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O Estudo Do Receptor Radiofônico A Partir Da Obra “Meios E Audiências: A
Emergência Dos Estudos De Recepção No Brasil 1
Gislaine ZANELLA2
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, SP
Resumo
A partir dos Estudos Culturais e demais correntes que investigam os meios de comunicação, o
receptor tornou-se, ao longo dos anos, um dos principais focos de pesquisas na América
Latina. Neste contexto, os ouvintes de rádio também ganham destaque a partir das evoluções
sociais e tecnológicas. O presente trabalho analisa os estudos de recepção radiofônica no
Brasil, nas décadas de 90 e 2000, a partir da obra “Meios e Audiências: a emergência dos
estudos de recepção no Brasil, Volume I (2008) e II (2014), escrito por Nilda Jacks, Daiane
Menezes e Elisa Piedras.
Palavras-chave: Comunicação; pesquisa; recepção; rádio; Brasil.
Introdução
Peça fundamental e objetivo central de qualquer meio de comunicação, o receptor é a
razão pela qual existe o comunicar. Toda mensagem, ao ser transmitida, tem uma intenção
com razões preestabelecidas seja para informar, provocar reflexões ou estimular reações. A
diferença entre a comunicação exercida entre indivíduos e a comunicação feita pelos meios de
massa é a abrangência alcançada. Uma pessoa consegue repassar uma mensagem a um grande
grupo, mas esse deve estar no mesmo lugar e na hora que a mensagem será repassada. Já os
meios de comunicação tradicionais, internet, televisão, rádio, revistas e jornais impressos, têm
a possibilidade de atingir os mais diversos públicos, em lugares diferentes, e, dependendo da
situação, em horários distintos.
Neste contexto, o rádio estabeleceu uma rotina aos seus ouvintes ao fornecer
informações úteis como, por exemplo, condição climática, trânsito e incidentes. Além disso,
para ouvir rádio não é necessário estar prestando total atenção à programação. O ouvinte tem
a possibilidade de estar fazendo suas tarefas diárias, trabalhando, conversando e estar com o
1 Trabalho apresentado no GP Rádio e Mídias Sonoras, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestranda do Curso de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, e-mail: [email protected].
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rádio ligado em plano de fundo. Além disso, o receptor está inserido em um contexto regido
pela caótica falta de tempo, e dedicar a atenção por horas a um meio de comunicação é quase
impossível. Assim, enquanto ele tem a possibilidade de continuar seus afazeres, o rádio
permanece ligado, e, quando algo de seu interesse está sendo veiculado, ele volta mais
atenção ao meio.
Este veículo possui uma trajetória intrigante, já que conseguiu manter-se ativo a cada
revolução tecnológica e social ocorrida. Quando o mundo acreditava em sua extinção, com o
nascimento da televisão no início da década de 1950, o rádio se renovou ao incorporar a faixa
de transmissão em modulação em frequência (FM) e aderir o contexto da globalização das
comunicações. Com o surgimento e a popularização da Internet, os veículos de comunicação
passaram por transformações que, em outras instâncias, jamais foram imaginadas. Exemplo
disso é a atividade multimídia que possibilitou a ampliação da interatividade. Diante deste
cenário, o público também passou por transformações. O receptor cada vez mais ativo, a partir
da oferta de inúmeros canais de conteúdos provenientes de toda parte do globo, passa a gerir e
produzir conteúdo. O conceito inicial de emissor-mensagem-meio-receptor é modificado, a
nova comunicação é uma mistura entre mensagem, emissor, meio e receptor, com o objetivo
de interação (BARBEIRO; LIMA, 2001).
Por esse motivo, Prata (2009) destaca a importância de intensificar os estudos sobre
o receptor. Segundo a autora, por muito tempo o emissor foi o centro dos estudos voltados aos
meios de comunicação. Agora as atenções devem estar voltadas a quem recebe o produto
final. Quais são suas preferências e o tempo que dispõe para recebê-las, de que forma
preferem ter acesso às mensagens dos veículos etc. Todos esses fatores passam a ser levados
em conta para obter-se um melhor resultado ao transmitir o conteúdo veiculado pelos meios
de comunicação. Afinal de contas, nem sempre o receptor assimila a mensagem da forma que
o meio intentou transmitir, ele não é um ser totalmente passivo. Os processos receptivos
geram indagações conforme pontua Jacks:
Eu creio que todo este interesse pela recepção e pela audiência é um produto
da crise dos paradigmas, mas ao mesmo tempo é um produto da confusão
que participa algumas posições com respeito à audiência e à recepção,
porque se foi a um extremo totalmente oposto. Quando se acreditou que já
não importava os MCM, o que importava era a mensagem e que os
receptores são livres para interpretá-la como querem, vão re-esquematizar o
que vêem, se foi ao outro extremo. Agora, chegamos ao ponto de equilíbrio.
