O Feudalismo FRANCO JR Hilario

download O Feudalismo FRANCO JR Hilario

of 52

Transcript of O Feudalismo FRANCO JR Hilario

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    1/52

    l l l T R S=lill~m~~. Histomapa de Histria . John B. SparksColeo Primeiros Passos O q ue Histria . Vavy Pacheco BorgesColeo Tudo Histria A Inquis io Anita Novinsk As Cruzadas Hilrio Franco Jr.Coleo Primeiros Vos Sociedade Feudal Guerreiros, sacerdotes e trabalhadores '

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    2/52

    r ' .-1.+ 1 1 ' I Hlrio Franco Jr.v I _123(antigo 1 /Artistas grficosReviso:JosW. S. MoraesHerclio de Lourenzi

    fi I B L I O ~ t e 2 t T C, ,, I,c,,

    ;:,:;),'_::'~J,?~,tO

    ~ ( pg. ..aEditora Brasi liense SB. General Jardim, 16001223 - So Paulo - SP'Fone (011l231-1422

    L _

    INDI EIntroduo .-A gnese ~ .A estrutura . ~ , .A dinmica . .-. .- , .A crise ;.. , , .Concluso .Indicaes para leitura .

    792 967894100

    lt

    1 ,

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    3/52

    ..~

    L

    INTRODUOAspalavras, para o historiador, so sempre proble-mticas. Como explicar o passado com palavras que nosoemestranhas e pedantes aos no especialistas, e que, aomesmo tempo, sendo simples e de uso comum, no desvir-tuem as realidades histricas? Essa uma questo concre-ta quando pretendemos estudar o feudalismo , termo .

    aparecido apenas no sculo XVII, muito tempo depois domomento histrico. que ele devia designar. Melhor queessa expresso tornada clssica, seria ento empregar re-gime feudal ; sistema feudal , modo de produo feu-dai , civilizao feudal , sociedade feudal ou algumaoutra que se propusesse? Possivelmente, mas isso impli-caria justificar a escolha, nos afastando assim dos objeti-vos desta Coleo. Aqui e agora, mais importante do quediscutir metodologias e suas diferentes vises sobre este ouaquele ponto tentar compreender o que havia de fun-damental naquela realidade histrica conhecida por Feu-dalismo.Portanto, nosso primeiro passo deve ser delimitar oque queremos estudar. No espao: Europa Ocidental, dei-IJL

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    4/52

    . 8 Hilrio Franco Ir.xando de lado a discusso sobre a analogia com outrasregies. No tempo: sculos X-XIII, retrocedendo e avan-ando um' pouco para vermos a formao e desestrutu-rao do Feudalismo. Assim, temos pela frente uma vas-t ido terri torial (dois milhes de km) e temporal (400anos) nas quais no se pode logicamente pensar em en-contrar algo idntico e imutvel. Levando-se esse aspectoem considerao, seria talvez mais correto que os rtulosest ivessem no plural ( sociedades feudais , modos deproduo feudais etc.). Por outro lado, no se pode negarque naqueles limites geogrficos e cronolgicos houvesse,no essencial , uma unidade de estruturas e uma evoluosemelhante.Desta forma, preocupando-nos pouco com especfi-cidades regionais, examinaremos o Feudalismo no que eleapresentava de mais profundo, de mais estrutural. Procu-raremos v-locomo uma formao social surgida das no-vas condies decorrentes do desaparecimento do ImprioRomano e da penetrao de tribos germnicas, ou seja,como uma sociedade sada das runas da anterior masmelhor adequada s novas circunstncias de ento. Logo,o Feudalismo - como alis qualquer outro fenmenohistrico - no deveser objeto de nenhum juizo de valor,como ocorre frequentemente. No uso popular; no sensocomum, o Feudalismo sinnimo de anarquia poltica, deexplorao pura e simples de camponeses por c1ricos eguerreiros, de barbarismo e ignorncia generalisadas.Nossa pretenso to somente amenizar esta viso sim-plista sobre o Feudalismo, tentando mostr-lo como umasociedade histrica, isto , a nica possvel para o seutempo, herdeira do passado romano-germnico e prepa-radora de uma nova sociedade, a capitalista.

    aBNESE

    o processo de gestao do Feudalismo foi bas-tante longo, remontando crise romana do sculoHl, passando pela constituio dos reinos germ-nicos nos sculos V-VI e pelos problemas do ImprioCarolingio no sculo IX, para finalmente se concluirem fins desse sculo ou princpios do X. Para poder-mos acompanhar mais claramente esse processo,examinaremos sucessivamente sete de seus aspectosmais importantes: a ruralizao da sociedade, o enri-jecimento da hierarquia social, a fragmentao dopoder central, o desenvolvimento das relaes dedependncia pessoal, a privatizao da defesa, a ele-ricalizao da sociedade, as transformaes na men-talidade.O primeiro desses aspectos tinha raizes muitoantigas. A civilizao romana na sua fase inicialestivera baseada na agricultura, porm, em funo'das dificuldades que esta apresentava naquele solo

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    5/52

    ~

    r

    Hilrio FrancoJr.

    pouco favorvel, .aos poucos o comrcio passou a sero setor mais dinmico. Estruturalmente ligada a isso. estava a poltica imperialista que tornou o mar Medi-terrneo um lago romano. Contudo, as imensas con-quistas territoriais e o conseqente afluxode rique-zas provocaram profundas alteraes, cheias de con- ...seqncias, na sociedade e na economia latinas. or \exemplo, um grande crescimento do nmero de es- \1 : :cravos, o enfraquecimento da camada de pequenos ejmdios proprietrios rurais e a concentrao de ter-ras nas mos de poucos indivduos. -Ora, aquela situao apresentava claras contra-dies, pois o estoque de mo-de-obra escrava, baseda economia, precisava ser constantemente renovadopor novas conquistas. O Estado, dominado pelos ci-dados mais ricos, via seus rendimentos decrescerem,porque os poderosos escapavam aos impostos e ospobres no tinham condies de pag-los. Ademais,era preciso fornecer po e diverso plebe urbana -sem propriedades devido concentrao fundiria esem emprego devido concorrncia do trabalho es-cravo - para se camuflar o problema social. Assim,no havia condies econmicas e sociais de prosse-guirem as conquistas. Em outros termos, o sistemaescravista e imperialista no podia mais continuar ase auto-reproduzir. Era a crise.Como aquela era uma sociedade urbana, natu-ralmente a crise se manifestava mais claramente nas, cidades, com as lutas sociais, a contrao do comr-cio e do artesanato, a retrao demogrfica, a pres-so do banditismo e dos brbaros. Assim, entende-se

    .O Feudalismo 11

    que os mais ricos se retirassem para suas grandespropriedades rurais vil/ae), onde estariam mais se-guros e onde poderiam obter praticamente todo onecessrio. muito significativo que o Estado tenhaprecisado, atravs de legislao especfica, impedirque os prprios elementos encarregados da adminis-trao municipal icuriales) abandonassem as ci-dades.Colocava-se, ento, a questo da mo-de-obrarural, que foi solucionada por um regime de triplaorigem, que atendia ao interesse dos proprietriosem ter mais trabalhadores, ao interesse do Estado emgarantir suas rendas fiscais e ao interesse dos maishumildes por segurana e estabil idade. Desse encon-tro nasceu a importante insti tuio do colonato.'.De fato, as crescentes dificuldades em se obtertanto mo-de-obra escrava (devido aos problemas deabastecimento) quanto livre (devido ao retrocessopopulacional) punham em xeque as possibilidades deo grande 'proprietrio explorar suas terras proveito-samente. Buscou-se ento um novo sistema. Por este,a terra ficava dividida em duas partes: a reservasenhorial e os lotes camponeses. Estes lotes eramentregues a indivduos em troca de uma parcela do. que eles a produzissem e da obrigao de trabalha-rem na reserva senhorial sem qualquer tipo de remu-nerao. Tudo que era produzido na reserva cabia aoproprietrio.Para o Estado, vincular cada trabalhador a umlote de terra representava melhor controle do fiscoimperial sobre os camponeses e urna forma de incen- ~ J

    III

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    6/52

    i'

    l

    Hilrio Franco Ir.tivar a produo. Para os marginalizados sem bensou ocupao e para os camponeses livres, trabalharnas terras de um grande proprietrio significavacasa, comida e proteo naquela poca de dificul-dades e incertezas. Para os escravos, receber um lotede terra era uma considervel melhoria de condio.Para o seu proprietrio, era uma forma de aumentara produtividade daquela mo-de-obra e ao mesmotempo baixar seu custo de manuteno, pois os es-cravos estabelecidos num lote de terra servi casati)deixavam de ser alimentados e vestidos por seu amo,sustentando-se a si prprios.Assim, por um avil tamento da condio do tra-balhador livre e por uma melhoria da do escravo,surgia o colono. Sua situao jurdica, j definida nosculo IV, expressava nitidamente a ruralizao dasociedade romana. Ele estava vinculado ao lote queocupava, no podendo jamais abandon-lo, mastambm no podendo ser privado dele pelo proprie-trio. A terra no poderia ser vendida sem ele, nemele sem a terra. Asobrigaes que ele devia no eramleves, mas estavam claramente fixadas e no pode-riam ser modificadas arbitrariamente pelo latifun-di.rio. Em suma, o cotonus era juridicamente umhomem livre, mas verdadeiro escravo da terra.Naturalmente o colonato no era um fenmenoisolado, mas fazia parte de um processo mais amplo- segundo aspecto a considerar - de enrijecimento. da hierarquia social. Enquanto na Roma clssica ocritrio fundamental de diferenciao social era aliberdade, a partir do sculo lU a condio econ-

    oFeudalismomica e a participao nos quadros diretivos do Es-tado eram decisivas. Mais ainda, desde o sculo IVestabeleceu-se a vitaliciedade e hereditariedade dasfunes, quebrando a relativa mobilidade anterior elevando mesmo alguns historiadores (como Ferdi-nand Lot) a falarem em regime de castas . Damesma forma que se vincula.ra os camponeses terra,tambm se vinculou os artesos de cada especiali-dade a uma corporaco collegia) submetida ao con-trole estatal.Ora, como as camadas mdias urbanas e ruraistendiam a desaparecer, crescia a distncia social en-tre a aristocracia latifundiria e/ou burocrtica e amassa dependente em diversos graus. sintomticaa reforma monetria do sculo IV, que criava umpadro-ouro para uso do Estado e da aristocracia eum padro-cobre que atendia melhor as necessidadesdos pobres, sem haver escala de correspondnciaentre ambos: eram quase dois sistemas monetriosparalelos refletindo a'polarizao social..~.A penetrao dos brbaros germnicosno alte-rou esse quadro, pelo contrrio. De fato, a quebra daunidade poltica romana acentuava as tendncias re-gionalistas daquela aristocracia e reforava seus pri-vilgios. A vida e a populao urbanas, em decadn-cia desde o sculo IH, continuaram a evoluir nessesentido, mesmo sem ter esse processo sido aceleradopelas invases do sculo V, como seria pelas do s-culo IX. As camadas humildes tambm no tiveramsua sorte alterada, pois os invasores de maneira geralmantiveram as estruturas anteriores.

