O Humano Desumanizado Num Mundo Sem Sentido - Beckett

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  • 8/12/2019 O Humano Desumanizado Num Mundo Sem Sentido - Beckett

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    DOI: 10.4025/actascilangcult.v33i1.6485

    Acta Scientiarum. Language and Culture Maring, v. 33, n. 1, p. 55-61, 2011

    O humano desumanizado num mundo sem sentido Samuel Beckette o heri absurdoMaristela Kirst de Lima GirolaPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Av. Ipiranga, 6681, 91530-000, Partenon, Porto Alegre, Rio Grande doSul, Brasil. E-mail: [email protected]

    RESUMO. Este ensaio tem como objetivo discutir a construo das personagens emEsperando Godot, de Samuel Beckett, apoiando-se nos estudos de Martin Esslin sobre oTeatro do Absurdo, uma forma de drama que enfatiza o absurdo da existncia humana,empregando fragmentao, repetio e ininteligibilidade, como reao artstica SegundaGuerra Mundial.Palavras-chave:teatro do absurdo, Samuel Beckett, personagens.

    ABSTRACT. The dehumanized human being in a nonsense world: Samuel

    Beckett and the absurd hero.This essay discusses the construction of the characters inWaiting for Godotby Samuel Beckett, based on Martin Esslins studies on the Theatre of the

    Absurd, a form of drama that emphasizes the absurdity of human existence by employing splitsubjects, repetitions and meaninglessness as artistic reactions to World War II.Keywords:Theatre of the Absurd, Samuel Beckett, characters.

    IntroduoO presente ensaio procura discutir a construo

    das personagens no texto dramtico EsperandoGodot (1952), de Samuel Beckett (1906-1989), apartir das ideias propostas pelo crtico, Martin Esslin,em sua obra, O Teatro do Absurdo (1961). Otermo teatro do absurdo foi cunhado por Esslin(1961) a fim de agrupar, sob o mesmo conceito,obras de dramaturgos diferentes, que tratavam arealidade de forma inusitada, utilizando elementoschocantes do ilgico, com o objetivo de mostrar afalta de solues a que esto fadados o homem e asociedade. A ideia-chave a ser demonstrada a deque o heri beckettiano atormentado pela angstiametafsica decorrente de uma condio humana vistacomo fundamentalmente absurda. O heri absurdoconfigura-se em relao a um mundo de crenasdestroadas pelo horror de duas grandes guerras epelas falcias totalitrias. Albert Camus, em O Mitode Ssifo (1942), define o termo absurdo, falandode um mundo que um exlio para o homem que,agora, despido de iluses, no tem mais para onde

    voltar nem para onde ir: Este divrcio entre ohomem e a sua vida, entre o ator e seu cenrio, em

    verdade constitui o sentimento do Absurdo(CAMUS, 1942, p. 18).

    Samuel Beckett nasce a 13 de abril de 1906, naIrlanda, numa famlia burguesa e protestante. Em1923, ingressa no Trinity College de Dublin, para se

    formar em Literatura Moderna, especializando-seem Francs e Italiano. Em 1928, meses aps suamudana para Paris, conhece James Joyce,apresentado por um amigo em comum. Torna-segrande admirador deste escritor e sua obra posterior fortemente influenciada por aquele.

    Aps lecionar durante o ano de 1930, na Irlanda,Beckett volta no ano seguinte para Paris, fixandoresidncia na cidade e escreve sua primeira novela,Dream of Fair to Middling Women (publicadaaps a morte do autor, em 1993). Em 1933, Beckettretorna novamente a Dublin, pois, pelo falecimentode seu pai, encarrega-se de cuidar de sua me.Retorna a Paris em 1938, quando marcado por doisacontecimentos de grande importncia: conheceSuzanne Deschevaux-Dusmenoil, com quem secasaria em 1961 e fica gravemente ferido ao seragredido por um estranho, que lhe desferiu uma

    facada no peito. O marginal que o apunhala, nas ruasde Paris, pedira-lhe dinheiro. Beckett hospitalizadocom uma perfurao no pulmo. Recuperado, visitaseu agressor na priso e lhe pergunta o porqu dafacada. Recebe como resposta: Je ne sais pas,

    Monsieur. Para Esslin, poderia ser desse homem avoz que ouvimos em Esperando Godot ou emMolloy.

    Depois da ecloso da Segunda Grande Guerra,vincula-se resistncia francesa, na ocasio dainvaso de Paris pelo exrcito nazista, em 1941,

    juntamente com sua mulher. Afasta-se da resistncia

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    em 1942, quando ambos foram obrigados a fugir daFrana. Em 1969, recebe o Nobel de Literatura.Morre em 1989, cinco meses depois de sua esposa,de enfisema pulmonar, contra o qual j lutava haviatrs anos.

    Esperando Godot, sua mais famosa pea, foi

    escrita (em Francs) em 1948 e publicada em 1952.Em 1955, o prprio Beckett publica a obra emIngls. Ele escrevera a pea, originalmente, emFrancs, sua segunda lngua, buscando maiordisciplina. Segundo Esslin, em sua prpria lngua oescritor pode ser tentado a deleitar-se na

    virtuosidade do estilo pelo prprio estilo, enquantoo uso de outra lngua pode for-lo a concentrartoda a engenhosidade (ESSLIN, 1961, p. 34).

