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O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA JURÍDICA E SÓCIO-JURÍDICA NO BRASIL LUCIANO OLIVEIRA Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco JOÃO MAURÍCIO ADEODATO Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco APRESENTAÇÃO O Programa de Pesquisas sobre a Justiça Federal 1995, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, vem sendo desenvolvido pela Subdiretoria-Executiva de Estudos, Pesquisas e Informação do Centro de Estudos Judiciários. Concretizando diretrizes estabelecidas nesse Programa, o Centro de Estudos Judiciários encomendou uma série de estudos a especialistas em temas prioritários, a serem publicados na Série Pesquisas do CEJ, entre os quais a análise do estado da arte da pesquisa jurídica no Brasil, tema da presente obra. Este estudo, realizado pelos professores do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco Luciano Oliveira e João Maurício Adeodato, visa possibilitar o conhecimento sobre a produção acadêmica na área jurídica e das prioridades para pesquisa. Dessa forma, o Centro de Estudos Judiciários adquire subsídios para o norteamento de suas ações no que concerne ao aperfeiçoamento dos juízes federais e à promoção e fomento de estudos e pesquisas. 1. Introdução O debate sobre a pesquisa e o ensino jurídico já tem tradição no país, remontando a San Thiago Dantas e Rui Barbosa. A discussão permanece acesa, retornando recorrentemente. Tenta-se aqui descrever alguns problemas mais relevantes, especialmente nas últimas décadas, cuidando sobretudo das dicotomias instituições públicas versus instituições privadas, de um lado, qualificação do pesquisadorversus eficiência da administração, de outro. Após a tentativa de diagnóstico, faremos um breve histórico da subárea jurídica que mais se desenvolveu em termos de pesquisa, a área sócio-jurídica. Depois examinaremos um exemplo concreto de fomento à pesquisa, qual seja o programa de apoio à pesquisa jurídica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq, para em seguida apresentar uma descrição resumida da situação atual da área. Ao final, apresentaremos algumas sugestões. 2. Contextos Público e Privado

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O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA

JURÍDICA E SÓCIO-JURÍDICA NO

BRASIL

LUCIANO OLIVEIRA

Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco

JOÃO MAURÍCIO ADEODATO

Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco

APRESENTAÇÃO

O Programa de Pesquisas sobre a Justiça Federal — 1995, aprovado pelo Conselho da

Justiça Federal, vem sendo desenvolvido pela Subdiretoria-Executiva de Estudos,

Pesquisas e Informação do Centro de Estudos Judiciários. Concretizando diretrizes

estabelecidas nesse Programa, o Centro de Estudos Judiciários encomendou uma série

de estudos a especialistas em temas prioritários, a serem publicados na Série Pesquisas

do CEJ, entre os quais a análise do estado da arte da pesquisa jurídica no Brasil, tema da

presente obra.

Este estudo, realizado pelos professores do curso de Direito da Universidade Federal de

Pernambuco Luciano Oliveira e João Maurício Adeodato, visa possibilitar o

conhecimento sobre a produção acadêmica na área jurídica e das prioridades para

pesquisa. Dessa forma, o Centro de Estudos Judiciários adquire subsídios para o

norteamento de suas ações no que concerne ao aperfeiçoamento dos juízes federais e à

promoção e fomento de estudos e pesquisas.

1. Introdução

O debate sobre a pesquisa e o ensino jurídico já tem tradição no país, remontando a San

Thiago Dantas e Rui Barbosa. A discussão permanece acesa, retornando

recorrentemente. Tenta-se aqui descrever alguns problemas mais relevantes,

especialmente nas últimas décadas, cuidando sobretudo das dicotomias instituições

públicas versus instituições privadas, de um lado, qualificação do

pesquisadorversus eficiência da administração, de outro. Após a tentativa de

diagnóstico, faremos um breve histórico da subárea jurídica que mais se desenvolveu

em termos de pesquisa, a área sócio-jurídica. Depois examinaremos um exemplo

concreto de fomento à pesquisa, qual seja o programa de apoio à pesquisa jurídica do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq, para em

seguida apresentar uma descrição resumida da situação atual da área. Ao final,

apresentaremos algumas sugestões.

2. Contextos Público e Privado

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Se, nos níveis primário e secundário, desenvolveu-se uma rede de educação privada

relativamente eficiente, fato que ajuda a entender o descaso das elites brasileiras para

com a rede pública básica, no nível superior se gerou situação inteiramente diversa.

Aqui as melhores escolas e centros de pesquisa são custeados com recursos públicos e

sua clientela, em geral, compõe-se justamente dos egressos de instituições particulares.

Há então dois contextos distintos, o da faculdade de direito da universidade pública e o

da faculdade de direito privada, sem prejuízo de eventuais aspectos comuns.

Mesmo considerando o estado crítico da pesquisa jurídica nas universidades públicas,

nas faculdades privadas a situação pode ser ainda pior. Mas, apesar da regra, isso não

ocorre necessariamente: é possível encontrar instituições particulares, sobretudo em

estados melhor estruturados do sul do país, com nível muito acima de algumas públicas,

principalmente se estas se situam em estados carentes. Existem, então, várias exceções.

O problema é que lucro e pesquisa em direito não parecem combinar muito bem. A

pesquisa é dispendiosa, o investimento no suporte material e na formação de um

pesquisador devidamente habilitado custam fortunas, mesmo nas ciências humanas. O

empresariado, por definição objetivando lucro, precisa de um balanço positivo em sua

contabilidade. As possibilidades de lucro aumentam com a redução dos gastos e aqui

começam os problemas da chamada área de humanidades no Brasil. Com algumas

exceções, o ensino dessas disciplinas e a formação profissional na área acomodam-se a

uma infra-estrutura material mais simples e barata. A falsa idéia, extremamente

difundida, de que o mercado de trabalho para a área jurídica oferece oportunidades a

todos, faz com que os cursos de direito ocupem lugar de destaque no número de vagas

oferecidas no terceiro grau, pois a demanda social cria mercado para as fábricas de

bacharéis. Certamente sempre foi mais fácil e barato fundar um curso de direito,

tradicionalmente estruturado em aulas-conferência, cujo único material permanente é a

sala de aula e cujos materiais de consumo resumem-se a giz, quadro-negro e apagador.

Não são necessários laboratórios, computadores, estufas ou instalações especiais. Como

se fosse possível separar ensino de pesquisa. Em suma, a pesquisa não é desejável nem

necessária.

Diante dos custos, a pesquisa jurídica restringe-se praticamente à universidade pública,

vez que o mecenato privado tem pouca significação. A título de comparação, note-se

que algumas boas universidades norte-americanas, administradas pela iniciativa privada

e citadas como exemplo em todo o mundo, precisam de subsídios públicos, pois não

conseguem se manter unicamente com o auxílio do empresariado e as taxas cobradas,

por altas que sejam.

Há também notório descompasso entre a pesquisa jurídica e o estágio em que se

encontram outras ciências sociais, teóricas ou aplicadas, para não mencionar as áreas

tecnológicas e biológicas, nas quais a figura do pesquisador individualizado

praticamente desapareceu. Se se considera que, no Brasil contemporâneo, as ciências

sociais estão muito aquém das demais, uma comparação dentro do quadro geral das

ciências reduz a pesquisa do direito à situação das piores. Os cursos jurídicos mantêm

seu caráter bacharelesco, indiferentes às mudanças no ambiente e às novas concepções,

mostrando-se inadequados não apenas para explicar e transmitir conhecimentos sobre a

realidade jurídica brasileira como também na preparação do corpo discente para a vida

profissional.

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3. Qualificação do Pesquisador

Um dos grandes problemas da área é a falta de qualificação e experiência dos eventuais

candidatos a pesquisadores, amadores recrutados na advocacia privada, na magistratura,

no ministério público, muitos sem o menor preparo, tornando a pesquisa em direito uma

atividade secundária e diletante, ainda menos importante do que o já desprestigiado

ensino.

