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    OGLOBOQUINTA-FEIRA, 12 DE MAIO DE 2016 ANO XCI - Nº 30.229 Irineu Marinho (1876-1925) (1904-2003) Roberto Marinho RIO DE JANEIRO oglobo.com.br

    DILMA AFASTADA

    TROCA DE COMANDO

    _

    Dilma Rousseff foi afastada da Presidência da

    República na manhã de hoje. A aprovação da

    admissibilidade do processo de impeach-

    ment pelo Senado interrompe ciclo de 13

    anos de poder do PT, partido que deixa o Pla-

    nalto de mãos dadas com os fracassos de Dil-

    ma. Reeleita, não conseguiu mais camuflar a

    condução errática da economia e as conse-

    quências de seus erros, o que agravou a perda

    de poder político e levou milhões às ruas con-

    tra o maior escândalo de corrupção do país. O

    destino de Dilma foi selado às 6h34m de hoje

    por 55 votos sim (mais de dois terços do total

    de senadores) e 22 não. Ela está afastada do

    cargo por até 180 dias, período de seu julga-

    mento, e será notificada ainda hoje da deci-

    são do Senado. O vice Michel Temer (PMDB-

    SP) assumirá em seguida, com 19 dos 22 mi-

    nistros escolhidos. E tomará posse imediata-

    mente do gabinete presidencial no Planalto.

     Agora não mais como coadjuvante na contur-

    bada relação com Dilma, começará reduzin-

    do a estrutura do Estado, com extinção e fu-

    são de ministérios, e editará MPs para dar fo-

    ro privilegiado ao presidente do Banco Cen-

    tral e ao chefe da Advocacia Geral da União

    (AGU). Também prometerá rigor fiscal e se

    comprometerá a enviar ao Congresso pro-

    postas para reformar a Previdência e o siste-

    ma tributário. PÁGINAS 2 a 42

    Primeiros atos serão para enxugar a estrutura do Estado

         A     I     L     T     O     N      D

         E     F     R     E     I     T     A     S

    ‘Novo marcode defesa da

    responsabilidade fiscal’

    PÁGINA 22

    EDITORIAL

    TEMER ASSUME COM REFORMAS

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     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    Quinta-feira12 .5.2016 O GLOBO l 3

    País

    -BRASÍLIA- Na alvorada que sucedeu a uma noiteaparentemente infinita, o Senado Federal,pela segunda vez desde a redemocratização,tomou a decisão de afastar do cargo um presi

     Assim, a ab ertura do pro cesso de im peach-ment significa também a interrupção de umprojeto de poder que moldou o país nos últimosanos Ainda que o sucessor da cadeira mante

    contra os adversários.Na longa sessão, o tom foi sensivelmente

    mais solene que o espetáculo esdrúxulo vis-to na Câmara em 17 de abril quando os de

    com “alguma lua de mel”, confor me previu on-tem o tucano e neoaliado Aécio Neves, por ou-tro, terá a militância da esquerda — que encon-trou na luta contra o impeachment a coesão que

    Depois de sessão no Senado que durou 20 horas, Presidência será assumida hoje pelo vice Michel Temer

    TROCA DE COMANDODilma é afastada por 55votos, e Temer assume

    ADRIANO MACHADO/REUTERS

    Sem horizonte. Dilma Rousseff e o ministro Jaques Wagner em uma janela do Palácio do Planalto: depois do afastamento determinado pelo Senado, a petista deixará o cargo hoje cercada de movimentos sociais e acompanhada de Lula

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    MERVAL

    PEREIRA

    | |

    [email protected] 

    Os defensores da presidente Dilma tantofizeram que, ao final, o que alcançaram foi

    conseguir que o Supremo Tribunal Federal(STF) referendasse todos os atos praticadosaté agora no processo de impeachment,que entra hoje em sua fase decisiva, com oafastamento temporário de Dilma.

    Supremo avaliza rito

     A decisão de ontem do ministro Teori Zavasckide recusar mais uma ação da Advocacia-Ge-ral da União para anular o processo devido a

    uma suposta “vingança” do então presidente da Câ-mara, Eduardo Cunha, é exemplar nesse sentido.

    O ministro José Eduardo Cardozo pedia que, senão fosse anulado todo o processo, pelo menos fos-sem considerados inválidos todos os atos de Cunha

    desde 3 de março, quando ele foi considerado réupelo STF. O truque estava exatamente aí, pois a co-missão do impeachment, pelas regras que o Supre-mo definiu, foi eleita no dia 17 de março.

    Tudo estaria anulado a partir daí, com o processotendo que recomeçar. O objetivo, que já havia sidotentado anteriormente numa ADPF que não tinhaessa intenção explícita, mas poderia, segundo al-guns juristas, levar a uma ação nessa direção, de-pois se revelou resultado de uma verdadeira cons-piração que usou o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, para anular a se ssão da Casa,com o conhecimento da própria presidente Dilma.

    Na noite do domingo anterior, uma Hilux brancachegou às 23h30m ao Alvorada levando a bordo o ad-

     vogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, o depu-tado federal Silvio Costa, o governador do Maranhão,Flávio Dino, e o próprio Maranhão, que no dia seguin-te, pela manhã, apresentaria sua espantosa decisão.

    Zavascki aproveitou sua decisão para firmar uma po-sição sobre a possibilidade de o STF analisar a validadedo mérito das acusações à presidente da República,que o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, insisteem dizer que pode ser analisada. Disse Zavascki: “(...)não há base constitucional para qualquer intervençãodo Judiciário que, direta ou indiretamente, importe juí-zo de mérito sobre a ocorrência ou não dos fatos ou so-bre a procedência ou não da acusação. O juiz constitu-cional dessa matéria é o Senado, que, previamente au-torizado pela Câmara,

    assume o papel de tri-bunal de instância defi-nitiva, cuja decisão demérito é insuscetível dereexame, mesmo peloSupremo”.

    Como já fora dito emoutras decisões do STF,Zavascki volta a explicaro papel dos deputadose senadores no julga-mento do impeach-ment: “(...) é precisocompreender tambémque o julgamento, emtais casos, é feito por juí-zes investidos da condi-ção de políticos, queproduzem, nessa con-dição, votos imantadospor visões de naturezapolítica, que, conse-quentemente podem

    1O STF referendou todos osatos praticados até agora noprocesso de impeachment.

    2A decisão de Zavascki derecusar mais uma ação daAdvocacia-Geral da Uniãopara anular o processodevido a suposta “vingança”de Cunha é exemplar.

    3Cardozo pedia que fossemconsiderados inválidos todosos atos de Cunha desde 3 demarço, quando ele foiconsiderado réu pelo STF

    U

    Os pontos-chaveciani (PMDB-RJ) para o Esporte.

    Na CGU e na AGU, Temer op-tou por nomes técnicos. O advo-gado e professor Fábio MedinaOsório foi confirmado ontempara comandar a AGU, respon-sável, entre outras coisas, por fa-zer a defesa do presidente da Re-pública. A CGU ficará a cargo doex-procurador-geral de Justiçade SP Márcio Elias Rosa.

    Normalmente calmo e imunea pressões, Temer ontem estavafora de seu padrão de compor-tamento. Segundo aliados quepassaram as últimas horas comele, aparentava esgotamento eincômodo com a falta de defini-ção de partidos quanto à parti-cipação no governo.

    Novo presidente vai extinguir ministérios e reafirmar apoio à Lava-Jato

    COM PRESSATemer ocupa Planalto hojee anuncia primeiros atos

    GIVALDO BARBOSA

    Primeiras palavras. Ao deixar o gabinete da Vice-Presidência na madrugada de hoje, Temer disse que primeiro escalão do governo está “praticamente fechado”

    MINISTÉRIOS:Será editada umaMedida Provisória (MP)fundindo e extinguindoministérios e órgãos públicos.

    BLINDAGEM:Será enviada aoCongresso uma Proposta deEmenda Constitucional (PEC)concedendo foro privilegiado aopresidente do Banco Central e aoadvogado-geral da União, queperdem status de ministro.

    EXONERAÇÕES.Serão assinadasportarias exonerando ocupantesde cargos considerados maisestratégicospelonovogoverno

    para que sejam nomeadosescolhidos de Temer para tocar asmedidas mais urgentes.

    SOCIAL. Temer afirmará que serãomantidos os principais programassociais, embora reformulados:Bolsa Família, Minha Casa MinhaVida, ProUni, Fies e Pronatec.

    LAVA-JATO. O presidente interinovai declarar apoio integral àsinvestigações da operação.

    ECONOMIA. Compromisso comuma reforma da Previdência e coma simplificação do sistematributário

    U

    PRIMEIRAS MEDIDAS-BRASÍLIA- Diferentemente do ex-presidente Itamar Franco, queem 1992 chegou a tentar adiar adata de sua posse em quatro di-as para montar seu Ministério,Michel Temer tem pressa. O vi-ce-presidente, que a partir dehoje assume a Presidência daRepública, corre contra o tem-po para deixar sua marca, prin-cipalmente na recuperação daeconomia. À tarde, logo apósser notificado que assumirá aPresidência, ele pretende ime-diatamente passar a despacharno gabinete presidencial, noPalácio do Planalto, onde nosúltimos cinco anos e meio teveacesso limitado. O tambémpeemedebista Itamar, que her-dou a cadeira de Fernando Col

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    -BRASÍLIA- Michel Temer assume aPresidência da República com otripé de sua equipe econômica

    definido e a transição na áreaem andamento. ConfirmadosHenrique Meirelles no ministé-rio da Fazenda e o senador pee-medebista Romero Jucá no Pla-nejamento, ontem o presidenteinterino bateu martelo e definiuque Ilan Goldfajn, indicado porMeirelles, irá para a presidênciado Banco central (BC).

    Economista-chefe e sócio dobanco Itaú, Ilan foi diretor dePolítica Econômica do BC de2000 e 2003, na gestão ArmínioFraga, e nos primeiros meses do

    próprio Meirelles à frente da au-tarquia. Ele deverá substituir o

    atual presidente do BC, Alexan-dre Tombini, apenas após a reu-nião de junho do Comitê de Po-

    lítica Monetária (Copom), poisprecisa ser sabatinado.

     A transição na economia estásendo tocada pelo ministro daFazenda de Dilma Rousseff,Nelson Barbosa, e Jucá, que já vinha recebendo números e ba-lanço do trabalho feito na pastae no Planejamento. Os dois seencontraram ontem e debate-ram a agenda prioritária do mi-nistério. O mais urgente é a alte-ração da meta fiscal de 2016.

    O projeto que muda o resulta-do primário deste ano para um

    déficit de R$ 96,6 bilhões já foiencaminhado ao Congresso e

    precisa ser votado até o dia 30.Caso contrário, o governo teráde fazer um grande corte, para-

    lisando a máquina pública.Não está contemplado aí,

    porém, o alívio nos juros da dí- vida dos esta dos, con cedi dopelo Supremo Tribunal Fede-ral. A conta deve ser cobertapela União. Jucá disse que, de-pois que o projeto for votado,será avaliada a necessidade denova ampliação do déficit:

    — Nós vamos precisar votara proposta encaminhada pelogoverno (Dilma). Isso é impor-tante para ser votado, prova- velmente, na próxima semana.