(JACKS, 1993, p. 29).
Afinal de contas, nem sempre o receptor se apropria da mensagem da forma que o
meio intentou transmitir e diferentemente dos primeiros estudos, hoje ele não é um ser
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totalmente passivo. Desta forma, o presente artigo, por meio de pesquisa bibliográfica,
investiga os estudos de recepção radiofônica no Brasil, nas décadas de 90 e 2000, a partir da
obra “Meios e Audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil”, Volume I (2008)
e II (2014), escrito por Nilda Jacks, Daiane Menezes e Elisa Piedras. Além disso, apresenta
um panorama das principais correntes que influenciam o campo na atualidade.
A trajetória dos Estudos de Recepção na América Latina
Os primeiros estudos voltados para as consequências socioculturais das mensagens
transmitidas pelos meios de comunicação de grande alcance tiveram suas origens nos Estados
Unidos, por volta da década de 40. Jacks (1995, p. 151) afirma que “o desenvolvimento de
uma nova vertente nos estudos da comunicação – a pesquisa de recepção – não significa
apenas mais um modismo, como apontam alguns críticos, nem sequer pode ser chamada de
nova”. Predominantes até o fim dos anos 60, os estudos, que em sua maioria eram financiadas
pelos produtores, abordavam questões mercadológicas, relações de poder, audiência. “Tais
pesquisas ofereciam, no máximo, resultados empíricos – como vender melhor isto ou aquilo,
como tornar funcional, ‘positivo’ ao sistema o uso dos instrumentos de comunicação etc”
(LIMA, 2011, p.15).
No entanto, em 1973, os estudos ganham novos horizontes a partir de uma
publicação de Stuart Hall. Baseada no sociólogo Frank Parquin, a perspectiva teórica
determina possíveis enfoques: o modo de codificação do emissor; um modo negociado que
desloca parcialmente as significações e um modo de oposição, buscando referências
exteriores para dar andamento ao trabalho de interpretação das mensagens (HALL, 1973,
apud BARROS, 1992). O autor (1973, apud BARROS, 1992) propôs o modelo
Codificação/Decodificação, onde o significado de uma mensagem não é fixo e sim contextual,
multirreferencial e contingencial.
Deste modo, não há uma lógica determinante que permita decifrar o significado ou o
sentido ideológico de uma mensagem. Existem diferentes formas de decodificação, pode-se
ler de diversas maneiras, ou seja, a leitura nunca é fixa. Além disso, toda produção de
informação é decodificada logo no início, quem está comunicando também modifica o
conteúdo segundo seus conceitos e pré-significações. “Se você tem de dizer algo novo, é
porque o processo está transformando os significados que já estão lá. Portanto, cada ato de
significação transforma o estado efetivo de todas as significações já existentes” (HALL, 2003,
p. 363).
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Na década de 80, iniciaram as análises a respeito da interação entre recepção e
comunicação e percebe-se que a recepção “não é apenas uma etapa do processo de
comunicação, é um lugar novo, de onde se deve repensar os estudos e a pesquisa de
comunicação” (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 39).
Orozco (Apud JACKS, 1993) explica que existem cinco grandes
perspectivas de estudos, que estão inspirando modelos distintos de
investigação e distintas aproximações do estudo da recepção: emissão,
recepção, conteúdo, processo, perspectiva integral, ou seja, a combinação de
coisas distintas. No campo da recepção existem hoje três grandes correntes
de estudos, segundo Barros (1992): a pesquisa dos efeitos (o que esses
efeitos fazem no indivíduo?); a perspectiva dos usos e gratificações (o que os
indivíduos fazem com os meios?) e a emergência do quadro culturalista
(concentra-se na problemática da produção, por meio de processos culturais
e sociais, de significações históricas e particulares) (PRATA, 2009, p. 5).
