanos “Carnaval eran los de antes” onde, se acredita, as murgas eram
mais autênticas devido ao seu caráter amateur e que agora com a “comercialização” das
murgas, mudou a sua forma de ser, a sua essência, ou seja, mudou a sua identidade.
Diferentemente de outros autores para Alfaro e Fernández (2009) “o profissionalismo
sempre esteve presente no carnaval uruguaio” (ALFARO; FERNÁNDEZ, 2009, p. 14,
tradução nossa).
Porém existem diversos elementos murgueros que não sofreram alteração:
“Como antes, as murgas se organizam nos bairros obreiros, cooperativas de habitação,
centros estudantis, clubes sociais, cantinas e bares, lugares onde se juntam, ensaiam e de
onde saem as murgas noite a noite (REMEDI, 2001, p.131, tradução nossa). As murgas
hoje podem ser consideradas como um espelho de toda uma evolução sociopolítica do
Uruguai conforme Bordolli (2002) demonstrando isso na sua musicalidade ou nos
aspectos visuais da sua apresentação. Após o surgimento do televisionamento em 2003
elas tiveram uma maior entrada no interior do país, transformando-as em uma “espécie
de símbolo pátrio” (BORDOLLI, 2002, p. 3, tradução nossa).
70
A Murga Agarrate Catalina começou como uma murga jovem no ano de 2000, até que no ano 2003 foi
para o concurso oficial onde nos anos 2005, 2006 e 2008 alcançaram o primeiro lugar, é considerado um
fenômeno por Alfaro e Fernández (2009) devido ao grande número de seguidores que alcançou com tão
pouco tempo de existência.
87
88
3.5 CARNAVAL E DITADURA
Dentro deste contexto o carnaval, que tinha seus símbolos extraídos das classes
mais baixas e que tinha conseguido conquistar públicos de diversos matizes, além de ser
porta voz das necessidades da população tornou-se alvo da nova política cultural como
corrobora Aínsa (2002). As llamadas e as murgas sofreram cada uma de um jeito
diferente, com esta alteração de simbolismo que a ditadura pretendia instaurar, desta
forma, para Viñoly e Paraskevaidis (2009) se rompia a comunicação entre espectador-
manifestação, quebrando um elo identificatório que tanto marcou o carnaval.
“No marco do desastre ético e cultural da serie de profanações e violações de
tabus e “crimes supremos” ocasionados pela ditadura militar, “o mundo de
cabeça pra baixo” passou a ser a reafirmação, disfarçada, daquilo suprimido e
não tolerado pelo poder, mas venerado e celebrado pela sociedade”
(REMEDI, 2001, p.147, tradução nossa)
Nesta vida onde o medo era uma constante, onde não se podia falar ou agir
diferente, onde até os pensamentos eram moldados, as murgas criaram uma nova forma
de comunicação com seu público, metáforas, meias palavras, duplo sentido. A murga
foi à legítima expressão dos setores populares durante a ditadura Militar como afirmar
Viñoly e Paraskevaidis (2009), uma forma de dizer o que este setor pensava e como agia
durante o período de 12 anos. Mas não só estes setores fizeram das murgas suas porta
vozes, também a classe média a adotou: “Durante a ditadura militar, a murga acentuou
seu papel político e também passou a ser um gênero escolhido pela classe media pelo
qual se converteu em um foro de oposição política, muito difícil de censurar”
(POLIMENI, 2002, p. 149, tradução nossa). Entende-se a murga como expressão
cultural destes setores não só pela sua origem, história ou pela aceitação que ela tem
senão pela forma de se produzir como tal expressão.
A extração de classe, a não profissionalização de seus componentes (para este
período), sua massividade, o reconhecimentos de outros representantes de
expressões culturais como produto popular, ou desprezo de sua estética
desperta na intelectualidade e nos setores dominantes, são alguns aspectos
que tem se levado em conta (VIÑOLY; PARASKEVAÍDIS, 2009, p. 2,
tradução nossa).
A censura de certa forma tentou mudar a opinião que a murga havia
originariamente colocado na música, às vezes estas eram obrigados, de certa forma,
89
concordar com o censurador, o que na hora da apresentação soava uma crítica discreta.
Surgiram textos cheios de metáfora, que conforme Viñoly e Paraskevaídis (2009)
faziam pensar que as murgas eram em prol dos “novos ares” que corriam pelo país
vizinho, porém ao se chegar mais perto se verifica a eximia utilização da metáfora como
linguagem para expressar aquilo que se pensava sobre o golpe.
Na composição das musicas murgueras havia uma busca incessante por certas
palavras que pudessem dar a entender uma crítica à ditadura. Esta por sua vez
trabalhava com um aparato de controle sobre qualquer manifestação artística que
pudesse ocorrer através do Edicto del carnaval71
ou a Comissão de Controle. Dentro do
concurso oficial de carnaval aquelas murgas consideradas transgressoras ocupavam
sempre os últimos lugares ou retirando 50% do seu prêmio em dinheiro, o que muitas
vezes quase inviabilizava a sua volta no ano posterior. Desta forma “A parodia (ainda
que velada) se transformou em uma forma capaz de criticar o discurso oficial, mas
também simultaneamente, de afirmar um discurso alternativo” (REMEDI, 2001, p.136,
tradução nossa).
Um dos exemplos da censura sobre a murga é relatado por Viñoly e
Paraskevaidis (2009) e ocorreu com a murga Diablos Verdes, os autores relatam que em
um dos livretos, a murga deturpou o slogan do governo, porém um censor que se
encontrava no tablado e que estava embriagado entendeu que se falava o slogan e não a
mudança que a murga havia realizado, todos os integrantes da murga acabaram dentro
de uma chanchita72
a caminho da delegacia. Devido a este tipo de censura mais incisiva,
por vezes, não se fazia claro se a censura era um processo que a própria murga se afligia
ou era externo, ja que para evitar que estas situações ocorressem, além disso, um mesmo
letrista podia, e pode até hoje, fazer letras para diversas agrupações o que ajudava por
vezes a trabalhar a forma com que murga iria falar utilizando-se de recursos de outras
murgas. Para Remedi (2001) as murgas faziam parte de todo um aparato de reunião do
povo em torno a outras manifestações que surgiram principalmente no final da ditadura,
portanto a murga seria um símbolo a mais entre “blecautes, panelaços e assembléias,
71 Edicto de Carnaval é expedido todos os anos com o que é permitido e proibido no carnaval
montevideano. No ano de 2008 chamou a atenção que as proibições de brincadeiras nas ruas lembravam
as proibições dos anos 50. A informação se encontra disponível em < http://www.elpais.com.uy/08/01/26/pciuda_326545.asp> 72
A tradução literal de chanchita é porquinha, era o nome dado aos veículos utilizados pelo governo no
momento das prisões.
90
greves gerais e panfletagens, marchas e pichações, atos sociais e artísticos de conteúdo
cívico, gremial e político” (REMEDI, 2001, p. 134, tradução nossa).
Foi concebido assim o hábito de falar a meio termo, digamos, com sorrisos e
piscadas, fantasiar-se e ler nas entrelinhas, no qual foi feita referência ao
tempo, os ídolos, as histórias e proibido valores, provenientes de um mundo
para além do aceitável dentro horizonte simbólico da cultura ditatorial.
(REMEDI, 2001, p.134, tradução nossa).
Um exemplo de censura realizada pelos próprios censores ocorreu com a Murga
La Soberana, no ano de 1973 conforme Viñoly e Aguiar (2009) onde a frase Sol de los
Libres, foi trocada pelo censor pelo Sol de los Humildes. Sendo a letra original: “Sol de
los Libres / nunca se esconda, y con verdades / ¡Siempre responda! / En nuestro pueblo
/ hay muchas nubes de confusión / que están cubriendo / el claro cielo de la razón”
(VIÑOLY; PARASKEVAÍDIS, 2009, p. 7, tradução nossa).
Em épocas de ditadura, a questão da “re-união”, do agrupamento ficava difícil,
o carnaval era um período que a congregação entre iguais era permitida para o mesmo
fim, que seria a diversão, porém, diante da falta de oportunidades para isto, o carnaval
se tornou palco destes momentos. Desta forma o palco passou das ruas para os tablados
e as murgas, o carnaval promoveu e tornou-se: “em metáfora da voz e memória
coletiva. Ali se falava de ruas e cenários cheios de “ontem” e das panelas, do “aquilo” e
do que aconteceria “depois” (REMEDI, 2001, p.135, tradução nossa).
O candombe, por sua vez, tentou ser silenciada, desta forma a nova política já no
final da década de 70, começou a retirar dos espaços de cultura africana, primeiro seus
moradores e depois o seu simbolismo, assim vieram abaixo os cortiços; baluartes quase
seculares da cultura afrouruguaia, enclaves negros na nova dinâmica que a ditadura
queria dar a região onde os negros se encontravam como relatam Alfaro e Cozzo
(2008). Os autores prolongam-se afirmando que o desmantelamento de um lugar de
memória da cultura africana acreditou-se na época, que iria desmantelar todo o aparato
de simbolismos que esta possuía, porém não foi isto que ocorreu como veremos adiante,
assim a tentativa era que o entorno ao porto e ao centro da cidade fosse uma amostra do
poderio econômico do “Novo Uruguai” com prédios comerciais novos e embaixadas o
que era impedido pela força dos tambores que ali se encontravam desde a colônia.
A forma mais eficaz que a ditadura militar encontrou para quebrar a hegemonia
dos tambores naquela região da cidade foi silenciar os cortiços. O cortiço Mediomundo
91
calou no dia 5 de dezembro de 1978, décadas de histórias enterrados em nome de uma
disfarçada limpeza étnica dos bairros que eram considerados “negros”. Declarado em
ruínas pelo governo, foi solicitada a sua evacuação, sem nenhum estudo que
comprovasse que realmente podia desmoronar a qualquer momento, esta deportação
como corroboram Alfaro e Cozzo (2008) este acontecimento foi chamado pelos autores
de catástrofe cultural. Os tambores, no final da ditadura, tocaram mais fortes que nunca
fazendo jus ao seu nome llamadas, assim começaram a chamar a população a fazer
parte dos desfiles aonde só havia as ruínas dos cortiços que outrora eram símbolos da
cultura negra. Nas convocações das greves gerais os tambores saiam dos bairros Sur e
Palermo clamando para que as pessoas saíssem as ruas com tampas de panelas ou latas,
o que fosse com tal que se fizessem ouvir segundo Remedi (2001).
Dois dias antes no dia 3 dezembro os tambores choraram pelo cortiço, no ano de
2006, este dia foi instituído como do Dia Nacional do candombe:
A lei nº 18.059 declarou o três de dezembro de cada ano como “Día nacional
del candombe, la cultura afrouruguaia e a equidade racial” e o candombe
como patrimônio cultural do Uruguai. Neste marco propicia a “valorização e
difusão da expressão cultural denominada candombe, da contribuição da
população afrodescendente a construção nacional, e de seu aporte a
conformação da identidade cultural da República Oriental del Uruguay
(MEC, 2007, p. 10, tradução nossa)
Não foi só o Mediomundo que sofreu com a diáspora provocada pela ditadura, o
Conventillo Ansina e o Cordón também foram silenciados com seus habitantes sendo
transladados para fábricas desocupadas enquanto esperavam uma nova casa em um
bairro afastado do centro da capital. Porém o que ocorreu foi uma dispersão das cuerdas
de tambores por toda a cidade de Montevidéu e a continuidade das mesmas nos bairros
Sur, Palermo e Reús, esta afirmação é sustentada por Alfaro e Cozzo (2008), pois nem
todos os moradores foram embora, alguns conseguiram residência nos mesmos bairros
ou foram morar com parentes nos próprios bairros ou próximos.
A desintegração física dos espaços de memória afro uruguaios não conseguiu
desmantelar o seu significado, hoje, os toques dos tambores ainda têm o nome Ansina,
Cuareim (Mediomundo) e Cordón. As comparsas ainda se identificam com sua origem
dentro dos cortiços e homenageiam aqueles que nasceram dentro dos cortiços. Enquanto
a cultura afrouruguaia teve como maior desafio a continuidade da sua expressão as
murgas tiveram que aprender a falar com seu público de uma forma indireta e se fazer
92
entender assim, mudanças ocorreram durante a ditadura, umas irreversíveis como
explica Alfaro e Cozzo (2008) e que na sua maioria ocorreram com os cortiços, outras
que não se fizeram reversíveis por outras alterações que surgiram com o fim da
ditadura.
Os questionamentos da murga antes da ditadura eram os das pessoas simples,
lembramos que nesta época a murga não era profissional e sim amateur, no
fim da ditadura com a liberação das letras e uma nova forma de falar já que
não havia mais a necessidade de se falar veladamente, as mudanças migraram
para uma nova (...) dicção em detrimento do som característico, e as
harmonias costumam ser translações ao coro dos acordes que o da guitarra.
(LAMOLLE, 2005, p. 25, tradução nossa).
Para Achúgar (1997) com a volta da democracia “se fez palpável a necessidade
de restabelecer vínculos, valores, de propor explicações, de começar a pensar no futuro”
(HARARI, 1997, p.36, tradução nossa). Desta forma estas duas manifestações culturais
uruguaias tiveram que se reinventar, se ajustar ao novo desafio pós-ditadura, pois
completa com a opinião de que “à volta a democracia (...) como sempre ocorre, não foi
homogênea como não o é nunca em nenhuma geração” (HARARI, 1997, p.115,
tradução nossa).
No início da década de noventa, ou seja, a cinco anos do fim da ditadura militar,
ocorreu segundo Marchesi (2004) o surgimento de estudos sobre o período ditatorial
que tentam entender as transformações surgidas na “subjetividade, através de aspectos
psico-sociais vinculados à repressão, ou de aspectos culturais que a ditadura intentou
transformar” (MARCHESI, 2001, p.7, tradução nossa). A partir da opinião do autor
entende-se que ocorreu, ou tentou ser aplicada, uma mudança na maneira como os
uruguaios se viam diante perante o Mundo, o que rendeu frutos pós ditadura na
identidade do carnaval uruguaio.
93
3.6 TURISMO EM MONTEVIDEO E NO URUGUAI
Será apresentado, nesta parte do trabalho, um panorama do turismo no Uruguai e
em Montevidéu. Portanto serão mostradas as porcentagens de turistas que visitam o país
e a cidade, a política para o turismo do governo atual, dados do conglomerado de
turismo de Montevidéu, entre outras informações pertinentes ao assunto. A base para as
informações contidas neste subcapitulo são oriundas de reportagens com os
responsáveis pelo turismo na cidade e do país, dados do Ministério de deportes y
turismo do Uruguay através do anuário de turismo 2010.
A cidade de Montevidéu é a capital do Uruguai, país que faz fronteira com o
Brasil e a Argentina. O país tem 3.344.93873
habitantes, destes 1.325.96874
vive na
capital, Montevidéu. Montevidéu faz parte do departamento com o mesmo nome que
ocupa uma área de 530 km² conforme vemos nos dados apresentados pelo PCCCP75
(2008), destes 40% é considerada área urbanizada. A cidade foi fundada, pelo então
governador da Província de Buenos Aires, Mauricio de Zabala e, pela sua data de
fundação em 172676
, é considerada a capital mais jovem da América Latina.
Montevidéu abriga a ALADI, Associação Latino-americana de Integração e é a sede do
MERCOSUL. (PCCP, 2008).
FIG. 05: MAPA DO URUGUAI
FONTE: BANCO MUNDIAL
73
Dado disponível em http://datos.bancomundial.org/pais/uruguay 74
Dado disponível em http://www.ine.gub.uy/fase1new/Montevideo/divulgacion_Montevideo.asp 75
PCCCP é a sigla do Programa de Competitividad de Conglomerados y Cadenas Productivas da cidade
de Montevidéu. Que é formado pela Prefeitura de Montevidéu, Ministério de Turismo e Esporte, Direcao
de projetos de desenvolvimento e camaras e empresas de representatividade do departamento de
MOntevidéu 76
Dado disponível em http://www.montevideo.gub.uy/ciudad/historia/cronologia
94
Conforme o Ministério do Turismo e Esportes (2010) no ano de 2009 o Uruguai
foi visitado por 2.304.454 turistas, sendo que destes 80.5% são visitantes oriundos dos
países vizinhos ao Uruguai, Montevidéu foi visitado por 33% destes turistas, sendo que
estes turistas procuram o turismo no Uruguai para usufruir do ócio, do divertimento e da
cultural local. Em 2009, 67% do total de visitantes afirmou que já tinha visitado o país,
sendo o primeiro trimestre aquele com mais afluência de turistas. No ano de 2010, o
Uruguai recebeu 2.098.26577
sendo que destes 816.000 visitaram Montevidéu
consolidando a capital como principal destino turístico do país. No primeiro trimestre de
2011, Montevidéu recebeu 187.843 turistas do total de mais de 1.600.000 que visitaram
o país sendo que na maioria dos casos, estes são oriundos da Argentina, o incremento de
turistas foi de 40% em comparação com o mesmo período do ano passado e a receita
teve um aumento de 57%78.