     A situação da Eletrobrás, quepode ter de receber aportes da

    União, também foi abordada. A estatal tem prejuízos em fun-ção das mudanças forçadas no

    setor elétrico, feitas por Dilma,para impedir alta de tarifas.

    Barbosa deixará o cargo as-sim que Dilma for afastada. Orestante da transição será con-duzido pelo secretário-execu-tivo da Fazenda, Dyogo Olivei-ra, gestor de carreira. QuandoMeirelles escolher um substi-tuto, Oliveira deve ir para oPlanejamento. Otávio Ladeira,do Tesouro; Jorge Rachid, daReceita, e Fabrício da Soller, daProcuradoria-Geral da Fazen-da Nacional, todos servidores

    de carreira, também podem fi-car para concluir a transição.  l

    Com indicação de Ilan Goldfajnpara o BC, tripé econômico daequipe de Temer está definido

    TRANSIÇÃOAVANÇA

    Falta de autonomia podeinterferir nas próximas

    decisões do Copom

    -BRASÍLIA- Sem consenso naequipe técnica de Michel Te-mer, a possibilidade de dar au-tonomia ao Banco Central(BC) foi descartada ontem. Aideia de fazer uma Proposta deEmenda à Constituição (PEC)chegou a ser cogitada, mas foi

    abandonada para evitar maisruídos durante a transição degoverno. Há um temor de queincertezas em torno da liber-dade do BC influenciem a de-cisão do Comitê de PolíticaMonetária (Copom) em junho,que será tomada pela atual cú-pula da autoridade monetária.

    Embora a inflação tenha per-dido fôlego e já haja algum es-paço para a redução da taxabásica (Selic) no horizonte, is-so pode não acontecer porcausa de incertezas políticasem relação ao BC.

    — O novo presidente doBanco Central vai assumir soba desconfiança de que não temautonomia. Essa suspeita podeinfluenciar a decisão do Co-pom de julho, talvez a últimachance de o país baixar os ju-ros este ano em função do iní-cio da recessão americana e daameaça do Brexit (saída doReino Unido da União Euro-peia) — afirmou uma fontepróxima a Meirelles.

    FORO PRIVILEGIADO MANTIDO

     Apesar de não ter independên-cia formal, o futuro presidentedo BC, Ilan Goldfajn, continu-ará a ter foro privilegiado. Ocargo perderá o status de mi-nistro, mas uma PEC deve serfeita apenas para manter os

    Independênciado BancoCentral édescartada

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    Oclima no Palácio do Pla-

    nalto, ontem, era de fimde festa. Ao longo de todoo dia, funcionários per-

    corriam os corredores carregandocaixas com seus pertences. A presi-dente Dilma Rousseff só chegou aogabinete às 15h, mas também tratoude esvaziar suas gavetas e embalarobjetos pessoais. Dilma assistiu àprimeira parte da sessão do Senadono Planalto, ao lado do ministro Ja-ques Wagner, chefe do Gabinete Pes-soal. Por volta das 19h30m, foi até a janela ve r uma pequena manifes ta-ção pró-impeachment que aconte-cia em frente à Praça dos Três Pode-res. Em seguida foi para casa.

    No Palácio da Alvorada, juntaram-

    se a ela Jorge Messias (subchefe de Assunt os Ju rídicos da C asa Civil) eEdinho Silva (ministro da Secretariade Comunicação Social), para conti-nuar assistindo aos discursos dos se-nadores. Às 23h, ela se recolheu àárea residencial do palácio paraacordar cedo hoje.

     À noite, uma edição extra no Diá-rio Oficial da União publicou a últi-ma leva de atos de Dilma: ela regula-mentou o Marco Civil da Internet, oque agradou mais às entidades domovimento social. A presidente de-cidiu também enviar ao Congresso o

    projeto de lei de Dados Pessoais, que visa a coibir o us o de dados por em-presas e organizações em geral semconhecimento do cidadão e sem umcontrole sobre essas atividades.

    Dilma começou o dia trocando atradicional pedalada por uma cami-nhada dentro do próprio terreno doPalácio da Alvorada por volta das 7hda manhã. Ela optou por ficar emsua residência até o meio da tarde.Lá, reuniu-se apenas com seu asses-sor mais próximo, Giles Azevedo, ecom Messias. Ambos permanecerãoligados formalmente à petista du-rante seu afastamento, na equipeque Dilma levará ao Alvorada. Nahora do almoço, ela recebeu o advo-gado-geral da União, José EduardoCardozo, e, em seguida, gravou, aolado de Edinho Silva, um pronuncia-mento que será divulgado hoje.

    Enquanto isso, Jaques Wagner fezuma reunião com 30 dos 32 minis-tros — só estavam ausentes Cardozoe Inês Magalhães, de Cidades. O te-ma foi a exoneração coletiva dos mi-nistros, secretários-executivos e se-cretários nacionais. Dilma decidiuque só manterá o presidente do Ban-co Central, Alexandre Tombini, e oministro do Esporte, Ricardo Leyser.Este último, para que não sejam in-terrompidas as ações das Olimpía-das às vésperas do início do evento.

    Parte dos ministros deverá entrarna Comissão de Ética Pública compedido de quarentena (seis meses de

    tinha na parede. Ela só recebeu os mi-nistros do Planalto: Jaques Wagner, Ri-cardo Berzoini (Secretaria de Governo)e Giles. Nesse período, fechou os deta-lhes do discurso que fará no Planaltohoje, que poderá ser o de encerramen-to do ciclo de cinco anos em que ficouna Presidência.

    No discurso, Dilma estará acompa-nhada de todos os ministros e do ex-presidente Lula. Ao fim de sua fala, eladescerá ao térreo do Planalto e, pelaporta principal, cumprimentará mani-festantes pró governo que foram con

    mará em bunker de resistência da pe-tista. Mas a ideia foi descartada. A pre-sidente terá no Alvorada, além de Mes-sias e Giles, o jornalista Olímpio Cruz,ex-secretário de imprensa, que ficaráresponsável pelo contato de Dilma comos jornalistas, Bruno Monteiro (asses-sor especial), Sandra Brandão (asses-sora especial) e, possivelmente, Rober-to Stuckert Filho (fotógrafo oficial) eMarco Aurélio Garcia (assessor especi-al para assuntos internacionais).

    Todos eles, à exceção de O límpio, queestava no Banco do Brasil, manterãoseus salários. Jaques, Berzoini, Edinhoe outros ministros manterão atuaçãopartidária e a ajudarão a montar umaagenda para levar adiante o discurso deque Dilma não cometeu crime de res-ponsabilidade e que, portanto, é vítimade um golpe. Eles desfrutarão do salá-rio de quarentena.

    LULA VAI ESPERAR EM FRENTE AO PALÁCIOResponsável pela escolha de Dilma

    como candidata, em 2010, sem que elativesse disputado qualquer eleição, oex-presidente Lula deverá estar presen-te hoje, quando ela deixar o Palácio doPlanalto. Lula deve esperá-la na frentedo Planalto, ao lado de representantesde movimentos sociais, e seguir comDilma para o Palácio da Alvorada.

     Aconselhada por Lula, Dilma desistiude descer a rampa do Planalto acompa-nhada de movimentos sociais A preo

    Pessoas próximas afirmam que oestado de espírito de Lula não pode-ria ser mais diferente do de Dilma:

    — Ela é muito fria. Já ele, você per-cebe a irritação só de olhar — co-mentou uma dessas pessoas.

    Lula não se conforma com a su-posta “frieza” de Dilma:

    — Parece que não está acontecen-do nada — disse Lula, segundo pes-soas próximas, referindo-se a Dilma.

    Interlocutores da presidente afir-mam que, quando as pessoas de-monstram surpresa com sua apa-rente serenidade, ela responde:

    — E ficar nervosa adianta?Ontem, um auxiliar da presidente

    disse que ela estava mantendo essecomportamento calmo:

    — A presidente está bem, dentrodo possível.

    Lula passou o dia no hotel em quese hospeda, em Brasília, monitoran-do o Senado. Por volta de 18h30m,os senadores do PT Humberto Costa(PE), líder do governo, LindberghFarias (RJ), Paulo Rocha (PA) e Jorge Viana (AC) foram se encontrar como ex-presidente. Lula também con- versou por telefone com senadores.

    Uma das preocupações de Lulaera que não houvesse 54 votos a fa- vor da abertura do processo de im-peachment, número necessário pa-ra afastar Dilma de vez, no julga-mento final do processo O ex presi

    Dilma esvazia gavetas e assina últimos atosPresidente tira foto do neto da parede do gabinete e grava pronunciamento que será divulgado hoje, após notificação do afastamento

    FOTOS DE GIVALDO BARBOSA

    Mudança. Assessores começam a esvaziar o gabinete de Dilma no Palácio do Planalto: presidente chegou às 15h para limpar gavetas e embalar objetos pessoais, como a foto do neto

    ESTERTORES

    Uma edição extrano Diário Oficial da

    União publicou a

    última leva de atosde Dilma: ela

    regulamentou oMarco Civil

    Isolamento. Funcionários colocam grade em volta da rampa do Palácio do Planalto

    -BRASÍLIA-

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     A BATALHA DO IMPEACHMENT

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    Notícias

    CNC|Sesc|Senac

    Debates e ações setoriais

     As Câmaras do Comércio da CNC vêm se reunindoregularmente para tratar das principais questões envolvendoos diversos setoresrepresentadospela ConfederaçãoNacionaldo Comércio de Bens, Serviços e Turismo.

    Nos dias 3 e 4 de maio, foramrealizadas duas reuniões de Câmarasda CNC, ambas em Brasília. A Câmara Brasileira de ProdutosFarmacêutico(CBFarma)debateu,entreoutrospontos,a regulaçãode

    preços de produtos farmacêuticose o acordo setorial da logísticareversa de medicamentos pós-consumo. Já a Câmara Brasileirade Materiais de Construção(CBMC) propôs um conjuntode iniciativas para construir umaagenda positiva para o setor aolongo do triênio 2016/2017/2018.

     As Câmaras Brasileiras do Comércio são órgãos consultivosda Presidência da CNC que realizam estudos e apresentamsugestões para a atuação política da entidade nos diversossegmentos econômicos. As nove câmaras setoriais emfuncionamento são integradas por empresários atuantes de

    cada setor, representantes da Confederação em organismosgovernamentais correlatos, diretores e técnicos da entidade.

    Reconhecimento em Educação

    O Sesc registra mais um importante reconhecimento. OMinistério da Educação concedeu Menção Honrosa PauloFreire ao projeto Agricultura familiar em contexto: da vivência à sobrevivência , desenvolvido pelo Sesc Ler Acauã, no Piauí. Comessa, já são duas menções honrosas e três Medalhas PauloFreire concedidas à instituição desde 2006 por seus trabalhoseducacionais. O projeto sobre agricultura familiar consiste naaplicação de um sistema de irrigação no plantio de melancia,desenvolvido no laboratório agrário do Sesc Ler Acauã. Osalunos usaram dosadores de soro e garrafas descartáveis parairrigar as plantas, gota a gota, garantindo a sobrevivência dosfrutos na região semiárida. A experiência fez com que osestudantes se tornassem multiplicadores da ação, levando atecnologia para suas comunidades e passando a colher frutosem seus quintais.

