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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018. O EXERCÍCIO CONJUNTO E COMPLEMENTAR DA GUARDA PELA FAMÍLIA EXTENSA Paula Coimbra Alves* RESUMO: O presente artigo busca desenvolver uma análise do exercício da guarda compartilhada pela família extensa, ressaltando o caráter complementar desta nova modalidade de arranjo familiar superando o aspecto exclusivamente substitutivo previsto na legislação estatutária. Parte-se da verificação de que a família extensa exerce um papel de grande relevância na sociedade brasileira em virtude das alterações sofridas pelas exigências da vida moderna, bem como em razão da omissão estatal em garantir o acesso aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. O exercício conjunto pela família extensa tem como fundamento os princípios do superior interesse da criança e do adolescente e a solidariedade familiar, além de se pautar em uma interpretação sistemática das normas jurídicas. Palavras-chave: Família extensa. Guarda compartilhada. Princípio da solidariedade familiar. Superior interesse da criança e do adolescente. ABSTRACT: This article seeks to develop an analysis of the exercise of shared guard by the extended family, highlighting the complementary nature of this new modality of family arrangement, surpassing the exclusively substitutive aspect established in the Brazilian child and adolescent right act (ECA). It is based on the verification that the extended family plays a very important role in Brazilian society due to the changes undergone by the demands of modern life, as well as the State's failure to guarantee access to the fundamental rights of children and adolescents. The joint exercise by the extended family is based on the principles of the superior interest of the child and the adolescent and family solidarity, besides being based on a systematic interpretation of the legal norms. Keywords: extended family; shared guard; principle of family solidarity; superior interest of the child and adolescent. Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos gerais do instituto guarda. 3 A guarda compartilhada. 4 O conceito de família extensa a partir da análise das atuais configurações familiares. 5 A guarda complementar exercida pela família extensa. 6 Considerações Finais. Referências Bibliográficas. * Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito da Infância e Juventude pelo Instituto de Educação e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro IEP/MPRJ.

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

O EXERCÍCIO CONJUNTO E COMPLEMENTAR

DA GUARDA PELA FAMÍLIA EXTENSA

Paula Coimbra Alves*

RESUMO: O presente artigo busca desenvolver uma análise do exercício da guarda

compartilhada pela família extensa, ressaltando o caráter complementar desta nova

modalidade de arranjo familiar superando o aspecto exclusivamente substitutivo previsto na

legislação estatutária. Parte-se da verificação de que a família extensa exerce um papel de

grande relevância na sociedade brasileira em virtude das alterações sofridas pelas exigências da vida moderna, bem como em razão da omissão estatal em garantir o acesso aos direitos

fundamentais das crianças e dos adolescentes. O exercício conjunto pela família extensa tem

como fundamento os princípios do superior interesse da criança e do adolescente e a

solidariedade familiar, além de se pautar em uma interpretação sistemática das normas

jurídicas.

Palavras-chave: Família extensa. Guarda compartilhada. Princípio da solidariedade familiar. Superior interesse da criança e do adolescente.

ABSTRACT: This article seeks to develop an analysis of the exercise of shared guard by the extended family, highlighting the complementary nature of this new modality of family

arrangement, surpassing the exclusively substitutive aspect established in the Brazilian child

and adolescent right act (ECA). It is based on the verification that the extended family plays a

very important role in Brazilian society due to the changes undergone by the demands of

modern life, as well as the State's failure to guarantee access to the fundamental rights of

children and adolescents. The joint exercise by the extended family is based on the principles of the superior interest of the child and the adolescent and family solidarity, besides being

based on a systematic interpretation of the legal norms.

Keywords: extended family; shared guard; principle of family solidarity; superior interest of

the child and adolescent.

Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos gerais do instituto guarda. 3 A guarda compartilhada. 4 O

conceito de família extensa a partir da análise das atuais configurações familiares. 5 A guarda complementar exercida pela família extensa. 6 Considerações Finais. Referências

Bibliográficas.

* Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito da Infância

e Juventude pelo Instituto de Educação e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro –

IEP/MPRJ.

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade do exercício da guarda

compartilhada entre o(s) pai(s) e a família extensa em virtude das alterações legislativas

sofridas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Para uma melhor análise do tema, primeiro será explicado o instituto da guarda,

abordando seus aspectos gerais, como histórico legislativo, conceituação e tipos de guarda,

para verificar como ela é abordada nos dias atuais.

Após essa primeira análise, faz-se imprescindível uma abordagem da guarda

compartilhada, com o intuito de explicar as reais vantagens da sua aplicação e como a sua

determinação atende ao superior interesse da criança e do adolescente.

Também será explicado o conceito de família extensa a partir da análise das atuais

configurações familiares, abordando-se a característica da afetividade e as novas formas de

arranjos familiares.

Conforme será exposto ao longo do texto, a guarda compartilhada com a família

extensa baseia-se numa realidade existente em inúmeras famílias brasileiras, em muitos casos,

em virtude da vulnerabilidade social decorrente da omissão estatal, razão pela qual essa nova

forma de estrutura familiar deve ser reconhecida e tutelada pelo ordenamento jurídico como

um meio de proteger os direitos das crianças e dos adolescentes e permitir de forma ampla o

convívio com todos aqueles que contribuem para o seu desenvolvimento sadio.

Essas questões serão abordadas em capítulo próprio, o qual buscará os fundamentos

para defesa da função complementar da família extensa na doutrina e na jurisprudência, com

enfoque na interpretação sistemática das normas jurídicas.

Busca-se, assim, com este artigo, examinar um novo aspecto da guarda, baseado na

cooperação entre os membros familiares, uma vez que a função unicamente substitutiva desse

instituto não se mostra suficiente para atender de forma completa todas as necessidades das

crianças e dos adolescentes.

2 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA GUARDA

Conforme já exposto na introdução do presente artigo, o tema central deste trabalho

tem como objetivo desenvolver uma análise sobre a guarda exercida pela família extensa a

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partir da alteração introduzida no parágrafo único do art. 251, do ECA pela Lei 12.010/09, a

qual alargou o conceito de família natural com a inclusão da família extensa ou ampliada.

Contudo, antes de adentrar especificamente no assunto acima mencionado, mostra-se

imprescindível a análise do instituto da guarda em seus aspectos gerais, com a abordagem do

histórico legislativo, conceituação e tipos existentes no nosso ordenamento jurídico para

possibilitar um melhor entendimento sobre o tema.

Inicialmente, deve-se salientar que os filhos, enquanto menores de idade e não

emancipados, estão sujeitos ao poder familiar dos pais, conforme previsto no art. 16302 do

Código Civil.

O art. 16343 do diploma legal acima mencionado complementa o art. 1630 ao dispor

sobre o conteúdo do poder familiar, traçando os direitos e deveres atribuídos aos pais quando

do exercício deste poder e inserindo o exercício da guarda nesse âmbito.

Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves4, o poder familiar resulta de uma necessidade

natural humana, pois não cabe aos pais apenas alimentar e deixar os filhos crescerem, eles

devem educá-los e dirigi-los, demonstrando, assim, o caráter eminentemente protetivo do

instituto.

Cabe ressaltar que o Código Civil de 2002 alterou as disposições sobre o assunto, uma

vez que o Código Civil de 1916 utilizava a expressão pátrio poder, estabelecendo que este

caberia ao marido e, apenas na sua falta ou impedimento, seria da atribuição da mulher,

retratando a sociedade patriarcal da época.

Dessa forma, verifica-se que a guarda é um encargo inerente ao poder familiar

exercido pelos pais, pois parte-se do pressuposto que a quem incumbe a educação e a criação,

1 Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus

descendentes. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da

unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou

adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. 2 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. 3 Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder

familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI- nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII- representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII- reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX- exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. 4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 6. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 417.