FIGURA 06: CARTAZ DE CARNAVAL DE 1916
FONTE: ARQUIVO PESSOAL
Para Brida, Lanzilotta e Risso (2008) o Uruguai não oferece atrativos turísticos
do porte daqueles que são considerados como maravilhas.Porém, uma das vantagens
que o país apresenta a seus visitantes é poder visitar todo o território sem dificuldades
77
Dados disponíveis em:
http://www.mintur.gub.uy/index.php?option=com_content&view=article&id=715:las-cifras-de-2010-un-
buen-ano-para-el-turismo-en-uruguay-&catid=63:boletin-no-113-semana-11-de-enero-2011&Itemid=14 78
Dados Disponíveis em: http://www.larepublica.com.uy/comunidad/449834-metas-por-turismo-
se-elevan-preven-us-2000-millones-en-ingresos-al-ano
95
de locomoção devido a sua condição geográfica, que não se altera pois é um terreno
predominantemente plano, onde o turista não precisa ter altos custos na hora do
deslocamento. A segurança também é um fator citado tanto por Brida, Lanzilotta e
Risso (2008) como pelo PCCCP (2008) e o MINTURD (2010) como um fator positivo
para atrair ao país, turistas de alto poder aquisitivo e que busquem tranqüilidade na sua
viagem. Brida (2008) continua explanando que a sazonalidade e a dependência do
mercado argentino são duas fraquezas a serem superadas pelo Uruguai, já que as
principais ações de turismo do Uruguai são feitas na Argentina e focam o período de
veraneio.
Atualmente o governo busca criar uma política nacional para o turismo, tendo
como ações de base para tal criação79
:
Fortalecimento institucional para a criação de uma política nacional de
turismo;
Um estudo da priorização de prédios para a instalação de um centro de
feiras e de congressos em Montevidéu;
O desenvolvimento de um plano de marketing para o destino;
O impulso a novos “clubes” de produtos;
Roteiros e pacotes turísticos;
O fomento do diálogo intersetorial e interinstitucional com os autores
públicos e privados que gerenciam o destino Montevidéu;
No diagnóstico do PCCCP (2008), verifica-se que a falta de um política pública
que regule o turismo uruguaio e formate, de uma maneira mais focada, suas metas,
funciona como um entrave para a busca de novos mercados. No diagnóstico também se
percebe que a falta de conhecimento, por parte de todos os âmbitos da sociedade, do
poder do turismo como fator de desenvolvimento econômico e social, dificulta a criação
de uma política nacional de turismo. O histórico econômico agrário e administrativo no
que se refere à natureza de trabalhos ofertados é a dificuldade maior no momento de
involucrar a sociedade na criação de um plano de turismo.
79
Informações disponíveis em: http://www.presidencia.gub.uy/_web/noticias/2009/08/2009081701.htm
(tradução nossa)
96
No diagnóstico do PCCCP (2008) verifica-se como se articula o turismo em
Montevidéu, pois ocorreram mudanças de gestão nos últimos anos, cuja atividade
turística, a ser uma responsabilidade do Departamento de Desenvolvimento Econômico
e Integração Regional. Porém a Divisão de Turismo de Montevidéu continua sendo
responsável pelo setor de Promoção e Gestão das Festas Populares o que inclui o
carnaval. Uma das alterações que ocorreram após a mudança de gestão do turismo na
cidade foi a melhoria da área central da cidade, chamada de Ciudad Vieja, que era a
parte da cidade dentro da Cidadela.
Montevidéu é o principal destino anual do Uruguai e o que menos sofre com a
sazonalidade. Porém isto depende do trimestre que é analisado, pois no primeiro
semestre o principal destino, devido a seus atrativos, é a cidade de Punta del Este. O
fato de ser a principal entrada portuária do país é tido como um dos principais motivos
pelo qual, Montevidéu é o principal destino turístico nacional conforme o PCCCP
(2008). Porém, apesar disto, não existe diversidade de promoções para o lazer e o
divertimento pensando no turista, ou seja, não há uma utilização da infra-estrutura local
para o turismo, levando-se em conta que uma das forças para a oferta turística
montevideana é justamente a “hospitalidade e amabilidade espontânea da população
para com o turista e forasteiro” conforme o PCCCP (2008, p. 13, tradução nossa), não
havendo uma utilização das promoções para a população por parte do turismo se perde
uma grande oportunidade de criar um atrativo turístico e de fidelizar o turista, já que
67% de turistas visitam o Uruguai mais de uma vez conforme o MINTURD (2010).
A campanha de turismo para 2011 do Uruguai utiliza o sucesso da seleção
uruguaia de futebol, que ficou em quarta colocação no mundial, tendo como garoto
propaganda o jogador de futebol Diego Forlán80
, o anuário 2010 do Ministério do
turismo e o material distribuído como propaganda do país também tem a seleção
uruguaia na capa.
3.7 CARNAVAL COMO PRODUTO TURISTICO
80
Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=M2f84RN8Z8A
97
O diretor do departamento de turismo de Montevidéu, Fernando González81
,
afirmou que em 2009 os turistas gastaram em torno de U$ 90 milhões no primeiro
trimestre do ano e que o desejo do turista que visita Montevidéu neste período é o de
consumir cultura. Desta forma o investimento que a prefeitura da cidade faz no
carnaval, diz González, é justificável, pois os tablados tem lucro que fica dentro do
próprio bairro tendo fins sociais e o fato do candombe ser patrimônio histórico também
se justifica pelo retorno que o desfile dá em visibilidade para a cidade.
Fernando González (2010) 82
explica que a atual gestão de turismo pretende
trabalhar mais profissionalmente o carnaval como produto turístico no que se refere à
venda do mesmo no exterior, as alterações, continua González (2010)83
, começaram a
sair do papel no governo nos anos de 1994-2005 pertencente ao Frente Amplio, neste
governo que se consolidaram as bases e posteriormente surgiu o Conglomerado de
Turismo de Montevidéu. Algumas ações, no atual governo do Frente Amplio, tendo a
frente à prefeita Ana Oliveira, como a implementação de um imposto cujos dividendos
serão direcionados para a promoção turística, haverão projetos para efetivamente tornar
o carnaval produto turístico da cidade tendo como base uma análise que será realizada
por Luiz Carlos Prestes que entre outros livros, escreveu a Cadeia Produtiva da
Economia do Carnaval.
En turismo lo más importante que hemos hecho, como ocurre en tantas otras
actividades, es lo que no se ve. Por ejemplo, en este período se creó el Museo
del Carnaval, que era una vieja aspiración en la que durante 20 años se vino
trabajando y se pudo concretar hace cuatro años. Lo más importante no es el
museo en sí mismo sino su gestión.84
Dentro do plano estratégico de Marketing do MINTURD que se inicia em 2010,
Uruguay Natural, o carnaval é um dos componentes do eixo cultura da atração turística,
pois a cultura uruguaia é vista como um produto único que “[…] se articula em torno a
expresiones populares como el Carnaval, el mate y el tango; el patrimonio histórico,
monumental y arquitectónico; el modo de vida rural, con la figura del gaucho como
elemento central; etc.” (MINTURD, 2010, p. 21). Dentro do mesmo plano encontra-se
81
Entrevista disponível em http://www.180.com.uy/articulo/La-inversion-de-la-IMM-en-el-Carnaval 82
Entrevista disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-turistico/ 83
Entrevista disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-turistico/ 84
Fernando González em entrevista disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-
turistico/
98
o carnaval como uma das forças de Montevidéu a respeito dos seus produtos turísticos.
Para o PCCCP (2008), apesar do carnaval ainda não ter um espaço adequado no
marketing turístico uruguaio e montevideano a DEACPU aparece com uma das
associações do setor turístico, comprovando a potencialidade que o carnaval tem como
produto turístico.
Os dados do carnaval de Montevidéu, segundo Bello (2009, p. 20, tradução
nossa) são:
Estima-se que o carnaval de Montevidéu beneficie com ingressos a mais
de 800.000 pessoas (mais da metade de sua população) ao ano por via do trabalho direto
ou indireto que gera;
Em 2007 ingressaram na cidade mais de 70 milhões de dólares entre
janeiro e março durante o carnaval;
Na atualidade, se conta com mais de 25 cenários populares distribuídos
por toda a cidade onde se realiza um trabalho de integração social; que é desfrutado por
mais de 120.000 pessoas das áreas mais deprimidas economicamente da cidade,
facilitando a participação, integração e democratização nas atividades urbanas.
Apesar de criar uma rede produtiva que envolve uma grande parte da população,
a sua divulgação, como produto turístico, ainda não é suficientemente desenvolvida pelo
governo, as políticas públicas recentemente começaram a elaboração e as ações são
focadas na divulgação do carnaval conforme encontramos, (PCCCP,2008). Como
exemplo, faz-se menção a que em janeiro de 2011 o carnaval de Montevidéu foi
vendido como principal atrativo turístico na cidade de Buenos Aires, o que mostra,
também, a dependência que o turismo do Uruguai tem da Argentina85
pois foi o único
país a receber a visita de integrantes do MINTURD com esta finalidade. O Uruguai
buscou, com isso, comercializar seu carnaval em quatro mil agências argentinas86
. Para
Lilian Kitchichian (2011)87
, subsecretária do MINTURD, o carnaval não se articula
85
Informação disponível em http://museodelcarnavaldeluruguay.blogspot.com/2011/01/carnaval-
producto-turistico.html 86
Informação disponível em
http://www.portaldeamerica.com/index.php/index.php?option=com_k2&view=item&id=4485:l
as-llamadas-de-montevideo-se-ofrecer%C3%A1n-en-4-mil-agencias-de-viajes-
argentinas&Itemid=6 87
Entrevista publicada no Mdiario Del Carnaval do dia 31 de janeiro de 2011 (tradução nossa).
99
somente como manifestação cultural, mas também como principal carta de apresentação
do Uruguai.
[o carnaval é] sem dúvidas um enorme produto turístico não somente na
argentina onde estamos gerenciando sua venda, senão em outras partes do
mundo, onde querem ver uma expressão cultural tão diferente a aquela que se
pode ver em outra parte do mundo. 88
O Carnaval de Montevidéu ganhou forca, no setor turístico, após a UCCI ter lhe
concedido o título de carnaval mais longo do mundo, concomitante a isto, a cidade
também foi premiada a com a nominação de capital ibero-americana do carnaval, no
biênio 2008-2010, pela mesma entidade. Para a UCCI a escolha, de Montevidéu, como
capital ibero-americana do carnaval se deve a diversos fatores, entre eles: é considerada
a única cidade do continente a ter ainda um carnaval de espetáculo (aos moldes de um
espetáculo teatral); é tido como o carnaval mais longo do mundo tendo, uma média de
duração, de 45 dias; é a única cidade da América que não interrompeu seu carnaval em
mais de 100 anos, considerando-se os períodos de guerra e ditadura; também se leva em
consideração que o carnaval resguarda a identidade da cidade e para isso criou projetos
como o Museu do Carnaval89
e o Programa “Montevideo se Presenta”, além de estar
ligado ao turismo pela sua condição de patrimônio histórico e cultural da cidade90
·.
Esses fatores que levaram a UCCI a conceder este título para Montevidéu são repetidos
sempre que o governo fala do carnaval como produto turístico como se verifica em
diversas edições do Mdiario do Carnaval.
Para Pizano (2004) o turismo trás um caráter dualístico para a festa no instante
que a utiliza como produto turístico, pois, ao querer atrair mais turistas, a festa se
transforma em um espetáculo (no sentido puro de diversão) que, buscando uma
uniformidade, para que a cultural local seja mais bem compreendida pelo “outro”,
ocorre uma deformação da essência da festa que não é oriunda de alterações da própria
88
Entrevista publicada no Mdiario Del Carnaval do dia 31 de janeiro de 2011 (tradução nossa). 89
O Museu do Carnaval foi inaugurado no ano de 2006, porém o projeto data do ano de 2002 é um museu
que se propõe resgatar a história do carnaval com um grande acervo de fotos, documentos e livros como a
autora pode verificar nas diversas visitas feitas ao museu durante a pesquisa. O museu é interativo, pois
permite ao visitante acesso a áudios, vídeos, roupas e diversas outras formas de apresentação do carnaval
montevideano, também conta com um tablado onde ocorrem diversas apresentações durante o carnaval
sendo estas apresentações extensivas ao restante do ano. Informações disponíveis em
http://museodelcarnaval.org/ 90
Estes fatores estão disponíveis em
http://www.montevideocapitalcarnaval.com/core.php?m=amp&nw=OQ
100
sociedade que constrói a festa. Ao mesmo tempo o uso da festa como atrativo ou
produto turístico também ajuda a salvaguardar a originalidade da festa, pois é nela, que
se encontra seu diferencial que é o que muitos turistas buscam, como uma fuga dos
produtos para o turismo de massa que uniformizam a cultura local, transformando-a em
um produto entendível e vendível, preterindo, desta forma a essência da festa.
Pizano (2004) mostra os dados do impacto econômico do carnaval de
Barranquilla, na Colômbia, sobre o PIB da cidade, os dados provêm do estudo da
Fundesarrollo91
, estes dados foram coletados nos quatro dias em que aconteceu o
carnaval na cidade entre os anos de 2001 e 2002. No caso de Barranquilla, os produtos
vendidos durante o período de carnaval, e que são produzidos na cidade, involucram
1,5% da população seja na confecção dos mesmos ou na sua comercialização, estes
dados levaram em consideração tanto o trabalho formal e informal. Barranquilla tem
uma população de 1.148.506 habitantes então temos que 1.5% são mais de 17.000
pessoas, que fazem parte da população que trabalha para e no carnaval, no período que
o antecede e durante o espetáculo.
[...] uma festa de caráter local, também tem suas características particulares
que a fazem atrativa ou importante para seus habitantes, tanto os que vivem
na localidade como aqueles que têm emigrado a outras cidades ou países.
Estes últimos seguramente possuem uma maior identificação com sua
localidade na medida em que se sentem orgulhosos das festas que ali se
desenvolvem, é dizer, que as mesmas apresentam rasgos diferenciadores
frente as demais, que sejam dignas de admiração e que gerem o desejo de
desfrutá-las. A festa é, ainda, uma oportunidade para renovar laços familiares
e sociais ou para criar outros. (PIZANO, 2004, p. 62, tradução nossa).
91
Fundación para el Desarrollo del Caribe
101
4 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS
Como explanado esta é uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório que
utilizou como técnicas de pesquisa a revisão bibliográfica, observação participante e o
questionário de perguntas abertas. A maior parte da pesquisa bibliográfica foi realizada
na Biblioteca Nacional do Uruguai, em periódicos como os do jornal La diária e El País
e livros acessados por meios eletrônicos e em páginas oficiais dos governos municipais
e federais do respectivo país. Esta etapa foi realizada durante a pesquisa de campo.
A pesquisa na Biblioteca Nacional do Uruguai foi fundamental para a base
bibliográfica apresentada neste trabalho, pois diversos livros utilizados neste trabalho
não se encontram disponíveis completos nos meios eletrônicos, porém primeiramente
foi realizada uma pesquisa em bancos de dados de bibliotecas e no site Google Livros,
para assim buscar autores que enriqueceriam esta pesquisa. A ajuda dos funcionários da
Biblioteca Nacional do Uruguai foi essencial no momento de buscar mais fontes para a
pesquisa e de indicar livros que ainda não foram adquiridos pela biblioteca, mas que são
de extrema importância para a abordagem dos assuntos.
O periódico utilizado como principal fonte de informações foi o MDiario de
Carnaval que é uma publicação da DAECPU - Diretores Associados de Espectáculos
Carnavalescos Populares del Uruguay - em conjunto com a prefeitura da cidade de
Montevidéu. Este periódico traz informações sobre a atualidade do carnaval, assim
como resgata o histórico do carnaval de Montevidéu. O MDiario de Carnaval também
participa de importantes momentos do carnaval como a apresentação do carnaval de
Montevidéu 2011, onde estavam presentes gestores das políticas públicas vinculadas ao
turismo e cultura de Montevidéu e do Uruguai. Este periódico é mensal, porém torna-se
diário desde o primeiro dia de carnaval até o resultado do concurso oficial, ou seja, o
leitor mantém-se atualizado com as principais noticias do carnaval e os espetáculos que
ocorrem pela cidade. Os jornais do período da pesquisa foram obtidos junto ao estante
montado pela DAECPU no Teatro de Verano lá obtivemos mais de 60 periódicos
gentilmente cedidos pelos funcionários assim que lhes foi informado o assunto desta
pesquisa, mantivemos outros contatos com estes funcionários através do Facebook com
a finalidade de obter mais informações referentes ao carnaval.