    Palco Giratório

     Até 2 de junho, o Espaço Cultural Escola Sesc, em Jacarepaguá, no Rio, oferece ao público, diariamente, peçasteatrais, oficinas e palestras, todas com entrada gratuita.Trata-se do Festival Palco Giratório, que, em sua oitavaedição, traz à cidade uma programação variada, com gruposartísticos de 15 estados. No repertório: drama, comédia,

    dança, circo, teatro de bonecos, documental, intervençãourbana. Este ano, a homenagem do projeto é para a atrizMaria Alice Vergueiro, que, aos 81 anos, está correndoo País com a peça   Why the Horse? . No Espaço CulturalEscola Sesc, o espetáculo será exibido no dia 18 de maio,às 19h30. A programação pode ser acompanhada pelo site:teatroescolasesc.wordpress.com.

         D      i    v    u      l    g    a    ç      ã    o      /      S    e    s    c

     As Câmaras

    Brasileiras do

    Comércio são órgãos

    consultivos que

    realizam estudos

    e apresentam

    sugestões para

    a atuação da CNC

     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    -BRASÍLIA- Partindo para a oposi-ção depois de 13 anos, a ban-deira do PT agora será “Não aogolpe" e “Fora Temer”. A ideia éresistir ao governo Temer noCongresso, obstruindo vota-ções de propostas, e mobilizara sociedade nos 180 dias de de-bate sobre o mérito do impea-chment da presidente Dilma

    no Senado. Além de atuaçãoparlamentar, o partido preten-de se reaproximar de suas ba-ses e atuar em conjunto com osmovimentos sociais:

    — A nós cabe denunciar queesse processo tem vício de ori-gem, porque foi arquitetadopor Eduardo Cunha. Isso fere ademocracia, estão cassando os votos de 5 4 mi lhões de bra si-leiros. Vamos pedir eleições di-retas — disse o senador Jorge Viana (PT-AC).

    Com cartazes e um enorme

    banner onde se lia “Temer ja-mais será presidente. Sempregolpista”, um grupo de parla-mentares e assessores do PT edo PCdoB fez, ontem à tarde,um ato contra o impeachmentno Salão Verde da Câmara. De-putados e senadores das le-gendas se revezaram em dis-cursos críticos, repetindo obordão “Temer, o ilegíti mo”,que dá nome ao movimento.

    Mas o clima no PT ao longodo dia de ontem era um mistode tristeza, resignação, indig-nação e vontade de resistir du-rante o processo de impeach-ment. No momento da derro-cada, os petistas deixaram ascríticas a Dilma de lado e fo-ram solidários. O pesar era pe-la interrupção de um projetopolítico de 13 anos, já que apresidente nunca despertouentusiasmo no partido.

    — Não vamos nos estenderem balanços nem procurarculpados. Vamos traçar uma li-

    nha de ação daqui pra frente —afirmou um dirigente petista.

     A possibilidade de Dilma re-assumir o mandato é conside-rada remotíssima por dirigen-tes do PT. Mesmo assim, os pe-tistas passaram o dia ontempreocupados com a possibili-dade de haver 54 votos contrao governo, número necessário

    para afastar Dilma de vez, casocondenada no julgamento fi-nal no Senado.

    Embora não acreditem na volta de Dilma, eles queri amdeixar essa possibilidade emaberto, pelo menos para mobi-lizar a militância.

    — Sabemos que o placar éadverso, mas não vamos jogara toalha. O próximo julgamen-to será presidido por Lewan-dowski (presidente do Supre-mo Tribunal Federal), entãoserá técnico. O governo Temer

     vai ser de crise, vai retirar direi-tos dos trabalhadores, por issoeu acredito na virada lá nafrente — disse o senador Lind-bergh Farias (PT-RJ).

    ABATIMENTO E EXALTAÇÃOPela manhã, dirigentes petis-tas trabalhavam com um cená-rio de 52 a 55 votos pela aber-tura do processo de impeach-ment. Eles tinham expectativade virar o voto do senador Wel-lington Fagundes (PR-MT) ede garantir o de Roberto Rocha(PSB-MA). Lideranças do PTafirmavam que os senadoresFernando Collor (PTB-AL) eElmano Férrer (PTB-PI) vota-riam contra a abertura do pro-cesso. Petistas comemoravamainda a ausência da senadoraRose de Freitas (PMDB-ES),que havia declarado voto a fa- vor do impeachment.

    Enquanto alguns integrantesdo PT demonstravam abati-mento, outros, como Lind-

    bergh, um dos maiores críticosde Dilma, estavam exaltados.

    — Não tem nada de autocrí-

    tica, não. É momento de luta —disse Lindbergh.O senador é um dos que en-

     xergam algo de positivo na cri-se: o encontro de um discursopara o PT, o do golpe, no mo-mento em que o partido estavanas cordas por causa da Lava-Jato e da dificuldade do gover-no Dilma em superar a criseeconômica.

    O objetivo é ampliar o deba-te do “impedimento fraudu-lento” com a sociedade.

    — Sabemos muito bem fazeroposição e defender os interes-se do Brasil. Temer, o ilegítimo,assumirá o governo por ato deforça. A maioria nem sempretem razão, isso é golpe. Ele nãotem legitimidade, não reco-nheceremos documentos assi-nados por ele — disse a depu-tada Maria do Rosário (PT-RS).

    O líder do PT na Câmara, Afo nso Flore nce (BA) , f oi aoPlanalto ontem à noite — en-quanto o plenário do Senado

    discutia o afastamento de Dil-ma — para definir com Jaques Wagn er com o a ban cad a do

    partido agirá no Planaltoquando Dilma deixar o palá-cio. O líder prometeu temposdifíceis para o governo Temerno Congresso, nos próximosmeses. O PT votará contra a re-forma da Previdenciária, queTemer está defendendo.

    — Já éramos contra a idademínima no governo de coali-zão. Votaremos contra. Somosa favor da taxação das grandesfortunas, da correção da tabelado IR. Vamos manter obstru-ção política contra esse gover-no ilegítimo, mas sempre esta-remos ao lado do povo. Esta-mos em obstrução na Câmarados Deputados. Vamos conti-nuar com essa obstrução, denatureza política, enquantoEduardo Cunha estiver presi-dindo (Cunha está afastado domandato e da presidência daCâmara, mas Florence pedesua cassação) e enquanto tra-mitar no Congresso o impea-chment — disse Florence. l

    No partido, sentimentos divididos

    entre revolta e resignação

    REAÇÃOPT defenderáo ‘Fora Temer’

    JORGE WILLIAM

    Resistência. O senador Jorge Viana (PT-AC): “Vamos pedir eleições diretas”

    STF rejeita recurso de Dilma para anular processoTribunal também

    confirma que Temer

    da, aliás, pela sua posição defranca rebeldia ao governo —,o então presidente da Câmara

    era a última cartada do gover-no para tentar impedir o afas-tamento de Dilma Em entre

    STF uma ação sobre a legalida-de do ato de Dilma de nomearo ex presidente Luiz Inácio Lu

  • 8/17/2019 O Globo - 12 de Maio de 2016

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    |Panorama

    político|

     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    8   l O GLOBO   l País   l Quinta-feira12 .5.201 6

    -BRASÍLIA-  A s ess ão do Sen ado

    que se iniciou na manhã deontem e avançou até às 6h34de hoje começou com as posi-ções da ampla maioria dos se-nadores já conhecidas e comclara tendência pelo afasta-mento da presidente DilmaRousseff. Mas o resultado finalfoi pior que o imaginado pelogoverno. A abertura do proces-so de impeachment foi consu-mada por 55 votos a 22. Ou se- ja, foi ultrapass ada a b arreirados dois terços dos senadores— ou 54 dos 81 — necessária

    para a destituição definitiva dapresidente na conclusão doprocesso de impeachment,que pode durar até 180 dias.

    O presidente do Senado, Re-nan Calheiros (PMDB-AL),tentou várias vezes encurtar otempo das falas, mas a estraté-gia não deu certo diante da re-sistência dos senadores.

    — Se depender de mim, que-ro acabar antes das 23h. Tentei vár ia s vez es. Até bri nqu ei:“não é fácil acelerar ou atrasaro relógio da história” — disseRenan, por volta das 19h15m,quando os trabalhos já ultra-passavam nove horas.

    O presidente do Senado semanteve à frente da sessão amaior parte do tempo. Somen-te depois das 2h da madruga-da, deixou o plenário por al-guns minutos para fazer umlanche. Antes, fez intervalosdos trabalhos na hora do al-moço e no início da noite. De-pois do discurso do ex-presi-dente Fernando Collor, Renandisse que o momento políticoera fruto dos erros de 2013 eensaiou críticas ao governo deDilma, de quem foi aliado.

    — O que houve com a repeti-ção de erros é que o governoperdeu a centralidade da Na-ção, perdeu a defesa do inte-resse nacional — disse Renan.

     A sessão para decidir o desti-no da presidente começou às10h, com mais de uma hora deatraso. Questões de ordem

    apresentadas pelos senadoresdo PT e do PCdoB fizeram comque a primeira inscrita para fa-lar, a senadora Ana Amélia(PP-RS), só discursasse depoisdas 11h. Os governistas utiliza-ram tal instrumento para em-basar novo recurso ao Supre-mo Tribunal Federal. Minori-tária, a base governista dividiuseus ataques entre o vice Mi-chel Temer, a oposição e o rela-tório do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG).

    — A simples leitura do rela-tório do senador Anastasiamostra que os fatos não foramencaixados de forma legítima,mas para refletir uma vontadepolítica de que a presidentefosse afastada sem que fosseidentificado qualquer ilícito—afirmou o ministro, que foi o

    último a falar, já às 6 horas damanhã.

    Imediatamente antes, Anas-tasia defendeu seus argumen-tos pela abertura do processo:

    — Com serena convicção eabsoluta tranquilidade reafir-mo que estão presentes de ma-neira cristalina os indícios su-ficientes, não para a condena-ção, mas para a abertura doprocesso, e aí sim se discutircom calma a presença dos ele-mentos para decidir ou não aexistência dos crimes de res-ponsabilidade.

    Durante a madrugada, como resultado conhecido, já quemais de 50 senadores haviamdeclarado em enquetes votos afavor da abertura do processo,muitos senadores discursaramcom o plenário esvaziado e al-

    guns se ausentaram para vol-tar mais tarde. O senador Lind-bergh Farias (PT-RJ) foi paracasa tomar banho antes de dis-cursar a 1h30. Notívago, JoséSerra (PSDB-SP) brincou coma sessão na madrugada:

    — Eu fico até mais alerta.Perto de duas da manhã é omeu ponto mais alto do dia —disse o tucano, que só falou de-pois das 4 horas.