Nas faculdades de direito das universidades públicas, as quais ainda vivem as

conseqüências da política educacional dirigida pelo regime militar de 1964, vê-se toda

uma geração de professores — teoricamente candidatos naturais à pesquisa — que, com

as exceções de praxe, foi selecionada e formada em esquemas de ideologias políticas,

relações pessoais, favores e privilégios, com pouca ou nenhuma atenção para com a

qualificação profissional. Esses setores certamente não desejam nem estão preparados

para uma concorrência aberta em que se avalie a produção de resultados como critério

para distribuição dos recursos disponíveis. Seus representantes mais retrógrados lutam

inclusive contra a pesquisa e a titulação formal (!) e sentem-se ameaçados por

mestrados, doutoramentos, pesquisas, congressos e conferências de colegas mais

dispostos. Com a proteção das leis trabalhistas e do estatuto dos funcionários públicos,

não há remédio imediato contra tal situação, restando apenas vigiar para que o

contingente não se renove. Uma boa via, exigência constitucional para o Estado-

empregador, mas também útil à iniciativa privada, é o concurso por mérito.

Se nem meios simplórios de controle de qualidade foram garantidos à pesquisa jurídica,

não são de estranhar o corporativismo, o acordo silencioso entre docentes e discentes

para aprovação e promoção por decurso de prazo, a administração por critérios

políticos. Quase ninguém discute e publica, e é praticamente nula a assistência jurídica

às comunidades.

Arrematando o nivelamento por baixo, os órgãos dirigentes das universidades e o

próprio Ministério da Educação não fiscalizam, não punem os relapsos, não estimulam

devidamente a dedicação e a produção, contrariando as regras mais elementares de

eficiência em administração. A situação não é muito diferente daquela observada nos

órgãos públicos e no funcionalismo em geral: encara-se a universidade como uma

estrutura burocrática qualquer do Estado subdesenvolvido, com a velha ideologia de se

beneficiar às custas do patrão benevolente e preguiçoso que tem sido o poder público

nacional.

O diagnóstico já não é simples. Mas as questões se complicam quando referidas aos

critérios para separar o joio do trigo e entregar aos mais habilitados — ética e

tecnicamente — a condução da política de pesquisa. A aferição ética é ainda mais

difícil, mas não é nosso assunto. Quanto à competência técnica, de começo temos uma

limitação lógica ou, se quiserem, epistemológica: os critérios quantitativos são objetivos

e claros, mas são insuficientes, não têm sentido se não se combinarem a critérios

qualitativos; já estes são mais precisos em conteúdo, mas implicam necessariamente

arbitrariedade, na medida em que privilegiam uma alternativa em detrimento de outra

igualmente possível. Então, todo critério de qualidade é falho, no sentido de que sempre

há outros caminhos e que qualquer critério admitirá exceções caso a caso. Mas não há

escapatória, se não se quiser ficar no meramente quantitativo.

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Em outras palavras, a avaliação quantitativa precisa ser acompanhada de uma avaliação

qualitativa. Para decidir a quem destinar determinada verba de incentivo à pesquisa ou à

informatização, por exemplo, não basta saber quantos livros os professores desta ou

daquela faculdade publicaram durante os últimos cinco anos, mas também que tipos de

livros, através de que meios e editoras, dirigidos a que espécie de público, com que

repercussão e assim por diante. Critérios como esses, abrangendo desde publicações,

grau de repercussão do trabalho do docente em outros centros de ensino e apoio à

pesquisa (convites que recebe, projetos que tem aprovado), até a titulação formal (pós-

graduação), já tradicionais e devidamente testados, precisam ser mantidos, sem prejuízo

da cooperação de outros parâmetros de avaliação. Passam a ter menor significação

critérios exclusivamente quantitativos como, por exemplo, o tempo de serviço. Em

suma, o currículo específico do pesquisador não é paradigma infalível, mas fornece

indícios adequados; e as estatísticas estão aí, com todos os indicadores apontando para a

qualidade curricular, não como meta de final da carreira, mas sim como pressuposto

inicial: nos EUA, no Brasil, no Japão, em inventos, patentes, publicações, incentivos,

projetos.

Um outro problema refere-se ao regime de trabalho de pesquisa em dedicação

exclusiva. Esse tipo de contrato de trabalho, principalmente (mas não apenas) pelo

baixo nível salarial, é raro nas faculdades de direito das universidades públicas e

praticamente inexistente nas particulares. A dedicação exclusiva é o regime da imensa

maioria dos pesquisadores em muitas áreas, mesmo no Brasil, e é a regra geral nas

universidades do centro desenvolvido; e é claro que pesquisadores exclusivamente

dedicados à universidade têm mais tempo para ela, o que significa, entre outras coisas,

mais projetos e maior captação de recursos externos. No campo do direito, contudo,

assim como nas ciências médicas e nas engenharias, o regime de dedicação exclusiva

não encontra tantos adeptos.

Eventuais interessados em pesquisa enfrentam problemas infra-estruturais ainda mais

graves, haja vista o grau de investimento que exige a formação profissional de um

pesquisador. Os salários são irrisórios e muitos docentes ensinam quase de graça. As

motivações são as mais diversas, todas sob o critério do amadorismo diletante, sem o

mínimo compromisso institucional. Se há compromisso por parte dos professores, esse é

meramente moral, ou de "sacerdócio", como se diz, ou de interesse pelo título de

professor de direito, ou outros motivos quaisquer. Com o interesse do jurista amador,

coordenam-se o interesse do empresário em pagar pouco e o interesse dos alunos em

pagar mensalidades mais baratas. Se o ensino se dá nesse ambiente, parece mais difícil

ainda pensar em pesquisa.

4. Ineficiência na Administração

Um grave problema está na administração, no complicado processo de escolha das

lideranças nas universidades, com o objetivo de entregar aos mais aptos a condução da

política de pesquisa e de distribuição de recursos. Se é sintoma de força e independência

a escolha das lideranças pela própria comunidade acadêmica, o processo democrático

tem muitas e muitas vezes ficado na demagogia corporativista das maiorias

circunstanciais, já que a obtenção de qualidade é tarefa de longo prazo que não se presta

a trampolins para a política profissional. Não tem dado resultados ficar no meramente

quantitativo como querem alguns, voto a voto. Também aqui precisa haver critérios

qualitativos. Mas voltar ao despotismo ideológico do sistema anterior seria maior tolice

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ainda. Esse problema é mais das universidades públicas. Nas universidades privadas, a

situação é ainda pior: as lideranças são apontadas por critérios outros, como a

capacidade de gerar lucro, e o cuidado com a qualidade tem papel extremamente

reduzido.

As reformas positivas em direção aos critérios de mérito acadêmico dentro da

universidade têm sido conduzidas principalmente pelos setores de pesquisa básica

(químicos, físicos, biólogos) e o conservadorismo dos juristas os tem colocado na

retaguarda, perdendo em qualidade e investimentos para setores mais modernos e

sintonizados com as fontes de recursos. Na última década, apenas para exemplificar, os

investimentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico —

CNPq — para as áreas de economia e administração representaram, em cada uma, cerca

de três vezes mais do que aqueles aplicados em direito. Nas áreas tecnológicas a

diferença é muito maior.

