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O ESTATUTO TEÓRICO DA TEOLOGIA Ebenezer da Silva Melo Júnior1 RESUMO: Ao se compreender que Teologia e Ciências da Religião são duas ciências com campos de atutação distintos pode-se apresentar os componentes que demonstram a cientificidade própria da Teologia bem como seu Estatuto Epistemológico Próprio. Entede-se que sejam estes os componentes deste Estatuto: Objeto e Método(s) da Teologia; Teologia como Ato Segundo; Teologia como Ato Confessional; Teologia como Circularidade Hermenêutica Contextual, Teologia como Discurso Interdisciplinar e, finalmente Teologia como Práxis Libertadora. Conclui-se que Teologia não é uma ciência nos moldes da racionalidade instrumental, mas com seu próprio molde de racionalidade. Teologia é Ciência Hermenêutica da Fé. PALAVRAS CHAVES: Teologia, Hermêutica, Estatuto Teórico, Práxis Libertadora.

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Teologia

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O ESTATUTO TEÓRICO DA TEOLOGIA

Ebenezer da Silva Melo Júnior1RESUMO:Ao se compreender que Teologia e Ciências da Religião são duas ciências comcampos de atutação distintos pode-se apresentar os componentes quedemonstram a cientificidade própria da Teologia bem como seu EstatutoEpistemológico Próprio. Entede-se que sejam estes os componentes desteEstatuto: Objeto e Método(s) da Teologia; Teologia como Ato Segundo;Teologia como Ato Confessional; Teologia como Circularidade HermenêuticaContextual, Teologia como Discurso Interdisciplinar e, finalmente Teologiacomo Práxis Libertadora. Conclui-se que Teologia não é uma ciência nosmoldes da racionalidade instrumental, mas com seu próprio molde deracionalidade. Teologia é Ciência Hermenêutica da Fé.

PALAVRAS

CHAVES:

Teologia,

Hermêutica,

Estatuto

Teórico,

Práxis

Libertadora.

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Ebenezer da Silva Melo Júnior é mestre em Teologia Bíblica (FAJE) e graduado em Teologia(FATE-BH). É professor do Curso de Teologia e do Centro Universitário Metodista IzabelaHendrix e Pastor da Igreja Batista Nacional Palavra de Vida.

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IntroduçãoEste artigo é a versão escrita da palestra: “O Estatuto Teórico daTeologia”, realizada na 20ª Semana de Reflexão Teológica da Faculdade deTeologia do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, que teve comotema: A Relevância do Teólogo e da Teóloga na Comunidade Eclesial.A temática desta palestra surgiu a partir da publicação do Parecer 118do CNE, de 06/05/20009, e, da necessidade de discurtirmos qual o EstatutoTeórico da Teologia equal o Estatuto Teórico das Ciências da Religião.Diante desta necessidade pretendo a seguir apresentar uma perspectivado Estatuto Teórico da Teologia. Esta perspectiva esta baseada principalmenteem quatro artigos que tratam desta questão, além de outros textos: “DoEstatuto Acadêmico da Teologia: pista para solução de um problemacomplexo”, de Júlio Paulo Tavares Zabatiero; “A Teologia e seu estatutoteórico: contribuições para uma discussão atual na universidade brasileira”, deEnio R. Mueller, e, “O Estatuto Epistemológico da Teologia como Ciência da Fée sua Responsabilidade Pública no âmbito das Ciências e da SociedadePluralista”, de Luiz Carlos Susin.A primeira questão que pode ser colocada é porque se perguntar peloEstatuto Teórico da Teologia, uma vez que esta já tem muitos séculos deexistência? Depois de tanto tempo nos parece que a mesma já teria claramentedefinido sua epistemologia. Entretanto após a perda de sua condição de“rainha das ciências” 2 Karl Barth declara queapós o término do brilho falaz que teve na Idade Média, por suacondição acadêmica privilegiada a teologia empregou demasiado2

Inicialmente este posto de rainha das ciências fora ocupado pela Fisolofia. Na idade média foiassumido primeiro pela teologia e na modernidade pela física. Nos fins do séc. XX e no início do XXI abiologia tem ocupado este posto. DOMINGUES, 2006, p. 10.

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esforço – e isto especialmente no séc. 19 – para asseguar a si mesmaao menso um lugar modesto ao sol da ciência universal, e fez isso3justificando sua própria existência.