    Logo após Serra discursar, olíder do governo, HumbertoCosta (PT-PE), subiu à tribunae afirmou que o PT fará oposi-ção a Temer:

    — Não esperem de nós ges-tos incendiários, mas tambémnão esperem corpo mole! Vol-taremos pela rampa da frentedo Palácio do Planalto. Abaixoo impeachment!  l

    Votação seria suficiente para afastar Dilma definitivamente do cargo

    NO SENADOSuperada marca de dois terçosJORGE WILLIAM

    Riso. Renan comandou toda a sessão e tentou abreviar discursos: “Não é fácil acelerar ou atrasar o relógio da história”

    _

    ILIMAR [email protected]

    _

    O novo líderDepois de uma briga quedividiu o partido e elegeuLeonardo Picciani para aliderança do PMDB naCâmara, a batalharecomeçou. Picciani seráministro, e já existem doiscandidatos. O vice-líderLeonardo Quintão querassumir o posto. O grupode Temer trabalha por Baleia Rossi (foto), filho de

    um velho aliado do presidente, Wagner Rossi.

    DIVULGAÇÃO

    _

    “Tenho uma relação de grandezapessoal e institucional com o

    senador Aécio Neves (PSDB).Nossas tratativas políticas sempreforam elegantes e republicanas”Michel Temer, presidente da República, sobre asintrigas e o mal-estar criado por elas_

    AmabilidadesO futuro secretário de Governo de Temer, Geddel Vieira Lima, passou um pito na bancada mineira doPMDB. “Já temos a Presidência. As bancadas dosestados não têm que ficar cobrando o Michel”, disse. Ocandidato a ministro da Defesa, Newton Cardoso Jr.,

    não gostou e, segundo relato, reagiu com xingamentos. Contam que uma testemunha ouviu umconselheiro do presidente esbravejar: “Ele chamava oTemer de golpista. Como é que pode? Quer vir aquino dia da vitória de Temer”. Há quem jure queestavam falando do senador Eduardo Braga. Esseatuou arduamente e até o último momento para serministro da Integração. Outro ministro de Dilma quepretendia ocupar um ministério no governo de Temerfoi o deputado Mauro Lopes, o breve (Aviação Civil).

    Vai que cola A bancada mineira do PMDB saiu do Jaburuontem, após encontro com o presidente MichelTemer, dizendo que t eriam a pasta da Defesa eautonomearam um mini stro: Newton Cardoso Jr.Depois inventaram a rejeição dos militares.

    Acertos finaisEncontrar um lugar para o PRB foi duro. Ontempela manhã, chegou-se a cogitar transferirHenrique Alves para Indústria e Comércio

    O presidente Michel Temer decidiu que oPMDB indicará o ministro da Integração. Oministro deve ser Gaudencio Lucena, vice doprefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PSB).

     A indicação é do líder Eunício Oliveira, eteria sido ajustada com o presidente doSenado, Renan Calheiros. Para concluir aformação do Ministério falta definir oministro de Minas e Energia. Nesta manhã,Temer se reúne com os líderes do PS B.

    PMDB fica com Integração

    ESPETÁCULO DA DEMOCRACIAREPRODUÇÃO DA TV

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    Quinta-feira 12.5.2016   l   País   l O GLOBO l   9

    SIM à retomada do crescimentoe do desenvolvimento com justiça social.

    SIM às reformas estruturais

    de que o país necessita.

    SIM diál i

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    CÂMARA SENADO

     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    Na Câmara dos Deputados, foram apenas pou-cos segundos, que tiveram de tudo um pouco: votos dedicados a mãe, filhos, mulher, Deus, ci-dade, ao estado, e até xingamentos... Já os sena-dores, com até 15 minutos para declararem suas

    razões em plenário, resolveram caprichar mais. A maioria, com discurso escrito, não deixou delado a discussão do crime de responsabilidade,tema central do processo de impeachment.Mas, se o tempo propiciou reflexões mais pro-fundas, também deu a alguns parlamentares,no afã de brilhar no palanque da Casa, a chancede cometer alguns excessos no uso das palavras.No balanço das horas que vararam a madruga-

    da, não faltaram frases de efeito e citações. DaRoma antiga à mitologia grega, teve muito pala- vrório e show de erudição.

    — A base de sustentação do governo vem, ali-ás, se reduzindo como uma cama de Procusto —

    disse Aloysio Nunes (PSDB-SP), referindo-se aum personagem da mitologia grega que cortava— e também esticava — suas vítimas para queelas se adaptassem exatamente ao seu leito.

    José Medeiros (PSD-MT), lendo atentamentesuas anotações, foi a Roma buscar inspiração eacabou citando frase já um tanto surrada nomeio político:

    — Lembro a mulher de César, a quem não

    compete ser só honesta, tem que parecer ho-nesta sempre — afirmou o senador, remetendoao provérbio que surgiu de um escândalo en- volvendo Pompéia, esposa do imperador roma-no Júlio César, por volta de 60 a.C.

    Quem improvisou não abriu mão das metá-foras. E foi inevitável a lembrança da votaçãona Câmara, em 17 de abril. Magno Malta (PR-ES) disse que o governo pegou a casa e deixou“entupir o vaso (sani tário)”. E com parou o pa-ís a um doente.

    — Estamos diante de um corpo febril, assalta-do de taxas altíssimas de diabetes e uma pernacheia de gangrena, há muito tempo, pronta para

    ser amputada — bradou.Contrário ao impeachment, Telmário Mota

    (PDT-RR) apelou para Renato Russo, com“Que país é esse? ”. Ia bem, até desl izar noportuguês:

    — O Congresso tem “menas” popularidade doque a presidente Dilma!Não satisfeitos de terem feito História, com di-

    reito a notas taquigráficas da Câmara, deputa-dos foram assistir à sessão e acabaram repreen-didos pelo presidente do Senado, Renan Calhei-ros, por causa do burburinho:

    — Os deputados são bem-vindos, mas issoaqui não é feira de passarinhos.  l

    Discursos tiveram de tudo, porém com mais verniz

    “Dilma, vai emboraque o Brasil nãoquer você, e levao Lula junto eos vagabundosdo PT”

    Paulinho da ForçaSolidariedade (ele cantaroloua frase em ritmo de “Pra nãodizer que não falei das flores”,de Geraldo Vandré)

    _

    “Não admito quese diga que há umgolpe no Brasil [...].Não há golpe.

    Sabe o que estáparecendo essenegócio de golpe?Golpe, golpe,golpe, golpe, golpe,golpe... Já estáparecendo sabe

    o quê? Umadiarreia verbalque ninguémsuporta mais!”

    “Dizendo ‘tchau’para essa queridae dizendo ‘tchau’para o PT, essePartido das Trevas,eu voto sim”

    Marco FelicianoPSC-SP

    _“Só corrigir aquiuma situação:queria mandarum abraço, eu nãomencionei meu

    filho, PauloHenrique. PauloHenrique, é paravocê meu filho!Um beijo!”Marcelo Álvaro AntônioPR-MG

    _

    “Pela memóriado coronel CarlosAlberto BrilhanteUstra, o pavor de

    Wladimir CostaSolidariedade (ele disse a frasee disparou uma pistola deconfetes coloridos)

    _

    “Quem quertomar o poder éo PCC, Partido da

    Corja do Cunha.Esse canalha,bandido, ladrão jádevia estar preso”Silvio CostaPTdoB-PE

    “Lamentavelmente,a inteligênciabrasileira não estáquerendo usar ainteligência parapensar o novo;

    está viciada,comprometidae sem quereravançar”Cristovam BuarquePPS-DF, referindo-seà posição de intelectuaiscontra o impeachment

    _

    “E aqui lembronosso saudosoLeonel Brizola, quedizia: quandotiveres dúvidade para que lado

    seguir, sigao povo”Acir GurgaczPDT-RO

    _

    “Tomo as palavrasde Euclidesda Cunha por

    ele aplicadas aobravo e vigorosopovo nordestinopara dizer: obrasileiro é antesde tudo um forte”Marta SuplicyPMDB-SP

    _

    “Quero parabenizaro nosso relator,senador Antônio

    _

    “Na política, comona vida fisiológica,quando se temum quisto ouum tumor, nãohá solução sem

    sangue”José MaranhãoPMDB-PB

    _

    “Diziam que(Dilma) era umagrande técnica.Técnica de quê?

    Técnica de quê?Só se for de timede futebol, cargoem que ela não oitestada ainda”Zezé PerrelaPTB-MG

    _

    “Eu sei que a fomeé má conselheira”Garibaldi Alves FilhoPMDB-RN, pedindo a suspensãode uma pausa mas admitindo

    SENADO É CULTURA

  • 8/17/2019 O Globo - 12 de Maio de 2016

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     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    Quinta-feira 12 .5.2016   l País   l O GLOBO l 11

    -BRASÌLIA- Vinte e quat ro anos de pois desofrer processo de impeachment, em1992, o ex-presidente Fernando Col-lor, atual senador pele PTC de Alago-as, surpreendeu os colegas ao apare-cer no plenário por volta das 22h30me, às 22h56m, começou a fazer umdiscurso da tribuna, paralisando aCasa. Era uma das falas mais aguar-dadas da noite. De forma calma, Col-

    lor disse que alertou a presidente Dil-ma Rousseff para o risco de ela tam-bém sofrer um processo que a afasta-ria da Presidência e reclamou de tersido ignorado. Ele disse que o gover-no Dilma cometeu “irresponsabilida-des”, mas não foi c laro se votaria a fa- vor d o impe achmen t. Ele foi o 38º se -nador a discursar na sessão de vota-ção da abertura do processo d e impe-achment de Dilma. No início da ma-nhã de hoje, ele votou sim.

    Collor, em sua fala, fez paralelos entreo processo de impeachment que sofreuem 1992 e o de Dilma. Ele criticou o fatode, no passado, seu rito ter sido maisrápido do que o de Dilma. Ele lembrouque, no Senado, foram apenas 48 horaspara a aprovação do seu afastamento.

    — A História me reservou este mo-mento. Devo vivê-lo no estrito cum-primento de um dever. Tudo nos pro- va que, a cada dia, nos sos costumes se

    abrandam, os espíritos se esclareceme a razão conquista terreno — obser- vou Collo r. — Em 1 992, em proce ssoanálogo, bastaram menos de quatromeses. No atual processo, já se forammais de oito. E poderão ser mais 180dias. O rito é o mesmo, mas o ritmo e origor, não. Fui instado a renunciar.Continuei com advogados particula-res e fui absolvido pelo Supremo.

    DILMA IGNOROU CONSELHOS

    Collor fez críticas a Dilma, ressaltandoque se encontrou com ela algumas ve-zes no Palácio do Planalto,

    — Nos raros momentos em que estivecom a presidente, externei minhas pre-ocupações, especialmente após a suareeleição, quando sugeri uma reconci-liação do seu novo governo com seuseleitores e com a classe política. Aler-tei-a sobre a possibilidade de sofrer im-peachment. Não me escutaram. Colo-quei-me à disposição. (Fizeram) Ouvi-dos de mercador. Desconsideraramminhas ponderações, relegaram minhaexperiência. A autossuficiência pairavasobre a razão — disse Collor, que conti-nuou a falar mesmo depois de o micro-fone ter sido desligado. — Vivemos es-pasmos da democracia. Por tudo isso, osistema está em ruínas.

    Collor citou “erros” na economia.

