O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA - João Mauricio Adeodato.pdf
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O ESTADO DA ARTE DA PESQUISA
JURÍDICA E SÓCIO-JURÍDICA NO
BRASIL
LUCIANO OLIVEIRA
Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco
JOÃO MAURÍCIO ADEODATO
Professor do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco
APRESENTAÇÃO
O Programa de Pesquisas sobre a Justiça Federal — 1995, aprovado pelo Conselho da
Justiça Federal, vem sendo desenvolvido pela Subdiretoria-Executiva de Estudos,
Pesquisas e Informação do Centro de Estudos Judiciários. Concretizando diretrizes
estabelecidas nesse Programa, o Centro de Estudos Judiciários encomendou uma série
de estudos a especialistas em temas prioritários, a serem publicados na Série Pesquisas
do CEJ, entre os quais a análise do estado da arte da pesquisa jurídica no Brasil, tema da
presente obra.
Este estudo, realizado pelos professores do curso de Direito da Universidade Federal de
Pernambuco Luciano Oliveira e João Maurício Adeodato, visa possibilitar o
conhecimento sobre a produção acadêmica na área jurídica e das prioridades para
pesquisa. Dessa forma, o Centro de Estudos Judiciários adquire subsídios para o
norteamento de suas ações no que concerne ao aperfeiçoamento dos juízes federais e à
promoção e fomento de estudos e pesquisas.
1. Introdução
O debate sobre a pesquisa e o ensino jurídico já tem tradição no país, remontando a San
Thiago Dantas e Rui Barbosa. A discussão permanece acesa, retornando
recorrentemente. Tenta-se aqui descrever alguns problemas mais relevantes,
especialmente nas últimas décadas, cuidando sobretudo das dicotomias instituições
públicas versus instituições privadas, de um lado, qualificação do
pesquisadorversus eficiência da administração, de outro. Após a tentativa de
diagnóstico, faremos um breve histórico da subárea jurídica que mais se desenvolveu
em termos de pesquisa, a área sócio-jurídica. Depois examinaremos um exemplo
concreto de fomento à pesquisa, qual seja o programa de apoio à pesquisa jurídica do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq, para em
seguida apresentar uma descrição resumida da situação atual da área. Ao final,
apresentaremos algumas sugestões.
2. Contextos Público e Privado
Se, nos níveis primário e secundário, desenvolveu-se uma rede de educação privada
relativamente eficiente, fato que ajuda a entender o descaso das elites brasileiras para
com a rede pública básica, no nível superior se gerou situação inteiramente diversa.
Aqui as melhores escolas e centros de pesquisa são custeados com recursos públicos e
sua clientela, em geral, compõe-se justamente dos egressos de instituições particulares.
Há então dois contextos distintos, o da faculdade de direito da universidade pública e o
da faculdade de direito privada, sem prejuízo de eventuais aspectos comuns.
Mesmo considerando o estado crítico da pesquisa jurídica nas universidades públicas,
nas faculdades privadas a situação pode ser ainda pior. Mas, apesar da regra, isso não
ocorre necessariamente: é possível encontrar instituições particulares, sobretudo em
estados melhor estruturados do sul do país, com nível muito acima de algumas públicas,
principalmente se estas se situam em estados carentes. Existem, então, várias exceções.
O problema é que lucro e pesquisa em direito não parecem combinar muito bem. A
pesquisa é dispendiosa, o investimento no suporte material e na formação de um
pesquisador devidamente habilitado custam fortunas, mesmo nas ciências humanas. O
empresariado, por definição objetivando lucro, precisa de um balanço positivo em sua
contabilidade. As possibilidades de lucro aumentam com a redução dos gastos e aqui
começam os problemas da chamada área de humanidades no Brasil. Com algumas
exceções, o ensino dessas disciplinas e a formação profissional na área acomodam-se a
uma infra-estrutura material mais simples e barata. A falsa idéia, extremamente
difundida, de que o mercado de trabalho para a área jurídica oferece oportunidades a
todos, faz com que os cursos de direito ocupem lugar de destaque no número de vagas
oferecidas no terceiro grau, pois a demanda social cria mercado para as fábricas de
bacharéis. Certamente sempre foi mais fácil e barato fundar um curso de direito,
tradicionalmente estruturado em aulas-conferência, cujo único material permanente é a
sala de aula e cujos materiais de consumo resumem-se a giz, quadro-negro e apagador.
Não são necessários laboratórios, computadores, estufas ou instalações especiais. Como
se fosse possível separar ensino de pesquisa. Em suma, a pesquisa não é desejável nem
necessária.
Diante dos custos, a pesquisa jurídica restringe-se praticamente à universidade pública,
vez que o mecenato privado tem pouca significação. A título de comparação, note-se
que algumas boas universidades norte-americanas, administradas pela iniciativa privada
e citadas como exemplo em todo o mundo, precisam de subsídios públicos, pois não
conseguem se manter unicamente com o auxílio do empresariado e as taxas cobradas,
por altas que sejam.
Há também notório descompasso entre a pesquisa jurídica e o estágio em que se
encontram outras ciências sociais, teóricas ou aplicadas, para não mencionar as áreas
tecnológicas e biológicas, nas quais a figura do pesquisador individualizado
praticamente desapareceu. Se se considera que, no Brasil contemporâneo, as ciências
sociais estão muito aquém das demais, uma comparação dentro do quadro geral das
ciências reduz a pesquisa do direito à situação das piores. Os cursos jurídicos mantêm
seu caráter bacharelesco, indiferentes às mudanças no ambiente e às novas concepções,
mostrando-se inadequados não apenas para explicar e transmitir conhecimentos sobre a
realidade jurídica brasileira como também na preparação do corpo discente para a vida
profissional.
3. Qualificação do Pesquisador
Um dos grandes problemas da área é a falta de qualificação e experiência dos eventuais
candidatos a pesquisadores, amadores recrutados na advocacia privada, na magistratura,
no ministério público, muitos sem o menor preparo, tornando a pesquisa em direito uma
atividade secundária e diletante, ainda menos importante do que o já desprestigiado
ensino.
Nas faculdades de direito das universidades públicas, as quais ainda vivem as
conseqüências da política educacional dirigida pelo regime militar de 1964, vê-se toda
uma geração de professores — teoricamente candidatos naturais à pesquisa — que, com
as exceções de praxe, foi selecionada e formada em esquemas de ideologias políticas,
relações pessoais, favores e privilégios, com pouca ou nenhuma atenção para com a
qualificação profissional. Esses setores certamente não desejam nem estão preparados
para uma concorrência aberta em que se avalie a produção de resultados como critério
para distribuição dos recursos disponíveis. Seus representantes mais retrógrados lutam
inclusive contra a pesquisa e a titulação formal (!) e sentem-se ameaçados por
mestrados, doutoramentos, pesquisas, congressos e conferências de colegas mais
dispostos. Com a proteção das leis trabalhistas e do estatuto dos funcionários públicos,
não há remédio imediato contra tal situação, restando apenas vigiar para que o
contingente não se renove. Uma boa via, exigência constitucional para o Estado-
empregador, mas também útil à iniciativa privada, é o concurso por mérito.
Se nem meios simplórios de controle de qualidade foram garantidos à pesquisa jurídica,
não são de estranhar o corporativismo, o acordo silencioso entre docentes e discentes
para aprovação e promoção por decurso de prazo, a administração por critérios
políticos. Quase ninguém discute e publica, e é praticamente nula a assistência jurídica
às comunidades.