No Brasil,no momento em que a Teologia adentra ao ambienteuniversitário esta discussão é retomada, pois era preciso justificar suapresença no ambiente acadêmico.Atualmente na discussão acerca do Estatuto Teórico da Teologiabuscam-se justificativas para demonstrar que a “verdade baseada narevelação/fé/autoridade”4

pode se colocar ao lado das demais ciências

basedas na “razão/experiência/autonomia do sujeito”5.

Inicialmente será

abordada a questão do Parecer 118 que trata do estabelecimento de eixosteóricos para o Curso de Teologia. Segue-se a discussão acerca dacientificadade própria da teologia. E propõe-se que a Teologia seja consideradacomo Ciência Hermenêutica da Fé e então se explicita qual seja seu estatutopróprio.

A questão do Parecer 1186O Parecer 118, publicado em 06 de maio de 2009, teve por objetivo fixarseis eixos teóricos que deveriam a partir de então se fazer presentes em todosos currículos dos Cursos Superiores de Teologia. A introdução desta exigênciaparece ter sido proposta numa via de aproximação da Teologia com a Ciênciada Religião. Entretanto, entende-se que Teologia e Ciência da Religião

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BARTH, 2002, p. 17.ZABATIERO, 2007, p. 69.5IBID, p.69.4

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http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&ct=res&cd=1&ved=0CBoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fportal.mec.gov.br%2Fdmdocuments%2Fpces118_09.pdf&rct=j&q=cne+2009+118+teologia&ei=3EP1S9

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nOBIKNuAfp0vnJCA&usg=AFQjCNFPiNEhprr6c5Ybdjdas0FyXOZERw Acesso em: 20/05/2010

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possuem campos distintos de atuação cada uma com seu estatutoepistemológico próprio.O seguinteextrato retirado do parecer pode orientar nossa discussãoinicial:Por essa razão, o estudo das teologias, da área de Ciências Humanasconforme classificação CAPES/CNPq, não pode prescindir deconhecimentos das ciências humanas e sociais, da filosofia, da história,da antropologia, da sociologia, da psicologia e da biologia entre outras.Essas ciências permitem estudar o universo teológico respeitando oprincípio da “exclusão da transcendência”, condição da abordagemcientífica, ou seja, não se trata de afirmar ou negar a veracidade dasafirmações teológicas, mas, sim, estudar o modo como elas surgem,como se manifestam e como atuam nas diferentes dimensões da vida,das experiências e do conhecimento humano. O estudo da teologiadeve, ainda, buscar diálogo com outras áreas científicas, possibilitando7estudos interdisciplinares.

Neste extrato duas questões são abordadas. A primeira diz respeito aimportância que a Teologia deve dar aos estudos interdisciplinares. Mais àfrente retomaremos esta questão demonstrando a importância destes estudos.A segunda questão diz respeito a utilização destes estudos a partir dorespeito ao princípio da “exclusão da transcendência”, o que Etiene A.Higuet, denominou como “princípio de ateísmo metodológico”, não “afirmar ounegar a veracidade das afirmações teológicas”8.Se a perpesctiva aqui for a das Ciências da Religião, certamente não setrataria de discutir a veracidade das afirmações teológicas, mas não é o caso.Trata-se, para nós, teólogos, da perspectiva do fazer teológico e aí é precisoreconhecer que certamentedevemos “afrimar ou negar a veracidade dasafirmações teológicas”. Este é um dos papéis fundamentais da Teologia. Odiscurso teológico não deve buscar apenas descrever o fênomeno religioso,mas certamente criticá-lo a partir de dentro tendo como referente para estacrítica a Revelação.78

Parecer do CNE 118 de 06 de maio de 2009 (OBS: ainda não foi homologado)HIGUET, 2006, p. 36.

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Passemos então à questão de procurar determinar qual seja o EstatutoEpistemológico da Teologia.

A cientificidade da TeologiaAo se perguntar sobre o caráter de cientificidade do discurso teológicoalgumas respostas podem ser encontradas. Zabatiero em tom provocativoafirma que “Teologia não é ciência”9 Ele o faz após apresentar toda umaexplanação sobre o não enquadramento do discurso teológico nos moldescientíficos da racinaldiade instrumental.