Unidos na preocupação pela qualidade, os profissionais do direito poderiam ter poder de

decisão bem mais significativo dentro da política de pesquisa, por ser direito um curso

de alta demanda social. Em Pernambuco, por exemplo, é o curso com mais candidatos

por vaga (mais de 30 candidatos para 1 vaga na Faculdade de Direito do Recife, da

UFPE) e a situação não se tem apresentado diferente nos demais estados. Mas não é só

isso: dentre as profissões decorrentes de um curso superior, a advocacia é a única com

dignidade constitucional no Brasil de hoje: um dos poderes da República, o Judiciário, e

todo o Ministério Público são exclusivamente formados de bacharéis em direito. E o

mercado de trabalho na área jurídica sempre tem bons lugares para os tecnicamente

preparados, tanto na esfera privada quanto na pública.

Mas as lideranças na área jurídica não têm lançado mão desse poder como souberam

fazê-lo nossos ilustres antecessores, nos tempos do bacharelismo. Independentemente

do eventual papel político da classe dos advogados, que não é nosso tema, ela sequer

influi na política de pesquisa do país.

O desinteresse pela pesquisa por parte dos docentes só é superado pelo descaso do

corpo discente. Essa cumplicidade é atestada, mesmo nas faculdades de direito tidas

como de melhor nível, por óbvios dados estatísticos: menos de cinco por cento dos

alunos aprovados no vestibular não conseguem obter o diploma e, apesar de a

freqüência média às aulas não ultrapassar os sessenta por cento, é o curso com menor

índice de dropouts, de desistentes. Das faculdades de pior nível nem é preciso falar, pois

em muitas delas, segundo denúncias recebidas pela OAB federal, não há sequer aulas-

conferência, muito menos, pesquisas.

Evidentemente a descrição genérica de uma situação de fato não elimina as muitas

exceções, por isso mesmo mais louváveis ainda, no que se refere a componentes

individualizados dos corpos docente, discente e administrativo. A Universidade Federal

de Santa Catarina, por exemplo, com o trabalho da equipe montada por Horácio

Wanderley Rodrigues, vem fazendo funcionar há vários anos uma vara da justiça

estadual dentro do campus, através de convênio com o Tribunal de Justiça do Estado.

Assim, há um juiz designado especificamente para essa vara, com o respectivo corpo

administrativo, na qual os estudantes de direito aplicam seus conhecimentos prestando

assistência jurídica à população mais carente sob supervisão e orientação dos

professores. A Universidade fornece a infra-estrutura.

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Em que pese esse evento isolado, continua-se formando, bem ou mal, um determinado

tipo de profissional, ignorando estudos e estatísticas sobre o mercado de trabalho. Além

desse isolamento do mercado, há nas faculdades de direito o que podemos chamar um

isolamento doutrinário, pois a teoria jurídica dominante ainda é a mesma de décadas

atrás e desconsidera contribuições de outras ciências sociais, fechando-se em um

modelo epistemológico inadequado à realidade. Há também um isolamento político —

apesar de toda a política partidária que se faz dentro da universidade hoje — na medida

em que, de um lado, o Estado tem demonstrado pouco ou nenhum interesse no fomento

à pesquisa jurídica e, de outro, pela ausência de demanda por parte das próprias

instituições, sejam públicas ou privadas, o que é ainda mais grave. Quer dizer, não

apenas a metodologia de ensino e pesquisa é conservadora e inadequada, mas também a

administração dos cursos jurídicos tem-se revelado amadora e incapaz de angariar

recursos. Apesar de tudo, houve uma área de pesquisa, a sócio-jurídica, que apresenta

alguns resultados interessantes. Para ela, voltamos agora brevemente nossa atenção.

5. Um Histórico da Pesquisa Sócio-Jurídica no Brasil

5.1 Quem se debruçar sobre o que foi feito em termos de pesquisa sócio-jurídica no

Brasil, dos anos 80 para cá, irá se defrontar — contrariando talvez certo senso-comum

pessimista — não com uma ausência de trabalhos mas, ao contrário, com um acervo de

realizações que, considerando as condições sob as quais se faz ciência no Brasil, até

poderia ser qualificado de surpreendente. Quem, por exemplo, consultar a lista de

trabalhos inscritos para serem apresentados na reunião anual do Grupo de Trabalho

"Direito e Sociedade" da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa

em Ciências Sociais) em 1985, ano-auge de funcionamento daquele Grupo atualmente

extinto, encontrará nada menos do que 16 trabalhos inscritos!

É bem verdade que nem todos poderiam ser rigorosamente considerados como trabalhos

de pesquisa sócio-jurídica, entendida esta como a pesquisa social de base

empírica, tendo por objeto o direito em seu sentido lato: instituições, atores e práticas

jurídicas, oficiais ou não. Alguns são trabalhos teóricos que se confundiriam com a

própria pesquisa jurídica de base bibliográfica feita nas faculdades de direito; outros,

igualmente teóricos, são trabalhos que se inserem na linha "crítica" então em moda etc..

A maioria deles, entretanto, são trabalhos em alguma medida embasados em dados

obtidos mediante pesquisa empírica, seja essa documental ou "de campo".

Essa pequena amostra, relativa apenas a um ano de trabalho e certamente não-exaustiva,

demonstra tanto a variedade de temas abordados pela pesquisa sócio-jurídica brasileira

de alguns anos atrás, quanto, numa perspectiva comparativa com o aparentemente

pouco que se faz hoje (sobre isso falaremos adiante), que na verdade a pesquisa

sociológica sobre o direito no Brasil está longe de ser inexistente. Ao contrário, ela é

(ou pelo menos foi) numerosa; mas também, ao mesmo tempo, dispersa e descontínua.

Esses fatores recomendam, assim, que neste breve estudo abandonemos a perspectiva de

fazer um levantamento de tudo o que se fez, pois o resultado final apresentaria

certamente muitas lacunas e, além do mais, poderia, ao espelhar uma diversidade

temática muito grande, revelar-se analiticamente irrelevante. Optaremos, assim, por

tentar pôr em relevo algumas das principais linhas temáticas das pesquisas e os

principais lociinstitucionais onde elas foram feitas. A nossa opção também ensejará,

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necessariamente, inúmeras lacunas, mas cremos que ela nos permitirá ter um quadro

mais sistemático e consistente do que foi feito e de certas perspectivas que se abrem a

partir do que se faz hoje em dia.

5.2. A primeira instituição brasileira a dedicar-se de modo sistemático à pesquisa sócio-

jurídica, no sentido acima definido, foi a Divisão de Ciência do Direito, dirigida por

Cláudio Souto — ele próprio um dos pioneiros nessa área no Brasil —, vinculada ao

antigo Instituto de Ciências do Homem da Universidade do Recife, fundado em 1963.

Em 1970, a Divisão foi absorvida pelo Mestrado em Sociologia da Universidade

Federal de Pernambuco, que passou a contar, assim, com uma área de concentração em

Sociologia Jurídica, animada, até meados dos anos 80, por Cláudio e Solange Souto e

Joaquim Falcão — os dois primeiros voltados a trabalhar empiricamente um tema

eminentemente teórico, o "sentimento de justiça", e o último voltado a uma perspectiva

mais contextualizada, tendo ele próprio pesquisado o ensino jurídico no Brasil e

conflitos entre posseiros e proprietários no Recife, e orientado dissertações na área do

"direito informal". É no curso dos anos 70 que aparecem várias obras didáticas sobre a

disciplina então em expansão, entre as quais uma Sociologia do Direitode F. A. de

Miranda Rosa que foi várias vezes reeditada. Miranda Rosa, desembargador aposentado

do Rio de Janeiro, dirigiu nessa época o CEJUR (Centro de Estudos Jurídicos), sediado

no Rio de Janeiro, onde se realizaram vários trabalhos na área temática da "mudança

social e direito", inclusive uma importante e pioneira pesquisa sobre modos de

resolução de conflitos.