    — Chegamos ao ápice de todas ascrises, ao ápice da ruína de todos osgovernos. Constatamos que o maiorcrime de responsabilidade está na ir-responsabilidade pela deterioraçãoeconômica, na irresponsabilidadepelos sucessivos e acachapantes dé-ficits fiscais e orçamentários, na ir-responsabilidade pelo aparelha-mento desenfreado do Estado. É cri-me de responsabilidade a mera ir-responsabilidade para com o país,seja por incompetência, negligênciaou má-fé. Falei (para a presidente)da falta de diálogo com o Parlamento— falou Collor.

    Ele disse que o atual momento irá“decantar o futuro". Os senadoresacompanharam o discurso do senadorcom atenção, em especial os defenso-res do mandato da presidente Dilma.

    Collor havia se inscrito para falarna terça-feira, mas só registrou pre-sença na sessão ao chegar, às22h30m. Em 1992, Collor teve seu julg ament o r eali zado no Sena do emdezembro daquele ano, no dia 29.Ele renunciou enquanto os senado-res estavam reunidos, na esperançade o fato interromper o processo. Atática não deu certo. Collor foi julga-do e perdeu seus direitos políticos.  l

    Senador, que sofreu impeachment em 1992,

    critica Dilma por ‘erros’ da economia

    TEMPO REICollor vota ‘sim’24 anos depois

    AGÊNCIA O GLOBO

    Ressentimento.O senador Fernando Collor disse que seu rito foi muito mais rápido e que Dilma fez “ouvidos de mercador” a conselhos

    “Desconsideraramminhasponderações,

    relegaram minha

    experiência. Aautossuficiência

    pairava sobre arazão”

  • 8/17/2019 O Globo - 12 de Maio de 2016

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    PICCIANILEONARDO

    (PMDB)

    Líder do PMDB naCâmara, é filho de JorgePicciani, presidente daAlerj. Votou contra oimpeachment de Dilma

    ESPORTE

    EDUARDO ALVESHENRIQUE

    (PMDB)

    Ocupou a presidênciada Câmara entre 2013e 2015. Foi ministrodo Turismo no governoDilma

    TURISMO

    FILHOMENDONÇA

    (DEM)

    Ex-governador dePernambuco, o deputadochega ao ministério nacota do DEM

    EDUCAÇÃO E CULTURA

    KASSABGILBERTO

    (PSD)

    Ex-ministro das Cidades nogoverno Dilma, eleabandonou o ministériopara apoiar o impeach-ment

    COMUNICAÇÕES, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

    DE MORAESALEXANDRE

    (PSDB)

    Filiado ao PSDB, ele éadvogado e secretárioestadual de SegurançaPública de São Paulo, alémde amigo de Michel Temer

    JUSTIÇA

    FILHOSARNEY

    (PV)

    Líder do Partido Verde naCâmara, ele é filho doex-presidente José Sarneye já ocupou a pasta nogoverno FH

    MEIO AMBIENTE

    NOMES JÁ DEFINIDOS

    SERRAJOSÉ

    (PSDB)

    Ex-ministro do Planeja-mento e da Saúde duranteo governo FH, ele já secandidatou à Presidênciada República duas vezes

    RELAÇÕES EXTERIORES

    BARROSRICARDO

    (PP)

    Deputado, ele foi o relatordo Orçamento de 2016 edefendeu o corte de R$ 10bilhões no Bolsa Família

    SAÚDE

    MAGGIBLAIRO

    (PP)

    Um dos maioresagropecuaristas do país,deixou o PR e filiou-se aoPP para assumir a pasta

    AGRICULTURA

    ARAÚJOBRUNO

    (PSDB)

    Deputado, foi líder doPSDB na Câmara. Deu ovoto 342, que definiu aabertura do processo deimpeachment

    CIDADES

    JUCÁROMERO

    (PMDB)

    O senador é consideradoum hábil articuladorpolítico e foi líder dosgovernos FH, Lula e Dilma

    PLANEJAMENTO

    MEIRELLESHENRIQUE

    (PSD)

    Ex-presidente do BancoCentral entre 2003 e2010, foi um dosprimeiros nomesescolhidos por Temer

    FAZENDA E PREVIDÊNCIA

    TERRAOSMAR

    (PMDB)

    Temer acordou que a pastadeve ficar sob a tutela doPMDB. Terra ficaráresponsável por enxugar oBolsa Família

    DESENVOLVIMENTO SOCIAL

    VIEIRA LIMAGEDDEL

    (PMDB)

    Ex-ministro da IntegraçãoNacional, no governo Lula,ele deve ficar responsávelpela articulação política

    SECRETARIA DE GOVERNO

    PADILHAELISEU

    (PMDB)

    Aliado de Temer, elecomandou a Secretaria deAviação Civil no governoDilma e dos Transportesdurante o mandato de FH

    CASA CIVIL

    12   l O GLOBO   l País   l   Quinta-feira 12. 5.2 016

     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    -BRASÍLIA- Se conseguir cum-prir os planos que traçou, oagora presidente em exercí-

    cio Michel Temer terá, no co-mando do país, o ministériomais enxuto desde o governoFernando Collor de Mello. Oobjetivo do novo chefe deEstado é cortar dez dos 32ministros que compõem oatual primeiro escalão. O nú-mero é o menor desde acomposição que vigorou en-tre 1990 e 1992, quando o ga-binete de Collor contavacom um total de 17 pastas.

    O levantamento, realizadocom base em informaçõesfornecidas pelo Palácio do

    Planalto, inclui ministériosextraordinários. O ex-presi-dente Collor possuía, porexemplo, pastas criadas ex-cepcionalmente para a aten-ção à criança e para a inte-gração latino-americana.Nos anos seguintes, todos ospresidentes tiveram mais de20 ministros — Itamar Fran-co teve 24 e Fernando Henri-que chegou a ter 26 no pri-meiro mandato.

     A parti r da segun da gestãodo presidente tucano, o qua-dro (também contabilizando

    as pastas extraordinárias)apresentou uma escalada.

    DILMA: RECORDE DE MINISTÉRIOS

    O ápice ocorreu nos primei-ros quatro anos de DilmaRousseff, quando 39 minis-tros ocuparam cadeiras na Es-planada dos Ministérios. Nosegundo mandato, Dilmaanunciou uma reforma, reti-rou o status de ministério dealgumas pastas, excluiu e

    compilou outras e chegou aosatuais 32.

     Agora, Temer pretende tirar

    o status de ministério do Ban-co Central, da Advocacia-Ge-ral da União, da Secretaria deComunicação Social e da che-fia do Gabinete da Presidência. Além disso, quer incorporar al-gumas pastas em outros ór-gãos: o Ministério de Ciência eTecnologia, por exemplo, pas-sará a integrar o Ministério dasComunicações, e a Previdên-cia passará a fazer parte do Mi-nistério da Fazenda.  l

    Com menos dez pastas, é o maisenxuto Ministério desde Collor

    OS HOMENSDE TEMER

    l P í l l 3

  • 8/17/2019 O Globo - 12 de Maio de 2016

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    Dieta RavennaDilma emagreceu17 quilos depoisque mudou aalimentação

    Arroz e feijãoVice aprecia uma boacomida caseira e nãodispensa doce

    Veia literáriaTemer tambémescreve poesia.Em 2013, lançou“AnônimaIntimidade”

    Melhor amigoDilma costumava

    passear comNêgo, labradorque já foi de

    Dirceu

    TorcedoraDilma vibra com

    Internacionale Atlético-MG

    PedaladasO exercício

    predileto de Dilmaé andar de

    bicicleta

    JoggingÉ o exercíciopredileto dopeemedebista

    Olha aqui, meufilho! Eu conheçomuito bem todosesses números!

    FRASE DITA, COM DEDO EM RISTE, AOPREFEITO DE FORTALEZA, ROBERTOCLAUDIO, NO DIA 24 DE JUNHO DE

    2013, DURANTE DEBATE SOBRETARIFAS DE ÔNIBUS

    rroz e fei ão

    Torce oraDilma vibra com

    Internacionae Atlético-M

     2013, DURANTE DEBATE SOBRE

    TARIFAS DE ÔNIBUS

    eta a venn a

    codi

    e aTemeescreEm 2Anô

    Intim

     mida caseira e não

    r aémsia.

    nçou

    oggin o exerc

    prediletopeemed

    VaidosaCelso Kamura éa responsávelpelo visual dapresidente

    VaidosoJassa apara osfios de políticoscomo Temer eKassab, além depassar a tesourana cabeleira deSilvio Santos

    FRASE DITA POR TEMER EMDIFERENTES SITUAÇÕES, SEGUNDOAMIGOS, PARA CRITICAR ALGUÉM

    SEM PERDER A POLIDEZ

    Data venia: esse sujeito

    não é muito intelectual.Se cair no gramado, nãolevanta mais.

     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    Quinta-feira 12.5.2016   l País   l O GLOBO l 13

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    Exigente com os outros econsigo, Dilma tem

    obsessão por estar certa

    -BRASÍLIA- Control freak . A ex-pressão americana para quemtem obsessão por controlar tu-

    do é usada por um assessorque despacha diariamentecom a presidente Dilma Rous-seff para defini-la. Resistente adelegar, a petista participa detodas as ações. Em Nova York,ano passado ao falar sobre te

    ‘Espancadora

    de  ideias’ g osta

    de alta culturae bai xa caloria

    Novo presidente não falapalavrão, bebe pouco, faz

    exercícios e ama doces

    -BRASÍLIA- “Você nunca ouvirá oMichel falando palavrão, gri-tando ou agredindo a lguém”. É

    um comentário comum depessoas próximas ao novo pre-sidente para pontuar aquelaque seria a principal diferençade estilo em relação à afastadaDilma Rousseff, conhecida pe-lo temperamento explosivo

    Comedido no

     garfo e no

    trato, menosna sobremesa

    Da pedalada matinalà leitura noturna,disciplinada rotina

    TROCA DE ESTILOS

    DilmaPoeta amador delinguajar rebuscado ecardápio simples

    Temer

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     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    14   l O GLOBO   l País   l   Quinta-feira 12.5 .2016

    -BRASÍLIA- Em certa noite de setembro de 1996,durante um jantar na casa de amigo em co-mum, o então presidente da Câmara, Luís Edu-ardo Magalhães, fumante inveterado, optara

    por ficar nos jardins da residência, para não in-comodar os demais convidados, no salão. Derepente, pede ao garçom para chamar o entãolíder do PMDB na Câmara, Michel Temer. Entreo pedido de Luís Eduardo e a chegada de Temer,demorou quase uma hora.

    — Por que você demorou tanto, Michel? —perguntou-lhe o amigo.

    — É que eu não estava encontrando o dono dacasa para pedir licença e vir até aqui.

    — Não entendi. Você precisava de autorizaçãopara vir conversar comigo?

    — Não propriamente. É que para chegar aquieu teria que pisar na grama. E eu não iria pisar nagrama sem o consentimento do dono da casa.