Na América Latina, os estudos sobre recepção têm uma perspectiva metodológica
qualitativa, voltada à cultura popular, seus eixos focam-se na educação, política e costumes
(KASEKER, 2010). Nesse cenário destacam-se as seguintes correntes teóricas metodológicas:
a das Frentes Culturais desenvolvida por Jorge González; a da Recepção Ativa, do Centro de
Indagação e Expressão Cultural e Artística (CENECA); a do Uso Social dos meios proposta
por Jesus Martín-Barbero; o modelo das multimediações criada por Guilhermo Orozco e, por
fim, a do Consumo Cultural, de García Canclini (KASEKER, 2010, p.60).
Na teoria das Frentes Culturais, Gonzáles sugere dimensionar os aspectos
intraculturais, interculturais e transculturais do receptor, colhendo informações estruturais,
históricas, situacionais e simbólicas (KASEKER, 2010). A partir das várias matrizes
idealizadas ao longo dos anos, Martín-Barbero, no Oficio de cartógrafo (2002), afirma que as
lógicas da recepção estão ligadas ao processo de mediações comunicativas da cultura
envolvendo institucionalidade, tecnicidade, socialidade e ritualidade, por meio de uma análise
envolvendo os seguintes campos: comunicação, cultura e a política. Segmentadas em dois
eixos, essas mediações dividem-se em: diacrônico, tensionando as Matrizes Culturais e os
Formatos Industriais; e um sincrônico que relaciona as Lógicas de Produção com as
Competências de Recepção e Consumo. Na Recepção Ativa, o Centro de Indagação e
Expressão Cultural e Artística, (CENECA), analisa o papel da família, da escola e o
direcionamento religioso.
Já Orozco (2005) defende, em sua teoria do modelo das multimediações, que a
recepção é produção e é interação, mediada por fontes diversas, que não ficam restritas ao
momento que o receptor está em contato com os meios. Por fim, o consumo cultural é
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discutido por Canclini, quando analisa de que forma se expressa a cidadania no contexto da
globalização, quando as corporações privadas assumem várias funções no estado e o consumo
passa a ser mais importante do que a cidadania (KASEKER, 2010).
O novo entendimento nascido com os estudos do receptor, segundo Jacks (1995, p.
152) agrega três consequências: “aproximação das noções de cultura e de comunicação,
escolha do cotidiano como espaço-tempo de análise e conhecimento dos receptores populares
como sujeitos capazes de produção de sentido”. Ao mesmo tempo, Sousa (1995) destaca duas
ameaças a esses estudos: a crença que é o consumidor quem tem a palavra e o desligamento
dos processos de produção.
Em meio a este contexto, com o surgimento da internet, entender as práticas do
receptor tornou-se tarefa ainda mais difícil. A convergência possibilitou a transmissão de
inúmeras mensagens ao mesmo tempo. O receptor é bombardeado de informações por todos
os lados e pode compará-las, analisá-las, enfim, usar da forma que mais lhe parecer atraente.
Para Kaseker (2010), a velocidade com que as imagens se reproduzem na atualidade faz com
que esse bombardeio de mensagens invasoras e onipresentes tenha interpretação rápida,
dificultando o pensamento crítico. Nem sempre o receptor tem ao seu dispor tempo para
“digerir” tudo que é oferecido. Essa é uma das preocupações de Natansohn (2007), ao
questionar: o que as pessoas fazem online? Como utilizam os recursos da internet? E podemos
ainda acrescentar, como reagem a tanta informação sendo disponibilizada ao mesmo tempo?
Indiferentes, confusos ou estão sabendo lidar com essa nova ordem?
Voltando à questão radiofônica, como destacado anteriormente, os ouvintes criaram
uma forma específica de ouvir a programação. Tendo a possibilidade de aderir à internet
como recurso agregador ou até mesmo podendo substituir o meio tradicional, as pessoas
continuam ouvindo da mesma forma? Segundo Kaseker (2010), o rádio ajudou as pessoas a
definir espaços e tempos, demarcando horários e até mesmo tornando-se o som mais
importante em certos momentos do dia, sendo em casa, no carro, na rua, variando conforme
seu suporte tecnológico. Seguindo essa linha de pensamento, o cotidiano é o lugar
privilegiado para a análise do processo de recepção, pois “encontram-se desde a relação com
o próprio corpo até o uso do tempo, o habitar e a consciência do que é possível ser alcançado
por cada um” (BRITTOS, 2002, p. 30).