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compete a guarda e a proteção contra terceiros.

Assim, a princípio, a guarda é da atribuição dos genitores, conforme será melhor

explicado a seguir. Contudo, a legislação prevê a possibilidade da atribuição da guarda a

terceiros, devendo-se traçar um histórico legislativo sobre essa modalidade para melhor

compreensão do instituto nos dias atuais.

A primeira disposição legal a tratar sobre a guarda por pessoa diversa dos genitores foi

o Decreto-Lei nº 9.701 de 1946, o qual dispunha sobre a guarda dos filhos menores no

desquite judicial.

De acordo com o art. 1º do referido diploma legislativo5, os filhos menores, que não

ficassem sob a guarda dos pais, seriam entregues à pessoa notoriamente idônea da família do

cônjuge inocente.

O Código Civil de 1916 tratou do tema no artigo 3266, com a redação introduzida pelo

Estatuto da Mulher Casada7, o qual previa que a guarda seria exercida pelo cônjuge inocente

e, no caso de impossibilidade do exercício desta pelos genitores, esta seria concedida a pessoa

idônea da família de qualquer dos cônjuges.

A Lei do Divórcio8 tratou sobre o assunto no art. 10

9, o qual novamente trouxe à baila

a figura da pessoa idônea para exercer a guarda dos filhos no caso da impossibilidade do

exercício pelos pais.

Conforme salientado por Ângela Maria Silveira dos Santos e Kátia Regina Ferreira

Lobo Andrade Maciel10

, “dentro da dialética do direito positivo, o magistrado ao analisar

a guarda em concreto, não se preocupava em observar relações prévias de afeto entre o menor

5 Art. 1º, Decreto-Lei nº 9.701/1946: No desquite judicial, a guarda de filhos menores, não entregues aos pais,

será deferida a pessoa notoriamente idônea da família do cônjuge inocente, ainda que não mantenha relações

sociais com o cônjuge culpado, a quem entretanto será assegurado o direito de visita aos fi lhos. 6 Art. 326: Sendo o desquite judicial, ficarão os filhos menores com o cônjuge inocente.

§1º: Se ambos os cônjuges forem culpados ficarão em poder da mãe os filhos menores, salvo se o juiz verificar

que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles. (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 1962).

§ 2º Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai deferirá o juiz a sua guarda a

pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges ainda que não mantenha relações sociais com o

outro a quem, entretanto, será assegurado o direito de visita. 7 Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. 8 Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. 9 Art. 10 - Na separação judicial fundada no "caput" do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a e

não houver dado causa.

§ 1º - Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges; os filhos menores ficarão em poder da

mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.

§ 2º - Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda

a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges. 10

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. SANTOS, Ângela Maria Silveira dos. Guarda exercida pela

família extensa: substitutiva e complementar. In: Revista IBDFAM Famílias e Sucessões. v.11 (set./out.). Belo

Horizonte: IBDFAM, 2015, p.89.

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e o futuro guardião da família”.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, verificou-se uma alteração de

paradigma no tocante à questão familiar e aos direitos das crianças e dos adolescentes, uma

vez que positivou os direitos humanos e consagrou o princípio da dignidade da pessoa

humana como um norte a ser seguido nas interpretações do Poder Judiciário.

O art. 227 da Carta Magna11

estabeleceu os princípios da prioridade absoluta e do

superior interesse da criança como gerais e orientadores na análise das questões envolvendo

crianças e adolescentes, sendo devida a observância de ambos no tocante à guarda,

considerada uma expressão do direito à convivência familiar.

Os referidos princípios constitucionais foram reproduzidos na Lei nº 8.069/90, a qual

positivou inúmeros outros princípios protetores das crianças e dos adolescentes e consagrou o

direito à convivência familiar, não mais fazendo distinção entre cônjuge inocente e culpado

para a fixação da guarda.

Nesse momento, o ECA disciplinava a guarda como decorrente da convivência

familiar dos pais e, também, como modalidade de colocação em família substituta, conforme

art. 3312

do referido diploma legal.

O ECA, no ano de 2009, sofreu alteração nos dispositivos sobre a guarda em virtude

da edição da Lei nº 12.010/09, a qual incluiu o conceito de família extensa dentro das

disposições da família natural, conforme parágrafo único do art.25, bem como consagrou os

vínculos do afeto e da afinidade como primordiais na análise para a concessão da guarda, fato

este que será melhor explicado no capítulo que versa sobre a guarda compartilhada com a

11

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com

absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,

à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 12 Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente,

conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos

procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.

§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações

peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação

para a prática de atos determinados.

§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito,

inclusive previdenciários.

§ 4o Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário da autoridade judiciária competente, ou quando a

medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros

não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão

objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.

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família extensa.

O Código Civil também consagrou os vínculos da afetividade e afinidade no parágrafo

único do art. 158413

, restando tal disposição, atualmente, no parágrafo 5º14

do referido artigo,

com redação dada pela Lei 13.058/14.

As Leis nº 11.698/08 e nº 13.058/14 alteraram o Código Civil para estabelecer,

conceituar e disciplinar a guarda compartilhada, determinando a preferência desta sobre a

guarda unilateral. Sobre o assunto, merece transcrição os ensinamentos de Ângela Maria

Silveira dos Santos e Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel15

:

A atual regra civil acerca da guarda familiar efetuou pequenas atualizações

gramaticais, manteve a preferência do encargo em prol dos parentes que tenham

afinidade e afetividade com a criança, mas retirou de seu contexto a referência à lei

específica (ECA), chamando para si a possibilidade de interpretação desta guarda

familiar não somente como uma medida excepcional e preventiva, mas que deve ser

observada a partir da sistemática atual do direito das famílias, em especial com

aplicação do compartilhamento da guarda, tendo em mira o superior interesse da

criança ou do adolescente.

Verifica-se, assim, que, antes da vigência da Lei nº 11.698/08, o fundamento da

guarda compartilhada situava-se na Constituição Federal, baseando-se nos princípios

constitucionais da igualdade entre homem e mulher, afetividade, superior interesse da criança

e do adolescente e prioridade absoluta da criança e do adolescente. Desse modo, nas lições de

Guilherme Calmon Nogueira da Gama, a Lei nº 11.698/08 positivou infraconstitucionalmente

o modelo de guarda compartilhada, reforçando, ainda mais, a relevância do instituto para as

famílias brasileiras16

.

Após esse breve histórico legislativo, mostra-se necessária a conceituação do instituto

da guarda, bem como a análise dos tipos de guarda existentes no nosso ordenamento jurídico.

A guarda pode ser examinada numa perspectiva do poder familiar, como também pode

ser deslocada para terceiros. De uma maneira geral, ela pode ser conceituada como:

13

Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda

dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. Parágrafo único. Verificando que

os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele

compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de

afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica. 14

[...] § 5

o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda

a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de

parentesco e as relações de afinidade e afetividade. 15

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. SANTOS, Ângela Maria Silveira dos. Op. cit., p.91-92. 16 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Guarda Compartilhada: Novo regime da guarda de criança e adolescente à luz das leis nº 11.698/2008 e nº 13.058/2014. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias e

DELGADO, Mário Luiz (Coords.) Guarda Compartilhada. São Paulo: Método, 2015, p. 167.

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[...] um instituto jurídico através do qual se atribui a uma pessoa, o guardião, um

complexo de direitos e deveres a serem exercidos com o objetivo de proteger e

prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada

sob sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial17

.

