O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

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ANA CLAUDIA MARTINS DOS SANTOS O EXÉRCITO NAS FRONTEIRAS DO IMPÉRIO: MOBILIZAÇÃO MILITAR E DEFESA DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO (1850-1864) Cuiabá-MT Dezembro/ 2011

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Trabalha a incursão e a utilização do exercito no periodo imperial para garantir a posse e a expansão da fronteira oeste

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ANA CLAUDIA MARTINS DOS SANTOS

O EXÉRCITO NAS FRONTEIRAS DO IMPÉRIO:

MOBILIZAÇÃO MILITAR E DEFESA DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO

(1850-1864)

Cuiabá-MT

Dezembro/ 2011

Page 2: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

II

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM HISTÓRIA

O EXÉRCITO NAS FRONTEIRAS DO IMPÉRIO:

MOBILIZAÇÃO MILITAR E DEFESA DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO

(1850-1864)

ANA CLAUDIA MARTINS DOS SANTOS

Dissertação apresentada à banca examinadora do

Programa de Pós-graduação em História da

Universidade Federal de Mato Grosso, como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em História.

Orientador: Profº. Dr. Ernesto Cerveira de Sena

Cuiabá-MT

Dezembro/2011

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III

FICHA CATALOGRÁFICA

Santos, Ana Claudia Martins dos.

O Exército nas fronteiras do Império: Mobilização militar e defesa da Província de

Mato Grosso (1850-1864)./Ana Claudia Martins dos Santos. Cuiabá - MT: Universidade

Federal de Mato Grosso, 2011.

156f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-

Graduação em História, 2011.

Orientador: Ernesto Cerveira de Sena.

1. Exército na província de Mato Grosso. 2. Defesa da província fronteiriça/MT. 3.

Reorganização militar - 1850/MT. 4. Guerra do Paraguai – 1864/MT. I. Título.

CDU: 94(817.2).059

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Regional de Cáceres

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IV

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABÁ/MT

Tel : (65) 3615-8493 - Email : [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO : “O EXÉRCITO NAS FRONTEIRAS DO IMPÉRIO: MOBILIZAÇÃO

MILITAR E DEFESA DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO (1850-1864)”

AUTOR : Mestrando Ana Claudia Martins dos Santos

Dissertação defendida e aprovada em 19/12/2011

Composição da Banca Examinadora:

Presidente Banca / Orientador: Doutor Ernesto Cerveira de Sena

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Interno: Doutora Maria Adenir Peraro

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Externo: Doutor Domingos Sávio da Cunha Garcia

Instituição: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO

CUIABÁ, 03/02/2012.

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V

Dedico este trabalho à minha mãe, Maria

Martins dos Santos e, ao meu avô, Antônio Martins

Neves (In Memoriam), com todo amor e carinho.

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VI

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas fizeram parte desta caminhada, cujo apoio foi fundamental para o

andamento desta pesquisa e sem o qual não teria sido possível a elaboração deste trabalho.

Mencionar todos não seria viável e, possivelmente, injusto. Mas, é necessário citar aqueles que

estiveram diretamente envolvidos nessa caminhada, pelos quais tenho profundo sentimento de

gratidão e carinho.

Agradeço ao meu orientado, Prof. Dr. Ernesto Cerveira de Sena, pelo benefício do apoio

intelectual dedicado, o qual foi fundamental para a elaboração deste trabalho e pela compreensão

ilimitada durante os momentos de orientação.

À Professora Dr. Maria Adenir Peraro, pela atenção e pela disposição em fazer parte da

banca de qualificação e defesa deste trabalho e, principalmente, pelas contribuições e

encaminhamentos direcionados ao andamento desta pesquisa.

Da mesma forma, estendo meus agradecimentos ao Prof. Dr. Domingos Sávio da Cunha

Garcia, pelas orientações e encaminhamentos direcionados ao desenvolvimento desta pesquisa,

assim como, pela disposição em ter aceito fazer parte da banca examinadora deste trabalho.

À CAPES, pelo amparo a pesquisa.

Aos funcionários do Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, pelas orientações

prestadas que auxiliaram na pesquisa e na seleção da documentação.

À Profª. Dr. Leonice Aparecida de Fátima Alves e Prof. Dr. João Carlos Barrozo do

programa de Pós-Graduação em História, pelo afeto e atenção que tornaram essa caminhada mais

amena e agradável.

Agradeço o incentivo dos membros do grupo de pesquisa "Fronteira Oeste: Poder,

Economia e Sociedade", especialmente aos Professores Otávio Chaves, João Edson e Domingos

Sávio.

Não poderia esquecer de agradecer aos meus amigos e companheiros de caminhada no

mestrado com os quais tive o prazer de conviver, principalmente, Luis Cesar, Luciana, Elói,

Gabriela e Vanusa.

Agradeço aos colegas que compartilharam com as calorosas discussões sobre o tema da

pesquisa, compartilhando resultado e dúvidas sobre o tema em pesquisa, são eles: Jonh Érick,

Patrícia e Reinaldo.

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VII

Agradeço a compreensão, a paciência e o carinho das minhas companheiras de “abrigo”

- Maria Raimunda e Kátia Amaro, pelos momentos agradáveis que tornaram a convivência mais

amena e menos amarga. A vocês, sou grata pela companhia, carinho e pela paciência dedicada.

Quero agradecer com imenso carinho, a atenção e auxílio prestado pela secretária do

Programa de Pós-Graduação em História, Valdomira, carinhosamente, Val.

Aos meus amigos e eternos companheiros de caminhada, pessoas que tenho eterna

gratidão e respeito, Ester, Iracema, Lygia, Leonice, Carla Fernanda, Juarez, Maria Madalena,

Tayani, Neusa, Geraldinho e Brenda Mariana.

Não posso deixar de agradecer aos amigos Marciela e Jair pela companhia e amizade,

que tornaram a experiência na fronteira com a Bolívia o mais agradável e proveitosa possível.

Mais nada teria sido possível, ou se quer, teria começado sem o incentivo e o apoio dado

pelos meus familiares, principalmente, de minha mãe e de minhas irmãs, Maria Aparecida, Irene

e Leida. Agradeço pelo carinho e auxílio prestado pelos meus sobrinhos, Suelena e Reginaldo,

como também, pelo meu cunhado, Arlindo.

Com todo carinho e admiração ao meu tio José “Crispim”, pelo apoio e incentivo dado

no decorrer dessa caminhada. Serei eternamente grata. Assim como, estendo os agradecimentos a

sua filha, Marinalva, pela hospedagem e pelos calorosos bate-papos.

A todos, muito obrigada!

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8

RESUMO

Este trabalho analisa a organização e a

atuação do Exército, força de 1ª Linha, na

defesa da província de Mato Grosso, entre a

reorganização militar em 1850 e o início da

Guerra do Paraguai em 1864, pontuando as

dificuldades de mobilização de efetivos para

fazer a defesa dessa província fronteiriça. A

proteção da província foi sendo realizada por

indivíduos considerados marginais,

criminosos, desordeiros, que eram

recrutados e enviados para assentar praça.

Muitos desses indivíduos buscaram várias

estratégias para evadir do serviço militar,

sendo a deserção uma opção frequente entre

eles e estimulada pela proximidade com a

fronteira. Dessa maneira, o Exército na

província de Mato Grosso foi insuficiente

para realizar a defesa e atender as

necessidades militares da província, não

tendo sofrido alterações significativas na sua

organização e na quantidade de efetivos,

mesmo em momentos mais tumultuados e

diante das constantes reclamações por parte

dos presidentes da província quanto à

ameaça de uma invasão por parte da

República do Paraguai.

Palavras-chave: Exército; Defesa; Mato

Grosso; Império.

ABSTRACT

This work analyzes the organization, and the

performance of the Army force from the 1st

Line, to the defense of the province of Mato

Grosso, between the military reorganization

in 1850 and the beginning of the War of

Paraguay in 1864, highlighting the

difficulties of mobilizing effective to defend

the frontier province. The protection of the

province was being performed by

individuals considered marginal, criminals

and looters, who were recruited and sent to

build square. Many of these individuals have

tried several strategies to escape from

military service, and the desertion a frequent

option between them and stimulated by the

proximity to the border. This way, the Army

in the province of Mato Grosso was

insufficient to achieve the defense and meet

the military needs of the province, not

having undergone significant changes in its

organization and in the amount of effective

even in these tumultuous times more and

face of constant complaints on the part of the

presidents of the province and the threat of

an invasion by the Republic of Paraguay.

Keywords: Army; Defense; Mato Grosso;

Empire

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SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS .............................................................................................................................. 10

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1: O EXÉRCITO NO IMPÉRIO ........................................................................................ 19

1.1 As reformas na organização militar a partir de 1850 ......................................................................... 28

1.2 “Como o diabo foge da cruz”: as dificuldades de mobilização militar .......................................... 34

1.2.1 Voluntários, engajados e recrutas................................................................................................ 38

1.2.2 Os embaraços ao recrutamento militar ........................................................................................ 46

CAPÍTULO 2: O PERIGO ESTÁ AO SUL: A ATUAÇÃO DO EXÉRCITO NA PROTEÇÃO DE

MATO GROSSO ........................................................................................................................................ 53

2.1 Navegação e limites: peculiaridades de uma província fronteiriça .................................................... 53

2.1.1 Conexões com a Corte: as vias de comunicação e a navegação pelo rio Paraguai ......................... 59

2.2 Litígios com o país Guarani: a tensa relação entre o Brasil e o Paraguai ...................................... 66

2.2.1 O Exército, a força policial e a Guarda Nacional ........................................................................ 74

2.2.2 Os constantes receios de uma invasão ......................................................................................... 84

CAPÍTULO 3: RECRUTAMENTO E RESISTÊNCIA ......................................................................... 99

3.1 Entre malfeitores e desordeiros: o recrutamento para o serviço militar ............................................. 99

3.1.1 Isento, mas praça: recrutamento de menores e escravos ............................................................... 115

3.2 Vida autônoma dentro da ordem estabelecida: as práticas de resistências aos serviço militar .... 123

3.2.1 Fronteira: uma opção a deserção ............................................................................................... 129

3.2.2 Reduto de desertores ................................................................................................................. 134

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................142

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 148

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10

LISTA DE QUADROS E MAPAS

QUADRO I Forças efetiva de paz e guerra do Exército 1850-1864 ........................................................... 37

QUADRO II Recrutas, voluntários e engajados 1850-1864 ....................................................................... 42

QUADRO III Proposta de nomeação de recrutadores dirigida ao Ministério da Guerra pelo presidente da

província de Mato Grosso-1862 ................................................................................................................... 44

QUADRO IV Efetivos do Exército em Mato Grosso ................................................................................. 75

QUADRO V Praças da Guarda Nacional destacados para auxiliar o Exército ........................................... 83

QUADRO VI Mapa estatístico da Colônia Militar de Miranda - março de 1864 ..................................... 105

QUADRO VII Mapa mensal de recrutamento-1864 ................................................................................. 108

QUADRO VIII Cota estabelecida para o serviço de guarnição 1852-1854 ............................................. 109

CROQUI elaborado pelo Tenente Pedro Pereira-1862 ................................................................. 95

MAPA I – Principais pontos militares da Província de Mato Grosso - Século XIX ....................69

MAPA II – Freguesias conhecidas como reduto de desertores no século XIX ........................... 135

Page 11: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

11

INTRODUÇÃO

Julgo escusado renovar as sediças observações

apresentadas por mim e pelos meus antecessores nesta

Presidência acerca da insufficiencia da tropa existente

[...] cujos Districtos no caso de serem inopinadamente

atacados não se podem socorrer mutuamente nem receber

a tempo socorros da Capital [...].1

Augusto Leverger, dezembro de 1853.

A observação feita por Augusto Leverger, no início da década de 1850, quanto à

insuficiência de praças no Exército não se tornou algo restrito a esse momento. A falta de homens

empregados no serviço militar foram às principais reclamações dos presidentes e comandantes

militares em Mato Grosso no período. As guarnições nos diversos pontos militares eram mal

guarnecidas e o corpo móvel da província mostrava-se incapaz de socorrê-las no caso de invasão

por parte dos países vizinhos.

Este trabalho investiga a organização do Exército numa província situada em área de

fronteira litigiosa, cuja presença da força armada era fundamental para sua defesa, pontuando a

dificuldade de mobilização militar e de preenchimento de efetivos, entre 1850 e 18642.

A província de Mato Grosso3 estava localizada numa extensa área fronteiriça com a

República do Paraguai e da Bolívia, com as quais mantinha uma relação conturbada devido às

tensões geradas pela falta de acordo na questão da demarcação de limites, tornando constante a

ameaça de invasão na província, principalmente por parte do Paraguai.

1 Augusto Leverger ao ministro da Guerra Pedro de Alcântara Bellegarde, em 31 de dezembro de 1853. Registro de

correspondência oficial da presidência ao Ministério da Guerra 1853-1855. Livro 135. 2 Essas balizas temporais foram estabelecidas por serem da década de 1850, marcada pela centralização política do

Império, com aprovação de leis que incluía a organização do Exército. Encerramos nossa pesquisa com o início da

Guerra do Paraguai, pois o esforço de guerra apresenta uma situação extraordinária para a mobilização. 3 A província de Mato Grosso corresponde atualmente aos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte sul

de Rondônia.

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As fronteiras enquanto limites políticos entre dois países é uma construção que

acompanhou a formação dos Estados nacionais, sendo que, até o início da Guerra do Paraguai

essas fronteiras ainda não estavam demarcadas.4 Essa necessidade de demarcação de limites

interferiu nos direcionamentos político e militar na província de Mato Grosso, pautado na

necessidade de ter controle sobre o território, cuja posse era contestada. Como esse território era

ainda mal definido, o governo brasileiro buscou ter conhecimento do espaço geográfico para

poder exercer o controle político, sendo que, esse controle político, espacialmente bem

delimitado, é que tornava o espaço em questão em território, brasileiro ou não.5

As fronteiras, segundo Benedikt Zientara, não devem ser pensadas como uma linha de

fronteira definida que separa dois estados, tal como as encontramos em um mapa geográfico. É

preferível pensá-las como uma faixa mais ou menos larga, fixada de diferentes maneiras por um

grupo, com o intuito de se isolar ou de se diferenciar dos demais.6

O interesse dos países vizinhos com o Brasil era de defender as fronteiras que

reivindicavam, embora ainda faltasse um acordo oficial, por isso, essa relação ficou marcada por

controvérsias quanto ao terreno ocupado por um ou por outro país.

Até a década de 1860, o Brasil não contava com um Exército de grande porte, sendo que a

quantidade de efetivos militares era insuficiente para atender as necessidade de defesa e socorrer

todos os pontos do país. O Império abriu mão do monopólio de violência legitima para a

manutenção do sistema escravista, sendo que, as elites locais continuaram sendo detentoras dos

instrumentos para manutenção do poder, criando para si pequenos exércitos sob controle direto

dos senhores latifundiários.7

A manutenção dos interesses da elite escravista estabeleceu-se uma série de isenções para

a realização do recrutamento, que retirou da mira dos agentes recrutadores os indivíduos

4 MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São

Paulo: UNESP, 1997. 5 SOUZA, Marcelo Lopes. “Território” da divergência (e da confusão): Em torno das imprecisas fronteiras de um

conceito fundamental. In: SAQUET, Marcos Aurélio (Org.) Territórios e territorialidades: teorias, processos e

conflitos. São Paulo: Expressão Popular: UNESP, 2009. 6 ZIENTARA, Benedikt. Fronteira. In: BOBBIO, Norberto. Enciclopédia Einaudi – Estado e Guerra. Vol. 14. Porto:

Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1989. 7 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo:

HUCITEC, 1996. p.54.

Page 13: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

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diretamente ligados ao círculo de proteção dos proprietários. Isso fazia com que o número

daqueles que pudessem ser enviados para as fileiras fosse insuficiente, estando sempre

desfalcado.

Para uma pessoa que participava da elite política, assim como, os que nela buscavam

apadrinhamento, ficavam fora do alcance da ação dos agentes recrutadores, pois o recrutamento

não se estendeu a todas as camadas da sociedade, tendo como principais alvos os livres e os

pobres. Estes eram enviados para as fileiras do Exército sem preparação militar, submetidos a

viver com estrutura precária, marcada por péssimas instalações, alimentação deficitária, baixo

soldos, situações enredadas que tornavam a experiência militar amarga.

Essa mobilização, pautada no recrutamento forçado, fez com que a defesa militar ficasse

nas mãos de pessoas que não tinham interesse de estar à disposição das forças armadas, que na

primeira oportunidade aproveitavam para fugir. A deserção foi uma entre as várias alternativas

buscadas para evadir do serviço militar, ao qual recorriam indivíduos que não suportando a vida

precária das casernas, buscavam uma alternativa para voltar aos seus afazeres e ao convívio

familiar.

O recrutamento, além de ter sido utilizado para completar o efetivo militar, tornou-se uma

opção para o chefe de polícia que enviava para suas fileiras, com o objetivo de “limpar” a cidade,

aqueles indivíduos considerados perturbadores da ordem.

Desta maneira, a cultura política nos forneceu a possibilidade de analisar não só as

instituições políticas que determinam como e quando proceder ao recrutamento e a importância

que deve ser atribuída à mobilização militar nessa localidade, como também compreender as

manifestações dos indivíduos que eram afetados direta ou indiretamente (no caso dos familiares)

por essas ações, sendo possível verificar os valores que orientam as motivações e atitudes desses

indivíduos. Segundo Karina Kushnir e Leandro Carneiro, a cultura política coloca “em evidência

as regras e os pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores.” 8

Várias pesquisas abordam a discussão quanto à organização do Exército imperial,

apontando esclarecimentos diferenciados para explicar a dificuldade de mobilização e a

8 KUSHNIR, Karina e CARNEIRO, Leandro Piquet. As dimensões subjetivas da Política: Cultura Política e

Antropologia da Política. Estudos Históricos, nº 24, Rio de Janeiro, FGV, 1999. p. 227.

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insuficiência das forças armadas para realizar a defesa do país. De acordo com Fernando

Uricoechea, o Exército teve sua participação restringida na organização institucional do país,

estando limitada à defesa da fronteira. Esse autor pontua que houve uma militarização da

sociedade, por meio da Guarda Nacional, que apresentou uma elevada capacidade de

mobilização.9

Para Vitor Izecksohn, a desmobilização do Exército foi uma opção política dos grupos

dirigentes que viam no Exército uma ameaça de interferência militar, o que permitiu que o

controle dos instrumentos coercitivos ficassem nas mãos dos grupos dirigentes, sem que o

Exército passasse por uma reforma nos moldes profissionais e corporativos. Assim, a Guarda

Nacional, que não representava essa interferência, era uma alternativa frente aos custos que

representaria manter um Exército bem organizado. As reformas implantadas em 1850 não foram

elaboradas com interesse de formar um Exército profissional, mas para dar uma organização

mínima entre os que assumissem como oficiais, pois estariam em posição de comando, diante da

necessidade de um corpo armado que pudesse fazer frente às ameaças externas, no momento em

que o Brasil procurava firmar seus interesses na região da Prata para demarcar suas fronteiras.10

John Schulz11

analisa as mudanças promovidas pelas reformas de 1850, principalmente as

direcionadas ao acesso do oficialato militar, a partir da Lei nº 585 de 06 de setembro de 1850.

Segundo Schulz, essa reforma introduziu uma mudança profunda no acesso ao oficialato, o

tornou mais aberto à população.

Na análise de Wilma Peres Costa, a desmobilização do Exército deve-se à maneira como

ocorreu o processo de independência do país, sem ruptura à estrutura social vigente, mantendo o

regime monárquico, a unidade territorial e o regime escravista. Sendo que, a manutenção do

escravismo era um dos principais obstáculos à formação de um Exército bem organizado, pois

reduzia significativamente o número daqueles que podiam ser recrutados.

9 URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial: a burocratização do Estado patrimonial brasileiro no século

XIX. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1978. pp.131-132. 10

IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: a Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do Exército brasileiro.

Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1997. p.76. 11

SCHULZ, John. O Exército e o Império. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.) História Geral da Civilização

Brasileira. 2 ed. tomo II, vol.4. São Paulo: Difel, 1974; SCHULZ, John. O exército na política: origens da

intervenção militar, 1850-1894. São Paulo: Ed. da USP, 1994.

Page 15: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

15

Apresentando outro contraponto, Fabiana Rodrigues argumenta que, a desmobilização do

Exército foi uma medida adotada frente ao estado de anarquia em que se encontrava a força de

linha após a Abdicação, contando com o apoio de oficiais que achavam preferível reduzir o

número de efetivos, numa tentativa de dar forma e organização às tropas de linha, ao invés de

recorrer ao modo de recrutamento herdado do período colonial.12

No decorrer da nossa pesquisa, pudemos contar com historiografia de Mato Grosso,

ajudando-nos a perceber a ação do Império na província de Mato Grosso, por meio dos aspectos

político, social, econômico e cultural. Podemos destacar as pesquisas realizadas por Ernesto

Cerveira de Sena, Luiza Volpato, Maria Adenir Peraro, Domingos Sávio da Cunha Garcia e

Oswaldo Machado Filho.13

Assim, recorremos a essas pesquisas e as dissertações elaboradas no curso de Mestrado da

Universidade Federal de Mato Grosso para compreender as abordagens que corroboraram com

este trabalho, como a pesquisa de Rosely Almeida, Eula Wojciechowski e Leonam Lauro Nunes

da Silva.14

A abordagem sobre a atuação militar em Mato Grosso no decorrer do Império é um

campo de análise que ainda é restrito às pesquisas. Quando se trata do Exército, nessa província,

12

RODRIGUES, Fabiana Mehl Sylvestre. Caminhos e descaminhos da nacionalização do Exército brasileiro no

período Regencial (1831-1840). Almanack Brasiliense, nº03, maio 2006. p.65. 13

SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes: a dinâmica política nas fronteiras do

Império: Mato Grosso 1834-1870. Cuiabá: Ed. da Universidade Federal de Mato Grosso; Carlini & Caniato, 2009;

VOLPATO, Luiza Rios Ricci. A conquista na terra no universo da pobreza: formação da fronteira oeste do Brasil

1719-1819. São Paulo: HUCITEC; Brasília, DF: INL, 1987; VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do sertão: vida

cotidiana e escravidão em Cuiabá 1850-1888. São Paulo: Ed. Marco Zero; Cuiabá, MT: Ed. da UFMT, 1993;

PERARO, Maria Adenir. Bastardos do Império: família e sociedade em Mato Grosso no século XIX. São Paulo:

Contexto, 2001; GARCIA, Domingos Sávio da Cunha. Território e negócios na “Era dos Impérios”: os belgas na

fronteira oeste do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2009; MACHADO FILHO, Oswaldo. Ilegalismo e

jogos de poder: um crime célebre em Cuiabá (1872), suas verdades jurídicas e outras histórias policiais. Cuiabá, MT:

Carlini & Caniato: EdUFMT, 2006.

14 ALMEIDA, Rosely Batista Miranda de. A presença indígena na Guerra com o Paraguai (1864-1870). 2006. 133

fl. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato

Grosso. Cuiabá, 2006; WOJCIECHOWSKI, Eula. “Sem lei nem rei”: debochados, vadios e perniciosos. Os soldados

militares na província de Mato Grosso, 1850-1864. 2004. 123 fl. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de

Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2004; SILVA, Leonam Lauro Nunes da.

Relações na Tríplice Fronteira: a Bolívia no Contexto da “Grande Guerra” (1865-1868). 2009. 127 fl. Dissertação

(Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá,

2009.

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a abordagem é direcionada com mais frequência para o período da Guerra do Paraguai, sendo

uma abordagem mais privilegiada entre os trabalhos consultados.

Para a realização deste trabalho, baseamos nossa pesquisa no acervo de documentação

pública do Arquivo Público de Mato Grosso (APMT), especificamente, nas Latas e nos Livros de

Correspondências, abarcando um conjunto de documentos com informações detidas nas

correspondências da presidência com o Ministério da Guerra, com o Ministério dos Negócios

Estrangeiros e correspondências da presidência com os comandos militares nos diferentes pontos

da província, entre o período de 1850 e 1864, revelando as medidas adotadas na província quanto

à defesa, as dificuldades de mobilização militar para sua realização e as práticas cotidianas de

quem carregava o peso de defender militarmente a província.

Trata-se de documentação oficial, entre as autoridades que permitem perceber ações e

ideias dos presidentes e comandantes sobre organização militar, como também, revelam a ação de

pessoas comuns diante da ação do governo. Essa documentação, já visitada por outros

pesquisadores, oferece várias possibilidades de análise, sendo que “o historiador não esgota

jamais um documento; ele pode interrogá-lo com outras questões ou fazê-lo falar com outros

métodos.” 15

Segundo Carlos Bacellar, é necessário que o historiador procure conhecer o contexto de

produção da documentação que está sendo pesquisado, sendo necessário perguntar quem

produziu o documento e qual o propósito de sua elaboração. É necessário ter um conhecimento

prévio sobre o tema e período em que vai ser realizada a pesquisa, antes de partir para a análise

da documentação, o que facilita na compreensão das informações e, até mesmo, para que o

historiador não aborde de forma equivocada as informações produzidas em contextos diferentes

do que está vivenciando.16

Obtivemos também informações importantes para a realização desta pesquisa nos

Relatórios de Presidentes da Província de Mato Grosso, Relatórios do Ministério da Guerra e nos

Decretos da Coleção de Leis do Império. Os relatórios dos presidentes trazem dados sobre as

15

DEL PRIORE, Mary. Fazer história, interrogar documentos e fundar a memória: a importância dos arquivos no

cotidiano do historiador. Revista Territórios e Fronteiras, vol.3, n.1, Jan/Jun, Cuiabá, 2002. pp. 9-20. 16

BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.) Fontes Históricas. São

Paulo: Contexto, 2005.

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17

medidas adotadas e as reclamações quanto à questão militar. A partir de 1835, torna-se

obrigatório a elaboração do relatório anual sobre a situação da província de Mato Grosso, sendo

elaborado pelo presidente que esteve no cargo no ano correspondente, para levar ao

conhecimento da Assembléia Legislativa e da Corte os acontecimentos e as meditas tomadas na

província. De acordo com Ernesto Cerveira de Sena, a utilização desses relatórios é importante

porque “[...] formam a base para a reconstituição das ações e ideias governamentais, bem como

possibilitam entrever as reações ou o desconhecimento dos governados ante os intentos das

autoridades.” 17

Nos relatórios do Ministério da Guerra observamos as medidas adotadas para viabilizar

uma organização militar, a importância e preocupação do governo imperial com a província de

Mato Grosso. Não realizamos uma análise da Coleção de Leis do Império, apenas nos reportamos

a esses decretos, de acordo com que nos eram apresentados os dados contidos na documentação

analisada.

Estamos utilizando vários quadros ilustrativos, os quais são inseridos nos capítulos deste

trabalho e por meio dos mesmos organizamos algumas informações referentes a quantidade de

efetivos da força de 1ª Linha e sobre a mobilização militar, há também um mapa apontando os

principais pontos militares da província na segunda metade do século XIX.

Para a discussão sobre a mobilização e a atuação do Exército na defesa da província de

Mato Grosso, procuramos organizar este trabalho de maneira a discutir como estava a

organização do Exército, sua atuação para a defesa da província e as dificuldades de mobilizar

praças. Para isso, dividimos este trabalho em três capítulos.

No primeiro capítulo destacamos como estava à organização do Exército nas duas

primeiras décadas da segunda metade do século XIX, que tinha sua fileira preenchida

majoritariamente por meio ao recrutamento forçado e as reformas implantadas pelo Ministério da

Guerra. As dificuldades de mobilização resultaram em fronteiras mal guarnecidas, com

contingente insuficiente para as necessidades militares do país.

17

SENA, Ernesto Cerveira de. A História intelectual e tratamento de fontes tradicionais. Em Tempo de História, n.5,

ano 5, Brasília: 2001. p.157-176. p.158

Page 18: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

18

No segundo capítulo pontuamos as peculiaridades de Mato Grosso como província

fronteiriça, ressaltando seu posicionamento estratégico frente aos interesses do governo imperial

em demarcar e defender seu território. Discutimos como o Exército era importante na província

para fazer sua defesa frente às ameaças de invasão por parte dos países vizinhos; mostramos

também as dificuldades de atuação frente a uma força armada insuficiente e despreparada.

No terceiro capítulo partimos da insuficiência da força armada para pontuar como era

realizada a mobilização militar para completar o contingente do Exército, pautada no

recrutamento forçado e tendo como principal alvo os livres e os pobres. A defesa da província

estava nas mãos de indivíduos que foram obrigados a pegar em armas para defender interesses

que não lhes eram próprios, buscando várias maneiras de evadir da obrigação imposta pelo

serviço militar, fazendo com que fosse constante a fuga e a deserção.

Page 19: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

19

CAPÍTULO 1

O EXÉRCITO NO IMPÉRIO

Durante a primeira metade do século XIX, a regulamentação de efetivos militares passou

a fazer parte dos debates sobre a organização do Estado, sendo que as reclamações quanto à sua

atuação e à sua desarticulação ganharam força de acordo com que as revoltas regenciais foram se

espalhando por outras províncias do território brasileiro.

O período que seguiu da abdicação de D. Pedro I foi um momento agitado no Império

brasileiro, marcado pela revisão da estrutura institucional vigente, num contexto de várias

revoltas nos mais diversos pontos do Império, o qual demandava a emergência de novas ações

políticas.18

Ao ascender ao poder, o governo regencial deparou-se com um Exército desorganizado e

indisciplinado, que trazia em sua organização traços da herança militar portuguesa19

. O alto

oficialato do Exército, majoritariamente, era ocupado por membros da aristocracia, favorecido

por redes de privilégios e com acesso rápido ao oficialato militar. Sua ascensão ao generalato era

18

A década de 1830 foi marcada por diferentes projetos políticos: os moderados, que defendiam a implantação de

reformas para reduzir os poderes do Imperador, mas sem afetar a ordem imperial; os exaltados, que almejavam

reformas mais profundas, em sentido federalista; e os caramurus, que eram contrários a tal reforma e almejavam o

retorno de D. Pedro I. Embora com projetos e ações distintas, moderados e exaltados se uniram para defender

princípios liberais contra o absolutismo português, representado pela figura de D. Pedro I. Com a abdicação em

1831, a frágil aliança entre essas duas facções é desfeita, explodindo as rivalidades políticas numa violenta disputa

pelo poder, assumindo a direção os moderados, excluído os exaltados. As disputas no cenário político ficaram

restritas a essas duas facções, sendo que, com a morte de D. Pedro I em 1834, a proposta dos restauradores perdeu o

sentido.

BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840). In: SALLES, Ricardo;

GRINBERG, Keila (Org.) O Brasil imperial, volume III: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

pp. 60-72

19 O universo militar no século XIX não estava restrito ao Exército (serviço assalariado, permanente e em tempo

integral), compreendendo a milícia, força de 2ª Linha (civis em tempo parcial, não assalariado) e a de 3ª linha (civis

não alistados para a tropa regular ou a milícias, não assalariados, confinados ao limites municipais). Segundo

Fernando Uricoechea, nesse período o Exército profissional real era o mais burocratizado, pois possuía uma

organização hierárquica, assalariada e arregimentado. Seu acesso era aberto, embora houvesse diferença entre a

corporação da oficialidade formada por proprietários de terras e filhos de militares e, a tropa, formada por homens de

cor e trabalhadores (URICOECHEA, Fernando. Op. cit., p.69).

Page 20: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

20

em grande parte por fidelidade à monarquia.20

O recrutamento de oficiais era realizado entre os

nobres e os praças menos favorecidos, sendo que antes de 1850, quase todos os generais eram

oriundos de grupos formados por fazendeiros, comerciantes ricos, altos funcionários civis e

militares. Aqueles que não eram membros da aristocracia tinham pouca chance de progredir na

carreira militar e chegar ao oficialato, com exceção aos períodos de guerra.21

A experiência liberal, no início da Regência, implantou uma série de reformas

descentralizadoras, visando atenuar os resíduos absolutistas do Primeiro Reinado. Entre essas

medidas está a reforma realizada no poder repressivo do Estado, onde se inclui o Exército, que

teve seu número de efetivos reduzido significativamente22

.

Com a reforma do poder repressivo do Estado, a atuação do Exército foi limitada à

proteção de fronteira, quando foi criada a Guarda Nacional para o serviço de policiamento

interno. Essa proposta de descentralização previa uma distribuição dos poderes político e

administrativo entre as províncias, cabendo a essas também se defenderem, o que foi atribuído a

Guarda Nacional, limitando o Exército para proteção de áreas de fronteiras.

Embora não tenha sido criada para substituir o Exército, a Guarda Nacional serviu de

contraponto ao efetivo militar que foi reduzida com base na proposta apresentada a Câmara dos

Deputados pelo ministro de Guerra, Manoel da Fonseca Lima e Silva, no ano de 1832.23

Criada

com base na Lei de 18 de agosto de 1831, a Guarda Nacional estava subordinada ao Ministério da

Justiça e às autoridades civis. Com essa medida foram extintos os corpos de Guardas Municipais,

Ordenanças e Milícias existentes, desde o período colonial, tornando a Guarda Nacional a

20

Segundo Adriana Barreto de Souza, o perfil dos que chegaram ao oficialato antes de 1850 não era homogêneo,

havendo pelo menos três caminhos para ascender na carreira militar: os combatentes, por meio da participação em

combates internos ou externos; os administradores, que fizeram carreira na administração militar; os técnicos, por

meio da atuação na área de formação, eram o único meio, mas era necessário o diploma de engenharia. Independente

da trajetória, o ponto em comum a todo o grupo dessa geração de 1840 era a subordinação à Coroa e havia

dependência de sua generosidade, uma vez que a Coroa detinha o monopólio de distribuição de patentes militares e

demais títulos nobiliárquicos ou títulos de nobreza. SOUZA, Adriana Barreto de. A serviço de Sua Majestade: a

tradição militar portuguesa na composição do generalato brasileiro (1837-50). In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN,

Vitor; KRAAY, Hendrik (Org.) Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. pp.161-170

21 SCHULZ, John. O exército na política. Op. cit., p.28

22 BASILE, Marcello. Op. cit., p.73

23 RODRIGUES, Fabiana Mehl Sylvestre. Op. cit., p. 57

Page 21: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

21

principal força auxiliar, estando organizada com armas de infantaria, cavalaria e artilharia. Era

uma milícia privada, com cargos honorários e sem remuneração, mas obrigatória para cidadãos

entre 18 a 60 anos que tivessem renda para serem eleitores e se armar com seus próprios recursos.

Ficando o Estado encarregado da distribuição de materiais e da remuneração dos guardas, quando

destacados para auxiliar a tropa de 1ª Linha.24

A Guarda Nacional foi criada para:

[...] defender a Constituição, a Liberdade, a Independência, e Integridade

do Império; para manter a obediência às Leis, conservar, ou restabelecer a

ordem, e a tranquilidade pública; e auxiliar o Exército de Linha na defesa das

fronteiras e costas.25

Nesse sentido, a crença na eficiência da Guarda Nacional para a defesa interna do país não

permaneceu por muito tempo, mostrando logo suas limitações. A Guarda não apresentava

condições para combater as revoltas, sendo insuficiente e despreparada, mostrando-se incapaz de

manter a ordem e integridade nacional diante das revoltas provinciais.26

Mas, mesmo com as

críticas a sua atuação não foi desmobilizada, além disso, o número de efetivos do Exército

permaneceu reduzido durante o enfrentamento, nesse primeiro momento, das revoltas internas.

As principais controvérsias quanto à promulgação das reformas descentralizadoras

ocorreram com a reforma constitucional, levantando vozes discordantes entre a elite política. Em

1834, foi aprovado o ato adicional à Constituição de 1824, estabelecendo uma Regência Una,

excluindo o Conselho do Estado, descentralizando a administração e conferindo uma significativa

margem de autonomia às províncias, ao criar a Assembleia Legislativa Provincial.27

Em oposição à aprovação do Ato Adicional surgiu um grupo de políticos com ideias

regressistas, liderado por Bernardo Pereira de Vasconcelos, defendendo a necessidade de revisar

as reformas realizadas até o momento. Pautavam-se na necessidade de estabelecer a autoridade e

24

URICOECHEA, Fernando. Op. cit., pp. 134-140 25

Lei de 18.08.31, Art. I Apud URICOECHEA, Fernando. Op. cit., p.133 26

SCHULZ, John. O exército na policia. Op. cit., p.26 27

BASILE, Marcello. Op. cit., p. 83

Page 22: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

22

a ordem, uma vez que, essas reformas não foram capazes de evitar as revoltas provinciais, as

insurreições negras a eclodir em diversas províncias e a ameaça de uma fragmentação territorial.

Com a renúncia de Diogo Feijó, em 1837, assumiu o governo o regente Pedro de Araujo

Lima (o visconde de Olinda) representando o grupo de políticos com ideias regressistas, do qual

emergiu o Partido Conservador,28

este iria montar a estrutura política e administrativa vigente a

partir do Segundo Reinado. Os regressistas defendiam uma centralização política e

administrativa, estando atreladas ao fortalecimento da figura do Imperador, vendo um governo

forte e centralizado como a única maneira de restabelecer a ordem interna e, consequentemente,

promover a civilização.29

Os conservadores, na construção do Estado imperial, pautaram-se na necessidade de

manutenção da ordem e da segurança interna, privilegiando as atividades coercitivas, dando

atenção especial ao Ministério da Justiça e da Guerra. Sendo que, estes desfrutaram de um lugar

privilegiado na distribuição orçamentária do governo, considerado o segundo maior orçamento à

pasta de segurança, ficando atrás somente da pasta da Fazenda que tratava de questões referentes

à terra e à mão de obra.30

Os debates sobre a atuação das forças armadas haviam se tornado cada vez mais fortes na

Câmara dos Deputados, em decorrência da experiência das revoltas provinciais, quando em 1837,

o ministro da Guerra, o liberal José Saturnino da Costa Pereira apresentou como proposta o

fortalecimento da força armada e a contratação de mercenários. Essa proposta foi rebatida pelos

conservadores, propondo a disciplinarização da força de linha. Pela primeira vez foi apresentada

uma opção para a contratação de mercenários, sugerido pelo deputado Honório Hermeto Carneiro

Leão, à disciplinarização do Exército como um meio eficaz para fazer frente aos revoltosos. Era

preciso uma reorganização interna, devendo as forças de linha serem “disciplinadas, porque um

28

Até o ano de 1837 não existia partidos políticos no Brasil, apenas organizações políticas. Somente na década de

1830, com as reformas centralizadoras e as revoltas provinciais, emerge os dois principais partidos que vão

comandar a vida política no Império: o Partido Conservador (ex-moderados e ex-restauradores, que desejavam

reformar as leis descentralizadoras) e o Partido Liberal (defendiam as reformas descentralizadoras). CARVALHO,

José Murilo de. I A construção da ordem. II Teatro de sombras. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ; Redume

Dumará, 1996. p. 204

29 MATTOS, Ilmar. O Tempo Saquarema. São Paulo/Brasília: Hucitec/INL, 1987. pp.145-79

30 SOUZA, Adriana Barreto de. O exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política militar

conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. p.132

Page 23: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

23

exército muito numeroso não valeria a terça parte de um exército bem disciplinado, além do que,

quanto mais indisciplinado for, mais funesto para o país e mais perigoso para a ordem pública.” 31

Ao assumir o governo regencial em 1837, Araujo Lima chamou para ocupar o Ministério

da Guerra o conservador Sebastião do Rego Barros32

. Quando no governo, Rego Barros

apresentou um projeto para reorganização das forças armadas, com base nas propostas que já

vinham sendo defendidas pelos conservadores, restabelecendo a força de 1ª Linha para fazer

frente às ameaças externas.