    13

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    7/52

    ;, i

    r

    14 Hilrio Franco Ir.

    Mais ainda, a prpria sociedade germnica logoaps sua instalao no Ocidente comeou a passarpor transformaes profundas. Nem poderia ser dife-rente, devido sua inferioridade cultural e numricafrente aomundo romano dominado: por volta do ano500, nos limites do antigo Imprio Romano do Oci-dente, havia um milho de brbaros numa popu-lao total de 30 milhes. Em funo disso, aquelastransformaes sociais germnicas convergiam paraa mesma polarizao que a sociedade romana vinhaconhecendo h tempos. Oprocesso teve incio quan-do os conquistadores impuseram a velha instituioda hospitalitas aos proprietrios romanos, expro-priando parte de suas terras (geralmente um tero).Na maioria das vezes aquelas reas caram emmos de membros da aristocracia germnica, quenelas estabeleciam, alm de escravos, homens livresde sua tribo como rendeiros ou mesmo pequenosproprietrios. Contudo, com o tempo, seguindo a l-gica da evoluo social da poca, aqueles homenslivres acabavam por entrar em algum tipo de depen-dncia. Portanto, as sociedades romana e germnica,. passando a ter estruturas semelhantes e identidadede interesses ao nvel das aristocracias, puderam aospoucos ir se fundindo numa nova sociedade.O terceiro aspecto da gnese feudal, a fragmen-tao do poder central, resultava daquele estado decoisas. Com a ruralizao, a tendncia auto-sufi-cincia de cada latifndio e as crescentes dificul-dades nas comunicaes, os representantes do poderimperial foram perdendo capacidade de ao sobre

    o Feudalismovastos territrios. Mais do que isso, os prprios lati-fundirios foram ganhando atribuies anterior-mente da alada doEstado. Por exemplo, em princ-pios do sculo V os colonos foram desligados daautoridade fiscal do Estado, que era delegada aoproprietrio da terra.As invases germnicas, por sua vez, quebraramdefinitivamente a frgil unidade poltica do Ocidentedo sculo V. Estabelecia-se assim o pluralismo quedesde ento jamais deixaria de caracterizar a vidapoltica europia. Porm, mais importante que isso o fato de que em cada reino germnico continuavama se manifestar as mesmas tendncias centrfugas dapoca romana. A formao de uma aristocracia fun-diria germnica, comovimos, contribua para tanto.Isso era reforado ainda pela decadncia da eco-nomia comercial e monetria, que levava os reis br-baros a remunerarem seuscolaboradores com a nica

    verdadeira riqueza da poca, terras. Contudo, destaforma os reis iam pouco a pouco se empobrecendo eseenfraquecendo. Falando do monarca franco da di-nastia dos merovngios, um. cronista afirmava queexceto esse intil ttulo de rei, (... ) ele nada possuade seu alm de uma nica terra de baixo rendimento,que lhe proporcionava uma habitao e um pequenonmero de servidores .De fato, os reis merovngios remuneravam seusservidores entregando a cada um deles uma extensode terra a ttulo de beneficium: Ou seja, concedia-seo usufruto (e no a plena propriedade) de um bemimvel em troca de determinados servios prestados.

    5

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    8/52

    r r 16 Hilrio Franco Jr.Tal concesso era feita vitaliciamente, mas comoquase sempre era renovada em favor do herdeiro doconcessionrio falecido, com o tempo tendia a setornar hereditria. Desta forma, o concessor perdia. aos poucos o controle sobre os benefcios cedidos eportanto sobre os prprios servidores assim remune-. rados. No muito diferente foi o destino de um tipode beneficium (o mais comum, alis, na poca mero-vingia) que implicava certo pagamento ao concessor:precariaMuitas vezes, o detentor de um benefcio recebiaum importante privilgio, que esvaziava ainda mais opoder real , a imunidade immunitas . Por ela, deter-minados territrios ficavam isentos da presena defuncionrios reais, que ali no poderiam exercer ne-nhuma de suas funes. Assim, o imunista tornava-se detentor de poderes regalianos, isto , inerentes aorei, podendo nos seus domnios exercer as correspon-dentes funes administrativasv.aplicar justia, reali ..zar recrutamente militar, cobrar impostos e multas.Apesar de mais antiga, essa instituio foi melhordefinida e generalizou-se no tempo de Carlos Magno,quando foi estendida a uma significativa parcela dosterritrios.de seu imprio.Contudo, apesar do grande nmero de benef-cios f: de imunidades concedidos, o poder de CarlosMagno era inquestionvel. Mas ele baseava-se 'emseu prestgio pessoal, de maneira que aps sua morte, os efeitos desagregadores daquela polt ica se fizeramsentir. E sobretudo aps meados do sculo IX, quan-do o Imprio Carolngio foi dividido entre os netos do

    l

    ,l I ' \ :i1 1' 1

    o Feudalismogrande imperador. Cada vez mais, ento, mesmo asfunes pblicas passaram a ser vistas como bene-fcios. Assim, os reis perdiam sua faculdade de no-mear e desti tuir seus representantes provinciais (con-des, duques, marqueses), cujos cargos tornavam-sebens pessoais e hereditrios. Em suma, ocorria umrecuo das instituies pblicas, ou melhor, sua apro-priao por parte de indivduos que detinham gran-des extenses de terra e nelas exerciam em proveitoprprio atribuies anteriormente da alada do Es-tado.o quarto aspecto - o desenvolvimento das rela-es de dependncia pessoal-era o resultado lgicodaquele quadro de isolamento dos grupos humanos(devido ruralizao), de crescimento da distnciasocial e da fraqueza do Estado. Alis, prprio dosmomentos de insuficincia das relaes sociais dentrodo Estado, da tribo ou da linhagem, que alguns bus-quem segurana e sustento junto a indivduos maispoderosos, e outros busquem prestgio e poder juntoa um grupo de dependentes, Mesmo na Roma cls-sica, apesar da existncia de um Estado forte - ouexatamente para fugir a ele -indivduos de origemhumilde colocavam-se sob o patronato de um pode-roso, tornando-se seus clientes. Em troca de ajudaeconmica e proteo judiciria, os clientes apoia-vam seus protetores nas assemblias polticas e pres-tavam diversos pequenos servios.Apesar de derivado da instituio da clientela,o patrocinium potentiorum dos ltimos tempos doImprio Romano criava laos de dependncia muito

    7

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    9/52

    18 Hilrio Franco Jr.

    mais fortes. Esses laos eram essencialmente econ-micos, enquanto os criados pela clientela tinham umcarter sobretudo poltico. Para fugir ao Estadoopressor e ao fisco insacivel, muitos camponeseslivres entregavam sua terra a um indivduo poderoso,colocando-se sob o seu patronato. Assim, ao retiraraqueles homens da rbita do Estado, os latifundi-rios tendiam a transform-Ios em colonos e a dimi-nuir a soberania do Estado. Por isso, desde meadosdo sculo IV, inmeras leis tentaram inutilmenteproibir o estabelecimento desse tipo de relao. Porfim, a insegurana provocada pela penetrao dosgermnicos generalizou o recurso a esse tipo de rela-o social conhecida por patrocinium ou, na suaforma germanizada, mundeburdis . O ato jurdicopelo qual uma pessoa secolocava assim sob a prote-o e a autoridade de outra era a recomendaocommendatio).Todavia, a instituio que mais sucesso terianesse desenvolvimento das relaes de dependnciapessoal foi a vassalagem. Sua larga difuso deu-sedesde Carlos Magno, pois como na verdade a autori-dade do imperador dependia mais da fidelidade deseus servidores pessoais do que de sua soberania te-rica, ele procurou estabelecer e reforar esses laospessoais. A origem da vassalagem difcil de serdeterminada, mas sua importncia data de meadosdo sculoVIII.Terminologicamente, foi ento que vassalus su-plantou outras palavras que tambm designavam umhomem livre que se havia recomendado a outro.

    o FeudalismoComo naquele momento as demais expresses quesignificavam homem dependente ganhavam senti-dos diversos, recorreu-se para tanto ao cltico gwas( rapaz , servidor ). Da latinizao deste termosurgiu vassus, e da do desdobramento gwassawl( aquele que serve ), vassalus. lristitucionalmente,foi ento que recomendao se acrescentou o jura-mento de fidelidade como reforo religioso, ou seja,da combinao dos dois atos nasciam as relaesvasslicas. Concretamente, foi ento que vassatidadee benefcio seuniram, com o primeiro destes elemen-tos tornando-se condio indispensvel para a con-cesso do segundo. Em outros termos, o benefcio eraa remunerao do vassalo (servidor fieI) e sum vas-salo receberia um benefcio (termo mais tarde subs-titudo por eudo ).verdade que inicialmente, no sculo VI, vas-salo apresentava uma conotao servil, mas desdeprincpios do sculo VII o termo passou a ser empre-gado tambm em relao a homens livres, ainda quede condio inferior. Por fim, como desde princpiosdo sculo VIII elementos da. aristocracia entravamnas relaes vasslicas, estas acabaram por se eno-brecer e mesmo, mais tarde, por se tornarem exclu-sividade daquela camada social. Os monarcas caro-lngios, ao incentivarem a difuso dos laos vassli-cos, pensavam reforar seu poder: como eles tinhammuitos vassalos, que por sua vez estabeleciam seusprprios vassalos, esta parecia ao rei uma forma deestender seu controle a todos os escales da socie-dade.

    19

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    10/52

    20 Hilrio Franco Ir.Contudo, o resultado foi oposto, pois muitasvezes os vnculos de um vassalo para com seu senhorlevavam-no a defender os interesses deste e no os dorei. Como observou Ganshof, a difuso das relaesvasslicas acabou por subtrair, em larga medida, umgrande nmero de homens livres autoridade ime-diata do Estado . Mas, por outro lado, lembra o

    mesmo autor, aquelas relaes mantinham um vn-culo entre os grandes senhoresterritoriais e o rei, for-necendo um elemento, e at elemento capital, deresistncia completa dissoluo do Estado .Quinto aspecto das origens do Feudalismo: aprivatizao da defesa. Naturalmente, ele decorriade todos os aspectos anteriores, e tanto entre osromanos quanto entre os germanos havia anteceden-tes institucionais: milcias particulares com laos dedevotamento pessoal ligando os guerreiros a. seuchefe. De fato, desde o sculo IV, diante da fraquezado Estado, os latifundirios romanos contavam comgrupos armados, os bucellarii, para preservar a or-dem dentro de seus domnios e proteg-los do bandi-tismo e de incurses brbaras. Entre os germanos,coerentemente com sua civilizao tribal e blica)havia o companheirismo ou comitatus . Tratava-seaqui de um bando de guerreiros ligados por umjuramento ao chefe, ao lado de quem deviam lutarat a morte, em troca de seu comando e de uma partedo saque. Derivados desta instituio surgiram napoca merovngia os antrustiones, guardas pessoaisdo rei.N o entanto, o grande fator responsvel pelo ace-

    o Feudalismoleramento do processo de privatizao da defesa fo-ram os ataques vikings, sarracenos e hngaros. Comosua fase aguda ocorreu aps a diviso do ImprioCarolngio e num contexto de crescente fraqueza dospoderes pblicos, a resistncia aos invasores s pode-ria ser feita pelos condes e outros efetivos detentoresde poder em cada regio. Alm disso, os ataques desurpresa e a rapidez da retirada dos invasores impe-diam que a lenta mobilizao dos exrcitos reaisconseguisse sucesso. Para sobreviver, a Europa cat-lica cobriu-se de castelos e fortalezas. A fragmenta-o poltica completou-se, pois a regionalizao dadefesa era uma necessidade.Outro aspecto a considerarmos a clericalizaoda sociedade, uma das mais profundas transforma-es ocorridas no Baixo Imprio Romano. Esse fen-meno acompanhava os progressos do cristianismo,acentuando-se a partir do sculo IV com a vitriadefinitiva dessa religio. verdade que o velho paga-nismo greco-romano possura uma camada sacerdo-tal, mas jamais ela chegou a se organizar institu-cionalmente, a constituir uma Igreja. Da sua limi-. tada importncia social, Pode-se assim falar, a partirda cristianizao do imprio, em clericalizao dasociedade em dois sentidos: quantitativamente, por-que a proporo de clrigos em relao ao conjuntoda populao torna-se muito superior que existirano paganismo ou mesmo que viria a existir em outrassociedades; qualitativamente, porque o clero torna-seum grupo social diferenciado dos demais, possuidorde privilgios especiais e de grande poderio poltico-