A formação básica de praticamente todos esses e vários outros "pioneiros" — mas essa

tendência continuou predominando e predomina ainda hoje — é o direito. Isto é, a

constituição de um campo de pesquisas sócio-jurídicas no Brasil, ainda que as exceções

existam, não é, fundamentalmente, um trabalho de cientistas sociais (sociólogos,

antropólogos etc.) que tenham estendido suas teorias, métodos e técnicas ao campo do

jurídico, mas um trabalho de juristas com inquietações sociológicas — o que, como se

verá adiante, não é sem conseqüências para a própria afirmação acadêmica da

sociologia jurídica no Brasil.

Noutros termos, trata-se de um trabalho de juristas-sociólogos inconformados com o

excessivo formalismo do direito — seu conteúdo muitas vezes distante, muitas vezes

hostil aos problemas reais do nosso povo, suas insuficiências operacionais etc. — que se

apropriam de algumas técnicas de pesquisa das ciências sociais em trabalhos feitos

muitas vezes com grande esforço individual e que dificilmente integram um programa

institucionalizado e continuado de pesquisa, mesmo se algumas linhas chegaram a se

sobressair. Esse impulso "inconformista", da mesma maneira que a intenção de

mudança que ele embasa, reflete-se em algumas linhas de pesquisa que aparecem

recorrentemente, por exemplo, ensino jurídico e administração da justiça, incluindo-se

nessa segunda vertente tanto as agências judiciais quanto, sobretudo, não-judiciais de

resolução de conflitos. Num e noutro caso, como seria de se esperar, os trabalhos são

impregnados de uma forte postura crítica em relação à cultura jurídica existente.

5.3. Em relação ao ensino jurídico, são muitos e variados os trabalhos existentes. Na

verdade, os nomes mais conhecidos da pesquisa sócio-jurídica no Brasil — Cláudio

Souto, Joaquim Falcão, Luis Warat, Roberto Lyra Filho, José Eduardo Faria etc. —

estão entre os autores que escreveram sobre esse tema. Em 1974, sob a liderança do

argentino Luís Warat, professor no Mestrado em Ciências Jurídicas da UFSC, foi criada

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a ALMED — Associação Latino-Americana de Metodologia do Ensino do Direito,

entre cujos objetivos figurava nada menos que a reformulação das bases

epistemológicas da produção do conhecimento na área do direito, considerado como

fetichizante. O movimento manteve, apesar da irregularidade da circulação, uma revista,

a Contradogmáticas, e teve grande repercussão em outras instituições de vários estados

brasileiros, sobretudo no Mestrado em Direito da PUC do Rio de Janeiro, onde chegou a

funcionar informalmente um núcleo da ALMED. Os seus trabalhos foram sempre mais

teórico-críticos do que propriamente sócio-empíricos, mas o pensamento de Warat

irrigou muito do que se fez em termos de uma abordagem sociológica do direito no

Brasil, e durante algum tempo elevou o Mestrado de Direito de Santa Catarina à

condição de mais prestigioso do país.

A partir dessa época — meados dos anos 70 — assistiu-se, paralelamente (ou talvez

conseqüentemente), ao processo de abertura política e de emergência de uma demanda

política duramente represada, ao aparecimento, entre nós, de uma perspectiva "crítica"

— caudatária sobretudo, ainda que não exclusivamente, do movimento "crítica do

direito" francês —, que invadiu os espaços jurídicos tradicionalmente tão

conservadores, chegando a constituir-se em verdadeiros movimentos. A ALMED foi

um deles; outro, foi a Nova Escola Jurídica Brasileira, capitaneada por Roberto Lyra

Filho, da UnB, que com sua perspectiva "dialética" sobre o direito, fortemente

influenciada pelos trabalhos de Marx, teve uma enorme recepção sobretudo junto ao

movimento estudantil. A revista Direito & Avesso, da qual apareceram apenas uns

poucos números, veiculou as idéias da Escola. Também aqui, mesmo se as referências

empíricas — et pour cause — não faltam, o forte da produção do grupo são os trabalhos

mais teórico-críticos do que propriamente empíricos.

5.4. Estamos, aqui, numa fase que poderíamos caracterizar como de institucionalização

da pesquisa sócio-jurídica brasileira. Em 1979, a partir de uma iniciativa de Joaquim

Falcão, criou-se, no seio da ANPOCS, o Grupo de Trabalho "Direito e Sociedade", o

qual, durante os dez anos seguintes, iria funcionar como uma boa vitrine do que se fazia

nesse campo no Brasil. Aí iriam regularmente comparecer, nos encontros anuais, tanto

"representantes" da ALMED e da Nova Escola Jurídica de Lyra Filho, quanto de outros

grupos mais ou menos informais: o "grupo" da PUC-Rio, muito influenciado pela

perspectiva "crítica do direito"; o "grupo" de Recife, formado por pesquisadores do

Mestrado em Sociologia da UFPE e/ou do Departamento de Ciência Política da

Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) que trabalhavam com Joaquim Falcão e que

adotavam uma perspectiva bem mais "empírica" — etc. Também freqüentaram o Grupo

pesquisadores que pertenciam à geração dos "pioneiros", como Miranda Rosa, tanto

quanto pesquisadores egressos de outras áreas, mas que trabalhavam com temas afins,

como é o caso de Roberto Kant de Lima e Manuela Carneiro da Cunha, antropólogos;

Maria Célia Paoli e Sérgio Adorno, sociólogos; Maria Victória Benevides, cientista

política etc, o que mostra como, em determinado instante pelo menos, os juristas-

sociólogos do Grupo da ANPOCS tinham-se tornado interlocutores de pesquisadores

vindos de outros campos academicamente mais sólidos e renomados. Na primeira

metade dos anos 80, a institucionalização da pesquisa sócio-jurídica ganhou um novo

reforço com a criação de uma Divisão de Pesquisa na Secção Regional da OAB do Rio

de Janeiro, a qual chegou inclusive a promover concursos para financiar projetos de

pesquisa. No fim dessses mesmos anos 80, a OAB federal passou a editar uma

publicação de amplitude nacional, a Revista da OAB, abrindo um importante espaço

para a divulgação de trabalhos em sociologia jurídica.

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Como dissemos anteriormente, uma das linhas de pesquisa que se sobressaíram ao

longo desses anos foi a da administração da justiça, em agências judiciais e, sobretudo,

extra-judiciais, na medida em que a maioria das pesquisas sócio-empíricas então

realizadas voltaram-se para outros locais de resolução de conflitos que não o Poder

Judiciário stricto sensu. Sobre este, a maioria dos estudos existentes — apesar de não se

confundirem com a linha "dogmática", na medida em que se apóiam em dados das

ciências sociais — foram sobretudo trabalhos de reflexão teórica, como os que tem

produzido José Eduardo Faria na Faculdade de Direito de São Paulo sobre os impasses e

limites da cultura jurídica liberal num país com indicadores sócio-econômicos como o

Brasil. Numa linha mais "pragmática", tem-se destacado, a partir de meados dos anos

80, o que o próprio Faria chama de "Nova Escola Processual de São Paulo", formada

por professores da mesma Faculdade e com renomada experiência como profissionais

do direito (Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco,

entre outros). Esses processualistas têm realizado estudos sobre acesso à justiça e seus

trabalhos influenciaram algumas importantes alterações processuais verificadas no

Brasil nos últimos anos, como a criação dos Tribunais de Pequenas Causas, a

institucionalização da representação judicial coletiva em questões ecológicas, de

consumidores etc..

Já no que diz respeito aos "operadores jurídicos" — juízes e advogados, estes sobretudo

—, a pesquisa sócio-jurídica apresenta um bom acervo de realizações, que vão do

estudo pioneiro do juiz capixaba João Batista Herkenhoff sobre a função judiciária no

interior, ainda nos anos 70, aos trabalhos de Joaquim Falcão e Edmundo Lima de

Arruda Júnior sobre os advogados e o mercado de trabalho, nos anos 80, e, já nos anos

90, de Roberto Aguiar sobre a crise da advocacia no Brasil.