Arrematando o nivelamento por baixo, os órgãos dirigentes das universidades e o
próprio Ministério da Educação não fiscalizam, não punem os relapsos, não estimulam
devidamente a dedicação e a produção, contrariando as regras mais elementares de
eficiência em administração. A situação não é muito diferente daquela observada nos
órgãos públicos e no funcionalismo em geral: encara-se a universidade como uma
estrutura burocrática qualquer do Estado subdesenvolvido, com a velha ideologia de se
beneficiar às custas do patrão benevolente e preguiçoso que tem sido o poder público
nacional.
O diagnóstico já não é simples. Mas as questões se complicam quando referidas aos
critérios para separar o joio do trigo e entregar aos mais habilitados — ética e
tecnicamente — a condução da política de pesquisa. A aferição ética é ainda mais
difícil, mas não é nosso assunto. Quanto à competência técnica, de começo temos uma
limitação lógica ou, se quiserem, epistemológica: os critérios quantitativos são objetivos
e claros, mas são insuficientes, não têm sentido se não se combinarem a critérios
qualitativos; já estes são mais precisos em conteúdo, mas implicam necessariamente
arbitrariedade, na medida em que privilegiam uma alternativa em detrimento de outra
igualmente possível. Então, todo critério de qualidade é falho, no sentido de que sempre
há outros caminhos e que qualquer critério admitirá exceções caso a caso. Mas não há
escapatória, se não se quiser ficar no meramente quantitativo.
Em outras palavras, a avaliação quantitativa precisa ser acompanhada de uma avaliação
qualitativa. Para decidir a quem destinar determinada verba de incentivo à pesquisa ou à
informatização, por exemplo, não basta saber quantos livros os professores desta ou
daquela faculdade publicaram durante os últimos cinco anos, mas também que tipos de
livros, através de que meios e editoras, dirigidos a que espécie de público, com que
repercussão e assim por diante. Critérios como esses, abrangendo desde publicações,
grau de repercussão do trabalho do docente em outros centros de ensino e apoio à
pesquisa (convites que recebe, projetos que tem aprovado), até a titulação formal (pós-
graduação), já tradicionais e devidamente testados, precisam ser mantidos, sem prejuízo
da cooperação de outros parâmetros de avaliação. Passam a ter menor significação
critérios exclusivamente quantitativos como, por exemplo, o tempo de serviço. Em
suma, o currículo específico do pesquisador não é paradigma infalível, mas fornece
indícios adequados; e as estatísticas estão aí, com todos os indicadores apontando para a
qualidade curricular, não como meta de final da carreira, mas sim como pressuposto
inicial: nos EUA, no Brasil, no Japão, em inventos, patentes, publicações, incentivos,
projetos.
Um outro problema refere-se ao regime de trabalho de pesquisa em dedicação
exclusiva. Esse tipo de contrato de trabalho, principalmente (mas não apenas) pelo
baixo nível salarial, é raro nas faculdades de direito das universidades públicas e
praticamente inexistente nas particulares. A dedicação exclusiva é o regime da imensa
maioria dos pesquisadores em muitas áreas, mesmo no Brasil, e é a regra geral nas
universidades do centro desenvolvido; e é claro que pesquisadores exclusivamente
dedicados à universidade têm mais tempo para ela, o que significa, entre outras coisas,
mais projetos e maior captação de recursos externos. No campo do direito, contudo,
assim como nas ciências médicas e nas engenharias, o regime de dedicação exclusiva
não encontra tantos adeptos.
Eventuais interessados em pesquisa enfrentam problemas infra-estruturais ainda mais
graves, haja vista o grau de investimento que exige a formação profissional de um
pesquisador. Os salários são irrisórios e muitos docentes ensinam quase de graça. As
motivações são as mais diversas, todas sob o critério do amadorismo diletante, sem o
mínimo compromisso institucional. Se há compromisso por parte dos professores, esse é
meramente moral, ou de "sacerdócio", como se diz, ou de interesse pelo título de
professor de direito, ou outros motivos quaisquer. Com o interesse do jurista amador,
coordenam-se o interesse do empresário em pagar pouco e o interesse dos alunos em
pagar mensalidades mais baratas. Se o ensino se dá nesse ambiente, parece mais difícil
ainda pensar em pesquisa.
4. Ineficiência na Administração
Um grave problema está na administração, no complicado processo de escolha das
lideranças nas universidades, com o objetivo de entregar aos mais aptos a condução da
política de pesquisa e de distribuição de recursos. Se é sintoma de força e independência
a escolha das lideranças pela própria comunidade acadêmica, o processo democrático
tem muitas e muitas vezes ficado na demagogia corporativista das maiorias
circunstanciais, já que a obtenção de qualidade é tarefa de longo prazo que não se presta
a trampolins para a política profissional. Não tem dado resultados ficar no meramente
quantitativo como querem alguns, voto a voto. Também aqui precisa haver critérios
qualitativos. Mas voltar ao despotismo ideológico do sistema anterior seria maior tolice
ainda. Esse problema é mais das universidades públicas. Nas universidades privadas, a
situação é ainda pior: as lideranças são apontadas por critérios outros, como a
capacidade de gerar lucro, e o cuidado com a qualidade tem papel extremamente
reduzido.
As reformas positivas em direção aos critérios de mérito acadêmico dentro da
universidade têm sido conduzidas principalmente pelos setores de pesquisa básica
(químicos, físicos, biólogos) e o conservadorismo dos juristas os tem colocado na
retaguarda, perdendo em qualidade e investimentos para setores mais modernos e
sintonizados com as fontes de recursos. Na última década, apenas para exemplificar, os
investimentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico —
CNPq — para as áreas de economia e administração representaram, em cada uma, cerca
de três vezes mais do que aqueles aplicados em direito. Nas áreas tecnológicas a
diferença é muito maior.
Unidos na preocupação pela qualidade, os profissionais do direito poderiam ter poder de
decisão bem mais significativo dentro da política de pesquisa, por ser direito um curso
de alta demanda social. Em Pernambuco, por exemplo, é o curso com mais candidatos
por vaga (mais de 30 candidatos para 1 vaga na Faculdade de Direito do Recife, da
UFPE) e a situação não se tem apresentado diferente nos demais estados. Mas não é só
isso: dentre as profissões decorrentes de um curso superior, a advocacia é a única com
dignidade constitucional no Brasil de hoje: um dos poderes da República, o Judiciário, e
todo o Ministério Público são exclusivamente formados de bacharéis em direito. E o
mercado de trabalho na área jurídica sempre tem bons lugares para os tecnicamente
preparados, tanto na esfera privada quanto na pública.
Mas as lideranças na área jurídica não têm lançado mão desse poder como souberam
fazê-lo nossos ilustres antecessores, nos tempos do bacharelismo. Independentemente
do eventual papel político da classe dos advogados, que não é nosso tema, ela sequer
influi na política de pesquisa do país.
O desinteresse pela pesquisa por parte dos docentes só é superado pelo descaso do
corpo discente. Essa cumplicidade é atestada, mesmo nas faculdades de direito tidas
como de melhor nível, por óbvios dados estatísticos: menos de cinco por cento dos
alunos aprovados no vestibular não conseguem obter o diploma e, apesar de a
freqüência média às aulas não ultrapassar os sessenta por cento, é o curso com menor
índice de dropouts, de desistentes. Das faculdades de pior nível nem é preciso falar, pois
em muitas delas, segundo denúncias recebidas pela OAB federal, não há sequer aulas-
conferência, muito menos, pesquisas.