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    11/52

    Hilrio Franco Jr.

    econmico.Mas quais foram as origens desse fenmenofundamental? Sua complexidade nos leva a lembraraqui apenas uns poucos fatores. Em primeiro lugar,I ' I o fato de o clero cristo, ao contrrio do de outrasi ' religies, ter sido escolhido, instrudo e ter recebidoi, poderes diretamente da prpria divindade: assim fezCristo com seus apstolos, estes com os seus disc-pulos, os primeiros bispos, estes por sua vez comoutros clrigos e assim sucessivamente. Portanto, osguias da comunidade crist no eram apenas repre-.sentantes da prpria comunidade, mas de Cristo.Da advinha sua imensa autoridade moral, reforadapor normas diferenciadoras que iam se impondo aos

    )OUCOS, como o celibato ou a tonsura.Depois, como decorrncia do fator anterior, so-mente o clero norterin realizar os rituais da liturgiacrist. Esta. alis, do sculo IV ao VII no deixou decrescer em complexidade, exigindo cada vez maisque seus oficiantes fossem especialistas. A multipli-cao das festas religiosas e a melhor definio dossacramentos (por exemplo, o batismo de crianastornou-se a norma desde o sculo V) tambm contri-buram para valorizar () papel dos eclesisticos. 50-oretudo a celebrao eu caristica, smbolo -a aliana-;;l: . ' . , '1 :: Deus \) o homem I 113.r.~ pr;d:ri~~ocorrer sern aiderrnedia1c Jo clrigo. Numa palavra, monopoli-zando a comunicao com Deus, o clero tornava-se oresponsvel por todos os homens. Sem ele no have-ria Salvao.Tambm no se pode esquecer que o carter

    o Feudalismo

    Monooolirando a comunicao com Deus, o clero tor-nava-se o responsvel por todos os homens.

    3

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    12/52

    Ii

    I

    4 Hilrio Franco Jr.

    universalista fazia da Igreja crist a nica herdeirapossvel do Imprio Romano. E verdade que ela seconsiderava uma sociedade sobrenatural, que no deste mundo material, da reconhecer os direitos doEstado: dai a Csar o que de Csar, a Deus o que de Deus . Mas exatamente por isso, a Igreja supe-rava o Estado, visto como transitrio. Apesar deno ser deste mundo , a Igreja estava bem enrai-zada nele, formando uma sociedade autnoma ecompleta, com sua organizao e suas leis. Esta so-ciedade se expandia dentro da sociedade romana,acabando por se identificar com ela quando em finsdo sculo IV o cristianismo foi reconhecido comoreligio oficial do Estado. Assim, o desaparecimentodo imprio, isto , da face poltica da sociedaderomano-crist, no afetou a Igreja. Pelo contrrio,alargou o campo de sua atuao: por exemplo, antesmesmo da queda do imprio, os bispos iam substi-tuindo nas cidades a magistratura civil .Igualmente importante para se entender a cleri-calizao considerar o crescente poder econmicoda Igreja. Desde seus primeiros tempos, ela recebiadonativos dos fiis, apesar dos obstculos colocadospelo Estado. A partir de 321, quando o imperadorConstantino autorizou a Igreja a receber legados,a quantidade de seus bens cresceu rapidamente.Desde 313, quando aquele imperador decretara aliberdade de culto aos cristos, pondo fim s perse--. guioes, o prprio Estado revelou-se o mais prdigodoador. Por isso que em meados do sculo VIIIa Igrf.'ja pde falsificar o documento conhecido por

    o FeudalismoDoao de Constantino. Segundo este.. no sculo IVteria sido transferido par o papa o poder imperialsobre Roma, a Itlia e todas as provncias romanasdo Ocidente. Na verdade, ao agirem assim os diri-gentes da Igreja no pensavam estar falseando osfatos histricos, mas apenas recordando um fato reale justo.Mas os bens efetivamente recebidos j faziam daIgreja, no sculo V, a maior proprietria fundiriadepois do prprio Estado. Por um lado, porque asdoaes no deixavam de crescer: Santo Agostinhorecomendava mesmo que todo cristo ao fazer testa-mento deixasse Igreja a parte de um filho . Poroutro lado, o celibato clerical, que aos poucos ia seimpondo como norma, impedia a diviso ou aliena-o do patrimnio eclesistico, que assim aumentavaconstantemente. A chegada dos germnicos no alte-rou no essencial esse estado de coisas. Perfei tamenteintegrada na economia agrcola da poca, a Igrejapassou a receber e ceder benefcios. Tinha, portanto,vassalos, colonos e escravos. No sculo IX ela deti-nha, estima-se, uma tera parte das terras cultivveisda Europa catlica.Por fim, um ltimo aspecto a ser considerado noprocesso da gnese do Feudalismo so as transfor-maes na mentalidade. Contudo, elas so difceis deserem acompanhadas e impossveis de serem data-das: a mentalidade tem um ritmo histrico muitomais lento que os fatos sociais, econmicos ou pol-ticos. De qualquer forma, aquelas transformaesestiveram ligadas ao cristianismo, que na verdade foi

    5

    JII

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    13/52

    ~'I

    'i.

    ~

    l f iil)f l

    6 Hilrio Franco Ir.r r ;] muito mais sua expresso do que sua causa. Para

    ::lC ;. aqui, basta lembrar trs daquelas mutaes'r,~,l'r:1.iS: um novo relacionamento homem-Deus,',:.'. nova concepo do papel do homem no uni-i: .: .. uma nova autoconcepo do homem.Um dos elementos centrais da mentalidade cls-sica Iora a harmonia do homem com a natureza,oque criara condies para O' desenvolvimento doracionalismo. Contudo, por ter permanecido restritoa uma elite urbana e intelectual e ter com o tempomostrado os limites de sua ao efetiva, o raciona-Esmo foi sendo superado. A decadncia dos quadros,scio-poltico-econmicos que tinham acompanhadoseu desenvolvimento acelerou seu processo de trans-formao. O surgimento e o sucesso do cristianismonaquele momento refletiam tal estado de esprito e aomesmo tempo reforavam-no. Ou seja, o cristianismopassava a responder melhor aos anseios espiri tuais deum nmero crescente de pessoas, cujos problemasno eram solucionados pelo frio e ultrapassado ra-cionalismo greco-romano.Assim, firmava-se aos poucos uma mentalidadesimblica que via no mundo um grande enigma deci-frve l somente pela f. Um mundo que ganharia; ec : l : id apenas atravs de Deus. A razo passava aser vista como um instrumento diablico, que man-tinha o homem na iluso de uma falsa sabedoria queo afastava da Verdade. A natureza passava a ser umvu entre o homem e Deus: como disse Santo Agos-tinho, desgraados daqueles que amam os Vossossinais em vez de Vos amar aVs mesmo . Porm,

    o Feudalismohavia a possibilidade de levantar esse vu e se apro-ximar de Deus, servindo-O. Firmava-se assim umanova aliana, pela qual o homem atravs de determi-nadas aes ganharia as recompensas celestiais. Emfuno disso e do crescente clericalismo, foi se desen-volvendo um ritualismo (isto , excessiva preocupa-o com os aspectos formais, exteriores, da religio)que levou a poca carolngia a ser chamada de civi-lizao da liturgia . 'Tal relao de reciprocidade entre Deus e ohomem colocava este numa posio diversa da quetivera anteriormente. No paganismo clssico ele esti-vera diante de deuses sem o sentido do Bem e doMal, divindades prximas ao homem e que se dife-renciavam dele apenas pela imortalidade. Com ocristianismo, por outro lado, o homem viu-se diantede um Deus distante e onipotente e de um Demniosempre presente e tentador. Colocado entre as forasdo Bem e do Mal, no centro de um combate a quenopoderia fugir, o homem jogava seu destino. Cadavez mais, a partir do sculo IH e mais claramente doIV, a presena do demnio na vida cotidiana erapara o homem da' poca uma realidade palpvel.Combater aquela presena era portanto uma neces-sidade. Mais ainda, um grande teste a que o homemera submetido e cujo resultado definia o destino desua Vida Eterna.Disso tudo decorria, naturalmente, uma novaviso do homem sobre si mesmo. Desde o sculo IIIdesenvolvia-se - significativamente, mesmo no pag -nismo - uma concepo fatalista, pela qual a condi- t

    j-----

    27

    IjIiI~

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    14/52

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    15/52

    Ii

    Jij Hilrio Franco Jr.I mnico em relao ao secundrio (indstria) e aotercirio (comrcio e servios). Era claramente uma sociedade agrcola pelo fato de essa atividade envol-. ver a grande maioria da populao e por quase todos,direta ou indiretamente, viverem em funo dela.Mais ainda, o prprio comportamento dos indivduose os valores socialmente aceitos estavam intimamenteligados a esse carter agrcola. De qualquer forma,isso no significa que outras atividades econmicasno fossem praticadas e no tivessem mesmo umpeso considervel.Alm de artesos ambulantes que iam de regioem regio manufaturando a matria-prima local emtroca de casa, comida e umas poucas moedas, quasetodo senhorio tinha sua prpria produo artesanal.Os trabalhadores eram os camponeses, com os maishbeis sendo utilizados nas tarefas que requeriammais cuidado e qualidade (armas, por exemplo). Asmatrias-primas a serem transformadas eram quasesempre produzidas no local, fossem de origem ani-mal (leite, carne, couro, l, ossos), vegetal (fibrastxteis, madeira) ou mineral (ferro, chumbo, carvo).Assim, cada grande domnio agrcola procurava pro-duzir tudo que fosse preciso na vida cotidiana: queijo,manteiga, carnes defumadas, tecidos, mveis, uten-slios domsticos, instrumentos agrcolas, armas etc.O comrcio, ao contrrio do que os historiadorespensavam at h algum tempo, mantinha mesmocerto porte, apesar de irregular e de intensidademuito varivel conforme as regies. Certas mercado-rias imprescindveis em todos os locais, mas encon-

    o Feudalismotrveis apenas em alguns - caso do sal, por exemplo- eram objeto de trocas comerciais constantes eimportantes. Mais do que esse comrcio inter-regio-nal, as trocas locais desempenhavam papel de pri-meira ordem, com os camponeses levando feira seupequeno excedente produtivo e podendo, por suavez, comprar algum artesanato urbano. Assim, aindaque de incio timidamente, desde meados do sculoXI a zona rural foi-seintegrando nos circuitos comer-ciais. Havia, ainda, um comrcio a longa distnciaque ligava o Ocidente ao. Oriente, de onde eramimportadas mercadorias de luxo consumi das pelaaristocracia laica e clerical.Portanto, uma economia agrria, mas no ex-clusivamente. Devemos abandonar a imagem, exage-rada, de uma agricultura feudal fechada, isolada eauto-suficiente. verdade que a pequena produti-vidade fazia com que qualquer acidente natural(chuvas em excesso ou em falta, pragas) ou humano(guerras, trabalho inadequado ou insuficiente) pro-vocasse perodos de escassez. Desta forma, sempreassustados com a possibilidade da fome, cada senho-rio procurava suprir suas necessidades, produzindopara seu consumo tudo que ali fosse possvel. Mesmoem solos pouco favorveis a determinados cultivos,no se deixava de produzi-los, ainda que de m qua-lidade e em pequena quantidade, para no se depen-der de outros locais. Mas quando era preciso recorrer produo de outras regies, havia circuitos comer-ciais para isso. Em suma, era uma agricultura ape-nas tendente subsistncia.

    3

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    16/52

    ~

    J.