Os conservadores arremataram estrategicamente os descontentamentos com o acirramento

das disputas provinciais, articulando num projeto político que buscava conter os revoltosos e, ao

mesmo tempo, apresentar a fragilidade dos governos liberais. Conseguiram imobilizar os liberais

e passaram a modificar a legislação que foi reformada durante os anos iniciais da Regência.

Essas propostas foram inicialmente desenvolvidas pela “trindade saquarema” (Paulino

José Soares de Souza, Joaquim José Rodrigues Torres e Eusébio de Queiros Matoso Câmara),

contando ainda com o apoio de Honório Hermeto Carneiro Leão e José da Costa Carvalho. Essa

“trindade” formou o núcleo do Partido Conservador que conseguiu dar “forma e expressão à

força entre os últimos anos do Período Regencial e o renascer liberal dos anos sessenta, a qual

não só alterou os rumos da „Ação‟ mas, sobretudo imprimiu o tom político e administrativo e

definiu o conteúdo do Estado Imperial.” 33

A reação centralizadora se fundamentou primordialmente na Lei de interpretação do Ato

Adicional, que foi aprovada em 12 de maio de 1840, revogando os poderes atribuídos as

31

Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 23 de junho de 1837. Apud SOUZA, Adriana Barreto de. O exército

na consolidação do Império. Op. cit., p.32 32

O início da reorganização do Exército, ainda durante o regresso, teve no Ministério da Guerra o conservador

Sebastião do Rego Barros, um típico oficial aristocrata filho de coronel, nascido em Pernambuco, que ingressou no

Exército aos três anos de idade com o título de cadete. SOUZA, Adriana Barreto de. O exército na consolidação do

Império. Op. cit., p.85. 33

MATTOS, Ilmar. Op. cit., p.108 Essas pessoas que ganharam destaque no campo político na primeira metade do

século XIX, como no caso desses políticos que conseguiram imprimir um direcionamento na construção do Estado

imperial, utilizaram de vários meios para poder tecer suas relações, não sendo exclusivamente relacionadas à origem

social dos representantes. Como foi o caso de Paulino Soares e Rodrigues Torres, que casaram com as filhas de João

Álvares de Azevedo, um proeminente cafeicultor fluminense.

Page 24: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

24

Assembleias Provinciais34

. Esse projeto foi elaborado ainda no ano de 1837, por uma Comissão

da Assembleia Legislativa da Câmara formada pelos conservadores Paulino José Soares de

Souza, Miguel Calmon e Honório Hermeto Carneiro Leão. No ano seguinte, na aprovação da Lei

de Interpretação do Ato Adicional, foi aprovada a reforma do Código do Processo Criminal, com

base num projeto apresentado em 1839, pelo senador Bernardo Pereira de Vasconcelos,

subordinando a ação judiciária e criminal, ao governo central. 35

A reforma da Guarda Nacional completou esse processo de centralização. A Lei nº 602 de

19 de setembro de 1850 extinguiu o sistema eleitoral e regulamentou a escolha de oficiais pelo

governo central. Segundo Ilmar Mattos, essa reforma rompeu com o mito da democracia que a

Lei de 1831 forjara ao determinar preenchimento de cargos por meio da eleição, reafirmando a

hierarquização no interior da corporação, passando a estar subordinada ao Ministério da Justiça e

aos presidentes das províncias. Era uma maneira de assegurar os interesses do Governo Central,

mantendo-o em ligação com os poderes locais, fazendo da Guarda Nacional um agente

centralizador e difusor das noções de ordem, disciplina e hierarquia, para que os homens livres

aderissem aos propósitos conservadores.36

Consideramos que, devido a essa atribuição dada a

Guarda Nacional pelos conservadores, na proposta de organização do Estado, ela não foi

desmobilizada ao iniciar a reestruturação das forças de 1ª Linha, continuando com o propósito de

proteção da ordem interna do país, ou seja, dos interesses da ordem escravista.

Para realizar essas reformas, os regressistas contaram com o apoio dos senhores

proprietários de terras, principalmente da elite que emergia na região do Vale do Paraíba37

. No

fim da década de 1830, o Brasil despontou como o maior produtor mundial de café, cuja

produção vinha quase toda da região do Vale do Paraíba38

. Com terras aptas e disponíveis para o

cultivo, numa região próxima ao grande porto do Rio de Janeiro, a província fluminense do

médio Vale do Paraíba despontou na produção cafeeira. O aumento dessa produção significou um

34

Segundo Fernando Uricoechea, a década de 1840 marca o esforço do governo em retirar dos senhores os

instrumentos políticos locais, os quais perdem o monopólio local da máquina judiciária e policial, e deixa de nomear

os vice-presidentes. URICOECHEA, Fernando. Op. cit., p.111 35

BASILE, Marcello. Op. cit., pp. 87-91 36

MATTOS, Ilmar. Op. cit., pp.171-172 37

Segundo Fernando Uricoechea, em nenhum momento da construção do Estado imperial o governo central

mostrou-se capaz de governar sem tecer alianças com os potentados locais, reconhecendo os limites frágeis de sua

autoridade. URICOECHEA, Fernando. Op. cit., p.112 38

Compreende terras das províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Page 25: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

25

acréscimo significativo de mão de obra, num momento em que, a Inglaterra vinha pressionando o

Brasil para o cumprimento do acordo assinado entre os dois países, previa o fim do tráfico

internacional de escravos.39

A elite cafeeira necessitava de uma estrutura política, capaz de assegurar seus interesses

ameaçados pela instabilidade, gerada pelas revoltas provinciais que inviabilizavam os

investimentos direcionados para incentivo da exportação e, ao mesmo tempo, pudesse fazer

frente à política antiescravista inglesa. Com isso, os saquaremas (grupo de políticos

conservadores da província fluminense) elaboraram suas propostas, partindo do pressuposto de

que era necessário um Estado forte e centralizado para proteger aos interesses dos proprietários

de terras e, assim, garantir a integridade territorial frente ás ameaças internas e externas. Esse

grupo que formou o núcleo do Partido Conservador conseguiu, no decorrer do período de

constituição do Estado imperial e da classe senhorial40

, consolidar sua posição na direção política

do governo do Estado e, ao mesmo tempo, assegurar os interesses de setores ligados a agricultura

escravista que eles representavam.41

Desse modo, as medidas centralizadoras não tinham por objetivo uma substituição dos

poderes locais, mas “estar em contato permanente com ele, romper seu isolamento, para poder

vigiá-lo e dirigi-lo” e, assim, impor um predomínio dos interesses do governo do Estado sobre os

interesses privados.42

Os liberais, com a maioridade, assumiram o gabinete ministerial, mas essa permanência

foi por pouco tempo. Dispensados do governo, fizeram insurgir as revoltas liberais em Minas

Gerais e São Paulo, em 1842, contra o estabelecimento do poder centralizador. Quando

retornaram ao governo em 1844, os liberais mantiveram a estrutura institucional vigente

modificada pelas reformas regressistas, facilitando a retomada das reformas quando os

conservadores retornaram ao governo em setembro de 1848.

39

MARQUESE, Rafael; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no

século XIX. In: O Brasil Imperial volume II – 1831-1870. SALLES, Ricardo (Org.) Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2009. pp. 364-365 40

A classe senhorial se constituiu por cafeicultores, burocratas, comerciantes, todos com interesses comuns

relacionados ao monopólio de mão de obra e da terra. Ao mesmo tempo em que propunha a construção do Estado

imperial, expandiram seus interesses e procuraram imprimir uma direção e dominação, “levando a cabo seu próprio

forjar enquanto classe”. MATTOS, Ilmar. Op. cit., p.57 41

Ibidem, p.165 42

Ibidem, p.205.

Page 26: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

26

As experiências das revoltas provinciais mostraram os limites da política empreendida

pelos liberais, que se viram incapazes de conter os revoltosos. Essas experiências foram

favoráveis aos direcionamentos políticos dos conservadores, sendo que, a revolução Praieira de

Pernambuco em 1848 foi um dos fatores que ajudou na queda do gabinete liberal presidido por

Francisco de Paula Souza e Melo, colocando fim aos quatro anos seguidos de governo liberal,

marcando a ascensão dos conservadores novamente ao poder.

De acordo com Joaquim Nabuco, “A revolução de 1848 em Pernambuco podia ser

desejada pelo Partido Conservador, tão proveitosa lhe foi”.43

No decorrer dessa segunda fase das

revoltas provinciais, ainda na década de 1840, o Exército conquistou as primeiras vitórias, após o

restabelecimento de seu efetivo militar. Foi vitoriosa sua atuação, sob o comando do marquês de

Caxias44

, contra a Sabinada na Bahia, a Balaiada no Maranhão, as revoltas liberais de São Paulo e

Minas Gerais, a Farroupilha no Rio Grande do Sul e, a última delas, a Praieira em Pernambuco.45

Após o fim dessas revoltas, os conservadores assumiram a direção do governo, formando

o gabinete de 29 de setembro de 1848, exclusivamente conservador, contando inicialmente com o

visconde de Olinda na presidência do Conselho e nas pastas da Fazenda e dos Negócios

Estrangeiros; José da Costa Carvalho na pasta do Império; Eusébio de Queiros na Justiça; e

Manoel Felizardo de Sousa e Mello nas pastas da Guerra e da Marinha. Aproximadamente um

ano após essa formação inicial, saiu Olinda e assumiu a presidência do Conselho José da Costa

Carvalho, sendo a pasta dos Negócios Estrangeiros ocupada por Paulino José de Souza Soares e a

da Fazenda por Joaquim José Torres Homem. Era a “trindade saquarema” reunida num mesmo

gabinete para impor os direcionamentos da política imperial.46

Embora o gabinete formado fosse exclusivamente conservador, inicialmente a Câmara foi

composta, em sua maioria, por membros do partido liberal. Essa situação apenas reverteu-se no

início dos anos de 1850, quando, com exceção de Bernardo de Souza Franco, a Câmara, assim

43

NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar S.A., 1975. p.113 44

Luis Alves de Lima e Silva, o marquês Caxias, era sobrinho de Manoel da Fonseca Lima e Silva, que promoveu a

redução do efetivo militar em 1832.

45 SCHULZ, John. O Exército e o Império. Op. cit., p. 244

46 IGLÉSIAS, Francisco. Vida política, 1848/1868. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.) História Geral da

Civilização Brasileira. Tomo II, v.3. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p.12

Page 27: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

27

como o gabinete, passou a ser exclusivamente conservadora.47

Segundo Joaquim Nabuco, esse

gabinete formado em fins de 1848 “era um dos mais fortes e mais homogêneos que o país já

teve” e se manteve até maio de 1852, quando foi formado um novo gabinete. Houve

continuidade, pois foi renovado apenas três dos nomes do gabinete anterior. Foram quatro anos

seguidos no governo, em que conseguiram lançar “a base de grandes reformas e melhoramentos

que mais tarde se realizaram”.48

Foram aprovadas medidas, por meio das quais os saquaremas

conseguiram se firmar no governo do Estado, impondo um direcionamento centralizador de

governo e conseguindo imprimir um direcionamento político, intelectual e moral.49

Os conservadores procuraram encaminhar as questões de interesse aos plantadores,

referentes à mão de obra e terra. Os cafeicultores do Vale do Paraíba já se encontravam

suficientemente abastecidos de mão de obra escrava, quando em 04 de setembro de 1850 foi

aprovada a Lei Eusébio de Queiros, estabelecendo uma série de medidas para o fim do tráfico

negreiro, buscando evitar qualquer desembarque de escravos em solo brasileiro. A partir desse

momento, a reposição da força de trabalho para a área de plantio foi basicamente realizada

através do tráfico interno entre províncias, fazendo-se necessária a construção de estradas

ferroviárias para escoamento dessa mão de obra, investimento em maquinário avançado, entre

outras medidas que permitissem poupar mão de obra. Nessa política do Estado, em preservar a

escravidão, há uma articulação entre a política de mão de obra e a de terras. Em 18 de setembro

de 1850 foi aprovada a Lei º nº 608, Lei de Terras, que o Estado caberia legislar sobre as terras

devolutas, tendo por objetivo poupar o consumo imediato de mão de obra, após o fim do tráfico

intercontinental. No início da segunda metade do século XIX também foram aprovadas algumas

medidas que iriam de encontro aos interesses dos negociantes, como as medidas administrativas

para regulamentar o meio circulante, incentivando a expansão dos negócios com o Código

Comercial de 1850 e com o Decreto nº 801 de 02 de julho de 1851 para organização do Banco do

Brasil. 50

Era a atuação da Coroa na busca de preservar o monopólio da mão de obra, na qual

estavam pautados os interesses da classe senhorial, eliminando suas vulnerabilidades. Para

47

Ibidem, p.16 48

NABUCO, Joaquim. Op. cit., pp.118-119 49

MATTOS, Ilmar. Op. cit., pp. 220-228 50

Ibidem, pp.174-240

Page 28: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

28

justificar as medidas repressivas adotadas, o tráfico intercontinental foi apresentado como um

risco á soberania nacional, devido às pressões antiescravistas inglesa e ao aumento das

insurreições escravas. Procurou-se fazer com que o fim do tráfico não fosse relacionado à pressão

inglesa, mas como uma ação do governo imperial mediante a necessidade civilizatória.

Esse gabinete formado em 1848 teve a frente do Ministério da Guerra o conservador

Manoel Felizardo de Sousa e Mello51

, sendo aprovadas várias medidas para organizar as forças

armadas. As primeiras medidas referiam-se ao procedimento técnico administrativo, como a

elaboração de livros de assentamento, mapas estatísticos, entre outros. Com o objetivo de

conhecer os soldados para poder aumentar a capacidade de controle do Estado sobre os corpos

armados e implantar a disciplina. Também foram estabelecidas regras para organização do corpo

de saúde, criada uma comissão de melhoramentos materiais, uma escola de exercícios práticos de

artilharia, determinação de penas e processos crimes militares, criado curso de infantaria e

cavalaria na província do Rio Grande do Sul e regulamentando o acesso aos postos de oficiais das

diferentes armas.52

1.1 As reformas na organização militar a partir de 1850

Entre as medidas aprovadas para organização das forças armadas, a Lei nº 585 de 06 de

setembro de 1850 marcou uma mudança na estrutura dos corpos de oficiais e, consequentemente,

na organização do Exército. Essa lei regulamentava o acesso aos postos de oficiais do Exército,

estabelecendo requisitos de promoção por antiguidade, privilegiando a profissionalização e

abolindo o sistema aristocrático que permitia acesso a altos cargos em pouca idade, conforme

segue:

51

Manoel Felizardo é um exemplo de oficial de elite. Formou-se em matemática pela Universidade de Coimbra,

ocupou o cargo de presidente nas províncias do Ceará, Maranhão, Alagoas, Pernambuco e São Paulo. Representou a

província do Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados, e dirigiu as pastas da Marinha, Fazenda, Agricultura e da

Guerra, como também fez parte da direção da Academia Militar. SCHULZ, John. O exército na política. Op. cit.,

p.28 52

MATTOS, Ilmar. Op. cit., p.173

Page 29: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

29

Art. 1º O acesso aos postos de Officiaes das diferentes armas do Exercito será

gradual, e sucessivo desde Alferes, ou Segundo Tenente até Marechal de

Exercito.

Art. 3º Nenhum militar poderá ser promovido do posto de Alferes ou Segundo

Tenente, sem ter completado dezoito annos de idade, e dous annos, pelo menos,

de praça effectiva no Exercito.

Art. 4º Nenhum Official poderá ser promovido ate o posto de Capitão inclusive

sem ter as habilitações marcadas nos Regulamentos do Governo, e dous annos

de serviço em cada posto, nem terá accesso aos postos superiores sem ter

completado tres annos naquelle em que se achar.53

Por mais que os favorecimentos oriundos das “boas relações” política/social continuassem

presentes, as exigências de idade e de instrução para o progresso na carreira contribuíram

significativamente para a redução das vantagens aristocráticas. As vantagens oferecidas pela

instrução, numa sociedade em que os recursos educacionais já não eram restritos aos membros de

famílias tradicionais, contribuíram para que o corpo de oficiais do Exército, a partir da década de

1850, deixasse de ser “uma força privilegiada tradicional do ancien regime para transformar-se

em uma corporação relativamente profissionalizada e racional”.54

As principais transformações, que antecederam a década de 1850, foram a eliminação do

elemento português do Exército e a expansão do sistema de educação militar, por meio da criação

de uma Academia Militar em 1810. Até 1874 a Academia Militar era a única escola de

engenharia do Brasil, tendo bipartido em 1858, separando a parte de engenharia civil do ensino

propriamente militar. Quando criada, a Academia só formava oficiais de artilharia, estado-maior

e engenharia. Somente na década de 1850 passou a formar oficiais de infantaria e de cavalaria.55

Em 1845 foi ampliado o sistema de ensino militar, estando conectado com os objetivos da

carreira. As exigências para o ingresso na Academia Militar foram alteradas, acrescentando

gramática portuguesa, francês e geografia, além da gramática latina para o curso de engenharia.

53

Lei nº. 585 de 06 de setembro de 1850. Coleção de Leis do Império do Brasil. 54

SCHULZ, John. O exército na política. Op. cit., p.27 55

CARVALHO, José Murilo de. As forças armadas na Primeira República: o poder desestabilizador. In: FAUSTO,

Boris (Org.) História Geral da Civilização Brasileira. 2 ed. Tomo III, v.2. Rio de Janeiro: Difel, 1978. p.195

Page 30: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

30

Mas em 1850, foram criadas escolas preparatórias gratuitas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do

Sul, ampliando a oportunidade de acesso e melhor qualificação dos candidatos.56

Essas mudanças na organização do Exército abriram a perspectiva de ingresso na carreira

militar, oferecendo a oportunidade para as pessoas de variados níveis sociais em competir pelos

altos cargos. Para pais e padrinhos que desejavam investir na carreira dos filhos e não podiam

pagar um curso no Liceu, abria-se a perspectiva de ingresso na Academia Militar, onde recebiam

moradia, alimentação, educação e um modesto soldo. Para os que não possuíam dinheiro para

enviar o filho para fazer o curso de direito ou medicina, “as academias militares muitas vezes

apresentavam a única alternativa a uma vida de misérias” 57

.

Após essas reformas de âmbito organizacional, o Estado procurou introduzir mecanismos

disciplinares visando regulamentar a conduta dos militares. Esses oficiais mostravam-se pouco

feito a disciplina, não cumprindo ordens que lhes eram determinadas, achando-se no direito de

avaliar e traçar estratégias de defesa por conta própria, recusando a fazer parte de comissões

contrárias aos seus planos. Uma dessas medidas foi à criação da Repartição do Ajudante General,

responsável pela coordenação das atividades militares, através do qual o Estado procurou

aumentar seu controle sobre os oficiais do Exército.58

Algumas dessas medidas regulamentadoras provocaram reações e protestos por parte dos

militares, como ocorreu com o projeto de lei de 1854, o qual proibia jovens oficiais de contrair

laços matrimoniais sem a autorização do Ministério da Guerra. O Estado alegava não possuir

condições financeiras de arcar com os custos que os laços matrimoniais representavam, por ser

responsável em pagar pensão à viúva de oficiais. A proposta revoltou os jovens militares, que

promoveram manifestações, e, com base em princípio religioso moralista, conseguiram barrar a

aprovação do projeto de lei de 1854, embora este retornasse anos depois por meio de uma

circular.59

As mudanças no cenário político e a prosperidade econômica permaneceram até por volta

de 1864, possibilitaram as reformas na força de 1ª Linha e o financiamento das vitórias internas

56

SCHULZ, John. O Exército e o Império. Op. cit., p.248 57

Ibidem, p.241 58

SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império. Op. cit., p.114 59

Ibidem, pp.114-115

Page 31: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

31

comandadas pelo marquês de Caxias, na década de 1848 e, na região da Prata, contra Oribe e

Rosas no início da década de 1850.

Na segunda metade do século XIX o Estado Imperial já estava consolidado, os

conservadores já tinham firmado sua presença no governo do Estado e os conflitos entre as

facções políticas já não eram vistas como uma ameaça à unidade territorial do país. Foi um

período marcado por um maior desenvolvimento econômico e de progressos materiais. A

necessidade da ordem tornou-se secundária no projeto político, ganhando ênfase à necessidade de

difusão da civilização. Segundo Ilmar Mattos, nesse momento, as pastas do Império e da

Agricultura ganhavam mais atenção, predominando as atividades relacionadas ao

desenvolvimento econômico e progressos materiais, buscando conhecer a população e promover

a difusão dos valores, normas e padrões da direção política empregada.60

A partir de 1850 os acordos políticos entre os partidos se mostravam mais atraentes, de

modo que, não colocavam em risco as instituições imperiais. Essa estabilidade política forneceu a

possibilidade de conciliar as facções no governo, ambas participando da vida administrativa e

política do Império. Embora preservasse a hierarquia, os liberais tinham que se sentir como parte

do “mundo do governo”, de modo que, as disputas políticas não viessem a enfraquecer a estrutura

vigente nem deixar margem para a “plebe” reivindicar direitos e posições na política, pois a

liberdade política não deveria ser confundida com igualdade.61

Nessa nova proposta, a conciliação entre os partidos políticos apresentava-se como meio

difusor da civilização. A conciliação já era anunciada desde a década de 1840, mas somente

surgiu enquanto política ministerial em 1853, no 12º gabinete, presidido pelo conservador

Honório Hermeto Carneiro Leão (marquês de Paraná), onde “pela primeira vez depois de tantas

perseguições um governo fazia solenemente da conciliação o seu compromisso ministerial”. Esse

gabinete ainda contou com a presença de Luis Pedreira do Couto Ferraz, José Tomás Nabuco de

Araujo, Limpo de Abreu, Pedro de Alcântara Bellegarde, José Maria da Silva Paranhos e João

Mauricio Wanderley.62

60

MATTOS, Ilmar. Op. cit., p.201 61

Ibidem, pp.131-151 62

NABUCO, Joaquim. Op. cit., p.161

Page 32: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

32

Segundo Joaquim Nabuco, o visconde de Paraná era um dos políticos mais fortes do país,

capaz de guiar a proposta política que visava uma “conciliação” para abrandar as rixas entre os

partidos: “Paraná era dotado de raro tino político, de uma disposição prática positiva que o fazia

observar friamente os homens, acumular as pequenas observações de cada dia, de preferência a

procurar ideias gerais, princípios sintéticos de política.” 63

Com exceção de Paranhos e Limpo de

Abreu, esse gabinete trouxe à posição de liderança um grupo de jovens políticos que tiveram

forte influência e predominância nos anos que se seguiram. Eram jovens formados em São Paulo

e Olinda, ao contrário da geração anterior, que era formada em Coimbra e predominou nos cargos

políticos no período que antecedeu a conciliação.64

Com a morte do marquês de Paraná em 1856, a “situação fica sem chefe” e a política de

conciliação começa a ruir a passos largos. Para substituí-lo na presidência do Conselho foi

convidado Pedro de Araujo Lima, o marquês de Olinda. Na busca de tentar prolongar a política

de conciliação, Olinda chamou dois liberais para comporem o gabinete, o que não agradou a ala

dos conservadores puros (mais próximos a trindade saquarema). A política implantada pelo

liberal Bernardo Souza Franco, na pasta da Fazenda, acabou gerando uma forte instabilidade no

mercado. O gabinete não resistiu à crise e caiu.65

Durante esse período o Ministério da Guerra foi ocupado exclusivamente por militares:

Manoel Felizardo de Sousa e Mello, Luis Alves de Lima e Silva (Caxias) e Pedro de Alcântara

Bellegarde. Os militares participaram da vida política durante todo o Império, não só como

representantes do corpo de oficiais, mas também como homens de partido. Estar inserido no meio

político era uma das maneiras mais rápidas para avançar na carreira militar. Ocupar cargos

importantes ou ser transferido para servir em uma província distante da capital do Império,

dependia das boas relações políticas.66

Para substituir Olinda, foi chamado para formar um novo gabinete o ex-liberal Limpo de

Abreu, o visconde de Abaeté, assumindo em 1858. Durante esse gabinete foi implantado, por

meio da atuação do ex-liberal Sales Torres Homem na pasta da Fazenda, uma política financeira

63

Ibidem, p.154 64

CARVALO, José Murilo. A construção da ordem. Op. cit., p.80

65 SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes. Op. cit., p.123

66 SCHULZ, John. O Exército e o Império. Op. cit., pp. 250-251

Page 33: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

33

que conseguiu conter a instabilidade no mercado gerada pelas medidas financeiras implantadas

no gabinete anterior, agradando o núcleo do Partido Conservador. Porém, dividiu os

parlamentares, notadamente do Partido Conservador, quando o gabinete passou a nomear pessoas

ligadas aos conservadores puros. Nesse momento, os congressistas já estavam divididos entre

conservadores puros, conservadores moderados e liberais.67

Moderados e liberais sentiram-se excluídos do governo, mas ao contrário do que se

realizou na década de 1840, quando pegaram em armas para reivindicar a participação no poder,

nesse momento, conseguiram eleger no próprio jogo constitucional um dos principais teóricos do

Partido Liberal, Teófilo Otoni no principal centro da política saquarema, a província do Rio de

Janeiro. Essa vitória levou a queda do gabinete de 1858, sendo convidado para formar um novo

gabinete o conservador marquês de Caxias, formando o gabinete em 02 de março de 1861. Os

políticos moderados que ingressaram nesse gabinete não demoraram no poder, pois logo foram

substituídos por outros ligados aos conservadores puros. A reação a essa medida não tardou a

aparecer.68

Conservadores moderados e liberais se uniram para alcançar mais representatividade no

poder, conseguindo derrubar o gabinete de 02 de março. Zacarias de Góis e Vasconcellos

assumiu provisoriamente a presidência, para em seguida assumir o marquês de Olinda, em maio

de 1862, como representante dessa reorganização partidária que resultou na formação da “Liga

Progressista”. De acordo com Nabuco, “a Liga teve sempre, como teve a Conciliação, a simpatia,

o apoio e a cooperação constitucional do Imperador, que via nela o desenvolvimento, a evolução

da ideia conciliadora de 1853.” 69

Ao contrário do ocorrido durante a conciliação, os liberais

predominaram nesse novo arranjo político.

A união entre moderados e liberais não era forte e faltou uma direção comum, sendo que

não demoraram a aparecer as disputas políticas dentro do próprio partido, acabando por separá-

los. Os progressistas continuaram integrando o gabinete, mas já não contavam com a sustentação

nas Câmaras, marcando um período de instabilidade ministerial até por volta de 1868.70

67

SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes. Op. cit., p.123 68

Ibidem, pp.123-124 69

NABUCO, Joaquim. Op. cit., p.366 70

SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes. Op. cit., pp.124-125

Page 34: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

34

A década de 60 marcou uma nova fase do Império, onde os liberais alcançaram

significativas vitórias no campo político, dando início a uma nova organização partidária que

resultou no Partido Progressista, reascendendo os debates em torno da organização do Estado

imperial. Embora reascendessem as antigas discussões sobre a estabilidade econômica e política

que marcou a década de 1850, a qual permaneceu até o início do conflito que envolveu o Brasil

na região do Prata em meados da década de 1860.

1.2 “Como o diabo foge da cruz”: as dificuldades de mobilização militar

No ano de 1858, o ministro da Guerra, marquês de Caxias, alerta sobre a necessidade de

aumentar a força regular para garantir a segurança interna e externa do país. O ministro refere-se

ao momento conturbado em que o Brasil pleiteava o acordo de livre navegação pelo rio Paraguai,

no trecho em comum com a República do Paraguai. Em 1856, o governo brasileiro assinou com

Berges, plenipotenciário paraguaio enviado ao Rio de Janeiro, um acordo de amizade, navegação

e comércio com o Paraguai, mas este não foi cumprido. Segundo Joaquim Nabuco, a ratificação

desse acordo seguiu a promulgação de regulamentos que tinham por fim inutilizá-lo. Essas

negociações perduraram até 1858, quando foi estabelecido o franqueamento da navegação na

convenção de 12 de fevereiro, assinada por Paranhos e Francisco Solano Lopez na cidade de

Assunção.71

Mencionamos esse episódio, porque durante as negociações não foram descartadas as

possibilidades de uma guerra entre os dois países e, ao mesmo tempo, exporia as dificuldades em

mobilização para o serviço militar. De acordo com o marquês de Caxias, essa dificuldade de

completar o efetivo militar deveu-se a um

[...] systema tortuoso, irregular, e, por conseguinte improfícuo do recrutamento

forçado, admittido entre nós; e da necessidade, de dar-se baixa a praças que tem

71

NABUCO, Joaquim. Op. cit., p.192

Page 35: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

35

excedido de muito o tempo de serviço marcado na lei, para cuja substituição o

producto desse defeituoso recrutamento é insufficiente.72

As reclamações quanto à insuficiência de efetivos militares e, principalmente, às

dificuldades em mobilizar homens para servir nas fileiras do Exército foram uma constante nas

primeiras décadas do século XIX e durante todo o Império brasileiro.

A cada ano era publicado um Aviso Circular estabelecendo o número de praças que cada

província deveria ter na guarnição e a quantidade que deveria fornecer ao corpo móvel, variando

de acordo com a província. No ano de 1856, no período tenso que antecedeu o acordo de livre

navegação, o número estabelecido pelo Parlamento aproximou-se de dezenove mil homens, o que

poderia ser considerado insuficiente para a proteção de um país territorialmente extenso e com

áreas fronteiriças litigiosas. No entanto, foi o mais elevado entre o início de 1850 até o início do

conflito contra o Paraguai. Embora inicialmente pudesse ser considerado insuficiente, era visto

como um peso aos recursos do país, tanto financeiros quanto humanos, sendo que a capacidades

militares desse período ultrapassaram pouco mais de quatorze mil praças.

Embora o serviço militar fosse obrigatório, as isenções concedidas afastavam parte

significativa daqueles que poderiam servir na força de 1ª Linha. Essas isenções permaneceram,

pois não havia a intenção de afetar a base da economia e aos interesses da classe senhorial. A

intenção do governo imperial era poder contar com um Exército organizado sem afetar

contundentemente os interesses da classe senhorial.

Essas isenções estão relacionadas aos embaraços impostos pelo escravismo a estruturação

do exército profissional, por estreitar a base de recrutamento, pois além de retirar o escravo da

mira do serviço militar, ainda fazia com que fosse necessária a manutenção de homens prestando

serviços privados para a manutenção da ordem interna, nesse caso, a Guarda Nacional. Levando-

se em consideração também as isenções decorrentes dos empregos na captura de presos e

escravos fugidos, emprego no policiamento e nos serviços de correio.

72

RELATÓRIO apresentado à Assembleia Geral Legislativa da primeira sessão da décima legislatura pelo Ministro

e Secretário dos Negócios da Guerra, Marquez de Caxias. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1857. p.15

Page 36: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

36

Em vários momentos, a sugestão do marquês de Caxias, enquanto ministro da Guerra, foi

de reduzir o número de militares ao invés de aumentá-los. Isso porque, cada vez que fosse tentar

elevar esse efetivo teria de recorrer ao recrutamento forçado, sendo o qual não conseguiam

preencher a quantidade estabelecida de militares, uma vez que essa “decretação de uma força

irrealizável não passa de uma ficção, não passa de mera formalidade vã e illusoria”.73

Diante da dificuldade de completar o efetivo estabelecido para o ano de 1856-1857,

Caxias sugeriu que esse número fosse reduzido para quatorze mil praças, sendo dez mil para o

corpo móvel e quatro mil para as guarnições nas províncias:

[...] é mais conveniente ter um exército pequeno, porém composto de bom

pessoal, bem pago, bem disciplinado, e bem fornecido do necessário, do que um

maior, que não possa ser mantido nessas condições, pelo concurso de diversas

circunstâncias que o obstão. 74

As vitórias na região platina contra Oribe (1851) e Rosas (1852), assim como, as vitórias

sobre as revoltas provinciais, contribuíram para fortalecer a política externa brasileira e a ação

política dos conservadores, pois eram questões vistas como uma ameaça a integridade do Império

brasileiro. Essas conquistas foram proveitosas para a força de 1ª Linha, assim como, as reformas

implantadas nesse período, mas o Exército continuou sendo visto como lugar de criminosos e de

marginais. Assim, o preenchimento de suas fileiras era majoritariamente realizado por meio do

recrutamento forçado, com base nas instruções elaboradas no Primeiro Reinado.

Apesar dos esforços empregados, o Exército permaneceu no decorrer da segunda metade

do século XIX com um efetivo numericamente insignificante para a extensão territorial do país.

A taxa de efetivos estabelecida pelo Parlamento não sofreu mudanças significativas, sendo

mínimas as variações presentes em momentos mais conturbados, como o que envolveu a ação do

Brasil no Prata para negociação do acordo de navegação com o Paraguai.

73

RELATÓRIO apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima primeira legislatura pelo

Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra Marquês de Caxias. Rio de Janeiro, Tpy. Laemmert, 1861. p.12 74

Relatório do Ministério da Guerra de 1857. Op. cit., p.15

Page 37: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

37

O número presente no quadro I representa a quantidade de homens que o Parlamento

considerava suficiente para o serviço militar. Mas, entre o número considerado adequado e aquele

que efetivamente existia, há uma distância significativa, marcada por deserções, fugas, isenções,

redes de privilégios, voluntários e recrutas.

Quadro I – Força efetiva de paz e guerra do Exército 1850-1864

ANO 1850-

51

1852-

55

1856 1857 1858-

59

1860 1861 1862-

63

1864

PAZ 16.000 16.000 19.000 19.500 17.000 17.000 18.000 14.000 18.00

0

GUERR

A

21.000 27.000 27.000 27.000 27.000 25.000 25.000 25.000 24.00

0

Fonte: SCHULZ, John. O Exército na política. Op. cit., p. 216.

O Exército era organizado em diferentes armas, sendo uma parte de força móvel e outra

parte de força fixa. Ao corpo móvel era atribuída mais importância, por oferecer a vantagem de

poder se mobilizar pela vasta extensão do território nacional. Embora os corpos fixos ou

guarnições ficassem restritos a proteção das províncias, era considerada imprescindível para a

defesa e para a manutenção da ordem, devido à vasta extensão do território e à insuficiência da

força policial nas províncias.75

Os praças do Exército que faziam parte dos corpos de guarnição, constantemente, eram

distraídos de sua função militar para serem empregados no serviço de policiamento, captura de

presos e de escravos fugidos no correio e nas construções. Tal prática gerou reclamações por

parte dos presidentes de províncias, alegando-se que esse deslocamento de funções estaria

fazendo com que os militares prestassem um serviço para o qual não haviam sido designados.

Esta era uma das causas da más condições da disciplina desses corpos de guarnição.

75

RELATÓRIO apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da nona legislatura pelo Ministro e

Secretário dos Negócios da Guerra Marquês de Caxias. Rio de Janeiro, Tpy. Laemmert, 1856. p.12

Page 38: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

38

Seria conveniente que os corpos policiaes nas províncias fossem

preenchidos, a fim de poderem acudir e desempenhar todo o serviço próprio da

sua instituição, de modo que nem a tropa de linha seja continuamente distrahida

para a captura de criminosos e outros iguaes commissões, para as quaes não está

convenientemente educada, nem a guarda nacional se converta, por semelhante

maneira, em força permanente de linha.76

Além dos problemas para conseguir mobilizar praças para o Exército, outros fatores

contribuíram para o desfalque das forças de 1ª Linha, como a morte de efetivo, baixas por

doenças, deserções, fim do tempo de serviço. O resultado dessa combinação de fatores contribuiu

para um esvaziamento anual das forças armadas.

1.2.1 Voluntários engajados e recrutas

Os métodos empregados para preencher as fileiras do Exército eram variados. Utilizavam-

se da contratação de mercenários e do destacamento de Guardas Nacionais, tidos como recursos

provisórios para o oferecimento de vantagens ao voluntariado, para haver o engajamento e o

recrutamento forçado.

A contratação de mercenários teve significativa importância, aproximadamente até o

início do Primeiro Reinado, que no processo de Independência viu-se sem Exército para enfrentar

os conflitos internos que estavam eclodindo no país.

Outra opção utilizada para o preenchimento das fileiras do Exército era o engajamento de

veteranos. O engajamento era realizado por aqueles que, tendo terminado seu tempo de serviço,

realistavam-se novamente. Era uma maneira de prestar serviço voluntário, recebendo um prêmio

pelo alistamento, um pouco maior do que os voluntários comuns, assim como, um maior soldo.