Evidentemente a descrição genérica de uma situação de fato não elimina as muitas
exceções, por isso mesmo mais louváveis ainda, no que se refere a componentes
individualizados dos corpos docente, discente e administrativo. A Universidade Federal
de Santa Catarina, por exemplo, com o trabalho da equipe montada por Horácio
Wanderley Rodrigues, vem fazendo funcionar há vários anos uma vara da justiça
estadual dentro do campus, através de convênio com o Tribunal de Justiça do Estado.
Assim, há um juiz designado especificamente para essa vara, com o respectivo corpo
administrativo, na qual os estudantes de direito aplicam seus conhecimentos prestando
assistência jurídica à população mais carente sob supervisão e orientação dos
professores. A Universidade fornece a infra-estrutura.
Em que pese esse evento isolado, continua-se formando, bem ou mal, um determinado
tipo de profissional, ignorando estudos e estatísticas sobre o mercado de trabalho. Além
desse isolamento do mercado, há nas faculdades de direito o que podemos chamar um
isolamento doutrinário, pois a teoria jurídica dominante ainda é a mesma de décadas
atrás e desconsidera contribuições de outras ciências sociais, fechando-se em um
modelo epistemológico inadequado à realidade. Há também um isolamento político —
apesar de toda a política partidária que se faz dentro da universidade hoje — na medida
em que, de um lado, o Estado tem demonstrado pouco ou nenhum interesse no fomento
à pesquisa jurídica e, de outro, pela ausência de demanda por parte das próprias
instituições, sejam públicas ou privadas, o que é ainda mais grave. Quer dizer, não
apenas a metodologia de ensino e pesquisa é conservadora e inadequada, mas também a
administração dos cursos jurídicos tem-se revelado amadora e incapaz de angariar
recursos. Apesar de tudo, houve uma área de pesquisa, a sócio-jurídica, que apresenta
alguns resultados interessantes. Para ela, voltamos agora brevemente nossa atenção.
5. Um Histórico da Pesquisa Sócio-Jurídica no Brasil
5.1 Quem se debruçar sobre o que foi feito em termos de pesquisa sócio-jurídica no
Brasil, dos anos 80 para cá, irá se defrontar — contrariando talvez certo senso-comum
pessimista — não com uma ausência de trabalhos mas, ao contrário, com um acervo de
realizações que, considerando as condições sob as quais se faz ciência no Brasil, até
poderia ser qualificado de surpreendente. Quem, por exemplo, consultar a lista de
trabalhos inscritos para serem apresentados na reunião anual do Grupo de Trabalho
"Direito e Sociedade" da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Ciências Sociais) em 1985, ano-auge de funcionamento daquele Grupo atualmente
extinto, encontrará nada menos do que 16 trabalhos inscritos!
É bem verdade que nem todos poderiam ser rigorosamente considerados como trabalhos
de pesquisa sócio-jurídica, entendida esta como a pesquisa social de base
empírica, tendo por objeto o direito em seu sentido lato: instituições, atores e práticas
jurídicas, oficiais ou não. Alguns são trabalhos teóricos que se confundiriam com a
própria pesquisa jurídica de base bibliográfica feita nas faculdades de direito; outros,
igualmente teóricos, são trabalhos que se inserem na linha "crítica" então em moda etc..
A maioria deles, entretanto, são trabalhos em alguma medida embasados em dados
obtidos mediante pesquisa empírica, seja essa documental ou "de campo".
Essa pequena amostra, relativa apenas a um ano de trabalho e certamente não-exaustiva,
demonstra tanto a variedade de temas abordados pela pesquisa sócio-jurídica brasileira
de alguns anos atrás, quanto, numa perspectiva comparativa com o aparentemente
pouco que se faz hoje (sobre isso falaremos adiante), que na verdade a pesquisa
sociológica sobre o direito no Brasil está longe de ser inexistente. Ao contrário, ela é
(ou pelo menos foi) numerosa; mas também, ao mesmo tempo, dispersa e descontínua.
Esses fatores recomendam, assim, que neste breve estudo abandonemos a perspectiva de
fazer um levantamento de tudo o que se fez, pois o resultado final apresentaria
certamente muitas lacunas e, além do mais, poderia, ao espelhar uma diversidade
temática muito grande, revelar-se analiticamente irrelevante. Optaremos, assim, por
tentar pôr em relevo algumas das principais linhas temáticas das pesquisas e os
principais lociinstitucionais onde elas foram feitas. A nossa opção também ensejará,
necessariamente, inúmeras lacunas, mas cremos que ela nos permitirá ter um quadro
mais sistemático e consistente do que foi feito e de certas perspectivas que se abrem a
partir do que se faz hoje em dia.
5.2. A primeira instituição brasileira a dedicar-se de modo sistemático à pesquisa sócio-
jurídica, no sentido acima definido, foi a Divisão de Ciência do Direito, dirigida por
Cláudio Souto — ele próprio um dos pioneiros nessa área no Brasil —, vinculada ao
antigo Instituto de Ciências do Homem da Universidade do Recife, fundado em 1963.
Em 1970, a Divisão foi absorvida pelo Mestrado em Sociologia da Universidade
Federal de Pernambuco, que passou a contar, assim, com uma área de concentração em
Sociologia Jurídica, animada, até meados dos anos 80, por Cláudio e Solange Souto e
Joaquim Falcão — os dois primeiros voltados a trabalhar empiricamente um tema
eminentemente teórico, o "sentimento de justiça", e o último voltado a uma perspectiva
mais contextualizada, tendo ele próprio pesquisado o ensino jurídico no Brasil e
conflitos entre posseiros e proprietários no Recife, e orientado dissertações na área do
"direito informal". É no curso dos anos 70 que aparecem várias obras didáticas sobre a
disciplina então em expansão, entre as quais uma Sociologia do Direitode F. A. de
Miranda Rosa que foi várias vezes reeditada. Miranda Rosa, desembargador aposentado
do Rio de Janeiro, dirigiu nessa época o CEJUR (Centro de Estudos Jurídicos), sediado
no Rio de Janeiro, onde se realizaram vários trabalhos na área temática da "mudança
social e direito", inclusive uma importante e pioneira pesquisa sobre modos de
resolução de conflitos.
A formação básica de praticamente todos esses e vários outros "pioneiros" — mas essa
tendência continuou predominando e predomina ainda hoje — é o direito. Isto é, a
constituição de um campo de pesquisas sócio-jurídicas no Brasil, ainda que as exceções
existam, não é, fundamentalmente, um trabalho de cientistas sociais (sociólogos,
antropólogos etc.) que tenham estendido suas teorias, métodos e técnicas ao campo do
jurídico, mas um trabalho de juristas com inquietações sociológicas — o que, como se
verá adiante, não é sem conseqüências para a própria afirmação acadêmica da
sociologia jurídica no Brasil.
Noutros termos, trata-se de um trabalho de juristas-sociólogos inconformados com o
excessivo formalismo do direito — seu conteúdo muitas vezes distante, muitas vezes
hostil aos problemas reais do nosso povo, suas insuficiências operacionais etc. — que se
apropriam de algumas técnicas de pesquisa das ciências sociais em trabalhos feitos
muitas vezes com grande esforço individual e que dificilmente integram um programa
institucionalizado e continuado de pesquisa, mesmo se algumas linhas chegaram a se
sobressair. Esse impulso "inconformista", da mesma maneira que a intenção de
mudança que ele embasa, reflete-se em algumas linhas de pesquisa que aparecem
recorrentemente, por exemplo, ensino jurídico e administração da justiça, incluindo-se
nessa segunda vertente tanto as agências judiciais quanto, sobretudo, não-judiciais de
resolução de conflitos. Num e noutro caso, como seria de se esperar, os trabalhos são
impregnados de uma forte postura crítica em relação à cultura jurídica existente.