    3 Hilrio Franco Ir.

    Mas ter sido essencialmente agrrio no dife-rencia o Feudalismo das demais sociedades pr-industriais. O elemento central, aqui, reside no tipode mo-de-obra feudal. Como j vimos, as transfor-maes pelas quais passava o escravo da Antiguidadee o trabalhador livre acabaram por criar um tipointermedirio, o colonus romano, antepassado diretodo servo feudal. Da mesma forma, o latifndio ro-mano acabou com o decorrer dos sculos por gerar atpica unidade de produo feudal, o senhorio. Ecom a profunda e total interligao servo-senhorio,chegamos ao que h de mais essencial no compo-nente econmico do Feudalismo.De fato, os senhorios estavam divididos em trspartes, todas trabalhadas e exploradas (ainda queno exclusivamente) pelos servos. A reserva senho-rial, com 30 ou 40% da rea total do senhorio, eracultivada alguns dias por semana pelos servos emfuno da obrigao conhecida por corvia. Todo oresultado desse trabalho cabia ao senhor, sem qual-quer tipo de pagamento ao produtor. Os lotes man-si) camponeses ocupavam no conjunto de 40 a 50 0/ 0do senhorio. Cada famlia cultivava o seu lote, deletirando sua subsistncia e pagando ao senhor pelousufruto da terra uma taxa fixa conhecida por censo.O servo devia, ademais, uma parte do que produzia(talha), um pequeno valor anual para marcar sua. condio de dependncia chevage), uma taxa parase casar com pessoa de outra condio social ousubmetida a outro senhor formariage), um presenteao senhor para poder transmitir o lote hereditaria-

    o Feudalismo 33mente a seu filho (mo-morta). Como todos os habi-tantes do senhorio, pagava tambm, as chamadasbanalidades pelo uso do moinho, do forno e dolagarmonopolizados pelo senhor. A terceira parte do se-nhorio, ocupando 20 ou 30% dele, eram as terrascomunais (pastos, bosques, baldios) exploradas tantopelo senhor (atravs de seus servidores domsticos)quanto pelos camponeses. Aquela rea era utilizadapara pastagem dos animais, para a coleta de frutos e.a extrao de madeira e - direito exclusivo do se-nhor - para ~caa.Contudo, preciso colocar essa relao no seudevido lugar, lembrando a forte conctao religiosaque ela possua, que fazia o senhor ser visto tambmcorno um patrono,um propiciador de fertilidade, eno simplesmente um explorador. Como observouGeorges Duby, tais valores ocupavam um lugardeterminante nos procedimentos de reciprocidade ede redistribuio. As obrigaes morais que, emtempo de fome, levavam todo senhor a abrir seus ce-leiros aos pobres, vinham de fato materializar umagenerosidade permanente que, no invisvel, fazia fluirdas mos dos poderosos os princpios da fertilidade eda abundncia. Como os chefesbantos, como oschefes de Ruanda, os da Idade Mdia europia apa-recem em primeiro lugar como dispensa dores dafecundidade, o que legitimava suas exigncias e faziaconvergir para sua casa todo um sistema de oferen-das ritualizadas ..Socialmente, o Feudalismo era uma sociedadede ordens, isto , estratificada em grupos de relativa

    jI

    IIiI

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    17/52

    '.

    J

    34 Hilrio Franco Jr.

    fixidez. Nas palavras de um bispo do sculo XI, Adal-beron de Laon, o domnio da f uno, mas h umtriplo estatuto na Ordem. A lei humana impe duascondies: o nobre e o servo no esto submetidos aomesmo regime. Os guerreiros so protetores das igre-jas. Eles defendem os poderosos e os fracos, prote-gem todo mundo, inclusive a si prprios. Os servospor sua veztm outra condio. Esta raa de infelizesno tem nada sem sofrimento. Quem poderia recons-t ituir o esforo dos servos, o curso de sua vida e seusinumerveis trabalhos? Fornecer a todos alimento evestimenta: eis a funo do servo. Nenhum homemlivre pode viver sem eles. Quando um trabalho seapresenta e preciso encher a despensa, o rei e osbispos parecem se colocar sob a dependncia de seusservos. O senhor alimentado pelo servo que ele dizalimentar. No h fim ao lamento e s lgrimas dosservos. A casa de Deus que parece una portantotripla: uns rezam, outros combatem e outros traba-lham. Todos os trs formam um conjunto e no seseparam: a obra de uns permite o trabalho dos outrosdois e cada qual por sua vez presta seu apoio aosoutros .Como toda construo ideolgica, esse esquematripartido no era uma descrio do real, mas umarepresentao mental, um sonho, um projeto de agirsobre o real. No por acaso, ele de comeo do s-culo XI, quando o Feudalismo provocava transfor-maes sociais - aparecimento dos cavaleiros, totalsujeio do campesinato - que geravam tenses.Da a necessidade de um reacomodamento dos qua-

    o Feudalismodros sociais, do estabelecimento de um sistema es-trita e definitivamente hierarquizado. Portanto, aideologia das trs ordens funcionava para a eli te, esobretudo para a eli te. clerical elaboradora do mo-delo, como um sonho e tambm como uma armapara manter seus interesses, O prprio uso do termoardo (ordem) significativo no seu duplo sentido:corpo social isolado dos demais, investido com res-ponsabilidades especficas; organizao justa e boado universo, que deve ser mantida pela moral e pelopoder. Assim, ardo expressava certo imobilismo so-cial visto como garantia de preservao da Ordemuniversal. Ou seja, diante das foras do Mal (en-tenda-se transformaes e contestaes sociais) queameaavam o mundo, aquele modelo ideolgico pre-tendia ser estabilizador.De fato, a ordem terrestre baseia-se na ordemceleste, que imutvel. Por isso, a humanidade, feita imagem do Criador tambm deve ser una e trina.Como na Cidade deDeus existe a desigualdade, umahierarquia de mritos, assim deve ser tambm naCidade do Homem. Desigualdade e portanto obe-dincia, mas atenuada pela idia de todos os cristosterem um s corao, formarem um s corpo, com.cada membro tendo uma funo. Como dissera So'Paulo, num s corpo temos muitos membros, masnem todos os membros tm a mesma funo; assimtambm ns, conquanto somos um s corpo emCristo e membros uns dos outros, tendo porm dife-rentes dons segundo a graa que nos foi dada .Assim, frente hierarquia, a concrdia: Da multi-

    35

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    18/52

    : iIli: 1li

    ~

    36 Hilrio Franco Ir.

    plicidade saa a unidade.Portanto, no se negava a desigualdade, mas elaera justificada atravs da reciprocidade, da trocaequilibrada de servios. Uns rezando para afastar asforas do Mal e trazer os favores divinos para ohomem: os clrigos ou oratores na linguagem dapoca. Outros lutando para proteger a sociedade.crist dos infiis (muulmanos) e dos pagos (vi-kings, hngaros, eslavos): os guerreiros ou bellato-res. Outros ainda produzindo. para o sustento detodos: os trabalhadores ou laboratores, termo queexpressava no s o trabalho em si mas tambm o.esforo, a fadiga, o sofrimento como forma de peni-tncia, a dor corporal trocada pelo pecado.Os clrigos, especialistas da orao, desempe-nhavam papel central por deterem o monoplio dosagrado. S atravs deles os homens se aproximavamde Deus. S eles sabiam interpretar corretamente omundo dos homens, visto como um conjunto de sim-bolismos que refletia o mundo celeste, a Cidade deDeus. Portanto, eles exerciam poderoso controle so bre a conduta dos homens, elaborando o cdigo decomportamento moral, de ao social e de valoresculturais. As esmolas e doaes recebidas pela Igrejafaziam do clero um grupo possuidor de extensosdomnios fundirios e portanto de poder econmico epoltico. Assim, os oratores estavam naturalmentemuito prximos da aristocracia laica tambm deten-tora de terras. E nela o clero requisitava seus ele-mentos.De fato, ao contrrio das demais camadas so-

    o Feudalismociais, O clero no se auto-reproduzia em virtude docelibato. Esta norma era, ao mesmo tempo, a fora ea fraqueza do clero. De um lado, ela impedia adiviso do patrimnio eclesistico, fonte de prest gioe poder. De outro, obrigava o clero a buscar seuscomponentes no grupo social mais prximo, a no-breza, atraindo muitas vezes indivduos mais em fun-o de seu patrimnio do que da funo sacerdotal.Portanto, o clero funcionava como uma forma decolocao dos filhos secundognitos da nobreza, queno herdavam as terras do pai devido regra deprimogenitura que reservava tudo ao filho mais velho .Assim, em ltima anlise, as aristocracias clerical elaica compunham um grupo com a mesma origemfamiliar e os mesmos interesses.Os guerreiros, detentores de terras e do mono-plio da violncia, isto , da fora militar, tinhamdupla origem. O estrato mais alto dos bellatores eraconstitudo por indivduos pertencentes a antigas li-nhagens. Muitas vezes essas famlias remontavam agrandes servidores, importantes personagens da po-ca carolngia, Assim, a verdadeira nobreza feudal eraum pequeno grupo de. pessoas com descendentesimportantes e conhecidos. O segundo nvel da ca-mada dos bellatores era formado por elementos deorigem humilde, armados e sustentados por umpoderoso senhor, que geralmente lhes cedia umacerta extenso de terra com os correspondentes tra-balhadores. Assim surgiram os cavaleiros.Acompanhando a tendncia da poca, os cava-leiros acabaram, nas terras recebidas, por se apossar

    37

    .~,- ,

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    19/52

    ~

    38 Hilrio Franco Jr .de poderes polticose por ter domnio sobre os cam-poneses. Assim, seu estilo de vida tendia a imitar oda velha nobreza a quem servia. A superioridade datcnica decombate a cavaloaumentava seu prestgioe poder. Seu ttulo, miles ( cavaleiro ), foi com otempo seenobrecendo graas Igreja. Os cada vezmais freqentes casamentos entre pessoas dos doisnveis da aristocracia laica levavam fuso entreelas. Desta forma, em fins do sculo XII na Franadesapareceram as diferenas entre nobres e cava-leiros.Os trabalhadores apresentavam uma grandediversidade de condies, desde camponeses livresat escravos. As pequenas propriedades rurais noligadas a um grande domnio, conhecidas por al-dios,eram cultivadas peloproprietrio e sua famlia.Contudo, a partir do sculoXI, fosse em virtude dedoaes Igreja, de endividamento ou de pressesdosaristocratas, os aldiosdesapareceram emgrandenmero. Seus antigos proprietrios ou entraram en-to em algum tipo de dependncia ou, apesar daperda da terra, mantiveram-se livres mas traba-lhando num grande domnio. Esta foi uma das ori-gens do vilo, campons livre que recebera um lotede terra de um senhor, mas em troca de obrigaes elimitaes relativamente leves, podendo deixar aterra quando quisesse.Os escravos, ainda numericamente' importantesat o sculoVIII, passaram desde ento a se fundir,sobmodalidades diversas, sobretudo comoservos,namassa de trabalhadores dependentes detentores de

    o Feudalismoum lote de terra. Em parte, isso se deveu s trans-formaes econmicas da poca, que com sua ten-dncia autarcia tornavam desinteressante a umsenhor fiscalizar e alimentar bandos de escravosgeralmente pouco produtivos. Em parte, Igreja,que apesar de ser grande proprietria de escravos econsiderar a escravido um meio de expiao dopecado original, admitia-os aos sacramentos e assimrecuperava sua dignidade humana. De qualquerforma, os escravos jamais desapareceram na pocafeudal, mantendo mesmo certa importncia nas re-giesmeridionais.Sem dvida, porm, o principal tipo de traba-lhador no Feudalismo eram os servos. Contudo, no fcil acompanhar a passagem da escravidopara aservido. Ela se deu lentamente, com variaesre-gionais, mas sempre acompanhando o carter cadavez mais agrrio da sociedade ocidental. De fato,coma atrofia da economiamercantil era mais difcilrecorrer-se mo-de-obra escrava (caso em que otrabalhador mercadoria) ou assalariada (caso emque a fora de trabalho mercadoria). Assim, apre-sentava-se como soluo natural a mo-de-obra ser-vil, isto , produtores dependentes, sem liberdade delocomoo (de que goza um assalariado), mas queescapavam arbitrariedade de um senhor (que atin-giao escravo).A servido tinha uma dupla origem. De umlado, os servi casati da poca carolngia (sculosVIII-IX), escravos que haviam recebido uma casa eterra para cultivar. De outro, colonos e demais ho-