102
Outra determinante para a pesquisa foi à utilização da internet para obtenção de
dados que ainda não constam em bibliografias, sendo assim utilizamos diversos meios
eletrônicos para obtenção de dados, como páginas eletrônicas referentes ao carnaval
como o Portal das Murgas e Portal Candombe, sendo estes os mesmos adquiridos
quando da visita, revistas, portais eletrônicos que tem como assunto principal o
carnaval, base de dados como bibliotecas digitais e o Google acadêmico, páginas do
governo municipal e também do MINTURD. No caso do MINTURD todos os dados
foram obtidos através da internet, devido a que no período da pesquisa a maioria dos
funcionários encontrava-se em férias o que dificultou a obtenção de dados junto ao
Ministério no mês de fevereiro, foram utilizadas também revistas científicas digitais
obtidas através do banco de dados das bibliotecas digitais como a Biblioteca da
Universidad de la República, em Montevidéu, ou da Universidad de la Rioja, na España.
Também a página de relacionamentos Facebook foi primordial para obtenção de dados
devido aos contatos ali realizados para a obtenção de informações. O Facebook é uma
ferramenta de comunicação fortemente utilizada pelas agremiações de carnaval que
comunicam ensaios, apresentações e sua participação no concurso oficial. A página do
Mdiario do Carnaval foi visitada via facebook.
O questionário92
foi enviado para cinco pessoas, das quais três responderam-no,
sendo eles, um professor de história e escritor que tem como base das suas obras a
história do Uruguai e o período da ditadura neste país, cujo como pano de fundo é a
relação intrínseca entre a formação da nação e a memória dos uruguaios nos períodos
estudados. Estas cinco pessoas foram escolhidas devido a seu aporte nos assuntos
relacionados neste trabalho como carnaval em Montevidéu, identidade, memória.
Verificou-se durante a observação que estas pessoas são reconhecidas por aquilo que
produzem nas suas respectivas áreas o que facilitou a escolha destes para a participar
desta pesquisa.
Os livros publicados por este participante são frutos de um projeto que traça o
histórico do Uruguai em todo o período ditatorial. Também participou respondendo o
questionário uma historiadora e escritora de assuntos referentes a afro descendentes,
titulada como mestre em sociologia, professora do instituto de formação de professores
mais importante do Uruguai e em seus trabalhos (incluso livros) tratou do tema dos
afrodescendentes sob uma ótica de inclusão dos afrodescendentes no multiculturalismo
92
O mesmo encontra-se no anexo A.
103
e como o racismo funciona nos meios onde os afrodescendentes são atuantes. Possui
dois livros publicados sobre o tema de afrodescendência no Uruguai, um destes livros
concedeu-lhe um premio do MEC, pois trata da questão de continuidade das tradições
afro através da história oral.
O terceiro respondente do questionário é um letrista de murga jovem e
participante no coro do carnaval chamado de “Mayor”, participante ativo do carnaval
desde a sua infância, pois acompanhava e era mascote da Murga Contrafarsa, que foi
uma das melhores murgas dos anos 90 e no início dos anos 2000. As letras compostas
por este respondente para as murgas ficaram conhecidas pela originalidade e sarcasmo,
além de ser um dos expoentes das murgas jovens no Uruguai. As questões do
questionário foram apresentadas no idioma espanhol para os entrevistados, (ver no
anexo I - com versões nos dois idiomas, espanhol e português). O questionário foi
aplicado por correio eletrônico e enviado no dia 06 de maio do corrente ano. Foi
solicitado para que os participantes enviassem a resposta em uma semana, porém houve
atrasos na entrega e algumas dúvidas dos respondentes foram respondidas por correio
eletrônico e pela página de relacionamentos Facebook.
O primeiro contato com os respondentes 1 e 2 foi feito por correio eletrônico
pois não conseguiu-se obter contato pessoalmente durante a observação no campo de
pesquisa que ocorreu em abril de 2010 e fevereiro de 2011, por isso foi enviado um
correio eletrônico informando do assunto deste trabalho e indagando se gostariam de
participar, os dois foram extremamente receptivos à participação e expuseram o seu
contentamento pelo interesse em participar deste trabalho. A partir de então mantivemos
contato permanente pelos meios já explicados. O primeiro contato com o respondente 3
se deu na pesquisa de campo, após a apresentação de uma das murgas nas quais
participa no tablado do Velódromo. Naquela ocasião a pesquisadora se apresentou e
perguntou sobre o interesse em participar da pesquisa, o mesmo se dispôs a participar
do trabalho e desta forma começamos a comunicarmos permanentemente durante o
carnaval e após este por correio eletrônico e por Facebook. Os questionários foram
enviados para os participantes por correio eletrônico, obtendo a resposta da
participação, dos 3 que participaram deste trabalho, no mesmo dia do envio da
solicitação.
Durante a observação, que ocorreu do dia 04 ao dia 24 de fevereiro de 2011,
observou-se o desfile inaugural, as apresentações nos tablados, o desfile de llamadas, os
104
toques de candombe nos fins de semana. Conjuntamente observou-se a relação da
cidade com o carnaval, do carnaval com a mídia local e fizeram-se visitas ao Museu do
Carnaval. Para uma observação mais aprofundada foram realizadas visitas a diversos
tablados, que foram o Tablado Velódromo, Malvín, Cine Plaza, Defensor Sporting, o
Museu do carnaval, o Teatro de Verano, as apresentações do concurso oficial, aos
toques93
de candombe nos fins de semana nos bairros Sur, Palermo, Cordón e Ciudad
Vieja e ao desfile de llamadas dia 04 de fevereiro. Um dos pontos mais visitados foi o
Museu do Carnaval devido a seu acervo sobre a história do carnaval e por possuir um
tablado para apresentações construído este ano, pois quando da primeira observação
feita na cidade para o TCC I, em abril de 2010, o tablado não estava em funcionamento.
Este museu se tornou um referencial durante a pesquisa, pois, obtiveram-se dados
importantes através dos historiadores que trabalham no museu como, por exemplo,
informações sobre referencial bibliográfico para tratar do tema. Também se fez contato
com um fotógrafo que participava de uma das exposições do museu, este gentilmente
cedeu suas fotografias para utilização no trabalho.
As visitas foram documentadas com fotografias, porém também se solicitaram
fotografias de profissionais especializados devido à qualidade das mesmas ser superior a
qualidade das fotografias da autora do trabalho. Existiram dificuldades para obterem-se
fotografias devido ao grande número de pessoas que havia, por exemplo, no desfile
inaugural e no desfile de llamadas, o que não permitia uma movimentação adequada
com o fim de garantir uma fotografia de boa qualidade. Estas fotografias foram
solicitadas através da página de relacionamento Facebook onde, também, deu-se o
contato com outro fotógrafo profissional que disponibilizou suas fotos para serem
utilizadas pela autora da pesquisa.
Na descrição do Carnaval de 2011 mostram-se os ingressos adquiridos para entrada
nas apresentações e no museu do carnaval, além de um folheto explicativo sobre o
carnaval e o livreto da Murga Diablos Verdes, adquirido durante uma apresentação no
tablado do velódromo. A observação ocorreu durante os espetáculos e apresentações,
mas também em outros momentos, acredita-se que, desta forma é verificado, de uma
forma mais profunda, como o carnaval se insere no dia-a-dia da cidade, como ele é visto
pelos montevideanos e como os meios de comunicação o divulgavam.
93
Toque é a nomenclatura recebida não só pela forma de tocar o tambor, mas também pelas saídas que
uma corda de tambores faz no fim de semana, geralmente no bairro ao qual pertence. Conforme
encontramos em Olaza (2009).
105
Com a finalidade de análise dos dados, estes, foram categorizados, com o
propósito de formar variáveis pelas quais foram analisados os dados conforme o método
de análise explicado por Moreira (2002), para quem a utilização das palavras que os
respondentes utilizaram é importante para a formação das variáveis. A partir disto, foi
feita a análise dos resultados com o uso de variáveis, em uma triangulação com o marco
teórico, a observação participante e as respostas dos questionários. Desta forma
conseguir-se-á obter um resultado conciso com a proposta do trabalho.
As categorias foram à manifestação cultural; identidade; carnaval; turismo;
identidade do bairro; patrimônio e cultura afro, que, por conseguinte, deram origem as
variáveis pelas quais analisaremos os dados, estas variáveis são: 1 – identidade
montevideana; 2- carnaval como produto turístico; 3 – carnaval como manifestação da
cultura montevideana; 4- construção do patrimônio através do carnaval, para a criação
das variáveis também foi levado em considerado a amplitude que estas dariam ao tema
pesquisado, a fim de que exista uma reflexão maior sobre o assunto.
A criação de cada variante foi orientada pelo encaminhamento com que cada
tema foi trabalhado durante a pesquisa. Com os resultados obtidos, chegasse ao objetivo
do trabalho a partir do circulo virtuoso, que foi fundamentado pelo ato de pesquisar,
pensar, escrever, observar e analisar.
106
5 RESULTADOS E ANÁLISE
Neste capítulo apresentaremos os resultados obtidos através da utilização das
técnicas de coleta de dados. Portanto, são apresentados a descrição do carnaval de
Montevidéu, os aspectos observados durante a realização do mesmo, como os desfiles.
Após esse texto, é apresentada a análise dos dados e a conclusão
5.1 DESCRIÇÃO DO CARNAVAL DE MONTEVIDÉU DE 2011.
Este item apresenta o carnaval de Montevidéu de 2011, iniciando-se pelo
desfile inaugural que abre oficialmente os festejos do carnaval, passando pelos
tablados, o Teatro de Verano e o Desfile de Llamadas. Para uma melhor descrição das
apresentações das murgas, a autora deste trabalho assistiu as apresentações da Murga
La Gran Siete, para, desta forma, averiguar como a murga se comporta em diferentes
tablados. No que concerne as llamadas, assistiu-se o Desfile de Llamadas que
ocorreram no dia 04 e 05 de fevereiro.
5.1.1 DESFILE INAUGURAL
O carnaval se inicia oficialmente no dia do desfile inaugural que, no ano de
2011, ocorreu dia 27 de janeiro. O desfile acontece todos os anos na Avenida 18 de
Julio, no centro da cidade. Sua programação é disponibilizada em diversos meios
eletrônicos, como da prefeitura de Montevidéu, no MDiario del Carnaval, em todos os
jornais de circulação diária e, na TV paga e aberta. A abertura ocorre com todas as
agremiações ou categorias desfilando na Avenida 18 de Julio, estas agremiações que
107
desfilam são: lubolos94
ou comparsas (que formam as Llamadas), as murgas, os
parodistas, humoristas e as revistas95
sendo que estas três últimas não serão foco deste
trabalho já que o foco deste trabalho são as murgas e llamadas. O carnaval é organizado
pela DAECPU96
que também é responsável pelo concurso que ocorre no Teatro de
Verano97
onde todas as categorias concorrem. Para fazer parte do concurso oficial
primeiramente a agremiação deve participar das provas de admissão para depois entrar
no que se denomina Liguilla98
.
FIGURA 07: MAPA DO DESFILE INAUGURAL DO CARNAVAL
FONTE: JORNAL OBSERVA
O itinerário do desfile inaugural se inicia na Avenida 18 de Julio esquina com a
Rua Tristán Narvaja e finaliza na a Rua Zelmar Michelini. O desfile de llamadas ocorre
na Rua Isla de Flores começa no seu início quando ela ainda é Rua Carlos Gardel na
94
Como explica Andrews (2007) Negros & Lubolos eram comparsas, porém não admitiam mulheres e
nem negros seus componentes eram brancos com o rosto pintado de negro e faziam parte das altas
camadas da sociedade uruguaia. 95
Para Lamolle (2005) parodistas e humoristas “São espetáculos musicais onde os quadros centrais são
atuados, com canções e bailes intercalados, e a apresentação e a despedida cantadas, com grande emprego
(sobretudo com os parodistas) de baile e vestuário” (LAMOLLE, 2005, p. 10, tradução nossa). O mesmo
autor nas explica que as revistas são algo com um fim não muito bem conceituado até mesmo pelo
regulamento do carnaval, porém os elementos que as compõem são o baile, o canto e o relato de uma
história. 96
A DAECPU foi fundada no ano de 1952 a partir da reunião de figuras importantes do carnaval
montevideano com a ideia de constituir um carnaval organizado para que as agremiações participantes
tivessem uma contrapartida devido aos gastos que as mesmas tinham para se apresentar. Informação
disponível em http://www.daecpu.org.uy/index.php?option=com_content&view=article&id=1&Itemid=4 97
O Teatro de Verano foi fundado em 1944 e está situado às margens do Rio da Prata em uma das zonas
mais turísticas de Montevidéu, pois está perto do principal parque de diversões da cidade, o Parque Rodó,
e do Parlamento do MERCOSUL. Recebeu o nome oficial de Teatro Municipal de Verano Ramón
Collazo devido a uma figura importante do carnaval de Montevideo. Informação disponível em
http://www.teatrodeverano.org.uy/ 98
A liguilla é como se denomina o concurso oficial do carnaval, a liguilla é separa em três partes sendo
1° ronda, 2°ronda e 3°ronda sendo que depois desta última são conhecidos os vencedores. Informação
disponível em http://carnaval.elpais.com.uy/reglamento-oficial-de-carnaval-2011
108
esquina com a Rua Zelmar Michelini e se estende até a Rua Yaro, o desfile de llamadas
fica compreendido entre os bairros Sur e Palermo. As murgas são mais apreciadas
visualmente, enquanto as llamadas colocam toda sua forca no desfile, como se fosse um
grande ensaio para o desfile de llamadas. O desfile inaugural tem uma extensão maior
que o desfile de llamadas, assim como um maior fluxo de público devido, justamente, a
participarem todas as agremiações desta forma, o público “aprova” visualmente as
murgas e tem uma prévia do que virá a ser apresentado nos tablados.
No desfile inaugural99
há um concurso onde se premiam as melhores
apresentações da cada categoria, é um momento onde as Llamadas estão no seu cenário
natural e as murgas são prejudicadas porque o seu palco natural é o tablado. Durante o
desfile inaugural, dificilmente ouve-se o canto das murgas, os microfones disponíveis
não são suficientemente numerosos para que o som se propague devidamente, nem
mesmo, perto do local onde ficam os jurados. Porém, mesmo que fosse possível ouvir as
murgas, estas, no desfile, tem a frente ou são seguidas na ordem do desfile, por uma
comparsa, dependendo da distância da comparsa, mesmo com suficientes microfones
para as murgas, estas não se fariam ouvir.
FIGURA 08: DESFILE INAUGURAL 2011
FONTE: PORTAL MONTEVIDEO
A quantidade de pessoas tanto na Avenida 18 de Julio como nos arredores é
grande, estas buscam uma posição melhor para assistir desfile. Em torno à avenida
99
Um resumo do desfile está disponível em http://www.montevideo.gub.uy/mvdtv/mvd-vive/desfile-de-
carnaval-2011
109
existe também uma grande quantidade de vendedores de choripan100
e de guloseimas, de
máscaras de carnaval, de confete e espumas que são jogadas a toda hora por crianças
que invadem literalmente o desfile. A maioria das pessoas leva para o desfile cadeiras
de praia e caixas de isopor com água e refrigerantes, mas o que chamou a atenção é
quantidade de pessoas que tomam chimarrão não importa a faixa etária, sempre tem
alguém tomando mate, como os uruguaios chamam o chimarrão, isto também se viu
durante toda a observação. O chimarrão é a bebida principal dos uruguaios, considerada
uma parte da identidade nacional; pode ser no trabalho, nos passeios, nos ônibus, em
qualquer lugar se toma mate, não importando horário.
O desfile inicial é transmitido por rádio e TV. A transmissão por rádio fica a
cargo da rádio CX42, da CX30 e 1410 AM libre que acompanha desde o início do ano
os diversos ensaios das agremiações. Também existe uma rádio online dedicada
somente a carnaval onde se pode acompanhar o desfile inaugural101
. A transmissão pela
televisão fica a cargo do Canal 5 (Televisión Nacional Uruguay), que transmite para
capital e interior além de transmitir para o exterior por AdinetTV através da Internet. O
jornalista Cristhian Font102
, integrante da Murga Diablos Verdes, cita a radio CX 42
como antiga companheira de jornadas carnavalescas na sua infância, onde escutava
noite após noite as apresentações das murgas, o que serviu para que este se apaixona-se
pelo carnaval e fosse considerado em 2011 a uma das figuras mais importantes das
murgas103
. Nos dias onde não ocorriam visitas, o acompanhamento do carnaval era feito
através da rádio ou das transmissões feitas pela TV.
FIGURA 09: DESFILE INAUGURAL 2011
100
Choripan é um sanduíche de pão e lingüiça que leva como condimento chimichurri, é o prato mais
pedido entre os comerciantes ambulantes do desfile. 101
http://www.carnavaldelfuturo.com.uy/cdf/radio-on-line.html 102
Informação disponível em http://www.tvshow.com.uy/sabadoshow/blog/7804-carnavaleros-en-tv-y-
tablado/ 103
Informação disponível em http://carnaval.elpais.com.uy/las-menciones-del-carnaval
110
FONTE: PORTAL MONTEVIDEO
111
O desfile ocorreu no tempo determinado, porém, é entendido por algumas
pessoas presentes, mais como um ensaio técnico das llamadas e uma prova de aceitação
do público por parte das murgas, do que propriamente, um acontecimento que festeje o
início do carnaval. Conforme se viu na visita ao Museu do Carnaval, está havendo um
resgate da prática de confecção dos cabeçudos através do programa Tablado del Bairro,
que abarca, também, o ressurgimento dos corsos barriais.