5.3. Em relação ao ensino jurídico, são muitos e variados os trabalhos existentes. Na
verdade, os nomes mais conhecidos da pesquisa sócio-jurídica no Brasil — Cláudio
Souto, Joaquim Falcão, Luis Warat, Roberto Lyra Filho, José Eduardo Faria etc. —
estão entre os autores que escreveram sobre esse tema. Em 1974, sob a liderança do
argentino Luís Warat, professor no Mestrado em Ciências Jurídicas da UFSC, foi criada
a ALMED — Associação Latino-Americana de Metodologia do Ensino do Direito,
entre cujos objetivos figurava nada menos que a reformulação das bases
epistemológicas da produção do conhecimento na área do direito, considerado como
fetichizante. O movimento manteve, apesar da irregularidade da circulação, uma revista,
a Contradogmáticas, e teve grande repercussão em outras instituições de vários estados
brasileiros, sobretudo no Mestrado em Direito da PUC do Rio de Janeiro, onde chegou a
funcionar informalmente um núcleo da ALMED. Os seus trabalhos foram sempre mais
teórico-críticos do que propriamente sócio-empíricos, mas o pensamento de Warat
irrigou muito do que se fez em termos de uma abordagem sociológica do direito no
Brasil, e durante algum tempo elevou o Mestrado de Direito de Santa Catarina à
condição de mais prestigioso do país.
A partir dessa época — meados dos anos 70 — assistiu-se, paralelamente (ou talvez
conseqüentemente), ao processo de abertura política e de emergência de uma demanda
política duramente represada, ao aparecimento, entre nós, de uma perspectiva "crítica"
— caudatária sobretudo, ainda que não exclusivamente, do movimento "crítica do
direito" francês —, que invadiu os espaços jurídicos tradicionalmente tão
conservadores, chegando a constituir-se em verdadeiros movimentos. A ALMED foi
um deles; outro, foi a Nova Escola Jurídica Brasileira, capitaneada por Roberto Lyra
Filho, da UnB, que com sua perspectiva "dialética" sobre o direito, fortemente
influenciada pelos trabalhos de Marx, teve uma enorme recepção sobretudo junto ao
movimento estudantil. A revista Direito & Avesso, da qual apareceram apenas uns
poucos números, veiculou as idéias da Escola. Também aqui, mesmo se as referências
empíricas — et pour cause — não faltam, o forte da produção do grupo são os trabalhos
mais teórico-críticos do que propriamente empíricos.
5.4. Estamos, aqui, numa fase que poderíamos caracterizar como de institucionalização
da pesquisa sócio-jurídica brasileira. Em 1979, a partir de uma iniciativa de Joaquim
Falcão, criou-se, no seio da ANPOCS, o Grupo de Trabalho "Direito e Sociedade", o
qual, durante os dez anos seguintes, iria funcionar como uma boa vitrine do que se fazia
nesse campo no Brasil. Aí iriam regularmente comparecer, nos encontros anuais, tanto
"representantes" da ALMED e da Nova Escola Jurídica de Lyra Filho, quanto de outros
grupos mais ou menos informais: o "grupo" da PUC-Rio, muito influenciado pela
perspectiva "crítica do direito"; o "grupo" de Recife, formado por pesquisadores do
Mestrado em Sociologia da UFPE e/ou do Departamento de Ciência Política da
Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) que trabalhavam com Joaquim Falcão e que
adotavam uma perspectiva bem mais "empírica" — etc. Também freqüentaram o Grupo
pesquisadores que pertenciam à geração dos "pioneiros", como Miranda Rosa, tanto
quanto pesquisadores egressos de outras áreas, mas que trabalhavam com temas afins,
como é o caso de Roberto Kant de Lima e Manuela Carneiro da Cunha, antropólogos;
Maria Célia Paoli e Sérgio Adorno, sociólogos; Maria Victória Benevides, cientista
política etc, o que mostra como, em determinado instante pelo menos, os juristas-
sociólogos do Grupo da ANPOCS tinham-se tornado interlocutores de pesquisadores
vindos de outros campos academicamente mais sólidos e renomados. Na primeira
metade dos anos 80, a institucionalização da pesquisa sócio-jurídica ganhou um novo
reforço com a criação de uma Divisão de Pesquisa na Secção Regional da OAB do Rio
de Janeiro, a qual chegou inclusive a promover concursos para financiar projetos de
pesquisa. No fim dessses mesmos anos 80, a OAB federal passou a editar uma
publicação de amplitude nacional, a Revista da OAB, abrindo um importante espaço
para a divulgação de trabalhos em sociologia jurídica.
Como dissemos anteriormente, uma das linhas de pesquisa que se sobressaíram ao
longo desses anos foi a da administração da justiça, em agências judiciais e, sobretudo,
extra-judiciais, na medida em que a maioria das pesquisas sócio-empíricas então
realizadas voltaram-se para outros locais de resolução de conflitos que não o Poder
Judiciário stricto sensu. Sobre este, a maioria dos estudos existentes — apesar de não se
confundirem com a linha "dogmática", na medida em que se apóiam em dados das
ciências sociais — foram sobretudo trabalhos de reflexão teórica, como os que tem
produzido José Eduardo Faria na Faculdade de Direito de São Paulo sobre os impasses e
limites da cultura jurídica liberal num país com indicadores sócio-econômicos como o
Brasil. Numa linha mais "pragmática", tem-se destacado, a partir de meados dos anos
80, o que o próprio Faria chama de "Nova Escola Processual de São Paulo", formada
por professores da mesma Faculdade e com renomada experiência como profissionais
do direito (Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco,
entre outros). Esses processualistas têm realizado estudos sobre acesso à justiça e seus
trabalhos influenciaram algumas importantes alterações processuais verificadas no
Brasil nos últimos anos, como a criação dos Tribunais de Pequenas Causas, a
institucionalização da representação judicial coletiva em questões ecológicas, de
consumidores etc..
Já no que diz respeito aos "operadores jurídicos" — juízes e advogados, estes sobretudo
—, a pesquisa sócio-jurídica apresenta um bom acervo de realizações, que vão do
estudo pioneiro do juiz capixaba João Batista Herkenhoff sobre a função judiciária no
interior, ainda nos anos 70, aos trabalhos de Joaquim Falcão e Edmundo Lima de
Arruda Júnior sobre os advogados e o mercado de trabalho, nos anos 80, e, já nos anos
90, de Roberto Aguiar sobre a crise da advocacia no Brasil.
Voltando à linha da administração da justiça, é na vertente das agências não-judiciais de
resolução de conflitos, como dissemos, que os trabalhos mais se concentram. Entre
essas, figuram agências que, mesmo não sendo judiciais, são estatais, e outras que se
situam fora do Estado. Sobre as agências estatais o grupo de Recife reunido em torno de
Joaquim Falcão, primeiro no mestrado em Sociologia da UFPE e em seguida no
Departamento de Ciência Política da FUNDAJ, realizou na década de 80 alguns dos
mais importantes trabalhos até hoje existentes. Exemplos disso são as pesquisas de
Joaquim Falcão e Alexandrina Moura sobre conflitos de propriedade e legalização da
posse de terras invadidas no grande Recife mediante intervenção de órgãos da
Administração; de Luciano Oliveira e Affonso Pereira sobre conflitos coletivos
ecológicos e de consumidores e seu tratamento via "justiça administrativa"; e de
Luciano Oliveira sobre a polícia enquanto locus de resolução de "pequenas causas" das
classes populares. No Rio de Janeiro, nessa mesma época, um grupo da PUC-Rio
(Eliane Junqueira e José Ribas Vieira, entre outros) também realizou pesquisa sobre a
inadequação do Judiciário no tratamento de conflitos coletivos encaminhados por
associações de moradores e seu subseqüente desaguamento nas agências do Poder
Executivo.