A internet se faz, a cada instante, mais presente no cotidiano da população brasileira,
já que, em setembro de 2009, o Ibope/Nielsen constatava 66,3 milhões de internautas no
Brasil e, em dezembro do mesmo ano, apurava que o número subia para 67,5 milhões,
mostrando que em três meses surgiram 1,2 milhões de novos internautas. Assim, da mesma
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forma que o rádio conquistou seu espaço no dia a dia do receptor, a internet também já
garantiu seu espaço e, mais do que isso, incorporou consigo outros meios, como o próprio
rádio. Mas saber de que forma o receptor tem feito uso desse meio não é tão simples, levando
em consideração suas diversas facetas e possibilidades. E, quando se trata de estudar o
comportamento dos dois na mesma plataforma, o cotidiano se torna ainda mais importante.
Martín-Barbero (1995) confirma essa informação ao dizer que há três lugares fundamentais de
mediação: a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural, ou seja,
as circunstâncias em que o receptor está inserido influenciarão diretamente na forma que ele
se utilizará dos meios ao seu redor.
Entretanto, o poder não está totalmente ao lado do receptor, pois não se pode
desligar-se dos processos de produção do modo como se organizam. “Boa parte da recepção
está, de alguma forma, não programada, mas condicionada, organizada, tocada, orientada pela
produção, tanto em termos econômicos como em termos estéticos, narrativos, semióticos”
(MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 56). Ou seja, recepção é um espaço de interação, não
havendo total liberdade na comunicação estabelecida. Assim, esse espaço de interação não se
dá somente com as mensagens, mas com a sociedade e o conjunto que envolve tanto o
receptor quanto o meio e a mensagem.
A grande demanda de oferta criou também um receptor “inquieto” e
“multifacetário”, não linear, explicado pelas correntes pós-modernas. Toma-se como
exemplo um leitor que busca informações em diversas fontes, compara fragmentos de vários
textos ao mesmo tempo e, a partir deles, constrói outro texto. Dessa forma ele também cria
várias identidades, como afirma Orozco Gómez (2005) com o conceito das “múltiplas
mediações”, onde ser audiência não significa deixar de ser sujeito social, por exemplo. Outro
conceito abordado pelo autor está situado no contexto de audienciação, onde as audiências são
múltiplas e simultâneas de diversos meios e de tipos diferentes de referentes midiáticos e
tecnologias.
Por causa dessa “multiplicidade”, o receptor não pode mais ser ignorado. Ele deve
ser considerado, a partir de um contexto histórico, cultural e social, participante
simultaneamente de várias instituições, onde adquire suas identidades, dando sentido às suas
práticas. Trata-se de perceber o receptor como um “múltiplo agente social”. Existem ainda
alguns pontos principais no estudo dessas multimediações, já que a recepção não se esgota no
momento em que se “ouve o rádio”, por exemplo, mas começa bem antes e termina bem
depois, fundindo-se com as práticas cotidianas dos receptores. Destaca-se novamente a
interação existente na recepção, mediada necessariamente de múltiplas maneiras. Quando se
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fala em interação, ela não se dá somente no plano individual, mas com a situação, com as
instituições, com a cultura e com os meios, é nessa interação que se produz o sentido da
recepção, com limites dados não por razões individuais, como na teoria funcionalista, mas
num cenário sociocultural.
Por fim, os estudos derrubaram o mito de que “o homem comum que habita as
nossas cidades ou procede da periferia rural padece de uma burrice endêmica” (SILVA, 1985,
p. 10), mostrando que as pessoas podem ter uma visão crítica daquilo que recebem dos meios
de comunicação.
Diante das novas configurações que permeiam a comunicação e o receptor, surgem
inúmeras indagações em relação ao cenário dos estudos de recepção no Brasil. Quais são os
diagnósticos em relação a mensagens radiofônicas? Quais são os principais temas e públicos
investigados? A internet está sendo objeto de estudo da recepção radiofônica? Com o objetivo
de investigar estes e outros questionamentos, por meio de pesquisa bibliográfica, realizou-se
uma análise sobre os diversos estudos que apresentaram dados relevantes sobre a pesquisa
radiofônica no Brasil nas duas últimas décadas, bem como possíveis tendências.