Durante o desfile ficou em evidência a questão do tempo de finalização do
mesmo, já que mesmo que as murgas não tivessem conseguido se apresentar perante os
jurados do desfile no período indicado por um relógio que havia frente a estes, elas eram
obrigadas a seguir para não prejudicar o andamento do desfile
FIGURA 10: DESFILE INAUGURAL 2011
FONTE: PORTAL MONTEVIDEO
FIGURA 11: DESFILE INAUGURAL 2011
FONTE: PORTAL MONTEVIDEO
112
5.1.2 TABLADOS
“Carnaval con sus tablados que dan vida a los juglares
Estos teatros populares por la gente levantados
Un macramé delicado de guirlandas de colores
Donde vibran vozarrones de denuncia y rebeldía
Donde reina la alegría, doña.
Y florecen los amores….”
Raúl Castro, introdução da despedida da murga Falta y Resto, 2001.
O carnaval toma conta da cidade nos seus 45 dias, nos bairros, o papel de palco
do carnaval é cumprido pelos tablados, que são municipais ou particulares. Na opinião
de Diverso (1989) o tablado oficial do carnaval é o Teatro de Verano já que nele se
desenrola o Concurso Oficial do Carnaval.
A margem de alguma fugaz e esporádica experiência anterior, pode decir-se que o
tablado vecinal – o mais genuíno e mítico de nossos cenários carnavalescos – nasce
em 1890 na plazoleta Silvestre Blanco (...), mercê a iniciativa dos vizinhos da zona e
como resultado direto do crescente protagonismo que já haviam alcançado por
então, as comparsas (ALFARO, 2008, p. 35, tradução nossa)
A maior parte do carnaval se desenvolve nos tablados que podem ser municipais
ou comerciais, a maior diferença entre eles é o preço da entrada, enquanto os municipais
cobram entradas a preços populares os comerciais ficam localizados em pontos
estratégicos da cidade e sua entrada não é acessível a todas as pessoas. Os tablados
abertos este ano foram104
:
Municipais
Molino de Galgo (entre bairros Maroñas e Villa Española)
Flor de Maroñas (no bairro Flor de Maroñas)
Punta de Rieles (no bairro Punta de Rieles)
Las Acacias ( no bairro Las Acacias)
Cesar Gallo Duran (no bairro Manga)
104
Informação disponível em:
http://www.daecpu.org.uy/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=21)
113
Teatro de Barrio Monte de La Francesa (no bairro Villa Colón)
Club Arbolito (no bairro Tres Ombues)
Paso de las Duranas ( no bairro Lavalleja)
Tito Borjas (no bairro Cerro)
Juan Taranto (no bairro Las Torres)
Comerciais:
Monumental de la Costa (no bairro Carrasco)
Velódromo Municipal (no bairro Tres Cruces)
Rural del Prado ( no bairro Prado)
Club Malvin (no bairro Malvin)
Club Sayago (no bairro Sayago)
Defensor Sporting (Parque Rodó)
Primero de Mayo (no bairro Aguada)
Club Lagomar (no bairro Lagomar en Ciudad de la Costa)
El Tablado (no bairro Malvin, entre Malvin Norte y Malvin Nuevo)
Cine Plaza (no bairro Centro)
Tablado del Museo del Carnaval (no bairro Ciudad Vieja)
Coca Cola (no bairro Pocitos)
Os tablados se espalham por toda a cidade, levando um grande número de
espectadores, sendo o maior deles o do Velódromo. Neste tablado realizaram-se a
maioria das visitas devido ao mesmo ser bem localizado e de fácil acesso e por, no final
do espetáculo, disponibilizam ônibus para diversas partes da cidade. O Velódromo fica
situado no bairro Três Cruces, dentro do Parque Batlle próximo ao estádio Centenário.
A reserva do ingresso podia ser feita por telefone ou momentos antes de iniciar as
apresentações, que geralmente se iniciavam as 19h30min, o mesmo procedimento pode
ser feito em todos os tablados comerciais. Nas apresentações se apresentavam
majoritariamente murgas e muitas delas quase todas as noites como Agarrate Catalina e
Curtidores de Hongos. As informações sobre as apresentações eram vistas previamente
114
no endereço eletrônico do tablado105
assim desta forma evitava-se assistir diversas vezes
a mesma murga.
FIGURA 12: INGRESSO PARA O TABLADO DO VELODROMO DIA 21/02/2011
FONTE: ARQUIVO PESSOAL
O Palco no Velódromo está situado na parte central, no meio da Pista, na frente
do palco acomodam-se as cadeiras numeradas, para aqueles espectadores que querem
ficar mais confortáveis e assistir as apresentações mais próximas ao palco, porém ao
lado das cadeiras muitas pessoas sentam no grama. Para registrar o momento, os
espectadores, na sua maioria, levam câmaras fotográficas e filmadoras, assim registram
a apresentações e após, ou antes, destas tiram fotos com os integrantes das agremiações.
Na volta da área central ficavam as bancas de alimentação aonde se vendem, sorvetes,
massas, churros, hambúrguer, choripan, panchos (cachorro quente), refrigerantes, nas
outras bancas vendiam-se cds, dvds, agendas, camisetas e artesanato. Uma das situações
que chama a atenção é a quantidade de merchandising que existe nos tablados
comerciais, tanto dos patrocinadores dos tablados como dos patrocinadores das murgas,
algumas levam até 10 minutos anunciando seus patrocinadores e muitas têm dentro da
própria apresentação alguma referência aos seus patrocinadores.
As apresentações têm um intervalo de 5 minutos entre as apresentações, o que
ocorreu diversas vezes foram atrasos por partes das murgas, pois estas se apresentam
em diversos tablados na mesma noite, ocasionando atrasos no deslocamento ou mesmo,
devido ao atraso das apresentações em outros tablados. Desta forma, a última
apresentação é a mais prejudicada, principalmente em dias de semana, quando os
105
O endereço eletrônico para obtenção de informação sobre a programação do tablado do velódromo é
http://www.velodromo.com.uy/ porém este só fica disponível de janeiro a março.
115
espectadores não ficam até o final do espetáculo devido ao horário avançado. Também,
ocorre que, a ultima apresentação geralmente não é completo devido a estes atrasos e a
uma norma da prefeitura os tablados devem terminar seus espetáculos à 1h30min da
manhã.
FIGURA 13: PROGRAMACAO TABLADO DO VELÓDROMO
FONTE: ACERVO PESSOAL
Mas as pessoas esperam, tomando chimarrão, falando da apresentação da murga
em outro tablado, falando qual murga está melhor em cada quesito. As pessoas debatem
os quesitos como jurados, mas sempre defendendo sua murga preferida, se tiverem
alguma. Durante estes intervalos aproveitou-se para conversar com os espectadores para
obter informações, porém, geralmente escutavam-se histórias das próprias pessoas
ocorridas no carnaval, o que facilitou o entendimento da relação do montevideano com
o carnaval, assim compreende-se que, para muitos, o carnaval faz parte da própria
historia de vida.
É praticamente da opinião de todos que existem dois carnavais na cidade de
Montevidéu o que ocorre nos tablados e o que ocorre no Teatro de Verano, pois, no
teatro, as agremiações estão sob a pressão do jurado e do público esperando uma
apresentação que supere as expectativas. Nos tablados há uma interação maior com o
público, as brincadeiras, as risadas, as apresentações fluem mais facilmente, há mais
risos e muitas vezes os integrantes das murgas são substituídos por outros e estes
esquecem as letras no meio da apresentação, o que gera risos tanto entre os integrantes
116
como do publico, estes momentos são aproveitados para que a murga interaja com o
público sendo ela mesma o alvo das brincadeiras. Acompanhamos a apresentação da
Murga La Gran Siete em três oportunidades, no Velódromo, no Cine Plaza e no Teatro
de Verano. As três apresentações apresentaram aspectos particulares devido ao espaço,
ao público que participou e também porque no Teatro de Verano não podem haver erros
perante os juízes do concurso, o que corrobora a idéia geral dos dois carnavais.
A apresentação da Murga La Gran Siete no velódromo, no dia 21 de fevereiro de
2011, foi mais interativa com o público do que a apresentação no Teatro de Verano.
Neste dia o público ainda chegava ao velódromo quando a murga iniciava sua
apresentação por volta das 19h30min, a chegada do público neste horário é normal, pois
é as pessoas costumam sair do trabalho, ir para suas casas e posteriormente dirigir-se ao
tablado, algumas pessoas costumam chegar no horário de apresentação da sua murga
favorita, por este motivo há uma constante movimentação de chegada de público, isto
ocorreu em todos os tablados visitados, excluindo-se o Teatro de Verano e o Cine Plaza.
FIGURA 14: TABLADO DO VELÓDROMO VISTA GERAL
FONTE: ACERVO PESSOAL
117
FIGURA 15: TABLADO DO VELÓDROMO
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 16: INTEGRANTES MURGA LA GRAN SIETE ANTES DA APRESENTAÇÃO
FONTE: ACERVO PESSOAL
A primeira apresentação que acompanhamos da murga La Gran Siete ocorreu no
Cine Plaza no dia 06 de fevereiro de 2011, o Cine Plaza é um antigo cinema que
também funcionava como teatro, o carnaval que ocorre no Cine Plaza é chamado
Carnaval de Gala, pois é coberto, com cadeiras confortáveis, ar condicionado e outros
elementos que não estão presentes nos tablados tradicionais. Os funcionários,
uniformizados, levam os espectadores até os assentos que são numerados, na entrada há
uma loja que vende produtos das murgas que se apresentam à noite, também há um bar
118
e para fumar existe uma sacada onde a cada intervalo os espectadores se reúnem; a
entrada para o Cine Plaza custa de R$ 18,00 a R$ 25,00. O ingresso do Cine Plaza,
mostrado abaixo, pode ser comprado por uma rede bancária que está localizada em
quase todos os bairros, o que facilita muito a compra, o ingresso é mais elaborado
graficamente do que os dos outros tablados e é o único que vende os ingressos na rede
mencionada acima. Esta foi à primeira oportunidade onde se conversou por alguns
instantes com o diretor da Murga La Gran Siete, após esta oportunidade continuaram-se
os contatos com o diretor, cujas colocações foram de extrema importância para o
entendimento do “funcionamento” da murga durante estes 45 dias de carnaval.
FIGURA 17: ENTRADA CARNAVAL DE GALA – CINE PLAZA 06/02/2011
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 18: APRESENTAÇÃO MURGA LA GRAN SIETE CINE PLAZA
FONTE: ACERVO PESSOAL
119
A apresentação da murga só é completa no Teatro de Verano, nas outras
apresentações são apresentadas apenas algumas partes. O Teatro de Verano por ficar em
um ponto nevrálgico da cidade é de fácil acesso, tem estacionamento na entrada e os
ingressos podem ser adquiridos em lotéricas espalhadas pela cidade, o teatro dispõe de
platéia baixa e alta sendo que os preços são diferenciados, a platéia baixa possui um
valor mais elevado por ser mais perto do palco, o que proporciona que o espectador que
adquiriu um lugar na platéia baixa, de certa forma, participe na descida da murga.
Logo na entrada do teatro de Teatro de Verano há diversos comércios de
alimentação e de venda de souvenires relativos à cidade, ao país e ao carnaval, pois há
uma grande afluência de turistas no Teatro de Verano, na sua maioria de argentinos. Na
parte atrás do palco pode-se ter contato com os integrantes das murgas antes da sua
apresentação e na hora da saída. Nas apresentações do concurso oficial as murgas
costumam ir com toda sua equipe, para que não ocorram falhas na apresentação, a
equipe é composta pelo utilero106
, pessoas responsáveis pelo som, pela iluminação,
instrumentos, arrumação do palco e outros que a murga necessite. Na hora da saída da
murga é o momento mais tumultuado de todos, pois há uma aglomeração de fãs,
jornalistas, equipe de apoio e fotógrafos.
FIGURA 19: VENDA DE MERCHANDISING NO TEATRO DE VERANO
FONTE: ACERVO PESSOAL
106
Conforme observação o utilero é a pessoa que ajuda no que for necessário para o bom andamento da
apresentação da murga.
120
É dificultoso se aproximar dos integrantes, também, devido à empolgação dos
mesmos, pois na chegada na praça do Teatro e no fim da apresentação, os integrantes
são parabenizados para muitos é o momento mais emocionante pois é a finalização de
meses de ensaios e ajustes para que a murga chegue “redonda” no concurso oficial e
para o público, e, também, porque a última parte da apresentação fala da volta da murga
no próximo carnaval como verifica-se na letra da retirada da Murga Curtidores de
Hongos (2011)107
.Também, na comemoração, verificou-se a emoção das murgas que
tem dono e as murgas que praticamente não tem patrocínio algum, como é o caso da
Murga La Gran Siete que possui, apenas, patrocínio da ANCEL108
. A diferença na
comemoração destas murgas se deve ao esforço dos seus integrantes, a ajuda de amigos
e familiares para que a murga participe do carnaval, tem-se a sensação que estas murgas
tem mais sentimento na apresentação ou “cantan con el corazón en la garganta”
expressão muito utilizada quando a apresentação da murga emociona o público.
FIGURA 20: APRESENTAÇÃO MURGA LA GRAN SIETE – 2ª RONDA DA LIGUILLA
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 21: PÚBLICO NO TEATRO DE VERANO – 2ª RONDA DA LIGUILLA
107
Volverán pletóricos de gloria/Para escribir la historia/Por otro siglo más/Dejan su eterno
pregón/(Cuando termine la fiesta)/En su partida triunfal/Volverán los hongos en febrero/Ta esta
prendido el fuego/Que viva el carnaval. (Retirada Murga Curtidores de Hongos do ano 2011) 108
Ancel é a empresa de telefonia móvel que faz parte da Antel (Administración Nacional de
Telecomuicacoes), ou seja, é uma empresa estatal, conforme Lamolle na sua apresentação no Carnaval de
Gala (06/02/2011) a murga La Gran Siete foi uma das que após passar por um processo seletivo foi
patrocinada pela empresa.
121
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 22: APRENSENTAÇÃO MURGA FALTA Y RESTO – 2ª RONDA DA LIGUILLA
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 23: INGRESSO TEATRO DE VERANO – 2ª RONDA DA LIGUILLA
FONTE: ACERVO PESSOAL
A identificação com as murgas é muito forte, antes da observação verificamos
em sites de relacionamento como era a relação entre as murgas e seus fãs. Cada murga
tem seu público, que se identificam com a murga pelos temas que esta trata, pois,
122
sentem que esta murga retrata melhor, que outras, a sua realidade. As murgas jovens,
geralmente, não tem um público muito especifico, por terem um discurso muito
parecido e se diferenciarem mais através de outros elementos da apresentação. Aquelas
murgas que tiveram um discurso mais contestatório durante a ditadura como é o casa de
Falta y Resto e Araca la Cana, tem um público fiel, que, pelo que observou-se nas
apresentações, a faixa etária beira os 60 anos, ou seja, o público destas murgas estava
entrando na idade adulta e o discurso da murga acompanhou os anseios desta, outrora,
juventude.
Murgas como Agarrate Catalina, tem um público jovem muito fiel, que vai para
as apresentações com bandeiras, camisetas, faixas e todos os elementos possíveis, que
possam identificá-los com a murga, este fanatismo verificou-se, também, no Facebook
pois há diversas discussões em torno do relacionamento do público da murga Agarrate
Catalina com o público de outras murgas. As discussões através dos foros de discussão
do Facebook, muitas vezes lembram acaloradas discussões sobre futebol e política.
As murgas La mojigata e Metele que son pasteles tem um público diverso, pois
tem um humor chamado picaresco e de fácil entendimento, o que faz que atraiam
bastantes crianças com suas apresentações. Estas murgas, este ano, tiveram uma maior
torcida, pois a Murga Queso Magro, que é uma das preferidas deste público, não se
apresentou. As murgas mais antigas em atividade são Diablos Verdes e Curtidores de
Hongos, esta última completando 100 carnavais no ano de 2011 estão programados
diversos festejos para marcar os 100 anos desta murga, que sempre se manteve em
evidência sendo uma das mais queridas pelo público. Nas murgas mais tradicionais, há
dificuldade de pontuar um tipo de público especifico, pois por serem murgas com um
forte histórico de participação acabam atraindo um público muito variado.
A parte mais aguardada da apresentação da murga é o cuplê, as pessoas
acompanham atentamente, pois é a parte onde se critica um fato da forma mais cômica
possível. Como o carnaval é extenso a apresentação não chega a ser uma surpresa
depois da segunda semana, mesmo assim, no público, observa-se, o riso fácil, pois os
cupleteros mudam a apresentação com alguma piada nova ou com algum fato novo
ocorrido no período do carnaval ou até mesmo com alguma situação que aconteceu ou
está ocorrendo no momento da apresentação, por duas vezes, acompanhou-se estes
momentos, em um deles, o integrante da murga esqueceu uma parta de apresentação e
em outro um dos integrantes estava com metade da fantasia somente, isso não foi
123
motivo de preocupação e sim, um momento que a murga aproveitou para rir dela
mesma. O fato de apresentadores de televisão, atores e humoristas participarem das
murgas, também é um fator importante, as pessoas aguardam para ver estas pessoas que
se destacam nas apresentações das suas respectivas murgas.