Por outro lado Susin afirma que

Teologia é “Ciência da Fé”, apesar de reconhecer que tanto a Teologia quantoas ciências humanas, jurídicas e sociais sentem-se em uma situação dedesconforto com os critérios de cientificidade da racionalidade instrumental, istoé: o “paradigma da experimentação, da verificação, da matematização e dopragmatismo”. 10Para

Mueller,

Teologia

deve

ser

compreendida

como

Ciência

Hermenêutica. 11 E, finalmente, duas afirmações de Libanio e Murad aclaram adefinição da Teologia como Ciência:Enquanto a teologia pode exibir um conjunto de conhecimentoordenados, com objeto, método, unidade e sistematização próprios,12merece, com direito, o título de ciência”Aciência, enquanto voltada para o mundo do fênomeno, doconstatável, do verificável e portanto, sujeito ao proecesso deveriricação e comprovação de suas verdades pela via daexperimentação, não corresponde à natureza da teologia. Uma vezaceita a pluralidade dos jogos linguísticos, dos diversos saberes, dasdiferentes maneiras de conduzir o próprio método, de pautar seu rigor

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teórico e de fazer parte de uma comunidade científica como expressão13moderna de ciência, a teoloiga faz-lhe pleno jus.

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ZABATIERO, 2007, p. 75.SUSIN, 2006, p. 55611MUELLER, 2007, 99.12LIBÂNIO, MURAD, 1996, p.8413IBID, p. 8810

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Diante destas possições assumimos aqui que Teologia deve sercompredida como Ciência Hermenêutica da Fé. E para que seja reconhecidacomo ciência Hammes afirma que “a Teologia precisa dar conta de ao menosquatro condições: estatuto epistemológico próprio, liberdade de pesquisa,inserção científica e relevância pública.”14A seguir será demosntrado que enquanto Ciência Hermenêutica da Fé aTeologia deve ser pensada como uma tarefa hermenêutica na qual os sujeitos,a partir de sua inserção em uma comunidade de fé, interpretam a si mesmos,seu próprio contexto e a manifestação de Deus presente tanto na Escrituraquanto na história. E, que por ser a Teologia uma hermenêutica confessanteseu exercício implicará necessarimente numa mudança da práxis daqueles quea exercitam em direção a construção da libertação integral do ser humano.Para tanto será feito o seguinte percurso na apresentação do EstatutoEpistemológico próprio da Teologia:Objeto(s) e Método(s) da Teologia;Teologia como Ato Segundo; Teologia como Ato Confessional; Teologia comoCircularidade

Hermenêutica

Contextual;

Teologia

como

Discurso

Interdisciplinar; e, Teologia como Práxis Libertadora.

Objeto(s) e Método(s) da TeologiaPara Mueller o objeto da Teologia é a realidade:O “objeto da teologia, então é a realidade. A teologia fica atenta àinterpretação filosófica do real, na qual inclusive colabora a seu modo......Para a teologia, isto é feito à luz da esperança introduzida com arevelação, o que constitui uma dupla obrigação metodológica: uma15escuta atenta do real e uma escuta atenta da palavra de Deus...”

Nesta dupla obrigação metodológica o/a teólogo/a deverá analisar então:a Escritura, a História, a Tradição e o próprio Contexto.1415

HAMMES, 2006, p. 549.MUELLER, 2007, p. 101.

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A questão dos metódos da Teologia é uma questão complexa uma vezque existe uma pluralidade de métodos possíveis. Assim, nenhum métodopode ser considerado inválido antecipadamente. Somente quando utlizado eem função dos resultados obtidos tendo como critério a Práxis Libertadora queela produz e que se pode avaliar sua validade.De acordo com Hammes, genericamente pode se dizer que:“Em sua estrutura fundamental, Teologia expressa a relação entre ainteligência e a fé, ciência da fé. É um método de apropriação daqueleaspecto humano chamado crença, enquanto dimensão existencialsubjetiva e social, vivida e recebida, em sua relação com a sociedade e16a realidade”

Diante da diversidade metodológicapossível para a Teologia, retomoaqui sua definição como Ciência Hermenêutica da Fé. Em sua construçãocomo hermenêutica da fé e, a partir da condição da circularidade hermenêuticaé que se poderá produzir uma teologia que não seja somente dogmática, mascapaz de refletir sobre si mesma, atualizando os dogmas, refletir sobre a fé esobre a práxis produzida por essa fé.

Teologia como Ato SegundoA compreensão de Teologia como “ato segundo” vem das afirmações deGustavo Gutierrez:“A teologia é reflexão, atitude crítica. Primeiro é o compromisso decaridade, de serviço... ... A ação pastoral da Igreja não se deduz comoconclusão de premissas teológicas. A teologia não gera a pastoral, éantes reflexão sobre ela; deve saber encontrar nela a presença doEspírito inspirando a ação a comunidade cristã. A vida, a pregação e ocompromisso histórico da Igreja há de ser, para a inteligência da fé, um17privilegiado lugar teológico”

(Gutierrez, 1976, p.24)Assim o discurso teológico é um discurso a partir da fé, isto é de dentroe inicialmente para dentro, e não sobre a fé, ou sobre a religião como fazem as1617

HAMMES, 2006, p. 549.GUTIERREZ, 1976, p.24.