Um dos estudos que virou referência no campo nacional é a obra “Meios e
Audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil”, escrito por Nilda Jacks, Daiane
Menezes e Elisa Piedras (2008). O estudo foi lançado a partir do convite do pesquisador
Guilherme Orosco, que buscava analisar o estado da arte dos estudos de recepção na América
Latina na década de 1990 (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008).
Estudos de recepção no Brasil: década de 90
O estudo realizado pelas autoras, com o objetivo de traçar o desenvolvimento da
pesquisa da década de 1990 – período em que a temática ganha visibilidade no Brasil, refere-
se somente às teses e às dissertações apresentadas na área da comunicação, “entendendo que
abordam também, mesmo que indiretamente, o trabalho de orientadores e o papel das
instituições a que pertencem na consolidação do campo” (JACKS; MENEZES; PIEDRAS,
2008, p. 15). Para a realização da análise das pesquisas, as autoras utilizaram os seguintes
procedimentos:
Partimos do modelo proposto por Maria Immacolata Lopes (1990), para
aprimorar a pesquisa em comunicação, e acrescentamos outras categorias,
com o objetivo de chegar a algumas mais especificas para identificar, além
do problema e objeto de pesquisa, hipóteses e procedimentos e técnicas, os
modelos teórico-metodológico e as premissas teóricas, metodológicas e
epistemológicas (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008, p. 16).
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Na oportunidade, a pesquisa aponta ainda deficiências e oportunidades encontradas
nas pesquisas que podem servir de subsídios para trabalhos futuros. A classificação utilizada
para o estudo foi a proposta por Ana Carolina Escosteguy (2004), que apontou as seguintes
correntes: Sociocultural, comportamental e outras. As abordagens foram definidas como:
Sociocultural – [...] visão ampla e complexa do processo de recepção dos
produtos midiáticos, levando em consideração múltiplas relações sociais e
culturais. Mais do que o estudo do fenômeno de recepção dos produtos
midiáticos, levando em consideração múltiplas relações sociais e culturais.
[...] Comportamental – estudos dos diferentes impactos derivados dos meios,
isto é, o produto midiático é considerado um estímulo que provoca diversas
reações nos públicos. Aí encontram-se aqueles estudos de formação de
opinião, efeitos cognitivos, usos e gratificações, e outras investigações de
caráter psicológico que reduzem o produto midiático ao juízo do público
[...]. Outras abordagens – abordagens diversas em que o receptor é
idealizado sob o ponto de vista do emissor, aplicação da hipótese da agenda
setting, revisão e descrição de teorias da recepção (ESCORTEGUY, 2004
p.135).
O estudo realizado com 1.769 trabalhos, provenientes de 11 programas de Pós-
graduação em comunicação existentes no país durante o período analisado, aponta que:
“somente 49 tratam da relação entre audiência e meios, os chamados estudos de recepção.
Destas 32 tiveram Abordagem Sociocultural; 9 comportamental, e 4 foram designadas como
outras abordagens” (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008, p. 18).
As autoras identificaram nos estudos diversos problemas ligados aos preceitos
básicos do protocolo de pesquisa como, por exemplo, metodologia, revisão de literatura,
citações estratégicas e conhecimento de pesquisas anteriores no campo a ser investigado,
ausência de interdisciplinaridade.
Um dos diagnósticos negativos apontados diz respeito aos procedimentos analíticos
em que o estudo constata que não há uma interpretação dos resultados obtidos com os
entrevistados, apenas transcrição de respostas obtidas em relação aos questionamentos
realizados pelos pesquisadores. Já nos trabalhos quantitativos, por outro lado, não há
formalização adequada dos dados, fragilizando as investigações e resultados (JACKS;
MENEZES; PIEDRAS, 2008).
Um dos pontos positivos mencionados pelas autoras é a novidade dos temas
abordados e que mesmo, diante das falhas, apontam a relevância da investigação visto que
exploraram empiricamente situações diversas que medeia receptor e os canais emissores. “O
pioneirismo desta etapa pode servir de lastro para a crítica e autocrítica tão salutar para o
desenvolvimento do conhecimento na área” (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008, p. 296).