Sob o ponto de vista do poder familiar, conforme já exposto, a guarda é um dever e

um direito dos pais, vez que incumbe a estes criar e educar os filhos, bem como exigir-lhes

obediência, podendo adotar as medidas cabíveis para tanto18

.

O poder familiar é inerente ao estado de filiação desde o nascimento do filho e decorre

da paternidade natural, baseando-se na razão natural de os filhos necessitarem da proteção e

do cuidado dos pais. O exercício do poder familiar representa um conjunto de direitos

atrelados a deveres, os quais tem como escopo maior o interesse da criança e do

adolescente19

.

Quando a guarda é exercida por um terceiro, ela é destacada do poder familiar e

atribuída a este indivíduo em virtude de uma situação fática (guarda de fato) ou em razão de

uma disposição legal, como, por exemplo, a guarda exercida pelo diretor de um abrigo.

A guarda de fato é aquela que independe de pronunciamento judicial, ela decorre da

vontade de quem assume os cuidados da criança e do adolescente, sendo esta muito comum

nas famílias brasileiras, uma vez que muitos parentes se responsabilizam pela criação e

educação de crianças e adolescentes, sem, contudo, regularizarem a situação.

A guarda natural é aquela decorrente do poder familiar, descrita no art. 1634, II20

, do

Código Civil, ou seja, inerente ao simples fato do status quo de genitor, conforme exposto

acima.

A guarda unilateral é aquela atribuída a apenas uma pessoa, que pode ser apenas um

dos genitores ou um terceiro substituto. Era a regra adotada pelos tribunais brasileiros, mas

sofria muitas críticas por enfraquecer a relação dos filhos com o genitor que não tivesse a

guarda. Nesse sentido, merece transcrição as lições de Evandro Luiz Silva:

A guarda exclusiva – devido ao tempo muito grande de convívio de um progenitor

em detrimento ao outro – propicia que os discursos e os comportamentos de quem

detém a guarda, em algum momento, privem os filhos do contato com o pai ou a

17

CARBONERA, Silvana Maria. A guarda de filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Fabris, 2000,

p.27. 18

RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Poder familiar e guarda compartilhada. Rio de Janeiro:

Saraiva, 2016, p.65. 19 MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Guarda compartilhada física e jurídica. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 25-26. 20 Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder

familiar, que consiste em, quanto aos filhos: [...] II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do

art. 1.584.

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mãe, projetando nos filhos aquilo que não foram e despejando neles todas as suas

frustrações, numa possibilidade de atingir o outro progenitor21.

Deve-se ressaltar que a guarda unilateral propicia, em maior grau, o uso abusivo da

parentalidade por um dos genitores, vez que estes “se utilizavam dos filhos como moeda de

troca, além de usá-los em muitas situações como marionetes, a fim de atingir seus ex-

companheiros”22

.

Ademais, verifica-se que, na guarda unilateral ou exclusiva, a decisão do guardião é

aquela que prevalecerá até que ocorra a contestação pelo não guardião. Dessa forma, em caso

de divergência quanto à escola, alimentação, médicos, caberá ao não guardião buscar o Poder

Judiciário para reverter a situação, o que acaba, na prática, por privá-lo do convívio constante

do filho, relegando-o a um papel secundário de prestador de pensão alimentícia e visitante23

.

A guarda compartilhada, melhor explicada no próximo capítulo, encontra-se prevista

no caput do art. 158324

do Código Civil e consiste na responsabilização conjunta e no

exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto.

Extrai-se, assim, que a guarda compartilhada possibilita que ambos os genitores

compartilhem as decisões mais relevantes da vida dos filhos, desatrelando a relação parental

da relação da conjugalidade.

Cabe lembrar que a guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada,

pois nesta há o compartilhamento da residência do menor, ou seja, este terá que deslocar-se de

uma residência para a outra, o que é muito criticado pela doutrina, uma vez que prejudica a

rotina da criança25

.

Na guarda alternada, cada um dos pais detém a guarda alternadamente, segundo um

ritmo de tempo determinado por estes, implicando em constantes e rotineiros deslocamentos

dos filhos, sendo inconveniente para consolidação de valores, hábitos e padrão de vida26

.

Françoise Dalto27

, ao expor sobre a guarda alternada, fez alusão sobre o “filho-

joguete”, o qual não teria a possibilidade de ter uma continuidade afetiva, espacial e nem

social, conforme trecho a seguir transcrito:

21

SILVA, Evandro Luiz. Guarda de filhos: aspectos psicológicos. In: APASE (org.). Guarda compartilhada:

aspectos psicológicos e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005, p. 21. 22

AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada – uma nova realidade para o direito de família

brasileiro. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias e DELGADO, Mário Luiz (Coords.) Guarda Compartilhada. São Paulo: Método, 2015, p. 41 23 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Op. cit., p.107-109. 24 Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. 25 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Poder familiar. In: (Coord.). Curso de Direito

da Criança e do Adolescente: aspectos Teóricos e Práticos.10. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2017, p. 205. 26

MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Op. Cit., p. 101. 27 DALTO, Françoise. Quando os pais se separam. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.63-64.

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Quando pequena, a criança não consegue suportar a guarda alternada sem ficar solta

em sua estrutura, até eventualmente dissociar-se, conforme a sensibilidade de cada

um. A reação mais comum é o desenvolvimento da passividade no caráter da

criança. Ela perde o gosto pela iniciativa, tanto do ponto de vista escolar quanto do

ponto de vista das brincadeiras, e entra em estado de devaneio que não levam à

criatividade – porque existem devaneios fecundos, mas aqui não se trata de um

deles.

A guarda também pode ser deferida em favor da família extensa, bem como forma de

colocação em família substituta. Conforme será melhor explicado posteriormente, há

discussão sobre a natureza jurídica da guarda quando concedida para alguém da família

extensa, sendo a melhor doutrina no sentido de que ela permanece no âmbito da família

natural.

Além dos tipos de guarda acima mencionados, existem outros previstos no ECA,

como, por exemplo, a guarda como medida protetiva (art. 101, IX28

), a guarda legal da

entidade de acolhimento institucional (art.92, §1º29

) e a guarda do adolescente prestador do

serviço doméstico (art.24830

), os quais não serão desenvolvidos, tendo em vista que não

possuem correlação com o presente tema.

Assim, após uma breve síntese sobre o histórico, conceituação e tipos de guarda,

iniciar-se-á a análise do instituto da guarda compartilhada.

3 A GUARDA COMPARTILHADA

A guarda compartilhada foi inicialmente prevista como possível na Inglaterra, na

década de 60, tendo ocorrido essa manifestação no ano de 1964 no caso Clissold, o que

demonstrou uma mudança do entendimento jurisprudencial dos tribunais ingleses31

.

Nos Estados Unidos da América, a partir dos anos setenta, as decisões judiciais

começaram a considerar o princípio do melhor interesse da criança para a fixação da guarda.

Assim, com a extinção do privilégio materno e a aplicação do princípio da neutralidade de

gênero, iniciou-se a aplicação da guarda compartilhada, com os desdobramentos da guarda

28

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,

dentre outras, as seguintes medidas: [...] IX - colocação em família substituta. 29

Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os

seguintes princípios:

§1o O dirigente de entidade que desenvolve programa de acolhimento institucional é equiparado ao guardião,

para todos os efeitos de direito. 30 Art. 248. Deixar de apresentar à autoridade judiciária de seu domicílio, no prazo de cinco dias, com o fim de

regularizar a guarda, adolescente trazido de outra comarca para a prestação de serviço doméstico, mesmo que

autorizado pelos pais ou responsável. 31

LEITE, Eduardo Oliveira. Famílias Monoparentais: a Situação Jurídica de Pais e Mães Separados e dos Filhos

na Ruptura da Vida Conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 266.