No que diz respeito às agências não-estatais, ou "societais", a pesquisa que mais rendeu
frutos teóricos foi a do sociólogo português Boaventura de Souza Santos sobre a
Associação de Moradores de uma favela do Rio de Janeiro, a que ele deu o nome
fictício de "Pasárgada", como instância de resolução de conflitos possessórios
envolvendo os seus moradores sem acesso ao Judiciário. Realizada no início dos anos
70, foi nos anos 80, entretanto, que a pesquisa de Boaventura beneficiou-se de ampla
divulgação e aceitação no Brasil. A partir do seu trabalho, o conceito eminentemente
sociológico de "pluralismo jurídico", por ele utilizado numa perspectiva marxista como
marco teórico do seu trabalho, tornou-se uma das categorias mais fundamentais da
pesquisa sócio-jurídica brasileira, e as agências societais de resolução de conflitos
passaram a ocupar, segundo a expressão de Eliane Junqueira, um "lugar de honra" entre
os juristas-sociólogos.
5.5. Paralelamente a todo esse movimento envolvendo pesquisadores e instituições de
pesquisa, aparecem desde os anos 80 algumas organizações não-governamentais
(ONGs) de militância, mas também de produção de estudos e reflexões críticas na área
do direito, fortemente influenciadas pela Nova Escola Jurídica de Lyra Filho e pelo
marco teórico "pluralista" de Boaventura Santos, entre outras orientações "críticas". É o
caso do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), de
Olinda, Pernambuco, e do Instituto de Apoio Jurídico Popular (AJUP), do Rio de
Janeiro. Este último, sobretudo através dos trabalhos do seu coordenador, Miguel
Pressburger, pôs em voga o conceito de "direito insurgente", uma perspectiva que vê,
nos movimentos populares que se insurgem contra a ordem jurídica burguesa, o fulcro
de um novo direito emancipatório. Os seus trabalhos, sem serem rigorosamente falando
de Sociologia Jurídica, têm assumidamente o objetivo de reformular as análises
jurídicas com a introdução, entre outros recursos, de metodologias derivadas da
Sociologia Jurídica. É o caso também do projeto "O Direito Achado na Rua", um curso
de extensão universitária a distância, produzido em 1987 pelo Núcleo de Estudos da Paz
e Direitos Humanos da UnB, coordenado por José Geraldo de Souza Júnior, discípulo e
continuador do trabalho de Lyra Filho, e dirigido a líderes e militantes dos movimentos
sociais, sindicais, de trabalhadores rurais etc..
Nessa mesma vertente crítico-emancipatória, pode ser classificado o multiforme
movimento surgido em fins dos anos 80 com a designação de "Direito Alternativo",
amplamente espalhado sobretudo nos estados do sul (Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul), e caudatário, de um lado, de várias das vertentes "críticas" aqui
referidas — da ALMED de Warat ao pluralismo jurídico de Boaventura Santos — e, de
outro, de correntes menos radicais e reconhecidamente reformistas, como o "uso
alternativo do direito", originária de um grupo de juristas de esquerda italianos. O
movimento reúne, além de professores e pesquisadores, vários operadores jurídicos e
conta com uma publicação periódica, Lições de Direito Alternativo, para divulgação de
seus estudos. Além disso, apresenta no seu ativo uma produção bibliográfica
numericamente importante. Resta dizer, entretanto, que os trabalhos do movimento
alternativo, tanto quanto os de grupos que lhe são próximos ou assemelhados, como o
projeto "O Direito Achado na Rua", o AJUP etc. — sem que esse julgamento de forma
alguma minimize sua importância como movimento renovador num ambiente
tradicionalmente conservador —, de um modo geral, não possuem o perfil de trabalhos
sócio-jurídicos no sentido empírico do termo, até porque o forte caráter militante de boa
parte dos textos tende a ultrapassar os cânones da chamada objetividade científica
exigidos pela comunidade acadêmica.
5.6 Malgrado todas essas realizações, os anos 90 assistem, surpreendentemente, a um
retrocesso, podendo-se mesmo falar, até certo ponto, num processo de
desinstitucionalização. Senão, vejamos. A ALMED praticamente desapareceu, levando
consigo a revistaContradogmáticas; a Direito & Avesso, porta-voz da Nova Escola
Jurídica, morreu antes do seu fundador, Roberto Lyra Filho; o Mestrado em Sociologia
da UFPE já não conta com uma área de concentração em Sociologia Jurídica; o "grupo"
da FUNDAJ desfez-se; a Divisão de Pesquisa da OAB-RJ diminuiu seus investimentos
nessa área; e a Revista da OAB, da Secção Federal, deixou de circular, supostamente por
problemas financeiros. Pior ainda, o Grupo "Direito e Sociedade", o locus institucional
mais importante para a afirmação acadêmica dos juristas-sociólogos, já não existe: em
1990, a direção da ANPOCS, no intuito de renovar os grupos de trabalho, extinguiu
todos os existentes e abriu inscrição para a formação de novos grupos, podendo os
antigos, em igualdade de condições, reapresentar sua candidatura. O "Direito e
Sociedade" foi um dos que não foram reconduzidos... Como explicar esse aparente
retrocesso e quais são as perspectivas que se abrem daqui para a frente em face desse
contexto desfavorável?
A não-renovação do grupo pela ANPOCS constitui, efetivamente, uma ocorrência
preocupante, na medida em que parece significar o seu não-reconhecimento como um
grupo de pesquisa academicamente importante. Ou seja: colocados a meio-termo entre
os juristas e os cientistas sociais, os juristas-sociólogos parecem jogados num limbo:
para os primeiros, eles seriam demasiadamente sociólogos e, para os segundos,
demasiadamente juristas. Quanto às outras ocorrências, que um lugar-comum tão
invocado nesses tempos de crise econômica poderia rapidamente atribuir à escassez de
recursos financeiros, na verdade não nos parecem tão graves quanto poderiam à
primeira vista parecer. Em primeiro lugar, a hipótese da escassez, pelo menos em
relação a dois casos que conhecemos mais de perto, não resiste a um exame mais atento:
se a Sociologia Jurídica já não existe como área de concentração no Mestrado em
Sociologia da UFPE, é porque os professores que eram responsáveis por ela se
aposentaram; quanto ao "grupo" da FUNDAJ, se ele já não existe, é porque os seus
integrantes passaram a ter outros interesses de pesquisa. A hipótese da ausência de
recursos como responsável pelo fechamento daRevista da OAB parece-nos frágil — em
todo caso, capaz de ser revertida, pois dificilmente parece crível a hipótese de uma
instituição como a OAB federal impossibilitada de financiar a publicação de uma
simples revista quadrimensal.