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O estudo aponta ainda que os autores mais citados foram Orozco e Martín-Barbero,
os meios mais pesquisados foram a TV e o rádio e em relação ao público pesquisado,
apareceram crianças, adolescentes, mulheres. No entanto as autoras destacam a fragilidade
das análises que são incipientes e necessitam de mais exploração empírica, profundidade e
chamam à atenção para a negligência em relação aos estudos já existentes nas referidas
pesquisas que possibilitariam efetuar comparativos e obter novas percepções e também ao
novo cenário de convergência e da internet, que alteraram significativamente a forma como as
pessoas interagem e buscam informação e conhecimento. Apontam ainda a necessidade de
estimular a pesquisa com equipes interdisciplinares.
Diagnóstico sobre a pesquisa radiofônica
O estudo de Jacks, Menezes e Piedras (2008) aponta o rádio como objeto de estudo
de 50 trabalhos, divididos entre teses e dissertações, 40 abordaram aspectos diversificados da
comunicação radiofônica e apenas 10 trataram da recepção. Originados de dissertações de
mestrado, as pesquisas com foco no receptor dividem-se em: 7 com abordagem sociocultural,
2 de corrente comportamental, e um classificado como outras abordagens, pois, de acordo
com o estudo não tratou o receptor de forma empírica. A partir de uma avaliação geral:
O receptor, segundo quase todos os estudos, é um agente ativo no processo
da comunicação. Ele se porta criticamente ante as mensagens, é um agente
social, construtor de significados e com o advento do controle remoto, seu
poder de escolha e decisão aumenta. O receptor não recebe o significado da
mensagem, mas o negocia frente a diversas circunstâncias. (JACKS;
MENEZES; PIEDRAS, 2008, p. 135).
Além dos habituais apontamentos das características do meio, outros pontos comuns
nos trabalhos apontados pelas autoras foram: a influência de fatores particulares (condições
financeiras, conhecimentos, educação, posição social) de cada indivíduo na forma de absorver
as mensagens recebidas; que o emissor é um porta-voz autorizado e que toda ação do meio
possui uma intenção.
Já em relação à problemática que engloba os objetos de pesquisa, as autoras
apontaram os seguintes resultados: outras abordagens – o perfil do receptor, a partir do
discurso, idealizado pelos apresentadores de programas radiofônicos; Comportamental, divido
em duas linhas – 1º os usos e os impactos do rádio em culturas essencialmente orais, assim
como a percepção e as expectativas da comunidade em relação aos veículos e 2º os critérios
de seleção da informação radiofônica no meio rural e as opiniões sobre o tema em questão;
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Sociocultural – influência/relação do meio entre os ouvintes (JACKS; MENEZES; PIEDRAS,
2008). Prevalecente entre os estudos, a corrente sociocultural é guiada pelas correntes
teórico-metodológicas da hermenêutica da profundidade e dos estudos latino-americanos, que
de forma interdisciplinar, citam Martín-Barbero, Canclinim Orozco.
A pesquisa realizada por Jacks, Menezes e Piedras, em 2008, apontou também:
público investigado – comunidades diversas (rurais, indígenas, extrativista), mulheres,
católicos e adolescentes; classe social - média e baixa. Principais técnicas de coleta –
entrevistas, questionários, discussão em grupo, pesquisa participante, etnográfica, pesquisa
documental e análise do discurso (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008).
Entre as deficiências apontadas pela pesquisa nos estudos analisados foram: a
ausência de critérios epistemológicos orientados para o diagnóstico do discurso ou para os
efeitos, além do baixo rigor científico nos relatórios. “Em relação aos limites, é mencionado o
fato de algumas pesquisas de marcante influência antropológica desviar seu foco da relação da
comunidade com o meio para a própria vida comunitária” (JACKS; MENEZES; PIEDRAS,
2014, p. 98). No entanto, o estudo aponta que houve avanços significativos no cenário que
investiga a recepção radiofônica no Brasil durante a década de 90.
Dentre os quais destacamos primeiro os teóricos-metodológicos como a
adoção de uma concepção de cultura como modo de vida, prática cotidiana e
materialidade do tempo presente, também encontrada no passado e no
futuro. Houve uma maior compreensão dos gostos e costumes de classe,
somado ao fato de que a produção de sentindo pode englobar e promover
uma aproximação entre as classes (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008, p.
149).
Meios e Audiências (2008) destaca ainda três novas hipóteses em relação aos estudos
radiofônicos, a partir da ótica sociocultural: (1) o rádio estabelecer um novo modo de
produção de pensamento; (2) o ambiente comunicacional virar um local do processo de
ascensão profissional da mulher; e (3) os resultados das escutas radiofônicas serem utilizados
em outras áreas do conhecimento, como a ciências humanas e sociais.