    39

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    20/52

    1' d

    -'

    4 Hilrio Franco Ir.

    mens livres, submetidos, espontaneamente ou no,ao poder de grandes proprietrios rurais. Os primei-ros constituam a servido pessoal, eram homens decorpo de um senhor, a quem pertenciam da solados ps ao alto da cabea , e podiam ser dados,vendidos ou trocados. Os segundos constituam aservido real, estando ligados a uma terra que nopodiam abandonar. Em ambos os casos a condioservilera transmitida hereditariamente, primeiro porlinha feminina, e a partir do sculo XII por linhamasculina.Portanto, para se pensar a mecnica das rela-es sociais, podemos considerar a existncia de duascamadas bsicas: senhores de terra e poder polticooratores e bellatores), e despossudos, geralmentedependentes laboratores). Assim, eram possveistrstipos de relaes sociais: duas horizontais (uma intra-camada dominante e outra intracamada dominada) euma vertical (intercamadas). No primeiro tipo a re-lao se dava, como veremos algumas pginas adian-te, atravs do contrato feudo-vasslico. No segundotipo, os camponeses se organizavam para empreen-derem conjunto certas tarefas (arar um campo, des-matar uma rea) ou resistir a presses senhoriais (porexemplo, para privatizar as terras comunais).O terceiro tipo de relao social constitua-sepor sua vez num elemento central do Feudalismo.Ele era a razo de ser do primeiro, na verdade formade a aristocracia dividir o produto do trabalho cam-pons, e do segundo, forma de os camponeses resis-tirem a abusos aristocrticos. As relaes verticais

    o Feudalismoimplicavam, como j vimos, diversas obrigaes emservio, em produtos e em dinheiro devidas pelostrabalhadores aos seus senhores. Desta forma, es-tima-se, de 30 a 50% do que eles produziam eramtransferidos para as mos da aristocracia laica eclerical.Politicamente, ocorria uma fragmentao dopoder central, uma debilidade do poder pblico queresultava na transferncia das atribuies do Estadopara mos de particulares. Ou melhor, com a fra-queza da prpria concepo de Estado e com odesen-volvimento de particularismos regionais (influnciasgermnicas), com a decadncia do Imprio Caroln-gio e a apropriao de poderes rgios por seus repre-sentantes, com a crescente importncia da terra navida econmico-social, os detentores de terra passa-ram a exercer nos seus senhorios poderes polticos.Surgiram assim desde princpios do sculo XI oschamados senhorios banais, nos quais os senhorestinham poder de bannum, isto , de mandar, tribu-tar, julgar e punir seus habitantes.O processo poltico centrfugo que vinha desdeos ltimos tempos de Roma, foi expressado e acele-rado pelo desaparecimento do Imprio Carolngio.Surgiram ento grandes principados territoriais, du-cados e condados, cujos titulares deixavam cada vezmais de representar o poder monrquico e passavama agir de forma independente. A tendncia de parce-lamento da soberania continuava a se manifestar nointerior desses principados, com amplas reas esca-pando ao poder ducal ou condal e passando ao dom-

    41

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    21/52

    i~

    jI~ij~ :~ ; 1t it i Jl i1i

    I\. l

    42 Hilrio Franco Jr.nio efetivo de seus servidores (viscondes, casteles).Assim, o mapa poltico da Europa Ocidental pulve-rizou-se numa infinidade de pequenos territrios,unidades administrativas, judiciais, militares e fis-cais, verdadeiros micro-Estados.Que papel cabia ento ao poder monrquico?Em funo das transformaes que ocorriam, o reipassava a ter um duplo e contraditrio carter. Porum lado, continuava a ser o soberano, a ter teori-camente poderes bastante extensos sobre seus sdi-tos. A relao com estes era unilateral, pois o sobe-rano tinha carter sagrado que originrio do AntigoOriente passara para o Imprio Romano e fora refor-ado pelo cristianismo. Ele era Rex Dei Gratia, reipor graa de Deus . Como ocorria no Antigo Testa-mento, sua sacralidade era confirmada pela uno,pelo rito de o bispo passar-lhe leos santos. Assim,ele podia curar certas doenas apenas pelo contato desuas mos. Sobretudo, ele era nico: se os grandessenhores feudais imitaram o uso de insgnias reais,como anel, gldio e mesmo coroa, jamais algumdeles teve a pretenso de ser ungido e de possuircarter sagrado.Por outro lado, contudo, o rei era suserano. Istoimplicava uma relao bilateral entre ele e seus vas-salos, com direitos e obrigaes recprocos. Assim,como suserano ele no tinha poder poltico-diretosobre o conjunto da populao, exercendo-o apenas,e de forma muito limitada, atravs deinmeros inter-medirios, seus prprios vassalos e osvassalos destes.Portanto, em termos prticos, o rei era um senhor

    o Feudalismofeudal como os demais, mandando efetivamenteapenas nos seus senhorios, e vivendo daquilo queestes produziam. Em suma, por ser soberano, o reino desapareceu com o Feudalismo, mas se adaptous novas condies tornando-se suserano; por sersuserano, manteve uma frao de seu poder anterior,podendo com a decadncia do Feudalismo assumirnovamente o papel de soberano.Institucionalmente, diante da fraqueza do Es-tado e da necessidade de segurana, desenvolviam-seas relaes pessoais, diretas, sem intermediao doEstado. Estreitaram-se assim os laos de sangue, asrelaes dentro das famlias, das linhagens, gruposcuja solidariedade interior podia melhor proteger osindivduos em relao ao exterior. Por exemplo, con-siderava-se a morte violenta de uma pessoa comoatingindo todo -o grupo, pondo em ao a faide avingana dos parentes . Ou seja, no havendo insti-tuies pblicas encarregadas da punio do agres-sor, os amigos e parentes da vtima faziam justiapelas prprias mos. Dentro do mesmo esprito, pelovelho costume germnico do wergeld, o preo dohomem, a fal ta de um indivduo comprometia todasua famlia e devia ser resgatada por um pagamento famlia da pessoa ofendida ou prejudicada. Osatos, ativos ou passivos, de um indivduo envolviamtodos os seus parentes.Este forte sentimento grupal, o que natural-mente no exclua desentendimentos internos, existiatanto no seio da aristocracia quanto no do campesi-nato. Contudo, os laos de sangue eram claramente

    43

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    22/52

    1

    , i

    J

    44 Hilrio Franco Ir.

    insuficientes para as necessidades sociais: da a for-mao de vnculos fora do parentesco. Como obser-vou Marc Bloch ao estudar a importncia dos laoshomem a homem, a fora da linhagem foi um doselementos essenciais da sociedade feudal; (contudo)a sua fraqueza relativa explica que o feudalismotenha existido . Ou seja, como os laos familiaresno bastavam, criaram-se laos artificiais, uns li-gando homens livres entre si, outros ligando homenslivres e dependentes. Este ltimo tipo, isto , a re-lao nobre-campons, baseada na desigualdade,estabelecia, como j vimos, complexos vnculos eco-nmicos, religiosos e polticos; o senhor era um mistode protetor' e propiciador. Por sua vez, a relaoentre nobres, baseada na igualdade, fundamentava-se no contrato feudo-vasslico.Este era criado por trs atos, realizados diantede testemunhas mas poucas vezes colocados por es-crito. O primeiro ato era a homenagem, pela qualum indivduo (o futuro vassalo) se ajoelhava diantede outro (que se tornava o senhor feudal), colocavasuas mos nas dele e se reconhecia como seu ho-mem . O segundo ato, logoa seguir, era ojuramentode fidelidade: depois de se pr em p, o vassalojurava sobre a Bblia ou relquias de santos. Muitasvezes, especialmente na Frana, a fidelidade era se-lada pelo osculum, beijo trocado entre ambos. O ter-ceiro ato era o da investidura, pelo qual o senhorentregava ao vassalo um objeto (ramo, punhado deterra etc.) simbolizador do feudo ento concedido.Esta cerimnia feudo-vasslica possua forte

    o Feudalismocrga simblica, muito bem estudada por Jacques LeGoff. Como ele mostrou, as trs fases do ritual for-mavam um todo, um conjunto coerente, que expres-sava simbolicamente a relao vassalo-senhor feudalbaseada na desigualdade-igualdade-reciprocidade.De fato, na homenagem transparece uma relao dedependncia, de inferioridade do vassalo, que se en-contra ajoelhado diante do senhor, que atravs depalavras se entrega a ele, que tem suas mos envol-vidas, num gesto de desamparo e submisso. Mas osegundo ato altera a relao, pois ambos se encon-tram de p, frente a frente, para ojuramento e sobre-tudo para o beijo, na boca, claro indicativo de ati-tude entre pessoas iguais. Por fim, o dom da auto-entrega (homenagem) e da fidelidade (juramento)tinham como contradom a concesso do feudo (inves-tidura): selva-se o pacto, a reciprocidade.Mais ainda, o contrato feudo-vasslico estavabem de acordo com dois elementos importantes dapoca, os laos familiares nas relaes sociais e acomplementaridade das funes sociais. De fato,quando pela homenagem algum se tornava moovassalus) de um ancio senior), estabelecia-seum pseudoparentesco entre filho e pai. Entre eles,como nas relaes paternais-filiais biolgicas, deviahaver respeito efidelidade, um devia servir, outrosustentar. O vassalo, filho simblico, geralmente maisjovem e vigoroso, precisa de terra e camponeses;o senhor feudal, pai simblico, geralmente mais ricoe experiente, precisa de guerreiros. Portanto, mu-tualidade, mas numa organizao hierrquica .