Mas as ocorrências aludidas nos parecem menos graves, sobretudo porque o
desaparecimento de alguns grupos não significa o fim das experiências que eles
encetaram ou que o trabalho que até então fizeram não poderá ser feito alhures. A Nova
Escola Jurídica de Lyra Filho, continua no projeto "O Direito Achado na Rua". Aliás,
todas as correntes críticas hoje abrigadas no movimento do "Direito Alternativo" não
pararam de crescer nos anos 90: graças à capacidade administrativa — e mesmo
empresarial — de líderes como Edmundo Lima de Arruda Júnior, o movimento já
realizou dois encontros internacionais e recentemente foi fundado o IDA — Instituto de
Direito Alternativo —, com sede na Universidade de Santa Catarina. No que diz
respeito mais especificamente à pesquisa sócio-jurídicastricto sensu, foi há alguns anos
fundado na Faculdade de Direito de São Paulo, por iniciativa de José Eduardo Faria, o
CEDISO — Centro de Estudos Direito e Sociedade, que se dispõe a retomar, entre
outras, a linha das pesquisas de base empírica. E, como que se recusando a deixar
desaparecer definitivamente o Grupo Direito e Sociedade da ANPOCS, Eliane
Junqueira, da PUC-Rio, mantém já há alguns anos, por iniciativa e com recursos
próprios, uma newsletter que se chama, justamente, "Rede Direito e Sociedade" —
embrião talvez de uma nova organização?
Já em seu terceiro ano de funcionamento, o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Direito (CONPEDI) tem promovido seminários reunindo professores e
pesquisadores de todo o país, vinculados a instituições públicas e privadas, com o
objetivo de fortalecer a pesquisa e os cursos de mestrado e doutorado no Brasil. A
entidade é atualmente presidida por José Ribas Vieira, da PUC do Rio de Janeiro.
A OAB Federal e o Ministério de Educação promoveram, em 1994, uma série de
seminários e colheram uma série de estatísticas destinadas a avaliar o ensino e a
pesquisa em direito. A imensa maioria das instituições se têm disposto a cooperar no
diagnóstico da situação. Remetemos o leitor às duas publicações recentemente
patrocinadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:OAB Ensino
Jurídico — Diagnóstico, Perspectivas e Propostas, Brasília, 1992 e OAB Ensino
Jurídico — Parâmetros para Elevação de Qualidade e Avaliação, Brasília, 1993.
Embora a preocupação central seja o ensino, essas séries de artigos cuidam também da
pesquisa. A intenção declarada é continuar com esses procedimentos de avaliação e
fomento à qualificação.
Em resumo: como que confirmando o argumento inicial, o panorama da pesquisa sócio-
jurídica é menos de inexistência do que de descontinuidade. E, acrescentaríamos, até
certo ponto de não aproveitamento mais intensivo de recursos e possibilidades
atualmente existentes — observação válida para a pesquisa jurídica tout court de um
modo geral. Com o objetivo de obter um referencial concreto sobre o papel das
instituições oficiais no apoio à pesquisa jurídica e sócio-jurídica no país, vamos a seguir
descrever, um tanto detalhadamente, o programa atual de fomento do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão vinculado ao
Ministério da Educação.
6. O Programa de Bolsas e Auxílios do CNPq
6.1 Bolsas no País
6.1.1 Iniciação Científica (IC) — O critério mínimo utilizado tem sido o de considerar
como média 2 pesquisadores-orientadores em potencial por instituição de ensino e
pesquisa em nível de pós-graduação. Havendo 17 cursos de mestrado em
funcionamento no país, chega-se a uma estimativa de 34 pesquisadores aptos a orientar
bolsistas de IC. Fixando também um mínimo de 2 bolsistas por pesquisador, obtém-se o
resultado de 64 bolsistas.
Como os cálculos assim feitos tomam uma base mínima, e levando em consideração as
bolsas já inseridas no sistema, tem-se um total de 80 bolsas de iniciação científica na
área de direito. Entre 1990 e 1994, houve um crescimento de aproximadamente 150%
com a substituição, já implantada, do sistema de concessão direta ("balcão") pelo
programa de distribuição de bolsas às pró-reitorias de pesquisa, as quais cuidam do
repasse direto ao aluno. Essa modalidade de bolsa tem sido bem aproveitada do ponto-
de-vista da demanda e é quase que unanimemente considerada prioritária pela
comunidade científica.
6.1.2 Aperfeiçoamento tipo A — Esta modalidade procura contemplar cursos
razoavelmente estáveis, mas que ainda não possuam nível de mestrado. Ela tem sido
subutilizada pela área de direito, tanto no que concerne à demanda bruta quanto no que
diz respeito à implantação das poucas bolsas concedidas. Tais cursos de especialização
— ou de pós-graduação em sentido lato — têm sido calculados tendo em vista o número
de cursos de mestrado em funcionamento, o que se tem mostrado inadequado, já que a
especialização é mais necessária justamente em centros em que não exista a pós-
graduação stricto sensu — mestrado e doutorado.
Aperfeiçoamento tipo B — Esta modalidade é individualmente concedida ao graduado
que, por diversos motivos, pretende pesquisa desvinculada de um curso de mestrado. No
mesmo sentido da argumentação anterior, o cálculo aqui também não se pode guiar
pelos cursos de pós-graduação em funcionamento. Há um total de 20 bolsas já
integradas ao sistema, com um crescimento estimado em 20% ao ano.
6.1.3. Mestrado — Diante da prioridade no apoio aos programas de mestrado em
funcionamento no país e o crescimento estável detectado na demanda nos últimos 5
anos, concedeu-se um total de 173 bolsas no país durante o ano de 1993. O objetivo é
que todos os mestrandos da área que se decidam pela dedicação exclusiva sejam
contemplados com bolsas. Crescimento observado também de 20% ao ano.
6.1.4. Doutorado — Tendo em vista o crescimento da demanda por doutoramento no
país e a carência da área em profissionais qualificados, foram implantadas 55 bolsas,
também em um crescimento de 20%. Ao lado do Desenvolvimento Científico Regional,
o doutorado no país é das modalidades mais carentes de incentivo.
6.1.5. Pós-Doutorado — Esta bolsa não foi ainda solicitada no país, na área de direito.
O principal motivo é a falta de divulgação. O programa existe, nada obstante. A bolsa
tem por objetivo facultar ao doutorando de determinada instituição no país a realização
de pesquisas em outra instituição nacional.
6.1.6. Pesquisa — Esta é sem dúvida das mais importantes modalidades. Diante da
fraca demanda da área e tendo em vista a existência de apenas 23 bolsas no sistema, em
1993, a passagem para o total de 35 bolsas de pesquisa em 1994, apesar de pequena em
termos absolutos, foi a mais significativa da área jurídica desde a criação do programa.
O grande problema é a demanda, insuficiente em termos quantitativos e incompetente
em termos de qualidade: pede-se pouco e pede-se mal, em que pesem os esforços do
CNPq no sentido de divulgar os dados disponíveis.
6.1.7. Pesquisa Especial: Recém-Doutor — Mantendo pelo menos o que já está
implantado, pode-se contar com 2 bolsas para os recém-doutores sem vínculo no país.
Interessante observar que não há registro de recém-doutor (até dois anos após obtenção
do título) que tenha tido projeto recusado. A demanda é insignificante, sobretudo
porque a imensa maioria dos doutores está previamente vinculada a alguma instituição
antes mesmo de se arriscarem a um doutoramento. Outro contingente é imediatamente
absorvido e adquire o vínculo sem que chegue a pleitear a bolsa de recém-doutor.