Estudos de recepção no Brasil: década 2000
A partir da revisão teórica proposta por Martín-Barbero (1990) na abordagem
sociocultural ainda na década de 90, as autoras apresentam na segunda edição do livro “Meios
e Audiências II: a emergência dos estudos de recepção no Brasil” (2014) algumas mudanças
na classificação das abordagens para mapear as pesquisas investigadas.
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Assim, se na publicação sobre a década de 1990 apareciam três abordagens
[...], aqui só permanece integralmente a sociocultural, à qual foi somada uma
nova abordagem, a sociodiscursiva. Consideramos necessário fazer esses
acrescimentos para dar ênfase a um desenvolvimento identificado na área,
qual seja, a adoção das teorias do discurso, em qualquer de suas
perspectivas, para analisar a recepção (JACKS; MENEZES; PIEDRAS,
2014, p.13).
De acordo com as autoras, a abordagem comportamental e outras utilizadas na edição
de 2008, foram empregadas de formas distintas, sendo que a primeira foi utilizada somente
para quantificar os trabalhos e a segunda foi eliminada.
Assim, a nova abordagem sociodiscursiva é definida como: abordagem que trata “o
discurso dos sujeitos a partir de enfoques teórico-metodológicos que se dedicam à análise dos
discursos sociais, os quais emanam da mídia e dos receptores” (JACKS; MENEZES;
PIEDRAS, 2014, p.14). Nesta categoria foram abordados trabalhos da semiótica, análise do
discurso e de conteúdo qualitativo, retórica, linguística, etc.
No entanto, a metodologia utilizada para analisar os trabalhos permanece a
mesma linha utilizada na primeira edição da obra, que é o modelo proposto por Maria
Immaculada Lopes (1990). Dos 209 estudos analisados pelas pesquisadoras, 49 teses e 160
dissertações, o resultado obtido foi: 112 socioculturais, 32 sociodiscursivas e 65
comportamentais.
Nos processos de recepção analisados pelas pesquisas, a contagem relativa
aos meios selecionados para estudo aponta que a televisão (104) continua
sendo o que desperta mais interesse nos pesquisadores, em todas as
abordagens. Ela é seguida pela internet (26), que, em números totais, já
supera em muito o interesse pelo rádio (19), embora ainda traga muitas
análises centradas na abordagem comportamental (18) (JACKS; MENEZES;
PIEDRAS, 2014, p. 16).
Na nova pesquisa, a mídia impressa e outras mídias, como o cinema, também
surgiram como objeto de estudo: jornal 12; revista 11; mídia 11. A edição 2014 da obra
identificou também 6 trabalhos que buscaram investigar de forma mais ampla, sem focar em
meio específico, a indústria cultural na vida e cultura contemporânea.
Diagnóstico sobre a pesquisa radiofônica
Apesar das mudanças no quadro da pesquisa de recepção, houve um aumento quantitativo e
qualitativo nas pesquisas radiofônicas nos programas de pós-graduação em Comunicação no
País. Jacks, Menezes e Piedras (2014), aponta que cresceu de 10 para 21 o número de estudos
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empíricos, sendo que quatro foram provenientes de teses de doutorado. Em relação à
abordagem e problemáticas, emergiram os seguintes dados: sociocultural – 15 trabalhos,
como foco na inserção do rádio em comunidades, grupos étnicos e zona rural; sociodiscursiva
– 5 trabalhos, que visam explorar as características do discurso radiofônico e a relação com
receptor; e comportamental – 2 trabalhos (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2014).
O estudo revelou também as seguintes informações: 9 trabalhos tratam de identidade
(comunitária, étnica ou de gênero); 4 enfatizam a comunicação comunitária, 4 tratam da
relação emissor/receptor; 3 abordam o papel do rádio em movimentos sociais; 3 exploram
respectivamente, o consumo musical, a memória e a oralidade. Em relação aos procedimentos
metodológicos, o método qualitativo é unanime e de acordo com as autoras (JACKS;
MENEZES; PIEDRAS, 2014), a entrevista é a mais adotada (14), seguida pela observação
(5), e história de vida (4). Foram utilizados também os métodos de analise do discurso (3),
discussão em grupo (3), etnografia (2), análise de cartas (2), biografia radiofônica (1) e
questionário (1).