    Luís Eduardo caiu na gargalhada e fez umaprofecia, que não se concretizou:

    — Assim, meu caro, você não vai ser presiden-te da Câmara nunca (Temer era candidato à suasucessão). Presidente da Câmara tem às vezesque pisar até na cabeça de deputados inconve-nientes

    ra por três vezes, igualando-se ao presidente efundador de seu partido, o PMDB, Ulysses Gui-marães. Só não superou Ulysses por causa deuma traição de Renan Calheiros, na gênese desua complicada e tumultuada relação com oatual presidente do Senado.

    Em setembro de 2005, com a queda do presi-

    dente Severino Cavalcanti, o PMDB, que já ti-nha a presidência do Senado, quis também re-cuperar a da Câmara, lançando um candidato.O próprio Renan Calheiros comandou pessoal-mente a operação e procurou Temer:

    — Como ex-presidente da Câmara por duas ve-zes, você é o mais preparado para presidir a Casa.E, como presidente do PMDB, representa o parti-do como ninguém. Já falei com o Lula (então pre-sidente), e ele topa. Só depende de você.

    E Temer, cerimonioso como sempre:— Eu não estava pensando nisso. Mas, se te-

    nho o seu apoio e o do presidente da República,seria uma indelicadeza não aceitar. Eu topo.

    Mal sabia Michel Temer que estava sendo

    usado por Renan apenas para barrar qualqueroutra candidatura do PMDB, já que ninguémcontestaria a escolha, e, assim, o presidente doSenado poderia ficar livre para contemplar umamigo de longa data e de seu partido de origem, Aldo Rebelo, do PCdoB.

    Às vésperas dolançamento da candidatura do

     Aldo de todo jeito e vetou o seu nome. Ao desco bri r que Rena n, na verda de, nem

    chegara a sugerir seu nome a Lula, Temer en-tendeu toda a trama, subiu à tribuna da Câma-ra, denunciou o golpe e desancou Renan. A par-tir daí, só voltaram a se falar quando o presiden-te do Senado caiu em desgraça no episódio Mô-

    nica Veloso, e Temer, como presidente doPMDB, hipotecou-lhe solidariedade e foi umdos que também defenderam a renúncia de Re-nan como solução para o problema.

    CALEJADO COM AS FRUSTRAÇÕES DA POLÍTICADe lá para cá, as relações entre os hoje presiden-te da República e do Senado nunca mais se nor-malizaram. Tudo que Temer faz é contestadopor Renan. Quando o então vice assumiu a co-ordenação política do governo, foi bombardea-do pelo presidente do Senado. No início das dis-cussões sobre o rompimento do PMDB com ogoverno, Renan esboçou um apoio a Temer.Mas, logo após a decisão, criticou o presidente

    do partido.Por tudo isso, na intimidade do Jaburu, Mi-

    chel Temer costuma dizer que Renan é “um ho-mem de idas e vind as”. Mau presságio para o no- vo governo? Pode ser. Mas, pe lo h istórico dassuas relações com os governos eleitos a partirda redemocratização isso dificilmente ocorre

    Temer é um político calejado com essas his-tórias de “idas e vindas”. Logo na eleição de Lu-la, José Dirceu, a pedido do próprio presidente,abriu conversa com ele, visando ao apoio doPMDB ao novo governo. Porém, as negociaçõesforam abortadas pelo próprio Lula no momen-to em que tudo já estava acertado. Michel, mais

    uma vez, ficou na mão. Eis que, para a sua sur-presa, surge em seu socorro justamente umadas estrelas petistas consideradas mais radicaise que, por natureza, deveria ser o primeiro acombater uma aliança com um partido centris-ta: Tarso Genro. Ele convence Lula a retomar asnegociações com Temer, a quem passou a com-bater mais tarde, já como vice da presidenteDilma Rousseff.

    Para chegar à condição de postulante a vice nachapa de Dilma, Temer passou por um verdadei-ro calvário, semelhante ao de Sarney para ser vi-ce de Tancredo Neves, enfrentando sabatinas,críticas e mesmo vetos. O primeiro a questioná-lo foi o próprio patrono da chapa, Lula:

    — Temer, você só será candidato na chapa doPT se romper com Eduardo Cunha.

    E o candidato a noivo negou ao pai da noivater qualquer tipo de relação extraparlamentarcom o hoje a fastado presidente da Câmara.

    O senador Lindbergh Farias, que agora cha-ma Temer de golpista participou de calorosos

    Formal. Atento. Negociador. Paulista de Tietê,novo presidente leva ao Palácio do Planalto amarca de décadas de convívio no Parlamento. Ecarrega na bagagem a experiência de desilusõese traições da política, até mesmo aquelasforjadas dentro de seu próprio partido, o PMDB

    JORGEB ASTOSMORENO

    [email protected]

    O HOMEMCORDIAL

    PERFIL

    ANDRÉ COELHO/16-7-2014

    Cautela. Temer é conhecido pelos passos discretos em tramas complexas, como as disputas pelo poder na Câmara

    Michel Temer

    Quinta feira12 5 2016 l País l O GLOBO l 15

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     va no primeir o g rupo. Ao sair de uma dessasreuniões, desabafou, quase que profetizando:

    — O pessoal está maluco, só pode! Sabe o queestão argumentado agora? Que, por ter presidi-do a Câmara por três vezes, Temer vai ter maisdomínio sobre o Congresso do que Dilma. Eque, por isso, em caso de enfraquecimento polí-

    tico dela, ele poderá s er beneficiário disso.Dez dias antes de assumir a Presidência, sen-

    tado, exausto, num sofá da varanda do Jaburu,contemplando — incomodado, mas sem recla-mar — Moreira Franco dando baforadas de fu-maças do seu charuto, contaminando todo oambiente, o então vice reconhecia numa rodaem que estavam também Eliseu Padilha, Henri-que Alves e Geddel Vieira Lima, que, mesmo setivesse tido um excelente relacionamento com apresidente Dilma nestes cinco anos e quatromeses e meio de governo, estaria, em função daabertura do processo de impeachment, sendoacusado de traição.

    — É isso que me deixa muito caceteado, com

    ela e com Lula. Eles sabem do meu respeito peloEstado Democrático de Direito. Sabem do con-ceito que tenho nos meios acadêmicos e jurídi-cos. Sabem que, presidente da Câmara por três vezes, nunca me afastei um milímetro da Cons-tituição e do regimento da Casa.

    E prosseguiu:

    o combate equivocado do instituto do impea-chment, eu me rebelei não porque estava con-tra ela, mas porque eles botaram na minha bo-ca declarações que eram verdadeiros acintes àConstituição. E eu tenho que zelar pelo concei-to que tenho no meio jurídico. Um disse que euiria assessorar juridicamente a presidente, co-

    mo se isso fosse atribuição constitucional do vi-ce. E, outro, que eu achava improcedente juri-dicamente a aceitação do pedido de impeach-ment do presidente da Câmara. Isso me deixoumal perante a Suprema Corte do meu país.

    EPISÓDIO COM PALOCCI TIROU TEMER DO S ÉRIO

    Mas até em brigas com ministros da Dilma, Mi-chel Temer está calejado. A mais grave delasocorreu quando o PMDB ameaçava votar con-tra uma medida do governo e Temer recebeuum telefonema do então ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, no qual percebeu na hora queestava em viva-voz para Dilma poder ouvir. Pa-locci começou a conversa com voz alte-

    rada e desrespeitosa. Temer o enqua-drou no ato:

    — Ministro, mude, por favor, o tome o conteúdo da sua fala porque osenhor está se dirigindo ao vice-presidente da República, que, deacordo com a Constituição lhe é

    partiu para a ameaça. Insinuou que, ao perma-necer nessa posição, o PMDB poderia perderministérios importantes, como o da Agricultu-ra, cujo titular na época, Wagner Rossi, era indi-cado de Temer.

    Sentindo-se diretamente atingido pela chan-tagem de Palocci, mesmo sabendo que Dilma

    estava ouvindo, Michel Temer abandonou, pelaprimeira vez na vida, a sua reconhecida classe eelegância e respondeu pausadamente para quetodos os participantes ocultos dessa verdadeirateleconferência pudessem ouvir:

    — Podem ficar com esse ministério de merda!E desligou o telefone.Como se vê, até um homem extremamente

    cordial pode perder a paciência. E Michel Te-mer é exageradamente cordial. Que o digamseus visitantes. Ele leva todos, indiscriminada-mente, até a porta e só sai de lá depois que a vi-sita parte. Às vezes, esse excesso de gentileza

    constrange o visitante, quando o motorista so-me ou mesmo o carro enguiça. Temer fica lá,impávido, até que a pessoa vá embora.

    E o agora presidente estranhava quando issoacontecia com ele, antes é claro, de ser autori-dade. E conta um episódio de 30 anos atrásque o choca até hoje:

    — Sabe que certa vez fui visitar um importan-te jurista de São Paulo, a quem eu admiravamuito, e ele me recebeu já no escritório da suacasa e despediu-se de mim lá mesmo?

    Hoje Michel Temer é a principal autoridadedo país. O que acontecerá depois de deixar opoder? Talvez o mesmo que ocorreu quandodeixou o secretariado do governo FrancoMontoro, após exaustivas exposições na mí-dia. Foi dirigindo o próprio carro em direçãoà região onde nasceu, Tietê, parou no postode gasolina para tomar um café e, na lancho-nete, foi examinado atentamente pelo olharde um senhor, que, finalmente, tascou-lhe apergunta:

    — O senhor não foi o Michel Temer?É. Um dia o hoje presidente da República te-rá sido Michel Temer, principalmente se ven-

    cer os desafios que tem pela frente.  l

    R ecém-saída da adoles-

    cência, quando aceitou asugestão do tio Geraldopara ir cumprimentar o

    prefeito de Paulínia na convençãodo PMDB, em 2002, a ex-miss Mar-cela Tedeschi Araújo esperava ape-nas a chance de um contato quepudesse “dar um up’’ na apagadacarreira de modelo do interior. Aestudante tinha 19 anos e lá conhe-ceu o deputado “charmosão” 43anos mais velho que lhe fechou asportas do mundo das passarelas e atransformou na discreta mulher emãe que assume hoje o posto deprimeira-dama do Brasil — deso-cupado desde a posse de DilmaRousseff, em 2011.

     A únic a extr avagâ ncia que a ex-modelo e miss esconde está em suanuca: uma tatuagem com a inscrição“Michel”, nome do novo coman dan-te do Palácio do Planalto e do filhodo casal. O então deputado e hojepresidente foi seu primeiro e úniconamorado.

    — Era um contato profissional quepoderia dar um up na carreira de

    modelo. Mas eu achei ele charmosão— contou Marcela, em entrevista àrevista ‘‘TPM’’, logo após a primeiraposse de Temer como vice, em 2011.

    O próximo passo foi, por sugestão dopai, mandar um e-mail parabenizandoMichel pela eleição, com o seu telefone.

    — Logo no primeiro momento eume encantei com ela, e ela teve algu-ma simpatia por mim — contou, háalguns anos, um orgulhoso Temer, aolado da mulher, no programa“Amaury Jr.’’

    Em 2011, na posse da presidente Dil-ma Rousseff, a trança desestruturada eo ombro nu revelado pelo modelo desua blusa atraíram os holofotes paraMarcela Temer, a bela e jovem mulherdo vice-presidente. Ao longo daqueleprimeiro dia de janeiro, ela foi o assun-to mais comentado nas redes sociais —não só do Brasil —, pela beleza e a dife-rença de idade para o marido. Tinha 27anos, e Temer, 70.