Pesquisador Visitante — Modalidade inexplorada e praticamente desconhecida da
comunidade jurídica. Difícil exagerar a importância deste tipo de intercâmbio. Mesmo
as faculdades de direito públicas não a solicitam. Ainda assim o CNPq tem colocado à
disposição 2 bolsas anuais.
Desenvolvimento Científico Regional — Nunca foi solicitada por qualquer candidato
vinculado à área de direito, inexiste no sistema. A idéia é fundamental para regiões mais
problemáticas do país, como o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste, cientificamente
atrasadas devido à concentração regional de renda e cultura agravada nas últimas
décadas.
6.1.8. Pesquisador Aposentado — O CNPq houve por bem extinguir esta modalidade
após apenas dois anos de implantação. Diante da clientela potencial, poderia ter vindo a
ser incrementada para 8 ou mais bolsas em 1995. A contribuição da geração que agora
se aposenta, que não tem sido substituída à altura na área de direito, sobretudo pelo
sucateamento do corpo docente nas últimas três décadas, nas regiões mais carentes do
país, seria de muito auxílio.
6.2 Bolsas no Exterior
6.2.1. Aperfeiçoamento — Considerando que o aluno meramente bacharelado, via-de-
regra, não apresenta condições para um completo aproveitamento de eventual estágio no
exterior e que as possibilidades de iniciar os estudos de pós-graduação em direito no
país já são amplas, além dos custos para o erário público, este tipo de bolsa tem sido
considerado supérfluo e muito parcamente concedido. De todo modo, em direito não há
qualquer demanda.
6.2.2. Mestrado — Tem tido mais prioridade do que as bolsas de aperfeiçoamento. A
política é incentivar aqueles casos em que ficar evidente a carência na área e a
impossibilidade de realização do curso no país. Implantaram-se 3 bolsas no ano de
1994, mantendo-se as 2 que já se encontravam no sistema.
6.2.3. Doutorado — Há 28 bolsas em andamento e a taxa de crescimento anual tem-se
mantido acima da média e estável em cerca de 30%. Esta modalidade tem apresentado
bom rendimento na área jurídica, apesar da relativamente pouca quantidade de
solicitações. As bolsas brasileiras são financeiramente razoáveis, superiores à maioria
daquelas concedidas por instituições estrangeiras para pesquisadores igualmente
qualificados. As dificuldades maiores referem-se ao alto grau de exigência no domínio
da língua estrangeira.
6.2.4. Pós-Doutorado — As concessões têm permanecido em cerca de 02 (duas) bolsas
ao ano. Este tipo de bolsa é importante, pois como não existe a bolsa de pesquisa no
exterior, ela acaba funcionando como aperfeiçoamento para os mais qualificados,
permitindo-lhes atualizar-se em centros mais desenvolvidos.
6.2.5. Doutorado-Sanduíche — Tal modalidade permite que o doutorando
regularmente matriculado em instituição nacional desenvolva parte de suas pesquisas
em um centro devidamente qualificado no exterior. Mereceria um incremento sensível e
mais atenção da comunidade jurídica, vez que resulta mais barata aos cofres públicos e
tem apresentado resultados tão bons quanto as bolsas de doutorado no exterior. Ainda
não se conseguiu preencher a quota de 6 bolsas para esta modalidade.
6.3 Auxílios
(Os cálculos são feitos em dólares).
6.3.1. Pesquisador Visitante Estrangeiro (APV) — Os pesquisadores são divididos
em 3 sub-grupos, segundo pretendam visita de 30 dias (U$ 10.000,00), 60 dias (U$
13.000,00) ou 90 dias (U$ 16.000,00). Diante do número de cursos de pós-graduação
em funcionamento no país atualmente, tem-se uma oferta respectivamente 3, 4 e 8, em
um total de 15 pesquisadores. Essa meta não é, contudo, preenchida, pelos problemas de
demanda já apontados, crônicos na área de direito.
6.3.2. Pesquisador Visitante Nacional — Calculados a um total de U$ 2.000,00 por 30
dias, tem-se um total de 11 pesquisadores na área. Ficamos com um total de 26
pesquisadores visitantes a U$ 232.000,00. Na realidade, o total de bolsas efetivamente
implantadas não chega a 10.
6.3.3. Realização de Eventos Científicos no País (ARG) — Tomando o número de 6
centros de boa produção acadêmico-científica como base, a assessoria do CNPq
estabeleceu como meta um total de 10 eventos anuais no país, ao custo total de U$
128.000, assim divididos: para 2 eventos nacionais de subárea, um total de U$
40.000,00; para 2 eventos internacionais de subárea, também U$ 40.000,00; para 6
eventos temáticos, alocados U$ 48.000,00. A demanda em 1994 ficou reduzida a 4
eventos, todos apoiados pelo CNPq.
6.3.4. Participação em Eventos Científicos Estrangeiros
6.3.5. Defesa de Tese de Doutorado no Exterior
6.3.6. Estágio e Curso no Exterior
Essas três modalidades foram calculadas pelo CNPq a um total de U$ 8.300,00 por
viagem. Houve disponibilidade de recursos para cerca de 8 viagens em 1994,
perfazendo aproximadamente U$ 66.400,00.
6.3.7. Auxílio-Pesquisa Individual — Para calcular ambas as modalidades de auxílio,
o critério foi o número de bolsistas de pesquisa estimado para 1995, acrescido de cerca
de 25% de novos doutores. Do total, 33% foi destinado a auxílios individuais e 67%, a
auxílios integrados. Não foi atingida a meta de 23 auxílios individuais a U$ 15.000,00
cada um, totalizando U$ 345.000,00.
Auxílio-Pesquisa Integrado — É clara a tendência no sentido de priorizar este tipo de
auxílio. A média de recursos alocados na área jurídica, por auxílio, foi fixada em U$
18.000,00. A demanda ficou aquém dos cálculos.
Um problema operacional de caráter geral, e não exclusivo do CNPq, é a proibição de
aplicar os recursos movimentados, qualquer que seja a modalidade apoiada. Isso impede
o beneficiário de aproveitar promoções (como é o caso de passagens aéreas, por
exemplo). A aplicação dos recursos não é apenas fácil de fiscalizar como constitui um
imperativo econômico-financeiro para bom uso do dinheiro público. E tal proibição não
é garantia alguma contra a desonestidade. A comunidade científica tem pressionado no
sentido de modificar a legislação e encontrar outras fórmulas de fiscalização que dêem
menos prejuízo ao erário e à ciência nacional.
7. Resumo da Situação Atual da Área e Apoio Institucional do CNPq.
7.1 Situação Atual da Área
1. Cursos de mestrado em funcionamento: 17
2. Cursos de doutorado em funcionamento: 05
3. Setores com produção científica destacada: 06
4. Outros grupos de pesquisa ativos: 06
5. Pesquisadores do CNPq (cada uma das duas categoria está dividida em três níveis: A,
B e C)
5.1. Categoria I: 14 (5 nível A, 5 nível B e 4 nível C)
5.2. Categoria II: 09 (4 nível A, 5 nível C)
6. Doutores/orientadores de pós-graduação no país: 308
7. Mestres no país: 93
8. Alunos de doutorado no país: 246
9. Alunos de mestrado no país: 1.153
10. Taxa de formação anual de mestres: 7 %
11. Taxa de formação anual de doutores: 11 %
12. Bolsistas do CNPq no exterior: 39 (Faltam os dados da CAPES)
Especialização: 01
Mestrado: 03
Doutorado e doutorado-sanduíche: 33
Pós-doutorado: 2
7.2 O Apoio Institucional do CNPq:
A área de ciências humanas e sociais, uma das três grandes divisões acadêmicas no
organograma do CNPq, é contemplada com 9% do total de fomentos concedidos. Essa
relativamente baixa porcentagem é reflexo da evolução da própria instituição e das
condições de pesquisa na área. Dentro das ciências humanas e sociais, as chamadas
ciências sociais aplicadas (economia, administração e direito) ocupam posição
intermédia em volume de recursos. A área especificamente jurídica, porém, é das menos
atuantes e com menos tradição em termos de pesquisa. Vejamos alguns exemplos dos
temas preferidos pelos juristas que solicitam apoio ao CNPq.