Em relação ao público, de forma geral, o estudo aponta que não há preferência por
estudar grupos homogêneos, mas ouvintes de determinadas rádios e programas diversificados,
sem levar em consideração classe social, gênero ou qualquer outra distinção. “Nestes casos, e
pode-se dizer que de modo geral na produção da década de 2000, observa-se nítida predileção
pela faixa etária adulta, primando-se pela diversidade de profissão e sexo” (JACKS;
MENEZES; PIEDRAS, 2014, p. 106).
Assim como na década de 90, os estudos culturais são predominantes nas pesquisas
de recepção radiofônicas, tendo como principais estudiosos Martín-Barbero, Orosco e
Canclini, em que é adota a perspectiva da educação para os meios. “Acredita-se que a
preeminência desses pilares justifique o diálogo, frequentemente nas pesquisas, com preceitos
de outras tendências disciplinares, como a Antropologia, a Sociologia, a Semiótica e a
Linguística (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2014, p.107)”.
Em suma, sobre a pesquisa de recepção radiofônica pode-se afirmar, com base no
estudo, que o aumento ocorreu devido à ampliação dos programas de pós-graduação no país.
No entanto, não houve grande diversidade nos estudos, conforme apontam as autoras, que
sugerem que não se pode comemorar a descoberta de novas facetas do rádio no início deste
século. “Observa-se pelo contrário, uma grande sobreposição dos temas eleitos na década
anterior – identidades, questões de gênero, cidadania, relações entre cotidiano [...], geralmente
sem estabelecer diálogo com produções predecessoras, o que configura uma “séria lacuna”
(JACKS; MENEZES, PIEDRAS, 2014, 110). O estudo aponta também que a produção
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nacional é basicamente ignorada, “apenas cinco autores brasileiros estão entre as principais
referências das obras da década de 2000, sendo exclusivamente uma da área de recepção:
Maria Immacolata Vassalo de Lopes (JACKS, MENEZES, PIEDRAS, 2014, p. 112)”. Além
de não fazerem referência ao novo cenário digital e da convergência midiática, as deficiências
apontadas na década de 90 permanecem, como por exemplo, à ausência de critérios
epistemológicos orientados para o diagnóstico do discurso ou para os efeitos, baixo rigor
científico nos relatórios, etc.
No entanto, apesar das fragilidades dos trabalhos analisados, a obra “Meios e
Audiências” (2014) destaca a relevância dos mesmos para o cenário dos estudos de recepção
radiofônica no Brasil no inicio deste novo milênio, ao trazer reflexões e cenários que
instiguem a compreensão da sociedade atual. “Os trabalhos enriqueceram o campo com a
incorporação de novos públicos, técnicas e referencias e pulverizaram férteis temáticas a
serem aprofundadas em trabalhos futuros” (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2014, p. 116).
Considerações Finais
O receptor radiofônico tornou-se ao longo dos anos um dos principais focos de
pesquisas no Brasil, a partir dos Estudos Culturais e demais correntes que investigam a
influência hegemônica dos meios. No entanto, os estudos voltados para a recepção
radiofônica nas últimas duas décadas foram insipientes. As pesquisas realizadas pelos
programas de pós-graduação em comunicação no país, nos anos 90 e início de 2000,
mantiveram basicamente as mesmas correntes: os estudos latino-americanos, para investigar o
estado da arte dos estudos de recepção radiofônica, tendo como principais autores Martín-
Barbero, Orozco e Canclini.
A partir de estudos realizados nestes períodos, observou-se também a deficiência em
estratégias metodológicas na obtenção de dados mais efetivos nas pesquisas, baixo rigor
científico, o não aproveitamento de estudos já realizados no país, falta de interdisciplinaridade
e a desvalorização de pesquisadores nacionais. Outro agravante no cenário da pesquisa
radiofônica no Brasil é a ausência de estudos voltados ao novo cenário digital e da
convergência midiática, cenários que alteraram consideravelmente o comportamento do
receptor.
No entanto, mesmo diante das fragilidades dos trabalhos analisados, as teses e
dissertações realizadas até o momento são consideradas de extrema relevância, já que, além
de diagnosticar o cenário dos estudos de recepção radiofônica nacional, apontam reflexões e
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questionamentos que visam instigar a compreensão da sociedade atual e o caminho da
pesquisa a ser trilhado no futuro.
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