FIGURA 24: MURGA AGARRATE CATALINA - TABLADO DEL VELÓDROMO
FONTE: ACERVO PESSOAL
Durante os espetáculos nos tablados as murgas aproveitam para comercializar
camisetas, cds, libretos, adesivos e tudo aquilo que tenha a imagem da murga, neste ano
a Murga Diablos Verdes criou uma página no Facebook para divulgar o cuplê das suas
apresentações que é apresentada na figura 25, os Solymareños fizeram tanto sucesso que
além de terem esta página ganharam um fã clube.
FIGURA 25: MURGA DIABLOS VERDES - TABLADO DEL VELÓDROMO
FONTE: ACERVO PESSOAL
124
FIGURA 26: LIBRETO MURGAS DIABLOS VERDES
FONTE: ACERVO PESSOAL
O debate principal deste ano foi a não abertura de diversos tablados, tanto
particulares como públicos, por falta de apoio da prefeitura e por desinteresse dos
tablados particulares devido ao horário de inicio e fim das apresentações. Esta regra da
prefeitura foi motivada principalmente pela quantidade de reclamações de vizinhos dos
locais de ensaios e de tablados, que reclamaram do barulho. Assunto constante das
conversas entre espectadores e principalmente das murgas e que esteve presente em
praticamente todas as apresentações, foi à decisão por parte da prefeitura de não apoiar
alguns tablados particulares e por conseqüência estes não funcionaram no carnaval e
também a regra criada que estipula um horário fixo para o fim das apresentações, hora
esta fixada às 1h30min. Houve assim, uma dura crítica à postura da prefeitura que ao
contrário de procurar uma alternativa, como queriam os murguistas, simplesmente
optou pelo não apoio aos tablados. A murga Curtidores de Hongos estendeu a crítica na
apresentação realizada para o Carnaval del Bicentenário, quando se apresentava não só
para o público que foi assistir a apresentação como para autoridades municipais e
federais, incluindo o Presidente da República, José “Pepe” Mujica.
“Cada vez que se abre un tablado nace una esperanza, y cada vez que se cierra un
tablado se le está tapando la boca al pueblo”.
Raúl Tintabrava Castro, director da murga Falta Y Resto iniciando a cancao de despedida.
125
O diretor da murga La Gran Siete, Guillermo Lamolle, criou um grupo no site de
relacionamento facebook chamado: Brigada contra silêncios molestos, onde o diretor
expõe sua opinião sobre a situação do fechamento de tablados e conclama aos
protagonistas do carnaval a propor junto à prefeitura um espaço específico para ensaios
e tablados, já que a política da prefeitura é de descentralizar a cultura e facilitar o acesso
a esta. Uma das principais causas da Brigada era o não fechamento de alguns tablados,
mas não obtiveram sucesso, o tablado Monumental de Tres Cruces foi fechado e agora
no local funciona um estacionamento. Lamolle através da Brigada publicou um artigo
no Mdiario de Carnaval onde opina que “Desde aqueles dias, daqueles dias do tablado
em cada esquina, de ensaios na calçada” que congregavam a seus seguidores,
passamos por diferentes processos. Durante diversas apresentações a maior reclamação
era que com o fechamento de alguns tablados, diversos bairros tinham ficado
desprovidos de tablados, tendo os moradores que se deslocar para conseguir assistir as
apresentações.
FIGURA 40: FOLDER DO CARNAVALDO BICENTENÁRIO.
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 41: MURGA CURTIDORES DE HONGOS NO CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.
126
FONTE: ACERVO PESSOAL
Para comemorar o bicentenário da independência do Uruguai no dia 25 de agosto
de 2011, comemorou-se o carnaval do bicentenário ocasionou um grande debate
ocorrido entre os montevideanos, primeiramente por ser no hipódromo municipal, um
lugar que não é acessível para todos devido a sua localização e também pelo preço das
entradas que era de R$ 29.00 a R$ 64.00 o que não possibilitava o acesso de todos à
festividade. A má organização do evento também chamou a atenção do público e houve
uma onda de repudio antes, durante e após o evento, sendo taxado de evento para a
classe média. Debates também por algumas murgas e comparsas não serem convidadas
e pelo evento terminar a 1h30min da manhã o que fez com que as apresentações fossem
muito curtas. As críticas foram por parte da população e das agremiações tanto as que
participaram como as que não participaram.
FIGURA 29: ENTRADA PARA O CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.
FONTE: ACERVO PESSOAL
127
FIGURA 30: MURGA CURTIDORES DE HONGOS NO CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.
FONTE: ACERVO PESSOAL
Os temas das murgas neste carnaval refletiram o ano uruguaio e montevideano:
o tema das greves dos lixeiros foi falado por diversas murgas como Diablos Verdes e
Curtidores de Hongos, o fato ocorrido com os chilenos que ficaram presos em uma
mina foi falado por quase todas as murgas tendo ênfase nas murgas Diablos Verdes, A
Contramano, La Bolilla que Faltaba (a única murga em que o coro é composto só por
mulheres), o campeonato mundial de futebol onde a equipe uruguaia ficou na 4° posição
foi assunto de todas as murgas a partir de diversas visões como a visão das mulheres
explorada pela murga Curtidores de Hongos ou pela visão dos torcedores otimistas ou
daqueles pessimistas que foi utilizada pela murga Agarrate Catalina. Algo muito
interessante durante a observação e após, acompanhando as notícias pelos principais
jornais do Uruguai, comentários de pessoas do nosso entorno, foi a questão da
recuperação de uma auto-estima vinculada ao esporte, primeiramente pelo campeonato
mundial de futebol, mesmo com a 4ª colocação e agora com a chegada ao final da copa
Libertadores da América do Peñarol, o time que é considerado como o de maior torcida
no Uruguai.
A identificação do montevideano com a murga também ocorre pela origem da
mesma, a murga Araca La Cana é conhecida como La Bruta ou La murga Compañera,
oriunda do bairro La Teja, para Hernández (2010) a murga deu impulso a identidade
carnavalesca que o bairro possui até hoje tornando-se um dos símbolos espacial do
128
carnaval. A murga ganhou o apelido de La Bruta por ser uma murga que
originariamente era formada somente por vendedores de jornais chamados de canillitas
o que fez com que a murga tivesse uma maneira de cantar próprio, apelido de
compañera surgiu na época da ditadura por ser uma murga que sempre ficou do lado do
povo. É uma murga pela qual as pessoas tem um carinho especial mesmo que tenham
outra murga como favorita, é um sentimento de respeito pela história da murga. “Em
momentos de repressão a murga não emudeceu e são de sua autoria temas, milhares de
vezes entoados em momentos difíceis, que levaram a Araca a constituirse como
“companheira” do povo” (Hernández, 2010, pág. 6). Ainda para Hernández (2010) a
murga é um símbolo representativa da sociedade, não só do bairro como da cidade, pois
é símbolo e atua como agente de propagação da cultura popular dentro e fora do país.
FIGURA 31: MURGA ARACA LA CANA NO CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.
FONTE: ACERVO PESSOAL
5.1.3 LLAMADAS
Em Montevidéu é comum ouvir que o “meio” natural das comparsas é a rua, é
onde elas se apresentam como todo seu esplendor e magnificência. No concurso oficial
elas não se apresentam como todos seus componentes e até o ritmo (candombe) sofre
certa alteração já que as comparsas cantam e não somente tocam. No Teatro de Verano
elas ficam a mercê do espaço do palco, não tem o movimento que tem na rua e nem as
pessoas, devido ao local, conseguem participar de uma forma mais ativa.
O Desfile de Llamadas ocorre nas ruas Carlos Gardel e Isla de Flores no bairro
Sur que como citado anteriormente é um bairro marcado pela cultura afrodescendente.
129
FIGURA 32: MAPA DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: JORNAL OBSERVA
Uma semana após o desfile inaugural começam os Desfiles de Llamadas, estes
ocorrem nos bairros Sur e Palermo. São disponibilizadas arquibancadas nos dois lados
da rua, os ingressos para as arquibancadas preferenciais custaram R$ 19,20 e para as
numeradas de R$ 15.00 a R$ 7.40. O desfile de sexta feira iniciou pontualmente às
20h15min. A variedade de público que assiste ao desfile é grande, há desde moradores
do interior a estrangeiros como franceses, dinamarqueses, espanhóis, norte americanos,
italianos, sudaneses, japoneses pelo que se observou durante o desfile. Estes turistas,
geralmente, andam com a câmara de fotos e filmadora, costumam fazem perguntas aos
locais sobre o desfile.
Desde o inicio da manhã há uma movimentação grande nos locais de ensaio das
comparsas, o diretor da comparsa Tronar de Tambores, residente no bairro Cerrito de
la Victoria é a pessoa mais destacada no que tange as comparsas, seu nome é Julio Sosa
conhecido pelo apelido de Kanela, na sua residência houve movimentação desde a
manhã do desfile, com integrantes levando seus tambores e vestimentas, após
finalizados os últimos detalhes, os integrantes se encontraram no clube onde geralmente
ensaia a comparsa. Uma hora antes do desfile, a comparsa Tronar de Tambores já se
encontrava pronta para o desfile, tamborileros esquentavam as lonjas enquanto tiravam
fotos com locais e turistas, outros integrantes arrumavam as gigantes bandeiras que as
comparsas levam, sem exceção, para o desfile, as bandeiras geralmente representam
Cada comparsa faz uma pequena fogueira para esquentar as lonjas dos
tambores, nessas horas antes do desfile as pessoas aproveitam para tirar fotos com
alguns integrantes enquanto outros arrumam as enormes bandeiras que irão ser levadas
no desfile, é o momento de colocar em ordem os participantes da comparsa para a
130
entrada. Se houve os diferentes toques das comparsas e se vê os turistas tirando várias
fotos e filmando, muitos filmam antes do início, durante e após. Acompanham
atentamente o que lhes é falado.
FIGURA 33:AQUECIMENTO DOS TAMBORES
FONTE: LAFIGARI.BLOGSPOT.COM
As comparsas se anunciam pelo toque que é ouvido de longe, o primeiro que é
visto no desfile são as enormes bandeiras com as cores da comparsa, atrás geralmente
vem o corpo de baile com as dançarinas e com os personagens das comparsas a Mama
Vieja, o Yuyero, o Bastonero após vem o coração da comparsa, os tambores. Os
tamborileros têm os rostos pintados com as cores da comparsa, são poucos, como visto
no desfile do dia 04 de fevereiro que ainda pintam o rosto de negro. Os tambores do
candombe são três: chico, repique e piano. Uma das discussões atuais entre os
pesquisadores do candombe é a mudança nas dimensões de cada um desses tambores,
esta mudança, para os que estudam o assunto muda o som dos tambores e, portanto
altera a sonoridade do ritmo como um todo.
131
FIGURA 34: DESFILE DE LLAMADAS 2011
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
FIGURA 35: DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
Os personagens parecem ter pedido a importância e em algumas comparsas
alguns personagens não aparecem tanto quanto antes como o escobero. Os personagens
mais aplaudidos em todas as comparsas foram os casais de mama viejas e yuyeros, os
tamborileros usam as meias de cor preta para imitar a cor dos afrodescendentes e as
alpargatas com os laços entrelaçados até altura do joelho, o passo continua o mesmo,
132
cadenciado fazendo reverência aos escravos que utilizavam grilhões que os impedia de
caminhar e, portanto fugir.
No final da comparsa aparecem os símbolos como as meia luas e as estrelas e
algumas bandeiras e faixas com personagens importantes do candombe e da comparsa e
alguma mensagem relativa aos afrodescendentes, quando vai passando a última
comparsa os espectadores vão atrás dançando até o fim do desfile.
FIGURA 35: MAPA DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
FIGURA 36: DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
133
FIGURA 37: DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
FIGURA 38: DESFILE DE LLAMADAS – CARLOS PAEZ VILARÓ
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
No concurso oficial a apresentação da comparsa é diferenciada da sua
apresentação na rua, no Teatro de Verano, durante a apresentação, as comparsas
134
apresentam músicas, que na sua totalidade falam da situação do afrouruguaio na
sociedade. O número de bailarinos é em algumas comparsas maior que o número de
tamborileros, os comentários entre alguns espectadores, e que a comparsa perde sua
força no concurso oficial porque para participar têm que ser seguidas certas regras que
desfiguram a comparsa, como o canto, que no desfile de rua não existe e não faz parte
das comparsas originariamente. E o grande número de bailarinas de relleno, que são as
bailarinas que são colocadas no espetáculo para “fazer volume”.
FIGURA 39:DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
A parte onde as pessoas realmente se emocionam é quando os tamborileros
ficam sozinhos no palco e o que se sobressai é o toque da comparsa, as pessoas dançam
nas arquibancadas, se escutam gritos de apoio de torcedores e simpatizantes, as pessoas
tocam tambores inexistentes junto com a comparsa, alguns choram. É quando a
comparsa se mostra na essência. A bajada da comparsa é um momento tão
emocionante como é a da murga, primeiramente descem os bailarinos, os estandartes e
as bandeiras e por último os tamborileros é um momento onde todos batem palma
acompanhando o ritmo do toque da comparsa, pois na descida os tamborileros não
conseguem tocar somente quando já estão em meio ao público então os espectadores.
135
FIGURA 40: DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
Nos toques de fins de semana o que chama a atenção é a quantidade de pessoas
que lá se encontram. Em um dos toques que fomos, o dia estava nublado e frio para um
dia de fevereiro, mas mesmo assim no mercado público a quantidade de pessoas que
esperavam pela cuerda de tambores era muito grande, naquele dia não havia uma
comparsa especifica, mas sim um grupo de tamborileros que se juntaram para tocar.
Neste dia vimos um grupo considerável de estrangeiros que eram facilmente
identificados pelas câmaras penduradas no pescoço e por fotografar cada detalhe dos
tamborileros. O toque de fim de semana é algo difícil de explicar no que se refere à
ocupação do espaço, pois ela vai muito além daquilo que se vê, pois a comparsa sai do
mercado público e toma o caminho do antigo cortiço Mediomundo, pois naquele dia a
maioria dos integrantes era da comparsa C1080 que é tida como uma das agremiações
que surgiu depois do fim da comparsa Morenada que foi a comparsa por excelência
vinculada ao a este cortiço.
Durante o caminho da comparsa vimos que em diversas casas havia uma espécie
de churrasqueira feita com galões de gasolina ou outro produto que são cortados ao
meio e colocados em um tipo de suporte, as pessoas faziam seus churrascos e bebiam,
geralmente havia umas 30 pessoas em cada churrasqueira enquanto isso a comparsa
passava e as pessoas iam saindo das suas residências acompanhando a comparsa que
136
havia saído do Mercado Público com umas 200 pessoas acompanhando e chegava ao
cortiço com mais de 500 como nos informou um componente da “polícia turística109
”.
Os turistas tentavam acompanhar a dança do candombe, porém percebemos que
eles tentavam “sambar” o que, de certa forma, irritava os componentes da comparsa que
repetiam diversas vezes: “No somos brasileños, acá no hay samba, esto es candombe.”
Sempre ressaltando a palavra candombe, a resposta dos turistas era acompanhar os
passos das dançarinas que faziam um esforço para ajudar os turistas, naquele, conforme
conversa com um dos turistas, a maioria provinha da Alemanha, Holanda e Bélgica e o
que este turista destacou, além da beleza arquitetônica da cidade, foi a amabilidade das
pessoas e seu conhecimento em línguas110
o que facilita muito na hora de encontrar uma
atração turística ou até mesmo se comunicar em um restaurante. O toque finaliza e os
turistas, assim como os próprios moradores da cidade pedem para tirar fotos com os
componentes da comparsa, o que chama a atenção que os turistas acabam voltando ao
Mercado Público e comprando uma lembrança vinculada a candombe, seja algo alusivo
com chaveiros e quadros com pinturas sobre candombe ou mesmo comprar tambores
que, já pensando na sua comercialização com fins turísticos, são confeccionados em
tamanho menor.
Outra frase muito falada pelos componentes da cuerda de tambores no fim do
toque é “Ahora conocen Uruguay”, pois informam que a maioria dos turistas acredita
que a cultura local seja parecida com a do Brasil, quando se fala em carnaval, tambores
e cultura afro ou similar a de Buenos Aires, pois para muitos turistas o Uruguai seria,
algo como um anexo a Argentina, o que o PCCCP (2008) chama de “efeito sombra” de
Buenos Aires, como geralmente, os pacotes turísticos se iniciam em Buenos Aires e
depois os turistas visitam Montevidéu e somente neste momento que o turista tem a real
conhecimento das diferenças visíveis entre um país e outro, principalmente, como dito
por alguns turistas, pelo fato da presença afro na cidade de Montevidéu, suas “marcas”
espaciais e o candombe.