Voltando à linha da administração da justiça, é na vertente das agências não-judiciais de

resolução de conflitos, como dissemos, que os trabalhos mais se concentram. Entre

essas, figuram agências que, mesmo não sendo judiciais, são estatais, e outras que se

situam fora do Estado. Sobre as agências estatais o grupo de Recife reunido em torno de

Joaquim Falcão, primeiro no mestrado em Sociologia da UFPE e em seguida no

Departamento de Ciência Política da FUNDAJ, realizou na década de 80 alguns dos

mais importantes trabalhos até hoje existentes. Exemplos disso são as pesquisas de

Joaquim Falcão e Alexandrina Moura sobre conflitos de propriedade e legalização da

posse de terras invadidas no grande Recife mediante intervenção de órgãos da

Administração; de Luciano Oliveira e Affonso Pereira sobre conflitos coletivos

ecológicos e de consumidores e seu tratamento via "justiça administrativa"; e de

Luciano Oliveira sobre a polícia enquanto locus de resolução de "pequenas causas" das

classes populares. No Rio de Janeiro, nessa mesma época, um grupo da PUC-Rio

(Eliane Junqueira e José Ribas Vieira, entre outros) também realizou pesquisa sobre a

inadequação do Judiciário no tratamento de conflitos coletivos encaminhados por

associações de moradores e seu subseqüente desaguamento nas agências do Poder

Executivo.

No que diz respeito às agências não-estatais, ou "societais", a pesquisa que mais rendeu

frutos teóricos foi a do sociólogo português Boaventura de Souza Santos sobre a

Associação de Moradores de uma favela do Rio de Janeiro, a que ele deu o nome

fictício de "Pasárgada", como instância de resolução de conflitos possessórios

envolvendo os seus moradores sem acesso ao Judiciário. Realizada no início dos anos

70, foi nos anos 80, entretanto, que a pesquisa de Boaventura beneficiou-se de ampla

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divulgação e aceitação no Brasil. A partir do seu trabalho, o conceito eminentemente

sociológico de "pluralismo jurídico", por ele utilizado numa perspectiva marxista como

marco teórico do seu trabalho, tornou-se uma das categorias mais fundamentais da

pesquisa sócio-jurídica brasileira, e as agências societais de resolução de conflitos

passaram a ocupar, segundo a expressão de Eliane Junqueira, um "lugar de honra" entre

os juristas-sociólogos.

5.5. Paralelamente a todo esse movimento envolvendo pesquisadores e instituições de

pesquisa, aparecem desde os anos 80 algumas organizações não-governamentais

(ONGs) de militância, mas também de produção de estudos e reflexões críticas na área

do direito, fortemente influenciadas pela Nova Escola Jurídica de Lyra Filho e pelo

marco teórico "pluralista" de Boaventura Santos, entre outras orientações "críticas". É o

caso do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), de

Olinda, Pernambuco, e do Instituto de Apoio Jurídico Popular (AJUP), do Rio de

Janeiro. Este último, sobretudo através dos trabalhos do seu coordenador, Miguel

Pressburger, pôs em voga o conceito de "direito insurgente", uma perspectiva que vê,

nos movimentos populares que se insurgem contra a ordem jurídica burguesa, o fulcro

de um novo direito emancipatório. Os seus trabalhos, sem serem rigorosamente falando

de Sociologia Jurídica, têm assumidamente o objetivo de reformular as análises

jurídicas com a introdução, entre outros recursos, de metodologias derivadas da

Sociologia Jurídica. É o caso também do projeto "O Direito Achado na Rua", um curso

de extensão universitária a distância, produzido em 1987 pelo Núcleo de Estudos da Paz

e Direitos Humanos da UnB, coordenado por José Geraldo de Souza Júnior, discípulo e

continuador do trabalho de Lyra Filho, e dirigido a líderes e militantes dos movimentos

sociais, sindicais, de trabalhadores rurais etc..

Nessa mesma vertente crítico-emancipatória, pode ser classificado o multiforme

movimento surgido em fins dos anos 80 com a designação de "Direito Alternativo",

amplamente espalhado sobretudo nos estados do sul (Paraná, Santa Catarina e Rio

Grande do Sul), e caudatário, de um lado, de várias das vertentes "críticas" aqui

referidas — da ALMED de Warat ao pluralismo jurídico de Boaventura Santos — e, de

outro, de correntes menos radicais e reconhecidamente reformistas, como o "uso

alternativo do direito", originária de um grupo de juristas de esquerda italianos. O

movimento reúne, além de professores e pesquisadores, vários operadores jurídicos e

conta com uma publicação periódica, Lições de Direito Alternativo, para divulgação de

seus estudos. Além disso, apresenta no seu ativo uma produção bibliográfica

numericamente importante. Resta dizer, entretanto, que os trabalhos do movimento

alternativo, tanto quanto os de grupos que lhe são próximos ou assemelhados, como o

projeto "O Direito Achado na Rua", o AJUP etc. — sem que esse julgamento de forma

alguma minimize sua importância como movimento renovador num ambiente

tradicionalmente conservador —, de um modo geral, não possuem o perfil de trabalhos

sócio-jurídicos no sentido empírico do termo, até porque o forte caráter militante de boa

parte dos textos tende a ultrapassar os cânones da chamada objetividade científica

exigidos pela comunidade acadêmica.

5.6 Malgrado todas essas realizações, os anos 90 assistem, surpreendentemente, a um

retrocesso, podendo-se mesmo falar, até certo ponto, num processo de

desinstitucionalização. Senão, vejamos. A ALMED praticamente desapareceu, levando

consigo a revistaContradogmáticas; a Direito & Avesso, porta-voz da Nova Escola

Jurídica, morreu antes do seu fundador, Roberto Lyra Filho; o Mestrado em Sociologia

Page 11: O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA - João Mauricio Adeodato.pdf

da UFPE já não conta com uma área de concentração em Sociologia Jurídica; o "grupo"

da FUNDAJ desfez-se; a Divisão de Pesquisa da OAB-RJ diminuiu seus investimentos

nessa área; e a Revista da OAB, da Secção Federal, deixou de circular, supostamente por

problemas financeiros. Pior ainda, o Grupo "Direito e Sociedade", o locus institucional

mais importante para a afirmação acadêmica dos juristas-sociólogos, já não existe: em

1990, a direção da ANPOCS, no intuito de renovar os grupos de trabalho, extinguiu

todos os existentes e abriu inscrição para a formação de novos grupos, podendo os

antigos, em igualdade de condições, reapresentar sua candidatura. O "Direito e

Sociedade" foi um dos que não foram reconduzidos... Como explicar esse aparente

retrocesso e quais são as perspectivas que se abrem daqui para a frente em face desse

contexto desfavorável?

A não-renovação do grupo pela ANPOCS constitui, efetivamente, uma ocorrência

preocupante, na medida em que parece significar o seu não-reconhecimento como um

grupo de pesquisa academicamente importante. Ou seja: colocados a meio-termo entre

os juristas e os cientistas sociais, os juristas-sociólogos parecem jogados num limbo:

para os primeiros, eles seriam demasiadamente sociólogos e, para os segundos,

demasiadamente juristas. Quanto às outras ocorrências, que um lugar-comum tão

invocado nesses tempos de crise econômica poderia rapidamente atribuir à escassez de

recursos financeiros, na verdade não nos parecem tão graves quanto poderiam à

primeira vista parecer. Em primeiro lugar, a hipótese da escassez, pelo menos em

relação a dois casos que conhecemos mais de perto, não resiste a um exame mais atento:

se a Sociologia Jurídica já não existe como área de concentração no Mestrado em

Sociologia da UFPE, é porque os professores que eram responsáveis por ela se

aposentaram; quanto ao "grupo" da FUNDAJ, se ele já não existe, é porque os seus

integrantes passaram a ter outros interesses de pesquisa. A hipótese da ausência de

recursos como responsável pelo fechamento daRevista da OAB parece-nos frágil — em

todo caso, capaz de ser revertida, pois dificilmente parece crível a hipótese de uma

instituição como a OAB federal impossibilitada de financiar a publicação de uma

simples revista quadrimensal.