Mas o engajamento nem sempre esteve relacionado ao serviço voluntário, pois o Estado imperial

76

RELATÓRIO apresentado à Assembleia Geral Legislativa da primeira sessão da décima segunda legislatura pelo

Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra, João Manoel de Mello. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert,

1864. p.4

Page 39: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

39

utilizou-se dessa prática para alongar o tempo de serviço dos militares, não concedendo baixa ao

fim da prestação do serviço militar. Dentro desse contexto, estiveram aqueles que, percebendo

que não iriam conseguir a baixa do serviço, acabaram se engajando por um novo período para

receber os benefícios do voluntariado.77

Em 1858, Manuel Felizardo de Sousa e Mello, então ministro da guerra, deixou de dar

baixa a 1.853 praças que tinham concluído seu tempo de serviço. De acordo com o ministro,

esses praças não tinham a intenção de se engajar para continuar a servir nas forças armadas, e se

tivessem dado baixa, o déficit no quadro de efetivos seria bem maior.

[...] esta falta de pontualidade (que não se póde evitar), constitue uma das

causas, que torna mais pronunciada a repugnância ao serviço da armas, por um

tempo indefinido, e destróe em grande parte a concorrencia de voluntarios; mas

o governo tem também o dever de não arriscar a segurança do paiz, constituindo

o estudo indefeso, por falta de pessoal necessario.78

Como o Estado demorava em dar baixa ao soldado que tinha completado o tempo de

serviço, o número de engajamento reduzia, porém diante do contexto significativo a retenção de

baixa contribuiu para a quebra de confiança daqueles que poderiam ser recrutados, aumentando a

dificuldade para a reposição das fileiras. E, ao mesmo tempo, aumentava o número de deserção

entre aqueles que perdiam a esperança de conseguir baixa no fim do tempo de serviço.79

O voluntariado era um modo de preencher as fileiras sem que o Estado recorresse ao

recrutamento forçado, sendo oferecidas algumas vantagens àqueles que se apresentassem para o

serviço militar, como podemos verificar em alguns artigos do regulamento para o serviço

voluntário no Exército, aprovado em 1848:

77

MENDES, Fábio Faria. Recrutamento militar e construção do Estado do Brasil imperial. Belo Horizonte, MG:

Argvmentvm, 2010. p.53 78

Relatório do Ministério da Guerra de1856. Op. cit., p.32 79

MENDES, Fábio Faria. Op. cit., p.41

Page 40: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

40

Artigo 1º. Os Presidentes nas Provincias, e os Commandante das Armas

na Corte, contractarão Voluntários para servirem nos Corpos do Exercito por

tempo de seis annos, tendo, alêm das vantagens concedidas pelas Leis anteriores,

o premio nunca maior de duzentos mil réis aquelles que houverem já servido em

qualquer Corpo Militar pago, e até cento e cincoenta mil réis os que não

estiverem nestas circunstancias.

Artigo 2º. Metade do premio acima determinado poderá ser pago á vista, e

o resto em prestações de vinte mil réis mensaes.

Artigo 3. Para execução do disposto no Artigo antecedente, augmentar-se-

há na relação de mostra mensal huma casa de titulo – Gratificações de

engajamento – para nella se lançar a quantia que houver de tirar-se no mez para

cada praça.

Artigo 4ª. Os contractados, em quanto tiverem praça effectiva nos Corpos

do Exercito, terão direito ao respectivo premio; mas commetendo o crime de

deserção pelo qual forem sentenciados, ainda que depois tornem a continuar no

serviço, ou, tendo baixa por qualquer causa, que não seja desastre adquirindo em

acção do serviço ou moléstia, perderão o direito á percepção da parte do premio

não recebida, desde o dia da baixa em diante.

Artigo 6º. Os contractados não assentarão praça sem que huma Junta

sanitária declare terem elles a saude e robustez necessaria para bem servirem.80

Havia a ideia de que os “voluntários” buscavam atribuir à prestação de serviço militar

para a cooperação cívica, para atrair às fileiras do Exército por parte da população que tinha

aversão à prestação de serviço na força de 1ª Linha.81

Entre as vantagens oferecidas aos

voluntários estava à redução do tempo de prestação de serviço. Se um recrutado devia servir por

oito anos, aos voluntários esse período era reduzido para seis anos. Mas, as vantagens oferecidas

não serviam de garantia para evitar a deserção entre os praças que se apresentavam

voluntariamente, ou mudar a aversão da sociedade quanto ao serviço militar, sendo que “todas

essas vantagens não são sufficientes para vencerem a repugnancia do nosso povo ao serviço das

armas”.82

80

Decreto nº. 562 de 18 de novembro de 1848. Coleção de Leis do Império. 81

SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes. Op. cit., p. 141 82

Relatório do Ministério da Guerra de 1861. Op. cit., p.16

Page 41: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

41

Foram muitos aqueles que recorreram à deserção, logo ao ingressar no serviço militar,

levando o prêmio pago pelo governo, por ter se apresentado voluntariamente. Isso representava

duplo prejuízo ao Estado, pelo prêmio pago e pelos gastos adquiridos com o treinamento,

alimentação, vestuário, alojamento e etc. O artigo 2º do decreto de 1848, citado anteriormente,

reflete essa situação ao dividir o pagamento do prêmio, sendo que, o praça que desertasse não

levaria todo o valor que deveria ser pago pelo Estado, reduzindo o prejuízo gerado pela deserção

de voluntários. Assim como, o desertor que retornasse não teria direito a receber a parte do

prêmio que ainda não havia sido paga. A presença desses artigos no decreto, que regulamenta o

pagamento de benefícios aos voluntariados, aponta que a deserção era uma constante entre os

voluntários.

Diante das vantagens oferecidas, o número de voluntários era relativamente baixo83

, sendo

que a possibilidade de melhores condições financeiras e de não ter que se submeter ao sofrimento

da vida militar, ainda trazia poucos interessados em se apresentar voluntariamente à força de 1ª

Linha. “Os maus tratos, privações, as arbitrariedades e disciplina severa, e os baixos soldos

ajustavam-se à retórica do entusiasmo cívico e patriótico, desestimulando os voluntários

potenciais.” 84

Aqueles que se apresentavam voluntariamente ao Exército faziam por motivos diversos.

Segundo Fábio Faria Mendes, o fator econômico não era o principal atrativo ao voluntariado,

pois o soldo era baixo. O fator principal referia-se ao fato de haver a possibilidade de

recrutamento forçado, que era uma prática constante àqueles que não possuíam isenções legais ou

não contavam com a proteção de senhores locais, ofereciam-se como voluntários, como uma

maneira de amenizar o que seria por vez inevitável.

Como podemos perceber no quadro abaixo, embora não tenha sido maior o número

daqueles que prestavam serviços voluntariamente, foi significativa sua presença para completar

83

De acordo com Fábio Faria Mendes, as cidades de guarnição, como a Corte, o Rio Grande do Sul e Pernambuco,

apresentavam um índice maior de voluntários. Isso se deve ao fator de não haver necessidade de deslocamento para o

aquartelamento, ficando os soldados próximos do convívio familiar. O Rio Grande do Sul também conta com o fato

de ser província fronteiriça e ter relação conturbada com o país vizinho, requerendo atenção por parte do Estado

imperial. MENDES, Fábio Faria. Op. cit., pp.51-53 Acrescentemos o fato de essas localidades possuírem um número

populacional mais elevado, se comparado com outras províncias. 84

MENDES, Fábio Faria. Op. cit., p.49

Page 42: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

42

os efetivos do Exército. O número de voluntários e engajados no período correspondem

aproximadamente 40% dos praças.

Quadro II - Recrutas, voluntários e engajados 1850-1864

1850-54 1855-59 1860-64

Recrutas 55,0 63,9 55,8

Voluntários 16,3 13,7 28,4

Reengajados 28,7 22,4 25,7

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: MENDES, Fábio Faria. Op. cit., p.47.

O recurso de mobilização militar que predominou no século XIX foi o recrutamento

forçado. Como o voluntariado não era suficiente para preencher as fileiras, recorriam-se ao

recrutamento para alcançar esse objetivo, sendo iniciado após o término do período destinado à

chamada de voluntários. O recrutamento era realizado com base nas Instruções de 1822, que

trazia inúmeras isenções, dando margem para interpretações arbitrárias.

Para justificar e procurar naturalizar essa prática, de maneira a evitar maiores transtornos

em torno dessa ação, os ministros da Guerra procuravam apresentá-la como o meio mais eficaz

de proceder ao preenchimento das fileiras do Exército, alegando que a apresentação de

voluntários e de engajados era insuficiente para atender as necessidades militares. Como

podemos perceber na descrição feita pelo ministro da Guerra Polidoro Jordão:

A experiência tem demonstrado que este duplo modo de alistamento

[voluntario e engajamento] não é entre nós um poderoso, mas sim muito fraco

elemento de reforço para as fileiras do exercito.

A geral repugnância da população para a carreira das armas, repugnância

devida aos rigorosos e austeridades da vida militar, e, sobretudo a facilidade dos

meios de subsistencia no nosso paiz, arreda do serviço do exercito o concurso de

Page 43: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

43

numerosos indivíduos (aliás, perfeitamente aptos para elle), apezar das

vantagens que lhes são offerecidas.85

O recrutamento era um recurso sistemático para o preenchimento das fileiras, pois era

utilizado com frequência para esse objetivo, tendo limites estabelecidos para a prática, sendo

proibido no período de sessenta dias antes e trinta dias após as eleições, como só poderiam

começar trinta dias após o prazo estabelecido para chamada de voluntários. A quantidade de

homens a ser recrutados variava de acordo com a necessidade de reposição das fileiras e as

conjunturas políticas.

O recrutamento é apresentado pela historiografia como uma prática realizada por

autoridades civis (aparatos policial, judicial e administrativo), feito apenas eventualmente por

militares, sendo que, esses recrutadores não eram funcionários especializados, mas por um oficial

retido ou por um cidadão de prestígio local nomeado pelo Juiz de Direito.86

Consideramos que,

embora possa ser uma prática comum, não deve ser atribuída a todas as províncias no decorrer do

império brasileiro. O Decreto nº 2821 de 21 de agosto de 1861 alterou as disposições do

regulamento aprovado pelo Decreto nº 2171 de 1858 relativos à nomeação de recrutadores e suas

gratificações, estabelecendo que os recrutadores passassem a ser nomeados pelo Ministério da

Guerra e não mais pelos presidentes de província. Os recrutadores passaram então a receber um

salário mensal de sessenta mil reis e vantagens gerais quando oficiais ao invés de haver

investimentos em voluntários apresentados que assentassem praça. Ao presidente de província

coube apenas indicar os nomes entre aqueles que deveriam ser escolhidos, ficando essa escolha

ao cargo do Ministério da Guerra.

Através dessa medida centralizadora, podemos verificar os nomes indicados pelo

presidente da província de Mato Grosso para serem agentes recrutadores para o ano de 1862-

1863, quando o recrutamento passou a ser realizado por autoridades civis e raramente por

militares. Reafirmamos que estas medidas não servem de base para todas as províncias. Nesse

85

RELATÓRIO apresentado à Assembleia Geral Legislativa da terceira sessão da décima primeira legislatura pelo

Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilla Jordão, Rio de Janeiro: Typ.

Laemmert, 1863. p.11 Grifo nosso 86

KRAAY, Hendrik. Repensando o recrutamento militar no Brasil – Império. Diálogos, Maringá, v. 3, n. 3, 1999.

pp.114-118

Page 44: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

44

caso, entre os oito indicados, apenas um era Guarda Nacional e outro exercia o cargo de Chefe de

polícia. Dentre os outros, quatro eram Oficiais superiores (um Coronel e três Tenentes-Coronéis)

e dois Oficiais subalternos (um Capitão e um Segundo-tenente).

Quadro III - Proposta de nomeação de recrutadores dirigida ao Ministério da Guerra pelo

presidente da província de Mato Grosso - 1862

Nº DISTRICTOS RECRUTADORES

1º Municipio da Capital O Tenente Comm. da Força Policial da

Provª. Gregório Rodrigues Ferreira e

Costa

2º Munº. do Diamantino O 2º Tenente Comm. do Destacam. de

linha Manoel Joaquim de Paiva

3º Munº. de Poconé O Ten. Cor. Comm. do 5º Batalhão da G.

N. João Nunes Bueno o Prado.

4º Munº. de Villa Maria O Cor. Comm. do Districto Militar João

Nepomuceno da Silva Portella

5º Munº. de Mato Grosso O Capitão Comm. do Distrº. Militar João

Gervasio de Sousa Perné

6º Freguesia de Albuquerque pertencente

ao Munº. de Miranda

O Ten. Cor. Comm. do Distrº. Militar do

Baixo Paraguay, Hermenegildo de

Albuquerq. Portocarrero

7º Fregsª. de Miranda O Ten. Cor. Comm. do Distrº. Militar

José Antonio Dias da Silva

8º Municipio de Sant‟Anna do Paranahyba O Alferes Comm. do Destacam. de linha,

Justiniano Candido da Cunha Barbosa.

Fonte: Herculano Ferreira Penna ao ministro da Guerra Polydoro da Fonseca Quintanilha Jordão em 4 de agosto de

1862. Registro de Correspondência oficial da presidência com o ministro da Guerra 1861-1862. Livro 194, R. 37,

F.06

Page 45: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

45

Percebemos na documentação enviada por agentes de recrutamento ou referindo-se a eles,

que se trata de forte presença de militares, principalmente de oficiais superiores encarregados do

serviço do recrutamento. Nesse contexto, muitos agentes recrutadores agiam em benefício de

interesses de grupos políticos, utilizando o recrutamento para benefícios eleitorais em busca de

obter votos, o que explica a ressalva do ministro da Guerra José Mariano de Mattos, em

evidenciar que o recrutamento deveria ser realizado por pessoas alheias a influência dos partidos

políticos, como também não deveria ser realizado em períodos eleitorais.

A maioria das restrições se deve ao fato do recrutamento ser utilizado como instrumento

político para enviar as fileiras do Exército membros de facção adversária, efetuar prisão de

pessoas da política local que eram da oposição e enviá-las para outros locais. Mas essa prática

não ficava restrita aos períodos próximos as eleições, sendo algo corriqueiro no cotidiano de

todas as províncias do Império.

Muitas vezes é dispensado, ou deixa de ser enviado para o serviço do

exercito aquelle, que nenhuma isenção tem a seu favor, sendo, porém, recrutados

pessoas em outras circunstancias, mas contra quem prevalecem ódios e

prevenções de localidade. 87

As autoridades policiais procuravam utilizar-se do recrutamento para se livrar de

criminosos e desordeiros potenciais. O Juiz de Paz, responsável pela vigilância da população,

aproveitava para combinar a função do policiamento com a do recrutamento, buscando resolver

as duas questões ao mesmo tempo “sempre que a oportunidade se apresenta, as autoridades locais

procuram „limpar‟ seus distritos de vadios e patifes por meio do recrutamento”, entregando esses

criminosos potenciais ao recrutamento ao invés de enviar para a prisão, que não se mostrava

segura.88

No entanto, mesmo que o recrutamento tenha sido usado como mecanismo de controle

social, a finalidade dele era corresponder às necessidades militares. Através desse recurso o

87

Relatório do Ministério da Guerra de 1863. Op. cit., p.4 88

MENDES, Fábio Faria. Op. cit., p.88

Page 46: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

46

Estado procurou fornecer o número de soldados necessários ao serviço militar sem ter de arcar

com custos elevados e sem afetar as forças produtivas, evitando estender o recrutamento a toda à

sociedade.

O sucesso do recrutamento dependia da sua imprevisibilidade, surpreendendo os recrutas

potenciais e não dando tempo para fugirem. Mas como havia sinalização do momento em que

seria iniciado o recrutamento (após a eleição e a chamada de voluntários), os agentes tinham de

adaptar-se a esse contexto, para formular novas estratégias. Acabando, muitas vezes, por utilizar

de pretextos diversos para recrutar, aumentando ainda mais a aversão da população ao

recrutamento.89

Após a realização do recrutamento, os recrutados deveriam ser encaminhados ao quartel

por uma escolta, para que não desertassem no caminho. As instruções de 1822 ressaltam que não

deve ser empregado o uso de “correntes, algemas ou manilhas” no decorrer da escolta dos

recrutados, o que significa que esses métodos eram utilizados para esse fim.

1.2.2 Os embaraços ao recrutamento militar

Os alvos do recrutamento eram aqueles que não dispunham de algum tipo de proteção. O

momento em que o recrutamento atingiu os grupos que gozavam de isenções deu-se quando foi

preciso ampliar os esforços impostos pelo conflito entre o Brasil versus o Paraguai. Com exceção

desse período, o recrutamento era realizado nas camadas dos homens livres e libertos pobres.

O pequeno Exército imperial centrava o recrutamento naqueles que não

contavam com a proteção de alguma pessoa influente que as pudesse isentar

89

Ibidem, pp.71-73

Page 47: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

47

daquele serviço. Desocupados, potenciais criminosos e desempregados eram os

principais alvos dos recrutadores.90

Por se tratar do recrutamento em uma sociedade escravista, não devemos esquecer que o

escravismo imprimiu suas bases para dificultar ainda mais o sistema de recrutamento e a

formação de efetivos do Exército. Segundo Wilma Peres Costa, a manutenção do sistema

escravista é um empecilho para a composição do quadro das forças armadas, pois o escravismo

era parte significativa da população, mas que não podia ser recrutado para servir nas fileiras

armadas por não ser considerado detentor dos direitos que tinham os homens livres. Além de

reduzir o número de pessoas a serem recrutadas, o sistema escravista tinha como necessidade a

manutenção de uma milícia local para proteger os senhores latifundiários das ameaças de rebelião

escrava. O resultante desse política interna do Império, foi reduzir significativamente o

contingente a ser recrutado.91

O governo não tinha a intenção de libertar escravos para esse fim (o serviço militar), pois

afetaria a base da mão de obra. O alistamento de escravos estava condicionado às vontades dos

senhores, sendo que procuravam agir com cautela para não afetar as bases de apoio ao regime

monárquico.

No decorrer do século XIX, houve vários casos de escravos que fugiam para se alistar

voluntariamente no Exército, enquanto outros eram recrutados confundidos no meio da

população livre que circulavam pelas ruas. Porém, em nenhum desses dois casos o governo

ameaçava os interesses dos senhores, sendo que estes podiam recorrer à devolução do escravo,

caso conseguisse provar que era de sua propriedade. Para isso era necessário, logo de início, que

o senhor reconhecesse seu escravo, pois este fornecia nome falso para ingressar nas fileiras do

Exército, negligenciando informações pessoais e a condição de cativo. Após reconhecer e provar

ser sua propriedade, o senhor devia arcar com os custos para sua libertação, pagando os gastos

realizados pelo Exército com o recruta.

90

IZECKSOHN, Vitor. Recrutamento militar no Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai. In: CASTRO, Celso;

IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Org.) Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora da FGV,

2004. p.183 91

COSTA, Wilma Peres. Op. cit., p.59

Page 48: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

48

[...] mesmo que as autoridades tivessem se apoderado ilegalmente da

propriedade alheia, através do recrutamento forçado, ou tivessem negligenciado

verificar a condição de liberdade dos voluntários, os interesses fiscais do Estado

levaram-no a exigir dos senhores pagamento pelo sustento dos recrutas

dispensados por serem escravos.92

Em situações extraordinárias, como a que ocorreu na Guerra do Paraguai, as dificuldades

enfrentadas pelos agentes do Estado para completar as forças militares fez com que o Estado

aceitasse escravos nas fileiras do Exército. Esses escravos eram comprados pelo Estado e

libertados, para depois serem enviados ao quartel. Dessa maneira, não estariam sendo recrutados

escravos, mas libertos. A venda de escravos para o governo apresentou-se aos senhores como um

modo de recuperar investimento, vendendo escravos que eram doentes, problemáticos ou

apresentavam algum tipo de deficiência física.93

Assim como, o regime escravista apresentava limitações ao recrutamento, podemos

destacar mais dois fatores principais que restringiam a realização do recrutamento de vários

setores da sociedade: são as isenções legais e as redes de proteção.

Em 1856, o marquês de Caxias descreveu no relatório do Ministério da Guerra o que

considerava serem os fatores principais do problema para completar o efetivo do Exército.

Ambas as causas apresentam embaraços para o recrutamento e estavam relacionadas às isenções

legais ao serviço militar. Referiam-se, primeiramente, ao sistema de recrutamento vigente.

Essa deficiência de pessoal para completar a força decretada dimana de

muitas causas: indicar-vos-hei como principaes; 1º, o systema defeituoso do

recrutamento para o exército, que se funda em uma multiplicidade de instruções,

de portarias, de avisos, importando inumeraveis isenções, que, não formando um

92

KRAAY, Hrendrik. “O abrigo da farda”: o Exército brasileiro e os escravos fugitivos, 1800-1881. Afro-Ásia.

Salvador, v.17, 1996. p.37 93

IZECKSOHN, Vitor. Recrutamento militar no Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai. Op. cit., p.81 Em um

contexto de alta dos preços de escravos, devido ao fim do tráfico intercontinental e o aumento da demanda para área

de plantação como o Vale do Paraíba, possivelmente eram poucos os casos de alforrias nesse período.

Page 49: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

49

corpo regular de doutrina, muitas de suas disposições escapão ao conhecimento

das autoridades recrutadoras; e provém dahi a inefficacia, e irregularidade do

serviço [...]94

O sistema de recrutamento no Brasil imperial baseava-se nas instruções de 1822, para

saber quem poderia ser recrutado e os que estavam isentos do serviço na força de 1ª Linha.

Comentamos anteriormente sobre quais eram os alvos do recrutamento, agora cabe pontuar quais

eram os grupos beneficiados com essas isenções.

As Instruções de 1822 estabeleceram inúmeras isenções legais, estando isentos do serviço

militar homens casados, irmão maior de órfãos, um filho de cada viúva e de cada lavrador,

estudantes, feitores ou administradores de propriedade com mais de seis escravos, tropeiros,

mestre de ofício, pedreiro, carpinteiro, pescadores, cocheiros, marinheiros, determinado número

de caixeiro de casa comercial nacional ou estrangeira. Lembrando que, o serviço no Exército

requeria dedicação exclusiva, tendo que permanecer alojado nas acomodações militares e, muitas

vezes, em locais distantes de suas residências. Estar alistado no Exército apresentava-se como um

empecilho da dedicação às atividades econômicas e às demais atividades que requeriam muito

tempo.

A ampliação das isenções em 1837, alterando o modo de proceder ao recrutamento,

acrescentou que o recruta poderia conseguir se isentar por meio da substituição ou do pagamento

de contribuições, ampliando ainda mais a válvula de escape para aqueles que tinham recursos. É

permitido aos recrutados apresentar em seu lugar “substitutos idôneos ou a quantia de

quatrocentos mil réis” 95

, aumentando a possibilidade de evadir-se do serviço militar, pois era

permitido a qualquer praça, em todo o tempo eximir-se do serviço, entrando

para os cofres públicos com a quantia correspondente ao tempo que lhe falta

servir; concorre também em grande parte para o desfalque das fileiras do

exército. 96

94

Relatório do Ministério da Guerra de 1856. Op. cit., p. 17. 95

Decreto de 13 de outubro de 1837. Coleção de Leis do Império do Brasil. 96

Relatório do Ministério da Guerra de 1861. Op. cit., p.20

Page 50: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

50

A segunda causa para a dificuldade em completar o efetivo do Exército, apresentado por

Caxias, refere-se à Guarda Nacional:

[...] a necessidade que o governo tem para suppir a insufficiencia da força

do exercito, de poupar do recrutamento forçado, não só os guardas nacionaes em

destacamento, mas também os das capitaes das províncias que fazem nellas o

serviço da guarnição; e servem de preferencia os designados para taes misteres

aquelles em que geralmente não recahem as isenções estabelecidas.97

O serviço na Guarda Nacional era eventual, com local apropriado e com disciplina menos

rígida. Constituindo-se numa rede de proteção legal contra o recrutamento e isentando seus

membros do serviço ativo no Exército. Os cidadãos alistados no serviço ativo ou reserva da

Guarda Nacional estavam isentos do recrutamento para o serviço na Tropa de 1º Linha, conforme

as Instruções de 1822, ficando sujeito a serem destacados para auxiliar a força de 1ª Linha

quando a situação assim o exigisse.

O campo de atuação dos guardas nacionais era restrito aos limites da província. Mas

vários foram os Corpos destacados para o serviço extraordinário para suprir a tropa de linha para

enfrentar momentos mais conturbados. Muitas vezes, essas interferências na Guarda Nacional

não agradavam aos interesses das lideranças locais que as utilizavam como um sustentáculo para

manter seus interesses e o poderio local.98

Ao serem destacados para auxiliar o Exército, os

guardas nacionais estavam submetidos exclusivamente aos regulamentos da própria Guarda

Nacional, estabelecido pela Lei de 1850, diferenciando dos soldados aqueles que eram alistados

em províncias fronteiriças com países vizinhos, também contavam com um regimento especial

97

Relatório do Ministro da Guerra de 1856. Op. cit., p.17 98

IZECKSOHN, Vitor. Resistência ao recrutamento para o Exército durante as guerras Civil e do Paraguai. Brasil e

Estados Unidos na década de 1860. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 27, 2001, p.86

Page 51: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

51

promulgado em 1850, ficando o governo autorizado a dar regulamento especial para a

qualificação, organização e serviço dos Guardas.99

A necessidade de auxiliar o Exército oferecia aos comandantes uma nova opção, que era

reprimir os milicianos, principalmente os de facção oposicionista, enviando-os para suprir a

insuficiência de efetivos da força de 1ª Linha. O simples fato de pertencer a Guarda Nacional não

assegurava aos milicianos deixar de alistar-se para ao Exército. As redes de relações pessoais

eram fundamentais nessa situação, tanto para não ser enviado ao Exército pelo próprio

comandante, quanto para contar com sua proteção no caso de ser recrutado.100

As redes de proteção eram as principais dificuldades para a realização do recrutamento,

por interferir entre aqueles que podiam ou não ser recrutados. Isso estabelecia limites ao serviço

do agente recrutador, ficando muitas vezes sem saber quem poderia ou não ser recrutado. Esses

agentes só conseguiram atravessar os limites das proteções quando, em tempo de guerra, o

recrutamento exigia um número de recrutas mais significativo e adentrava no espaço de proteção

dos potentados locais.101

Diante da dificuldade em conseguir completar o número de efetivos, as isenções legais, às

vezes, não impedia que indivíduos isentos fossem recrutados. Nessa situação, cabia ao presidente

de província a função de analisar os requerimentos de isenção e fornecer parecer favorável ou

desfavorável sobre os pedidos. No entanto, emitir parecer favorável ao requerimento de soltura

daqueles que tinham sido recrutados apesar de isentos, era uma maneira de buscar reforçar sua

imagem de autoridade e os laços de proteção.102

Quando não conseguiam isentar-se, os praças buscavam outros meios para escapar do

serviço militar, por meio de “fugas, automutilação, resistência armada, falsificação de

documentos, casamentos de última hora, tudo servira na profusão de estratégias de evasão dos

recrutáveis.”103

99

Refere-se ao decreto 520 de 14 de fevereiro de 1850. Coleção de Leis do Império do Brasil. 100

IZECKSOHN, Vitor. Recrutamento militar no Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai. Op. cit., p.194. 101

KRAAY, Hendrik. Repensando o recrutamento militar no Brasil – Império. Op. cit., pp.123-125 102

Ibidem, p.122 103

MENDES, Fábio Faria. Op. cit., p.54

Page 52: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

52

As redes de privilégios e isenções eram inúmeras, bem como, as estratégias de fuga e

resistência ao recrutamento. A deserção foi uma constante no Exército, sendo que nem as

penalidades barravam essa prática. A deserção foi uma prática comum entre os soldados desde o

período colonial.

Os desertores procuravam refugiar-se nos matos para escapar dos agentes recrutadores,

sendo que a fronteira com países vizinhos representava uma opção para a deserção, assim como,

uma fonte de preocupação e de dificuldade para os agentes recrutadores. A deserção representava

perda de investimento por parte do Estado, que investia tempo, esforço e dinheiro no treinamento

de recrutas, sendo ainda pior no caso da deserção dos voluntários que levavam o prêmio pago

pelo engajamento voluntário.104

104

KRAAY, Hendrik. O cotidiano dos soldados na guarnição da Bahia (1850-89). In: CASTRO, Celso;

IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Org.) Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004

p.244

Page 53: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

53

CAPÍTULO 2

O PERIGO ESTÁ AO SUL:

A ATUAÇÃO DO EXÉRCITO NA PROTEÇÃO DE MATO GROSSO

A organização do Exército na província de Mato Grosso não é indiferente à organização

militar que apresentamos na primeira parte deste trabalho. Essa província estava localizada numa

região litigiosa, fazendo, em geral,fronteira ao sul - sudoeste com a República do Paraguai e a

oeste com a República da Bolívia. Sua proteção fazia parte da preocupação do governo imperial

que procurava manter em estado defensivo as áreas de fronteiras para garantia da integridade

territorial do país. Na nova ordem de interesses do Império, era fundamental garantir o controle

sob seu território, inclusive sob as províncias mais longínquas. Para isso, era necessário ter rápido

acesso a todo o território e manter os limites políticos bem definidos. Essas duas questões

nortearam a ação do governo imperial em relação à Mato Grosso e a importância das forças

armadas nessa localidade.

2.1- Navegação e limites: peculiaridades de uma província fronteiriça

O processo de ocupação de Mato Grosso teve início com a entrada de homens pelo sertão

em busca de índios e de metais preciosos. Foi no decorrer desse processo que a região de Cuiabá

foi ocupada, após a descoberta de ouro nas margens do rio Coxipó em 1719 por Pascoal Moreira

Cabral, seguida de outros achados auríferos, como o realizado por Michel Sutil no córrego da

Prainha, dando origem à Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, em 1727. Assim como, a

descoberta de ouro nessa região, as novas jazidas encontradas poucos anos mais tarde no Vale do

Guaporé possibilitaram a formação de núcleos populacionais e novas demarcações de limites

entre a Coroa portuguesa e a espanhola. Além da importância gerada por esses achados, Mato

Page 54: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

54

Grosso ainda acarretava a função de proteger o território português, sendo que esses fatores

impulsionaram a criação da Capitania em 1748.105

Fazer a defesa do território e ocupar áreas litigiosas para ampliar o domínio português,

impulsionou o início do aparelhamento militar na fronteira, fazendo da militarização e da

fortificação da fronteira as bases da política colonial. A defesa e o povoamento desse território

foram garantidos pela entrada de homens enviados pela Coroa para ocupar funções

administrativas, militares e eclesiásticas, assim como, pelos aventureiros, mineradores,

comerciantes e preadores de índios. Contava ainda com negros escravos e índios, os quais foram

empregados na mineração, na agricultura, na pecuária e nas obras públicas (construção de pontes,

fortes, fortalezas, varadouros, estradas), ajudando a instalar e a intensificar a presença do governo

central na localidade.

O aparelho militar fazia parte da preocupação da Coroa portuguesa em buscar consolidar

e fortalecer a posse do território. No fim do século XVIII, a preocupação com a militarização da

fronteira se tornou ainda maior, devido aos conflitos entre Portugal e Espanha, passando a contar

a Capitania com os primeiros corpos militares, formado por uma Companhia de Dragões, uma de

Pedestre, um Corpo de Ordenanças e Companhia de Auxiliares em Cuiabá.106

Para demarcar e defender o território brasileiro em Mato Grosso a fim de garantir a

comunicação com o litoral foi fundado o Forte de Nossa Senhora da Conceição (depois

denominado Forte de Bragança), Forte Príncipe da Beira e Casalvasco as margens do Guaporé e

o presídio de Nova Coimbra, Albuquerque e Vila Maria (atual Cáceres) às margens do rio

Paraguai. Essas fortificações foram construídas para defender os territórios das ameaças dos

países vizinhos, dos ataques indígenas e servir de apoio às navegações, como um ponto de

abastecimento (Anexo I).107

De acordo com Domingos Sávio da Cunha Garcia, essa estratégia para a manutenção

territorial procurava consolidar a presença da Coroa portuguesa em locais considerados

importantes para o controle territorial. Assim, Albuquerque, Vila Maria e o Forte de Coimbra

105

VOLPATO, Luiza Rios Ricci. A conquista na terra no universo da pobreza. Op. cit., pp. 30-39 106

Ibidem, p.41 107

Ibidem, pp.43-45

Page 55: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

55

estão localizados mais ao sul, na entrada sul da capitania e próximo a Assunção. E, na entrada

norte, mais próximo das províncias de Moxos e Chiquitos, está o Forte Príncipe da Beira,

contando também com Casalvasco e Vila Bela, sendo que essa “ação portuguesa estabeleceu o

domínio total sobre essa região, seja pela ocupação militar direta, com os fortes, seja pelo

povoamento, procurando fechá-la aos espanhóis.” 108

Mas o século XIX adentrou sem que nada estivesse resolvido quanto às delimitações e a

proteção da fronteira com a Bolívia e com o Paraguai, em uma extensão de aproximadamente

quinhentas léguas, continuou sendo uma das principais preocupações do governo do Império,

marcadas pelo receio constante de uma invasão.

A delimitação da fronteira é um processo histórico fundamental no decorrer da construção

do Estado nacional, tido como ferramenta para a delimitação do espaço e do controle político do

país, sendo possível apenas por meio do conhecimento preciso sobre o espaço geográfico em

questão.109

As áreas fronteiriças do Brasil com a Bolívia e o Paraguai só foram delimitadas na

segunda metade do século XIX. Após o processo de independência, a intenção desses países era

delimitar suas fronteiras, mas não havia um entendimento entre eles quanto às pretensões

territoriais para o estabelecimento de limites, partindo cada um de pressupostos diferentes.

A fronteira com a Bolívia foi delimitada em 1867 por meio do Tratado de Ayacucho.

Antes de 1867 o governo boliviano já havia enviado vários comissários para procurar estabelecer

um acordo de limites com o Brasil. Mas, o governo brasileiro vinha prorrogando essa decisão,

para que em condições melhores pudesse conseguir acordos mais proveitosos. No entanto, com o

envolvimento na Guerra do Paraguai o acordo acabou sendo assinado, pois era complicada a

relação do Brasil na região do Prata, procurando evitar problemas com a Bolívia e evitar uma

possível aliança deste país com o Paraguai.110

108

GARCIA, Domingos Sávio da Cunha. Op. cit., p.41 109

MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São

Paulo: UNESP, 1997

110 SENA, Ernesto Cerveira de. Acordo de Ayacucho – territórios e as descontinuidades dos tratados: forjando

fronteiras, elaborando nações (Bolívia e Brasil): época colonial – 1867. Disponível em

www.anphalc.org/periodicos/anais/encontro9/ernesto_cerveira_de_sena.pdf

Page 56: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

56

A maior preocupação do governo brasileiro não era com a Bolívia, mas com o Paraguai.

Não havia concordância quanto às pretensões de limites, disputando o território entre os rios Apa

e Branco. O governo brasileiro reivindicava a soberania sobre o território entre os rios Apa e

Branco, o que não era aceito pelo governo paraguaio que pleiteava o limite no rio Branco com

base no Tratado de Santo Ildefonso.111

O acordo de limites só foi firmado em 1873, com o fim do

conflito em que os dois países se envolveram na região do Prata.

Nesse sentido, não era apenas o posicionamento externo do Brasil que estava conturbado.

A situação política interna não era das mais favoráveis, sendo que a instabilidade da política

interna do Império, a qual comentamos na primeira parte deste trabalho, limitava a ação do

governo imperial para resolver as questões na região do Prata.

Na província de Mato Grosso, desde 1837, a vida política era dominada pelo grupo

político que formou o Partido Liberal, sendo um período de governos instáveis com contestação

dos nomes indicados pela Coroa, entrando em conflito o legislativo com o executivo. Um dos

maiores embates políticos desse período entre o presidente da província e a facção local foi

durante o governo de Joaquim José de Oliveira, quando este fez frente à facção conhecida como

partido Camapuã (estigma atribuído ao partido liberal pelos opositores), ele conseguiu com que

as eleições de 1849 fossem favoráveis aos conservadores, embora a vitória não tivesse sido

completa, manteve a facção de Ribeiro como domínio político até 1850.112

Nas eleições provinciais de 1849 os conservadores conseguiram pela primeira vez fazer

uma maioria na Assembleia provincial, cujos cargos eram fundamentais para o controle político

na província. Além disso, Joaquim José de Oliveira conseguiu deixar o cargo sem que um vice

assumisse o governo, exercendo seu mandato pelo maior tempo possível, de modo que os

políticos locais não pudessem utilizar desse cargo para tomar alguma medida contra o governo

central.113

O coronel João José da Costa Pimentel veio a assumir o governo da província em

setembro de 1849. A partir desse governo já não havia uma forte oposição entre a Assembleia e o

111

DORATIOTO, Francisco F. M. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das

Letras, 2002. p.32

112 SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costume. Op. cit., pp. 78-98

113 Ibidem, pp. 97-98

Page 57: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

57

Executivo. Isso se deu não apenas ao predomínio dos conservadores na província, mas também à

mudança de estratégia política. Já não existiam dois partidos bem definidos no cenário político

provincial, nem mesmo oposição acirrada aos nomes indicados pela Corte para presidente da

província, pelo contrário, os políticos perceberam que fazer acordo com o governo central era

mais proveitoso, adotando medidas de aproximação e fazendo da manutenção da ordem uma

barganha política. Com isso, os presidentes da província deixaram de ser alvo constante de

hostilidades por parte do legislativo.114

A década de 1850 marcou a emergência de novos atores políticos na província de Mato

Grosso, tendo início com os conservadores assegurando o poder e revogando algumas medidas

implantadas pelos liberais. A política de conciliação implantada na Corte na década de 1850

visava atingir todas as províncias, tendo sido escolhido para ocupar esse cargo e promover a

conciliação em Mato Grosso, Augusto Leverger, futuro Barão de Melgaço, que se encontrava em

missão na fronteira do Baixo Paraguai, retornou a Cuiabá e assumiu a presidência em fevereiro

de 1851.115

Ao assumir o governo, após a exoneração de João José da Costa Pimentel, Leverger

esteve à frente da presidência da província de Mato Grosso entre 1851 á 1857, num período

sequenciado. Geralmente, o presidente da província era nomeado pelo governo central, não sendo

alguém do local e ocupando o cargo da mesma província por pouco tempo116

, porém tornando-se

uma peça estratégica para a constituição do Estado imperial.117

O que não era o caso de Leverger,

francês e morador da província de Mato Grosso que, entre a presidência e a vice presidência,

esteve no governo provincial por mais de sete anos.

