O fenômeno teatral, de Anatol Rosenfeld (Resenha Crítica).docx

3
O fenômeno teatral, de Anatol Rosenfeld (Resenha Crítica) O autor inicia o texto censurando a postura crítica segundo a qual o teatro seria um mero “veículo da literatura dramática”. Para ele, essa visão essencialmente literária do fenômeno teatral é extremamente reducionista, posto que não leva em conta as particularidades que pertencem somente ao espetáculo teatral, para além da própria literatura dramática. Porém, ao fazer essa crítica, Rosenfeld não pretende partir para o extremismo contrário à própria literatura dramática em si, de quem ele reconhece o devido valor e a pertinência para determinados tipos de peças teatrais. O que ele objetiva combater é a concepção que tenta reduzir toda a essência do teatro à literatura, qualificando como secundários todos os elementos que compõem o espetáculo teatral. Para Rosenfeld, a literatura dramática seria “apenas uma das possibilidades, um dos setores do teatro, sendo que devemos sempre atentar para o fato de que o texto literário que compõe a peça teatral, quando lido ou mesmo recitado, pertence ao universo da literatura, porém, no instante em que essa peça chega ao palco e é representada, ela passa a ser teatro. Ele afirma uma das principais diferenças entre a literatura e o teatro é o fato de que o que constitui o mundo imaginário da ficção literária são as inter-relações que os sintagmas linguísticos assumem entre si no texto, fazendo com que o leitor construa esse mundo em sua mente, com a ajuda de sua imaginação. Já no espetáculo teatral, para além do texto, esse imaginário é fundado pelo ator em cena e este, por sua vez, é constituído pela personagem. O teatro, nesse sentido, atualizaria o que na obra literária é apenas potencialidade. No texto literário, o leitor cria representações mentais com a ajuda de sua imaginação. A peça teatral dá ao espectador toda a plenitude de uma percepção existencial concreta onde as escolhas do ator são

Transcript of O fenômeno teatral, de Anatol Rosenfeld (Resenha Crítica).docx

Page 1: O fenômeno teatral, de Anatol Rosenfeld (Resenha Crítica).docx

O fenômeno teatral, de Anatol Rosenfeld (Resenha Crítica)

O autor inicia o texto censurando a postura crítica segundo a qual o teatro seria um mero “veículo da literatura dramática”. Para ele, essa visão essencialmente literária do fenômeno teatral é extremamente reducionista, posto que não leva em conta as particularidades que pertencem somente ao espetáculo teatral, para além da própria literatura dramática. Porém, ao fazer essa crítica, Rosenfeld não pretende partir para o extremismo contrário à própria literatura dramática em si, de quem ele reconhece o devido valor e a pertinência para determinados tipos de peças teatrais. O que ele objetiva combater é a concepção que tenta reduzir toda a essência do teatro à literatura, qualificando como secundários todos os elementos que compõem o espetáculo teatral.

Para Rosenfeld, a literatura dramática seria “apenas uma das possibilidades, um dos setores do teatro, sendo que devemos sempre atentar para o fato de que o texto literário que compõe a peça teatral, quando lido ou mesmo recitado, pertence ao universo da literatura, porém, no instante em que essa peça chega ao palco e é representada, ela passa a ser teatro.

Ele afirma uma das principais diferenças entre a literatura e o teatro é o fato de que o que constitui o mundo imaginário da ficção literária são as inter-relações que os sintagmas linguísticos assumem entre si no texto, fazendo com que o leitor construa esse mundo em sua mente, com a ajuda de sua imaginação. Já no espetáculo teatral, para além do texto, esse imaginário é fundado pelo ator em cena e este, por sua vez, é constituído pela personagem. O teatro, nesse sentido, atualizaria o que na obra literária é apenas potencialidade. No texto literário, o leitor cria representações mentais com a ajuda de sua imaginação. A peça teatral dá ao espectador toda a plenitude de uma percepção existencial concreta onde as escolhas do ator são consideradas atos criativos que preenchem as minúcias que o texto literário apenas sugere.

O trabalho do ator, nesse sentido, é o de atualizar as possibilidades de concretização áudio-visual sugeridas pelo texto. Ele “encarna” a palavra, no âmbito do simbólico, e realiza o mundo imaginário projetado pelo texto. Esse seria o fenômeno elementar do teatro, a transformação do ator em personagem, o próprio “desaparecimento do ator”, esse momento em que o ator “some” para dar vida à personagem, o real dá vida ao irreal. Essa transformação não seria só do autor, pois o próprio público participaria também dessa transformação, tendo em vista que “todos vivem intensamente a condição humana nos seus aspectos trágicos e cômicos”, e nisso residiria nossa grandeza e nossa fraqueza. Para o autor, nesse trabalho, onde o ator “sai” de si e dá lugar a um outro, encontramos uma metáfora de nossa própria busca existencial de uma identidade enquanto seres humanos. O trabalho que o ator desempenha é um trabalho criativo e espiritual como o de todo e qualquer artista.

Mais à frente, o autor irá tratar das relações entre o teatro, a indústria cultural e os outros meios de expressão artística e comunicação. Para ele, não obstante a “eficácia” de outros meios de atingir o público, apenas o teatro tem a capacidade mágica de fazer o público conviver no mesmo espaço e tempo com as personagens que “vivem” e se

Page 2: O fenômeno teatral, de Anatol Rosenfeld (Resenha Crítica).docx

movem em espaços e tempos fictícios. Além disso, o teatro, com sua presença viva e criadora, também funcionaria como focos de resistência e não-conformismo contra a passividade e ausência de questionamentos ante a manipulação do público pelas indústrias culturais.

Por ser em sua essência dialógico, o teatro trás em si a “forma imediata da comunicação humana” e, dessa forma, nos coloca em uma constante situação de diálogo. Todo diálogo pressupõe um outro, portanto o teatro nos coloca diante da alteridade e nesse movimento faz com que atentemos para nós mesmos.