Mas as ocorrências aludidas nos parecem menos graves, sobretudo porque o

desaparecimento de alguns grupos não significa o fim das experiências que eles

encetaram ou que o trabalho que até então fizeram não poderá ser feito alhures. A Nova

Escola Jurídica de Lyra Filho, continua no projeto "O Direito Achado na Rua". Aliás,

todas as correntes críticas hoje abrigadas no movimento do "Direito Alternativo" não

pararam de crescer nos anos 90: graças à capacidade administrativa — e mesmo

empresarial — de líderes como Edmundo Lima de Arruda Júnior, o movimento já

realizou dois encontros internacionais e recentemente foi fundado o IDA — Instituto de

Direito Alternativo —, com sede na Universidade de Santa Catarina. No que diz

respeito mais especificamente à pesquisa sócio-jurídicastricto sensu, foi há alguns anos

fundado na Faculdade de Direito de São Paulo, por iniciativa de José Eduardo Faria, o

CEDISO — Centro de Estudos Direito e Sociedade, que se dispõe a retomar, entre

outras, a linha das pesquisas de base empírica. E, como que se recusando a deixar

desaparecer definitivamente o Grupo Direito e Sociedade da ANPOCS, Eliane

Junqueira, da PUC-Rio, mantém já há alguns anos, por iniciativa e com recursos

próprios, uma newsletter que se chama, justamente, "Rede Direito e Sociedade" —

embrião talvez de uma nova organização?

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Já em seu terceiro ano de funcionamento, o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Direito (CONPEDI) tem promovido seminários reunindo professores e

pesquisadores de todo o país, vinculados a instituições públicas e privadas, com o

objetivo de fortalecer a pesquisa e os cursos de mestrado e doutorado no Brasil. A

entidade é atualmente presidida por José Ribas Vieira, da PUC do Rio de Janeiro.

A OAB Federal e o Ministério de Educação promoveram, em 1994, uma série de

seminários e colheram uma série de estatísticas destinadas a avaliar o ensino e a

pesquisa em direito. A imensa maioria das instituições se têm disposto a cooperar no

diagnóstico da situação. Remetemos o leitor às duas publicações recentemente

patrocinadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:OAB Ensino

Jurídico — Diagnóstico, Perspectivas e Propostas, Brasília, 1992 e OAB Ensino

Jurídico — Parâmetros para Elevação de Qualidade e Avaliação, Brasília, 1993.

Embora a preocupação central seja o ensino, essas séries de artigos cuidam também da

pesquisa. A intenção declarada é continuar com esses procedimentos de avaliação e

fomento à qualificação.

Em resumo: como que confirmando o argumento inicial, o panorama da pesquisa sócio-

jurídica é menos de inexistência do que de descontinuidade. E, acrescentaríamos, até

certo ponto de não aproveitamento mais intensivo de recursos e possibilidades

atualmente existentes — observação válida para a pesquisa jurídica tout court de um

modo geral. Com o objetivo de obter um referencial concreto sobre o papel das

instituições oficiais no apoio à pesquisa jurídica e sócio-jurídica no país, vamos a seguir

descrever, um tanto detalhadamente, o programa atual de fomento do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão vinculado ao

Ministério da Educação.

6. O Programa de Bolsas e Auxílios do CNPq

6.1 Bolsas no País

6.1.1 Iniciação Científica (IC) — O critério mínimo utilizado tem sido o de considerar

como média 2 pesquisadores-orientadores em potencial por instituição de ensino e

pesquisa em nível de pós-graduação. Havendo 17 cursos de mestrado em

funcionamento no país, chega-se a uma estimativa de 34 pesquisadores aptos a orientar

bolsistas de IC. Fixando também um mínimo de 2 bolsistas por pesquisador, obtém-se o

resultado de 64 bolsistas.

Como os cálculos assim feitos tomam uma base mínima, e levando em consideração as

bolsas já inseridas no sistema, tem-se um total de 80 bolsas de iniciação científica na

área de direito. Entre 1990 e 1994, houve um crescimento de aproximadamente 150%

com a substituição, já implantada, do sistema de concessão direta ("balcão") pelo

programa de distribuição de bolsas às pró-reitorias de pesquisa, as quais cuidam do

repasse direto ao aluno. Essa modalidade de bolsa tem sido bem aproveitada do ponto-

de-vista da demanda e é quase que unanimemente considerada prioritária pela

comunidade científica.

6.1.2 Aperfeiçoamento tipo A — Esta modalidade procura contemplar cursos

razoavelmente estáveis, mas que ainda não possuam nível de mestrado. Ela tem sido

subutilizada pela área de direito, tanto no que concerne à demanda bruta quanto no que

Page 13: O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA - João Mauricio Adeodato.pdf

diz respeito à implantação das poucas bolsas concedidas. Tais cursos de especialização

— ou de pós-graduação em sentido lato — têm sido calculados tendo em vista o número

de cursos de mestrado em funcionamento, o que se tem mostrado inadequado, já que a

especialização é mais necessária justamente em centros em que não exista a pós-

graduação stricto sensu — mestrado e doutorado.

Aperfeiçoamento tipo B — Esta modalidade é individualmente concedida ao graduado

que, por diversos motivos, pretende pesquisa desvinculada de um curso de mestrado. No

mesmo sentido da argumentação anterior, o cálculo aqui também não se pode guiar

pelos cursos de pós-graduação em funcionamento. Há um total de 20 bolsas já

integradas ao sistema, com um crescimento estimado em 20% ao ano.

6.1.3. Mestrado — Diante da prioridade no apoio aos programas de mestrado em

funcionamento no país e o crescimento estável detectado na demanda nos últimos 5

anos, concedeu-se um total de 173 bolsas no país durante o ano de 1993. O objetivo é

que todos os mestrandos da área que se decidam pela dedicação exclusiva sejam

contemplados com bolsas. Crescimento observado também de 20% ao ano.

6.1.4. Doutorado — Tendo em vista o crescimento da demanda por doutoramento no

país e a carência da área em profissionais qualificados, foram implantadas 55 bolsas,

também em um crescimento de 20%. Ao lado do Desenvolvimento Científico Regional,

o doutorado no país é das modalidades mais carentes de incentivo.

6.1.5. Pós-Doutorado — Esta bolsa não foi ainda solicitada no país, na área de direito.

O principal motivo é a falta de divulgação. O programa existe, nada obstante. A bolsa

tem por objetivo facultar ao doutorando de determinada instituição no país a realização

de pesquisas em outra instituição nacional.

6.1.6. Pesquisa — Esta é sem dúvida das mais importantes modalidades. Diante da

fraca demanda da área e tendo em vista a existência de apenas 23 bolsas no sistema, em

1993, a passagem para o total de 35 bolsas de pesquisa em 1994, apesar de pequena em

termos absolutos, foi a mais significativa da área jurídica desde a criação do programa.

O grande problema é a demanda, insuficiente em termos quantitativos e incompetente

em termos de qualidade: pede-se pouco e pede-se mal, em que pesem os esforços do

CNPq no sentido de divulgar os dados disponíveis.

6.1.7. Pesquisa Especial: Recém-Doutor — Mantendo pelo menos o que já está

implantado, pode-se contar com 2 bolsas para os recém-doutores sem vínculo no país.