Augusto Leverger passou a morar em Cuiabá em 1830, quando foi enviado para organizar

o sistema de defesa da província de Mato Grosso. Segundo Ernesto Sena, a preocupação de

Leverger ao assumir o cargo de presidente da província, foi com o posicionamento das facções

políticas. Contudo, não se formou um bloco oposicionista na Assembleia Legislativa quando seu

nome foi indicado para o cargo. Uma das estratégias política adotada por Leverger foi à

114

Ibidem, p. 276 115

CORRÊA FILHO, Virgilio. História de Mato Grosso. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, 1993. p. 528 116

O presidente da província fazia parte do quadro administrativo do Império em cada província, sendo o principal

instrumento do governo central na tarefa de administrar, sendo nomeado pelo imperador. O Império utilizou a prática

de fazer circular seus funcionários, para adquirir experiência e evitar identificação com os interesses locais. Essa

circulação era geográfica e por cargo, sendo o político levado desde o início da carreira a conhecer outras províncias

além da sua. CARVALHO, José Murilo de. I A construção da ordem. II Teatro de sombras. Op. cit., p.121 117

MATTOS, Ilmar. Op. cit., p. 213

Page 58: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

58

nomeação de Luzias para o cargo de vice-presidente, como tentativa de aproximação dos liberais.

Mas, sua preferência era que a nomeação do vice-presidente recaísse sobre uma pessoa que não

fosse da província, de forma que não estivesse diretamente ligado as questões políticas local.118

A presença de Leverger no governo da província era conveniente para os interesses do

governo imperial, nesse momento, pois seu posicionamento fazia com que os conflitos entre as

facções locais não colocassem em risco a ordem política. Para as facções locais essa convivência

também era importante, num momento que era fundamental a manutenção da ordem como

barganha política frente ao governo central, com Leverger sabendo distribuir cargos e tarefas

durante o período em que esteve no governo.119

Sua administração contou com o apoio da

Assembleia Legislativa, que não contestou a indicação feita pela Corte do seu nome para o cargo,

recebendo felicitações tanto dos conservadores quanto dos liberais, demonstrando a adesão à sua

administração. Esse apoio da Assembleia era importante para Leverger, que aproveitava para

expressar seu apoio e adesão aos princípios monárquicos, sendo visto como o homem de

confiança do governo imperial.

A política de conciliação fica evidente em 1854, quando a Assembleia fez alusão ao

desempenho de Leverger, evidenciando a vantagem gerada pela política de administração

empregada, que foi “manejada com patriotismo, energia e tactica havendo o desapparecimento

em grande vulto dos antigos ressentimentos dos ódios e rancores, resíduos sempre perniciosos

das urnas eleitoraes.” 120

Com a estabilidade na política interna, o governo imperial buscou maior participação na

região platina, visando demarcar suas fronteiras e franquear a navegação dos rios que cortam o

território platino. Ambas as medidas estavam relacionadas à pretensão do governo imperial em

conhecer e ter controle sobre o território que reivindicava para poder assegurar sua pretensão dos

limites com a Bolívia, e, principalmente, com o Paraguai.

Na segunda metade do século XIX iniciam-se algumas ações mais direcionadas para

abertura de vias de comunicação entre o Brasil e os países vizinhos, sejam a Bolívia e o Paraguai,

118

SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes. Op. Cit., p. 104 119

Ibidem, p.113 120

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o capitão de mar e guerra Augusto Leverger, na

abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial em 3 de maio de 1854. Cuiabá, Typ. do Echo

Cuiabano, 1854. p.41

Page 59: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

59

pois a bacia fluvial platina estava localizada em um dos principais contenciosos de fronteira e era

fundamental estabelecer um melhor contato do litoral com a província de Mato Grosso e, com

isso, garantir a posse e a disseminação do processo de civilização.

2.1.1 Conexões com a Corte: as vias de comunicação e a navegação pelo rio Paraguai

Na década de 1850 a livre navegação pelo rio Paraguai se apresentava como o meio mais

eficaz de comunicação da província de Mato Grosso com a capital do Império e com a rota

internacional de comércio. Ligar as províncias mais remotas do Império com o centro de decisões

político-administrativa localizada no Rio de Janeiro era fundamental para a política empregada

pelo governo imperial, para garantir a posse e a proteção da região, principalmente em Mato

Grosso, local que estava em área litigiosa, principalmente se considerarmos que a rota terrestre

utilizada demorava em torno de seis meses para ligar Cuiabá ao Rio de Janeiro.

A demora decorria porque os percursos fluviais ofereciam grandes embaraços para a

navegação, dentre os quais haviam cachoeiras e banco de areias, além de serem longos e

custosos. A via de comunicação do Distrito de Mato Grosso (atual Vila Bela da Santíssima

Trindade) para o Amazonas, pelos rios Guaporé, Madeira e Mamoré, cujo domínio em parte

pertencia à Bolívia, era a via que abastecia a província de artilharia, armamentos, munição, e

outros artigos vindos do Pará. Mas, a decadência do distrito de Mato Grosso e o despontamento

de Cuiabá como o novo centro comercial e político-administrativo, fez com que essa navegação

fosse quase que completamente abandonada, sendo que a navegação pelo rio Paraguai era mais

viável para o acesso a Cuiabá.121

Outro percurso era a navegação da Vila do Diamantino para a cidade de Santarém pelos

rios Arinos, Juruena e Tapajós, sendo utilizada para realizar carregamento de louça, sal, ferro,

121

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o capitão de fragata Augusto Leverger, na abertura da

sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial em 10 de maio de 1851. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1852

p.27

Page 60: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

60

entre outros metais. Apesar de ser realizada toda em território brasileiro, o decréscimo na

importação de sal desmotivou o comércio com o Pará e consequentemente a utilização dessa rota

fluvial.122

A comunicação por via terrestre não era indiferente a esses embaraços, com a

precariedade dessas estradas dificultando o acesso dentro da própria província, sendo o trajeto

cheio de estradas mal conservadas e, muitas vezes, inundadas, quando não tinham que atravessar

ribeirões e pantanais, faltando na maioria das vezes pontes para a sua travessia. Além disso,

faltavam pontos de abastecimento no decorrer das rotas, além de estarem sujeitos aos ataques

indígenas.

A comunicação terrestre de Mato Grosso com outras províncias era realizada através de

três rotas: uma para a província de Goiás (a mais utilizada), outra para São Paulo pelo Piquiri

(utilizada pelo correio vindo de São Paulo e por tropas, por ser uma área baixa estava sujeita a

alagamento no período das chuvas e a escassez na seca) era a rota de Mato Grosso. Haviam

estradas estreitas, onde trafegavam apenas cargueiros, sendo que “não passão de simples trilhos,

que quasi nada devem a arte e não admitem outros meios de transportes senão animaes de

carga”.123

As vias de comunicação até então utilizadas apresentavam obstáculos físicos e tornavam

as viagens até a província de Mato Grosso mais demoradas e com custos elevados. Diante desse

contexto, a navegação fluvial pela bacia do Prata passou a ser vista pelo governo imperial e local

como a maneira mais viável de comunicação. Na década de 1850, uma via de comunicação

rápida com a Corte era vista como o meio de promover o progresso em Mato Grosso, pois a sua

população estaria entrando em contato com os hábitos e com os costumes civilizados do Rio de

Janeiro.

Esta província regada como he, de tão importantes rios, cujas grandes

artérias levão saus correntes ao Oceano, terá consequentemente de saborear os

fructos da civilização e riqueza, logo que de facto abra a navegação sem

122

Ibidem, p.28 123

Ibidem, p.32

Page 61: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

61

obstaculos naturaes, que lhe offerece a via fluvial do Paraguay, acontecimento

este que será precursor do desenvolvimento de uma industria agrícola.124

Um meio rápido de comunicação colocava a província de Mato Grosso em contato direto

com o litoral, considerado civilizado e moderno, em contraste com o sertão, visto como atrasado,

o sinal da barbárie. Além disso, o sertão é tido como um lugar em que há dificuldades para a

presença de um governo forte e centralizado, podendo ocorrer divergências entre aquilo que era

ordenado pelo governo imperial e o que era feito por seu representante local.125

A navegação pelo rio Paraguai, não tendo obstáculos naturais, era em larga medida a

opção mais viável para superá-los, tornando o acesso à província de Mato Grosso mais rápido e

confortável. Dessa maneira, passou a fazer parte das principais reivindicações dos presidentes

dessa província:

O rio Paraguay, desde que começa a ser navegável em não grande

distancia da Villa do Diamantino até incorporar-se com o Paraná e correr elle o

golfão da Prata, não tem obstaculos naturaes que impecção a navegação [...] He

sem duvida a melhor, ou antes, a unica via pela qual possamos receber os

objectos que, pelo seu peso ou volume, tornão-se impossível ou custosissimo

transporte por terra ou pelos rios de caxoeiras.126

O governo imperial, com esse objetivo, buscou assinar um acordo que franqueasse a livre

navegação pelo rio Paraguai e Paraná, através de uma série de ações diplomáticas, pois era do

interesse do Brasil que houvesse a livre navegação pela Bacia do Prata.127

As dificuldades

envolvendo a navegação por esses rios não eram motivadas por obstáculos naturais, mas

124

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o chefe de divisão Joaquim Raimundo de Lamare, na

abertura da sessão ordinária da Assembleia Provincial em 3 de maio de 1858. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1858.

pp. 18-19

125 GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos confins da civilização: sertão, fronteira e identidade nas representações

sobre Mato Grosso. Tese (Doutorado em História) – FFLCH/USP. São Paulo, 2000. p. 169 126

Relatório do Presidente da Província de 1851. Op. cit., p.30 127

Essa Bacia é formada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, compreendendo territórios do Brasil, Argentina,

Uruguai e parte da Bolívia.

Page 62: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

62

diplomáticos, sendo bloqueadas no rio Paraná pelo governo de Rosas, da República Argentina, e

no rio Paraguai pela República do Paraguai.

A livre navegação pelos rios Paraguai e Paraná era uma decisão que cabia às repúblicas

do Paraguai e da Argentina, sendo pautada no princípio de ribeirinho inferior que era decidir

sobre a liberdade de navegação ou não do ribeirinho superior. Era com base nesse princípio que o

Brasil garantia o monopólio sobre a navegação na bacia Amazônica, fechando-a para a

navegação dos ribeirinhos superiores (Bolívia, Peru, Nova Granada, Equador e Venezuela). Mas

com base nesse princípio, o Brasil reivindicava a abertura da livre navegação, alegando que a

navegação devia ser livre aos demais ribeirinhos. Desse modo, a posição brasileira em relação à

reivindicação no Prata estava em contradição com a sua postura tomada quanto à bacia

Amazônica, onde implantou uma política de fechamento à navegação internacional. 128

O Tratado de Amizade, Navegação e Comércio assinado no dia seis de abril de 1856 entre

o Império e a República do Paraguai pautou-se na utilização desse princípio, como podemos

perceber no seguinte artigo:

Artigo 2º

O Brasil concede aos navios mercantes da Republica do Paraguay a livre

navegação dos rios Paraná e Paraguay nas partes em que é ribeirinho; e a

Republica do Paraguay concede, nos mesmos termos, ao Brasil o direito de

navegação livre, na parte daquelles dous rios em que é ribeirinha; de modo que a

navegação dos ditos rios, na parte em que cada uma das duas Nações é ribeirinha

fica tendo commum a ambas.129

A dificuldade em estabelecer acordo de navegação com a Argentina está relacionada à

posição política do Império no Prata. A política externa brasileira a partir da década 1840 foi

pautada na busca da afirmação nacional e preservação dos seus interesses geopolíticos,

assumindo um posicionamento político “anti-rosista”. Assim, buscava garantir a independência

128

COSTA, Wilma Peres de. Op. cit., p.120

129 Lata 1856 D. APMT

Page 63: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

63

do Uruguai e a independência da República do Paraguai, reconhecida pelo Brasil em 1844. Esse

posicionamento visava evitar a reconstrução do Vice-Reino do Rio da Prata, objetivo apresentado

por D. Manuel Rosas, chefe do partido federal e governador da Província de Buenos Aires, que

buscava estender seu domínio e reviver o projeto de recomposição do Vice-Reino.130

Se isso

acontecesse, a navegação pelos rios platinos estaria sobre o controle de um único país, assim

como grande parte da fronteira com o Brasil.

Devido a queda do governo de Rosas em 1852, o Brasil conseguiu encaminhar a

negociação sobre o acordo de navegação, e, em março de 1856, por meio do visconde de Abaeté,

foi celebrado na cidade de Paraná um tratado de amizade, comércio e navegação com a

Confederação Argentina131

.

Quanto à navegação pelo rio Paraguai, a política de isolamento das questões externas

adotada pelo governo paraguaio, atrapalhava a possibilidade de estabelecer acordo com esse país.

O Paraguai tornou-se independente em 1810, assumindo o governo do país José Gaspar

Rodriguez de Francia, que governou até o ano de sua morte em 1840, mantendo o país numa

política de isolamento das questões platina e investindo na formação de um Exército treinado,

disciplinado e armado.132

A política de isolamento adotada pelo Paraguai dificultava as negociações de limites à

navegação pretendida pelo governo brasileiro. Com a morte de Francia, duas juntas militares e

um Consulado o substituíram, sendo composto por Mariano Roque Alonso e Carlos Antonio

Lopez, sendo Lopez o escolhido pelo Congresso para o cargo de presidente do país, iniciando

uma política de afirmação nacional, que fez sentir sua presença no cenário platino. Em dezembro

de 1842 o Paraguai pediu ao Brasil o reconhecimento de sua independência, sendo o ato de

reconhecimento assinado em 14 de setembro de 1844. A Argentina só veio a reconhecer a

independência paraguaia em 1852, após a queda do governo de D. Manuel Rosas.133

130

O Vice-Reino do Rio da Prata foi criado pela Coroa espanhola em 1776 visando conter o avanço da Coroa

portuguesa sobre seus domínios. Era formado pelo que hoje corresponde a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e a

Bolívia. DORATIOTO, Francisco. Op. cit., p.24 131

NABUCO, Joaquim. Op. cit., p.192

132 SILVA, Leonam Lauro Nunes da. Op. cit., p. 36

133 DORATIOTO, Francisco. Op. cit., p. 27

Page 64: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

64

A partir de 1840, o governo imperial procurou estabelecer acordo com o Paraguai para

navegação dos rios em comum. Antes disso, Augusto Leverger havia sido encarregado em 1839

de percorrer as vias fluviais até Assunção para conversar com Francia sobre um acordo de

navegação entre os dois países, mas foi barrado antes mesmo de chegar ao destino, terminando a

viagem ainda quando estava no forte de Bourbon.134

Em novembro de 1846, o então presidente da província de Mato Grosso, Ricardo Gomes

Jardim, percorreu a região fronteiriça da província na companhia de Leverger, procurando

conhecer essa área que gerava constante receio de investidas dos países vizinhos. Nesse mesmo

ano, Leverger, então Capitão de Fragata, desceu o rio Paraguai até sua confluência com o Paraná

para completar o reconhecimento desse rio.135

As explorações eram realizadas com o incentivo

do governo imperial, visando sondar a navegação da região em disputa entre os dois países.

Em dezembro de 1850, o governo brasileiro e o paraguaio assinaram um acordo de ajuda

mútua contra as investidas do governo de Rosas, comprometendo-se também com a abertura da

navegação. Somente em 06 de abril de 1856 foi assinado o Tratado de Amizade, Comércio e

Livre Navegação entre ambos, concedendo livre navegação pelos rios Paraná e Paraguai, no

trecho em comum entre os dois países.136

Em fevereiro do ano seguinte chegou a Mato Grosso vapores vindos do Rio de Janeiro e

de Buenos Aires (estes com mercadorias), atraindo a atenção dos moradores e despertando o

entusiasmo para o desenvolvimento da província com a nova rota de comunicação e de comércio.

Augusto Leverger registrou esse momento, descrevendo a euforia da população causada pela

chegada dessas embarcações, onde “o nosso porto, apinhado de povo, os recebeo com aquelle

jubilo e admiração que a novidade demanda” 137

, na expectativa de estar à província a gozar dos

benefícios da livre navegação.

134

CORREA FILHO. Op. cit., p. 525 135

Registro dos Documentos oficiais relativos aos limites do Império. Livro 173, Est. 07, R 035, F 01. APMT 136

Esse acordo contou com a participação de Montevidéu, Urquiza (Entre-Rios) e posteriormente Virassoro

(Corrientes), conseguindo a derrubar o governo de Oribes em 1851 e de Rosas em 1852. COSTA, Wilma Peres. Op.

cit., p.104 137

OFÍCIO de Augusto Leverger dirigido ao Sr. Tenente Coronel Albano de Souza Osório 1º Vice-Presidente da

Província, ao transmitir a Presidência da mesma, em 1º de Abril de 1857. p.10

Page 65: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

65

O acordo não alcançou o resultado esperado pelo governo brasileiro, pois desejava incluir

junto com essa negociação a questão de limites de fronteiras, além de que, o Paraguai continuava

colocando obstáculos à navegação de embarcações brasileiras, conforme nos apresenta Paranhos:

Desde 1852 o Brasil se esforça por chegar a acordo com o Paraguai sobre

a questão da navegação fluvial, que tanto interessava aquela nossa província

[Mato Grosso]. O governo paraguaio não queria separar essa questão da de

limites, e como sobre esse ponto não nos podíamos entender, estávamos

privados do direito ao trânsito fluvial, implícita e virtualmente estipulado no

artigo 3º do tratado de 25 de dezembro de 1850. Carlos López enviou em 1856

ao Rio de Janeiro o Ministro Berges. O Sr. Visconde do Rio Branco, então

ministro dos Negócios Estrangeiros, foi o negociador brasileiro, e conseguiu

separar as duas questões, ficando adiantada a de limites, e assinando-se o tratado

de amizade, navegação e comércio de 6 de abril [...]. Pouco depois, porém,

Carlos López anulou de fato o tratado de 6 de abril, submetendo a navegação

comum a regulamentos, que eram a negação do que havia sido estipulado e que

tornaram impossível o comércio interno com a Província de Mato Grosso.138

Em 1857, o Conselheiro José Maria da Silva Paranhos foi designado para a missão de

conseguir resolver as dificuldades existentes para a navegação, o que veio a acontecer com a

assinatura de aditivo em 1858, pelo representante do governo brasileiro,Francisco Solano López,

em Assunção, revogando os regulamentos anteriormente impostos pelo governo paraguaio,

conseguindo o franqueamento da navegação. Dessa vez, o tratado teve forma satisfatória para o

governo brasileiro, ficando pendente apenas a questão de limites.

A livre navegação pelo rio Paraguai, as viagens do Rio de Janeiro até Cuiabá passaram a

demorar em torno de trinta dias, ou seja, reduziu-se significativamente o tempo gasto nas viagens

entre a província e o litoral. Também foi criada, no ano de 1858, a Companhia de Navegação do

Alto Paraguai, estabelecendo uma linha regular de navegação entre Cuiabá, Corumbá e

Montevidéu.139

138

Nota de Paranhos em Schneider. Apud COSTA, Wilma Peres. Op. cit., pp.117-118 139

PERARO, Maria Adenir. Op. cit., p.38

Page 66: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

66

Naquele período, a província de Mato Grosso pouco tinha a oferecer, sendo que a

necessidade de uma via de comunicação eficiente estava mais relacionada com a necessidade de

circulação da informação rápida com a Corte e à importação de produtos comerciais. De acordo

com Luiza Volpato, o principal elemento de exportação da província no início da segunda metade

do século XIX era o gado bovino, e com a abertura da navegação sentiu-se a necessidade de um

produto de exportação que compensasse os gastos com as viagens. Esse produto foi à poaia ou

ipecacuanha, raiz utilizada para a fabricação de alcalóide, que passou a ser exportada a partir da

década de 1830, por ter um importante mercado após o desenvolvimento da indústria química na

Europa. A poaia era um produto nativo bem presente nas redondezas de Vila Maria e se tornou o

principal produto de exportação da província entre a abertura da navegação e o início da Guerra

do Paraguai.140

Mato Grosso foi inserido na rota do mercado internacional para ligar a província com o

litoral do país, embora de maneira ainda acanhada, foi estimulado o desenvolvimento da

província, com mudanças na estrutura urbana, instalação de novas casas comerciais e estimulada

a imigração estrangeira.141

Mesmo com assinatura e a vigência do acordo de livre navegação, o receio de que a

navegação pelo rio Paraguai pudesse ser bloqueada a qualquer momento permaneceu entre a

população, refletindo o receio das negociações com esse país, sendo necessário “ter-se uma linha

de correio por terra, que offereça garantia” para qualquer eventualidade referente à navegação

fluvial142

. Apesar do receio, a navegação pelo rio Paraguai permaneceu sem interrupções até o

fim de 1864, quando novamente foi bloqueada com o início da Guerra do Paraguai.

2.2 Litígios com o país Guarani: a tensa relação entre o Brasil e o Paraguai

140

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Op. cit., pp.50-51 141

Ibidem, p. 44 142

Correio Geral de Cuiabá ao presidente da província Joaquim Raimundo de Lamare, em 29 de janeiro de 1859.

Lata 1859. APMT

Page 67: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

67

A prioridade do governo imperial com a província de Mato Grosso era a defesa da

fronteira a oeste. As tensões geradas pelas discussões quanto ao acordo de livre navegação e a

não delimitação de tratados de limites deixou a relação entre esses países tensa e o governo

brasileiro em constante alerta. A província de Mato Grosso era considerada uma região

estratégica para os interesses geopolíticos do Império, devido à “importancia desta provincia

como fronteira” 143

, sendo fundamental a manutenção de uma força armada bem preparada e

suficiente para manter essa região guarnecida. Desse modo, as forças armadas apresentavam-se

como um elemento fundamental para a proteção da província, cabendo ao Exército o serviço de

destacamento pelos principais pontos da fronteira. Mas a situação do Exército na província não

era favorável.

As principais reclamações dos presidentes da província de Mato Grosso foram sobre a

insuficiência das forças armadas e sobre a fragilidade militar de defesa da província,. Na análise

de Augusto Leverger, então presidente da província, “por qualquer lado que for a Provincia

seriamente atacada, não possue meios de repellir a invasão” 144

, refletindo a situação da defesa e a

condição em que se encontravam as forças armadas na província de Mato Grosso. Não foi uma

opinião que ficou restrita a um momento específico, mas algo que pode ser usado como

referência para os anos que antecedem o conflito com o Paraguai.

Situada ao oeste do território brasileiro, Mato Grosso sempre esteve responsabilizada pela

manutenção e pela defesa da fronteira, sendo essa província afastada da Corte e estando precária

a situação dos arsenais e reduzida à quantidade de efetivos, era necessário que recebesse mais

atenção e recursos por parte do governo imperial. Segundo Volpato, mesmo tendo um

posicionamento estratégico e garantindo a manutenção da fronteira, a responsabilidade dos

custeios para essa manutenção recaia grande parte sobre sua população, pois a ajuda enviada pela

Corte era mínima.145

O estado das fortificações e dos fortes da província eram precários, o que acarretava o

mau armazenamento dos materiais bélicos e a péssima acomodação dos soldados. Ao descrever

143

Relatório do Ministério da Guerra de 1858. Op. cit., p.17 144

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa Mello em 19 de janeiro de 1852.

Correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra 1850-1852 Livro 113, Estante 06, R.27, F07

APMT 145

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do sertão. Op. cit., p. 59

Page 68: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

68

as condições em que se encontrava o Forte Príncipe da Beira, o comandante João Magessi de

França nos apresenta a seguinte situação:

As muralhas existem todas cobertas de figueiras, umbauvas, São Caetano,

fedigozo, e capim ate he uma vergonha para os meos antecessores, as figueiras e

umbauvas nascidas entre as pedras das muralhas, já forçarão a desunião das

mesmas; [...] As grandes armazéns, casa de comandante, Quartéis, Igreja, e mais

acomodações, com um sem numero de goteiras, e o telhado em alguns armazéns

com grande falta de telhas, a antiga ferraria já o telhado abateo-se [...]146

A explicação do presidente da província sobre o estado precário do Forte Príncipe da

Beira é de que a má condição desse forte, deve-se ao fato de estar localizado em um município

decadente (Distrito de Mato Grosso) e em uma localidade que não requer tanta atenção (fronteira

com a Bolívia), sendo necessário fazer os reparos que os poucos recursos provinciais

possibilitariam em lugares que requerem mais cuidados e com relevância para a proteção da

província nesse momento.147

Mas, esse estado de ruínas foi algo comum a outras fortificações no

decorrer do período analisado, como o Forte de Coimbra, considerado a fortificação mais

importante da província, estando localizado na região litigiosa com o Paraguai.

Mapa I: Principais pontos militares da Província de Mato Grosso - Século XIX

146

Alferes Comandante do Quartel do Forte Príncipe da Beira João Magessi de França ao presidente da província

Augusto Leverger em 22 de novembro de 1851. Lata 1851 A. APMT 147

Palácio do Governo de Mato Grosso em Cuiabá em 19 de janeiro de 1852. Lata 1852 A1. APMT

Page 69: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

69

Mapa elaborado a partir de GARCIA, Domingos Sávio da Cunha. Territórios e negócios na “Era dos Impérios”: os

belgas na fronteira oeste do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2009; SENA, Ernesto Cerveira de. Entre

anarquizadores e pessoas de costumes: a dinâmica política nas fronteiras do Império: Mato Grosso 1834-1870.

Cuiabá: EdUFMT; Carlini & Caniato, 2009.

Embora a maior parte da fronteira da província de Mato Grosso fosse com a Bolívia, este

país não era o centro das preocupações fronteiriças do governo brasileiro. Não era esperado desse

país uma atitude hostil que pudesse colocar em risco a província de Mato Grosso, sendo que as

Page 70: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

70

recomendações do governo imperial em relação às reclamações bolivianas direcionadas ao

governo provincial eram que apenas alguns pontos estratégicos, como Corixa e Casalvasco,

fossem mantidos guarnecidos.

As reclamações do governo boliviano sobre a ocupação por forças armadas brasileiras do

território litigioso que a Bolívia considerava como sua posse, como o caso da Corixa Grande

(Tremedal), não eram vistas como uma ameaça que pudesse ser concretizada, sendo que, ao

contrário do pedido de desocupação para evitar maiores reclamações, em alguns momentos, o

governo brasileiro pedia para que fossem reforçadas a guarnição no local a fim de manter a

ocupação brasileira.148

Em instrução a presidência da província sobre o posicionamento frente às reclamações do

governo boliviano, o encarregado dos Negócios do Brasil junto à Bolívia expõe que esses limites

não estariam demarcados e quando questionado sobre a presença de força armada brasileira nesse

local, dizia que não lhe competia discorrer ou decidir sobre tal assunto, como prorrogar a

permanência brasileira nesses pontos.149

Instrução que não era direcionada no caso de reclamações do governo paraguaio, como

pode ser percebida no caso da ocupação do Pão de Açúcar (Fecho dos Morros) por força armada

brasileira. As reclamações do governo paraguaio geravam inquietação e receios às autoridades

brasileiras, pois temiam que os paraguaios viessem a concretizar a invasão da província de Mato

Grosso, mas acreditavam num acordo entre os países.

Em 1847, o ministro da Guerra recomendou ao presidente da província de Mato Grosso

para guarnecer o Pão de Açúcar, mas não foi realizado alegando a falta de recursos humanos e

materiais. A divergência de posicionamento com relação a esse destacamento voltou a acontecer

em 1850, quando o governo da província João José da Costa Pimentel enviou uma pequena

guarda defensiva para se fixar nesse destacamento, sem ter recebido ordens para tal

empreendimento. Tal medida não agradou ao governo imperial, que viu no acontecimento um

risco às negociações, estas referentes à livre navegação e aos limites, que vinham sendo

148

Ministro dos Negócios Estrangeiros Paulino José Soares de Souza ao presidente da província Augusto Leverger

em 27 de outubro de 1851. Livro 119, R.28, F.03 APMT 149

Encarregado de Negócios do Brasil junto a Repuública da Bolívia Antonio José Lisboa em 05 de Junho de 1850.

Registro de Correspondência da Província com o exterior. Livro 086, Estante 06, R024, F05. APMT

Page 71: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

71

empreendidas pelo Encarregado dos Negócios do Brasil em Assunção, Pedro de Alcântara

Bellegarde, que pediu que a ordem fosse revogada e caso já tivesse ocupado o ponto que este

fosse evacuado.150

O interesse do Brasil por esse destacamento não era maior que a vontade de

manter uma boa relação com o Paraguai, preferindo não ocupar o Pão de Açúcar sem prévio

acordo com esse governo.

Conforme temia Bellegarde, a ocupação do Pão de Açúcar não agradou ao governo

paraguaio, prejudicando o andamento das negociações. A ordem para a evacuação do ponto não

chegou a tempo de evitar que o destacamento fosse atacado por forças paraguaias em outubro do

mesmo ano, resultou em baixa para a força armada da província. O comandante do Forte de

Coimbra diz o porquê não realizou a desocupação do destacamento a tempo de evitar tal

incidente, pontuando que teria prazer em ter realizado essa ação se a ordem não tivesse chegado

três meses depois de ter ocorrido o ataque:

Teria summo prazer se pudesse cumprir com as sabias determinações de

V. Exª. por que Ex.mo Senr., a sobrestação da marcha do destacamento

destinado para o Pão d‟Assucar, ou a desoccupação delle logo que foi exigida

pelo nosso Encarregado de Negócios, teria-nos poupado algumas vidas,

derramamentos de sangue, e quiçá quebra na Dignidade Nacional; mas

infelizmente o acontecimento teve lugar em 14 de Outubro, e o Officio de V.

Exª. foi-me entregue em janeiro do anno seguinte. Cumpre-me porem assegurar

a V. Exª. que envidarei todos os meus esforços para que voltem as coisas n‟esta

Fronteira ao estado em que ellas se achavão antes do acontecimento acima

referido; por que neste sentido são as ordens que hei recebido do Governo da

Provincia.151

A precariedade da comunicação entre a província e a Corte não ficou restrita a esse

momento, mas o episódio evidencia bem a debilidade de defesa da fronteira e a conturbada

relação com o Paraguai. O próprio João José da Costa Pimentel já havia reclamado da falta de

informações sobre o andamento dos negócios na região do Prata. Possivelmente a medida por ele

150

CORREA FILHO, Virgilio. Op. cit., p. 527 151

Comandante Geral Interino do Quartel do Comando Geral no Forte de Coimbra Antonio Peixoto de Azevedo ao

ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello. Lata 1851 A. APMT

Page 72: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

72

adotada buscava amenizar o problema sobre o estado precário em que se encontravam as

fortificações, fato vistoriado em sua viagem realizada à fronteira do Baixo Paraguai. Quando

estava aquartelado no Forte de Coimbra, Leverger referiu-se a essa invasão paraguaia ao Pão de

Açúcar para ressaltar a superioridade numérica militar paraguaia em relação à força armada

brasileira.152

Por mais que a província estivesse vulnerável em toda a sua extensão, como nos

considerou Leverger, a preocupação do governo era com a fronteira sul da província, divisa com

a República do Paraguai. A relação do Brasil com o Paraguai era conturbada e nenhum desses

países queria ceder quanto a parte pretendida da região que considerava de sua posse para chegar

a um acordo de limites. A essa localidade fora destinado um maior número de homens e recursos

da província, bem como, reparos de fortes e a criação de colônias militares.

As reclamações dos comandantes do distrito de Mato Grosso, aconteceram em Vila Maria

e nos demais pontos da fronteira com a Bolívia, quanto à insuficiência de força para a guarnição,

a redução da força sem poder colocar outras em substituição para realizar os exercícios com

regularidade, eram as mais comuns. Embora reconhecesse que a força armada presente para

guarnecer esses pontos não era suficiente para fazer a guarnição, o presidente da província

considerava que os destacamentos na fronteira sul eram mais importantes para se preocupar

naquele momento.

Há outros pontos que he de maior urgencia reforçar como v.g. a fronteria

do Baixo Paraguay, da qual parece V. m. fazer idéia pouco exacta. Demais,

tenho de mui brevemente entabolarem-se ajustes diplomáticos entre o nosso

Governo e a República da Bolívia, pouco por ora receio por esse lado [...]153

Augusto Leverger demonstrou preocupação, durante o período em que esteve no governo,

quanto ao andamento da relação do Brasil com o Paraguai, temendo que as ameaças de invasão

viessem a se concretizar, pois segundo ele “esta fronteira o principal theatro da guerra com o

152

CORREA FILHO, Virgilio. Op. cit., p. 538 153

Augusto Leverger ao comandante do distrito militar de Vila Maria em 20 de maio de 1851. Registro de

correspondências entre a província e os comandantes militares 1851-1852. Livro 116, R. 28, F.01 APMT

Page 73: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

73

Paraguay o resultado será funesto para o Império.” 154

E procurou reforçar o alerta de que a

fronteira precisava estar preparada para conter um possível ataque do país vizinho.

O alerta de Leverger não foi suficiente para resolver essas questões, pois os presidentes

que o sucederam no governo continuaram pontuando a necessidade de guarnecer a fronteira e

reforçar seu poderio militar, que devido ao estado precário tanto de material, quanto das

fortificações, da força armada sem disciplina e sem preparação militar, a fronteira encontrava-se

vulnerável para uma ação hostil dos países vizinhos.

As forças armadas apresentavam-se como um elemento fundamental para a proteção da

província de Mato Grosso. Os meios para serem empregados na defesa fossem soldados ou

recursos materiais, eram escassos. Responsável por realizar a defesa de Mato Grosso, o Exército

nessa província, assim como, nas demais províncias do Império, sofria com a falta de homens e

com a falta de recursos materiais considerados adequados para atender as necessidades de defesa.

Havendo em depois de assumir o commando desta colonia lido as

instruções, vendo o pessoal de que é composta a força desta, do impróprio e

diminuto armamento que aqui existe, limitada quantidade de munição e sem

equipamento algum, e olhando para esta vastíssima planície sem meio algum de

defeza, e pensando na distancia de vinte cinco leguas que separa o Corpo de

Cavallaria, sem que possa socorrera este ponto senão talvez passando o mal; e a

vista da crise ou ameaça dos nossos mui próximos vizinhos Paraguayos tem me

posto perplexo [...]155

Há registros de reclamações constantes nos relatórios sobre as guarnições e destacamentos

militares, constatando que as forças armadas não eram suficientes, estando cada vez mais

reduzidas por não conseguir substituir as baixas. Era uma situação que não tinham condições de

fazer a defesa e garantir a guarnição dos destacamentos nem prestar auxilio às demais colônias

sem algum prejuízo.

154

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Marquês de Caxias em 14 de fevereiro de 1856. Registro de avisos

reservados recebidos dos ministérios. Livro 219, Estante 08, R 40, F 07. APMT 155

Colônia Militar dos Dourados em 16 de março de 1862. Lata 1861 C2. APMT

Page 74: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

74

2.2.1 O Exército, a força policial e a Guarda Nacional

O Exército, força de 1ª Linha, estava organizado na província de Mato Grosso em um

Corpo Fixo de Artilharia, outro de Caçadores e outro de Cavalaria Ligeira. Também contava com

uma Companhia de Pedestres, que foi dissolvida em 1861, passando os praças a formarem a 7ª e

8ª Companhia do Batalhão de Caçadores, estando a 7ª Companhia sob o comando de um Capitão

e a 8ª provisoriamente sob o comando do Tenente Ajudante de Pedestre, enquanto não houvesse

um oficial de Caçadores disponível para assumir a função.156

A força armada da província

contava também com forças auxiliares, como o corpo policial e a Guarda Nacional.

Os praças para servirem nas fileiras do Exército eram recrutados entre os homens da

localidade, majoritariamente preenchida as fileiras com aqueles recrutados à força e que não

conseguiam se isentar do serviço militar. Quanto aos oficiais, estes também eram em sua grande

maioria naturais dessa província. Os oficiais que serviam em Mato Grosso recebiam algumas

vantagens adicionais concedidas pela Lei nº 648 de 18 de agosto de 1852, como gratificação

anual dobrada e a contagem mais a quarta parte do tempo de serviço na província para reforma ou

acesso.157

Entre os militares que vinham de outras localidades para servir em Mato Grosso, muitos

acabavam por permanecer nessa província, criando laços com políticos e famílias tradicionais

através do casamento com herdeiras de fazendeiros, proporcionando a oportunidade de tornarem-

se proprietários de terras e mesmo políticos.158

A quantidade de homens para a guarnição da província de Mato Grosso era determinada

anualmente por meio a um Aviso Circular expedido pelo Parlamento, variando em torno de 1.500

a 2.000 praças para todo o período analisado. O ministro da Guerra em 1857, Jerônimo Francisco

Coelho, considerou que “A provincia fronteira de Matto-Grosso precisa ter, ordinariamente, uma

156

Registro de correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra. Livro 194, R.27, F.06. APMT 157

Relatório do Ministério da Guerra de 1855. Op. cit., p.4 158

PERARO, Maria Adenir. Op. cit., p.35

Page 75: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

75

guarnição permanente nunca inferior a 2.000 praças.” 159

Essa meta estabelecida não foi

alcançada, assim como, as demais estabelecidas para essa província, ficando incompleta a

guarnição. O período em que a quantidade de homens ultrapassou 1500 praças foi a partir da

negociação com o Paraguai, período conturbado e que a intenção do governo imperial era que

essa guarnição fosse mantida com dois mil homens.

Quadro IV – Efetivos do Exército em Mato Grosso

ANO Nº DE PRAÇAS

1851 1281

1852 1234

1853 1188

1854 1218

1860 1782

1861 1635

Fonte: Dados fornecidos nos Relatórios de Presidentes de Província entre 1850 a 1864. APMT

Estabelecer um número desejável para a guarnição das províncias não era garantia de que

fosse alcançado. Assim, nem sempre a demanda requisitada pelo governo imperial era bem aceita

na província. Em 1851, Augusto Leverger questionou o pedido do Ministério da Guerra para

elevar o número de praças para a guarnição de Mato Grosso alegando não ser viável buscar

aumentar o número de recrutas, pois nem mesmo havia conseguido completar a cota

anteriormente proposta.