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física e legal32

.

Com o advento da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, a guarda

compartilhada começou a ser adotada em muitos países, uma vez que o art. 9º33

do referido

diploma legislativo dispõe como um direito das crianças e dos adolescentes a educação por

ambos os pais.

A Constituição Federal brasileira também foi um marco na alteração de paradigmas

existentes no nosso ordenamento jurídico, haja vista que trouxe à baila os princípios da

dignidade da pessoa humana, igualdade entre os cônjuges, superior interesse das crianças,

dentre outros, rompendo com a legislação prévia que adotava um modelo discriminatório e

baseado na culpa dos cônjuges, conforme já exposto.

O Código Civil, por sua vez, positivou essas alterações com o advento das Leis nº

11.698/08 e 13.058/14, determinando a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e

deveres por ambos os pais que não residam juntos, bem como um equilíbrio do tempo de

convívio dos filhos com os genitores, garantindo a permanência do laço afetivo com ambos os

pais.

Nesse sentido, merece transcrição os ensinamentos de Leila Maria Torraca de Brito34

:

No modelo de guarda conjunta ou compartilhada, apesar de a criança residir com um

dos cônjuges, deve-se garantir uma convivência ampliada com ambos os genitores,

responsáveis pela educação das crianças, partindo-se da compreensão de que após a

separação o que se reconfigura é o estado referente à conjugalidade e não à

parentalidade. Busca-se, portanto, nesta modalidade de guarda, uma divisão mais

equilibrada do tempo que cada pai passa com o filho, garantindo-se também a

participação dos dois genitores na educação da prole.

Assim, verifica-se que na guarda compartilhada há uma igualdade dos genitores para a

realização das decisões sobre os filhos, bem como para o exercício do tempo de convívio com

estes.

A guarda compartilhada decorreu de fenômenos da modernidade, os quais levaram à

32 FILHO, Waldyr Grisard. Guarda compartilhada: uma nova dimensão na convivência familiar. O discurso do

judiciário. In: APASE (org.). Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio,

2005, p. 78-79. 33 Art. 9º - 1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos

mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade

com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal

determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus

tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a

respeito do local da residência da criança.2. Caso seja adotado qualquer procedimento em conformidade com o

estipulado no parágrafo 1 do presente artigo, todas as partes interessadas terão a oportunidade de participar e de

manifestar suas opiniões.3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de

ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja

contrário ao interesse maior da criança. 34

BRITO, Leila Maria Torraca de. Guarda Compartilhada: um passaporte para a convivência familiar.In:

APASE (Org.) Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005, p. 53.

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alteração legislativa, uma vez que a inserção da mulher no mercado de trabalho e a alteração

do papel masculino impuseram uma adequação das leis existentes. O avanço da influência das

mulheres na seara trabalhista e a inserção dos homens nos afazeres domésticos e cuidados dos

filhos permitem a desconstrução de que a guarda deveria ser concedida unilateralmente à

mãe35

.

Nesse sentido, existe doutrina que informa que a real importância da guarda

compartilhada tem sido chamar a atenção da sociedade para a discussão da coparticipação dos

pais na vida dos filhos, ou seja, a conjunta responsabilidade dos genitores de criação,

formação e educação dos filhos. A discussão sobre o assunto tem determinado o aumento da

procura pela fixação do regime36

.

Assim, a guarda compartilhada mostra-se como uma consequência lógica do exercício

em comum da autoridade parental, a qual permite o direito de participação de forma ampla e

plena.

Conforme exposto por Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos37

, o conceito de

guarda compartilhada abrange tanto a guarda jurídica compartilhada como a guarda física

compartilhada.

A guarda jurídica compartilhada já estava prevista no nosso ordenamento jurídico

mesmo antes das alterações legislativas acima mencionadas, pois decorrente do poder

familiar.

A guarda física compartilhada, por sua vez, foi instituída, expressamente, com as Leis

nº 11.698/08 e nº 13.058/14, as quais determinaram a necessidade do equilíbrio do tempo de

convívio com os genitores, consistindo na divisão de responsabilidades (idas ao médico,

reuniões escolares, atividades extracurriculares, etc.).

Sob o aspecto psicológico, a doutrina afirma que a guarda compartilhada estreita os

vínculos com os genitores, possibilitando um maior e melhor desenvolvimento dos filhos,

conforme lição de Evandro Luiz Silva38

:

É importante a criança conviver com ambos os pais, para que construa uma relação e

forme por si uma imagem de cada um dos seus pais. Esta convivência está

relacionada ao tempo em que estão juntos pai e filhos ou mãe e filhos, que no

contexto atual, tende a ser em pouca quantidade, mas que se pretende ter boa

qualidade na convivência. Quando isso não acontece, ou ocorre em intervalos

35

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. Cit., p. 162. 36 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A (des)necessidade da guarda compartilhada ante o conteúdo da

autoridade parental. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias e DELGADO, Mário Luiz (Coords.) Guarda

Compartilhada. São Paulo: Método, 2015, p. 25. 37 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Op. cit., p.73-74. 38

SILVA, Evandro Luiz. Op. cit., p. 20.

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irregulares e espaçados de tempo, normalmente a imagem do progenitor que não

detém a guarda é formada com a interferência daquele que a detém, na maioria das

vezes influenciada por sentimentos de rancor por não conseguir separar o ex-

cônjuge da função de pai ou de mãe, dadas as desavenças conjugais existentes.

Outro aspecto importante que gera controvérsia versa sobre a possibilidade de

aplicação da guarda compartilhada quando não houver consenso entre os pais. Em virtude dos

princípios constitucionais do superior interesse da criança e da proteção integral, a melhor

doutrina39

entende que não há qualquer óbice à fixação da guarda compartilhada nesses casos,

quando a criança demonstra o desejo de conviver com ambos os genitores e há a possibilidade

de compartilhamento das decisões envolvendo os direitos primordiais da criança.

Cabe ressaltar que, nesses casos de discordância dos genitores, mostra-se

recomendável a realização de estudos técnicos pela equipe interdisciplinar do juízo, os quais

possibilitariam a análise da adequação da medida, ou seja, a verificação de que, apesar da

animosidade, a guarda compartilhada atenderia ao superior interesse da criança e do

adolescente.

O Superior Tribunal de Justiça também já se pronunciou nesse sentido, conforme

disposto na decisão monocrática do Recurso Especial nº 1.600.266 – MT40

, na qual ressalta-se

que a relação harmoniosa dos pais não é imprescindível para a concessão da guarda

compartilhada, tendo em vista que o superior interesse da criança é que deve ser observado

para a sua fixação.

Deve-se ressaltar que, com a alteração advinda pela Lei nº 13.058/94, o próprio

Código Civil, ao dispor sobre a guarda compartilhada, passou a preceituar no parágrafo 2º do

art. 158441

, a fixação desta na ausência de acordo entre os genitores, razão pela qual entende-

se que a guarda compartilhada deve ser a regra, sendo cabível o seu afastamento apenas em

casos de inviabilidade, como, por exemplo, o uso de drogas, comprometimento psiquiátrico

severo e violência doméstica.

Merece destaque a lição de Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers42

ao salientar que,

na existência de consenso entre os genitores, a criança tem a chance de conviver com ambos, 39 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Op. cit., p. 205. 40 “Segundo o STJ, para o deferimento da guarda compartilhada não é necessário que os pais tenham relação

harmoniosa, sem disputas ou conflitos, pois o interesse do menor é que constitui condição sine qua non para a

sua aplicação. In casu, a guarda conjunta deve ser deferida; porém para preservarem os interesses dos menores -

principais agredidos pela guarda singular e pela separação do casal” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso.