Interessante observar que não há registro de recém-doutor (até dois anos após obtenção

do título) que tenha tido projeto recusado. A demanda é insignificante, sobretudo

porque a imensa maioria dos doutores está previamente vinculada a alguma instituição

antes mesmo de se arriscarem a um doutoramento. Outro contingente é imediatamente

absorvido e adquire o vínculo sem que chegue a pleitear a bolsa de recém-doutor.

Pesquisador Visitante — Modalidade inexplorada e praticamente desconhecida da

comunidade jurídica. Difícil exagerar a importância deste tipo de intercâmbio. Mesmo

as faculdades de direito públicas não a solicitam. Ainda assim o CNPq tem colocado à

disposição 2 bolsas anuais.

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Desenvolvimento Científico Regional — Nunca foi solicitada por qualquer candidato

vinculado à área de direito, inexiste no sistema. A idéia é fundamental para regiões mais

problemáticas do país, como o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste, cientificamente

atrasadas devido à concentração regional de renda e cultura agravada nas últimas

décadas.

6.1.8. Pesquisador Aposentado — O CNPq houve por bem extinguir esta modalidade

após apenas dois anos de implantação. Diante da clientela potencial, poderia ter vindo a

ser incrementada para 8 ou mais bolsas em 1995. A contribuição da geração que agora

se aposenta, que não tem sido substituída à altura na área de direito, sobretudo pelo

sucateamento do corpo docente nas últimas três décadas, nas regiões mais carentes do

país, seria de muito auxílio.

6.2 Bolsas no Exterior

6.2.1. Aperfeiçoamento — Considerando que o aluno meramente bacharelado, via-de-

regra, não apresenta condições para um completo aproveitamento de eventual estágio no

exterior e que as possibilidades de iniciar os estudos de pós-graduação em direito no

país já são amplas, além dos custos para o erário público, este tipo de bolsa tem sido

considerado supérfluo e muito parcamente concedido. De todo modo, em direito não há

qualquer demanda.

6.2.2. Mestrado — Tem tido mais prioridade do que as bolsas de aperfeiçoamento. A

política é incentivar aqueles casos em que ficar evidente a carência na área e a

impossibilidade de realização do curso no país. Implantaram-se 3 bolsas no ano de

1994, mantendo-se as 2 que já se encontravam no sistema.

6.2.3. Doutorado — Há 28 bolsas em andamento e a taxa de crescimento anual tem-se

mantido acima da média e estável em cerca de 30%. Esta modalidade tem apresentado

bom rendimento na área jurídica, apesar da relativamente pouca quantidade de

solicitações. As bolsas brasileiras são financeiramente razoáveis, superiores à maioria

daquelas concedidas por instituições estrangeiras para pesquisadores igualmente

qualificados. As dificuldades maiores referem-se ao alto grau de exigência no domínio

da língua estrangeira.

6.2.4. Pós-Doutorado — As concessões têm permanecido em cerca de 02 (duas) bolsas

ao ano. Este tipo de bolsa é importante, pois como não existe a bolsa de pesquisa no

exterior, ela acaba funcionando como aperfeiçoamento para os mais qualificados,

permitindo-lhes atualizar-se em centros mais desenvolvidos.

6.2.5. Doutorado-Sanduíche — Tal modalidade permite que o doutorando

regularmente matriculado em instituição nacional desenvolva parte de suas pesquisas

em um centro devidamente qualificado no exterior. Mereceria um incremento sensível e

mais atenção da comunidade jurídica, vez que resulta mais barata aos cofres públicos e

tem apresentado resultados tão bons quanto as bolsas de doutorado no exterior. Ainda

não se conseguiu preencher a quota de 6 bolsas para esta modalidade.

6.3 Auxílios

Page 15: O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA - João Mauricio Adeodato.pdf

(Os cálculos são feitos em dólares).

6.3.1. Pesquisador Visitante Estrangeiro (APV) — Os pesquisadores são divididos

em 3 sub-grupos, segundo pretendam visita de 30 dias (U$ 10.000,00), 60 dias (U$

13.000,00) ou 90 dias (U$ 16.000,00). Diante do número de cursos de pós-graduação

em funcionamento no país atualmente, tem-se uma oferta respectivamente 3, 4 e 8, em

um total de 15 pesquisadores. Essa meta não é, contudo, preenchida, pelos problemas de

demanda já apontados, crônicos na área de direito.

6.3.2. Pesquisador Visitante Nacional — Calculados a um total de U$ 2.000,00 por 30

dias, tem-se um total de 11 pesquisadores na área. Ficamos com um total de 26

pesquisadores visitantes a U$ 232.000,00. Na realidade, o total de bolsas efetivamente

implantadas não chega a 10.

6.3.3. Realização de Eventos Científicos no País (ARG) — Tomando o número de 6

centros de boa produção acadêmico-científica como base, a assessoria do CNPq

estabeleceu como meta um total de 10 eventos anuais no país, ao custo total de U$

128.000, assim divididos: para 2 eventos nacionais de subárea, um total de U$

40.000,00; para 2 eventos internacionais de subárea, também U$ 40.000,00; para 6

eventos temáticos, alocados U$ 48.000,00. A demanda em 1994 ficou reduzida a 4

eventos, todos apoiados pelo CNPq.

6.3.4. Participação em Eventos Científicos Estrangeiros

6.3.5. Defesa de Tese de Doutorado no Exterior

6.3.6. Estágio e Curso no Exterior

Essas três modalidades foram calculadas pelo CNPq a um total de U$ 8.300,00 por

viagem. Houve disponibilidade de recursos para cerca de 8 viagens em 1994,

perfazendo aproximadamente U$ 66.400,00.

6.3.7. Auxílio-Pesquisa Individual — Para calcular ambas as modalidades de auxílio,

o critério foi o número de bolsistas de pesquisa estimado para 1995, acrescido de cerca

de 25% de novos doutores. Do total, 33% foi destinado a auxílios individuais e 67%, a

auxílios integrados. Não foi atingida a meta de 23 auxílios individuais a U$ 15.000,00

cada um, totalizando U$ 345.000,00.

Auxílio-Pesquisa Integrado — É clara a tendência no sentido de priorizar este tipo de

auxílio. A média de recursos alocados na área jurídica, por auxílio, foi fixada em U$

18.000,00. A demanda ficou aquém dos cálculos.

Um problema operacional de caráter geral, e não exclusivo do CNPq, é a proibição de

aplicar os recursos movimentados, qualquer que seja a modalidade apoiada. Isso impede

o beneficiário de aproveitar promoções (como é o caso de passagens aéreas, por

exemplo). A aplicação dos recursos não é apenas fácil de fiscalizar como constitui um

imperativo econômico-financeiro para bom uso do dinheiro público. E tal proibição não

é garantia alguma contra a desonestidade. A comunidade científica tem pressionado no

sentido de modificar a legislação e encontrar outras fórmulas de fiscalização que dêem

menos prejuízo ao erário e à ciência nacional.

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7. Resumo da Situação Atual da Área e Apoio Institucional do CNPq.