109 A policia turística de Montevidéu está presente naqueles que são considerados os principais pontos
turísticos da cidade e tem como função proteger turistas extrangeiros e uruguaios. Informação disponível
em http://www.minterior.gub.uy/index.php/es/servicios/policia-turistica 110
No Uruguai, no liceo, o que vem a ser o segundo grau no Brasil o aluno pode optar por diversas
linguas estrangeiras como ingles, francés, alemao e italiano.
137
FIGURA 41: DESFILE DE LLAMADAS
FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA
Quando a corda parou de tocar se escutou uma música do período da ditadura de
um grupo de candombe chamado Pareceres: Barrio Sur este es mi canto / es mi sueño
echo canción / conventillo te saluda / el no se olvida de vos (...) Mama vieja /
Gramillero es el candombe y se viene. Descobrimos que a música se chama Por si
vuelvo e marcou época para aqueles que estiveram fora do país como exilados durante a
ditadura. A música foi cantada por mais de 100 pessoas na frente do prédio onde se
situava o cortiço Mediomundo. Na frente do prédio os integrantes das cuerdas tentavam
explicar para os turistas a história do local o que é dificultado pelas palavras próprias da
cultura do candombe. À noite, antes dos toques, o espetáculo se tornava mais chamativo
devido às fogueiras que são feitas no meio da rua para esquentar o couro dos tambores,
ou as chamadas lonjas.
138
5.1.4 CARNAVAL E MIDIA
Quem chega a Montevidéu percebe que a cidade respira o carnaval, as
propagandas usam como música de fundo os toques das comparsas ou a marcha
camión111
das murgas, na televisão se vem às chamadas para os espetáculos e há uma
larga discussão entre os analistas para tentar prever quem irá melhor tecnicamente, a
prefeitura coloca a disposição no site uma pesquisa para que as pessoas informem sua
murga e comparsa favoritas, os outdoors (que não são muitos) têm sua imagem
vinculada ao carnaval, integrantes de murgas e comparsas fazem propagandas.
Na rádio existem programas específicos para o carnaval e o mesmo é transmitido
ao vivo com comentários e entrevistas principalmente aos diretores das murgas e
comparsas, é realizado um resgate histórico e vêm a tona nomes históricos do carnaval,
a televisão relembra carnavais de antanho, principalmente os do inicio da década de 80
(entre 1980 e 1986), além de montar todo um aparato de transmissão direto do Teatro
de Verano para a transmissão das apresentações, das quatro apresentações por noite só
as duas últimas são transmitidas. As empresas de ônibus transportam as murgas
gratuitamente em troca de propaganda na apresentação das murgas. O carnaval vem a
cada ano ganhando um espaço ainda maior, pois uma pessoa que se identifica como
Croata112
disponibiliza no site de vídeos youtube todas as apresentações da liguilla na
íntegra, desta forma os uruguaios que moram no exterior e quem não pode por algum
motivo ir até o Teatro de Verano ver as apresentações pode vê-las na internet.
Os jornais dedicam páginas inteiras ou cadernos especiais para o carnaval, tanto
na sua versão impressa como eletrônica, inúmeros sites destinados ao carnaval
promovem debates e entrevistas entre pessoas que acompanham o carnaval. Jornalistas
que durante o ano tratam de outros assuntos no carnaval se voltam inteiramente a sua
transmissão, o jornal da DAECPU, Mdiario del Carnaval, passa a ser diário durante o
carnaval e continua com sua distribuição gratuita. O Mdiario del Carnaval começa a
apresentar um resgate histórico meses antes, com histórias de carnavais passados,
costumes que não existem mais, pessoas destacadas do carnaval, todos os temas
111
Ritmo característico da murga que ganhou esse nome porque a murga se locomovia de um lugar para
outro em um caminhão, camión em espanhol, então o ritmo ganhou o nome de Marcha Camión conforme
encontramos em Remedi (2011). 112
Noticia disponível em http://carnaval.elpais.com.uy/un-croata-en-el-carnaval-uruguayo
139
envolvidos ao carnaval são expostos. Assim como um grande debate com o regulamento
atual, que apresenta poucas mudanças de um ano para outro. Os jornais também servem
como respostas dos protagonistas do carnaval quando recebem criticas.
Os sites de relacionamento são um importante veículo de comunicação das
agremiações com seu público As redes sociais também jogam um papel bastante
importante na forma de comunicação das murgas com seu público, é nas redes que as
murgas avisam data de apresentações locais, opiniões sobre as rodadas do concurso,
acontecimentos referentes às murgas e é onde a torcida dá apoio servindo como um tipo
de termômetro. Também podemos obter informações sobre material de merchandising
das murgas; a comunicação mais “formal” ocorre através dos sites, onde as murgas
colocam a disposição as suas letras, o nome dos integrantes, a história, as novidades e
outras informações da murga.
Nos fóruns de debates dos sites de relacionamento fica mais claro o porquê de
um determinado público se identificar com determinada murga, ali na tentativa de
prever quem irão ser os melhores, cada torcida usa seus argumentos para defender a sua
murga, mesmo que fique visível que tecnicamente a murga não preenche os requisitos
para ser campeã naquele ano. Durante a apresentação no teatro de verão a murga La
Gran Siete levou um público médio, não lotando o Teatro de Verano, no mesmo dia se
apresentou a murga Falta y Resto. No site de relacionamento Facebook, localizamos as
páginas de todas as murgas da liguilla e das murgas jovens assim como de murgas do
interior, também localizamos todas as comparsas do desfile oficial e também as
comparsas que ainda não atuam na competição, como por exemplo, a página da
comparsa do bairro Villa Española, a qual vimos por diversas vezes, por estar situada
perto do local, onde estávamos hospedados. O Facebook tornou-se uma ferramenta de
comunicação imprescindível para as agremiações carnavalescas pela quantidade de
pessoas que a utilizam e muitos seguidores das murgas colocam como suas fotos de
perfil os símbolos das murgas, acompanham todos os comentários na página da murga,
algo similar com o que ocorre com as páginas referentes a futebol no Uruguai, para
Alfaro (1991) o carnaval, o futebol e a política formam a tríade que apaixona os
uruguaios, o mesmo é verificado em Achugar (1994).
140
5.1.5 MUSEU DO CARNAVAL
Um dos pontos mais importantes durante a observação foi à visita ao museu do
carnaval, inaugurado no ano de 2006 depois de mais de 20 anos de planejamento para
que houvesse este espaço de resgate e salvaguarda da memoria carnavalesca
montevideana. Para González113
a principal importância e função do museu é ser um
espaço cultural aberto seus mantenedores são: a prefeitura de Montevidéu, o MINTURD
e a ANP sigla da Administração Nacional de Portos e a sua gestão fica sob-
responsabilidade é da Corporação Nacional para o Desenvolvimento, portanto a gestão é
privada, pois desta forma se acredita que as decisões que precisam ser tomadas de forma
mais ágil o sejam.
FIGURA 42: LOGO DO MUSEU DO CARNAVAL
FONTE: GOOGLE IMAGENS
O museu do carnaval recebeu em 2009 o VI Premio Internacional Reina Sofía de
Conservación y Restauración del Patrimonio Cultural, que é concedido Agência
Espanhola de Cooperação Internacional para o desenvolvimento que atende pela sigla
AECID114
. Conforme a endereço eletrônico do Museu a principal motivação para a
existência do museu é que a sociedade montevideana participe do carnaval como
antigamente assim a festa seria novamente e essencialmente o pulsar da sociedade. Ele é
considerado por muitos como o principal.
Na visita ao museu se pode observar diversas mostras de vestimentas, fotos,
maquetes, uma sala interativa e o tablado que fica aos fundos do museu, todos estes
elementos juntos dão uma visão geral do carnaval montevideano desde suas origens até
os dias atuais. Quando da observação se comemorava os 30 anos da murga Falta y
113
Informacao disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-turistico/ 114
Informacao disponível em http://www.larepublica.com.uy/comunidad/360745-museo-del-carnaval-
gana-el-premio-reina-sofia
141
Resto um dos expoentes carnavalescos da época da ditadura. Duas das atividades
principais do carnaval se referem a trazer de volta a cultura do tablado barrial ou seja,
aquele feito pelos próprios moradores e a mostra itinerante da história do carnaval que
leva para o interior do país a cultura carnavalesca com o fim de torná-la uma cultura de
todos os uruguaios.
FIGURA 43: ENTRADA MUSEU DO CARNAVAL
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 44: MUSEO DO CARNAVAL
FONTE: ACERVO PESSOAL
142
FIGURA 45: MUSEU DO CARNAVAL
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 46: MUSEO DO CARNAVAL
FONTE: ACERVO PESSOAL
143
FIGURA 47:MUSEO DO CARNAVAL
FONTE: ACERVO PESSOAL
Ao lado do museu do carnaval estrategicamente, fica o serviço de atendimento
ao turismo onde obtivemos um mapa da cidade e um folheto explicativo do carnaval, no
atendimento não havia ninguém que falasse outra língua a não ser o espanhol e as
atendentes eram funcionárias públicas, conheciam bem a cidade e conseguiam dar
explicações exatas de como o turista pode se locomover pela cidade, também tivemos
informações sobre as apresentações do carnaval. Durante a observação tivemos um
acesso facilitado aos espetáculos já que estes são divulgados, pelos jornais e também
pelas páginas de internet dos próprios tablados, radio, tv, facebook, ou seja, fica
praticamente impossível se manter afastado do carnaval durante uma estada em
Montevidéu durante o mês de fevereiro.
FIGURA 48: FOLHETO EXPLICATIVO SOBRE O CARNAVAL
144
FONTE: ACERVO PESSOAL
FIGURA 49: MUSEU DO CARNAVAL
FONTE: GOOGLE IMAGENS
FIGURA 50: MUSEU DO CARNAVAL
FONTE: GOOGLE IMAGENS
145
5.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Para a análise dos dados coletados faremos uma conexão entre o marco teórico,
a observação participante e as respostas obtidas através do questionário respondido por
participantes do carnaval. Busca-se através, destas informações, a conformidade para
uma análise do assunto abordado neste trabalho. Para tanto, a partir desta conexão, entre
os temas, foi dada a ocasião para a análise do carnaval de Montevidéu como produto
turístico. As variáveis nesta análise são: I – Identidade montevideana; II – Carnaval
como produto turístico; III – Carnaval como manifestação cultural; IV – Construção do
patrimônio através do carnaval
Na primeira variável analisada, a identidade montevideana, procurou-se
compreender como os participantes do carnaval vêem a sua própria identidade.
Analisou-se, para tanto, a identidade através do olhar de Alfaro (1991) para quem a
identidade é a resultante de um sistema de símbolos gerados pelo processo constante de
necessidade da identificação de uma sociedade. Alfaro (1991) continua opinando que no
carnaval a sociedade se vê e desta forma constrói um “ser coletivo”, fazendo do
carnaval um espaço identitário da cidade e do país. O carnaval como produto turístico é
a segunda variável apresentada, onde se buscou analisar como os respondentes vêem o
carnaval de Montevidéu como produto turístico, assim conseguimos a ótica daqueles
que vivenciam o carnaval participando da manifestação, assim chegamos a Pizano
(2004) para quem os que mais “sofrem” a utilização do carnaval como produto turístico
e seu possível esvaziamento como manifestação cultural são os autóctones das regiões
visitadas pelos turistas em busca desta manifestação.
Na terceira variável, analisou-se o carnaval como manifestação da cultural
montevideana com a finalidade de verificar as construções da sociedade que levaram o
carnaval a ser considerado uma das máximas manifestações culturais da sociedade
montevideana, a partir das representações simbólicas que se encontram no carnaval,
como vemos em Alfaro e Cozzo (2009). Trataremos aqui a manifestação cultural, não
só como construção da sociedade, mas também como um lugar de memória como o
entende Alfaro (2009). Finalizando, analisou-se a variável sobre a construção do
patrimônio através do carnaval, desta forma buscou-se entender como o processo de
estruturação do patrimônio se potencializou através do carnaval, para uma melhor
146
compreensão da análise utilizou-se o conceito de Iniesta (1990 apud Santana 1997),
para quem o patrimônio resume os símbolos construídos por uma sociedade o que torna
o carnaval a materialização deste patrimônio. A partir disso, dá-se início a análise.
5.2.1 IDENTIDADE MONTEVIDEANA
Para chegar ao objetivo geral deste trabalho partiremos da construção da
identidade montevideana, pois se entende que esta é um sistema de símbolos que se
materializa no carnaval, que é entendido como uma forma de comunicação, entre outras
coisas, a identidade conforme Alfaro (1991). Analisar a identidade montevideana, a
partir de dados coletados com os próprios montevideanos é uma forma de analisar um
momento do processo permanente da construção da identidade, pois assim ela é
entendida por Hall (2006), como uma constante construção do que se pode ser que
influencia e é influenciada pelo momento que vive a sociedade que a cria.
Para os três respondentes os elementos que mais caracterizam o montevideano
são o gosto pela crítica, à política e o futebol, o reunir-se com amigos, sendo que esta
reunião pode ter diversas finalidade e motivações. Porém, os mesmo sujeitos dizem que
nestes encontros nunca vai faltar o mate, o vinho e os cigarros. Há também o momento
de crítica, cujo alvo é geralmente os governantes e a atual política do país e da cidade.
Esta fala nos remete tanto a Alfaro (1991) para quem as paixões nacionais são o futebol
a política e o carnaval. Com isto, pode retomar ao carnaval de Montevidéu no ano de
2011 onde se observou que a crítica é uma parte essencial do carnaval, principalmente
das murgas, pois sendo o carnaval uma forma de comunicação como o dizem Remedi
(2001) e Alfaro (2009) o carnaval somatiza as expectativas da sociedade em torno das
ações do governo lembrando-os das suas promessas e criticando as falhas
governamentais.
Os respondentes 1 e 3 referiram-se a imigração como outra questão fundamental
no momento de análise da sociedade montevideana, pois os imigrantes trouxeram sua
bagagem cultural o que resultou em uma identidade fruto do hibridismo da união destas
culturas imigrantes. No marco teórico resgatamos a questão da imigração na identidade
uruguaia em Darcy Ribeiro (1970 apud Achúgar, 1994) que chamou a sociedade
147
uruguaia de “povo transplantado”, sendo que para Alfaro (2009) um ponto de encontro
das principais imigrações espanhola, italiana e africana ocorreu nos cortiços de
Montevidéu.
Outro fator citado pelos três respondentes e que vai de encontro com o que se
apresentou neste trabalho, no que se refere à identidade uruguaia é a questão do
negativismo ou de uma nostalgia disfarçada de que houve tempos melhores que os de
agora, o que gera uma crença de uma crise constante em todos os âmbitos do país, fato
que se verifica em Achúgar (1994), pois para este, a crise surgida nos anos 1960 e que
posteriormente levaria a instauração da ditadura que gerou esse negativismo que passou
a ser uma marca registrada do uruguaio e mais propriamente do montevideano. Durante
a observação participante, verificou-se nas visitas as apresentações das murgas, que
durante os cuples, diversas murgas se referiam ao Uruguai como paisito, expressão
ouvida diversas vezes independente do tablado ou da murga, o que para Achúgar (1994)
é fruto da questão de auto complacência que a sociedade tem consigo mesma.
A questão de fazer ou de atuar em grupo é uma questão levantada por Alfaro
(1991) quando cita que o uruguaio é um apaixonado pela música e principalmente por
cantar em grupo, isto se verificou durante a observação, pois no concurso oficial ou nos
desfiles de llamadas, cada intervalo das apresentações, grupos entoavam as músicas da
sua agremiação favorita e ritmavam a música com instrumentos imaginários.
Os três respondentes também citaram a construção da identidade afro como uma
determinante da construção da cultura montevideana, pois para estes a cultura afro
demarcou territórios, que são chamados de “barrios de negros” Ainda na questão do
bairro de origem, nas llamadas é constante a lembrança dos bairros Sur, Palermo e
Cordón, dos cortiços, dos cidadãos ilustres destes, a identificação rítmica do bairro
ocorre através do toque de cada comparsa, o que a respondente 2 chamou de
“identificação pelo toque”, e isto foi constatado durante a observação pois quando dos
toques de candombe no fim de semana os toques eram reconhecidos pela sua diferença
rítmica que define o bairro, agrupando as pessoas em torno do seu “toque” preferido.
Viu-se durante a observação e também se constata na descrição do carnaval de
2011, pois é notório para quem visita a cidade e participa do carnaval, a questão trazida
por todos os respondentes ao que se refere a uma identidade barrial, ou seja, a
manifestação da identidade construída no bairro no qual se nasce ou se vive, constatou-
se isto nas apresentações das murgas que saúdam o seu bairro de origem nas suas
148
apresentações, fazendo referência, também, ao bairro onde ensaiam e como se verificou
outras levam o próprio nome do bairro no nome.
O bairro é essencial na apropriação da identidade para os afrodescendentes, o
bairro funciona como a representação do processo histórico destes em Montevidéu.