Especial nº 1.600.266 – MT, Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. Data da publicação: 01.02.2017). 41 Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: [...] § 2

o Quando não houver acordo entre a

mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do

menor. 42

RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Op. cit., p.110.

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ou seja, o bom relacionamento dos pais permite o crescimento sadio do filho e assegura o

direito à convivência familiar, razão pela qual exige-se um olhar mais aprofundado para os

casos nos quais não há concordância, pois nestes será possível a privação de um genitor pelo

outro.

O Código Civil, ao dispor sobre o instituto da guarda compartilhada, prevê que esta

também pode ser atribuída a terceiros, ainda que a título excepcional, atendendo, assim, às

necessidades existentes na realidade brasileira, conforme será exposto em capítulo próprio.

Nesse sentido dispõe Guilherme Calmon Nogueira da Gama43

:

As próprias exigências socioeconômicas da vida moderna impuseram alterações nos

padrões culturais e familiares relacionadas à convivência com as crianças e

adolescentes, não sendo incomum que um dos avós (normalmente já aposentado)

fique incumbido pelos pais de velar pela segurança, saúde e bem-estar da criança ou

do adolescente no período de tempo em que são realizadas atividades laborais.

Verifica-se, assim, que o instituto da guarda compartilhada encontra-se em

consonância com a Doutrina da Proteção Integral prevista na Constituição Federal, porquanto

consagra o direito à convivência familiar, o superior interesse da criança, bem como o

princípio da dignidade humana.

O princípio do superior interesse da criança, o qual encontra-se previsto no art. 3º44

da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989 e no art. 100, inciso IV45

, do ECA,

deve ser sempre considerado quando da fixação da guarda, uma vez que determina a criança e

o adolescente como sujeitos principais da relação jurídica, impedindo que os pais os

reivindiquem como um “direito à criança”, como se esta se tratasse de um objeto46

.

O conceito de superior interesse da criança não chega a ser totalmente indeterminado,

pois deve ser analisado em cada caso concreto e em cada momento da vida da criança e do

adolescente, sendo, ainda, um processo dinâmico, pois está submetido à revisão da medida

com o crescimento do filho, bem como à alteração dos seus sentimentos e desejos47

.

Dessa forma, é possível constatar que a manutenção da convivência familiar entre pais

e a prole atende ao princípio do superior interesse da criança, pois a família é o ambiente

43

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. cit., p. 162. 44

Art. 3º - 1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem

estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o

interesse maior da criança. 45 Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas

que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.[...] IV - interesse superior da criança e do

adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente,

sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos

interesses presentes no caso concreto. 46 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Op. cit., p.133. 47 MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Op. cit., p. 168.

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natural de desenvolvimento dos filhos, o que possibilita a plena formação destes como

indivíduos autônomos e independentes.

Mas não somente, o direito à convivência familiar e o direito de ser cuidado podem ser

buscados em todo o sistema familiar, de modo a dar cumprimento ao ditame da proteção

integral. Portanto, faz-se indispensável a compreensão do real sentido do termo família

expresso no art. 227 da Lei Maior, base esta que acolhe e cuida de suas crianças. Assim, no

capítulo seguinte, serão expostos os diversos arranjos familiares existentes no direito

brasileiro para situar-se a família extensa e seu papel de guardiã ao lado dos detentores do

poder familiar.

4 O CONCEITO DE FAMILIA EXTENSA A PARTIR DA ANÁLISE DAS ATUAIS

CONFIGURAÇÕES FAMILIARES

É notório que as organizações familiares têm mudado através dos tempos, com a

evolução dos valores e dos conceitos que permeiam a sociedade. Se hoje o afeto é a principal

característica do direito de família, este nem sempre esteve presente nas relações familiares.

Assim, pode-se afirmar que o conceito de família variou de acordo com a época, a

sociedade e as necessidades dos indivíduos. Contudo, algumas funções da família

permanecem, como a função econômica, sexual, reprodutiva e educativa, vez que apenas a

família as concentra48

.

Nas palavras de Arnaldo Rizzardo49

, a família é o núcleo social primário, ressaltando

que os laços de união forte apareceram apenas quando da evolução da civilização.

[...] no direito romano, o termo exprimia a reunião de pessoas colocadas sob o poder

familiar ou a mando de um único chefe – o pater famílias -, que era o chefe sob

cujas ordens se encontravam os descendentes e a mulher, a qual era considerada em

condição análoga a uma filha. Submetiam-se a ele todos os integrantes daquele

organismo social: mulher, filhos, netos, bisnetos e respectivos bens. Estava a família

jure próprio, ou o grupo de pessoas submetidas a uma única autoridade.

Assim, no direito romano, a estrutura da família era essencialmente patriarcal, tendo

como figura primordial o pater famílias, o qual possuía todos os poderes para a manutenção

da família, ou seja, ele tinha direitos absolutos sobre a mulher e os filhos. Com o tempo,

preocupações de ordem moral começaram a prevalecer no direito romano em virtude da

48

NAZARETH, Eliana Riberti. Guarda compartilhada e mediação familiar: a importância da convivência. In:

APASE (Org.) Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005, p. 90. 49

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 9.

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grande influência do cristianismo50

.

Nas lições de Eliana Riberti Nazareth, é possível a divisão das famílias em três

modelos: família tradicional, a qual vigorou até o início do século XVIII; família moderna,

presente no século XIX; e família contemporânea, que surgiu no final do século XIX e

começo do século XX51

.

A família tradicional, de acordo com a autora, era aquela formada por casamentos

arranjados, nos quais não importava a vida afetiva dos casais ou a realização pessoal destes.

Os casamentos, nas populações mais pobres, eram uma forma de realização do trabalho

agrícola. Verifica-se, assim, que os sentimentos de afeto e união não eram inerentes ao

conceito de família.

A família moderna, por sua vez, surge com o aparecimento do ideal romântico,

alcançando visibilidade a afeição materna, sendo tarefa das mães o cuidado com a prole e a

realização das tarefas domésticas.

No começo do século XX construiu-se uma nova visão do ser humano, no qual há a

busca pela realização pessoal e sexual, diminuindo drasticamente o espaço para uniões

eternas, aumentando, assim, o número de divórcios e recomposições familiares. Há uma

diminuição na divisão das funções maternas e paternas.

Conforme exposto por Maria Luiza Póvoa Cruz52

, o direito de família, ao ser

influenciado pelo direito romano e pelo direito canônico, fez uma história de exclusão e

discriminação, realizando a diferenciação entre filhos legítimos, ilegítimos e adotados,

casamento como única forma de constituição de família e superioridade da figura masculina.

Nesse sentido, dispõe a autora:

As concepções jurídicas e culturais se misturavam. À mulher cabia a função de

cuidar do bem-estar do marido e dos filhos. Seu trabalho se limitava aos afazeres do

lar. Ao pai, a figura de provedor da família, porquanto a guarda dos filhos estava

ligada à figura materna. E, na hipótese de separação dos pais, não se questionava

com quem o filho ficaria, pois sua educação e criação era dever materno. Porém,

com a derrocada no patriarcalismo, e com o ingresso da mulher no mercado de

trabalho, o pai passou a compartilhar com a mulher as atividades domésticas e a

criação dos filhos.

O código civil brasileiro de 1916 foi inspirado pelo modelo de família constituído no

século XIX, a qual somente era constituída moral e legalmente pelo casamento, e tinha como

50

RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Op. cit., p.31. 51 NAZARETH, Eliana Riberti. Op. cit, p. 90-91. 52

CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Guarda Compartilhada. Visão em razão dos princípios fundamentais do direito. In:

COLTRO, Antônio Carlos Mathias e DELGADO, Mário Luiz (Coords.). Guarda Compartilhada. São Paulo:

Método, 2015, p. 214.