O Conselho divide a área jurídica da seguinte maneira: teoria do direito; direito público;
direito privado; e direitos especiais. Esses campos têm sido eqüitativamente
contemplados com incentivos. A origem da pouca significação da área jurídica, em
movimentação de recursos, parece mesmo estar na demanda reduzida e na falta de
tradição em pesquisa científica.
Na área do direito internacional público, tem havido grande interesse pelo Mercosul e
pela legalização do Mercado Comum das Américas, sobretudo da parte de
pesquisadores do sul do país. A proteção ao meio ambiente, tanto do ponto-de-vista do
direito constitucional e internacional público, quanto sob a perspectiva especificamente
penal e de política criminal, é tema de quatro pesquisas em andamento, no Rio de
Janeiro, em São Paulo e em Santa Catarina.
O CNPq tem apoiado também áreas mais tradicionais que, por sua importância, estão
sempre em atualidade e que podemos denominar especificamente de dogmática jurídica:
no campo do direito público comparado, há um projeto na Universidade Federal da
Paraíba versando sobre os direitos alemão e português, com atenção específica a suas
relações com o direito brasileiro contemporâneo e sua influência sobre ele.
Os temas com reflexos práticos mais diretos também fazem parte do sistema na área de
direito: o direito agrário e sua possível influência na reforma agrária do país; o papel da
legislação na modernização da economia e da política ambiental; o problema dos
tóxicos e as funções educativa e repressiva do direito; situação jurídica e social do
menor no contexto brasileiro; as novas garantias constitucionais como o mandado de
segurança coletivo, o habeas data, o mandado de injunção e a inconstitucionalidade por
omissão.
Na subárea do direito privado, o tema mais recorrente nos últimos cinco anos tem sido a
proteção aos direitos do autor, sobretudo no campo da informática, especificamente no
que se refere à criação de softwares. Mas não somente: há projetos ortodoxos sobre o
problema do inadimplemento dos contratos e as modificações socialmente mais
significativas no direito de família.
Na subárea de teoria geral do direito e sociologia jurídica, o controle do Estado e da
sociedade sobre procriação artificial e manipulação genética, com mudanças em
conceitos jurídicos básicos (por exemplo, a separação do conceito de maternidade em
"genética" e "uterina"), é tema interdisciplinar de um grupo de pesquisa paranaense. Em
Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Rio de Janeiro há grupos de
pesquisa dedicados ao estudo do chamado uso alternativo do direito e do direito para-
estatal, como movimentos espontâneos no contexto de ineficiência do Estado
subdesenvolvido. Há também um projeto integrado, no Centro de Ciências Jurídicas da
UFRJ, que pesquisa o sistema penitenciário sob perspectiva sociológica. No campo
conexo da história do direito, há um projeto que trata do papel de Rui Barbosa no
constitucionalismo republicano brasileiro.
Percebe-se que já existem grupos de pesquisa consolidados no país e que o nível geral
da pesquisa nos cursos de graduação e pós-graduação tem melhorado. Nada obstante,
prevalece ainda a figura do pesquisador isolado ou com equipes compostas de apenas
um pesquisador qualificado e estudantes. O sistema pode ser melhorado não apenas
quantitativamente, mas também qualitativamente. O maior problema é a pouca
divulgação do papel e das possibilidades do CNPq e de outras fontes de recursos, tanto
estatais, estaduais e empresariais quanto estrangeiras. a experiência mostra que a área de
direito, repetimos, apresenta poucos projetos, a maioria mal formulados.
Ilustrando a escassez da demanda, independentemente da qualidade, verifica-se que
modalidades de bolsa habitualmente cobiçadas em outras áreas, como doutorado no
exterior, chegam a ser concedidas, na prática, a todos ou quase todos os solicitantes que
preenchem os simples requisitos formais: orientador formalmente qualificado e
aceitação da universidade no exterior, conhecimentos da língua estrangeira... Há
incentivos a projetos que, parece-nos, não estariam sendo apoiados se a concorrência
fosse maior.
A fiscalização das atividades dos bolsistas deixa a desejar, principalmente no que se
refere a bolsas no exterior. Há incentivos com pouca ou nenhuma possibilidade de
retorno, inclusive por serem os planos excessivamente gerais e sem qualquer
compromisso científico. Alguns bolsistas, por outro lado, não têm qualquer contato com
instituição de pesquisa, não formarão os profissionais necessários, e o direito permanece
com os mais baixos índices de qualificação científica. Muitas universidades e
orientadores apresentados pelos bolsistas no exterior são também obscuros, sem que os
respectivos planos de trabalho justifiquem o alto investimento realizado.
8. Epílogo
Divulgar a situação insatisfatória da pesquisa jurídica e do ensino no Brasil de hoje é
um meio de pressão sobre as faculdades de direito que pode ser construtivamente
exercitado pelos órgãos, oficiais ou não, que hoje tentam uma elevação de qualidade e
uma maior profissionalização na pesquisa em direito. Instituições para tanto existem,
tais como o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), a
Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério da Educação, através da Secretaria de
Ensino Superior, e outros órgãos do Ministério de Ciência e Tecnologia.
É recomendável, então, que se desenvolvam negociações, junto ao Ministério da
Educação, no sentido de que órgãos como o CONPEDI, o CEDISO, a OAB tenham
algum tipo de participação nas decisões quando da concessão de autorização para
funcionamento de cursos jurídicos e sua revalidação.
Não é demais insistir sobre a necessidade de incentivar, de forma mais intensiva, a
qualificação docente em geral, promovendo cursos de aperfeiçoamento, publicações,
concursos, bolsas de pesquisa etc., isoladamente ou através de convênios. Sem
preocupação com a pesquisa, o ensino não se qualificará devidamente, pois ambas
atividades são indissociáveis.
É importante que se realizem avaliações e se divulguem seus critérios e resultados, a
coleta de dados estatísticos é o passo fundamental. Será de se esperar resistência por
parte das faculdades e professores de direito que pouco ou nada têm a declarar, a mesma
atitude que costumam ter diante dos relatórios acadêmicos solicitados pela universidade
pública. Só que a universidade e os institutos de pesquisa têm meios de pressão, sempre
subutilizados.
Um segundo ponto de peso é atentar para a inseparabilidade entre a pesquisa de
qualidade e a administração das instituições que as podem promover. Ensino e pesquisa
demandam recursos e estes precisam ser competentemente administrados. Como ensino
e pesquisa também exigem muito tempo do professor, é comum ver-se a administração
entregue a pessoas sem o menor compromisso com a qualificação acadêmica, por vezes
obstruindo deliberadamente esforços em sentido contrário. Como a escolha dos
administradores é tarefa política, é preciso prestar atenção à política, mesmo que isso
tome algum tempo — que, se dividido, será muito pouco — das atividades
especificamente científicas e acadêmicas.