Através do marco teórico, resgatou-se que a questão da identificação com o bairro, para
os afrodescendentes, vem das épocas coloniais como encontramos em Carambula
(1985) tornando-se referência para os afrodescendentes. O que é concomitante com o
que se viu em Alfaro (1991, p. 146) que chama isto de “fixação topográfica do
candombe”, o que serve de base para a construção da identidade de alguns bairros.
Porém encontra-se em Olaza (2009) que, hoje em dia, devido a diversas influências
externas os tocadores mais experientes já têm certa dificuldade de reconhecer o toque,
pois acreditam que, ocorre atualmente, uma inserção de outro ritmo, a cumbia, o que
estaria desconfigurando tanto o toque quanto a dança do candombe.
Para o respondente 1 a construção da identidade afro teve seus momentos mais
marcantes vinculados ao carnaval, sendo que em um primeiro momento, os
afrodescendentes começaram a ser inseridos nas agremiações carnavalescas para
posteriormente fazer parte do carnaval através das suas próprias agremiações, fato que
se iniciou a partir do final do século XIX como viu-se em Carambula (1985). Para o
respondente número 2, a maior contribuição dos afrodescentes para a identidade
montevideana foi, além da rítmica considerada pelos 3 respondentes como o ritmo de
Montevidéu, mais além do tango, a cultura do “fazer em grupo”, o que ficou evidente na
época dos cortiços como vimos em Alfaro (2009), além disto os três respondentes são
unánimes em afirmar que o fato dos locais dos antigos cortiços serem, agora,
considerados lugares de memória e lugares que marcam a história da cidade dá um
sentido material a identidade provendo a mesma de sentimentos.
5.2.2 CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO ATRAVÉS DO CARNAVAL
Analisou-se nesta variável como se constrói o patrimônio através do carnaval de
Montevidéu na ótica dos respondentes, a forma como ele se apresenta e como é visto
pelos montevideanos.
149
Para o respondente 1 o fato do candombe ter sido escolhido patrimônio imaterial
da humanidade demonstra a importância da construção patrimonial da cultura
montevideana a partir do processo histórico construído pelos afrodescendentes na
cidade. Pois, para este, nem toda a construção material ou imaterial de uma sociedade
pode ser considerada patrimônio se não tem uma fixação no tempo, ou seja, não
demonstre uma determinada etapa de um processo de construção da tríade memória,
identidade e cultura. O respondente continua expondo que a construção do patrimônio,
por partir de uma sociedade, ou seja, sendo um processo em permanente construção, se
salvaguarda a partir da sua função como patrimônio, esta afirmação resgatou-se em
Arévalo (2010) para quem a nominação de patrimônio tem dois valores, sendo que, o
valor de uso do patrimônio salvaguarda a identidade e, portanto permite a permanente
construção do patrimônio.
Já para a respondente numero 2, o patrimônio seria um insumo de informações
para o carnaval e vice versa, verifica-se, então que temos um processo de
retroalimentação, onde os dois são dependentes um do outro. Para este respondente, a
construção do patrimônio através do carnaval, tem um viés educativo, pois é uma forma
de garantir que a história seja repassada por aqueles que são responsáveis (legais) por
salvaguardar o patrimônio, ou seja, teríamos uma forma de resgatar e de salvaguardar
aquilo que faz parte do patrimônio e que não havia sido preservada. Desta forma,
chegamos a Santana (2003) que cita as políticas de salvaguarda do patrimônio como
forma de preservar a identidade. Durante a observação, viu-se, os diversos cartazes onde
se informava do candombe como patrimônio e, como se verificou na visita ao museu do
carnaval, existe uma preocupação de comunicar a patrimônio através de oficinas de
candombe dentro e fora do Museu e também através do resgate de práticas como os
corsos barrias e os tablados de bairro construídos pela própria sociedade.
Para os respondentes 1e 3, o carnaval, a sua forma, representa a identidade
montevideana fielmente, não só nas llamadas, que abarcam o candombe. Para estes o
carnaval como um todo deveria ser considerado patrimônio já que, na história do
carnaval, estão expressas as alterações que a sociedade montevideana viveu desde o
século XVIII e, portanto, o carnaval serviu como uma forma de comunicação da
identidade montevideana, o que construí o patrimônio da cidade. Estes respondentes,
portanto, entende que o candombe, faz parte de todo um processo histórico e não
somente dos processos da sociedade afrodescendente Estas opiniões vão de acordo com
150
o que foi mostrado por Arévalo (2010), quando este diz que a memória de uma
sociedade, fica intrínseca na construção do patrimônio, pois esta memória serve como
uma forma de resgate do passado no presente para dar um valor a este último. Portanto,
partindo da lógica que o carnaval, considerado no seu todo, é um lugar de memória
como vemos em Alfaro (2009) todas as manifestações, que estão concentradas no
carnaval, poderiam ser consideradas patrimônio.
Os respondentes são unánimes em afirmar que o carnaval é uma forma de
comunicação da identidade assim reafirmando-a e desta forma tornando-se a si próprio
patrimônio já que ele salvaguarda a identidade da sociedade e encerra em si diversas
manifestações que comunicam a identidade de diversas formas por isso o carnaval vai
além de uma manifestação cultural tornando-se instrumento fundamental identitario de
uma sociedade que se vê todo fevereiro diante de um espelho, chegamos assim a
opinião de Arevalo (2009) para quem o carnaval, a partir de toda sua simbologia,
comunica cultura, identidade e memória, tornando-se, portanto, patrimônio.
Os respondentes também fizeram menção, a revaloração da identidade através
do turismo. Para o respondente 2, a materialização desta revaloração passa sem exceção
pelo Museu do Carnaval, a partir do seu trabalho de resgate da história do carnaval, e
portanto, transformado em um museu de memória. Esta opinião é concomitante com o
que viu-se durante a observação ao Museu do Carnaval, pois este cumpre um rol
importante no resgate da história do carnaval, através de um trabalho árduo por parte de
historiadores que trabalham no museu com o intuito de resgatar histórias e elementos
que não fazem mais parte do carnaval e rememorá-los. Verificou-se, também, durante a
observação, que uma das funções do Museu do Carnaval é aumentar a participação da
sociedade no carnaval, portanto desta forma fortalecer a identidade do carnaval.
5.2.3 CARNAVAL COMO PRODUTO TURÍSTICO
Para o respondente 3 as políticas públicas não tem sido efetivas na forma de
transformar o carnaval em um produto turístico, o que efetivamente é, para este
respondente é uma forma de comunicação da cultura através de um patrimônio.
Portanto, sua venda como produto turístico teria que ser mais fortemente baseada na
151
construção patrimonial da sociedade montevideana. Este respondente, continua,
afirmando que as estatísticas de turismo do MINTUR, consideram os uruguaios que
moram no exterior turistas, porém, acredita, que estes devem ficar fora das estatísticas
ou entrarem em uma nova estatística, pois para este não teríamos o turistas descobrindo
uma nova cultura e sim teríamos um uruguaio que por diversos motivos mora no
exterior e vem visitar a sua família e se “sentir em casa” novamente. Como se verificou,
nos dados informados pelo MINTUR (2010), os uruguaios residentes no exterior são
contabilizados em separado, porém na finalização de números de visitantes, estes
aparecem como turistas. Durante a observação participante conversamos com muitas
pessoas nesta condição, uruguaios que emigraram na época da ditadura e não
retornaram, como o caso de uma professora que mora na França desde 1981 e o caso de
um advogado que se formou e foi estudar no exterior conseguiu um trabalho e fixou
residência na França onde já tem dois filhos. Sendo assim, o respondente 3, acredita que
não se pode medir a verdadeira afluência de turistas estrangeiros, considerando-se estes
aqueles que não tem origem no Uruguai, que participam do carnaval.
Para o respondente 2 existe uma dificuldade de comunicação muito grande no
que se refere as murgas, pois “la gracia” do espetáculo está, justamente, no seu
conteúdo comunicacional e, para ser vendido como um produto turístico, teria que
passar por um processo de adaptação, o que esvaziaria o conteúdo murguista, este
respondente acredita que as murgas já estão passando por um processo de esvaziamento
pelo fato da profissionalização e o turismo só viria agravar esta situação. Portanto,
acredita que deveria existir uma salvaguarda também para as murgas, já que estas são
consideradas de interesse nacional para o país, mas ainda não são consideradas
patrimônio assim como o candombe. Este processo de esvaziamento, como se verificou,
foi analisado por Calle (2006) é nela se encerra a relação conflitiva entra o turismo e
patrimônio, onde inserimos o carnaval, porém este esvaziamento, que para muitos se
reflete nas vestimentas e em todo o processo de aprimoramento do carnaval é um
processo que vem ocorrendo gradativamente como se observou na visita ao museu do
carnaval.
O respondente 2 ainda afirma que as llamadas tem uma facilidade maior de
serem entendidas e, portanto, com um maior apelo para serem utilizadas como produto
turístico, o que não torna o carnaval como um todo um produto turístico. Isto foi visto
durante a observação, pois enquanto nos desfiles de llamadas e toques de candombe
152
havia um grande numero de estrangeiros fotografando, filmando, ou seja, interagindo de
certa forma com os integrantes das comparsas, nas apresentações das murgas era
incontável a quantidade de uruguaios que moram no exterior que estavam presentes nas
apresentações sendo, na sua maioria, os países de residência a Argentina, Espanha e
Estados Unidos. Recorda-se que para Alfaro (1991) o carnaval é um lugar de memória,
ou seja, mostrando um histórico sócio-cultural de uma sociedade ele tanto tem um apelo
turístico, como é uma forma de resgate da memória para quem, apesar de não residir
mais no país, se sente parte da sociedade.
O respondente 1 acredita que o carnaval do Montevidéu tem uma “fuerza” como
produto turístico que ainda não foi bem trabalhada em nenhum momento pelas políticas
públicas, que recém, a partir da primeira gestão do então presidente Tabaré Vasquez,
passa a ser visto com uma potencialidade turística que até então não tinha sido
trabalhada, aqui a respondente faz uma separação entre divulgação do carnaval no início
do século XX, como vimos pelos pôster anexados ao trabalho, e utilização do carnaval
como produto turístico em si, o fato de, no início do século, o carnaval ser trabalhado
como produto turístico apenas na Argentina não o torna, para a respondente um produto
turístico em si desde o início do século. Como se viu, o carnaval continua sendo
divulgado especialmente na Argentina, onde o MINTUR lançou sua campanha turística
para o carnaval, pois o ministério acredita que pela facilidade idiomática o carnaval
seria mais bem entendido, em todas as suas formas de apresentação, pelos argentinos.
Os três respondentes, também acreditam que alguns elementos que não
pertencem ao carnaval uruguaio desconfiguram a identidade nele apresentada, como a
inserção de escolas de samba e principalmente das vedetes nas llamadas, porém, como
se viu anteriormente, sempre houve dançarinas de destaque como Rosa Luna, Martha
Goulart e Lágrima Rios, porém estas eram da comunidade onde se originavam as
comparsas e eram afrodescendentes. Agora, como se verificou nos desfiles das
llamadas, modelos tomam o lugar das representantes das comunidades e em nada
lembram as antigas dançarinas na forma da dança ou nas vestimentas, já que prefere um
estilo muito parecido às rainhas de bateria das escolas de samba do Rio de Janeiro
informação corroboradas por Olaza (2009).
As opiniões são iguais, também, no que concerne ao carnaval como produto
turístico, pois para estes o atrativo em si não é o carnaval e sim a construção deste a
partir da sociedade, pois é um carnaval feito por afrodescendentes e por um discurso
153
europeu em uma só cidade, o que o torna único, pois não é só uma forma de
manifestação, como ocorre no Rio de Janeiro, onde o produto é o desfile, para estes o
carnaval de Montevidéu, tem as llamadas, murgas, parodistas, humoristas, revistas e os
corsos vecinais (estes não fazem parte do concurso). Para a respondente 2, o fato da
utilização do carnaval como produto turístico, pode sofrer uma adaptação para se tornar
um pouco mais entendível, porém tem que ser criado um limite para não perder “lo
genuíno” do carnaval.
Para o respondente 3 o panorama atual da utilização do carnaval, como produto
turístico, mudou as práticas sociais que se viam no carnaval, porém como viu-se em
Alfaro (2008) isto ocorre desde o final do século XIX com o início do disciplinamento
do carnaval por parte das políticas que, tinham como objetivo, tornar o Uruguai um país
civilizado a partir da sua opinião de civilidade. Um ponto positivo que este respondente
assinala, a partir do uso turístico do carnaval, é a fixação de horário, itinerários dos
desfiles e outros elementos que normatizaram o carnaval. Para o respondente 2, o
carnaval pode ser um “chamativo” turístico, porém não o produto em si, o que pode ser
realizado, em seu entendimento, através das políticas públicas, é uma união entre a
venda da cidade como produto turístico e o carnaval como um dos elementos deste
produto turístico porém não como produto em si. Como o carnaval tem a duração de 45
dias, em média, por ano, os turistas teriam como participar do carnaval e conhecer a
cidade e seus atrativos, potencializando o turismo urbano.
A falta de uma política pública, consistente, é um ponto sinalizado pelos
respondentes 1 e 2, como sendo o maior entrave tanto para o turismo na cidade como
para a utilização do carnaval como produto turístico. Verificou-se durante a observação
que muitos dos turistas que estavam assistindo ao desfile das llamadas souberam do
carnaval ou do candombe, que é o principal foco para quem é estrangeiro através de
contato com uruguaios que moram no exterior ou após este ter sido escolhido
patrimônio da humanidade. Como se viu, não foi verificado no material divulgado pelo
MINTUR, alguma ação de divulgação do carnaval com um forte apelo turístico,
verificou-se que estas divulgações têm mais um viés explicativo sobre o carnaval.
5.2.4 CARNAVAL COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL
154
Para o respondente 1 o carnaval demonstra uma trama cultural que une diversas
maneiras de ver e de se comunicar com o mundo, pois sendo a sociedade uruguaia e
montevideana, fruto de emigrações e do encontro destas com os autóctones, ela é o
resultado de um processo de hibridismo que sempre está se modificando, pois a
sociedade se modifica a partir de mudanças externas e internas. O respondente 2 cita
que deve-se levar em conta todo o processo de construção do carnaval e não seu fim,
que é a parte da manifestação que fica visível para a utilização como produto turístico.
Para este, a manifestação se inicia, e cita como exemplo, desde a fabricação dos
tamboriles das comparsas, a confecção das lonjas, no processo de criação da letra da
murga, seus ensaios, continua este, dizendo que o carnaval pode sim, ser considerada a
máxima mostra de identidade dos montevideanos, porém não do Uruguai, sendo o
carnaval o produto de um “sentir coletivo”, termo utilizado, também, por Alfaro (1991),
que provem da identidade da sociedade montevideana. Como se verificou
anteriormente, o carnaval de Montevidéu é considerado uma manifestação cultural
única e com uma forte expressividade identitária para o MINTURD, como vimos em
Kitchichian (2011).
Para o respondente 2 as murgas e as llamadas são, por si, manifestações
culturais mesmo se não participassem do carnaval, pois se tornam uma maneira de
comunicação do povo para o povo, o carnaval fez com que estas duas manifestações
tivessem seu “momento” durante o período de carnaval, este continua dizendo que o
processo do candombe como construção simbólica e manifestação cultural é um
processo de hibridismo que continua em nossos dias, pois cita que primeiramente existia
o ritmo, depois ocorreu o sincretismo de datas comemorativas, tornando-se o dia de
Reis o principal, depois para participar do carnaval vieram as comparsas e por última as
llamadas que materializam o que é considerado símbolos dos afrodescendentes
tornando-se a máxima manifestação da cultura dos afrodescendentes no Uruguai, estes
processos das llamadas foi resgatado em Carambula (1985) e Chirimini e Varese
(2000).
Para o respondente 3 a manifestação cultural do carnaval tece uma trama entre
uma cultural da cidade e uma cultura do bairro, que seria um dos elementos da cultura
da cidade, cada bairro tem sua identidade e constrói sua cultura, ou seja, alguns bairros
tem mais um viés cultural “candombero” e outros “murgueros”, outros nem um nem
outro, mas nenhum tem os dois explicitamente. O que vemos no carnaval para este
155
respondente são as construções culturais de cada bairro, pois que tem o estilo do bairro
de La Teja não vão cantar ou ter o mesmo processo de construção da apresentação do
que das murgas de La Únion, como vimos em Lamolle (2005), e mesmo as murgas
jovens que costumam não se vincular com nenhum dos dois estilos se identificam com
algumas questões que são importantes para os participantes da mesma e para seu
público.
Uma manifestação cultural, para o respondente 1, parte do principio de
comunicar uma cultura, uma identidade e materializar e os simbolismos de uma
sociedade, sendo assim a manifestação não é estática se modifica conforme a sociedade
que a cria, desta forma o carnaval sofre as alterações que a própria sociedade
montevideana sofre a as comunica, durante a observação escutamos diversas vezes que
alguns tamborileros estavam tocando como “cumbieros” e as dançarinas incorporavam
ao baile passos de “cumbia” observamos que a idade destes integrantes não chegava,
aparentemente, aos 30 anos, sendo então o ritmo musical mais escutado por este como
foi corroborado por Olaza (2009).