De acordo com Leverger, a província somente teria condições de aumentar o número de

praças por um período curto e em situação extraordinária. Além do que, significaria elevação de

159

Relatório do Ministério da guerra de 1857. Op. cit., p.29

Page 76: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

76

gastos provinciais com voluntários e engajados.160

Além de diminuto, os praças que serviam nas

fileiras do Exército eram mal preparados, sendo recrutados sem nenhuma experiência ou

treinamento militar e enviados ao Exército. Essa inexperiência militar, junto com as más

condições a qual eram expostos os recrutas e o desejo de não servir ao Exército, reforçavam as

reclamações por parte dos oficiais, pois propiciavam as deserções.

Com um número insuficiente de homens para a guarnição da fronteira, os praças

recrutados ainda eram empregados para realizar outras atividades, devido à necessidade de mão

de obra nas colônias e nos destacamentos militares. Os praças realizavam tarefas para as quais

não eram pagos, como abertura de estrada, construção de pontes, reparos nos quartéis e

fortificações, condução da mala do correio, serviço de policiamento, corte de lenha, limpeza de

rios, faxina diária etc.

Os praças da Companhia de Pedestres eram constantemente destacados para realizar o

serviço de policiamento, pois o corpo policial da província havia sido extinto em 1840, quando as

disputas políticas ainda representavam um risco à ordem local e não estava bem definido o papel

do Executivo e do Legislativo. A Assembleia Legislativa Provincial tinha receio de que o corpo

policial fosse utilizado por grupos para manobrar a esfera política, pois ficava sob o comando

direto do presidente da província. Com isso, a Assembleia cortou o orçamento destinado à

manutenção do corpo policial, alegando falta de recursos. O policiamento passou a ser feito por

praças do Exército, que além de representar custos mínimos, estavam diretamente sob o comando

de um oficial superior, não sendo submetidos aos mandos de grupos políticos.161

A situação mudou, após o período de estabilidade política alcançada a partir de 1850,

sendo que com os papéis do Executivo e do Legislativo mais bem definidos, a desconfiança da

utilização do corpo policial para fins políticos já não era vista como uma ameaça. Nesse

momento, as preocupações do governo passaram a ser direcionadas para a segurança do

individuo e de seus bens, tornando necessária a presença de um corpo policial. Essa situação

favoreceu a criação do corpo policial na província em julho de 1858, contando inicialmente com

160

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello. Correspondência oficial da

presidência com o Ministério da Guerra 1850-1852. Livro 113, Estante 06, R.27, F.07. APMT 161

SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes. Op. cit., p.177

Page 77: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

77

um Tenente Comandante, um Sargento, quatro Cabos e vinte soldados.162

O corpo policial

permaneceu até 1865, quando as necessidades da guerra fizeram com que fosse incorporado ao

corpo de voluntários.

Não havia consenso entre os oficiais e o comando das armas sobre a utilização dos praças

em outras atividades, sendo que alguns alegavam que essas atividades sobrecarregavam a

prestação de serviço e prejudicava na atuação militar. A administração militar ficava sob a

responsabilidade do comandante das armas que, na maioria das vezes, era ocupado pelo próprio

presidente da província, tendo de decidir sobre questões como a alimentação, fardamento,

pagamento de soldo, recrutamento e outras questões da alçada militar.

Não acho rasoavel que praças do Exercito sejão obrigadas a se

empregarem em serviço como este para a Repartição da Marinha; mas para

attender á conveniência do serviço público occore-me a providencia de, nos dias

de folga, autorisarem os Commandantes dos ditos destacamentos a que os

soldados vão tirando e amontoando lenha por sua conta para ser vendida aos

Commandante do ponto para que nem os soldados fiquem prejudicados, nem

seja fóra de razão o preço da lenha.163

Outras tarefas, como a condução das malas do correio, eram encarregadas aos praças pelo

próprio presidente da província:

Faça V.S. destacar para Piquim nove praças da Companhia de Pedestre

inclusive hum cabo para serem empregadas, debaixo do comando do Sargento

162

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o Coronel Antonio Pedro de Alencastro, na abertura da

sessão ordinária da Assembléia Legislativa Provincial, em 3 de maio de 1860. Cuiabá: Typ. da Voz da Verdade,

1860. p.9 163

Presidente da província ao comandante do Baixo Paraguai. Registro de correspondência entre a presidência e os

comandantes de corpos, de distritos e de destacamentos militares e os cirurgiões de corpos de saúde 1855-1857.

Livro 151, Estante 07. APMT

Page 78: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

78

Felippe Pereira Mendes, na condução das malas do correio entre aquele ponto e

o de Sant‟Anna do Paranahyba [...]164

No ano de 1851, foram destacados oitenta e dois praças da Companhia de Pedestres para

serem empregados no serviço dos correios e no de policiamento.165

Houve um desfalque

significativo, se considerarmos a quantia de homens para a defesa de todos os pontos de

guarnição da província.

Nesse sentido, tirar e amontoar lenha nos dias de folga, tarefas como conduzir as malas do

correio citadas anteriormente, captura de presos, desertores e escravos fugidos, exigiam tempo e

deslocamento do local onde estavam assentados os praças, atrapalhando o serviço na guarnição,

como também, eram motivos indicadores das causas da indisciplina. Quando deslocado para

outro local para prestação de serviço que não era militar, o praça ficava fora do destacamento por

um tempo que poderia estar sendo empregado para instrução militar do mesmo. Além do que,

essas saídas eram aproveitadas pelos praças para desertar.

Apesar do serviço cansativo, os praças tinham que conviver com o atraso no fornecimento

dos gêneros de primeira necessidade para alimentação, sendo que, quando eram comprados na

localidade, o preço excedente local fazia com que a verba destinada para gasto com a alimentação

não fosse o suficiente, não conseguindo cobrir os gastos para fornecer uma refeição diária aos

praças.166

Os recursos básicos para a subsistência dos soldados eram enviados da capital para as

colônias militares e para os destacamentos, sendo que, muitas vezes, eram remetidas as verbas

para que a aquisição fosse feita na própria localidade. Era comum o atraso no envio da verba ou

dos mantimentos, mas esse atraso ia além da demora pela distância da capital.

164

Correspondência oficial entre a Presidência e o Comandante das Armas da província. Ano de 1851. Livro 122,

Estante 06. APMT.

165 Relatório do Presidente da Província de 1851. Op. cit., p.9

166WOJCIECHOWSKI, Eula. Op. cit., p. 57

Page 79: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

79

Em outubro de 1863, o comandante do Distrito Militar de Miranda reclamou ao presidente

da província que havia muito tempo que os soldados sofriam com a falta de materiais necessários:

“Continua a divida de calçados e esteiras dos anos 1852 a 1861, divida que se torna sensível às

praças por não haver neste lugar recurso algum de remediar-se tão notável falta.” 167

Desta

maneira, com o atraso no pagamento do soldo e mesmo a constante falta de fornecimento de

viveres e demais mantimentos, faziam com que os praças utilizassem seu tempo de folga para

providenciar caça e pesca para sua alimentação e subsistência.

Quanto ao que diz respeito ao sustento dos Soldados, he a maior barreira

que o Commandante do Forte pode encontrar, por que os viveres sendo

comprados dos Índios Bolivianos a troco de ferramentas e bejoterias, por um

preço exhorbitante, e não tendo o Commandante taes gêneros, vê-se na

impossibilidade de obrigal-os a trabalhar nos dias de sua folga, pois que n‟estes

dias pedem licença para pescarem ou caçarem para o seu sustento.168

A demora ou mesmo a falta de envio de recursos para aquisição de materiais básicos para

as despesas com os praças gerava algumas situações inesperadas como a presenciada pelo

comandante Antonio Peixoto de Azevedo, que ao realizar a revista no Forte de Coimbra169

, se

deparou com praças que não tinham calçados nem roupas para se apresentarem no dia da revista,

comparecendo descalços e com vestimentas inadequadas:

Não acostumado a desembainhar minha espada para Commandar soldados

tão mal vestidos e pessimamente disciplinados foi (e V. Exª. notaria) com

bastante acanhamento que fiz a V. Exª. devida continência por que se acharão

nas fileiras 38 praças em mangas de camisa, chapéos de palha e pés no chão. 170

167

Relatório do mês de setembro do Distrito Militar de Miranda ao presidente da província em 1 de outubro de 1863.

Maço: Miranda. Lata 1863 F. Apud WOJCIEHOWSKI, Eula. Op. cit., p.57 168

Alferes Comandante do Quartel do Forte do Príncipe da Beira João Magesse de França ao presidente da província

Augusto Leverger em 22 de novembro de 1851. Lata 1851 A. APMT 169

A inspeção dos corpos da guarnição da província era realizada por oficiais das respectivas armas de acordo com o

Decreto nº 1879 de 31 de janeiro de 1857. Relatório do Ministério da Guerra de 1856. Op. cit., p.32. 170

Comandante Geral interino Antonio Pedro de Alencastro ao presidente da província Augusto Leverger em 14 de

março de 1851. Lata 1851 A. APMT

Page 80: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

80

Apesar de as vestimentas serem precária e inadequadas, os praças se apresentavam para

revista, pois não haviam recebido a remessa de fardamentos, reservando algumas calças e

jaquetas brancas para certas formaturas.

Entre os fatores apresentados nos relatos do presidente da província para explicar o

motivo dessa situação precária dos soldados, estava à prática da traficância, onde as verbas ou os

materiais eram desviados da função ao qual era destinado. A traficância de soldo, alimentação e

fardamento, de acordo com o presidente da província Augusto Leverger, era algo bastante

comum na província, sendo praticado por oficiais. Embora fosse difícil conseguir com que fosse

reprimida tal prática por não conseguir provas contra os envolvidos, uma vez que, os próprios

soldados não denunciavam tal ato por medo de serem castigados pelos oficiais.

Destas traficâncias há muito tempo que tenho pleno conhecimento, e para

reprimil-as não me falta vontade, nem tenho poupado diligencias sem que me de

incorrer na malquerença destes ou daquelles. Porem quasi perco a esperança de

cortar abusos em que há muitos interessados, e cuja prova legal he difficillimo

obter-se, por quanto os mesmos soldados lezados são os primeiros que por medo

do castigo, ou por qualquer dádiva, occultão a verdade do que sabem.171

A falta de pagamento, alimentação precária, má condição de alojamento, falta de

fardamento e vestimentas adequadas, marcaram o cotidiano dos soldados destacados nos diversos

pontos da província de Mato Grosso. Dentre os problemas apresentados, quando os praças de 1ª

Linha não eram suficientes para completar a guarnição e a situação exigia reforço, praças da

Guarda Nacional eram destacados com autorização do Ministério da Guerra para auxiliar o

Exército, sendo pagos com os vencimentos destinados aos praças de 1ª Linha.

171

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello em 19 de janeiro de 1852.

Correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra 1850-1852. Livro 113, Estante 06, R.27, F.07.

APMT

Page 81: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

81

Por esta circunstancia não posso deixar de respeitosamente insistir na

requisição que tenho feito do augmento da força n‟aquelle Districto (Mato

Grosso), que se pode levar a effeito unicamente com o chamado da Guarda

Nacional a serviço de Destacamento, visto a exigüidade de força de linha que

cada vez mais se disfalca, com as baixas, deserções e o pequeno numero de

recrutas votado para equiparar a grande differença cauzada por aquelles e outros

motivos.172

A primeira Companhia da Guarda Nacional na província de Mato Grosso data de 1832,

criada após a abdicação do Imperador Pedro I, com o objetivo de conter as rebeliões que

eclodiram em vários pontos da fronteira. Segundo Jonh Erick Augusto Silva, embora os Guardas

Nacionais ficassem sobre o comando de um chefe local, devia obediência ao poder central, pois o

artigo 6º da Lei nº. 602 de 19 de setembro de 1850 tornava a Guarda subordinada ao Ministério

da Justiça e aos Presidentes da Província. 173

Em suas atribuições cotidianas, os Guardas Nacionais eram empregados na manutenção

da ordem pública, através do serviço de policiamento, destacamento em vilas, cidades e

fronteiras, e na destruição de quilombos. Jonh Erick Silva ressalva que, mesmo sendo

considerado importante seu papel na defesa da ordem interna da província “devemos ressaltar que

ela enfrentou ao longo de sua existência, muitos problemas, tais como a falta de armamento e

instrutores, o que sem dúvida comprometia sua eficiência.”174

O destacamento de praças da Guarda Nacional causava alguns embaraços, pois embora

estivesse empregado nas mesmas funções que os praças do Exército, ficavam sob o comando e

regulamento da própria Guarda Nacional, não estando submetidos aos regulamentos militares.

Tenho a honra de dirigir-me a V. Exª. pedindo esclarecimento a respeito

dos Guardas Nacionais que aqui se achão em serviço, se estão ou não sujeitos

172

Comandante do Quartel do Comando das Armas de Mato Grosso em Cuiabá, Carlos Augusto de Oliveira ao

presidente da província em 27 de maio de 1864. Lata 1864 F2. APMT. 173

SILVA, Jonh Érick Augusto. A Guarda Nacional na fronteira oeste do Império do Brasil (1850-1864). 2011.

Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato

Grosso. Cuiabá, 2011. p.120 174

SILVA, Jonh E. A. Op. Cit., p.133

Page 82: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

82

aos Artigos de guerra e as novas Ordenanças, ou se elles tem algum regulamento

especial que os rege ao qual estejem sugeitos quando destacados em Fronteira, e

se devem fazer todas as faxinas necessarias para o concerto do Quartel e todos

os Serviços que se offereção, se devem conduzir a bolça do correio ate Jauru e se

for necessario ate essa Cidade, e marchar em deligencia ao Forte do Príncipe, e

quaes os castigos que devem sofrer quando comettão faltas, pois eu os concidero

sugeitos aos Artigos de guerra, e por isso tem de sofrerem os castigos que o

mesmo aplica as faltas comettidas pelos Soldados de 1ª Linha e fazem as faxinas

e ajudão no concerto do Quartelamento, porem como sou odiado e sençurado

pelos habitantes deste Districto por este meu proceder, e dezejando prevenir

algum resultado dezagradavel por isso roga a V. Exª. se digne ordenar o que for

direito.175

Em vários momentos, os guardas nacionais foram chamados a auxiliar o Exército na

atividade de defesa, inclusive deslocando-se para destacamentos na fronteira. Como no ano de

1852, quando Augusto Leverger recorreu ao governo imperial para lhe autorizar a destacar

guardas nacionais para auxiliar a força militar na proteção dos pontos de guarnição da fronteira e

fazer o serviço de policiamento. Fornecida a autorização, foram destacados quarenta praças para

o Distrito de Mato Grosso, vinte e seis para o policiamento das vilas de Diamantino e Poconé, e

quinze para a guarnição deste último.176

Recorrer a Guarda Nacional para auxiliar no serviço de guarnição ou de policiamento foi

algo constante no período analisado, variando o número de destacados em torno de 50 a 100

guardas. Essa quantia somente foi mais elevada no momento em que a defesa da província

requereu mais atenção e o governo procurou aumentar o número de praças nesses pontos, devido

à relação conturbada com a República do Paraguai.

175

Quartel de o Comando Militar do Distrito de Mato Grosso João Pinheiro Guedes ao presidente da província

Augusto Leverger em 1 de janeiro de 1853.. Lata 1853 D4 APMT

176 RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o Capitão de Mar e Guerra Augusto Leverger, na

abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial, em 3 de maio de 1852. Cuiabá: Typ. do Echo

Cuiabano, 1853. p.11

Page 83: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

83

Segundo Jonh Erick Silva, o principal fator dos requerimentos para o destacamento de

Guardas Nacionais para atuarem no serviço de policiamento derivava da ausência ou

insuficiência das forças de linha.177

Quadro V – Praças da Guarda Nacional destacados para auxiliar o Exército

ANO GUARDAS

DESTACADOS

1852 81

1854 75

1856 235

1858 330

Fonte: Dados fornecidos pelos relatórios dos presidentes da província de Mato Grosso entre 1850 a 1864.

Durante as negociações do acordo de livre navegação, entre 1856 e 1858, o governo

imperial procurou aumentar o número de efetivos para guarnecer a fronteira. Como vimos

anteriormente, os praças da força de 1ª Linha não eram suficientes e para reforçar a força de

guarnição foi destacada uma quantidade significativa de guardas nacionais se comparado com os

anos anteriores. A maioria desses praças destacados da Guarda Nacional eram empregados no

serviço de policiamento da capital e na guarnição da fronteira com a Bolívia, como em Vila

Maria e no Distrito de Mato Grosso. Os praças do Exército dessas localidades eram deslocados

para a fronteira do Baixo Paraguai, por ser o local considerado mais ameaçado.

Em 1857, Augusto Leverger pretendia pedir a dispensa dos guardas nacionais destacados

para o serviço de guarnição em que estavam empregados há mais de dois anos.178

Mas isso não

foi possível, pois a necessidade de guarnecer a fronteira permaneceu e esses guardas só foram

dispensados do serviço de guarnição após o aditivo e o franqueamento da navegação em 1858,

177

SILVA, Jonh E. A. Op. Cit., p.127 178

Relatório do presidente da província de 1857. Op. cit., p.5

Page 84: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

84

quando consideravam que o perigoso de uma atitude hostil por parte do Paraguai por hora havia

se dissipado.

A Lei nº. 602 de 19 de setembro de 1850 não estabelecia prazo definido quanto ao tempo

que um Guarda Nacional poderia ficar destacado, podendo “durar em quanto as necessidades

publicas o exigirem”.179

Visando reduzir o destacamento de Guardas Nacionais, o governo

imperial estabeleceu em 1861, que as Guardas Nacionais só poderiam ser chamados para o

serviço de destacamento diante da mais urgente necessidade. Segundo Jonh Erick Augusto Silva,

essa medida fez com que o destacamento de Guardas Nacionais passasse a ser mais diminuto, o

que só veio a ser alterado com o inicio da Guerra do Paraguai em 1864.180

2.2.2 Os constantes receios de uma invasão

Durante as negociações do acordo de livre navegação com o Paraguai não foi descartada a

possibilidade de um conflito armado entre os dois países, sendo visto como necessário o

guarnecimento da fronteira do Baixo Paraguai, sul da província de Mato Grosso. Esse receio

levou o governo imperial a enviar Augusto Leverger, presidente e comandante das Armas na

província, a um aquartelamento na fronteira sul e concentrar nessa localidade a força armada

existente.

Augusto Leverger chegou ao Forte de Coimbra em 12 de fevereiro de 1855 e mesmo sem

saber por quanto tempo teria que passar distante da capital, preferiu transferir a sede do governo

para o Forte de Coimbra a transferir o governo ao vice181

, o liberal Albano de Souza Osório. O

que demonstra a desconfiança em relação aos liberais, embora não tenha deixado de indicar

179

BRASIL. Coleção das Leis do Império do. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1850. p. 352. Apud SILVA, Jonh

E. A. Op. cit., p.136 180

Ibidem, p.138 181

Através do Decreto nº 207 de 19 de setembro de 1841, a nomeação do vice-presidente deixa de ser uma atribuição

realizada pela Assembleia Legislativa Provincial, passando a ser uma atribuição feita via decreto imperial. O vice-

presidente era escolhido entre os políticos locais, sendo ou não um dos nomes indicados a Corte pelo presidente da

província. Era um cargo muito importante, pois na ausência do presidente o vice poderia assumir a presidência

ficando no cargo por até três meses, levando em consideração a distância da província e o tempo gasto para uma

nova nomeação. SENA, Ernesto Cerveira de. Entre Anarquizadores e pessoas de costumes. Op. cit., p. 70

Page 85: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

85

liberais para o cargo de vice como tática política para se aproximar e manter a ordem dentro da

conciliação política. Leverger encarregou até as correspondências ao bispo D. José para recebê-

las e entregar aos órgãos correspondentes, além de enviar ao Forte de Coimbra uma cópia dos

ofícios que lhe chegassem.182

Antes de ser enviado para o Forte de Coimbra, Augusto Leverger já havia tomado várias

medidas para guarnecer a fronteira sul da província de Mato Grosso, pois em 1853 as discussões

sobre a navegação fluvial entre o Brasil e o Paraguai chegaram a um ponto elevado de

desentendimento, onde o Paraguai demonstrou elevada capacidade de mobilização militar.

Os recursos militares existentes foram encaminhados para a fronteira do Baixo Paraguai,

com a intenção de “pôr essa fronteira no melhor estado possível de defesa, deveriam preparar-se

para a possível eventualidade de hostilidades com a República do Paraguay”, sendo recomendado

ao comandante do corpo de cavalaria do distrito de Vila Maria que permanecesse com a cavalaria

nessa vila, no Baixo Paraguai, onde já estavam localizados. Recomendou-se ainda enviar para

esse local mais praças e informar a quantidade de canoas existentes e a quantidade necessárias a

se adquirir para fazer o transporte dos praças, bem como, a carga a ser enviada para o baixo

Paraguai. Essas recomendações também foram direcionadas ao comando da Força Naval da

província, para que a pequena força existente estivesse pronta para enfrentar um conflito

próximo.183

Aos distritos do Baixo Paraguai184

foi recomendado que concluísse com brevidade as

obras militares que careciam o distrito, mas de modo que não esgotassem a força dos soldados,

pois estes deveriam entrar em serviço de campanha a qualquer momento. As recomendações do

presidente da província eram objetivas, temendo que a qualquer momento os paraguaios

pudessem romper a fronteira do Baixo Paraguai. Diante dessa possibilidade, Augusto Leverger

procurou direcionar os parcos recursos da província para essa região, tentando amenizar a

precariedade existente nessa localidade com o que a província podia oferecer naquele momento.

182

CORREA FILHO, Virgilio. Op. cit., p.531 183

Augusto Leverger ao Comandante do Distrito militar do Baixo Paraguai em 22 de Novembro de 1853. Registro

de Correspondência Reservada Presidencial com interior e exterior da Província. Livro 123, Estante 06, R 028 F06.

APMT

184 Compreende Coimbra, Albuquerque, Nioaque, Miranda e Dourados.

Page 86: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

86

A recomendação ao comandante de Vila Maria para o deslocamento da força armada para o sul

da província fez perceber que não havia medo de que a Bolívia pudesse agredir a fronteira norte

da província; o perigo estava ao sul.

Concluir as reformas nas fortificações, disponibilidade de canoas para transporte, depósito

de lenha em Albuquerque, deslocamento de praças, foram algumas das medidas tomadas pelo

presidente da província, de modo que,

até Janeiro proximo futuro esteja essa Fronteira e sua guarnição promptas para

as eventualidades de huma guerra offensiva e defensiva [...] Estes preparativos

devem fazer-se com todo o possível disfarce, espalhando-se que são medidas de

cautela, e nada mais.185

O próprio Leverger descreve o resultado dessa mobilização:

À Outubro do anno proximo findo recebi Avisos reservados dos

Ministérios da Guerra e da Marinha communicando-me os projectos do Governo

a respeito do Paraguay, prescrevendo-me as medidas q. devia tomar até Janeiro

do anno seguinte, e annunciando-me a proxima remessa de trem de guerra, gente

e dinheiro de que havia grande falta.

Acabou o anno sem que se recebesse cousa alguma. Em Janeiro chegou

huma remessa da Intendencia da Marinha da Corte. O principal artigo era

artilharia. Vierão carretas, palarmenta e munição; os canhões porem havião

ficado na Provincia de S. Paulo! [...] Entretanto, desde logo que recebi os

referidos Avisos, procurei tirar o possível dos mingoados recursos que tinha a

Provincia. Fiz seguir para a fronteira o que tinha disponível em tropa,

armamento e munição, e remetti também copia de viveres. [...] E, no dia 1º de

Fevereiro, parti para este lugar onde determinarão os citados Avisos que eu

estivesse para acautelar qualquer emergencia e esperar ordens. [...] Por espaço

de sete mezes estive esperando cada dia, a cada hora a chegada do vapor que

devia determinar o meo destino e da força que está commigo. [...] Fiquei na

185

Augusto Leverger ao comandante do Distrito militar do Baixo Paraguai Antonio Peixoto de Azevedo em 26 de

outubro de 1854. Registro de correspondência reservada presidencial com o interior e o exterior da província. Livro

123, Estante 08, R. 28, F.07 APMT

Page 87: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

87

ignorancia de haver-se ou não a nossa Divisão retirada da foz do Rio Paraguay,

até o dia 25 de Setembro, em que recebi entre os Jornais do Commercio o de 27

de Maio que annuncia a chegada da mesma Divisão a Buenos Ayres. [...] Não

tenho a menor ideia de quaes sejão as intenções do Governo, nem dos motivos

que tem para receiar a invasão do nosso territorio186

As medidas tomadas para guarnecer a fronteira foram quase que exclusivamente no

sentido local. A ajuda não chegou, nem as informações sobre as negociações no Prata. Durante o

período em que esteve aquartelado no Forte de Coimbra, Leverger reclamou da falta de

informações, de materiais e de homens para a defesa. A demora para receber informações sobre o

estado das negociações na bacia do Prata o fazia se sentir isolado em relação aos acontecimentos,

chegando a considerar estar sendo ignorado pelo governo central, sem ao menos compreender o

motivo da sua presença na fronteira do Baixo Paraguai.

Pouco antes de retornar a Cuiabá, Leverger escreve a Paranhos, dizendo ter pensado que

sua permanência na fronteira fosse para mostrar ao Paraguai uma força maior do que a província

tinha, como uma estratégia para intimidar as pretensões de invasão desse país.187

Leverger ficou sabendo da assinatura do acordo entre o Brasil e o Paraguai realizado em

abril de 1856, apenas quatro meses depois, pelo Cônsul Geral do Império na República do

Paraguai, Amaro José dos Santos Barbosa.188

Após a assinatura do acordo ainda teve de

permanecer no Forte de Coimbra e esperar chegar o encarregado para ficar em seu lugar no

comando. O encarregado, Tenente-Coronel Caetano Manuel de Faria Albuquerque, só chegou ao

forte no mês de outubro de 1856, partindo Leverger logo em seguida, no dia 19 do mesmo

mês.189

A assinatura do acordo de navegação em 1856 não dissipou os receios de atitude hostil

por parte do Paraguai, pois os embaraços com a navegação permaneceu e não foi resolvida a

186

Augusto Leverger ao ministro do Império em 1 de outubro de 1855. Registro de avisos reservados recebidos dos

Ministérios. Livro 219, Estante 08, R.40, F.07. APMT 187

Augusto Leverger ao Conselheiro José Maria da Silva Paranhos em 6 de outubro de 1856. Livro 219, Estante 08,

R 40, F 07. APMT

188 Registro de avisos reservados dos ministérios de 1856. Livro 219, Estante 08. APMT

189 SENA, Ernesto Cerveira de. Entre anarquizadores e pessoas de costumes. Op. cit., p. 119

Page 88: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

88

questão de limites como pretendia o governo brasileiro. Com isso, manteve-se a necessidade de

guarnecer a fronteira sul, permanecendo a atenção do governo voltada para essa localidade e a

presença dos guardas para auxiliar o Exército.

Nesse contexto, foram mantidas as viagens de vistoria pelas fronteiras. Durante o período

em que esteve no governo da província, Joaquim Raimundo de Lamare conseguiu se ausentar

para realizar viagem de inspeção na fronteira do Baixo Paraguai. Ele realizou duas viagens para

vistoria da fronteira, demorando em média sessenta dias em cada uma. De Lamare compreendia o

real motivo de suas excursões à fronteira do Baixo Paraguai, buscando vistoriar a recém aberta

navegação, sabendo que apesar de firmado o acordo com o Paraguai não havia garantia de que a

navegação não viesse a ser interrompida a qualquer momento.190

As possibilidades de realização dessas viagens indicam que a situação política era estável,

não havendo contendas que colocassem em risco a estabilidade mantida até o momento. Essa boa

relação parecia interessar a todos, contando com ambas as facções políticas para auxiliá-lo na

administração e com remessas de dinheiro do governo central para ser investido na província.191

De Lamare assumiu o governo da província em fevereiro de 1858, com o objetivo de

prolongar a política de conciliação na província, de forma a não suscitar grandes divergências

entre os grupos políticos locais, o que de fato conseguiu durante os quase dezenove meses de

administração. O presidente que o substituiu no governo da província, Antonio Pedro de

Alencastro (1859-1862), conseguiu continuar as viagens ao Baixo Paraguai para vistoriar a

situação da fronteira, mas seu governo não conseguiu manter a continuidade da política de

conciliação na província. 192

O estabelecimento do prazo de seis anos para demarcar limites entre Brasil e Paraguai

ocorreu durante as negociações do acordo de navegação em 1856, a estratégia adotada pelo

governo brasileiro para se preparar e proteger Mato Grosso foi fortalecer a guarnição das

localidades em litígio, explorarem a região fronteiriça e ocupá-la, fundando colônias militares.193

190

Ibidem, p. 129 191

Ibidem, pp. 127-129 192

CORREA FILHO, Virgílio. Op. cit., p. 532 193

Ibidem, p.535

Page 89: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

89

A instrução de Augusto Leverger ao major comandante do Baixo Paraguai buscava

ocupar e garantir a posse do terreno litigioso, pois o governo brasileiro não tinha nenhuma

intenção de ceder o terreno ao norte do Apa:

O terreno contestado he pois o que medêa entre o Iguatemy e o Ivinheima,

e entre o Apa e o rio Branco. A sul do Ivinheima temos estabelecimentos ruraes

que não devem ser ocupados, e resolve-o fundar junto ao rio dos Dourados,

affuente meridional do mesmo Ivinheima, huma colonia militar, cujo

adiantamento e estabilidade, e bem assim do estabelecimento entre o Nioac e

Brilhante são de summa importancia. He não menos importante impedir que os

Paraguayos occupem terrenos a Norte do Iguatemy. Devemos deixar como estão

os terrenos pantanosos comprehendidos entre o Apa, o Paraguay e o chamado

rio Branco, desde as cabeceiras deste, tratando porem de povoar os terrenos altos

que dominão esse pantanal conservando-nos a alguma distancia do Apa, tanto

quanto seja preciso para que os Paraguayos não possão allegar que se está

alterando o actual uti possidetis.194

Passou a ser realizado o reconhecimento na fronteira sul da província, procurando

destacar os pontos importantes para serem escolhidos para fundar as colônias militares. Os locais

escolhidos eram pontos na fronteira considerados, sob o ponto de vista militar e estratégico,

conveniente para fortificar e reforçar a defesa.

Assim, as colônias militares de Dourados (1856) e a de Miranda (1859) foram criadas

nesse momento de tensão com a República do Paraguai, estando localizadas na faixa de fronteira

com esses país. Além de apresentar para o vizinho que a área estava sendo ocupada, nessa

localidade era montado um esquema militar para proteção da província.

A colônia militar de Miranda, fundada em 11 de novembro de 1859, estava localizada

num dos pontos estratégicos mais importantes na fronteira sul. Com essa colônia militar

buscaram fechar o círculo de colônias existentes no sul da província (Nioaque, Brilhante e

Dourados) para que pudessem prestar mútuos auxílios e proteção à população, navegação e

ocupação da fronteira com o Paraguai. Essas colônias deveriam servir para fazer a proteção da 194

Augusto Leverger ao comandante da fronteira do Baixo Paraguai em 28 de outubro de 1856. Registro de avisos

reservados recebidos dos ministérios. Livro 219, Estante 08, R 40, F 07. APMT

Page 90: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

90

localidade limítrofe com o Paraguai e de seus moradores, como também, servir como ponto de

abastecimento e de auxilio à navegação, além de dar apoio local para catequizar os indígenas

próximos, para servir de auxílio no caso de uma guerra.195

O governo paraguaio agiu diferentemente, investindo na militarização do país, enviando

homens a Inglaterra para treinamento militar, recrutando técnicos ingleses e comprando

armamentos e materiais bélicos.196

Esses investimentos em militarização causava inquietação no

governo de Mato Grosso, que via o Paraguai cada vez mais preparado militarmente e um risco a

integridade da província.

Em 1856, o governo paraguaio adquiriu vários vapores da Inglaterra, o que causou grande

surpresa e inquietação ao governo de Mato Grosso197

:

Causou-me tanto sorpreza como inquietação a noticia, que me dá V. Ex. de ter o

Governo do Paraguay ultimamente mandado vir da Inglaterra quatorze Vapores

pequenos e dezessete engenheiros ou maquinistas: sorpreza, porque estava eu

longe de pensar que os recursos financeiros daquelle Governo lhe permitissem

fazer a despeza que exigem a acquisição e a manutenção desses vapores; e

inquietação, pela triste convicção em que estou de que, com os mesmos vapores,

poderão os Paraguayos, quando o quizerem, explorar em grande extensão o

nosso rio Paraguay e os seus affluentes, em quanto não possuirmos semelhante

elemento de força.198

As informações sobre essas aquisições, assim como os demais direcionamentos desse

país, eram acompanhados na medida do possível pelo governo da província, que buscava estar

atento às movimentações do Paraguai e ao risco que poderia oferecer a província de Mato

Grosso. Ao comentar essa aquisição, Augusto Leverger acrescenta que:

195

Registro de correspondência entre a província e os comandantes de corpos de distritos, de destacamentos militares

e cirurgiões do corpo de saúde 1857-1860. Livro 164, Estante 07, R.33, F.07. APMT. 196

DORATIOTO, Francisco. Op. cit., p.39 197

Até a década a 1860 o Brasil possuía apenas seis vapores Paraguassú, Anhambahy, Paraná, Jaurú, Corumbá e o

Alpha. RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o Coronel do Corpo de Engenheiros Antonio

Pedro de Alencastro, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial, em 3 de maio de 1861.

Typ. da Voz da Verdade, 1861. 198

Augusto Leverger ao Marques de Caxias em 28 de janeiro de 1856. Livro 219, Estante 08, R.40, F.07

Page 91: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

91

Na minha humilde opinião, semelhante aquisição [...] com os recursos

primários próprios do Paraguay, he indícios de não limitar se o Governo

daquella Republica a preparar-se para a eventualidade de uma guerra defensiva

que receia ter com o Império, sendo alias esse material mais do que precisa o

mesmo Governo para, com os meios já possue apoderar-se quando quiser dos

Districtos de Albuquerq. E Miranda e da navegação de lado o rio Paraguay e

seos affluentes.199

Para obter informação sobre essas compras ou demais direcionamentos militares dos

governos paraguaio e boliviano, o presidente da província de Mato Grosso realizou incursões na

fronteira, principalmente ao sul, como pontuamos, mas também deixou os comandantes dos

distritos militares encarregados de obter toda e qualquer informação sobre as movimentações

militares, os direcionamentos quanto às delimitações de limites e ocupação das áreas litigiosas de

fronteira.

A espionagem era uma prática comum entre esses países desde o período colonial,

enviando indivíduos para obter informações sobre a fronteira e as pretensões do país vizinho.200

Era realizada de maneira a não acarretar reclamação e nem afetar a relação estabelecida. Essa

vigilância acontecia com as informações de desertores, através de incursões dos indígenas ao

território vizinho ou mesmo com envio de praças para espionar.

No ano em que o Paraguai mandou vir vapores da Inglaterra, o governo da província

informou ao Ministério da Guerra que por meio das informações prestadas por um desertor

paraguaio, pode constatar que o Paraguai estava militarmente bem preparado, sendo que

enquanto a província estava em situação precária de cavalaria, o Paraguai contava com uma

cavalaria bem equipada e completa.201

199

Augusto Leverger ao Conselheiro José Maria da Silva Paranhos em 14 de fevereiro de 1856. Livro 219, Estante

08, R 40, F 07. APMT 200

VOLPATO, Luiza R. Ricci. A conquista da terra no universo da pobreza. Op. cit., p.66 201

Augusto Leverger ao Ministro dos Negócios da Guerra Marques de Caxias em 14 de Fevereiro de 1856. Registro

de avisos reservados recebidos dos ministérios. Livro 219, Estante 08, R 40, F 07. APMT

Page 92: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

92

As recomendações enviadas aos comandantes dos distritos militares da fronteira eram

para que buscassem ter conhecimento sobre os pontos fronteiriços que estavam sendo ocupados

pelos paraguaios; observar os procedimentos adotados por eles e o estado em que se encontrava o

corpo militar. O governo contava com a atuação dos comandantes militares para realizar ronda na

fronteira e explorar os campos próximos a essas áreas de divisas para conhecê-las e colocar os

distritos em melhor estado de guarnição. A recomendação era para que fosse informado sobre

qualquer ocorrência, por mais insignificante que pudesse parecer.

Assim, o governo provincial recebia informações sobre as mais diversas ocorrências na

região de fronteira, sendo que os comandantes procuravam informar e buscar comprovar a

veracidade das informações prestadas. Em 1862, o comandante do distrito militar de Miranda

enviou para o presidente Herculano Ferreira Penna, um pedaço de couro em tiras que tinha sido

encontrado durante uma ronda realizada pelo lado do Iguatemi, que segundo ele continha marcas

e nomes de paraguaios.202

A ação do comandante era buscar demonstrar que as ordens recebidas

estavam sendo cumpridas e confirmar a presença dos paraguaios nessa localidade.

As rondas para explorar a região fronteiriça foram sendo realizadas com frequência.

Numa dessas explorações, o presidente da província foi informado que o encarregado da ronda, o

Alferes José Ribeiro do Nascimento, havia encontrado vestígios e estradas abertas pelos

paraguaios em direção a Dourados. Segundo o comandante do Distrito Militar de Miranda, os

paraguaios permaneceram próximos a essa localidade para a extração de erva-mate durante o

período de extração, sendo que só se retiraram após o fim da colheita.203

Segundo Doratioto, a

extração do mercado de erva-mate era um dos motivos de disputas de limites entre o Brasil e o

Paraguai para tentar garantir a posse das áreas de extração.204

A reclamação de comandantes dos distritos militares sobre a presença de paraguaios e

bolivianos que adentravam o território brasileiro para verificar como estava a situação da

província era frequente. Como chegou a considerar Leverger, era quase impossível os paraguaios

202

Registro de correspondência entre a presidência e os comandantes de corpos, distritos e destacamentos militares

1860-1863. Livro 190, Estante 07. APMT 203

Distrito Militar de Miranda em 25 de novembro de 1861. Lata 1861 B1. APMT 204

DORATIOTO, Francisco. Op. cit., p.39

Page 93: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

93

não terem conhecimento do que acontecia nessa região, pois possuíam uma fronteira mais bem

guarnecida.205

Em fevereiro de 1862, a ronda da colônia militar de Dourados percebeu a chegada da

força paraguaia, reunindo praças e colonos para esperar sua chegada. A força paraguaia contava

com aproximadamente setenta homens, seguiu até Dourados para intimar o comandante dessa

colônia a se retirar desse ponto, depois seguiu rumo às cabeceiras do Apa.