    45

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    23/52

    J

    46 Hilrio Franco Ir.

    (Duby)Enfim, quais eram as obrigaes recprocas?Elas foram definidas em princpios do sculo XI pelobispo Fulbert de Chartres: Aquele que jura fideli-dade ao seu senhor deve ter sempre presente na me-mria seis palavras: so e salvo, seguro, honesto,til, fcil, possvel. So e salvo, para que no causequalquer prejuzo ao corpo do seu senhor. Seguro,para que no prejudique o seu senhor divulgando osseus segredos ou dos castelos que garantem sua segu-rana. Honesto para que no prejudique os direitosde justia do seu senhor ou outras prerrogativas queinteressem honra a que pode pretender. til, paraque no cause prejuzo aos bens do seu senhor. Fcile possvel, para que no torne difcil ao seu senhor obem que este poderia facilmente fazer e para que notorne impossvel o que teria sido possvel ao seusenhor. Mas no assim que ele merece o seu feudo,pois no basta abster-se de fazer mal, preciso fazero bem. Importa, portanto, que sob os seis aspectosque acabam de ser indicados, fornea fielmente aoseu senhor conselho consilium) e ajuda tauxilium),se quiser parecer digno do seu benefcio e realizar afidelidade que jurou. O senhor deve igualmente, emtodos estes domnios, fazer o mesmo quele que lhejurou fidelidade. Se no o fizer, ser com razo acu-sado de m f; tal como o vassalo que fosse vistofaltar aos seus deveres, pela ao ou por simplesconsentimento, seria ele culpado de perfdia e de per-jrio .Portanto, por parte dos vassalos, obrigaes ne-

    o Feudalismogativas (no prejudica seu senhor de maneira al-guma) e positivas iauxilium e consilium , O auxiliumera o servio militar prestado sempre que requisitadopelo senhor, desde que no ultrapassasse certo n-mero de dias anuais, geralmente quarenta. Casofosse preciso ir alm desse limite, o senhor deveriaremunerar complementarmente seus vassalos. Aolado do aspecto militar, o auxilium implicava ajudaeconmica em quatro casos: pagamento de resgatedo senhor se ele fosse aprisionado, da cerimnia emque se armava cavaleiro o primognito do senhor, docasamento da filha mais velha do senhor, da partidado senhor para uma cruzada. Em algumas regies(como a Inglaterra) a ajuda para a cruzada no eraexigida, enquanto em outras (como a.Provena) haviaexigncias complementares. O consilium significavadar conselhos, opinar sobre assuntos propostos pelosenhor, e sobretudo participar algumas vezes por anono tribunal presidido por ele.Por parte do senhor havia as mesmas obrigaesnegativas, e como positivas a proteo e o sustento.Proteger o vassalo implicava defend-Io de seus ini-migos, fosse militarmente, fosse judicialmente. Sus-tentar o vassalo, significava ou aloj-lo e aliment-Iano castelo senhorial, ou conceder-lhe um feudo doqual ele tiraria sua subsistncia. Na essncia, o feudo- termo surgido em fins do sculo IX e vulgarizadono XI - equivalia ao velho beneficium carolngio,palavra que alis continuou a ser usada ainda porbastante tempo (como no texto de Fulbert de Char-tres citado acima). Naquela sociedade agrcola, natu-

    47 1

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    24/52

    :

    ili,

    iI'J ji j J

    48 Hilrio Franco Jr.

    ralmente O feudo era quase sempre uma certa exten-so de terra, englobando um ou mais senhorios. Era,portanto, terra com camponeses', pois sendo o vassaloum homem livre pertencente camada dos guerrei-ros, nc se dedicava a tarefas produtivas. Vivia,assim, das prestaes em servio, em produtos e emdinheiro devidas pelos camponeses daquela terra re-cebida como feudo. Mas o feudo no era necessa-riamente um bem Imvel, podendo ser um direito,corno cobrar pedgio numa ponte, numa estrada ounum rio. Podia ser um certo cargo remunerado: co-nhece-se mesmo feudos de cozinha , nos quais ocozinheiro detinha seu ofcio e a correspondente re-munerao como feudo. Podia ser uma determinadaquantia paga periodicamente ao vassalo, fosse emmoeda, cabeas de gado ou sacas de trigo.De qualquer forma, o contrato eudo-vasslicoimplicava direitos e obrigaes recprocos, de ma-neira que o rompimento do acordo por uma daspartes era considerado felonia ( traio ). Disso de-corria a quebra da fidelidade e o confisco do feudo.Nada disso ocorrendo, o pacto seria vitalcio, rom-pendo-se apenas pela morte de uma das partes. Ofeudo ento retomava ao senhor ou a seu herdeiro,pois o vassalo gozava apenas do usufruto temporriodaquele bem. Contudo, o interesse do novo senhorem manter os vassalos que tinham sido de seu pai e ointeresse dos filhos dos vassalos falecidos em conti-nuarem ligados a um senhor foram aos poucos crian-do uma tendncia hereditariedade do feudo. 'Ainda assim, a morte de uma das partes levava

    o Feudalismonecessidade de se renovar o contrato feudo-vasslico.Caso ovassalo no tivesse herdeiro, a terra enfeudadaretomava ao senhor, que podia conserv-Ia ou con-ced-Ia a outrem. Esta norma permitiria ao rei, comosuserano (isto , senhor dos senhores), apossar-se devrios feudos e aos poucos recuperar a fora do poderrnonrquico. Foi o que ocorreu, por exemplo, naFrana desde o sculo XII. Por outro lado, a inexis-tncia dessa regra juridica na Alemanha obrigava orei a reenfeudar as terras que voltavam para ele pelamorte de vassalos sem herdeiros. Em funo disso,'a monarquia permaneceu fraca e o pas no pde cen-tralizar-se politicamente na Idade Mdia.Por outro lado, caso existisse um herdeiro, osenhor, para enfeud-lo na terra anteriormente mano,tida pelo falecido, exigia o relevium, taxa primitiva-mente arbitrria e desde o sculo XlI, pelo menos naFrana, correspondente a um ano de rendimento dofeudo. De toda forma, o feudo s poderia ser trans-mitido inteiro ao filho mais velho do falecido. Estaregra de primogenitura exclua, pois, os demais fi-lhos e as mulheres da sucesso feudal. Contudo, nocaso de haver apenas uma mulher como herdeira, osenhor, como seu tutor, indicava-lhe um marido quepudesse cumprir as obrigaes feudais.Essa preocupao do senhor em no ter menoresde idade ou mulheres frente dos feudos que conce-dera, devia-se s suas necessidades militares. Por-tanto, o feudo era indiviso na sua transmisso here-ditria, mas podia ser indefinidamente subenfeu-dado, com cada vassalo entregando partes do feudo

    49

    ; ,

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    25/52

    i I I

    \

    i, l, I; 1I: i l

    r I

    1~1 lJ ~I ~~ ~:(: ~f if i 1~ . . : . 1 1\: IJ '~Ilj'[1 . i\l

    50 Hilrio Franco Jr.recebido e tendo assim seus prprios vassalos. Estes,por sua vez, podiam agir da mesma forma. Consti -tua-se assim uma cadeia de relaes vasslicas, emque quase todos os membros da aristocracia eram aomesmo tempo senhor e vassalo. Contudo, a relaodireta era apenas com o indivduo colocado um de-grau acima na hierarquia e com o outro um degrauabaixo. Prevalecia a regra o vassalo do meu vassalono meu vassalo .Tentemos exemplificar com um caso hipottico.O conde X, que detinha seu condado como feudo dorei, precisando de mais guerreiros, constituiu cincofeudos, entregues aos indivduos A, B, C, D, E. Foicombinado que cada um desses vassalos deveria aoconde o servio militar de dez cavaleiros. Para queissofosse possvel, cada um recebeu como feudo vintesenhorios. Para cumprir sua obrigao, A precisavade nove guerreiros que o acompanhassem quando oservio militar fosse requisitado pelo conde. Essesguerreiros (K, L, M, N, O, P, Q, R, S) foram remu-nerados com um senhorio cada, a t tulo de feudo. Asubsistncia deles estava assim garantida graas aoproduto do trabalho campons em cada um daquelessenhorios. O indivduo A, por sua vez, mantinhaonze senhorios. Basicamente a mesma coisa foi feitapor B, C, D, E.Por este exemplo, vemos que o indivduo A era,aomesmo tempo, vassalo de X e senhor feudal de K,L, M, N, O, P, Q, R, S. Todos estes deviam fideli-dade e servio militar a A, mas no a X. Apenas nahiptese de A morrer sem herdeiros (e assim seus

    o Feudalismovinte senhorios retornariam a X), os indivduosl K... Sse tornariam vassalos diretos de X. Independente-mente de quem fosse seu senhor, o indivduo K pode-ria ceder parte de seu feudo a Y, tornando-se tam-bm um senhor feudal. O resultado desse constanteprocesso de subenfeudao era criar novos degrausna hierarquia, enfraquecendo os que estavam maisacima. Enfim, era a institucionalizao das relaespesso~is refletindo e agravando a pulverizao dopoder que examinamos pginas atrs.Militarmente, o Feudalismo baseava-se na supe-rioridade de um guerreiro altamente especializado,o cavaleiro. Esta superioridade vinha sefirmando aospoucos e parece ter-se concretizado, no Ocidente,com o incio da utilizao do estribo, no sculo VIII.Importante inovao: somente a partir de ento, ocavaleiro - com sua pesada armadura, com umamo segurando asrdeas doanimal e o escudo e coma outra empunhando a lana - poderia se manterfirme sobre o cavalo. Como j se disse, o estribotornava solidrios homem e cavalo, uma unidade decombate eficaz. A Antiguidade tinha imaginado ocentauro; a Alta Idade Mdia fez dele o senhor daEuropa . (Lynn White Jr.)Contudo, para utilizar tal tecnologia militar, erapreciso recursos econmicos abundantes para adqui-riras valiosas armas e o caro. cavalo e para o cons-tante treinamento que o uso de todo aquele equipa-mento requeria. O custo desse equipamento equi-valia a 22 bois, animais de que cada famlia campo-nesano contava com mais de dois, para ajudar nos

    5

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    26/52

    1i~lll' I 1I, Il i

    52 Hilrio Franco Ir.servios agrcolas. Ou seja, os bens mobilirios deum cavaleiro correspondiam aos de onze camponesesreunidos. Entende-se, portanto, que o detentor deterras precisava ser (ou ter) cavaleiro para defend-Ias e portanto no perd-Ias, e o cavaleiro precisavater terras para manter seu equipamento e treina-mento militares, enfim, sua prpria condio decavaleiro.Desta forma, a condio de guerreiro era intrn-seca ao aristocrata feudal, pois o poder militar de-sempenhou papel fundamental no Feudalismo. Nosseus primeiros tempos, a defesa da Cristandade con-tra os muulmanos ou pagos dava aos guerreiroscrescente prestgio e poder. Depois, passada aquelafase, a guerra revelou-se a forma de revigorar, man-ter ou alterar os laos hierrquicos dentro da aris-tocracia atravs de uma nova distribuio das terras,motivadora e mantenedora daquela constante ativi-dade militar. Por fim, e sobretudo, o monoplio daviolncia permitia aos bellatores manterem o dom-nio sobre o campesinato e assim se apropriarem degrande parte de sua produo.Para exemplificar, lembremos o caso da Pro-vena, onde a intensificao da construo militarno se dava em funo de ameaas externas, pois osmuulmanos foram ali exterminados em 972. Devia-se, sim, a rivalidades locais e ao interesse em domi-nar o campesinato e aumentar as exaes sobre ele.Por isso, de doze castelos construdos na primeirametade do sculo X, eles passaram a algumas deze-nas em fins do mesmo sculo e a uma centena nas

    o Feudalismo

    Um exemplo de cidadefortificada.

    53

    i, J

    I ~

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    27/52

    ,,III

    -I' 1 ~',I ~ I' j i~)I'r.nI ~' I- '~; ;, I, - 1 I

    l.I _ .

    54 Hilrio Franco Jr

    primeiras dcadas do sculo XI. O mesmo fenmeno constatado em inmeras outras regies, atestandoque a cavalaria se tornava uma pea essencial nosistema de explorao senhorial.Por isso mesmo, a condio socialmente impor-tantedos cavaleiros s se firmou a partir do comeodo sculoXI. At ento, eles eram elementos de ori-gem humilde, geralmente sados do campesinatolivre que ainda existia, sendo armados e sustentadospor um senhor na sua prpria casa (vassalos doms-ticos). Corno porm seu nmero crescia e sua manu-teno era custosa, preferiu-se cada vez mais remu-ner-los com terras. Mas assim, diante da fraquezados poderes pblicos, eles ganhavam certa autono-mia, que redundava em constantes combates entreeles e em expedies destrutivas contra os feudosinimigos. Assim, a anarquia dos primeiros temposfeudais levou a Igreja a lanar em fins do sculo X omovimento da Paz deDeus.Por ela, tentava-se obter um juramento dosguerreiros no sentido de respeitarem no curso de suaslutas os clrigos, os mercadores e os camponeses,assim como seus bens. Esse movimento se amplioucom a Trgua de Deus, de princpios do sculo XI,que proibia lutas alguns dias por semana (da quintade tarde segunda de manh) e em certos perodosdo ano (Pscoa, as semanas que precedem o Nataletc.). Desta maneira comeava um processo de cris-t ianizao da cavalaria, pois, ao se proibir as lutasem certos momentos, automaticamente. elas estavamjustificadas no resto do tempo. Mais ainda, criou-se

    o Feudalismouma cerimnia para transformar o -guerreiro anr-quico e destrutivo em um miles Christi, um cavaleirode Cristo, a servio da Igreja, o que desembocaria,em fins do sculo, nas Cruzadas. Portanto, Paz deDeus e Guerra Santa foram concepes complemen-tares, que permitiam aos oratores manterem certocontrole sobre osbellatores .