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características, segundo leciona Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos53

, ser nuclear,

heterossexual, monógama e patriarcal.

Em razão das transformações sofridas pela sociedade, a ordem jurídica teve que se

adequar para possibilitar a tutela dos novos tipos de família que estavam surgindo.

A Constituição Federal de 1988 baseou-se na promoção da dignidade da pessoa

humana, não sendo mais cabível a diferenciação entre os filhos, bem como a superioridade da

figura paterna. Outros tipos de família foram reconhecidos, como as decorrentes das uniões

estáveis e as monoparentais.

O afeto passou a ser a principal característica do direito de família, cabendo a esta

permitir a realização plena de todos os seus integrantes, incluindo crianças e adolescentes,

sendo esta a visão eudemonista da família54

.

Dessa forma, verifica-se que o conceito de família não deve ser fechado, posto que as

realidades sociais ensejam, a todo tempo, uma nova discussão sobre o tema, possibilitando o

reconhecimento de inúmeros tipos de família, como as homoafetivas, as recompostas, as

anaparentais e as formadas pela família extensa.

As famílias homoafetivas, apesar da ausência de previsão legal, encontraram respaldo,

em muitos casos, na jurisprudência, a qual cumpre o seu papel social ao reconhecer e

possibilitar a celebração de casamento, união estável e adoção pelos seus membros.

A família recomposta, também chamada de plural ou mosaica, representa uma grande

parcela da população brasileira e tem como definição ser uma “estrutura familiar originada do

casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm um

ou vários filhos de uma relação anterior. Numa formulação mais sintética, é a família na qual

ao menos um dos adultos é um padrasto ou uma madrasta”55

.

Também baseada no afeto, a família anaparental é aquela formada por irmãos, sem a

presença dos genitores, realidade muito comum em inúmeros lares brasileiros, principalmente

em regiões mais pobres, nas quais o irmão mais velho assume o cuidado dos demais.

A noção atual de família natural, conforme conceituada pelo art. 25 da Lei nº 8.069/90

(ECA), é aquela compreendida pelos pais ou qualquer um deles e seus descendentes,

inexistindo qualquer diferenciação sobre a origem dos filhos e o vínculo de união dos pais.

Conforme será melhor explicado a seguir, a Lei nº 12.010/09 ampliou o conceito

estatutário de família natural para abranger um outro “braço familiar”, ou seja, aquele

53 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Op. cit., p.33. 54

Idem, ibidem, p.35. 55

GRISSARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas: novas uniões depois da separação. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010, p. 85.

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formado por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente tenha uma relação de

convívio, bem como sentimentos de afinidade e afetividade56

.

O ECA, ao dispor sobre a família extensa ou ampliada no parágrafo único do art. 25, a

conceitua como aquela formada por parentes próximos das crianças e dos adolescentes e com

quem eles convivem e têm vínculo de afinidade e afetividade.

No que concerne à natureza jurídica do referido tipo de família, verifica-se que esta foi

inserida na seção II do capítulo III do ECA, o qual dispõe sobre a família natural, razão pela

qual a família extensa pode ser conceituada tanto como uma espécie de família natural, como,

também, se adequar a uma família substituta, conforme previsto no art. 28, §3º, do ECA57

.

Ressalve-se que a guarda substitutiva, na qual há o exercício por terceiros (familiares

ou não) de forma exclusiva, possui peculiaridades que estão prescritas nos artigos 33 a 35 do

diploma infanto-juvenil58

.

Diferentemente daquela guarda confiada aos pais pelo art. 22 do ECA59

, esta guarda

substitutiva poderá ser confiada à(s) pessoa(s) idônea(s), na hipótese de os pais serem

omissos, negligentes, faltosos (art. 98, II do ECA), possuindo por esta razão, a natureza de

56 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Op. cit., p. 145. 57

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da

situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. [...] § 3o Na apreciação do pedido levar-se-á

em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as

consequências decorrentes da medida. 58 Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente,

conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos

procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.

§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações

peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação

para a prática de atos determinados.

§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito,

inclusive previdenciários.

§ 4o Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário da autoridade judiciária competente, ou quando a

medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros

não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão

objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.

Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o

acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar.

§ 1o A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu

acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos

termos desta Lei. § 3o A União apoiará a implementação de serviços de acolhimento em família acolhedora

como política pública, os quais deverão dispor de equipe que organize o acolhimento temporário de crianças e de

adolescentes em residências de famílias selecionadas, capacitadas e acompanhadas que não estejam no cadastro

de adoção.

§ 4o Poderão ser utilizados recursos federais, estaduais, distritais e municipais para a manutenção dos serviços

de acolhimento em família acolhedora, facultando-se o repasse de recursos para a própria família

acolhedora.

Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o

Ministério Público. 59 Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no

interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

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medida protetiva (art. 101, IX).

Nesse sentido, consta decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro60

, na qual fixou-se a guarda provisória dos infantes com os avós paternos, uma vez

que a mãe tinha sido acusada de maus-tratos contra as crianças e o genitor condenado por

estupro da enteada.

Note-se que o guardião substituto, seja ele provisório ou definitivo, poderá se opor aos

próprios genitores, mas não, obrigatoriamente, possuir direito de representação, a não ser que

assim o postule (art. 33, caput e §2º, do ECA).

Embora o legislador estatutário tenha previsto a relevante função substitutiva da

guarda e esta venha sendo exercida com muita frequência pela família extensa, o presente

estudo pretende ir mais longe e buscar na doutrina e jurisprudência os pressupostos para o

exercício conjunto complementar do múnus da guarda parental pela família extensa, a seguir

examinados.

5 A GUARDA COMPLEMENTAR EXERCIDA PELA FAMÍLIA EXTENSA

Contudo, conforme exposto acima, a Lei nº 12.010/09, ao inserir a família extensa

dentro da seção II, a qual trata da família natural, alargou o conceito desse tipo de família,

possibilitando, à luz de uma interpretação da prevalência do superior interesse da criança e do

adolescente, a fixação da guarda de forma suplementar com a família extensa.

Assim, primeiramente, deve-se verificar se a guarda está sendo exercida de forma

exclusiva ou de forma complementar pela família ampliada para a compreensão de sua

natureza jurídica. Nesse sentido, merece transcrição as lições de Ângela Maria Silveira dos

60 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. REVERSÃO. INDEFERIMENTO. PRESENÇA

DO PERICULUM IN MORA INVERSO. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 59 DA SÚMULA DO TJRJ.

MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. - Inconformismo da agravante em face do indeferimento do

pedido para reversão da guarda provisória de seus filhos, em seu favor, anteriormente concedida aos avós

paternos. - Infere-se que a decisão agravada está correta, eis que suficientemente fundamentada, não tendo sido

demonstrada a existência do periculum in mora e fumus boni iuris, na hipótese de indeferimento do pedido da

guarda dos menores à agravante. - A genitora (ora recorrente) e o pai dos menores (3º agravado) respondem a

processos criminais, sendo a primeira acusada de maus tratos contra seus filhos e, o segundo, condenado em

primeira instância pela prática de estupro e atos libidinosos contra sua enteada, quando residia com o ex-casal. -

O convívio da agravante com seus filhos foi suspenso por determinação judicial, de acordo com a ata da

audiência realizada em 09/03/2017, conferindo a guarda provisória ao 1º e 2º agravado. - Menores que

manifestaram o desejo de continuar convivendo com os avós, haja vista as constantes agressões físicas

perpetradas pela genitora, sendo evidente a presença do periculum in mora inverso, caso seja concedido o pleito

da agravante. - Decisão denegatória da tutela antecipada que não se afigura teratológica, contrária à Lei ou à

prova dos autos, devendo ser mantida, com fulcro no enunciado nº 59 da Súmula desta Corte de Justiça.

RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Agravo de

instrumento nº 0006740-76.2017.8.19.0000, Des. Maria Helena Pinto Machado, Quarta Câmara Cível, data do

julgamento: 24.05.2017).

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

Santos e Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel61

:

Isto não significa que os avós, bisavós, tios, irmãos e primos não possam ocupar a

função substitutiva dos pais no exercício da guarda. Pelo contrário, o ECA e a lei

civil priorizam na aplicação das medidas de guarda e de tutela que este múnus seja

exercido no âmbito familiar. Somente na adoção há ressalva expressa da

impossibilidade quanto ao ascendente e colateral em 2º grau. A diferença está que,

nestas modalidades de família substituta (guarda, tutela e adoção), os parentes

próximos exercem a guarda de maneira exclusiva, podendo inclusive se opor a

terceiros e aos próprios pais, com exceção dos pais adotivos que exercem

plenamente o poder familiar (art. 33 do ECA).

Dessa forma, a família extensa é um prolongamento da família natural, sendo a guarda

decorrente destes casos uma transferência de cunho complementar à responsabilidade dos

pais, porque a família ampliada exerce, em muitos casos, os deveres de cuidado e de educação

das crianças e dos adolescentes62

.

O próprio ECA, ao mencionar o princípio da prevalência da família no art. 100, inciso

X63

, prevê a preferência da família extensa sobre a família substituta.

Além disso, considerando que o parágrafo 5º do art.1584 do Código Civil autoriza a

fixação da guarda de pessoa com parentesco com a qual a criança e o adolescente tenham

vínculo de afinidade e afetividade, “não se pode afastar a possibilidade da guarda

compartilhada de um dos pais com quem exerça as funções inerentes ao desenvolvimento e

educação da criança” 64

.

Portanto, baseando-se a família extensa no afeto e no seu papel colaborativo de

promoção do bem-estar da criança e do adolescente, tem-se como possível a fixação da

guarda compartilhada com a família extensa como uma nova forma de arranjo familiar,

baseada numa realidade existente em diversas famílias brasileiras.

Conforme ressaltado por Evandro Luiz Silva65

, as inúmeras formas de organização

familiar não permitem mais a atribuição de papéis definidos aos adultos, uma vez que existem

famílias só de mães e filhos, pais e filhos, casal sem filhos, irmãos mais velhos ajudando nos

proventos da casa, avós, tios, todos morando juntos, sendo necessária a observância da forma

61 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade; SANTOS, Ângela Silveira dos. Op. cit., p. 94. 62 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Op. cit., p. 288. 63

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas

que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Parágrafo único. São também princípios

que regem a aplicação das medidas: [...] X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da

criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família

natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta; 64 FRANCO, Natalia Soares. PEREIRA, Tânia da Silva. O direito fundamental à convivência familiar e a guarda

compartilhada. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias e DELGADO, Mário Luiz (Coords.). Guarda

Compartilhada. São Paulo: Método, 2015, p. 318. 65

SILVA, Evandro Luiz. Op. cit., p. 17.

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com que se estabelecem as relações.

Nesse contexto, verifica-se que a divisão das funções de cuidado em relação à criança,

com a consequente divisão do tempo de convívio, em muitos casos atende ao superior

interesse da criança, pois, em algumas situações como, por exemplo, trabalho dos pais,

fragilidades emocionais eventualmente existentes, necessidade de representação escolar, há

um imperativo de compartilhamento da guarda com a família extensa66

.

De acordo com os dados do IBGE67

do ano de 2015, 84% de pessoas com 60

(sessenta) anos ou mais estavam presentes em alguma forma de arranjo familiar, participando,

assim, direta ou indiretamente do cuidado da família.

Deve-se ressaltar que esta forma de participação ocorre com mais frequência nas

famílias mais vulneráveis, nas quais há uma maior necessidade de apoio para garantir o

acesso das crianças e dos adolescentes aos seus direitos fundamentais, uma vez que o Estado

não cumpre com o seu papel de garantidor, criando, assim, uma família multigeracional68

.

Verifica-se, assim, que a guarda compartilhada com a família extensa atende ao

princípio da solidariedade familiar, haja vista que confere aos integrantes daquele núcleo

familiar o dever de garantir a prioridade absoluta na tutela dos direitos das crianças e dos

adolescentes.

Além da interpretação à luz do princípio do superior interesse da criança para afirmar

a possibilidade da fixação da guarda compartilhada com a família extensa, faz-se possível

essa análise a partir de uma interpretação analógica e sistemática do art. 169869

do Código

Civil, uma vez que ele impõe um dever complementar de ascendentes e colaterais em 2º grau

de prestar alimentos no caso de impossibilidade dos genitores.

A família extensa, neste caso, atua de forma complementar, suprindo eventual omissão

de um ou de ambos os pais, fato este que pode ensejar também a fixação da guarda

compartilhada.

Assim, nas lições de Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel70

, a guarda

complementar exercida pela família extensa terá natureza preventiva, ou seja, servirá para

66

RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Op. cit., p.81. 67

Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais201

6/default_tab_xls.shtm. Tabela 2.20>. Acesso em: 24 de julho de 2017. 68

MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. SANTOS, Ângela Silveira dos. Op. cit., p. 92-93. 69 Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar

totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a

prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma

delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. 70

MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Op. cit., p. 289.

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impedir a desestruturação familiar e a exposição de danos à criança, sendo corresponsável

pela manutenção da integridade biopsicossocial de toda a família.

Cabe aduzir que para fixação da guarda compartilhada deve-se verificar que o intuito é

o auxílio à criação, educação e assistência do filho, sendo incabível a sua atribuição apenas

para fins previdenciários71

.

Em suma, para a fixação da guarda compartilhada com a família extensa, deve-se

comprovar que a guarda exercida pelos genitores não é suficiente para abranger todos os

cuidados necessários para o pleno e sadio desenvolvimento dos filhos, devendo, ainda, ser

baseada no afeto e na afinidade e em caráter de cooperação com os pais72

.

A jurisprudência pátria já se mostrou sensível a essa nova realidade, reconhecendo,

com frequência, a possibilidade de fixação da guarda compartilhada com a família extensa,

conforme pode-se depreender das decisões proferidas por vários tribunais de justiça do Brasil,

como na apelação cível nº 0002615-80.2006.8.19.005573

, do Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro, na apelação cível nº 7005730391974

, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul e na apelação cível nº 0000367-74.2008.8.26.021875

, do Tribunal de Justiça de

71

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA DE MENOR. PRETENSÃO FORMULADA

PELOS AVÓS PATERNOS. RECONHECIMENTO PELA CORTE DE ORIGEM DO EXERCÍCIO

REGULAR DA GUARDA PELO PAI, QUE RESIDE COM O SEU FILHO. ATRAÇÃO DO ENUNCIADO

7/STJ. FINALIDADE MERAMENTE PREVIDENCIÁRIA. INADMISSIBILIDADE. 1 - Pedido de guarda

formulado pelos avós paternos com fins meramente previdenciários. 2 - Reconhecimento pelas instâncias de

origem da regularidade da situação da criança, que reside normalmente com seu pai. 3 - Tentativa de

desvirtuamento do instituto da guarda regulado pelo art. 33, e seus parágrafos, do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA). 4 - Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 5 - RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1297881, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,

Órgão julgador: Terceira Turma, Data do julgamento: 13.05.2014.) 72

MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. SANTOS, Ângela Silveira dos. Op. cit., p. 100. 73

“Família. Guarda. Demanda proposta pelos avós paternos contra genitores da infante. Criança, atualmente,

com 9 anos de idade inserida e adaptada à família extensa (avós paternos). Laudos técnicos peremptórios.