Nº 9. Illmo Exmo Sr. Em addiantamento ao meu officio nº.6 de 12 do

corrente, cumpre-me levar a consideração de V. Exª. As occurencias havidas

depois da sahida da partida que fiz seguir no referido dia 12, commandada pelo

Tenente Antonio João Ribeiro, que divia ir a Colonia de Miranda para d‟alli

tomar o rumo das cabeceiras do rio Apa, afim de n‟esse transito encontrar com a

força paraguaya, commandada pelo Tenente de nome Pedro Pereira, por

occasião da invasão por elle praticada no nosso territorio pela Colonia dos

Dourados, como consto do officio original junto, do respectivo Tenente

Commandante. Chegando o Tenente Antonio João Ribeiro na referida Colonia

de Miranda, não encontrou a força paraguaya, qual chegou no dia 11, e ahi

passou até a manhã do dia 12, em que se paz em marcha, pafsando o rio

Miranda, e tomando a direcção do rio Apa, que vai dar em frente ao Forte da

Bella-vista como V. Exª. verá da parte também original junto dada pelo Alferes

João Chrisostomo Moreira, Commandante interino da dita Colonia de Miranda,

seguio após pelas pisadas que deixavão, sem que a podefse alcançar, em rasão

não só de estarem as suas praças bem montadas e levarem animaes a destra,

como por fazerem marchas forçadas, como assim se deprehende, por serem

encontrados pela nossa partida, dous cavaclos mortos por cansaços, ponches,

facas e mais objectos, q. pelo caminheo deixavão. Então chegando a nossa

partida aquem do Apa, defronte do Forte da Bella-vista, sem que alcançasse a

paraguaya não poude seguir em rumo da Colonia dos Dourados, como estava

recommendado nas instrucções dadas por este commando, por achar-se na

presente occasião, intransitaveis os campos, voltando d‟alli a este ponto, onde

hoje chegou. Assim pois, está concludentemente recohecido haver sido invadido

o nosso território por força paraguaya, vinda pelas cabeceiras do rio Dourados,

internando-se até o rio do Apa, ainda terreno reconhecido nosso, que disia

aquelle Tenente, assim o fazer, por ordem do Governo de sua Republica, como

assim estou informando 206

205

Correspondência da província. Livro 184, Estante 07, R. 36, F. 05. APMT 206

Quartel do Comando do Distrito militar de Miranda em Nioaque em 24 de fevereiro de 1862. Lata de 1862 D2

Page 94: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

94

Segundo Ruy Coelho de Barros, essa investida do Tenente Pedro Pereira no sul da

província de Mato Grosso teve por objetivo realizar uma coleta de dados sobre essa região,

conforme podemos verificar no croqui abaixo, onde é apresentado às localidades percorridas pelo

Tenente paraguaio.207

Croqui elaborado pelo Tenente Pedro Pereira - 1862

207

BARROS, Ruy Coelho de. A Guerra com o Paraguai – aspectos polêmicos: aprofundamentos. 2007. 159 fl.

Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato

Grosso. Cuiabá, 2007. p.56

Page 95: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

95

FONTE: ANP. SH. Vol.332, nº.10 – 1862 Apud BARROS, Ruy Coelho de. Op. cit., p.57.

Essa ocorrência foi considerada pelo governo brasileiro como um empreendimento do

Paraguai para intimidar e promover a desocupação de uma região que ambos reivindicavam a

posse, além de servir para expor a vulnerabilidade militar da província de Mato Grosso.

Page 96: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

96

Segundo Ruy Coelho de Barros, essa não foi a única investida dos paraguaios nesse

período, conforme conhecimento das autoridades brasileiras. No ano seguinte, 1863, chegou a

Corumbá um „fazendeiro‟ paraguaio com carta de recomendação direcionada a um comerciante

da região, alegando interesse em adquirir fazenda de gado na localidade. Durante essa visita,

procurou conhecer o sul da província, mais especificamente Miranda, Bela Vista, Nioac e a

Colônia de Dourados. Quando retornou a Mato Grosso quase um ano depois, foi para fazer a

ocupação do sul da província como Coronel Isidoro Resquin da Cavalaria do Exército

paraguaio.208

As ocorrências na fronteira com a Bolívia eram em sua grande maioria consideradas pelas

ações isoladas de indivíduos moradores da fronteira, do que pelo empreendimento desse governo

contra o Império, e, por mais espinhosa que fosse não era vista como um risco a relação entre

esses dois países. As reclamações de ambos ao governo, nesse sentido, eram comuns quanto ao

roubo de gado e à perseguição de escravos.

Em 1863, o presidente da província de Mato Grosso, Alexandre Manuel Albino de

Carvalho, enviou uma reclamação ao governo boliviano sobre um roubo de gado na Fazenda

Nacional de Casalvasco praticado por um boliviano, sendo tal ato considerado um atentado ao

território brasileiro. O roubo foi efetuado pelo boliviano com a ajuda de um desertor brasileiro e

um indígena, mas isso não foi considerado relevante para direcionar a reclamação. O que está em

discussão entre os dois governos é o desrespeito considerado por ambos, alegando invasão do

território alheio. Isso porque, ao ser informado ao receber o pedido por parte do presidente da

província de Mato Grosso para que fosse tomada providencia a esse respeito, para que tais

ocorrências não voltassem a se repetir, o Subprefeito de Santa Cruz rebateu dizendo que a prisão

teria sido efetuada em território boliviano, requisitando a devolução dos objetos apreendidos,

assim como, seriam necessárias as providencias para evitar casos semelhantes.209

A não demarcação de limites, com território litigioso entre esses países, fazia com que

essas reclamações fossem comuns. Outra situação era quanto à entrada de soldados brasileiros em

208

BARROS, Ruy Coelho de. Op. cit., p.55 209

Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao Sub-prefeito de Chiquitos e Guarayos em 26 de Abril de 1864.

Correspondência oficial desta presidência com o exterior da província e do império. Livro 210, Estante 08, R 039

F09. APMT

Page 97: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

97

região considerada pelo governo boliviano como de sua posse, para prender escravos e

desertores. É uma situação que resultava em reclamações bem semelhantes como a comentada

anteriormente, com a diferença que não se tratava de roubo ou saque, mas desrespeito aos limites

da vigência do controle do governo brasileiro. Ao receber o pedido de explicação do comandante

da fronteira de Santa Cruz sobre a entrada de soldados brasileiros, o comandante de Vila Maria

alega não ter ofendido as relações amigáveis com a Bolívia, pois a região entre a Corixa e Salinas

não era considerada pelo governo brasileiro como pertencente aquele país.210

O andamento da relação do Brasil com os países fronteiriços, na parte em que estes

delimitam com a província de Mato Grosso, interferiu nos direcionamentos e nas necessidades

militares dessa província. Por ser área de fronteira, os praças do Exército estavam, em sua

maioria, empregados em pontos de guarnição. A precariedade dos destacamentos, a distância da

capital, a dificuldade de comunicação, criavam uma situação singular no cotidiano dos militares.

As dificuldades de mobilização para o serviço militar que apresentamos no primeiro

capítulo deste trabalho eram ainda mais fortes nessa província. Embora a necessidade de efetivos

militares para a defesa da província tenha se elevado na segunda metade da década de 1850, a

capacidade de mobilização não sofreu interferência significativa, ficando o número de efetivos

desfalcado para atender as necessidades da província. Diante dessa situação, foi constante a

reclamação dos presidentes e comandantes dos distritos militares quanto à insuficiência da força

armada e deficiência de matérias para o corpo militar e reparos nos fortes e fortificações.

O Exército em Mato Grosso tinha uma regulamentação específica para os oficiais, que

recebiam adicional por prestar serviço em região fronteiriça. Quanto aos praças, continuavam

sendo recrutados entre os livres e os pobres, sujeitos a situação precária de vida, pela má

condição das acomodações nos destacamentos, baixo soldo, castigos, serviço pesado, além de

ficarem longe das famílias, quando próximos da fronteira. Essa proximidade da fronteira

conduzia o direcionamento militar, exigindo mobilização de um ponto para o outro, ou mesmo o

aquartelamento na parte sul. Os militares estavam diretamente envolvidos nessa relação de

fronteira, seja para defendê-la ou mesmo como opção para deserção. Além disso, o

210

Quartel do Comando Geral da Fronteira de Vila Maria no ponto das Onças em 01 de janeiro de 1851. Lata 1851

APMT

Page 98: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

98

direcionamento das negociações com os países vizinhos refletia diretamente no Exército, sob sua

organização e mobilização.

Page 99: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

99

CAPÍTULO 3

RECRUTAMENTO E RESISTÊNCIA

A necessidade de mobilização militar na província de Mato Grosso estava diretamente

relacionada com a contenda na região do Prata, frente à necessidade de defesa das fronteiras

ainda litigiosas. Assim como, nas demais províncias do Império brasileiro, a mobilização para o

Exército em Mato Grosso era feito principalmente por meio do recrutamento forçado. Estar em

uma província fronteiriça fazia com que muitos praças fossem destacados para guarnecimento em

algum ponto da fronteira, sendo deslocados do local de origem. A fronteira também se

apresentava como uma possibilidade de fuga para aqueles que desejavam se livrar da fileira do

Exército, tendo sido utilizada com frequência, assim como, houve numerosas estratégias para se

evadir do serviço militar ou mesmo para torná-lo mais suportável.

3.1 Entre malfeitores e desordeiros: o recrutamento para o serviço militar

As reclamações quanto à insuficiência de contingente militar para atender as necessidades

da província e as ameaças de invasão por parte dos países vizinhos foram frequêntes por parte

dos presidentes da província de Mato Grosso. Essas reclamações alertavam quanto a

vulnerabilidade da defesa militar da província e a insuficiência da força de 1ª Linha para defendê-

la. Mas, apesar dessas reclamações, no decorrer do período analisado não aconteceram mudanças

significativas nessa direção.

A guarnição da província de Mato Grosso contava com instalações precárias para

acomodações dos soldados e para os armazenamentos dos materiais bélicos. E essa debilidade

não era apenas material, mas também humana, com insuficiência de praças e despreparo militar.

Page 100: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

100

As dificuldades de formar uma força militar capaz de atender as necessidades da província

estavam relacionadas à maneira como era realizado o recrutamento militar. Durante o século

XIX, o recrutamento foi dificultado pelas redes de proteção em torno dos potentados locais e por

numerosas isenções legais, fazendo com que o recrutamento não fosse estendido a todas as

camadas da sociedade, ficando restrito a grupos específicos, ou seja, aos livres e aos pobres

indesejáveis que não contavam com algum tipo de proteção.

Os embaraços em realizar o recrutamento não se restringiam à província de Mato Grosso,

sendo sentida em todas as demais províncias do Império, representando a dificuldade das

autoridades encarregadas na tarefa de estabelecer o controle sobre os meios de violência

legítima.211

O Estado procurou promover o recrutamento de forma a não interferir na estrutura da

sociedade, preservando os privilégios dos proprietários rurais pautados na preservação da mão de

obra escrava. Assim, o regime escravista apresentava embaraços para a realização do

recrutamento, reduzindo o contingente daqueles que poderiam assentar praça na fileira da força

de 1ª Linha.

As principais reclamações dos encarregados eram relacionadas aos embaraços que as

isenções ofereciam para o procedimento do recrutamento, fazendo com que não fosse completado

o contingente militar atribuído a cada freguesia para atender as necessidades militares da

província. Nesse sentindo, João Isidoro Chaves esclarece ao presidente da província o motivo

pelo qual não conseguiu completar a cota que lhe foi atribuída: “deixando de ir o nº completo em

razão da impossibilidade que se encontra; pois quase todos os que estão no caso de serem

recrutados, prevalecem-se com o nome de guarda Nª. e camaradas contractados [...]”.212

As

isenções acabavam por restringir o recrutamento, reduzindo as opções daqueles que poderiam ser

recrutados.

Em maio de 1864, João Isidoro relatou ao presidente da província, que diante da

dificuldade de preencher o número que ainda faltava do contingente militar, procedeu ao

recrutamento de Fausto Anastácio de Oliveira e Benedito Antonio Leite da Rocha, camaradas, no

211

WEBER, Max. Op. cit., p.525 212

2º Tenente encarregado do recrutamento João Isidoro Chaves ao presidente da província Alexandre Manoel

Albino de Carvalho em 13 de março de 1864. Lata 1864 A2. APMT

Page 101: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

101

período da noite, para que pudesse “prender e remetter de noite sem ninguém saber, em razão do

muito que há quando aqui se prende qualquer individuo [...]” 213

O recrutamento desses dois

camaradas foi realizado de modo que ninguém pudesse intervir a favor dos recrutados, e para não

alarmar à população. Ambos os camaradas foram considerados aptos para o serviço militar pela

inspeção de saúde, tendo assentado praça no Corpo de Cavalaria.214

Os camaradas realizavam nas fazendas trabalhos que não eram encarregados a um escravo

e firmavam uma relação de dependência com o fazendeiro em troca de proteção.215

Não eram

legalmente isentos, contando apenas com a proteção dos potentados locais. No caso do

procedimento adotado pelo encarregado João Isidoro, se ninguém visse os dois camaradas sendo

recrutados, possivelmente o patrão não iria recorrer ao seu recrutamento por não saber dessa

procedência, podendo pensar que os mesmos tivessem abandonado o trabalho, o que era comum

acontecer. Conforme apresentou João Isidoro Chaves ao presidente da província, além dos

camaradas contratados, aqueles que poderiam estar sendo recrutados encontravam-se alistados na

Guarda Nacional.

Por serem legalmente isentos, os encarregados pelo recrutamento buscavam não estar

recrutando praças da Guarda Nacional:

Remetto Senr. Doutor Chefe de Policia o recruta de nome Francisco de

Paula que será apresentado a V. Exª. o qual é natural d‟esta cidade; tem vinte

dois annos pouco mais ou menos de idade, e não é guarda Nacional, pois que

documento nenhum de isenção apresentou. 216

Uma das principais reclamações dos encarregados pelo recrutamento era quanto às

isenções concedidas aos guardas por reduzir a possibilidade de recrutamento, retirando da fileira

213

2º Tenente encarregado do recrutamento João Isidoro Chaves ao presidente da província Alexandre Manoel

Albino de Carvalho em 20 de maio de 1864. Lata 1864 A2. APMT 214

Lata 1864 F1. APMT 215

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4 ed. São Paulo: Fundação Editora

da UNESP, 1997. p. 35 216

2º Tenente encarregado do recrutamento João Isidoro Chaves ao presidente da província Alexandre Manoel

Albino de Carvalho em 7 de junho de 1864. Lata 1864 A2. APMT

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102

do Exército indivíduos aptos para o serviço militar. A Guarda Nacional era uma opção de isenção

para aqueles que, sendo detentores da renda financeira exigida, não desejavam servir na força de

1ª Linha.

Segundo Jonh Erick Augusto Silva, a qualificação de Guardas Nacionais na província de

Mato Grosso, era um empecilho para o recrutamento do Exército, sendo uma maneira utilizada

por muitos homens para fugir do recrutamento para as forças de linha, onde “após a formação dos

corpos, os soldados ficavam a mercê de um determinado chefe local, devendo a ele obediência

política em troca de proteção contra o recrutamento para o Exército ou Armada.”217

Enviar praças da Guarda Nacional para as fileiras do Exército apresentou-se como uma

opção para livrar-se de presença indesejada aos comandantes da Guarda Nacional. O

recrutamento do guarda José Benedito de Oliveira, é exemplar. Em outubro de 1864, José

Benedito foi recrutado, e ao recorrer à isenção, afirmando pertencer a Guarda Nacional, esta lhe

foi negada, pois o comandante da Guarda Nacional não procedeu a seu favor. Desse modo, não

havia motivos legais a favor desse guarda, conforme se apresenta:

[...] entendo que as faltas e insubordinação por esse Guarda commetidos

no serviço ficarão melhor punidas sendo o mesmo Guarda entregue ao

recrutamento, como meio mais poderoso para se conservar a subordinação e

moralidade no referido destacamento.218

Conforme pontuamos no capítulo anterior, praças da Guarda Nacional eram destacados

com frequência para completar o serviço de guarnição militar, embora se tratasse de um

deslocamento eventual e temporário, estando sob o regulamento da própria Guarda Nacional.

O efetivo militar da província de Mato Grosso foi sendo preenchido durante todo o

período analisado por meio da contratação de voluntários e do engajamento de ex-praças, mas

principalmente pelo recrutamento forçado, pois assim como nas demais províncias do Império, o

217

SILVA, Jonh E. A. Op. cit., p.89 218

Guarnição da Guarda Nacional em Cuiabá em 31 de outubro de 1864. Lata 1864 A2. APMT

Page 103: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

103

serviço militar não era um atrativo entre a população, e o voluntariado, por mais significativo que

fosse não foi suficiente para atender as necessidades da província.

Eram noticiadas na província as estratégias elaboradas para atrair efetivos para o serviço

militar, oferecendo as vantagens aprovadas pelo Ministério da Guerra para os que se

apresentassem como voluntários ou para engajar-se.

Um soldado recrutado tem o soldo simples. Se, acabado o tempo a que

está obrigado, se engajar para continuar a servir, deve perceber as vantagens

garantidas pela legislação para os engajados: se, porem, não quer engajar-se e

continuar a servir, porque as circunstancias não permittem que seja escuzo,

recebe somente o soldo simples, que lhe compete, e não outras vantagens, com

se engajado se houvera. O soldado voluntario tem o soldo a mais metade deste.

Acabado o seo tempo, se engaja, abonão-se lhe as vantagens de engajado, isto

he, o soldo dobrado [...], se porem, não quer engajar-se, e continua a servir por

qualquer motivo, percebe somente o soldo e meio de que primitivamente esta de

posse, e nunca os dous soldos, como engajado. O soldado engajado tem soldo

dobrado, e o conserva mesmo depois de completo o tempo do engajamento,

porque já estava na posse d‟essa vantagem.219

Nesse sentido, podemos perceber que o ministro da Guerra, Pedro de Alcântara

Bellegarde, não descarta a prática de retenção de baixa ao expor as vantagens atribuídas àqueles

que se engajam para continuar no serviço militar. Esses soldados que desejavam dispensa depois

de findado o tempo de serviço, continuavam como efetivos até que a dispensa fosse aprovada, o

que não era rápido, além de não receber adicional.

Aqueles que se apresentavam voluntariamente tinham como privilégio o tempo de serviço

reduzido. Um recrutado assentava praça para servir por oito anos, o voluntário por seis anos e o

engajado por quatro anos. Uma das recomendações do Ministério da Guerra era que o tempo de

serviço de um engajado não fosse inferior a quatro anos.

219

Pedro de Alcântara Bellegarde ao presidente da província de Mato Grosso. Registro de avisos do Ministério da

Guerra. Livro 137. APMT. Grifo nosso.

Page 104: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

104

Em Mato Grosso essa exigência não se aplicava a todas as guarnições da província, sendo

que aqueles que se engajavam para servir nas colônias militares tinham o tempo de serviço

reduzido pela metade. Esse foi o caso do Sargento João Manoel Henrique, contratado em janeiro

de 1864 para servir por dois anos na Colônia Militar de Miranda. Também, o paisano Manoel

Silvestre de Arruda engajou-se no mesmo período para servir por dois anos na Colônia Militar de

Dourados.220

As colônias militares de Dourados e Miranda foram criadas com o objetivo de proteger e

povoar localidades de fronteira com o Paraguai, além de servir de ponto de apoio para a

navegação. Os militares que serviam nessas localidades contribuíam com a defesa e com a

ocupação dessas áreas fronteiriças, sendo que, a redução do tempo de serviço para os engajados

era uma estratégia do governo para manter nessas localidades os militares que nelas viviam,

perante a necessidade de manter a guarnição das colônias com um número de efetivos militares

suficiente para sua defesa: “Artº. 6 Na falta de praças de 1ª Linha apropriadas para a fundação da

Colonia, a Presidencia engajará os colonos militares, que forem necessários até o necessario n. do

Artº. 5 pelo prazo de 2 annos.”221

No ano de 1864, nove dos militares que estavam em Miranda foram engajados, entre eles

quatro eram casados e residiam na localidade com seus familiares, conforme podemos perceber

no quadro VI. Os militares que eram casados significavam a presença de mais pessoas na colônia

militar e a possibilidade de continuar a residir nessa localidade depois de findado o tempo de

serviço. Como foi o caso do Major Francisco Bueno da Silva, que já havia sido dispensado por

ter completado o tempo de serviço, mas continuava a residir na colônia juntamente com sua

família. Junto com seus familiares, o Major Francisco Bueno também tinha três escravos

domésticos, o que era comum nesse período aos oficiais militares de alta patente.

Quadro VI - Mapa Estatístico da Colônia Militar de Miranda – Março de 1864

220

Lata 1864 A1. APMT 221

Antonio Pedro de Alencastro em 11 de novembro de 1859. Registro de correspondências entre a presidência e os

comandantes de corpos de distritos, de destacamentos militares e os cirurgiões do corpo de saúde 1857-1860. Livro

164, R 33, F 07

Page 105: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

105

GRADUA

ÇÃO

ESTA

DO

NOMES FAMI

LIAR

ES

ESC

RA

VOS

SO

M

A

OBSERVAÇÃO

Major

Com.

Casad

o

Francisco Bueno da Silva 6 3 10 Reformado

Sargento

João Manoel Henrique 1 2 Ex-praça do Exército

Sargento

Solteir

o

Francisco Raiz de

Miranda

1 Batalhão de Caçadores

Joaquim Thomas Varella 1 Ex-praça do Exército

Furriel Casad

o

José da Silva Curvo 1 2

Cabo Francisco Ferreira da

Silva

6 7 Paisano contratado

Manoel Francisco das

Neves

1 2 Ex-praça do Exército

Manoel Raiz do

Nascimento

Compl. tempo de

serviço

José Victor de Souza 4 5 Ex-praça do Exército

Solteir

o

Bento de Arruda Botelho 1 1

Adriano Pereira Mendes 1 1

Anspeçada Casad

o

Manoel Lucas Tolentino Compl. tempo de

serviço

Faustino Bispo 1 2 Paisano contratado

João Francisco da Silva 3 4

Solteir

o

José Paulo Raiz 1

Pedro Antonio da Silva 1 Ex-praça do Exército

Colono Adão José Gonçalves 1

Page 106: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

106

Soldado Casad

o

Manoel Paes Falcão 1 2 Corpo de Artilharia

José Severino Alves 3 4 2º B. de Artilharia a pé

José Antonio da Rocha 2 3

Antonio Felippe Garcia 2 3 Batalhão de Caçadores

Solteir

o

João da Costa Lopes 1 Corpo de Cavalaria

Euzébio Ferreira Velho 1 Compª. de Artífices

Felicíssimo do Carmo 1 Corpo de Cavalaria

Soma 33 3 56

Fonte: Major Francisco Bueno da Silva, Lata 1864 F1. Existem como agregados quatro paisanos. Um deles é casado

e tem quatro filhos de menor, dois camaradas e quatro agregados.

Além dos militares, havia a presença de agregados na Colônia Militar, sendo que um deles

tinha quatro crianças. Segundo Ednilson Carvalho, a presença de escravos nos estabelecimentos

militares, assim como, a de homens livres e indígenas em seus arredores, possibilitavam a

formação de famílias e mesmo o aumento do número de habitantes nessas localidades.222

As estratégias adotadas pelo governo imperial para aumentar o número de homens para as

fileiras do Exército eram adotadas em Mato Grosso, mas nem todas essas medidas eram

consideradas viáveis para serem realizadas na província.

Em 4 de setembro de 1850, o ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello,

emitiu um Aviso Circular aos presidentes de províncias pedindo prestação de informação quanto

ao engajamento de nacionais e estrangeiros. A estratégia do governo imperial era fazer com que

fosse aumentado o efetivo do Exército, buscando conseguir o maior número possível de

engajados, com vantagens adicionais oferecidas tanto aos brasileiros quanto aos estrangeiros que

desejassem se engajar, buscando manter no Exército homens que já possuíam experiência militar.

222

CARVALHO, Ednilson Albino de. A fábrica de pólvora do Coxipó em Mato Grosso (1864-1906). 2005. 180 fl.

Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato

Grosso, 2005.

Page 107: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

107

Quanto às informações que o Ministério da Guerra pediu através da circular de setembro

de 1850, foi respondida em fevereiro do ano seguinte, por Augusto Leverger:

[...] julgo que nesta Província pouca ou nenhuma applicaçao se poderá

fazer da mencionada medida por causa da sua diminuta população, da sua

situação, e da circunstancia de existirem nella muito poucos estrangeiros; e que

por estes mesmos motivos não tendo elementos que me habilitem a ministrar as

exigidas informações.223

Encontramos situações em que o número de voluntariados era mais elevado do que os

recrutados, mas não o suficiente para completar a necessidade de contingente militar. Em 1853,

os corpos de guarnição da província contaram com 94 voluntários, 43 engajados e 32 recrutados,

para a cota marcada de 240 praças. Mas, essa quantidade foi reduzida, após assentarem praças

ainda faltaram 115 homens para completar a cota anual estabelecida para a guarnição da

província.224

Contar com uma maioria de voluntários não era uma constante, sendo que o

preenchimento do contingente militar era realizado por meio do recrutamento forçado. Podemos

verificar no Mapa Mensal do mês de fevereiro de 1864, que traz informação sobre a necessidade

frequente de praças para completar o contingente militar, mas entre aqueles que assentaram praça

nenhum era voluntário. Esse mapa de recrutamento refere-se apenas às necessidades de praças

para o serviço de guarnição espalhado pela fronteira da província. A concentração maior de

efetivos militares estava no corpo móvel, que ficava estacionado na capital, Cuiabá, com a função

de defender e socorrer toda a província.

223

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello em 26 de fevereiro de 1851.

Correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra 1850-1852. Livro 113, Estante 06, R.27, F.07.

APMT 224

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Pedro de Alcântara Bellegarde em 31 de dezembro de 1853. Registro de

correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra. 1853-1855. Livro 135. APMT

Page 108: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

108

Quadro VII – Mapa Mensal de Recrutamento - 1864

MÊS DE FEVEREIRO A B C D E F

Freguesias Sé 5 5

Pedro Segundo 3 3

Brotas 2 2

Guia 3 3

Chapada 1 1 1

Livramento 3 1 1 1 1

Santo Antonio do Rio Abaixo 4 2 2 1 1

Diamantino 3 3

Rosário 3 3

Mato Grosso 3 3

Vila Maria 3 1 2

Poconé 4 4

Santa Ana do Paranaíba 2 2

Miranda 2 2

Albuquerque 2 2

Soma 43 4 4 16 23

Fonte: Secretaria de Polícia, Cuiabá em 10 de março de 1864. Caixa 1864. APMT. Grifo nosso. A – número de

recrutas que devem dar; B – recrutas; C – voluntários; D – assentaram praça no mês corrente; E – assentaram praça

no mês anterior; F – falta para completar.

Page 109: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

109

A quantidade de homens que assentaram praça no mês de fevereiro foi bem inferior à cota

estabelecida, conseguindo apenas a metade do número considerado necessário. Conseguir

completar a cota estabelecida era um desafio que os encarregados pelo recrutamento, na maioria

das vezes, não conseguiam realizar. Esses desfalques mensais resultavam em um contingente

anual incompleto e insuficiente, inferior ao desejado. Como podemos perceber nos dados de três

anos consecutivos apresentados no quadro VIII.

Quadro VIII – Cota estabelecida para o serviço de guarnição 1852-1854

ANO A B C

1852 240 188 52 A quantidade inicial alcançada era de 224

1853 240 125 115

1854 240 146 94

Fonte: Registro de correspondência entre a presidência e o Ministério da Guerra Livro 135; Lata 1852 E. A – cota

estabelecida; B – quantidade alcançada; C – faltou para completar.

O presidente da província estabelecia a quantidade de recrutas que cada freguesia deveria

fornecer anualmente, cabendo aos comandantes militares de cada localidade fazer cumpri-las.

Essa cota variava de acordo com a quantidade de habitantes de cada freguesia e, como não

existiam dados demográficos precisos, essas estratégias variavam.

Em 1854, Augusto Leverger estabeleceu a cota para as freguesias da província partindo de

dados referentes à quantidade de votantes, buscando ter uma base do número de habitantes de

cada localidade: “guiei-me, na falta de dados estatísticos mais exactos, pelo número de votantes

qualificados nas mesmas Freguesias [...]”. 225

A parte da província mais povoada em 1850 era Cuiabá, em torno de onze mil habitantes,

sendo formada por duas freguesias urbanas: a Sé (compreendendo o núcleo central da cidade) e

225

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Pedro de Alcântara Bellegarde em 21 de abril de 1854. Registro de

correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra 1853-1855. Livro 135. APMT

Page 110: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

110

São Gonçalo de Pedro II – o Porto. E, tinha ainda as freguesias rurais: Nossa Senhora das Brotas,

Santo Antonio do Rio Abaixo, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora do Livramento, Chapada

dos Guimarães. Dentre essas freguesias, a de Nossa Senhora da Guia e Nossa Senhora do

Livramento eram as mais importantes por volta de 1850, servindo de ponto de abastecimento para

as tropas.226

Assim, o maior número de recrutas deveria ser de Cuiabá, estes eram distribuídos

pelas várias guarnições para assentarem praça.

O recrutamento, geralmente, era iniciado nas freguesias no começo do mês de julho, após

o prazo estabelecido para apresentação de voluntários, sendo suspenso nos períodos eleitorais

para que não fosse utilizado nas manobras dos grupos políticos. Essa suspensão não evitava que o

recrutamento fosse utilizado para fins eleitorais, como ocorreu na freguesia de Albuquerque em

novembro de 1852, quando os praças deslocaram-se de Coimbra para essa freguesia, a fim de

ameaçar pessoas da facção contrária quanto ao recrutamento.

Causou-me a mais desagradável sorpresa a noticia que me foi dada de que

V. m com os Alferes Mathias e Coelho, e trinta ou mais praças de prets, estivera

na freguesia de Albuquerque na occasião da eleição primaria de 7 do corrente

mez; e que procurara intimidar as pessoas que não são da sua parcialidade com

ameaças de recrutamento e de embaraçar as expedições que taes pessoas fizerem

para as Salinas desse Districto.227

O recrutamento recaiu sobre aqueles que não estavam diretamente relacionados com as

isenções estabelecidas pelas Instruções de 1822. Em março de 1864, foi preso e enviado a prisão,

Feliciano Gomes Moreira, onde deveria permanecer até que fosse encaminhado para assentar

praça. A intenção do chefe de polícia, Firmo José de Mattos, era encaminhar Feliciano para

assentar praça no Corpo de Cavalaria estacionado em Nioaque, pois “o mesmo, não só presume

ser bom cavalleiro, como mostra desejo de voltar á Goyas, sua província natal.”228

Diante do

226

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do sertão. Op. cit., pp.25-30 227

Augusto Leverger ao Comandante do Distrito militar do Baixo Paraguai em 26 de novembro de 1852. Registro de

correspondência entre a presidência e os comandantes militares. 1852-1855. Livro 128, R 29, F 05. APMT

228 Chefe de polícia Firmo José de Mattos ao presidente da província, em 01 de abril de 1864. Caixa 1864. APMT

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111

diminuto contingente populacional da província e a necessidade de efetivos para o corpo militar,

manter Feliciano na província era visto como uma boa alternativa.

Os livres e os pobres eram os principais alvos do recrutamento, além de estarem sujeitos

as ações dos agentes recrutadores. Caso cometessem qualquer deslize, por menor que fosse, era

utilizado como justificativa para enviá-los à prisão, ficando sujeitos a assentarem praça caso

fossem considerados aptos para o serviço militar.

Seu contingente era composto, em grande parte, por homens pobres

[carpinteiros, pedreiros, alfaiates, marceneiros, calafetes], cuja disciplinarização

era necessária para a preservação da ordem; era vistos com receio pela classe

dominante, uma vez que poderiam a qualquer momento se tornar aliado dos

cativos durante uma sublevação. À medida que a ação do livre pobre estava fora

do espaço de atuação do senhor, como era o caso do escravo, cabia ao Estado –

através do Exército e da policia – assegurar sua contenção e disciplinarização. O

recrutamento foi uma das formas preferencialmente utilizadas nesse processo.229

O quartel era visto como um lugar disciplinador dentro das propostas de princípios de

ordem e civilização, por meio de uma ação de vigilância da população livre ou pobre. Um lugar

para aqueles perturbadores da ordem, espaço onde a disciplina poderia ser aplicada através de

normas, instruções, vigilância.230

Com isso, eram enviados para as fileiras do exército os

indivíduos que de alguma forma eram vistos como perigosos ou que ameaçavam a ordem

estabelecida, por envolverem-se em crimes de homicídios, brigas, roubos, embriaguez, porte de

arma, praticar ofensas físicas, ou mesmo por estarem desempregados. Essas infrações comuns no

cotidiano dos moradores da província de Mato Grosso eram utilizadas como justificativa para o

recrutamento.

Cabia aos chefes de polícia prender os indivíduos que se envolviam nessas situações e

encaminhá-los ao recrutamento. Assim, os chefes de polícia aproveitaram do recrutamento para

poder restringir a circulação de indivíduos indesejáveis, considerados como malfeitores e

229

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do sertão. Op. cit., p.205. Grifo nosso 230

WOJCIECHOWSKI, Eula. Op. cit., p.21

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112

desordeiros, sendo presos e encaminhados aos quartéis como forma de aumentar o contingente

militar e ao mesmo tempo livrar-se de indivíduos indesejáveis.

A maneira de proceder ao recrutamento, retirando indivíduos do convívio social para

enviá-los aos quartéis, era uma medida disciplinar dos quartéis para reeducá-los, desta maneira

“acabavam fazendo com que as corporações militares ficassem apinhadas de ladrões e maus

elementos” 231

e, em suas mãos, era depositada a defesa da província.

Entregar para o recrutamento os indivíduos considerados turbulentos e perigosos, e,

principalmente, enviá-los para alguma guarnição na fronteira bem distante da capital, era visto

como a forma mais segura e eficaz de disciplina, diante da insegurança representada pelas

prisões. Nesse sentido, o chefe de polícia Silvério Fernandes de Araujo Jorge, encaminhou um

pedido a Augusto Leverger para que o preso, Rafael, fosse enviado para algum ponto na

fronteira, pois “[...] Rafael Pinto Bandeira, tem reputação de muito rixoso, e ameaça a mais de

uma pessoa no Districto da Guia: seria bom que assentando praça fosse mandado seguir, em

segurança, para algum dos pontos da fronteira.” 232

Opinião compartilhada pelo presidente da

província que, em 6 de dezembro de 1851, recomendou ao encarregado do comando da

guarnição, que Rafael fosse mandado assentar praça no corpo militar em algum ponto da

fronteira, partindo dos motivos apresentados pelo chefe de polícia, sendo Rafael considerado

perigoso e uma ameaça aos moradores do Distrito da Guia.233

Os encarregados do recrutamento aproveitavam do movimento das ruas para poder

prender indivíduos que praticavam pequenos delitos, ou mesmo pela intenção de buscar

completar a cota de efetivo. Esse espaço das ruas era usado com mais frequência por escravos de

ganho que saiam para vender produtos nas ruas ou buscar água nas fontes (devido à inexistência

de sistema de água encanada, sendo o fornecimento realizado através de cisternas particulares e

fontes).

O movimento das ruas também era feito por homens livres ou pobres, que vendiam frutas,

peixes, rapadura etc. Nos domingos era comum encontrarem-se para tomar banho no rio ou na

231

MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. cit., p.294 232

Chefe de polícia Silvério Fernandes de Araujo Jorge ao presidente da província Augusto Leverger em 6 de

dezembro de 1851. Lata 1851 E1. APMT 233

Augusto Leverger ao encarregado do comando da guarnição em 6 de dezembro de 1851. Correspondência entre a

presidência e o comando das armas da província 1851-1858. Livro 122, R 28, F 05. APMT

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fonte, prática que o Código de Postura de 1857 tentou eliminar, autorizando banhos em espaços

públicos apenas aos menores de 10 anos.

Apesar de todo o esforço feito pelas autoridades no sentido de conter as

perambulações de escravos e livres pobres, eles continuavam circulando pela

cidade, pelas tabernas, durante o dia e à noite, indo e vindo com seus tabuleiros,

vendendo quitandas ou frutas cumprindo ordens de seus senhores ou patrões,

buscando água, dando recados, trabalhando, divertindo-se, promovendo a

agitação das ruas estreitas calçadas de quartzo, sob o sol inclemente ou durante

as quentes noites cuiabanas.234

Os indivíduos que se envolviam em brigas ou que feriam outras pessoas eram presos e

encaminhados para assentarem praças. Em abril de 1850, José Victoriano da Silva feriu o

cirurgião João Baptista Teixeira com uma bordoada na parte superior da face direita.

Conseguindo evadir-se da força policial, foi preso seu irmão Benedito da Silva Pinto, considerado

como cúmplice. Enviar Benedito para assentar praça era visto pelo chefe de polícia como a

melhor medida a ser tomada, alegando ser: “a penna correspondente [...] insignificante, para

corrigir a estes dous indivíduos, que segundo conta, são turbulentos, pelo que julgo mais

conveniente, que V.EXª mandasse assentar praça [...]”235

Medida que o presidente da província

autorizou, caso fosse considerado apto para o serviço militar. Mas, Benedito não chegou a

assentar praça, pois o chefe de polícia informou ao presidente que:

[...] reconheci que o dito Pinto não só não teve parte no acontecimento da

noute de 7 do corrente, mais ainda tem a seu favor a circunstancia de ser guarda

Nacional Qualificado, fardado [...] pelo que não o julgando em circunstancias de

assentar praça, o mandei por em liberdade.”236

234

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do Sertão. Op. cit., p.34 235

Chefe de polícia Ayres Augusto de Araujo ao presidente da província João José da Costa Pimentel em 8 de abril

de 1850. Lata 1850 A. APMT

236 Chefe de policia Ayres Augusto de Araujo ao presidente da província João José da C. Pimentel. Lata 1850 D.

APMT

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114

Para aqueles que já haviam assentado praça e cometeram algum desses delitos, os castigos

físicos eram usados como forma de punição a esses reincidentes. Os castigos eram adotados pelos

oficiais como forma de implantar e manter a disciplina, sendo aplicado de modo a não afetar a

saúde física ou não comprometer o retorno do praça ao serviço militar:

[...] tenho a dizer que os cabeças do motim que se achão presos em ferros

em razão da gravidade do crime que commetterão, e da pouca segurança das

prisões, devem com tudo ser aliviados dos mesmos ferros quando o exigir o máo

estado de sua saúde, como já o declarei a V. S. em anterior officio.237

As reformas na organização militar, que marcaram o início da década de 1850, não

trouxeram mudanças significativas nessa direção.