    Aquela cerimnia, conhecida por adubamento,era um rito inicitico que ganhou fora de sacra-mento. Depois de ojovem ter servido como escudeiroa um cavaleiro, ter aprendido o manejo das armas,ter participado como auxiliar em alguns combates,ele podia setornar membro daquele grupo restrito eprivilegiado. Vestido de branco, ele passava todauma noite na igreja, a rezar, em viglia das armascolocadas no altar. De manh, aps comungar, ocor-ria a bno das armas, e depois, seguindo um ritomuito antigo, seu padrinho batia-lhe com a espadana nuca, ato de rico e discutido simbolismo, tor-nando-o seu igual. Nosculo XII o prestgio do cava-leiro adubado era to grande, que mesmo os nobresde nascimento queriam passar por aquele ritual: acavalaria tornava-se 0 denominador comum da aris-tocracia (Chedeville).Clericalmente, havia no Feudalismo um papelde primeira ordem desempenhado pelo grupo ecle-sistico. Papel que extravasava, em muito; sua ativi-dade sacerdotal. Sendo a Igreja a nica instituioorganizada da poca, de atuao realmente catlica,quer dizer, universal, a ela cabia a funo cimenta-dora, unificadora, naquela Europa fragmentada em

    ss

    ji

    I

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    28/52

    ' I , : i' I j ~ ,IIit: , iI JIi;1 ;.~ff~~~ff

    56 Hilrio Franco Ir.milhares de clulas. Por outro lado, a Igreja, natu-ralmente, no escapava s caractersticas bsicas doperodo: muito de seu poder temporal derivava dafragmentao dos Estados, o prest gio social do cleroestava ligado sua origem nobilirquica, sua imensariqueza assentava-se na posse de terras e no trabalhode servos, suas relaes com a elite laica davam-seatravs de laos feudo-vasslicos, a proteo dos bense pessoas da Igreja era realizada pelos cavaleiros.A estreita articulao Feudalismo-Igreja podeser exemplificada pela ordem monstica de Cluny.Fundado por um duque no incio do sculo X, naBorgonha, aquele mosteiro em duzentos anos deuorigem a mais de mil outros espalhados por todo oOcidente. Esses mosteiros encontravam-se estrei ta-mente ligados abadia central, adotando integral-mente sua regra, pagando-lhe uma pequena contri-buio anual e com os monges prestando um jura-mento de fidelidade ao abade de Cluny. Entre osmosteiros da Ordem havia uma rgida hierarquia,que tinha no cume a abadia-me, por sua vez subme-tida Santa S, como que numa extensa cadeia devassalagem. No havia relaes horizontais entreunidades de igual categoria, reportando-se todas aonvel hierrquico superior. Todo mosteiro clunia-cense estava isento do poder local dos bispos, ou seja,cada um deles era um enc1ave que fugia autoridadelegt ima, como cada castelo escapava autoridadereal, ducal ou condal. Enfim, uma organizao alta-mente feudalizada.'No por acaso, portanto, os con-ceitos de Paz de Deus e Guerra Santa foram de ori-

    o Feudalismogem cluniacerise.Na verdade, a sociedade feudal (agrria, mili ta-rista, Iocalista, estratificada) era ao mesmo tempouma sociedade clerical (controle eclesist ico sobre otempo, as relaes sociais, os valores culturais e men-tais) . De fato, a Igreja, ao determinar rigorosamenteo uso do tempo, interferia no mais profundo e coti-diano da ao dos homens. Tempo histrico: inter-valo entre a Criao e o JUzo Final, tendo comogrande linha divisria a encarnao de Cristo, a par-tir da qual se passa a contar os anos. Tempo natural:os ciclos das estaes e osfenmenos meteorolgicos,to importantes numa sociedade agrria, lembravama onipotncia de Deus e deixavam aos homens umanica possibilidade de interveno, realizada atravsdo clero: as oraes. Tempo social : festas l itrgicas,determinando para certos momentos certas formasde agir e de pensar, de trabalhar ou repousar, de sealimentar ou de jejuar. Tempo poltico: a Paz deDeus fixando onde e quando se poderia combater.Tempo pessoal: o cristo nascia com o batismo,reproduzia no casamento (desde que fora dos mo-mentos de abstinncia), morria aps a extrema-un-o e era enterrado no espao sagrado do cemitrioda igreja de sua localidade.No que dizia respeito s relaes sociais; o papelda Igreja no era menos decisivo. o carter do casa-mento ocidental, diferenciado do de outras socieda-des, foi fixado por ela: monogmico, indissolvel,exogrnico (isto , entre no familiares , estando proi-bido at o 7? grau de parentesco), pblico (a relao

    57

    Ii

    ' .i I,\ ,~:j';

    i'.~. ,

    J

    ,,i 58 Hilrio Franco Ir. o Feudalismo 59

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    29/52

    i j, fi;/ii

    homem-mulher deixava de ter carter pessoal e pri-vado, passando a ter normas controladas pela socie-dade). Conseqentemente, todas as relaes familia-res (adoo, desero, herana, divrcio, adultrio,incesto etc.) passavam para a alada da Igreja. Entreos clrigos as relaes baseavam-se num parentescoespiritual, pois todos eram vistos como irmos emCristo . Da mesma forma, a Igreja procurava trans-ferir esse pseudoparentesco para as relaes entreclrigos 'e leigos, extraindo delas certa posio dedomnio: o clrigo o padre, pai dos cristos.Entre os laicos, incentivava-se o parentesco artificialpara secriar uma rede de relaes que nada deixasseescapar Igreja, da os muitos padrinhos e madri-nhas em todos os atos considerados importantes navida do cristo. Por fim, o contrato feudo-vasslicono deixava de ser uma forma de parentesco no-biolgico referendada por um ato religioso, o jura-mento de fidelidade sobre os Evangelhos ou rel-quias.O controle eclesistico sobre os valores culturaise mentais era exercido atravs de vrios canais. Osistema de ensino, monopolizado pela Igreja at osculoXIII, permitia a reproduo do corpo deidiasque ia sendo selecionado e formulado por ela. Assim,foiprimeiro nos mosteiros, depois nas universidades,que a herana cultural greco-romana foi devidamentecortada, emendada, desenvolvida; enfim, cristiani-zada, ou melhor, c1ericalizada. Numa poca em quepoucas pessoas tinham acesso a essa cultura escrita,as pinturas e esculturas das igrejas e os sermes

    dominicais dos clrigos funcionavam como os meiosde comunicao de massa da poca, transmitindonaturalmente a viso de mundo da Igreja. A prticada confisso individual, cada vez mais adotada apartir do sculo VIII, permitia ao clero penetrarprofundamente na conscincia de seus paroquianos eassim orientar seu pensamento e comportamento.Em suma, a clericalizao da sociedade que, jvimos, ocorria desde os ltimos tempos do ImprioRomano, atingiu seu auge nos sculos X-XIII. Poucacoisa naquele momento escapava Igreja. Antes defazer parte de qualquer grupo familiar, social oupoltico, o indivduo pertencia comunidade crist, ecclesia, isto , Igreja no seu sentido mais amplo.Assim, seno estivssemos adotando a expresso cls-sicae consagrada de feudalismo , deveramos falar,mais adequadamente, em feudo-c1ericalismo ou emsociedade feudo-c1erical.. Psicologicamente, o homem da poca feudal erato complexo quanto seus antepassados ou seus des-cendentes, mas talvezpossamos, para os nossos obje-tivos, destacar trs traos, profundamente interliga-dos. O primeiro deles a supranaturalidade, isto , atendncia a interpretar todos os acontecimentos comomanifestao divina. Portanto, a compreenso dosobjetos e dos fenmenos deveria se dar atravs da f eda sensibilidade mais do que da inteligncia. Desteponto de vista, o mundo terrestre seria apenas umreflexo deformado do mundo celeste, imagem que ohomem deveria se esforar por entender olhandopara alm das aparncias materiais. A realidade es-

    '

    . . . . . .

    60 Hilrio Franco Jr. o Feudalismo 61

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    30/52

    l i1 'II

    II I if

    ~ . J . : I . . .

    tava no invisvel, por detrs das mscaras visiveismas ilusrias. Identificadas as foras sobrenaturais,benficas ou malficas, responsveis por determi-nados acontecimentos, o homem poderia tentar in-tervir atravs de preces, jejuns, peregrinaes, exor-cismos, amuletos etc.Portanto, o mundo terrestre era visto comopalcoda luta entre as foras do Beme as do Mal, hordas deanjos e demnios. Disso decorria o segundo grandetrao mental da poca: a belicosidade. Na sua mani-festao mais concreta, tratava-se de enfrentar asforas demonacas dos muulmanos, vikings e hn-garos. Mais perigosas e difceis de serem vencidas,contudo, eram as foras malficas que no se encar-naram. Para isso era preciso outr tipo de guerreirosespecializados: os clrigos, com suas armaduras sim-blicas (batinas) e suas armas espirituais (sacramen-tos, preces, exorcismos). Sob seu comando, todos oshomens enfrentavam o Diabo, vassalo de Deus quepraticara Ielonia ao quebrar sua fidelidade.Isso pedia a participao dos fiis (o termo significativo), dos vassalos honestos do Senhor, quedeviam em troca do mundo que receberam, fideli-dade e servios. Eis o outro trao psicolgico: a con-tratualidade. Presente na verdade em muitas reli-gies pr-crists, esse dado foi reforado pelo cristia-nismo e contribuiu para o prprio contratualismosocial, poltico, econmico e militar dos sculosX-XIII, sendo por sua vez influenciado por este.Assim, no de se estranhar que Deus fosse vistocomo Senhor e o homem como vassalo, e que desde o

    sculo X setenha generalizado o hbito de fazer umaprece com as mos juntas, reproduzindo o gesto dovassalo ao prestar homenagem ao seu senhor. A reli-gio feudal tornava-se um feudalismo religioso.

    l %

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    31/52

    ,'' . 64 Hilrio Franco Jr. o Feudalismo 65

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    32/52

    I

    li.,1 ,I

    j ;r :I .,lIIII .I

    Ii

    I

    I I1

    cional foi a ausncia de epidemias no Ocidente dossculos X-XIII. A malria, devastadora nos ltimostempos do Imprio Romano, assumiu forma maisbenigna, talvez devido ao prprio desenvolvimentode anticorpos por parte das populaes anterior-mente atingidas: A peste, presente at o sculo VIII(e que reapareceria no XIV), tambm desapareceuno perodo feudal, talvez porque o despovoamentoque ela provocara em vrias regies dificultava a suaprpria propagao. Assim, parece que a crise demo-grfica da Alta Idade Mdia esteve nas origens daexpanso populacional da Idade Mdia Central, damesma forma que esta seencontra nas razes da crisedemogrfica da Baixa Idade Mdia.Outro fator era o tipo de guerra da poca feudal,constante mas pouco destruidora. Isso se devia aofato de ela no envolver grandes tropas de comba-tentes annimos, como nas legies romanas ou nosexrcitos nacionais modernos, mas apenas pequenosbandos de guerreiros de elite, os cavaleiros. O equi-pamento desses era sobretudo defensivo (especial-mente a armadura, que protegia praticamente todo ocorpo), rninimizando nos combates o nmero demortes. Na verdade, a guerra feudal no objetivava amorte do adversrio, mas apenas sua captura. Emparte, porque assim cada cavaleiro podia provar seuvalor de guerreiro e ao mesmo tempo exigir um res-gate pelo prisioneiro (como sabemos, uma das obri-gaes dos vassalos era pagar o resgate de seu senhorfeudal aprisionado). Em parte,' devido a uma certaconscincia de classe que - seno impedia os cava-