     A trança d e Marcel a vol tou à s rede snos últimos dias, após internautas te-rem usado a foto da posse para ilustraruma contagem regressiva para a saídade cena da presidente Dilma Rousseff e a mudança de cara do governo emBrasília.

     A primeira-dama é não apenas reser- vada, mas também prot egida p elo s é-quito de Temer. Raramente concedeentrevistas — há uma extensa lista de veículos de imprensa, inclusive estran-

    geiros, esperando um bate-papo. Naspoucas conversas com que concordou,Marcela rejeita rótulos. Como a compa-ração com a ex-primeira dama da Fran-

    ça Carla Bruni, cantora e igualmenteex-modelo, casada com NicolasSarkozy. A única semelhança, costu-ma dizer, é o último sobrenome, Te-deschi.

    Descendente de italianos, Mar-cela queria ser jornalista e apre-sentadora de TV. Chegou a traba-lhar como recepcionista no jornal“O momento”, já e xtinto. Mas aca-bou seguindo o marido advogadoe constitucionalista, e se formouem Direito. Depois que se mudoupara o Palácio do Jaburu, que pas-sou por reformas para se adaptar à vi da co ti di an a de Mi ch el zi nh o,Marcela continuou longe dos ho-lofotes e, mais recentemente, dasintensas reuniões e maratonaspolíticas que precederam o afas-tamento de Dilma e a ascensão deseu marido à Presidência.

    Seu protagonismo é imenso, po-rém, na atividade artística de MichelTemer. A primeira-dama foi a musainspiradora do agora presidente nospoemas mais pessoais do livro “Anô-nima intimidade”, lançado por ele hátrês anos. No poema “Emb arque”,Michel se revela:

    “Embarquei na tua nauSem rumo. Eu e tu.

    Tu, porque não sabiasPara onde querias ir.Eu, porque já tomei muitos rumosSem chegar a lugar nenhum’’.  l

    De ex-modelo e missa beldade do JaburuMarcela chega à vaga desocupada desde 2011 com nome domarido tatuado na nuca e intenção de preservar sua intimidade

    MÁRCIO ALVES/21-6-2012

    Em evidência. Marcela Temer acumula fila de pedido de entrevistas, até do exterior

    ENFIM, PRIMEIRA-DAMA

    M ARIA LIMA 

    [email protected]

    Formada emDireito e avessaà imprensa, ela

    rejeita o rótulo demusa e fica de forado debate político

    NA WEB

    http://glo bo/1T97Sxz

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    -SÃO PAULO- Fundado em meio a um ciclo de grevesoperárias que forjaram no ABC paulista a lideran-ça de Luiz Inácio Lula da Silva, o PT, que hoje dei-

     xa o Palácio do Planalto junto com a presidenteDilma Rousseff, emergiu em fevereiro de 1980sob o signo de uma dupla ruptura. Na área sindi-cal, golpeava a estrutura herdada do getulismo edominada por pelegos ou dirigentes vinculadosao PTB e ao PCB. No terreno político, sacudia abarca do MDB, pilar oposicionista do bipartida-rismo da ditadura. Apoiado no novo sindicalis-mo, na Igreja Católica, no movimento estudantil,em organizações da esquerda marxista, e com

    forte ressonância entre intelectuais e artistas, oPT, quando surgiu, se pretendia moderno.Solidário com a libertação da Europa do Leste

    da órbita de Moscou, o PT abria um caminhonovo à esquerda brasileira. Crítico das açõesguerrilheiras que levaram ao beco sem saída daprimeira metade da década de 1970 e distante

    pela via eleitoral — e um carrancudo e barbudo

    Lula enfrentou a corrida pelo Palácio dos Ban-deirantes, levando um banho de votos de Fran-co Montoro, histórico democrata-cristão emtrânsito do MDB para o PMDB, fundado em 15de janeiro de 1980 — 45 dias antes d o PT. Com a

     vitória, Montoro deixaria a sua vaga de senador,que conquistara em 1971 pelo MDB, para o su-plente, o sociólogo Fernando Henrique Cardo-so, que contara, em sua eleição, com a simpatiade Lula. À Câmara, o PT elegeu oito deputadosfederais, seis deles por São Paulo.

    Em 1984, depois da derrota das Diretas Já, oPT decidiu boicotar o Colégio Eleitoral onde, noano seguinte, Tancredo Neves venceria. Gover-nador de Minas, o avô de Aécio, egresso da ve-

    lha escola do PSD mineiro, fora do MDB e do PPantes de se filiar ao PMDB. A morte impediu-ode subir a rampa do Planalto e mudou o scriptda política nacional, devolvendo a um antigoaliado da ditadura, José Sarney, a cadeira presi-dencial. Sarney tinha sido da Arena e do PDS,mas também entraria no PMDB o esteio da

    ria e São Paulo. Seus primeiros governadores

     viriam somente em 1 994: Cristova m Buarq ue(DF) e Vítor Buaiz (ES).

    Com uma barulhenta defesa da ética e umprograma econômico menos “revolucioná rio”,mas ainda radical, Lula deixou para trás políti-cos de esquerda tarimbados como Leonel Bri-zola e Mário Covas. Colhendo os frutos da op-ção de “indepen dênci a”, com seu discurso jáecoando na classe média urbana, foi ao segun-do turno contra Collor, a outra novidade daseleições. Perdeu por pouco — anos depois, re-conheceu que deveria ter aceitado o apoio deUlysses e seu... PMDB.

    NA CASA DO COMPADRE

    Mesmo derrotado por Collor, o PT viu que erapossível chegar lá. Mas só com muita profissi-onalização do partido. Ainda na campanha de1989, Lula aceitara morar de graça na casa docompadre Roberto Teixeira, hoje seu advoga-do na Operação Lava-Jato. Mal iniciava o anode 1990 e o compadre já batia segundo relatos

    o PT julgava que ganharia as eleições em 1994

    — mas havia Fernando Henrique e o Plano Re-al no meio do caminho.

    Com ideia fixa no Planalto, naquele ano Lula eJosé Dirceu, que viria a ser o próximo presidentedo PT, fizeram um pacto para profissionalizar opartido e o sistema de arrecadação financeira. Pe-la primeira vez, o PT aceitaria contribuição degrandes empreiteiras: a principal foi nada mais,nada menos que a Odebrecht. A doação destina-da à campanha de Dirceu ao governo de São Pau-lo foi repartida com a de Lula à Presidência. Mes-mo assim, o PSDB, costela do PMDB, levaria amelhor — e novamente em 1998.

    Para finalmente chegar ao poder, em 2003, Lulapescou para vice o empresário mineiro José Alen-

    car, que um ano antes trocara o PMDB pelo PL, eincorporou ao ideário econômico do PT — que votara contra a LRF em 2000 — princípios de ri-gor fiscal que o tornaram ainda mais distante do

     velho populismo. Uma tragédia acabou involun-tariamente colaborando. Celso Daniel, o prefeitode Santo André coordenador da campanha de

    Abalada por escândalos de corrupção, legendasai de cena denunciando o ‘golpe’

    LUIZ A NTÔNIONOVAES

    [email protected]

    Das greves do ABC aoPlanalto, fim de um ciclo

    O OCASO DO PT

     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    16   l O GLOBO   l País   l   Quinta feira 12. 5.201 6

    ARTE SOBRE FOTO DE ANTÔNIO CARLOS PICCINO /13-5-19 79

    Me talúr gico. Lula discursa para operários no ABC paulis ta durante greve: ele ainda é a maior liderança do partido

                           A                        R                        T

                            E                        S  

                           O                         B                        R                        E

                             F                       O                         T                       O 

                             D                        E

                            O                         R                        L                       A                        N                        D                       O 

                             B                        R                        I                        T

                           O                         /                          1                       0 

               -                        5             -                       2

                           0                        1                       6

    P e d a l a d a  s o l i t á r i a . D i l m a an d a d e b i c i c l e t a e m  f r e n t e  ao  P al ác i o  d o J ab u r u , r e s i d ê n c i a o f i c i al  d e  T e m e r ,d i as  an t e s  d e  s e r  af as t ad a

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    governo petista preferia aparar arestas com ini-migos e adversários antes de tentar cumprir aspromessas do próprio partido. O compromissocom o ajuste e o superávit fiscal, além das con-cessões ao amplo leque de alianças, provoca-ram desconfianças entre os antigos aliados e atémesmo uma dissidência — que levou à criaçãodo PSOL. A conjuntura econômica internacio-nal favorável e, sobretudo, o carisma e a lideran-

    ça de Lula driblaram tudo.

    O ESCÂNDALO DO MENSALÃOEm junho de 2005 explodiu o escândalo domensalão, fórmula de cooptação no varejo dobaixo clero do Congresso armada em 2002 pelacúpula petista para fugir da influência e das ar-madilhas do... PMDB. Lula achava que uma ali-ança preferencial com o maior partido do Con-gresso poderia engolir o seu projeto de poder,que se pretendia longo.

    Sentindo-se ameaçado pelasdenúncias do até então aliadoRoberto Jefferson, Lula piscou:pensou em desistir da reelei-

    ção, mas logo ensaiou descul-pas esfarrapadas (de que foratraído) e começou a reincorpo-rar elementos populistas nãosó na retórica, mas nos atos degoverno. Manteve o ex-ban-queiro Henrique Meirelles àfrente do BC, mas, com a que-da de Dirceu no mensalão edepois de Palocci, entronizouno Palácio a “gerentona” DilmaRousseff, uma neófita nas ur-nas, sem carisma e traquejopolítico. Oscilando entre os dois, turbinou ocrescimento, elevou a renda e o poder de com-

    pra dos assalariados e ampliou os programassociais, reelegendo-se em 2006 — resultado quelevou o PT a desprezar os efeitos do mensalãosobre o eleitorado. Lula concluiu o segundomandato navegando nas ondas do que só entãoficou conhecido como o “lulismo”.

    Em 2010 para eleger o “poste” Dilma após o

     A imagem de que o partido compactuava coma corrupção começou a se consolidar aí. O PTnão viu ou não quis ver isso — como tambémnão captou a insatisfação popular que eclodirianas Jornadas de Junho de 2013 — movimentoque se arrastaria, com mudanças de público, atéhoje: o impeachment é a sua consagração. Tam-bém em meados de 2013, o TCU começaria a in- vestigar as pedaladas fiscais que levaram à recu-

    sa das contas do governo e culminaram no afas-tamento da presidente.

    Dilma obteve a reeleição negando em sua cam-panha qualquer sinal de recessão e gastando maisem 2014. A farra, que abriu em 2016 um rombo deR$ 100 bilhões nos cofres públicos, transformou apresidente que iniciara a carreira no PDT de Leo-nel Brizola em coveira do PT. Já durante a campa-nha presidencial, a PF e o MPF começaram a reve-lar, via Operação Lava-Jato, o que seria o bilionário

    esquema de desvio na Petro-bras para partidos, políticos egestores governistas.