Até então, surras com espadas de prancha, estanqueamento (pela

sobrecarga de serviços), imobilização em troncos, chibata, algemas, mochila nas

costas, prisões temporárias, jejuns forçados, surras até a pena de morte ou prisão

perpétua com correntes de ferro nos tornozelos (chamadas de carrinhos), pelos

crimes cometidos, entre outras práticas de repressão física, representavam uma

fórmula através da qual se esperava adestrar os soldados, tornando-os

disciplinados, e, conseqüentemente, úteis.238

Os procedimentos eram autorizados pelo presidente da província, como o referente ao

preso Quintino José Parada, soldado da Companhia de Pedestre, preso pelo crime de ferimento ao

1º Sargento José Luiz Beltrão. Quintino foi transferido da prisão do quartel da Companhia de

Pedestre para a prisão do Arsenal de Guerra, por esta ser considerada mais segura e, comentando

237

Augusto Leverger ao comandante das armas da província em 23 de fevereiro de 1852. Correspondência entre a

presidência e o comando das armas da província 1851-1858. Livro 122, R. 28, F 05. APMT 238

WOJCIECHOWSKI, Eula. Op. cit., p.37

Page 115: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

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o caso, Augusto Leverger avisa ao Diretor do Arsenal de Guerra que esse preso “Tem elle estado

em ferros por tornar-se algumas vezes furioso” recomendando que “assim o poderá V. m.

conservar se o julgar necessário, recomendando muito a sua segurança”.239

Manter preso a

corrente era uma maneira de evitar as fugas, devido à falta de segurança das prisões.

Para muitos, ser dispensado do serviço militar representava retornar a uma vida de

misérias ou mesmo ao domínio de um patrão. Entre os que se apresentavam voluntariamente para

o serviço militar, estavam os que buscavam uma alternativa frente às precariedades em que

viviam ou os que buscavam fugir de um contrato de trabalho e livrar-se do poderio do patrão ou

mesmo de dívidas adquiridas.

A baixa do serviço militar de Francisco José da Silva, que havia se apresentado

voluntariamente no ano de 1853, é um exemplo. Francisco apresentou-se voluntariamente após

ter cometido um roubo, buscando nas fileiras do Exército a proteção para não ser preso e, ainda,

para aproveitar-se das vantagens adicionais oferecidas aos voluntários. Conseguiu assentar praça,

mas não demorou muito tempo para que as autoridades militares mandassem dar baixa: “Mande

V. m. annullar a praça dada há poucos dias ao voluntario Francisco José da Silva que, achando-se

indiciado em crime de roubo, deve ser posto á disposição do Chefe de Policia.” 240

Esses

indivíduos não poderiam ser aceitos como voluntários, pois não estavam conforme o atestado de

idoneidade.

3.1.1 Isento, mas praça: recrutamento de menores e escravos

Nos momentos de maiores necessidades militares ou diante da obrigatoriedade em

completar o contingente militar, indivíduos legalmente isentos acabavam sendo recrutados, sendo

239

Augusto Leverger ao Diretor do Arsenal de Guerra em 10 de maio de 1851. Registro de correspondência entre a

província e os comandantes militares 1851-1852. Livro 116, R.28, F01. APMT 240

Augusto Leverger ao comandante interino do Batalhão de Caçadores em 30 de junho de 1853. Registro de

correspondência entre a presidência e os comandantes militares 1852-1855. Livro 128, R. 29, F.05. APMT

Page 116: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

116

que, nem os escravos escapavam da ação dos recrutadores, os quais negligenciavam a condição

de cativo e recrutavam-no para poder completar a cota de efetivos.

Da mesma maneira, muitos escravos procuravam no Exército uma fuga da condição de

cativo, fornecendo nome falso e omitindo sua condição, para assentar praça voluntariamente.

Para conseguir reaver esses escravos que assentavam praça, os donos deveriam primeiramente

reconhecê-lo. Com isso, os donos procuravam distinguir seus escravos por meio das

características pessoais, como modo de falar e traços particulares.241

Ao ser colocado em dúvida a condição de liberdade do praça, este era recolhido a prisão

para aguardar as averiguações, como procedeu no caso do soldado José Antonio, do Corpo Fixo

de Caçadores, que após levantada a suspeita de ser escravo foi recolhido a prisão por requisição

do chefe de polícia: “o que verificando-se por averiguação que se precedeu, reiterou o mesmo

Chefe de Policia sua requisição por officio de 22 exigindo que fosse o soldado conservado preso

até ulterior decisão de V. Exª.”242

No caso em que fosse procedente a averiguação, era dado baixa ao assentamento do praça.

Ao reconhecer seu escravo Manoel como praça do Exército, João Fernandes entrou com pedido

de anulação de praça do dito Manoel, procurando comprovar de forma documentada que o dito

escravo era sua propriedade. Seu requerimento foi aceito e o presidente da província, João José

da Costa Pimentel, pediu ao comandante do Corpo Fixo de Caçadores, onde Manoel havia

assentado praça, para que:

[...] se annulle o assentamento de praça do dito seu escravo, pelos motivos

q. allega e forão comprovados; ordeno a V. m. que mande declarar sem effeito a

praça do mesmo, que deverá ser entregue a seu Senhor.243

241

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do sertão. Op. cit., p. 147 242

Quartel militar em Cuiabá ao presidente da província João José da Costa Pimentel em 01 de outubro de 1850.

Lata 1850 D. 243

João José da Costa Pimentel ao comandante interino do Corpo Fixo de Caçadores em 13 de dezembro de 1850.

Registro de correspondência entre a presidência da província e os comandantes militares de diferentes pontos 1849-

1851. Livro 104, R 26, F 06. APMT

Page 117: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

117

Após reconhecer e provar a propriedade, o senhor tinha de arcar com os gastos assumidos

pelo Estado, sendo que, “quando sejão entregues convirão que exija do Senhor dos mesmos

escravos a importância da despesa que tiveram occasionado.” 244

Os donos dos escravos deveriam

arcar com a despesa assumida pelo Estado, mesmo que se tratasse da apropriação de propriedade

alheia (nesse caso o escravo) por parte dos encarregados por meio do recrutamento forçado ou

que sabendo da condição de cativo tivesse negligenciado essa informação ao aceitar como

voluntários.

Os senhores que entravam com o requerimento para reaver a posse de escravos que se

encontravam como praça, possivelmente eram senhores de poucas posses, sendo o cativo o bem

mais valioso de que dispunham como propriedade.245

Esses senhores elaboravam os

requerimentos partindo da alegação de que se tratava de um indivíduo que não era livre e de que

seria de sua propriedade. Esses foram os argumentos utilizados por Genoveva Domingos Duarte,

que requereu a dispensa do menor Manoel Baptista da Companhia de Aprendizes, alegando estar

junto com sua mãe respondendo uma ação pendente de escravidão. Apenas livres poderiam ser

matriculados na Companhia de Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra, embora não fosse

previsto pela lei que regulamentava o acesso a Companhia.246

Em cumprimento do Despacho de V. Exª. de 3 do corrente, exarado na

inclusa petição de Genoveva Domingues Duarte, em que pede a V. Exª. que

mande eliminar do Livro da Companhia dos Aprendizes menores do Arsenal de

Guerra a praça que se abrio ao menor Manoel Baptista, filho de Antonia Maria

Arcângela, por ter sido a ella admitido illegalmente, contra o art. 3º§§ 1º ao 4º

do Regulamento nº 113 de 3 de janeiro de 1842, por isso que a liberdade do dito

menor, bem como a de sua mãe, está litigioza, e dependente de decizão sobre

uma acção de Libello que ella Supp., e suas irmãs proprozerão: tenho a informar

a V. Exª. que a liberdade do referido menor está na verdade posta em litigio

desde 6 de Dezembro de 1844, dia em que a Supp. e suas irmãs, por seu

244

Augusto Leverger ao comandante de Vila Maria em 10 de junho de 1854. Registro de correspondência entre a

presidência e os comandantes militares 1852-1855. Livro 128, R 29, F 05. APMT. 245

Ao analisar os casos de re-escravidão na Corte de Apelação do Rio de Janeiro ao longo do século XIX, Keila

Grinberg percebeu que os senhores que recorriam à Justiça para poder reaver a posse de um escravo eram senhores

de poucas posses, sendo que possivelmente esse escravo era o bem mais valioso que dispunha. GRINBERG, Keila.

Senhores sem escravos: a propósito das ações de escravidão no Brasil Imperial. Almanack brasiliense, nº 6,

novembro de 2007. 246

CRUDO, Matilde A. Op. cit., p.124

Page 118: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

118

procurador, offerecerão em audiência o Libello de escravidão a que, fundadas na

sorte do ventre, o querem chamar.247

A requerente havia entrado na justiça com uma ação de escravidão em 5 de fevereiro de

1844, reivindicando como sua propriedade por herança, Antonia Maria Arcângela e seu filho

Manoel Baptista. Possivelmente, se trata de uma liberdade condicionada concedida pelo

proprietário, o falecido Silvério Antunes de Souza, no qual era concedida liberdade ao cativo

após a morte do dono. 248

Medida que não foi aceita por seus herdeiros.

A admissão do menor Manoel na Companhia de Aprendizes foi requerida por sua mãe,

Antonia Maria, tendo sido o pedido elaborado por uma pessoa bem instruída, como podemos

perceber:

Diz Antonia Maria Arcangela, que alem de um filho que tem de nome

Manoel de idade de oito annos como mostra pela certidão junta, tendo mais uma

filha de nome Anna de idade de quatro para cinco annos, e que não podendo dar

por si só a aquelle seo filho uma educação boa por ser a supp. bastantemente

pobre, como tudo prova pelo attestado tão bem junto, e que desejando ter o

socorro da providencia do Regulamento nº113 de 3 de Janeiro de 1842 recorre

por isso a V. Exª. pedindo a Graça de Ordenar a dmissão do dito seo filho na

Companhia dos Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra desta Província,

onde conta a supp. com a proteção para a boa educação do seu filho. A supp.

Exmo., certo da bondade de V. Exª. em obter a Graça que implora espera. A

vogo de Antonia Maria Arcângela – Francisco Ferraz de Camargo.249

A certidão a qual fazem referência, que acompanhou o requerimento para comprovar a

idade do menor, era a certidão de batismo, sendo que o menor teve como padrinho o padre José

Jacinto da Costa, que se apresentou como tutor para o pedido de admissão na Companhia de

247

Juiz de Órfãos Suplente em Cuiabá Henrique José Vieira ao presidente da província Augusto Leverger em 6 de

março de 1851. Lata 1851 B. APMT

248 VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do sertão. Op. cit., p.121

249 Lata 1851 B. APMT

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119

Aprendizes, assim como, testemunha da sua condição de liberto frente à ação de escravidão

movida por Genoveva Domingues Duarte. Segundo Matilde Crudo, aparentemente, parece que

Genoveva conseguiu recuperar a posse de Manoel, pois o nome deste não consta na lista de

aprendizes que podem passar a macebo no ano de 1856, ano em que completou 16 anos, como

também não há registro de fuga.250

Os laços de compadrio, de preferência padrinhos com prestígio social, era uma das

estratégias usadas pelas mães pobres como forma de proteger e buscar garantir amparo para si e

para seus filhos. Assim, o batismo era o sacramento que possibilitava ampliar o círculo de

parentescos entre as pessoas, como também uma aproximação entre livres e escravos, sendo que,

o nome dos padrinhos era elemento tratado com extrema importância pelos párocos,

“identificando-os com respectivo nome e profissão, e evidenciava preocupação em obedecer ao

que dispunham as Constituições Primeiras do Arcebispo da Bahia [...].”251

Os jovens menores de dezoito anos – legalmente isentos – também eram capturados para

o recrutamento. Os jovens livres ou pobres que não eram absorvidos pela Companhia de

Aprendizes252

, ficavam a espreita de outras ações disciplinadoras, inclusive o recrutamento.

Quando recrutados, era necessária uma testemunha bem conceituada na sociedade, que pudesse

garantir sua menoridade, pois nem todos possuíam certidão de batismo para documentar a

requisição.

A certidão de batismo era uma das estratégias utilizadas pelo Estado e pela Igreja na

busca da normatização da população, a partir do discurso de valorização dos laços

matrimoniais.253

Segundo Quelce Yamashita, a sociedade brasileira do século XIX ainda tinha

estreitos laços com a Igreja Católica, estando submetidas as suas regras, sendo que eram os

250

CRUDO, Matilde Araki. Os aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso: trabalho infantil e educação.

1999. 389 fl. Tese (Doutorado em Educação) – Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá,

1999. p.125 251

PERARO, Maria Adenir. Op. cit., p. 180 252

O Arsenal de Guerra da província de Mato Grosso foi criado em 1832 e extinto em 1916, como o objetivo de

facilitar o abastecimento de vestuário, armamento e demais equipamentos necessários as tropas militares

estacionadas em Mato Grosso. A Companhia de Aprendizes só começou a funcionar no ano de 1842. CRUDO,

Matilde A. Op. cit., p.52-57 253

Ibidem, p.120

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120

registros religiosos que comprovavam a existência social de um indivíduo através da certidão de

nascimento, casamento e óbito.254

Assim, por não ter dados que facilitassem o saber a idade precisa ou mesmo no anseio de

completar o contingente militar, encontramos vários casos de menores que, ou ele ou a família,

recorreriam com pedido de isenção. Esse foi o caso de José Pedro da Silva recrutado na freguesia

de Brotas, que requereu sua liberdade junto ao chefe de polícia alegando ser menor de dezoito

anos, e acrescentando outros argumentos para reforçar seu pedido, alegando ser filho único de

viúva e responsável pelo sustento de sua irmã de onze anos e de sua mãe, viúva, doente e

idosa.255

José Pedro não assentou praça, tendo sido posto em liberdade pelo chefe de polícia. Já no

caso do recruta Manoel Paes do distrito de Livramento, quem recorreu para a dispensa do menor

foi sua mãe, Marcelina de Almeida, pedindo a dispensa do filho alegando ter apenas dezesseis

anos de idade e ser responsável pelo sustento da família, apresentando como prova a certidão de

batismo.256

O pedido de dispensa do serviço militar para seus filhos era uma estratégia muito utilizada

por mulheres pobres na província de Mato Grosso, alegando ser o trabalho do filho responsável

pelo sustento da família:

Requerer a dispensa era um dos recursos não somente de mulheres livres e

pobres, mas também de outros segmentos sociais envolvidos, numa

demonstração de que o recrutamento, que implicava o afastamento dos homens

de seu convívio familiar, não era acatado passivamente pela ocupação.257

254

YAMASHITA, Quelce dos Santos. Práticas matrimoniais na província de Mato Grosso: o discurso moderno e os

casamentos consangüíneos. 2010. 197 fl. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e

Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2010. p.16 255

Chefe de polícia Ayres Augusto de Araujo ao presidente da província João José da Costa Pimentel, em 30 de

dezembro de 1850. Lata 1850 A. APMT 256

Lata 1864 D1. APMT 257

PERARO, Maria Adenir. Op. cit., p.186.

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121

As autoridades nem sempre entravam em consenso quanto ao recrutamento de indivíduos

isentos. Victorino dos Santos e Eduardo Gonçalves de Moraes, ambos menores de idade, foram

recrutados e enviados à prisão, foram considerados aptos para o serviço militar. Mas, o

comandante das armas da província de Mato Grosso entrou em dúvida se devia ou não enviá-los

para assentar praça, reconhecendo serem menores de dezoito anos.258

Victorino dos Santos

apresentou a certidão de nascimento e conseguiu comprovar que tinha apenas quinze anos, sendo

posto em liberdade pelo chefe de polícia Firmo José de Mattos no mês seguinte, por ter em seu

favor as isenções expressas nas Instruções de 1822.259

Os menores de idade só poderiam assentar praça de forma voluntária e na Companhia de

Aprendizes, mediante encaminhamento do requerimento de admissão elaborado com autorização

dos pais ou responsável.

Somente eram admitidos na Companhia meninos pobres, órfãos ou

abandonados de 8 a 12 anos, sob a condição de serem brasileiros natos e de

constituição robusta para suportar o trabalho. Os aprendizes eram recrutados

também entre meninos que, a critério das autoridades competentes, vadiavam

[...]260

Para a matrícula era necessário encaminhar um requerimento ao presidente da província,

juntamente com a certidão de batismo e o nome de um tutor, que ficava responsável por pagar as

despesas adquiridas com o menor caso ele fugisse do Arsenal. Ao analisar a admissão dos

matriculados na Companhia, Matilde Crudo ressaltou que os pedidos de admissão eram

encaminhados alegando pobreza, sendo direcionadas em sua maioria por viúvas, mães solteiras

ou mesmo devido ao falecimento precoce da mãe. Para Crudo “O envio dos meninos por suas

próprias mães não deve ser interpretado como indício de indiferença, mas como falta de

258

Quartel do Comando das Armas de Mato Grosso, em Cuiabá, Carlos Augusto de Oliveira ao presidente da

província Alexandre Manoel Albino de Carvalho em 17 de fevereiro de 1864. Lata 1864 F2. APMT 259

Chefe de polícia Firmo José de Mattos ao presidente da província Alexandre Manoel Albino de Carvalho, em 14

de março de 1864. Caixa 1864. APMT 260

CRUDO, Matilde A. Op. cit., p.12

Page 122: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

122

condições econômicas para educá-los”261

, sendo que algumas pediam dispensa para o filho logo

que conseguiam melhorar de vida ou quando os meninos já se encontravam em idade que lhe

permitia trabalhar para ajudar no sustento da família.

Assim, a Companhia de Aprendizes ficava responsável pela criação e pela

profissionalização dessas crianças, fazendo parte do mecanismo de controle da população livre

pobre, aceitando meninos pobres, libertos, descendentes de escravos e de indígenas, todos do

sexo masculino.262

Argumentos no qual foi pautado o requerimento de Marcela Maria do Espírito

Santo, moradora da Rua Boa Morte, pedindo admissão dos netos Joaquim, José e Paulino na

Companhia de Aprendizes, alegando ser pobre e não ter condição de arcar com o sustento e

educação dos mesmos.263

A admissão de indígenas na Companhia de Aprendizes também não era prevista na lei.

Em 2 de março de 1850, o presidente da província, João José da Costa Pimentel, mandou admitir

na Companhia o menor Virgílio, indígena da nação Bororo, filho de Augusta da Silva, que havia

requerido a admissão de seu filho no mês anterior.264

Os indígenas participaram da defesa da

província, não apenas ingressando menores na Companhia de Aprendizes, mas como soldados,

intérpretes, informantes e no povoamento. Essa participação correspondia ao estabelecimento de

uma relação amigável e também aos interesses desses grupos indígenas, que buscavam proteger a

região em que viviam.265

Para fazer parte das forças armadas como soldado, assim como, ser

aceito na Companhia de Aprendizes, era necessário que o grupo indígena fosse considerado pelo

governo como confiável para o uso de armas em prol da defesa dos interesses do Império, como

os Guaná, que em 1855 atuaram como canoeiros na Companhia criada para auxiliar no transporte

de materiais e de pessoas para o Baixo Paraguai.266

261

CRUDO, Matilde A. Op. Cit., p.116 262

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do sertão. Op. cit., p.53 263

Comandante do Arsenal de Guerra Generoso Antonio ao presidente da província João José da Costa Pimentel em

5 de janeiro de 1850. Lata 1850 C. APMT 264

João José da Costa Pimentel ao Capitão Diretor do Arsenal de Guerra em 2 de março de 1850. Registro de

correspondência entre a presidência da província e os comandantes militares dos diferentes pontos 1849-1851. Livro

104, R. 26, F.06. APMT 265

ALMEIDA, Rosely Batista Miranda de. Op. cit., p.92 266

Ibidem, p.36

Page 123: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

123

Nesse mesmo ano (1855), também foram admitidos na Companhia os três filhos da

escrava Januária de Moura, falecida, cujo atestado de veracidade foi fornecido pelo Cônego de

Cuiabá, Manoel Gomes de Faria:

Attesto, e faço certo, que Luiz, Manoel e João são filhos da falecida

Januária, escrava, que foi de Manoel de Moura Meirelles, e que Luiz terá

provavelmente a idade mais, ou, menos de Onze annos; Manoel de dez, e João

de oito; e que são pobres; e carecidos de toda proteção: o referido he verdade em

fé do que, e para a todo o tempo constar mandei passar a presente; em que mi

assigno.267

Embora alistados na Companhia por pedido de familiares, a deserção era presente entre

esses jovens. Em julho de 1850, João Capistrano, Candido Porfírio e Manoel da Paixão

desertaram da Companhia de Aprendizes. Em setembro do mesmo ano, João apresentou-se

voluntariamente, enquanto Manoel da Paixão foi capturado e remetido ao Arsenal de Guerra um

mês depois. 268

A deserção foi uma constante em todos os corpos militares, utilizada por aqueles

que não viam sentido em ficar submetido a maus tratos e as condições precárias que a vida nas

fileiras da força de 1ª Linha oferecia.

O recrutamento foi utilizado no decorrer do século XIX como o principal instrumento

para compor as fileiras do Exército e ao mesmo tempo para servir de instrumento coercitivo e

disciplinador, encaminhando para os quartéis livres ou pobres vistos com marginais e

desordeiros.

3.2. Vida autônoma dentro da ordem estabelecida: as práticas de resistências ao serviço

militar

267

Cônego Cura desta Capital Bom Jesus de Cuiabá Manoel Gomes de Faria, em 10 de janeiro de 1850. Lata 1850

C. APMT

268 Generoso Antonio de Morais ao presidente da província João José da Costa Pimentel, em 18 de setembro de 1850.

Lata 1850 C. APMT

Page 124: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

124

Foram inúmeras as estratégias de fuga e de resistência usadas pelos recrutas para escapar

do serviço militar: falta de cooperação, desacato as ordens, insubordinação, pedido de isenção,

substituição, deserção.

Os que buscaram no Exército uma possibilidade de melhores condições de vida utilizaram

de estratégias para manobrar o serviço da melhor maneira possível a seu favor. Ao realizar

funções policiais e de vigilância, vivendo próximo dos centros urbanos, principalmente no caso

de cidades de guarnições, os soldados acabavam por fazer parte do cotidiano da sociedade. Como

ficava muito tempo servindo nas mesmas guarnições, inseriam-se na dinâmica urbana, mantendo

certa autonomia, não ficando restritos ao convívio com os oficiais, criando uma vivência social

fora do alcance da disciplina do quartel. Essa aversão da sociedade ao serviço militar incentivava

o apoio da população aos soldados, ajudando-os e dando-os apoio na realização da fuga do

serviço militar. 269

A resistência era expressa de várias maneiras, como deixar de cumprir funções, ausentar-

se do quartel ou do posto de comando, e mesmo, recair na embriaguez. Atitudes que faziam parte

do cotidiano militar, sendo algumas das formas buscadas para enfrentar as dificuldades aos quais

eram impostos, mesmo que isso pudesse resultar em severos castigos. Assim foi o caso do

soldado do 2º Batalhão de Artilharia a pé, Bento Aleixo que aproveitou para embriagar-se no

serviço estando de guarda, além de recusar obedecer às ordens militares, o que o levou a

responder ao Conselho de Guerra “pelo crime de embriagar-se estando de guarda, a ponto de não

poder fazer o serviço; ao recusar obedecer à ordem que teve de prisão, ferindo com uma dentada

ao Cabo da mesma Guarda.” 270

A insubordinação decorria, entre outros motivos, da falta de motivação dos soldados para

com o serviço militar, deixando com isso de cumprir determinadas exigências esperadas pelos

comandantes. Os soldados ausentavam de seus postos nos quartéis ou durante o serviço de ronda

sem autorização superior, seja por negligência ou mesmo para resolver assuntos particulares,

269

KRAAY, Hendrik. O cotidiano dos soldados na guarnição da Bahia (1850-89). Op. cit., pp.246-261 270

Antonio Pedro de Alencastro ao ministro da Guerra Marques de Caxias, em 9 de janeiro de 1862.

Correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra 1861-1862. Livro 194, R 37, F 06. APMT.

Page 125: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

125

sendo que ambas as medidas resultavam em punição. Como a saída do Tenente do Corpo Fixo de

Caçadores, Francisco Bueno da Silva do seu posto de comandante, do destacamento do Pão de

Açúcar, que resultou em um processo no foro militar por desamparo ao destacamento cujo

comando lhe fora confiado.271

Para os que não desejavam assentar praça, as estratégias iniciavam desde o momento em

que eram recrutados. Alguns recrutas aproveitavam da inspeção de saúde para conseguir se livrar

de um recrutamento indesejado, outros buscavam no apadrinhamento essa garantia ou mesmo no

testemunho de pessoa de credibilidade diante da sociedade para alegar boa conduta.

Após ser recrutado, não apresentando comprovante de isenção, o recruta era encaminhado

para inspeção de saúde, e, se considerado apto para o serviço militar, era enviado para assentar

praça em alguns dos corpos da província. A inspeção de saúde também era vista como uma

estratégia para fugir do serviço militar, livrando vários recrutados de um engajamento indesejado.

Esses recrutas buscavam aproveitar das oportunidades apresentadas, alegando doenças ao passar

pela junta de saúde para serem considerados incapazes, sendo uma prática comum entre os

recrutados.

O recruta Benedito Constantino, ao passar pela inspeção de saúde, foi considerado

incapaz para o serviço militar, mas continuou retido, pois o presidente da província não o liberou

por não acreditar que sofresse realmente dos numerosos ataques de que se queixou, além de

parecer “robusto” e bem de saúde, gerando desconfiança do presidente quanto aos males que

dizia padecer:

Entrando em duvida de que realmente soffra de epilepsia o recruta

Benedicto Constantino, á vista das contrariedades que encontrei nas respostas ás

perguntas q. lhe fiz acerca das enfermidades de que se queixa, alem de que não

poderia elle ser Guarda Nacional se padecesse aquella moléstia; mande V. m.

dar-lhe praça em algum dos Corpos da Provª. He o que tenho a dizer-lhe em

resposta ao seo officio de hoje. ”272

271

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello em 8 de abril de 1851. Registro de

correspondência oficial da província com o Ministério da Guerra 1850-1852. Livro 113, Est. 06, R 27, F 07. APMT 272

Registro de correspondência entre a província e os comandantes de corpos de distritos, de destacamentos militares

e os cirurgiões do corpo de saúde. 1857-1860. Livro 164, Est. 07, R. 33, F. 07. APMT

Page 126: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

126

Junto com Benedito foram recrutados mais oito recrutas, sendo que apenas dois foram

considerados aptos para assentar praça, os demais acabaram dispensados por não serem

considerados aptos ou por serem possuidores de algum tipo de isenção.

Aqueles que eram recrutados e podiam arcar financeiramente com sua dispensa, a

substituição era a opção procurada, devendo apresentar em seu lugar um substituto que fosse

robusto e idôneo, ou que fosse considerado apto pela inspeção de saúde. O Aviso Circular nº 237

de 3 de outubro de 1851, divulgou aos presidentes de províncias que os praças que tivessem

concluído o tempo de serviço podiam ser admitidos como substitutos de qualquer indivíduo que

tivesse a intenção de isentar-se por meio da apresentação de um substituto.

Illm. e Exm. Sr. – Sua Majestade o Imperador Ha por bem mandar

declarar que as praças do Exercito, logo que tiverem concluído o tempo de

serviço, a que forem obrigados, poderão ser admitidas como substitutos de

quaesquer indivíduos, que pretenderem exemptarem-se da praça, huma vez que

sejão de boa conducta, e tenhão a conveniente robustez: o que communico a V.

Ex. para sua intelligencia.

A alternativa adotada por Antonio Cerqueira de Caldas, que requereu baixa do serviço

militar para o seu filho Gregório Pires de Camargo, quando foi recrutado e assentou praça como

soldado do Corpo de Cavalaria, “offerecendo como substituto para servir em lugar do mesmo

recruta, o ex-soldado do dito Corpo Barnabé Barbosa”. Ao comunicar a proposta de substituição

ao presidente da província, o Comandante das Armas Carlos Augusto de Oliveira considerou que

tal proposta deveria ser aprovada, por ser vantajosa para a força armada, sendo que:

[...] ha vantagem para o serviço na substituição solicitada, por isso que

com ella faz-se-ha a acquisição de um soldado veterano e de bom

Page 127: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

127

comportamento como me consta que sempre foi o mencionado ex-soldado

Barbosa.273

Outros recrutas recorriam ao pedido de isenção, buscando conseguir baixa do serviço

militar, usando das isenções regulamentadas pela Instrução de 1822. Muitos dos pedidos de

dispensa eram elaborados por familiares. De acordo com Maria Adenir Peraro, o recrutamento

atingia o espaço familiar, fazendo com que a ausência do homem levasse mães e filhos a

assumirem as tarefas do lar e no espaço público, como em tabernas, igrejas e campo.274

Os pedidos de isenção eram elaborados por recrutas que alegavam estar amparados pelas

isenções legais, mas que foram recrutados e enviados para assentar praça. Alguns recrutas

conseguiam ser liberados antes mesmo de ser enviados para assentar praça, aproveitando do

tempo oferecido pelo chefe de polícia para comprovar sua isenção. A dificuldade na dispensa

estava nos embaraços em comprovar documentalmente os argumentos utilizados para requerer a

dispensa. Conforme comentado anteriormente, no caso de menores de idade que eram legalmente

isentos, mas com dificuldade em comprovar que eram menores de dezoito anos, num período em

que o documento que poderia ser utilizado era a certidão de batismo, nem todos a possuíam.

A dificuldade em obter a certidão de batismo está relacionada a alguns entraves impostos

pela igreja, como o valor cobrado sobre variados documentos, como no caso da certidão de

batismo, que segundo Quelce Yamashita, custava 1.260 réis no ano de 1850. A cobrança desse

valor não era problema para a elite, mas era motivo de embaraços para a camada mais pobre da

sociedade.275

Os motivos argumentados para a dispensa militar que encontramos eram diversos, entre

os quais o endereçado por João Fernandes Gonçalves, que recorreu para a baixa do filho, o qual

já havia completado o tempo de serviço e que não tinha recebido dispensa. Mas, como reter baixa

era uma prática costumeira, o pedido partiu da argumentação do pai que se declarou dependente

dos cuidados do filho por já ser idoso e quase cego.

273

Carlos Augusto de Oliveira ao presidente da província, em 10 de fevereiro de 1864. Lata 1864 F2. APMT 274

PERARO, Maria Adenir. Op. cit., p. 54 275

YAMASHITA, Quelce. Op. cit., pp.69-70

Page 128: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

128

Illmo. e Exmo. Ser. Levo ás mãos de V. Exª. o presente requerimento, em

que João Fernandes Gonçalves, homem muito pobre, septuagenário e quasi

cego, pede a S. M. o Imperador a Graça de mandar escusar do serviço militar a

seu filho Bernardino da Silva, soldado da Companhia de Pedestres desta

Província. O referido Bernardino tem completado o seu tempo de serviço, como

se vê da inclusa certidão de assentamento de praça; mas à vista dos recrutas

apurados, e seguindo a ordem de antiguidade, não póde esta Presidencia usar da

autorisação que lhe concede o Aviso dessa Secretaria d‟Estado do 1º de Abril de

1848, e he a razão porque o supp. se dirige a S. M. o Imperador.276

Partindo desses argumentos, também foi elaborado o requerimento de Quitéria de Sousa,

requerendo a dispensa do filho, o soldado da Companhia de Pedestre Manoel José de Sousa,

alegando ser viúva, pobre e de idade avançada, além de ter outro filho, José Antonio dos Santos,

como praça no Corpo de Artilharia.277

Dessa forma eram elaborados os requerimentos, partindo

do argumento de alguma das isenções legais estabelecidas pelas Instruções de 1822, ficando ao

cargo do presidente da província se aceitava ou não o pedido.

Em agosto de 1850, o presidente da província João José da Costa Pimentel pediu para

anular o assentamento de praça do soldado do Corpo Fixo de Cavalaria, Manoel de Almeida, cujo

pedido tinha sido endereçado por seu pai, Francisco de Almeida Pereira. De acordo com o

presidente, o pai do recruta provou ser lavrador, casado e com numerosa família, o que lhe dava o

direito de ter um filho a sua escolha para auxiliá-lo.278

Era requerida também pelos familiares a dispensa por poucos dias, para que os praças

pudessem ausentar-se para resolver assuntos familiares ou ajudar a família por um curto período.

276

Augusto Leverger ao ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello, em 14 de julho de 1852.

Correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra. 1850-1852. Livro 113, Est. 06, R. 27, F.07.

APMT.

277 Augusto Leverger ao ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello, em 17 de abril de 1852.

Correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra 1850-1852. Livro 113, Est. 06, R 27, F 07.

APMT 278

João José da Costa Pimentel ao Comandante interino do Corpo Fixo de Cavalaria Ligeira, em 15 de agosto de

1850. Registro de correspondência entre a presidência e os comandantes militares dos diferentes pontos 1849-1851.

Livro 104, R 26, F 06. APMT

Page 129: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

129

Nesse sentido, foi encaminhado o requerimento de Beatriz Gonçalves de Jesus, pedindo sessenta

dias de licença para seu irmão, o soldado do Corpo Fixo de Caçadores José Gonçalves de

Oliveira, para ajudá-la a buscar bens no Distrito do Livramento da sua mãe que acabara de

falecer.279

3.2.1 Fronteira: uma opção a deserção

Os soldados, quando não conseguiam isenção, buscaram na deserção uma maneira de dar

continuidade aos seus afazeres cotidianos e, assim, poder retornar ao convívio familiar. Embora

tratados como criminosos e castigados com severidade, os desertores, em sua maioria, eram

homens que tinham uma ocupação e uma família.280

Esses homens eram privados do convívio

familiar, sofriam com a falta de abastecimento de viveres e outros gêneros de primeira

necessidade, precárias acomodações, atraso ou falta do pagamento do soldo, castigos

insuportáveis, abuso de autoridade, trabalho forçado, tempo longo para servir e sem a garantia de

que conseguiriam baixa, devido à dificuldade de recrutamento.

A deserção foi uma das estratégias buscada para evadir do serviço militar, representando

perda de investimento, tempo e dinheiro por parte do Estado, principalmente, no caso de deserção

de voluntários, tendo sido estimulada pela precária condição de vida que os soldados enfrentavam

dentro dos quartéis e dos destacamentos.

A proximidade com a fronteira apresentava-se como uma opção para a deserção, assim

como, uma fonte de preocupação e de dificuldade para os agentes recrutadores. A irrisória

distância dos fortes e das guarnições com a fronteira (quando não era o próprio marco limítrofe)

de outros países, aumentava a possibilidade de fuga e também de não ser capturado, tendo sido

constantemente utilizada, principalmente para a Bolívia.

279

Comando do Corpo Fixo de Caçadores, em 01 de março de 1850. Lata 1850 A. APMT 280

NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “Esses miseráveis delinqüentes”: desertores no Grão-Pará setecentista.

CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Org.) Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro:

Editora FGV, 2004.

Page 130: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

130

Uma vez em território vizinho, o desertor ficava fora do alcance da jurisdição do governo

imperial, sendo que dificilmente seria devolvido ao Império, pois não havia acordo de devolução

de fugitivos entre ambos os países. Aconteceu que muitos soldados brasileiros desrespeitaram a

soberania da Bolívia, adentrando em seu território para recapturar escravos e soldados desertores.

Conforme pontuamos no capítulo anterior, quando da reclamação dirigida ao presidente da

província de Mato Grosso, pelo prefeito de Santa Cruz, com relação à entrada de soldados

brasileiros em território boliviano na busca de capturar uma escrava.

Dentre as causas de medo que assombravam as autoridades imperiais, desde o período

colonial, é que os desertores pudessem passar informações sobre o estado da fronteira e das

guarnições para os países vizinhos. O que era feito pelo governo imperial, que buscava conseguir

com os desertores informações sobre os preparativos de guerra e a ocupação da fronteira.

A deserção para a Bolívia era algo comum, não só entre os soldados, mas entre escravos,

devedores ou outras pessoas que buscavam meios para fugir e para procurar uma nova

oportunidade de encaminhar suas vidas. Essa prática era facilitada pelo relacionamento

estabelecido entre os habitantes em áreas próximas à fronteira, marcada por mútuo contrabando,

espionagem, fuga de escravos em busca de liberdade, de criminosos, contrabandistas que temiam

serem presos, e, o que nos interessa nesse momento, a fuga de soldados para se livrar do serviço

militar. Esses laços eram, em algumas vezes, estabelecidos para que a fuga fosse concretizada.

Illmo. e Exmo. Ser. Tenho a honra de passar ás mãos de V. Exª. a inclusa

copia authentica do officio que sob nº. 58 e data de 2 do mez proximo passado

dirigio-me oTen. Cor. Commandante do Districto militar e Villa-Maria

participando-me terem-se passado para o território de Bolívia, pelo ponto da

Corixa, dous desertores do Batalhão de Caçadores acompanhados de huma Índia

e hum escravo do Capitão reformado Joaquim Antunes da Fonseca.

O procedimento do presidente, diante dessa situação, é esclarecer porque a fuga para os

países vizinhos era visto como uma opção à deserção: “Não fiz reclamação alguma ao Chefe

Page 131: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

131

Político do Departamento de Santa Cruz de la Sierra, não só porque taes reclamações nunca forão

attendidas, como porque não temos Tratado algum com aquella Republica.”281

Na ausência de um tratado de extradição com os países vizinhos, a devolução de

desertores dependia da boa vontade de cada um dos governos e dos compromissos firmados

periodicamente. Luiza Volpato relata que, no período colonial a devolução de fugitivos, por

vezes, era recíproca entre o domínio espanhol e o português, como no ano de 1772, quando foram

devolvidas num intervalo de menos de dois meses duas remessas em torno de 95 escravos que

haviam fugido para os domínios espanhóis.