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diversas abordagens das Ciências da Religião. Reforçando esta idéia Susindelcara que:Aqui é importante sublinhar, em primeiro lugar, o/a teológo/a necessitadesta condição prévia: sua participação numa comunidade de fé.Somente “desde dentro” e não “sobre” a fé e a comunidade de fé sepode elaborar corretamente teologia, expressar em termos de18racionalidade e razoabilidade, a fé vivida.

Comoa Teologia deve ser feita a partir da fé e da inserção do sujeito emsua comunidade de fé ela será sempre considerada como ato segundo.

Teologia como Ato ConfessionalUma vez que os sujeitos do fazer teológico encontram-se vinculados auma comunidade de fé, deriva daí, que estes sujeitos estejam vinculados à“confissão de fé” da própria comunidade. Só pode fazer teologia a partir da“confissão de fé”. Segundo Juan Stam cria-se aqui uma aporia teórica onde “ateologia do exegeta determina a hermenêutica com que lê a Bíblia”19Dessa forma o fazer teológico possui um vinculação com a “confissão defé” da comunidade. Isto é, assume-se aí a condição da Escritura como Palavrade Deus, bem como as tradições da comunidade que foram criadas ao longodos anos.20 Entretanto, deve-se ressaltar que este assumir da “confissão de fé”não se fará de forma dogmática, mas sim dentro do círculo hermenêutico ondea “confissão de fé” é apenas a condição de pré-compreensão necessariamenteexistente para se adentrar no círculo.21 Surge daí a necessidade dacompreensão da Teologia como Circularidade Hermenêutica Contextual.

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SUSIN, 2006, p. 558.STAN, 1984, p. 109.20SALLES, 2006, p. 2821BULTMANN apud, STAM, 1984, p. 109.19

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Teologia como Circularidade Hermenêutica ContextualEntendo-se que o ato teológico seja ato segundo e ato confessional, eque estes acontecem como pré-condição do fazer hermenêutico é precisodemonstrar a condição de circurilaridde hermenêutica própria do fazerteológico. Ao interpretar Ricouer François-Xavier Amherdt declara que:Aespecificidade da hermenêutica bíblica confessante situa-se, pois,para Ricouer, no nível do círculo que se estabelece entre acomunidade crente e as Escrituras que ela tem por inspiradas.Confessar sua pertença à comunidade eclesial é reconhecer que ostextos sagrados canônicos nomeiam veradeiramente a Deus, é aceitardeixar-se interpretar por eles e tomar o ricco de ver sua existência22completamente transtornada por este ato de leitura.

Neste círculo que se estabelece entre a comunidade de fé e asEscrituras deve ser inserido mais um compenente indispensável que é ocomponente do contexto. Foi no Terceiro Congresso Latinoamericano deEvagnelização (CLADE III), promovido pela FTL - Fraternidade TeológicaLatino Americana que se explicitou a importância de uma metodologiahermenêutica que levasse em consideração o contexto:“A fidelidade da Igreja aos propósitos de Deus demanda umahermenêutica contextual que permita comunicar fielmente o evangelho23em diálogo aberto com a cultura

É a partir desse caráter eminentemente confessante da hermenêuticabíblica e dentro da circularidade hermenêutica contextual que se pode distinguiro labor teológico do labor das Ciências da Religião. O labor teológico produzuma interpretação de caráter normativo e não somente descritivo como ofazem as Ciências da Religião. E, é esse caráter normativo que produzirá nacomunidade que se faz sujeito da Teologia uma renovação de sua confissão epráxis teológica.22

AMHERDT, 2006, p. 70.DECLARAÇÃO DE QUITO: Todo o Evangelho a partir da América Latina para todos os povos.In:LONGUINI, 2002, p. 20523

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A Teologia como Discurso InterdisciplinarPara cumprir sua função hermenêutica a Teologia deverá colocar-seimediatamente em relação com os demais saberes. A partir da afirmação deS.Boaventura24 que reduziu as ciências à Teologia, Eduardo Cruz entende que:1) a automanifestação de Deus (que se supõe continuar sendo o objetode todo o labor teológico) está presente na natureza e em todo oconhecimento; 2) que uma hermenêutica adequada é exigida paradesvelar esta automanifestação, e nesta tarefa a teologia pode e develançar mão de exemplos e terminologia “de todo gênero de25conhecimento.