    Um a um, os envolvidos,de empresários a funcioná-

    rios públicos, além de de- volverem milhões e bilhões,começaram a pedir descul-pas ao país. Menos o PT, Lu-la e Dilma, já levados ao STF,que dizem nunca ter vistonem sinal do petrolão. Atéaqui, o maior partido de es-querda da América Latinasó se arrepende de uma coi-sa: ter se coligado à hidra tu-piniquim chamada PMDB,no poder há décadas, sobre-

     vivendo a todas as tormentas políticas.

    TEMER, CABEÇA DA HIDRA Apeado do pode r ofic ialmente pelo “ridículo”populismo fiscal, enquanto suas digitais se es-palham pela corrupção sistêmica desvendadapela Lava-Jato, o PT é expulso de Brasília pelaatuação ostensiva de Eduardo Cunha, no palcoda Câmara e nos bastidores a do ambicioso e

    Aos herdeiros do

    “novo sindicalismo”,

    ainda acomodadosà velha estrutura

    corporativista, restou,

    no final do drama,

    unir-se nas ruas aos

    sem-teto e sem-terra

    Com certeza esse não era o desfechoesperado por Lula quando disse pa-ra a então candidata: “Dilma, suaeleição será a realização final do

    meu governo”. Na verdade, é o final infeliz deuma história que começou tão bem. Ao serfundado em fevereiro de 1980, numa assem-

    bleia no Colégio Sion, em São Paulo, o Partidodos Trabalhadores foi a luz no fim do túnel nomomento em que o Brasil vivia os estertoresda ditadura militar. Toda a energia social re-primida por mais de uma década passou a semanifestar em movimentos de afirmação po-pular nos anos de 1978/79. Foi quando as his-tóricas greves do ABC paulista, que chegarama realizar assembleias com mais de 100 miloperários, revelaram um novo sindicalismo,liderado por um fenômeno que estava surgin-do sob a forma de um retirante nordestino,torneiro mecânico barbudo de apelido Lula.

    “A classe operária vai ao paraíso” deixou deser o título de um filme famoso de Elio Petri

    para ser visto como uma espécie de vaticínio,reforçado pela coincidência deque o operário do filme tambémtinha perdido um dedo na máqui-na da fábrica em que trabalhava.Os desiludidos com as organiza-ções tradicionais que não conse-guiam tirar os militares do poderembarcaram com esperança napromissora aventura. Entre os 128que assinaram a ata inaugural estavam os so-cialistas Antonio Candido e Sérgio Buarque, ocomunista Apolônio de Carvalho, os trotskis-tas Mario Pedrosa e Lélia Abramo, e os cris-tãos Paulo Freire e Plínio de Arruda Sampaio.

    Em 1976, o Grupo Casa Grande, que promo- via ousados debates ainda na vigência da cen-sura, até sob ameaça de bombas, trouxe aquelanovidade paulista ao Rio pela primeira vez parauma palestra. Era uma plateia de mais de milestudantes e intelectuais, que ouviram embeve-cidos Lula criticar estudantes e intelectuais

    com mais de 50 milhões de votos. Voltei a me en contrar com Lu la em 1993,

    quando cobri para o “JB” a sua primeira Ca-ravana da Cidadania, que percorreu 54 ci-dades do Nordeste. Foi uma incrível experi-ência jornalística acompanhá-lo durante 24dias por bolsões de miséria que não dispu-nham de progresso e cidadania, às vezesnem de água e comida. Assisti a cenas como

    a de sua entrada triunfal em Nova Canudos,acompanhada de uma chuva torrencialapós três meses de seca inclemente. Escrevientão: “Velhos, jovens e crianças foram pa-ra a praça celebrar Lula e a chuva. Canta-ram e dançaram pela dádiva divina. Houveaté uma eucarística distribuição de pãesaos sem-terra. No reino mítico de Conse-lheiro, Padim Ciço, Lampião e Glauber Ro-cha não existe acaso. Só mil agre”. (Com ra-zão, o dono do jornal me chamou de voltapor eu “estar muito lulista”)

    Não foi só por esse mergulho no Brasil profun-do que admirei Lula, mas também porque o seu“partido da ética” prometia não roubar nem dei-

     xar roubar. E, durante um tempo, foi assim. Eraum desafio encontrar em algumescândalo um membro do PT. Hoje,é não encontrar. Acho que a perdada inocência ocorreu em 2005, como mensalão. Não por acaso, foi o anoem que Hélio Bicudo deixou o parti-do, ele mesmo, fundador e, após 36anos, coautor do pedido de impea-chment de Dilma. Antes ou depois

    dele, outros colegas abandonaram ou foramabandonados, todos desiludidos: Heloísa Hele-na, Marina Silva, Cristovam Buarque, Plínio de Arruda Sampaio, para só citar alguns.

     A crítica ma is corajos a ao PT, porém, par-

    tiu de quem não é dissidente e permanecenele até hoje. Em 2010, ao avaliar os 30 anosda sigla, o então chefe de gabinete do presi-dente Lula, Gilberto Carvalho, ressaltou osinegáveis avanços sociais, para em seguidalamentar o “assemelhamento” nos defeitos.“Até o vício da corrupção entrou em nosso

    ZUENIR  V ENTURA 

    O triste fimde uma utopia

     Artigo

     Acho que a perdada inocênciaocorreu em

     2005, com omensalão

    ART E  SO BRE  F O T O  D E  F E RNAND O  MAIA / 12 -7 -19 9 4 

    C ar av ana. Lula nas mar  g ens do Rio São F r ancisco: “ par tido da ética” pr ometia não roubar  

    AR T E  S O B R E  F O T O  D E  AILT O N D E  F R E IT AS  / 10 -3 -2 0 0 5 

    P i l a r e s  d o  p a r t i d o . D i r c e uc ump r i me nt a Lul a e  P al o c c i  d ur ant e r e uni ão  d o  C o nse l ho  d e D e se nv o l v i me nt o  E c o nô mi c o  e S o c i al :  me nsal ão  e st o ur a e m 2 0 0 5 

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     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    E assim, a mãe do PAC é empacotada. De pri-meira mulher a ser eleita a primeira a ser afasta-

    da da Presidência da República, passou pormuitas e más. Do começo, em alta propulsão nagarupa de Lula, até hoje, criou como ninguémincompreensões e inimizades ao longo do ca-minho. Da faxina à Lava-Jato muita água rolou,muitos problemas, nenhuma solução. Do con-selho da Petrobras às pedaladas fiscais, faltaramconselhos e sobraram ouvidos moucos. Como aletra de “Dilma Blues”, de Paulo Caruso, o TomJobim da caricatura, que eu e Pablo Pessanharebatizamos de “cinquenta tons de Dilma”, diz:“Uma quimera, à espera da utopia/enfrentandoo torpor do dia a dia/botando a cara sempre prabater/mostrando ao mundo, o que importa éestar presente/presidenta, presidente ou equi-

     valente/ela ainda tem muito que aprender... Fi-ca Dilma, até aprender! pena que não deu...” l

    Os muitos problemas(e nenhuma solução) dapresidente pelo olhar docartum de Chico CarusoCHICOC ARUSO

    [email protected]

    - Agora eu! Agora eu!

    Dança de salão: a lambada da Dilma

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    22/04/2016

    19/12/2015

            2        3        /        0        1        /        2

            0        1        5

    29/02/2016

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            2        1        /        0        4        /        2        0        1        5

            0        4        /        1        1        /

            2        0        1        0

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    13/09/2014

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    DE DILMA:

    FINAL

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     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    PROMESSA NÃO CUMPRIDA

    “Assumo meu compromissode inaugurar uma novaetapa nesse processo demudanças sociais noBrasil. Vamos fazerajustes na economia massem rever avançosconquistados (...) Nenhum

    direito a menos, nenhumpasso atrás. Esse é meucompromisso sagrado”Sobre corte de benefícios, no discurso de posse

    PEDIDO DE IMPEACHMENT

    “Não existe nenhum atoilícito praticado por mim.

    Não paira contra mimnenhuma suspeita dedesvio de dinheiropúblico. Não possuoconta no exterior, nemocultei do conhecimentopúblico a existênciade bens”Crítica endereçada a Eduardo Cunha

    CRISE ECONÔMICA

    “A economia brasileira é maisforte, sólida e resiliente doque há alguns anos atrás”Durante discurso de abertura da Assembleia-Geralda ONU, em setembro do ano passado

    FUGIDINHAS

    “Infelizmente, nãoé para namorar”Sobre por que fugiade seguranças

    SAUDAÇÃO À MANDIOCA

    “Nós temos a mandioca,nós estamos comungando

    a mandioca com o milho.E certamente teremos uma

    série de outros produtosque foram essenciais para

    o desenvolvimento dacivilização ao longo do

    século. Então, estousaudando a mandioca”

    Durante o lançamento dos Jogos Indígenas

    AEDES AEGYPTI

    “É a ‘mosquita’ que põe emmédia 400 ovos. Se você

    considerar que a ‘mosquita’transmite também (o vírus

    zika), que é ela que pica,que ela que provoca acontaminação (...),

    há um grande risco de acriança ter microcefalia”

    Sobre os casos de zika e microcefalia

    MEME NA INTERNET

    “A energia hidrelétrica émais barata (...) O vento

    podia ser isso também. Masvocê não conseguiu ainda

    tecnologia paraestocar vento”

    Discurso na ONU

    “O modelo, meuquerido, é meu”

    “Não vamos colocar uma meta. Vamosdeixar em aberto. Quando a gente atingir

    uma meta a gente dobra a meta”

    Dilma chorou ao falar da ditadura, saudou a mandioca e confundiu muita gente com suas respostas

    PENSAMENTOSPalavras de uma ‘mulher sapiens’

    OPERAÇÃO LAVA-JATO

    “Não respeito delator. (...)

    Quando você aprendeInconfidência Mineira, temum personagem de que a

     gente não gosta, Joaquim

    Silvério dos Reis”Ao reagir ao depoimento do dono da construtora UTC,Ricardo Pessoa, em delação premiada

    “Olha aqui, eu vou

    te falar uma coisa,o PMDB só me

    dá alegrias”Sobre a crise com o PMDB

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     A BATALHA DO IMPEACHMENT

    FUTURO EM XEQUESem horizonte. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em ato a favor do governo: partido precisa de uma nova estratégia para retomar o poder e fortalecer a esquerda

    -BRASÍLIA- Padrinho de Dilma Roussseff, o ex-pre-sidente Luiz Inácio Lula da Silva sai do processode impeachment com a imagem desgastada e àprocura de uma estratégia para retomar o proje-to de poder do PT. O petista mantém no hori-zonte a candidatura ao Planalto, em 2018, mas,nas últimas semanas, tem crescido entre os seusaliados mais próximos o pessimismo em rela-ção aos desdobramentos do envolvimento deseu nome em denúncias na Operação L ava-Jato.

    Hoje, a avaliação é que Lula deve sofrer conde-nações. Alguns petistas afirmam acreditar em umaação orquestrada para tornar o ex-presidente ine-legível. Se confirmado esse cenário, o PT fica semum nome natural para disputar a Presidência de-pois de obter quatro vitórias consecutivas.

    Há também dúvida, entre os petistas, se