A devolução de desertores não era uma situação corriqueira, sendo que ambas as Coroas

buscavam não devolver os indivíduos que haviam adentrado em seu território.282

O episódio

acima apresentado não voltou a acontecer após 1825, pois a Bolívia aboliu o regime escravista, o

que fez com que o Brasil deixasse de valer-se da reciprocidade para recuperar escravos fugitivos.

De acordo com Newman Caldeira, após 1825 não houve nenhum caso de extradição, devolução

ou repatriação de cativos pelo governo boliviano.283

A própria autoridade administrativa local mantinha relações entre si, comunicando com

frequência e pedindo auxílio em algumas situações. No caso de soldados que fugiam para seus

domínios, era enviado um pedido ao comando local para que pudessem capturar os desertores , a

fim de remetê-lo de volta à província. Ao desertar para a Bolívia, o soldado saia da jurisdição

brasileira, não podendo ser capturado por autoridades brasileiras em outro país.

A deserção para a Bolívia ou para o Paraguai também apresentava a possibilidade de

mudança na condição jurídica, pois esses países haviam abolido o regime escravista, sendo que,

um escravo brasileiro ao ingressar na jurisdição desses países deixava de ser considerado como

cativo.

281

Antonio Pedro de Alencastro ao ministro dos Negócios Estrangeiros João Lins Vieira de Sinimbu, em 22 de maio

de 1861. Registro de Correspondência oficial entre a presidência com o Ministério dos Negócios Estrangeiros. 1851-

1870. Livro 124, R 29, F 01. APMT

282 VOLPATO, Luiza R. Ricci. A conquista da terra no universo da pobreza. Op. cit., pp.72-73

283 CALDEIRA, Newman di Carlo. Brasil e Bolívia: fugas internacionais de escravos, navegação fluvial e ajustes de

fronteira (1822-1867) Fronteiras, Dourados, MS. v.11, n.19, pp.249-272. p. 269.

Page 132: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

132

Nas províncias fronteiriças do Império do Brasil, mesmo contra a vontade

dos integrantes da Guarda Nacional, do exército, das autoridades policiais, dos

presidentes de província e, principalmente, dos proprietários de escravos, a

noção de territorialidade atrelou-se à possibilidade de mudança de condição

jurídica a partir da concessão de direitos pelos governos dos países limítrofes.284

O governo boliviano pautava-se no argumento de que a devolução de fugitivos acarretaria

punições aos desertores, utilizando desse argumento para considerar escravos fugitivos como

asilados políticos. A extradição com a Bolívia foi regulamentada quando assinado o Tratado de

Ayacucho em 1867, durante a Guerra do Paraguai. Por se tratar de um período turbulento para o

Brasil, e com a necessidade de definir as fronteiras com a Bolívia, diante do receio de que esse

país viesse se aliar com o Paraguai. As cláusulas do acordo de Ayacucho não trás a preocupação

de devolução de cativos, sendo que, a competência de julgar a viabilidade do pedido de

extradição recaia exclusivamente sobre o Estado que recebesse o pedido:

Dessa forma, a concessão do asilo territorial, bem como da extradição dos

cidadãos emigrados foi deixada em aberto, criando as condições ideais para que

cada parte contratante prestasse a interpretação que melhor atendesse seus

interesses.285

Os praças aproveitavam de algumas oportunidades que surgiam, principalmente quando

designados para alguma função próxima da fronteira, como foi o caso de Antonio José Duarte,

soldado do Corpo de Caçadores, que ao ser designado para ir ao destacamento da Corixa,

aproveitou a proximidade com a Bolívia para desertar para esse país.

Participo a V. Exª que no dia 6 do corrente desertou o soldado do Corpo

de Caçadores Antonio José Duarte, estando destacado nas Lages e como o Cabo

mandou o dito trazer-me huma parte onde elle era cumpre lanço-a fora, e

284

Ibidem, p.257. 285

Ibidem, p.268

Page 133: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

133

apresentou-se dizendo-me que o Cabo mandava buscar tinta e papel, que não

havia nenhuma, e nesse noute entrou para os estrangeiros vizinhos deste ponto,

mandei procurar e achou-se os vestígios ter tomado essa direção.286

Os soldados brasileiros desertavam para os países vizinhos, na província de Mato Grosso,

mas também apareciam desertores bolivianos e paraguaios. Em setembro de 1864, o paisano João

Gabriel Alves encontrou nos arredores da Colônia Militar de Dourados dois paraguaios que

diziam ser soldados desertores, um por nome de Santiago Ossuna e o outro Felisberto Gayoso,

alegando terem desertado da Vila de São Pedro.287

Illmo. e Exmo. Ser. Tenho a honra de passar ás mãos de V. Exª. a inclusa

copia de hum officio que sob o nº 175 e data de 12 do corrente dirigio-me o

Tenente Coronel Commandante do Districto Militar do Baixo Paraguay, dando

parte de haverem-se apresentado no Forte de Coimbra, donde forão remettidos

para a Povoaçao de Albuquerque (hoje mais conhecida como Corumbá) dous

soldados Paraguayos, que desertarão do Forte Olimpo. Não havendo Tratado de

extradição entre o Império e a Republica do Paraguay, constando-me que o seo

Governo nunca restituio os escravos e desertores desta Provincia que alli se tem

refugiado, não tendo ainda chegado ao meu conhecimento reclamação alguma a

respeito dos dous de que agora trato, e não parecendo, entretanto conveniente a

sua permanência náquela fronteira acaba de ordenar ao mencionado Command.

que na primeira opportunidade os remetta para esta Capital, a fim de terem o

destino que o Governo Imperial houver de determinar, pagando-se pela

Thesouraria de Fazenda a despeza que se fizer com o seo tratamento. O que

levo, como me cumpre, ao conhecimento de V. Exª., esperando que se digne dar-

me as instruçções que julgar convenientes para este caso e outros semelhantes

que por ventura ocorrão.288

286

Quartel do ponto da Corixa Tenente Comandante Tristão de Mello e Cunha ao Capitão Lúcio Ribeiro de Almeida

Raposo, em 11 de abril de 1850. Lata 1850 C. APMT 287

Colônia militar de Dourados, em 30 de setembro de 1864. Lata 1864 F2. APMT 288

Herculano Ferreira Penna ao ministro dos Negócios Estrangeiros Benevinuto Augusto de Magalhães Taques, em

22 de maio de 1862. Registro de Correspondência oficial entre a presidência com o Ministério dos Negócios

Estrangeiros. 1851-1870. Livro 124, R 29, F 01.

Page 134: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

134

Nesse contexto, conseguir fugir para outros países era ter a garantia de que não seria

novamente capturado para o serviço militar, embora tivesse que se manter distante da família e

do meio social em que viviam. Nesse caso, aqueles que procuravam desertar-se para retornar ao

convívio familiar não optavam por fugir para os países vizinhos da província, mas para

localidades próximas a capital.

3.2.2 Reduto de desertores

As autoridades dispunham apenas das características físicas para identificar o desertor,

cujas informações passaram a serem escritas na ficha quando assentavam praça, como meio de

manter um maior controle e facilitar a identificação de desertores. Esses dados pessoais são

formais, pois foram regulamentados pelo Aviso do Ministério da Guerra de 7 de fevereiro de

1845, trazendo informações como filiação, nome, estado civil, idade. Segundo podemos perceber

da descrição feita na ficha do recruta Manoel Francisco Geraldo:

Filho de Geraldo Corrêa d‟ Abres, natural da Cidade de Poconé Província

de Mato Grosso, que nasceo em mil oitocentos quarenta e seis, cabellos grenhos,

olhos pardos, sem officio, solteiro e com sessenta pollegadas de altura.289

A prisão de um desertor também era dificultada pelo fato de que o deslocamento de um

ponto para o outro dentro da província era muito difícil e demorado, devido às precariedades nas

vias de comunicação, favorecendo aos desertores em morar e levar uma vida nas freguesias

próximas à capital. De acordo com Oswaldo Machado Filho, as autoridades viam nas regiões que

circundavam a Cuiabá um reduto de desertores, sendo que, algumas regiões eram mais famosas

289

Quartel do Comando do Batalhão de Caçadores de Mato Grosso, em Vila Maria. Lata 1864 A1. APMT

Page 135: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

135

por oferecer abrigo a desertores, como as freguesias da Guia, Diamantino, Brotas, Rosário,

Chapada, Poconé, Vila Maria e Livramento.290

Mapa II – Freguesias conhecidas como reduto dos desertores no século XIX

Fonte: elaborado a partir de YAMASHITA, Quelce dos Santos. Op. cit., p.36.

As rondas realizadas pelos encarregados do recrutamento eram aproveitadas na captura de

desertores, criminosos e escravos que viviam pela redondeza da capital.

290

MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. cit., p.303

Page 136: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

136

Constando-me existir no lugar denominado Capão redondo, doze léguas

mais ou menos distante desta Cidade, grande numero de escravos fugidos,

desertores e criminosos; e sendo de necessidade captural-os; rogo a V. Exª. se

digne mandar pôr a minha disposição uma força de quinze a vinte praças,

Commandadas por um Official de confiança para effectuar-se essa diligencia.291

A ronda exposta na citação acima foi realizada no mês de agosto de 1864, quando

conseguiram capturar vários desertores, inclusive no Capão Redondo, lugar mencionado pelo

chefe de polícia, onde foram presos os soldados desertores Benedicto Antonio da Costa Nunes do

Batalhão de Caçadores e Sebastião Nunes da Silva do Corpo de Cavalaria. Na ronda também foi

capturado mais três desertores no sítio Lages: Francisco José dos Santos e Salvador Soares da

Silva do 2º Batalhão de Artilharia a pé e Claudino Manoel de Arruda do Batalhão de

Caçadores.292

Após ser realizado o recrutamento, os comandantes dos corpos de guarnição

tinham de enviar ao comandante das armas, em Cuiabá, os atestados de apreensão de recrutas,

desertores e voluntários, para que fosse realizado o pagamento das gratificações dos

recrutadores.293

Cabia aos encarregados também prender desertores, escravos e criminosos fugitivos.

Capturar desertores e conseguir preencher a cota de recrutas era um desempenho considerado

louvável pelo Comandante das Armas da província de Mato Grosso, função que foi

desempenhada pelo encarregado do recrutamento Sabino Fernandes de Souza, que durante a

ronda conseguiu prender vários desertores e aumentar o efetivo do Exército:

O Coronel Commandante das Armas tem a satisfação de louvar ao Senr.

2º Tenente do 2º Batalhão d‟ Artilharia a pé Sabino Fernandes de Souza pelo

bem que desempenhou a commissão de que fora ultimamente encarregado pelo

Senr. Dr. Chefe de Policia, trazendo presos a esta Capital nove desertores do

Exercito, um criminoso e um escravo fugido; serviço este devidamente

apreciado pelo Exmo. Senr. General Presidente da Província.294

291

Secretaria da Polícia em Cuiabá, 29 de julho de 1864. Lata 1864 A1. APMT 292

Ordem do dia 238 de 13 de agosto de 1864. Lata 1864 E1. APMT 293

Quartel do Comando das Armas de Mato Grosso, em Cuiabá em 17 de agosto de 1864. Lata 1864 E1. APMT 294

Ordem do Dia 01 de outubro de 1864. Lata 1864 A1. APMT

Page 137: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

137

Os recrutas que desertavam procuravam de várias formas camuflar sua condição de

desertor, apresentando-se como camaradas em propriedades rurais ou mesmo nas matas na

extração de poaia, pastoreio de gado etc. Seja vivendo próximo das povoações, adentrado as

fronteiras ou procurando abrigo nos quilombos. Os soldados procuravam evadir-se do controle

das autoridades militares, estabelecendo laços que ajudavam na convivência do dia a dia.

Quando ingressavam no Exército, os soldados adquiriam conhecimento de porte de armas

e por mais restrito que fosse esse conhecimento militar, ao ser levado aos quilombos pelos

desertores servia para seu fortalecimento e para sua resistência. Entre os que desertavam, muitos

acabavam carregando os armamentos e colocando-os a disposição dos novos companheiros.295

No século XIX existiam vários quilombos na província de Mato Grosso que eram

conhecidos pelas autoridades: Sepotuba, Roncador, Jangada, Serra Dourada e Rio Manso.296

O

quilombo era um mecanismo de luta adotado pelos cativos, uma forma de ação planejada diante

do contexto inserido, o que demonstra o posicionamento ativo de ações políticas de luta negra

frente ao regime de escravidão, pois “demonstram como os negros podiam se organizar e,

principalmente, como podiam cooptar outros grupos descontentes no interior do sistema

escravista, como é o caso de desertores e fugitivos.”297

A presença de soldados nos quilombos era forte porque eram organizados nas imediações

da capital, estabelecendo laços com os escravos que fugiam do cativo. Segundo Adiléa

Delamônia, os quilombolas mantinham uma interrelação com os habitantes da cidade, como no

caso do quilombo do Rio Manso, onde havia uma dependência dos habitantes e dos comerciantes

da cidade com relação ao fornecimento feito pelos quilombolas de gêneros de primeira

necessidade, como “farinha, mel, caça, frutos silvestres, peixes, rapadura”. Tal prática demonstra

como os quilombolas “sabiam administrar as relações que desenvolviam fora de seus limites, e

295

VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do sertão. Op. cit., p.64 296

Ibidem, p.186 297

DELAMÔNICA, Adiléa Benedita. A “cor do medo” e seus vários significados. Os quilombos mato-grossenses do

rio Manso (1850-1888). In: BORGES, F. T. de M; PERARO, M. A. Sonhos e pesadelos na História. Ed.UFMT,

2006. p.123

Page 138: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

138

através desse intercâmbio, adquiriam utensílios necessários para manter-se, e armamentos para

enfrentar os ataques das milícias.”298

A deserção, a aversão ao serviço militar e a falta de meios materiais, estabelecia limites à

aplicação de uma disciplina rígida. Esse afrouxamento da disciplina tornava o serviço nas fileiras

do Exército mais tolerável. Segundo Fábio Faria Mendes, a deserção era, por vezes, considerada

inevitável pelas autoridades militares, o que pode ser considerado, devido às inúmeras anistias

concedidas a desertores, que “emerge como um elemento de negociação contínua a respeito das

condições de existência e formas de autoridade nas guarnições.” 299

No ano de 1846, o governo publicou um decreto perdoando a todos os desertores, desde

que não tivessem cometido outros crimes, buscando fazer com que os desertores retornassem ao

serviço militar, pedindo às autoridades provinciais para fixar na igreja Matriz de cada freguesia

uma cópia do decreto para divulgar em todos os lugares essa decisão. Essa medida procurava

arregimentar de volta ao serviço militar àqueles que procuraram na deserção uma opção ao

serviço militar.

Hei por bem, usando do Poder Moderador, Perdoar aos reos da primeira

deserção, e aos de segunda simples d‟ Armada, e dos Corpos de Imperiais

Mariheiros, e da Artilharia da Marinha, condennados, ou em processo, bem

como aos que se acharem ausentes, e se apresentarem dentro de tres mezes,

depois da publicação do presente Decreto, nas Províncias, e Estações Marítimas

do Império.300

O Conselho Supremo Militar concedia perdão aqueles desertores que se apresentassem

voluntariamente, deste que não tivesse cometido outros crimes. As privações da vida e as

dificuldades enfrentadas pelo desertor faziam com que muitos retornassem para terminar o tempo

de serviço, pedindo perdão pelo crime de deserção.

298

DELAMÔNICA, Adiléa Benedita. Op. cit., p.131 299

MENDES, Fábio Faria. Op. cit., p.43 300

Decreto nº. 483 de 15 de novembro de 1846. Coleção de Leis do Império do Brasil.

Page 139: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

139

Communicando a V. Exª. o se haver apresentado espontaneamente o

soldado desertor do 2º Batalhão d‟ Artilharia a pé Roberto Antonio do Rego,

communico igualmente a V. Exª. o tel-o mandado soltar, na forma das Ordens de

V. Exª. por se achar o dito soldado comprehendido no Indulto Imperial de 15 de

Agosto do corrente anno, em conseqüência de ser o seo crime o de 1ª deserção

simples virificado pelo relatório de prevenção remettido pelo mencionado

Batalhão a Secretaria [...]301

No caso dos desertores que eram capturados, os mesmos eram presos e submetidos ao

conselho de Guerra para responderem pelo crime de deserção:

Communico a V. Exª. que o Soldado da Companhia de Artífices

Veríssimo Rodrigues, que se achava desertado desde 3 de Agosto do anno

passado, foi hoje capturado e recolhido ao Xadrez para responder a conselho de

Guerra pelo crime de 1ª deserção simples.302

Muitos desertores quando capturados, por medo de serem submetidos a severos castigos,

acabavam por desertar novamente, como é o caso de Augusto Antonio do Nascimento, preso pelo

crime de 5ª deserção agravada. Outros casos, como o de Candido Bernardo, solto em maio de

1851, após ter cumprindo seis anos de trabalho público pelo qual foi condenado por crime de 3ª

deserção simples, após desertar por três vezes e ser capturado novamente, acabava por cumprir a

pena que lhe fora designada.303

Essas situações deixavam as autoridades sempre com a suspeita

de que o desertor poderia vir a fugir novamente.

Communicando a V. Exª. o revoltante procedimento dos Soldados do 2º

Batalhão d‟ Artilharia a pé, addidos ao destacamento de Caçadores estacionado

301

Quartel do Comando da Guarnição da Cidade de Cuiabá, em 12 de dezembro de 1864. Lata 1864 A1. APMT 302

Quartel do Comando da Guarnição da Capital Luis Francisco Henrique ao presidente da província Alexandre

Manoel Albino de Carvalho, em 16 de novembro de 1864. Lata A1. APMT.

303 Augusto Leverger ao Diretor do Arsenal de Guerra. Registro de correspondência entre a província e os

comandantes militares 1851-1852. Livro 116, R. 28, F.01. APMT

Page 140: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

140

nesta Capital = Salvador Soares da Silva e Feliciano José do Espírito Santo,

ambos soltos a 3 do corrente por se acharem comprehendidos no Indulto

Imperial de 15 de Agosto de 1864; o primeiro pelo crime de segunda deserção

simples e o segundo pela de primeira deserção simples, communico igualmente

que havendo os ditos Soldados de novo desertado qualificando o de nome

Salvador = 3ª deserção = e o de nome Feliciano = 2ª simples = mandei proceder

nos termos da Provisão de 10 de Abril de 1843 a inquisição necessária ao

Conselho de Disciplina que tem de ser feito por nomeação do Commandante do

respectivo Batalhão para servir de base ao Conselho de Guerra que tem de

proceder-se a respeito de um dos ditos soldados que já se acha recolhido ao

Xadrez por ter sido capturado.304

O desertor que se encontrava preso era Feliciano José, preso pelo crime de 2ª deserção

“que no acto da prisão recebeo leves ferimentos por haver recusado entregar-se, e tendo chegado

a esta cidade as 11 horas da noite, nessa mesma hora foi recolhido ao seu quartel.”305

Esses “leves

ferimentos” eram cometidos com frequência, sendo que os desertores costumavam serem

conduzidos com os pés acorrentados. Alguns praças chegavam a dirigir queixas ao presidente da

província sobre os castigos severos aos quais eram submetidos, como foi o caso do soldado do

corpo de Artilharia Constantino José Cardoso que enviou um requerimento “queixando-se das

violências que tem soffrido por occasião do seu processo pelo crime de sedição.”306

Em novembro de 1863, o soldado desertor do Batalhão de Caçadores Primo, Eustáquio

Ribeiro dos Guimarães foi preso pelo roubo de gado na Fazenda Nacional de Casalvasco, fato

que já comentamos no capítulo anterior. Ao ser preso, Eustáquio foi enviado à prisão na capital

para ser julgado pelo Conselho de Guerra pelo crime de deserção agravada, mas o julgamento

não aconteceu, pois pouco tempo depois de ser preso, Eustáquio recorreu novamente à deserção,

evadindo-se da prisão em fevereiro do ano seguinte.307

Para conseguir evadir-se da prisão,

Eustáquio contou com a ajuda dos praças que se achavam de guarda na noite em que fugiu,

resultando na tomada de providencias pelo Comandante das Armas para que o praça que estava

de guarda respondessem ao processo por facilitar a fuga de preso.

304

Quartel do Comando da Guarnição da Cidade de Cuiabá, em 21 de dezembro de 1864. Lata 1864 A1

305 Lata 1864 E1. APMT

306 Registro de correspondência oficial da presidência com o Ministério da Guerra 1853-1855. Livro 135. APMT

307 Carlos Augusto de Oliveira ao presidente da província Alexandre Manoel Albino de Carvalho, em 23 de fevereiro

de 1864. Lata 1864 F1. APMT

Page 141: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

141

Encontramos no período analisado vários casos de praças que facilitava a fuga de presos,

oferecendo a oportunidade de conseguir livrar-se de possíveis castigos pelos crimes praticados.

Por vezes, os praças de guarda de presos acabavam por evadir-se junto, tornando-se também

desertores, como foi o caso de Benedicto Cardoso que facilitou a fuga dos presos condenados a

galés José de Oliveira Porto e Agostinho da Silva Jarde, que estavam presos na prisão do Arsenal

de Guerra, aproveitando para fugir junto.308

Esse foi o caso também do soldado do 2º Batalhão de

Artilharia a pé José Luiz de Azevedo, que era responsável por vigiar os presos que cumpriam

pena prestando serviços braçais no cemitério, o mesmo fugiu junto com o preso pelo qual era

responsável por vigiar.309

Nesse sentido, há registros de que não era apenas para fugir que contavam com a

cumplicidade de outros homens, mas na vida cotidiana, estabelecendo laços importantes para

garantir a sobrevivência. Quando Eustáquio realizou o roubo de gado de Casalvasco, agiu

acompanhado de Ângelo Mariano Penha (boliviano) e de Simão (indígena), sendo que ambos

conseguiram lograr-se e fugir, indo preso somente o praça desertor.

A fuga era vista por muitos soldados como a melhor opção de retorno à liberdade, frente à

vida de privações que era oferecida no Exército. Esses laços ajudavam desertores a retornarem ao

convívio social e tornar as dificuldades e os embaraços do cotidiano mais fácil de suportar. Esses

buscavam conduzir suas vidas à margem das ações do Estado, que via no envio de livres ou

pobres uma forma de abastecer o Exército de homens, para realizar a defesa da província e ao

mesmo tempo tirar de circulação indivíduos que não faziam parte do processo de reorganização

do espaço social.

308

Registro de correspondência da presidência e os comandos militares 1851-1852. Livro 113 Est. 06, R.27, F07.

APMT 309

Secretaria do Arsenal de Guerra em Cuiabá ao presidente da província Alexandre Manoel Albino de Carvalho, em

9 de abril de 1864. Caixa 1864. APMT

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142

CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] foi invadido o Districto do Baixo Paraguay por huma

esquadrilha de vapores paraguayos, conduzindo força

mais que decupla da diminuta guarnição, que,

disseminada por diversos pontos, era apenas sufficiente

para a policia do mesmo Districto em tempo de plena

paz.310

Augusto Leverger, em outubro de 1865.

A facilidade com que as tropas paraguaias adentraram ao sul da província de Mato Grosso

(terreno litigioso entre o Brasil e o Paraguai) expõe a fragilidade militar brasileira em realizar a

defesa de seu território e demonstra também a permanência dos problemas na organização e na

mobilização do Exército que pontuamos no decorrer deste trabalho.

Apesar da tentativa de mobilização empreendida pelos presidentes da província de Mato

Grosso, diante da constante alerta de invasão por parte do Paraguai, as dificuldades e os

embaraços faziam com que pouco pudesse ser feito para amenizar a situação da província.

Alertavam que a província estava vulnerável a uma possível invasão paraguaia e não possuía

recursos locais para impedir uma investida do país guarani. A não delimitação de fronteiras e o

desentendimento quanto a um acordo entre os dois países deixou os governantes da província

sempre com desconfiança das intenções paraguaias.

A defesa da província de Mato Grosso era precária, tendo todos os pontos militares mal

guarnecidos, embora considerados estratégicos do ponto de vista militar. A força militar era

310

RELATÓRIO do Vice-presidente da Província de Mato Grosso, Chefe de esquadra, Augusto Leverger, na

abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial em 17 de outubro de 1865. Cuiabá, Typ. de Souza

Neves etc, 1865. p.5

Page 143: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

143

insuficiente para realizar a defesa da extensa fronteira dessa província, por falta de homens, de

instrução militar, material bélico adequado, entre outros problemas que não eram específicos a

essa província, mas comum a todas as províncias do Império.

A análise que desenvolvemos pontua que a defesa da província de Mato Grosso, no

período que antecede a Guerra do Paraguai, foi depositada nas mãos de indivíduos considerados

pela elite política como socialmente indesejáveis, que eram recrutados a força, encaminhados aos

quartéis e ao destacamento sem preparação militar ou mesmo sem interesse pelo serviço militar.

E, essa situação não sofreu mudanças significativas naquele período, sendo comum a todas as

localidades do território nacional.

As reclamações quanto à insuficiência de efetivos militares e às dificuldades em mobilizar

homens para servir nas fileiras do Exército foram uma constante. O número de praças mais

elevado estabelecido pelo Parlamento no período analisado foi de aproximadamente dezenove

mil homens no ano de 1856, sendo que as capacidades militares desse período ultrapassaram

pouco mais de quatorze mil praças.

Durante a primeira metade do século XIX, o alto oficialato do Exército era

majoritariamente ocupado por membros da aristocracia, aproveitando de privilégios para acesso

rápido ao oficialato militar. Após assumir o governo no final de 1848, os conservadores

aprovaram várias medidas para organizar as forças armadas, entre as quais foram estabelecidas

regras para regulamentar o acesso ao oficialato de diferentes armas. Essas reformas de 1850 abriu

caminho para o início da profissionalização do Exército, onde a meritocracia veio substituir os

privilégios aristocráticos de acesso à carreira, principalmente após os militares retornarem da

Guerra do Paraguai.

Assim, houve mudança na forma de acesso ao oficialato, privilegiando a

profissionalização. Essas reformas faziam parte das estratégias políticas em ter um Exército com

o mínimo de organização possível, a fim de defender seus interesses quanto à proteção do

território brasileiro, no momento em que o Brasil buscava defender suas pretensões territoriais e

demarcar as fronteiras com os países vizinhos.

O Exército era organizado em diferentes armas, sendo uma parte de força móvel e outra

parte de força fixa. As formas de preenchimento das fileiras do Exército eram variadas, utilizando

Page 144: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

144

da contratação de mercenários e deslocamentos de Guardas Nacionais, como de voluntariado,

engajamento e recrutamento forçado. Entre esses recursos, o que predominou durante o século

XIX foi o recrutamento forçado, sendo iniciado após o término do período destinado à chamada

de voluntários. A quantidade de homens a ser recrutados variava de acordo com a necessidade de

reposição das fileiras e as conjunturas políticas.

Como se trata de uma sociedade escravista, o escravismo imprimiu suas bases para

dificultar ainda mais o sistema de recrutamento e a formação de efetivos do Exército. O serviço

na Guarda Nacional também constituiu-se numa rede de proteção legal contra o recrutamento e

isentando seus membros do serviço ativo no Exército. As isenções imprimiam um

direcionamento ao recrutamento, restringindo o serviço militar àqueles que não contavam com

apadrinhamento.

A prioridade do governo imperial com a província de Mato Grosso era a defesa da

fronteira oeste. A província de Mato Grosso estava localizada numa região litigiosa, sendo que as

áreas fronteiriças do Brasil com a Bolívia e o Paraguai só foram delimitadas na segunda metade

do século XIX. As tensões geradas pelas discussões quanto a não delimitação de tratados de

limites e ao acordo de livre navegação deixaram a relação entre esses países tensa e o governo

brasileiro em constante alerta.

Embora a província estivesse vulnerável em toda a sua extensão, a preocupação principal

do governo era com a fronteira sul da província, divisa com a República do Paraguai. A essa

localidade fora destinado um maior número de homens e recursos da província.

Os meios para serem empregados na defesa, fossem soldados ou recursos materiais, eram

escassos. O Exército nessa província, assim como nas demais províncias do Império, sofria com a

falta de homens e com a falta de recursos materiais considerados adequados para atender as

necessidades de defesa.

Os praças para servirem nas fileiras do Exército eram recrutados entre homens da

localidade. A quantidade de homens para a guarnição da província de Mato Grosso era

determinada anualmente por meio a um Aviso Circular expedido pelo Parlamento, variando em

torno de 1.500 a 2.000 praças para todo o período analisado. O período que a quantidade

ultrapassou 1.500 praças foi a partir da negociação com o Paraguai em 1856.

Page 145: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

145

Além de serem poucos, os praças que eram enviados as fileiras do Exército eram mal

preparados, sendo recrutados sem experiência ou treinamento militar. Os homens empregados no

serviço militar também eram retirados de suas funções para serem empregados em outras

atividades, o que contribuirá para afetar o andamento e o treinamento militar, a exemplo,

trabalhava em serviço de policiamento, serviço de correio, corte de lenha, construções de pontes,

reparos nos edifícios militares e na abertura de estradas. Esses praças sofriam com a falta de

pagamento do soldo, alimentação precária, má condição de alojamento, falta de fardamento e

vestimenta, problema comum nos diversos pontos militares da província de Mato Grosso.

Diante da quantidade diminuta de praças, em diversos momentos os guardas nacionais

foram chamados para auxiliar o Exército na atividade de defesa, inclusive deslocando-se para

destacamentos na fronteira. Isso foi algo constante, variando o número de destacados em torno de

50 a 100 guardas, sendo que essa quantia triplicou entre 1856 a 1858. Em sua maioria, esses

praças eram destacados para o serviço de policiamento da capital e na guarnição da fronteira com

a Bolívia, sendo os praças do Exército dessas localidades deslocados para a fronteira do Baixo

Paraguai.

Quanto à mobilização militar, as principais reclamações dos encarregados eram

relacionadas aos embaraços que as isenções ofereciam para o procedimento do recrutamento,

fazendo com que não fosse completado o contingente militar atribuído a cada freguesia para

atender as necessidades militares da província.

As vantagens oferecidas aos que se apresentassem voluntariamente para serviço militar

conseguiam atrair uma quantidade até significativa de homens para as fileiras do Exército, mas

não era o suficiente para completar seu contingente. Essas vantagens atraiam aqueles que

estavam na mira do recrutamento ou aqueles que percebiam que não teriam como escapar ao

serviço militar e, para amenizar sua situação, se apresentavam voluntariamente buscando usufruir

das vantagens adicionais oferecidas aos voluntários.

Aqueles que se apresentavam voluntariamente tinham como vantagem a redução do

tempo de serviço. Um recrutado assentava praça para servir por oito anos, o voluntário por seis

anos e o engajado por quatro anos. Mas aqueles que se engajavam para servir nas colônias

militares tinham o tempo de serviço reduzido pela metade.

Page 146: O Execito Nas Fronteiras Do Imperio - Ana Claudia MArtins Dos Santos

146

O governo imperial utilizou a prática de recrutar indivíduos indesejados no meio social,

considerados perigosos, buscando enviá-los para servir na guarnição de algum ponto da fronteira.

Tal procedimento era adotado como forma de disciplinar e ao mesmo tempo completar a

guarnição militar para a defesa da fronteira. Assim, os agentes recrutadores aproveitavam do

movimento das ruas para poder prender indivíduos que praticavam pequenos delitos, ou mesmo

pela intenção de buscar completar a cota de efetivos. Mesmos aqueles indivíduos considerados

legalmente isentos, como os escravos e menores de idade, foram alvo dos recrutadores para

completar a cota de efetivos.

A maneira como era procedida o recrutamento através da violência, o longo período em

que ficava prestando serviço militar, a distância da família, principalmente, em se tratando de

uma província fronteiriça como Mato Grosso, fazia com que aumentasse a repulsa pelo serviço

militar. Foram inúmeras as estratégias de fuga e resistência usadas pelos recrutas para escapar do

serviço militar, como a falta de cooperação, desacato as ordens, insubordinação, pedido de

isenção, substituição, deserção.

A província de Mato Grosso, por estar em uma situação de fronteira com a Bolívia e com

o Paraguai, fazia com que parte significativa da força de linha fosse deslocada para fazer o

serviço de guarnição nos diversos pontos das fronteiras, ficando os militares afastados das

cidades e do convívio familiar. Nos pontos de guarnição na fronteira, a condição de vida dos

militares era ainda mais precária, tanto em relação ao alojamento quanto à alimentação precária e

à condição insignificante de armamentos que, na sua maioria, eram velhos ou não inexistentes.

Essa situação agravava ainda mais o preenchimento do quadro de homens para o serviço militar,

aumentando a resistência ao recrutamento.

Muitos soldados, quando não conseguiam isenção, buscaram na deserção uma maneira de

dar continuidade aos seus afazeres cotidianos e, assim, poder retornar ao convívio familiar. A

proximidade com a fronteira, principalmente com a Bolívia, apresentava-se como uma opção

para a deserção, sendo que a irrisória distância dos fortes e das guarnições com a fronteira

aumentava a possibilidade de fuga e também de não ser capturado.

Os praças que desertavam procuravam de várias formas camuflar sua condição de

desertor, apresentando-se como camaradas em propriedades rurais ou mesmo nas matas na

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147

extração de poaia, pastoreio de gado etc. Procuravam novas alternativas de sobrevivência, seja

vivendo próximo as povoações ou adentrando as fronteiras ou mesmo procurando abrigo nos

quilombos.

Na província de Mato Grosso os praças tinham a fronteira com outros países como uma

opção a mais para evadir-se do serviço militar, esta foi usada por praças que adentraram pelo país

vizinho em busca de sair da jurisdição brasileira. Situação que preocupava as autoridades, sendo

motivo de reclamações, pois dificultava a captura dos desertores.

Os pontos de guarnição próximos à fronteira nessa província também foi vista como um

lugar para serem enviados os militares que cometiam crimes muito graves ou aqueles que tinham

uma conduta depreciável pelas autoridades militares, funcionavam como uma forma de castigo

exemplar. Estar alistado no serviço militar já não era bem visto, era ainda pior ser deslocado para

servir em uma província fronteiriça, distante da Corte.

Mesmo estando localizado em uma área de fronteira e sendo constante a ameaça de uma

invasão por parte dos países vizinhos, o Exército em Mato Grosso não conseguiu ter uma

organização eficaz frente às necessidades militares, sendo seu efetivo insuficiente para guarnecer

toda a província.

Fica evidente a debilidade de defesa da fronteira, que mesmo com a relação tumultuada

com o Paraguai, país que ameaçava invadir a parte sul da província, e que em vias de fato veio a

acontecer, em dezembro de 1864, naquele momento o Brasil não contou com uma força armada

capaz de atender as suas necessidades de defesa.

A debilidade de mobilização militar para realizar a defesa da província é um problema

que não ficou restrito a província de Mato Grosso, mas como pudemos analisar no decorrer das

leituras realizadas e comentários dos ministros da Guerra, era um problema comum as demais

províncias do Império. Pelo que podemos perceber, essa debilidade está presente antes do inicio

da Guerra do Paraguai, perpassa esse conflito e continua sem ser resolvido. Mas esse é um

assunto que ainda requer pesquisa.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

ARQUIVO PÚBLICO DE MATO GROSSO – APMT

Livros de Correspondências (086, 104, 113, 116, 119, 122, 123, 124, 128, 135, 137, 151, 164,

173, 190, 194, 210, 219)

Latas 1850 “A” a 1864 “F2”– Documentos Avulsos

COLEÇÃO DE LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL – http://www2.camara.gov.br

Decreto de 13 de outubro de 1837.

Decreto nº. 483 de 15 de novembro de 1846.

Decreto nº. 562 de 18 de novembro de 1848.

Lei nº. 585 de 06 de setembro de 1850.

RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA GUERRA – http://www.crl.edu/brazil/ministerial/guerra

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149

RELATÓRIO apresentado a Assembleia Geral Legislativa na décima sessão da nona legislatura

pelo Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra Marquês de Caxias. Rio de Janeiro, Tpy.

Laemmert, 1856.

RELATÓRIO apresentado a Assembleia Geral Legislativa da primeira sessão da décima

legislatura pelo Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra, Marquês de Caxias. Rio de

Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1857.

RELATÓRIO apresentado a Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima primeira

legislatura pelo Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra Marquês de Caxias. Rio de Janeiro,

Tpy. Laemmert, 1861.

RELATÓRIO apresentado a Assembleia Geral Legislativa da terceira sessão da décima primeira

legislatura pelo Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha

Jordão. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1863.

RELATÓRIO apresentado a Assembleia Geral Legislativa da primeira sessão da décima segunda

legislatura pelo Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra, João Manoel de Mello. Rio de

Janeiro: Typ. Laemmert, 1864.

RELATÓRIO DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO –

http://www.crl.edu/brazil/provincialmato_grosso

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o capitão de fragata Augusto

Leverger, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial em 10 de maio de

1851. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1852.

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o Capitão de Mar e Guerra Augusto

Leverger, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial, em 3 de maio de

1852. Cuiabá: Typ. do Echo Cuiabano, 1853.

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RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o capitão de mar e guerra Augusto

Leverger, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial em 3 de maio de

1854. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1854.

OFÍCIO de Augusto Leverger dirigido ao Sr. Tenente Coronel Albano de Souza Osório 1º Vice-

Presidente da Província, ao transmitir a Presidência da mesma, em 1º de Abril de 1857.

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o chefe de divisão Joaquim Raimundo

de Lamare, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Provincial em 3 de maio de 1858.

Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1858.

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o Coronel Antonio Pedro de

Alencastro, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial, em 3 de maio

de 1860. Cuiabá: Typ. da Voz da Verdade, 1860.

RELATÓRIO do Presidente da Província de Mato Grosso, o Coronel do Corpo de Engenheiros

Antonio Pedro de Alencastro, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa

Provincial, em 3 de maio de 1861. Typ. da Voz da Verdade, 1861.

RELATÓRIO do Vice-presidente da Província de Mato Grosso, Chefe de esquadra, Augusto

Leverger, na abertura da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial em 17 de outubro

de 1865. Cuiabá, Typ. de Souza Neves etc, 1865.

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