Genitor ajustado à nova situação familiar e que se esforça para participar do cotidiano de sua filha. Realidade

que não pode ser desconsiderada. Guarda compartilhada entre avós e pai. Possibilidade. Aplicação dos artigos 33

do ECA, 1.583 e 1.584, §5º do CC/02. Pluralização das responsabilidades. Melhor interesse da criança. Sentença

retificada. Apelação do pai parcialmente provida.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, apelação

cível nº 0002615-80.2006.8.19.0055, Des. Bernardo Moreira Garcez Neto, Décima Câmara Cível, data do

julgamento: 25.03.2015) 74

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE GUARDA. GUARDA COMPARTILHADA ENTRE O GENITOR E

OS AVÓS PATERNOS. INCONFORMIDADE DA MÃE. O contexto probatório dos autos demonstra que a

regulamentação da guarda ocorreu de forma justa, observando o melhor interesse da criança, porquanto o pai e

os avós possuem condições mais favoráveis ao exercício da guarda. Diante disso, firmado o vínculo da criança

com os avós paternos e o pai, bem como existindo estudos sociais favoráveis à preservação da situação

consolidada, cumpre a manutenção da guarda estabelecida pela sentença. NEGARAM PROVIMENTO AO

APELO.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, apelação cível nº 70057303919, Des. Alzir

Felippe Schmitz, Oitava Câmara Cível, data do julgamento: 30.01.2014). 75

“Apelação Cível. Ação de regulamentação de guarda de menor. Laudos social e psicológico que demonstram

evolução emocional da genitora, que está reorganizando sua vida para assumir a guarda de sua filha. Evolução

favorável à fixação de guarda compartilhada entre a genitora e avós paternos, que permanecerão com a criança

nos dias da semana Necessidade do fortalecimento dos laços afetivos entre a menor e sua genitora, que se

mostra necessário para o desenvolvimento da criança. Dá-se parcial provimento ao recurso.” (Tribunal de

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

São Paulo.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, reconheceu a possibilidade de guarda

compartilhada entre os membros da família extensa, afirmando que tanto o tio quanto os avós

paternos exerciam os cuidados necessários para a criança, não havendo óbice para a sua

fixação76

.

Verifica-se, assim, que as decisões judiciais analisaram as situações narradas nos

processos de forma concreta, observando a realidade fática das crianças e dos seus guardiões

com o intuito de aplicar aos casos a solução que melhor assegurasse a concessão de todos os

direitos fundamentais aos infantes, pois a divisão das funções de cuidado com a criança e a

divisão do tempo de convívio em consequência, em muitos casos atende ao superior interesse

da criança, conforme já exposto.

No entanto, importante salientar que o exercício da guarda conjunta com a família

extensa não afasta o poder familiar dos pais e não é oponível a estes, justamente em virtude

do caráter complementar exposto anteriormente. Além disso, conforme já mencionado, o

guardião não possui direito de representação da criança ou do adolescente, o qual poderá ser

concedido mediante requerimento para a prática de atos determinados, com base no art. 33,

§2º, do ECA.

Por fim, cabe salientar a existência do projeto de lei nº 470/2013 (Estatuto das

Famílias), da autoria da Senadora Lídice da Mata, o qual dispõe sobre as famílias parentais,

que são aquelas formadas entre pessoas que têm relação de parentesco ou mantém comunhão

de vida com a finalidade de convivência familiar (art. 69).

Além disso, o referido projeto, ao tratar sobre a convivência familiar, termo utilizado

para se referir à guarda, determina que esta deve ser compartilhada mesmo em caso de

discordância entre os genitores e que pode ser estendida a qualquer pessoa com quem o

infante tenha vínculo de afetividade (art. 104), possibilitando, de forma expressa, o exercício

conjunto da guarda com a família extensa conforme defendido no presente trabalho.

Justiça do Estado de São Paulo, apelação cível nº 0000367-74.2008.8.26.0218, Des. Christine Santine, Quinta

Câmara de Direito Privado, data do julgamento: 03.08.2011). 76

“CIVIL E PROCESSUAL. PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR POR TIO E AVÓ

PATERNOS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. SITUAÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO

INTERESSE DA CRIANÇA. SITUAÇÃO FÁTICA JÁ EXISTENTE. CONCORDÂNCIA DA CRIANÇA E

SEUS GENITORES. PARECER FAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO

CONHECIDO E PROVIDO. I. A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa co-habitação do menor

com a avó e o tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e a anuência

dos genitores quanto à pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, é

recomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. II. Recurso especial conhecido e

provido.” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1147138/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior,

Quarta Turma, data do julgamento: 11.05.2010).

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Ante o exposto, pode-se concluir que o estabelecimento da guarda compartilhada com

a família extensa é uma nova forma de arranjo familiar, baseada numa realidade existente em

inúmeras famílias brasileiras, tendo como pressuposto a complementaridade, a solidariedade,

a afetividade e a importância do convívio da criança e do adolescente com todos aqueles que

contribuem para o seu pleno desenvolvimento.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações familiares sofreram inúmeras alterações ao longo do tempo, fato este que

ensejou uma alteração no conceito de família e nos princípios que regem esse instituto.

O novo perfil da família contemporânea, baseada no afeto, no respeito a ambas as

partes, na dignidade humana, na paternidade responsável foi sedimentado na Constituição

Federal e, posteriormente, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil.

O instituto da guarda passou a ser analisado sob a ótica do superior interesse da

criança, devendo esta ser tratada como sujeito de direitos e não como mero objeto de disputa

entre os pais.

Além disso, verificou-se que a convivência com todos aqueles que contribuem para a

criação, educação e assistência da criança e do adolescente é um direito destes, pois

possibilita o desenvolvimento sadio.

O instituto da guarda compartilhada surgiu como um importante elemento para

conscientizar as famílias da necessidade da participação dos pais na vida dos filhos, bem

como dos demais parentes, valorizando, assim, o papel de cada um dos membros da unidade

familiar.

Conforme visto, na sociedade atual é muito comum o auxílio prestado pela família

extensa aos genitores, principalmente nas situações de maior vulnerabilidade social, razão

pela qual bisavós, avós, tios e demais familiares ocupam papel de grande relevo na educação

e criação das crianças e dos adolescentes.

A importância da função desempenhada pela família extensa quando os pais não

conseguem atender a todos os direitos fundamentais dos filhos demonstra que a

responsabilidade e o cuidado não são exclusivos dos genitores, mostrando-se assim, que o

conceito de família natural também deve abranger a família ampliada nesses casos.

Em razão do exposto, buscou-se, com esse trabalho, a análise de um novo aspecto da

guarda exercida pela família extensa, ou seja, não apenas baseada no seu caráter substituto,

mas sim sob a ótica da complementação, razão pela qual defendeu-se a possibilidade da

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guarda compartilhada com a família extensa.

Dessa forma, verificando-se que a família extensa atua de forma protetiva,

responsável, educativa, assistencial e com vínculo de afetividade com a criança e com o

adolescente, mostra-se imprescindível o reconhecimento desse novo arranjo familiar, como

forma de tutelar os direitos fundamentais dos filhos e garantir uma convivência saudável entre

todos os membros daquela unidade familiar.

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