7.1 Situação Atual da Área

1. Cursos de mestrado em funcionamento: 17

2. Cursos de doutorado em funcionamento: 05

3. Setores com produção científica destacada: 06

4. Outros grupos de pesquisa ativos: 06

5. Pesquisadores do CNPq (cada uma das duas categoria está dividida em três níveis: A,

B e C)

5.1. Categoria I: 14 (5 nível A, 5 nível B e 4 nível C)

5.2. Categoria II: 09 (4 nível A, 5 nível C)

6. Doutores/orientadores de pós-graduação no país: 308

7. Mestres no país: 93

8. Alunos de doutorado no país: 246

9. Alunos de mestrado no país: 1.153

10. Taxa de formação anual de mestres: 7 %

11. Taxa de formação anual de doutores: 11 %

12. Bolsistas do CNPq no exterior: 39 (Faltam os dados da CAPES)

Especialização: 01

Mestrado: 03

Doutorado e doutorado-sanduíche: 33

Pós-doutorado: 2

7.2 O Apoio Institucional do CNPq:

A área de ciências humanas e sociais, uma das três grandes divisões acadêmicas no

organograma do CNPq, é contemplada com 9% do total de fomentos concedidos. Essa

relativamente baixa porcentagem é reflexo da evolução da própria instituição e das

condições de pesquisa na área. Dentro das ciências humanas e sociais, as chamadas

ciências sociais aplicadas (economia, administração e direito) ocupam posição

intermédia em volume de recursos. A área especificamente jurídica, porém, é das menos

Page 17: O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA - João Mauricio Adeodato.pdf

atuantes e com menos tradição em termos de pesquisa. Vejamos alguns exemplos dos

temas preferidos pelos juristas que solicitam apoio ao CNPq.

O Conselho divide a área jurídica da seguinte maneira: teoria do direito; direito público;

direito privado; e direitos especiais. Esses campos têm sido eqüitativamente

contemplados com incentivos. A origem da pouca significação da área jurídica, em

movimentação de recursos, parece mesmo estar na demanda reduzida e na falta de

tradição em pesquisa científica.

Na área do direito internacional público, tem havido grande interesse pelo Mercosul e

pela legalização do Mercado Comum das Américas, sobretudo da parte de

pesquisadores do sul do país. A proteção ao meio ambiente, tanto do ponto-de-vista do

direito constitucional e internacional público, quanto sob a perspectiva especificamente

penal e de política criminal, é tema de quatro pesquisas em andamento, no Rio de

Janeiro, em São Paulo e em Santa Catarina.

O CNPq tem apoiado também áreas mais tradicionais que, por sua importância, estão

sempre em atualidade e que podemos denominar especificamente de dogmática jurídica:

no campo do direito público comparado, há um projeto na Universidade Federal da

Paraíba versando sobre os direitos alemão e português, com atenção específica a suas

relações com o direito brasileiro contemporâneo e sua influência sobre ele.

Os temas com reflexos práticos mais diretos também fazem parte do sistema na área de

direito: o direito agrário e sua possível influência na reforma agrária do país; o papel da

legislação na modernização da economia e da política ambiental; o problema dos

tóxicos e as funções educativa e repressiva do direito; situação jurídica e social do

menor no contexto brasileiro; as novas garantias constitucionais como o mandado de

segurança coletivo, o habeas data, o mandado de injunção e a inconstitucionalidade por

omissão.

Na subárea do direito privado, o tema mais recorrente nos últimos cinco anos tem sido a

proteção aos direitos do autor, sobretudo no campo da informática, especificamente no

que se refere à criação de softwares. Mas não somente: há projetos ortodoxos sobre o

problema do inadimplemento dos contratos e as modificações socialmente mais

significativas no direito de família.

Na subárea de teoria geral do direito e sociologia jurídica, o controle do Estado e da

sociedade sobre procriação artificial e manipulação genética, com mudanças em

conceitos jurídicos básicos (por exemplo, a separação do conceito de maternidade em

"genética" e "uterina"), é tema interdisciplinar de um grupo de pesquisa paranaense. Em

Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Rio de Janeiro há grupos de

pesquisa dedicados ao estudo do chamado uso alternativo do direito e do direito para-

estatal, como movimentos espontâneos no contexto de ineficiência do Estado

subdesenvolvido. Há também um projeto integrado, no Centro de Ciências Jurídicas da

UFRJ, que pesquisa o sistema penitenciário sob perspectiva sociológica. No campo

conexo da história do direito, há um projeto que trata do papel de Rui Barbosa no

constitucionalismo republicano brasileiro.

Percebe-se que já existem grupos de pesquisa consolidados no país e que o nível geral

da pesquisa nos cursos de graduação e pós-graduação tem melhorado. Nada obstante,

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prevalece ainda a figura do pesquisador isolado ou com equipes compostas de apenas

um pesquisador qualificado e estudantes. O sistema pode ser melhorado não apenas

quantitativamente, mas também qualitativamente. O maior problema é a pouca

divulgação do papel e das possibilidades do CNPq e de outras fontes de recursos, tanto

estatais, estaduais e empresariais quanto estrangeiras. a experiência mostra que a área de

direito, repetimos, apresenta poucos projetos, a maioria mal formulados.

Ilustrando a escassez da demanda, independentemente da qualidade, verifica-se que

modalidades de bolsa habitualmente cobiçadas em outras áreas, como doutorado no

exterior, chegam a ser concedidas, na prática, a todos ou quase todos os solicitantes que

preenchem os simples requisitos formais: orientador formalmente qualificado e

aceitação da universidade no exterior, conhecimentos da língua estrangeira... Há

incentivos a projetos que, parece-nos, não estariam sendo apoiados se a concorrência

fosse maior.

A fiscalização das atividades dos bolsistas deixa a desejar, principalmente no que se

refere a bolsas no exterior. Há incentivos com pouca ou nenhuma possibilidade de

retorno, inclusive por serem os planos excessivamente gerais e sem qualquer

compromisso científico. Alguns bolsistas, por outro lado, não têm qualquer contato com

instituição de pesquisa, não formarão os profissionais necessários, e o direito permanece

com os mais baixos índices de qualificação científica. Muitas universidades e

orientadores apresentados pelos bolsistas no exterior são também obscuros, sem que os

respectivos planos de trabalho justifiquem o alto investimento realizado.

8. Epílogo

Divulgar a situação insatisfatória da pesquisa jurídica e do ensino no Brasil de hoje é

um meio de pressão sobre as faculdades de direito que pode ser construtivamente

exercitado pelos órgãos, oficiais ou não, que hoje tentam uma elevação de qualidade e

uma maior profissionalização na pesquisa em direito. Instituições para tanto existem,

tais como o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), a

Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério da Educação, através da Secretaria de

Ensino Superior, e outros órgãos do Ministério de Ciência e Tecnologia.

É recomendável, então, que se desenvolvam negociações, junto ao Ministério da

Educação, no sentido de que órgãos como o CONPEDI, o CEDISO, a OAB tenham

algum tipo de participação nas decisões quando da concessão de autorização para

funcionamento de cursos jurídicos e sua revalidação.

Não é demais insistir sobre a necessidade de incentivar, de forma mais intensiva, a

qualificação docente em geral, promovendo cursos de aperfeiçoamento, publicações,

concursos, bolsas de pesquisa etc., isoladamente ou através de convênios. Sem

preocupação com a pesquisa, o ensino não se qualificará devidamente, pois ambas

atividades são indissociáveis.

É importante que se realizem avaliações e se divulguem seus critérios e resultados, a

coleta de dados estatísticos é o passo fundamental. Será de se esperar resistência por

parte das faculdades e professores de direito que pouco ou nada têm a declarar, a mesma

atitude que costumam ter diante dos relatórios acadêmicos solicitados pela universidade

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pública. Só que a universidade e os institutos de pesquisa têm meios de pressão, sempre

subutilizados.

Um segundo ponto de peso é atentar para a inseparabilidade entre a pesquisa de

qualidade e a administração das instituições que as podem promover. Ensino e pesquisa

demandam recursos e estes precisam ser competentemente administrados. Como ensino

e pesquisa também exigem muito tempo do professor, é comum ver-se a administração

entregue a pessoas sem o menor compromisso com a qualificação acadêmica, por vezes

obstruindo deliberadamente esforços em sentido contrário. Como a escolha dos

administradores é tarefa política, é preciso prestar atenção à política, mesmo que isso

tome algum tempo — que, se dividido, será muito pouco — das atividades

especificamente científicas e acadêmicas.