    II

    I

    leiros de disputarem entre si a posse de terras e po-deres polticos - fazia deles mais adversrios queinimigos.Um terceiro elemen to a ser considerado aabundncia de recursos naturais existente na pocafeudal. De fato, o recuo demogrfico dos sculosIII -VIII fizera com que extensas reas anteriormentecultivadas fossem abandonadas e ocupadas por bos-ques e florestas. Assim, o homem podia obter alifrutos silvestres e caa para sua alimentao, e sobre-tudo madeira, o principal material de construo ecombustvel de que dispunha. Mais ainda, a maiorprodutividade agrcola que ento ocorria devi-se emparte ao cult ivo de zonas desmatadas e portanto desolo virgem e de grandeiertilidade.As mudanas climticas so difceis de seremacompanhadas, porm tudo indica que desde mea-dos do sculo VIII o .clima da Europa Ocidentaltornou-se mais seco e temperado que antes. Destaforma, a paisagem de alguns locais foi alterada ehumanizada, caso da Groenlndia, que ento faziajus ao seu nome (literalmente, terra verde ); a vit i-cultura pde expandir-se em regies anteriormenteimprprias, como a Inglaterra. No conjunto da Eu-ropa, a produtividade agrcola foi beneficiada poressa suavizao do clima. O perodo mais quente eseco no apenas tornou determinadas reas cultiv-veise habitveis, como tambm contribuiu para difi-cultar a difuso da peste, sempre favorecida em cli-mas midos.A passagem da escravido para a servido tam-

    j

    66 Hilrio Franco Ir. o Feudalismo 67

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    33/52

    bm teve influncia positiva no incremento popula-cional. O comportamento demogrfico do escravo geralmente pouco propcio ao crescimento. De umlado, em funo da alta mortalidade decorrente deum baixo padro de vida (m alimentao, maustratos, ignorncia). De outro, em funo de umabaixa natalidade resultante de sua condio psicol-gica: no desejando a mesma m sorte para os filhose tambm como forma de protesto e oposio escra-vido, recorria-se muito a prticas contraceptivas,abortivas e infanticidas. Assim, a melhoria do esta-tuto jurdico do escravo incentivava sua reproduo:ele passava a ter um lote de terra para cultivar, tinhaobrigaes fixas e limitadas e no mais arbitrrias,no podia ser separado da famlia.As inovaes tcnicas beneficiaram a produoagrcola, mas no se sabe qual o ponto de partida:furam elas que ao aumentarem a produo possibi-litaram o crescimento demogrfico, ou este quetornou necessrio o progresso tcnico? De qualquerforma, trs aperfeioamentos exerceram ao diretasobre o desenvolvimento agrcola e assim - numprimeiro ou num segundo momento, no nos im-porta - da populao. Um foi a charrua, tipo dearado mais eficiente por penetrar profundamente nosolo, revolvendo-o e aumentando sua fertilidade.Outro foi o novo sistema de atrelar os animais, possi-bil itando uti lizar mais eficientemente nos trabalhosdo campo a fora-motriz cavalar e bovina. Outroainda roi o sistema de rodzio das terras, pelo qualocorria uma alternncia de cultivos (cereais, legumi-

    S6 na Frana, por exemplo, de 1050 a 1350, foram ergui-das 80 catedrais, 500 grandes igrejas e algumas dezenas

    de milhares depequenas igrejas paroquiais.

    ~I' 68 Hi/rio Franco Ir. o Feudalismo 69 ,

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    34/52

    : ,i: \

    I

    nosas) sobre uma mesma rea, impedindo que ela seesgotasse. Desta forma, no s a produtividade cres-ceu, como tambm os hbitos alimentares se modi-ficaram, com uma dieta mais rica em protenas (er-..lha, lentilha, leite, carne) e assim uma menor mor-talidade.O crescimento econmico manifestou-se sobre-tudo atravs de trs fenmenos: maior produo,progresso do setor urbano, acentuada monetariza-o. Apesar de a elevao da produtividade ter ocor-rido em todos os setores, naturalmente numa econo-mia agrria o processo foi desencadeado pelo setorprimrio. De fato, foram os excedentes gerados pelaagricultura que forneceram as matrias-primas bsi-cas para a indstria artesanal e assim permitiram aintensificao do comrcio. Esse incremento da pro-duo agrcola teve como ponto de partida as ino-vaes tcnicas e a melhoria climtica de que falamosmais acima. Como assim era possvel alimentar-seum maior nmero de cabeas de gado, havia maiordisponibilidade de adubo, o que tambm influencioupositivamente a agricultura. Calcula-se que entre osculo IX e o XIII a produtividade da cerealiculturacresceu em torno de50 ..Contudo, como o ritmo de crescimento popula-cional era mais intenso, desde meados do sculo XIverificava-se uma alta nos preos de cereais. Issoincentivava os arroteamentos, ou seja, a procura denovas reas para a agricultura atravs do recuo dasflorestas, dos terrenos baldios e das zonas pantano-sas. Foi desta forma que a rea cultivvel da Europa

    r

    Ocidental estendeu-se bastante.' Porm, muitas dasterras ento ocupadas no eram propcias agricul-tura, sendo entregues pecuria. Assim, claro, essesetor conheceu um grande avano, j que a crescentepopulao pressionava por mais carne e leite, a agri-cultura precisava da fora-motriz animal, o artesa-nato necessitava de matrias-primas como couro,chifres e ossos. Mas, sobretudo, crescia muito a pro-cura por l e conseqentemente pelo rebanho ovino:em fins do sculo XIII havia na Inglaterra quase setemilhes de carneiros e na Espanha mais de ummilho.Portanto, tambm no setor secundrio a produ-o conhecia claros progressos. Desenvolveram-seespecialmente a indstria txti l e a de construo,como resultado das necessidades impostas pelo cres-cimento demogrfico. S na Frana, por exemplo,de 1050 a 1350 foram erguidas 80 catedrais, 500grandes igrejas e algumas dezenas de milhares depequenas igrejas paroquiais. Isso sem contar, natu-ralmente, as realizaes da arquitetura militar (cas-telos, muralhas, torres), os edifcios pblicos (pal-cios, hospitais) e a construo civil (casas muitasvezes levantadas pelos proprietrios com uns poucosajudantes). O ramo txtil envolviaboa parte da popu-lao de muitas cidades, recorrendo diviso do tra-balho - cerca de 30 operaes diferentes da mat-ria-prima aoproduto acabado - para agilizar a pro-duo e baratear a mercadoria.Seesse desenvolvimento do artesanato atestava oprogresso urbano dos sculos XI-XIII, r importante

    ~

    j

    J ,. f . I: I ' . 70 Hilrio Franco Ir. o Feudalismo 71

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    35/52

    l i

    l ' l l , ;:.I i: . 1: i:j'I:j'

    ' I iIt ' lI ' ,

    I rij.II

    l i ,j

    rI 'f

    lembrar contudo que a sociedade ocidental perma-necia essencialmente agrria. De fato, apenas 10 ou20% da populao total moravam em cidades. Ade-mais, estas cresciam basicamente graas imigraode elementos originrios do campo, que viam na fugapara oscentros urbanos a forma de escapar depen-dncia de um senhor. O ar da cidade d liberdadedizia um provrbio medieval: morando um ano e umdia numa cidade sem ser reclamado pelo seu senhor,o servo tornava-se livre. Entende-se assim, por que asmonarquias favoreciam a autonomia das cidades,vistas como elementos antifeudais.No entanto, isso se tornaria claro somente apart ir de meados do sculo XII, quando o conjuntode transformaes sadas da prpria dinmica feudalcomeava a comprometer o Feudalismo. At aquelemomento, ossenhores feudais 'liam com bons olhos aformao ou o desenvolvimento de cidades nas suasterras. Elas lhes pareciam boas fontes de taxas e im-postos, e locais prximos e cmodos para vender osexcedentes produtivos dos seus senhorios. Mesmodepois de obter sua autonomia (comprando-a ou lu-tando por ela), a cidade no podia naturalmentedesligar-se do mundo feudal, do qual recebia refor-os populaionais e matrias-primas, e para o qualvendia seus produtos manufaturados. Como qual-quer homem livre, a cidade passava a se ligar a pes-soas ou a outras cidades atravs de contratos feudo-vasslicos. No era raro, sobretudo na Itlia, quecidades submetessem a zona rural vizinha, explo-rando o trabalho de seus camponeses como qualquer

    r

    senhor feudal. Em suma, se de um lado as cidadesnegavam o mundo agrrio e aristocrtico do Feuda-lismo, de outro estavam perfeitamente encaixadasnele.De qualquer forma, o progresso urbano eraparte do crescimento econmico global do Feuda-lismo. Sem a maior produo agrcola no teria sidopossvel alimentar a crescente populao urbana: porvolta do ano 1000 no havia no Ocidente cristonenhuma cidade de 10000 habitantes, mas em 1300existiam 5S delas. Sem o excedente demogrficorural, alis, a populao urbana no teria atingido osnveis que atingiu. Sem o campo fornecer matrias-primas, o artesanato urbano no poderia expandirsua produo. Sem a maior capacidade de comprapor parte do campo, as cidades no venderiam suacrescente produo. Sem a exportao de trigo,vinho, madeira, ferro e tecidos no sedesenvolveriamo comrcio internacional e a importao de merca-dorias orientais (especiarias, seda, produtos de luxo).Sem essa intensificao do comrcio no haveriacon-dies para as atividades bancrias.O revigoramento do artesanato e do comrcioimplicava, claro, uma ativao da economia mone-tria. Ao contrrio do que pensavam tempos atrs,os historiadores sabem hoje que jamais o Feudalismofoi uma economia natural, isto , sem moeda, pormno negam que ela era pouco utilizada at fins dosculo XI. Desde ento, contudo, o aumento da pro-duo, tornando necessrio vender o excesso e crian-do oportunidades de compras, levou a se recolocar

    i~

    li

    . . . I

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    36/52

    il 'i 74 Hilrio Franco Jr o Feudalismo 75

  • 7/22/2019 O Feudalismo FRANCO JR Hilario

    37/52

    Ir

    11 :

    desenvolvera espontaneamente.'A feudalizao da Inglaterra se deu a partir de regio pelo duqueGuilherme da Normandia, Ora, o prprio ducado,formado no norte da Frana um sculo e meio antes,tambm resultara de uma conquista. Ocupado pelosvikings ou normandos ( homens do norte ), a possedaquele terri trio francs foi-lhes reconhecida como

    feudo concedido pelo rei. Assim, no ducado da Nor-mandia o Feudalismo foi organizado pelo chefe vi-king transformado em duque, ou seja, apresentavauma particularidade poltica, a manuteno de ex-tensos poderes em suas mos, impedindo a fragmen-tao tpica da poca. Da a expresso algo contra-ditria de feudalismo centralizado , aplicada aoC~L'Onormando e por extenso ao caso ingls.De fato, tal estrutura foi naturalmente trans-plantada para a Inglaterra: possuidor de todo o paspor direito de conquist, Guilherme, depois de re-servar terras que ficavam sob o domnio direto damonarquia, dividiu o restante em 5000 feudos conce-didos aos seus seguidores. Todos esses det