Da mesma forma afirma FlórezAssim, o eixo articulador que vincula o labor teológico é o métodoteológico hermenêutico; e a finaldiade comum é a libertação integral doser humano enquanto seja possível alcançar a utopia de uma vidadigna para todos a partir da gratuidade do amor revelado etestemunhado pela fé. A partir da compreensão do Theos e da buscada libertação integral, a teologia lhe compete ir fazendo possível atarefa de articular, de maneira crítica e interdisciplinar, as diferentesciências e saberes humanos, com a finalidade de pontencializar etornar viáveis os diversos e variados projetos históricos nos quais se26manifestem genuínos processos de libertação humana

Zabatiero entende que uma das principais características identitárias daTeologia é ser um “saber dialógico, hermenêutico”, que não pode abrir mão dodiálogo com as demais ciências.27 Para reforçar esta idéia ele cita Almeida: “Arazão teológica comorazão hermenêutica tem uma caráter intrinsecamentedialógico, comunicacional, inter-relacional. A razão teológica não é monádica,mas solitária-solidária”28A Teologia deve então buscar na sua relação com as demais disciplinasdisponíveis a compreensão da realidade que lhe possibilite compreender osdiversos níveis do relacionamento humano que precisam ser restaurados. Isto

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S. BOAVENTURA. Redução das Ciências à Teologia. In: DE BONI, 2005 p. 197-214.CRUZ, 1996, p. 3826FLOREZ, 2008, p. 171 (Tradução pessoal)27ZABATIERO, 2007, 7928ALMEIDA apud ZABATIERO, 2007, p. 79.

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é, a relação humanidade-Deus, humanidade-humanidade e humanidadecriação. Só assim a Teologia poderá cumprir sua tarefa como “umahermenêutica simbólica da realidade humana e social à luz da revelação cristãpara a libertação integral do ser humano e da sociedade”29

Teologia como Práxis LibertadoraA questão da validade do discurso teológico talvez seja uma dasquestões mais complexas para o fazer teológico. Como afirmar que umdiscurso teológico é válido, é verdadeiro enquanto outro é inválido, ou falso?Zabatiero afirma que além dos critérios de coerência interna,argumentativa, de proposições, deve-se levar em conta na avaliação daracionalidade do discurso teológico cristão seu vínculo indissociável com apráxis da fé.30Certamente pode haver outros critérios de validação do discursoteológico, mas partindo do exemplo de Jesus Cristo que confrontou os fariseusque se diziam Filhos de Abraão, mas que segundo Jesus não viviam como tais(cf. Jo 8:31-47)estabelece-se aí não somente o critério da coerência entre odiscurso e prática, mas também que o discurso deve levar necessariamente àpráxis libertadora. Neste sentido, Flórez declara que:Como saber que tematiza sistemática e metodicamente a experiênciado Theós através do exercício de hermenêutica simbólica, a teologia secaracateriza não somente por ser uma saber explicativo, noético,distante da realidade e do sofrimento humano, senão pelo contrário,ser um saber prático, operativo, funcional: um saber ético e prático quepermite – de maneira crítica e decidida, junto com os demais saberesde interesse “predictivo” e social – possibilitar através da história aconstrução de estruturas favoráveis a condição humana na verdadeira31dignidade.”

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AGUEDO, CARRASQUILLA E ROJAS apud FLÓREZ, p. 171. (Tradução Pessoal)ZABATIERO, 2007, p. 78.31FLÓREZ, 2008, p. 177 (Tradução Pessoal)30

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Se o fazer teológico não leva necessariamente a uma práxis libertadorao círculo hermenêutico deve ser retomado a fim de corrigir a interpretação quegerou a práxis não-libertadora. O fazer teológico deve obrigatoriamente levar auma práxis que possibilite a restauração de todas as relações humanas.

ConclusãoPodemos afirmar que Teologia é ciência, não dentro dos moldes daracinalidade instrumental, mas com seu próprio molde de racionalidade.Teologia é ciência hermenêutica da fé.A Teologia tem como sujeito aqueles que se encontram não somentevinculados a uma comunidade de fé, mas que confessam plenamente a fé dacomunidade da qual fazem parte. Ao mesmo temposujeitos que estãodispostos a partir de dentro desta comunidade no processo do círculohermenêutico criticar os próprios pressupostos de fé, verficando se os mesmostem produzido uma práxis libertadora capaz de levar aqueles que fazem parteda comunidade, bem como aqueles que são os “próximos” da comunidade,como afirmou Jesus, à construção de condições mínimas para uma vida digna,como manifestação de sua fé no Evangelho, nas Escrituras, e na compreensãoda auto-manifestação de Deus na história.

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