Os três respondentes foram unánimes em afirmar que o processo ditatorial do
Uruguai mudou a idéia do carnaval como manifestação cultural, pois desta forma o
carnaval sofre o que foi chamado de “tate quieto” por parte da ditadura, porém isto lhe
deu forças para ser, o que o respondente 3 chamou, de máxima expressão cultural
montevideana no momento em que se potencia.
A murga utiliza o seu poder comunicacional ao ser uma ferramenta de critica ao
governo, como vimos em Remedi (2001) a ditadura ao tentar alterar a mensagem do
carnaval potencializou a reunião social em torno ao carnaval. Durante a observação uma
das histórias que escutamos nos situava no ano de 1979 quando o desfile de llamadas
surpreendeu a segurança militar e as comparsas subiram as ruas adjacentes até a
Avenida 18 de Julio como uma afronta ao que vinha ocorrendo com a população
afrodescendente nos cortiços, Rosa Luna abriu caminho entre os militares e gritava
mandando os seguranças saírem da frente das comparsas dançando e entrando por meio
da segurança que se viu obrigada a sair, frente aquela multidão que vinha subindo até a
Rua 18 de Julio.
Ainda na questão da ditadura, o respondente 1 cita que a identidade da murga foi
alterada dentro do processo ditatorial e portanto alterou a manifestação como um todo,
fazendo surgir dois tipos de murgas, uma com mais tendência para o humor em si e
156
outros usando a crítica para se posicionar contra o governo, isto também teria ajudado a
fundamentar o carnaval como máxima manifestação cultural da cidade ao criar um
contraponto ao oficialismo reinante, quando da volta a democracia o carnaval continuou
com seu rol de comunicar porém com um teor crítico menor do que aquele que possuía
no tempo da ditadura, esta opinião também foi vista em Viñoly e Paraskevaidis (2009).
Para o respondente 1 os afrodescentes tiveram um papel muito importante no
fortalecimento do carnaval como manifestação cultural já que a partir da ditadura, para
este respondente os afrodescendentes foram os que mais sofreram com a ditadura e o
carnaval serviu como uma maneira de fortalecer as manifestações afro, durante a
observação escutamos diversas músicas da época ditatorial que são hinos da cultural
afro até os dias atuais.
157
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O carnaval como um todo, mostra a identidade construída através de processos
históricos que confluíram nesta manifestação, isto foi levado em consideração na hora
de construir as variantes que nortearam a análise dos resultados, pois não há como
desvincular os processos que deram origem ao carnaval com a sua utilização como
produto turístico.
Sob a ótica do carnaval, este construído a partir das representações da
identidade montevideana, viu-se que esta é representada no carnaval, construindo um
sistema de símbolos que leva a sociedade a participar do carnaval para ver-se e ouvir-se,
desta forma comprovou-se que o que se vê nas agremiações estudadas é fruto da
sociedade que as constroem, com suas mudanças e seus resgates, assim as agremiações
vão se adequando ao momento atual da sociedade, viu-se também que esta identidade é
uma força do carnaval, pois este se torna lugar de memória para a sociedade, pois os
autóctones contam histórias do carnaval como pano de fundo para as suas vidas.
Portanto, tem-se uma manifestação construída a partir das relações intrínsecas entre a
sociedade, seu meio, suas construções simbólicas e sua memória.
A partir disto, observou-se que a construção do patrimônio ocorre através da
tríade memória, identidade e cultura que se materializam no carnaval e o utilizam como
uma forma de comunicação deste patrimônio. Constatou-se que cada uma das
agremiações formata-se como patrimônio, não só pela tríade mostrada, mas também a
partir da sua contribuição para o momento atual, justamente por rememorar o seu
próprio histórico dentro da sociedade. Histórico este que é resgatado pelas diversas
práticas que começaram a surgir como uma forma de revalorização da memória e, em
último caso, do patrimônio. Este resgate passa pelas políticas públicas que cada vez
mais focam na sociedade o resgate do seu próprio patrimônio.
Sob o olhar do turismo verificou-se que o MINTURD e a Prefeitura de
Montevidéu através de diversas ações, têm projetos para tornar o carnaval um produto
turístico da cidade mais atrativo do que ele é atualmente, e para isto utiliza como base a
identidade cultural que nele se encerra, o que o tornaria um produto único para ser
vendido no exterior, isto depende mais da divulgação do carnaval em outros mercados
além da Argentina, pois Montevidéu ainda depende fortemente dos turistas argentinos.
158
Existem diversas discussões em torno à utilização do carnaval de Montevidéu
como produto turístico, principalmente o seu possível esvaziamento simbólico devido a
esta utilização. Porém, o turismo é visto também como uma forma de resgatar práticas
carnavalescas, não vistas atualmente, mas que ajudariam a afirmar ainda mais a
identidade local. O resgate destas práticas já inexistentes no carnaval passa
obrigatoriamente por projetos como o Museu do Carnaval que tem um trabalho
fundamental no resgate destas práticas e de involucrar parte da sociedade, que não
participa mais da manifestação, para que estes ajudem a construir o carnaval e se vejam
nele. Viu-se que o Museu do carnaval é uma das pontas das políticas públicas postas em
ação para que o carnaval se torne um produto turístico vendido em diversas partes do
mundo.
Sobre os turistas que participam do carnaval verificou-se que as agremiações
carnavalescas estudadas atraem públicos diferentes devido ao seu discurso, sendo assim,
observou-se que as murgas são um atrativo para uruguaios que moram no exterior
devido a sua mensagem e as llamadas se tornam um atrativo para turistas estrangeiros
pela força identitária e por ser considerado patrimônio da humanidade. Percebeu-se que
o carnaval tem como função comunicar a identidade, através dos discursos apresentados
pelas agremiações, assim tem um grande apelo social, o que lhe vale o título de maior
manifestação social do Uruguai, o que justifica a afirmação de que o carnaval vende
mais entradas que o futebol ou qualquer outra atração cultural no Uruguai. O carnaval
de Montevidéu tem os elementos necessários para tornar-se, no que se refere ao turismo,
um referencial como produto turístico.
Desde a perspectiva do carnaval como manifestação cultural, faz-se menção a
conjuntura de elementos que constroem o carnaval como tal, pois se verificou que o
carnaval é o produto final de todo um processo que parte da construção das
representações simbólicas, passa pela sua materialização dentro da sociedade até serem
materializadas no carnaval. Viu-se que o carnaval manifesta o “ser coletivo” da
sociedade nas suas produções simbólicas e como este também manifesta o hibridismo
causado pelas imigrações que ocorreram em massa, pois nas duas agremiações
estudadas existe a manifestação das imigrações que formaram o Uruguai. Observou-se
como a manifestação engloba também as construções a partir de um nível micro da
cidade, os bairros, assim o carnaval evidencia ainda mais a sua representatividade como
manifestação cultural da cidade. Também neste aspecto viu-se como a ditadura ainda é
159
um tema doloroso para a sociedade uruguaia devido ao fato de ter interrompido um
histórico político democrático como acreditavam os uruguaios. Assim viu-se que o
resgate do histórico da ditadura passa também pelo carnaval já que no seu discurso ,esta
manifestação sofreu, lutou e venceu por ser uma manifestação fruto de uma
coletividade. Portanto, pode-se considerar que o carnaval manifesta o “ser” da
sociedade, comunicando-o para que esta veja sua própria construção.
Também se ressalta a dificuldade de um levantamento preciso da quantidade de
turistas estrangeiros e de uruguaios que retornam especificamente para participar do
carnaval. Faz-se menção também a circunstância da demora de obter uma confirmação
positiva quando solicitada uma entrevista ou o envio das respostas do questionário por
parte dos dois participantes que não nos deram retorno, o que também se tornou um
entrave para obtenção de mais dados para a análise por parte dos participantes do
carnaval, também ressaltamos a dificuldade que tivemos em obter dados em outras
oportunidades já que muitas pessoas, procuradas para participar da pesquisa, não
responderam os contatos.
Um dos fatores mais dificultosos no trabalho é a falta de estudos sobre o
turismo no Uruguai e em Montevidéu, existem dados, porém não há estudos suficientes
para que o tema seja mais profundamente explanado, não há ocorrências de estudos
históricos sobre o turismo e, as instituições de ensino no Uruguai, recém começam a
publicação de trabalhos referentes ao turismo, porém é um processo incipiente se
comparado com a produção acadêmica no Brasil. Contudo, cabe ressaltar que durante a
observação participante tivemos uma ajuda valiosa no que se refere aos participantes
das murgas, que foram de importância suprema para a coleta de dados e, em no que lhes
era possível, continuaram com a ajuda no decorrer da pesquisa, confirmando o lado
comunicativo das murgas e dos seus integrantes.
Acredita-se que seja extremamente necessário que este pesquisa continue para
que desta forma exista uma contribuição efetiva para o conhecimento do carnaval de
Montevidéu como produto turístico e para que sejam diagnosticadas as necessidades e
que, desta forma, se consiga efetivamente ajudar no processo de construção do produto
turístico.
Conclui-se que o carnaval em Montevidéu ainda tem um longo caminho a
trilhar para tornar-se um forte atrativo dentro do produto turístico de Montevidéu. A
força da sua atratividade reside nas construções identitárias que nele se encerram e que
160
acompanham os processos vividos por esta sociedade, portanto torna-se uma
manifestação cultural e um produto único desde a sua construção até o seu resultado.
161
PRINCÍPIOS ÉTICOS NORTEADORES DA PESQUISA
Com o fim de nortear esta pesquisa no aspecto ético utilizou-se o código de
Etica da ABA115
– Associacao Brasileira de Antropologia criado na Gestao 1986 –
1988, portanto temos que:
Constituem direitos dos antropólogos, enquanto pesquisadores:
1. Direito ao pleno exercício da pesquisa, livre de qualquer tipo de censura no que diga
respeito ao tema, à metodologia e ao objeto da investigação.
2. Direito de acesso às populações e às fontes com as quais o pesquisador precisa
trabalhar.
3. Direito de preservar informações confidenciais.
4. Reconhecimento do direito de autoria, mesmo quando o trabalho constitua
encomenda de orgãos públicos ou privados e proteção contra a utilização sem a
necessária citação.
5. O direito de autoria implica o direito de publicação e divulgação do resultado de seu
trabalho.
6. Os direitos dos antropólogos devem estar subordinados aos direitos das populações
que são objeto de pesquisa e têm como contrapartida as responsabilidades inerentes ao
exercício da atividade científica.
Constituem direitos das populações que são objeto de pesquisa a serem
respeitados pelos antropólogos:
1. Direito de ser informadas sobre a natureza da pesquisa.
2. Direito de recusar-se a participar de uma pesquisa.
3. Direito de preservação de sua intimidade, de acordo com seus padrões culturais.
4. Garantia de que a colaboração prestada à investigação não seja utilizada com o intuito
de prejudicar o grupo investigado.
115
Disponível em http://www.abant.org.br/?code=3.1.
162
5. Direito de acesso aos resultados da investigação.
6. Direito de autoria das populações sobre sua própria produção cultural.
Constituem responsabilidades dos antropólogos:
1. Oferecer informações objetivas sobre suas qualificações profissionais e a de seus
colegas sempre que for necessário para o trabalho a ser executado.
2. Na elaboração do trabalho, não omitir informações relevantes, a não ser nos casos
previstos anteriormente.
3. Realizar o trabalho dentro dos cânones de objetividade e rigor inerentes à prática
científica
163
REFERÊNCIAS
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recuperación de la memoria histórica: una perspectiva transversal desde las ciencias
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157 N 3, Disponivel em < http://www.uv.es/~sociolog/arxius/arxius3.pdf>. Acessado em
10 de agosto de 2010.
WHITE, Leslie. La ciencia de la cultura. Un estudio sobre el hombre y la civilización.
Colección Paidós Básica. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1982. 408 p. Disponível em <
http://books.google.com.br/books?id=I2exGV2t0AEC&dq=La+ciencia+de+la+cultura
&hl=pt-br&source=gbs_navlinks_s>. Acessado em 23 de agosto de 2010.
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ANEXO A
As questões do questionário apresentadas foram:
1. Como você descreve o carnaval de Montevidéu?
2. Qual é sua relação com o carnaval de Montevidéu?
3. Como você caracteriza a identidade do montevideano?
4. Quais os elementos desta identidade estão presentes no carnaval, na murga?
5. Como você entende o processo de formação da identidade dos afrodescendentes
no carnaval de Montevidéu?
6. Que mudanças você percebe no carnaval nas ultimas décadas? Como as
descreveria?
7. Qual a sua opinião sobre o carnaval como expressão de identidade local, e a
difusão do candombe como patrimônio imaterial da humanidade?
8. Na sua opinião, como os meios de comunicação e o turismo alteraram o
carnaval?
9. Qual sua opinião sobre o carnaval como produto turístico?
10. Você acredita que o carnaval é uma forma de comunicar o patrimônio via
promoção turística?
11. Quais são as influencias que você percebe a partir do turismo no carnaval de
Montevidéu?
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ANEXO B
Cuplê los Charruas
Composição: Yamandú Cardozo, Tabaré Cardozo e Carlos Tango
Apresentado no carnaval de ano 2010.
Acá estaban los charrúas
pura garra y corazón
puro corazón y garra
poca civilización
No te asían edificios
y ninguna construcción
no tenían calendario
no tenían plantación
Los más revolucionarios
en el plano cultural
una cuerda con un palo
era el arco musical
No tenían sacerdotes
no tenían religión
pero no tenían nada
la puta que lo pario
Pero era un pueblo muy gentil
con el que pasaba por ahí
eran modestos y educados
hicieron flor de asado cuando llego solis
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ANEXO C
Cuplê Civilizaciones Vecinas
Composição: Yamandú Cardozo, Tabaré Cardozo e Carlos Tango
Apresentado no carnaval de ano 2010.
Parecemos gente tranqui, gente atenta y servicial
pero es solo una apariencia, no se dejen engañar
somos muy educaditos con un aire intelectual
pero adentro reprimimos un asesino serial
estamos a la defensiva, con el mundo en general
pero con los argentinos, es asunto personal.
Los porteños nos adoran, pero somos gente vil
y hace tiempo los odiamos, siempre hinchamos por brasil
que envidiada vez los ves llegar
con su autito nuevo a cancherear
todo enero se te plantan
y encima nos levantan, las pocas minas qe hay
Querido hermano argentino que te encuentras aqui presente,
queremos pedirte un favor,
ahora cuando bajemos del escenario
no nos preguntes mas:
uuuhhh la murgaa, cuando tocan las llamadas?.
porque la murga no tocan las llamadas pelotudo
Uiiaah chicos, me encanto el sketch de los charruas,
pero si es un cuplé boludoo
Uiiaah que suerte arrancaron los carnavales,
Es un carnaval solo y encima larguisimo,
llueve dia por medio, la puta madre que lo pario.
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Entre Brasil y Argentina la opresion los deformo,
somos el gil de la clase
Como tienen tanta gente, y al futbol juegan mejor,
los cagamos a patadas
-A quien a los brazucas o a los porteños no me qeda claro,
a cualquiera de los dos.
Cuando llega un pobre gringo
pone un pie en la capital, lo despluman los tacheros,
pa que aprenda a respetar,
si queres llegar derecho desde el puerto al bulevard,
le hacen una ruta corta: cerro, pardo, sol y mar.
Un pais mas recentido y mas envidioso no hay,
chucaro y acomplejado, pal turismo es ideal.
Asi qe si andas pensando, en venir a veranear,
venganse con la patrona, bienvenido al Uruguay.
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ANEXO D
Saludo De La Reina De La Teja A Montevideo
Letra: José Morgade
Música: "A toi" Joe Dassin
Malvín, vieja barriada sin fin,
junto al Buceo sientan el latir
viejo Palermo, Barrio Sur gentil
esperen siempre nuestra voz
del Pantanoso con amor.
Cordón, Cerrito lindo hermosa Comercial
Reducto Franco y la Villa Muñoz,
entrelacemos el cantar
Punta Carretas se unirá.
En Carrasco será, tal vez Nuevo Paris
de que unamos el canto adquirido.
Goes, Brazo Oriental,
Capurrense feliz,
llegaremos al Sayago amigo.
Y en el Paso Molino hemos de recordar
su verde prado que nos vio pasar,
algún domingo que faltó
la chiquilina del lugar.
Llegar a nuestro hermoso grande Belvedere
la misma brisa impulsa al Cerro fiel
Villa Española, y Peñarol,
Aduana hermosa que acunó
en su pecho el soñar de aquel que al emigrar
no esperaba ser tan bienvenido.
Y a Maroñas triunfal, con la Aguada total
nuestros lazos ya están compartidos.
Borro, Piria y La Unión, Aires Puros, Colón
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Piedras Blancas sentirá el latido
por ser del carnaval...