    A primeira encenao deu-se em 5 de janeiro de1953, no Theatro da Babilnia (hoje desaparecido),no Boulevard Raspail, em Paris, tendo no elencoRoger Blin (que dirigiu e fez o papel de Pozzo),Pierre Latour, Lucien Raimbourg, Jean Martin eSerge Lecointe. Segundo Esslin, contra toda aexpectativa (fora desprezada por vrios empresrios,por falta de qualidade dramtica), a pea tornou-seum dos maiores sucessos do teatro do ps-guerra:Uma recepo verdadeiramente surpreendente parauma pea to enigmtica, to exasperante, tocomplexa e to inabalvel em sua recusa emobedecer a qualquer ideia consagrada de construodramtica (ESSLIN, 1961, p. 36).

    Em lngua inglesa, a pea estreou em agosto de1955, no Teatro de Artes (Arts Theatre), emLondres, dirigida por Peter Hall. O sucesso foi talque a pea teve que ser transferida desse pequenoteatro para um do West End, onde obteve longacarreira.

    No Brasil, as duas primeiras montagens deEsperando Godot foram amadoras: uma pela

    Escola de Arte Dramtica - EAD, em 1955, comdireo de Alfredo Mesquita e a outra, com direode Luiz Carlos Maciel, em Porto Alegre, Estado doRio Grande do Sul, no ano de 1959. Cacilda Becker,

    junto com seu marido, Walmor Chagas, aceitou oconvite de Flvio Rangel para realizar, no primeirosemestre de 1969, a primeira montagem profissionaldo j conhecido texto de Beckett. Ela, no papel de

    Estragon e Walmor, no de Vladimir. O espetculofoi encenado no Teatro Cacilda Becker - TCB.

    Em 1976, Antunes Filho dirigiu a primeiramontagem brasileira com um elenco compostoexclusivamente por mulheres: Eva Wilma, LilianLemmertz, Llia Abramo, Maria Yuma e VeraLymUma. Em 1991, Denise Fraga e RogrioCardoso, com direo de Moacir Chaves, encenaram

    o texto beckettiano no Teatro Ipanema, no Rio deJaneiro, e no Teatro Jardel Filho, em So Paulo.

    O argumento da pea pode ser facilmentesintetizado, uma vez que no h propriamente umenredo, mas uma ao esttica: a espera. Em lugarindefinido, uma estrada no campo, com uma rvore,

    noite, dois amigos se encontram: Estragon eVladimir. A primeira frase dita na pea, porEstragon, j indica a inutilidade da presena delesnaquele lugar: "nada a fazer" (rien faire). Eles l seencontram para esperar um sujeito de nome Godot.Nada esclarecido a respeito de quem Godot ou oque eles desejam dele. Os dois iniciam um dilogotrivial que s ser interrompido pela entrada dePozzo e Lucky. O aparecimento destes assusta osamigos, ainda mais pelo modo como os dois surgem:Pozzo puxa uma corda cuja outra ponta estamarrada ao pescoo de Lucky. Lucky, por sua vez,

    carrega uma pesada mala que no larga um sinstante. Entende-se pela situao que Pozzo opatro e Lucky, seu criado. Os quatros trocampalavras, cada um com seu drama pessoal, at quePozzo e Lucky saem. Em seguida, entra um garotopara anunciar que quem eles esto esperando -Godot - no viria hoje, talvez amanh. o fim doprimeiro ato.

    O segundo ato a cpia fiel do primeiro. Oprprio Beckett explicava a necessidade dos doisatos, uma vez que um s deixaria no espectador a

    vaga esperana da vinda de Godot, no dia seguinte.O segundo ato destri essa esperana. O cenrio o

    mesmo, menos a rvore que est um poucodiferente, com algumas folhas. Estragon e Vladimir

    voltam para esperar Godot, que talvez aparea nessedia. Iniciam outro dilogo trivial, interrompido outra

    vez pela chegada de Pozzo e Lucky. S que,inexplicavelmente, Pozzo est cego e Lucky, mudo.Dialogam. Aps a partida destes, aparece um garotoanunciando que Godot no viria hoje, talvezamanh. Estragon e Vladimir pensam em se enforcarna rvore, mas desistem ante a impossibilidade de oato ser simultneo.

    O enredo pode ser facilmente resumido, mas as

    leituras, interpretaes e inquietaes suscitadas pelaobra parecem inesgotveis. Lus Carlos Maciel,responsvel pela primeira montagem da pea emPorto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, em1958, discute a tragicidade beckettiana em seu livroSamuel Beckett e a solido humana (1959). Paraele, Beckett apresenta a viso do homemabandonado num mundo vazio, expondo umchocante desamparo da condio humana.Esperando Godot gira em torno da ideia de que o mundo est vazio e a vida intil, constatao,prvia apenas, no existencialismo. Para o

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    existencialista, trata-se de super-la; j Beckett chorasobre ela, ou antes, ri de seu absurdo at o gemido.Esperando Godot uma tragi-comdia, na qual ocmico um meio de se levar ao pattico. A atitudefundamental do existencialista uma atitude ativa.Beckett nega-a, desacredita-lhe como soluo e

    resolve-se pela passividade, numa atitude niilista1. Aesperana uma iluso e cumpre perd-la nummundo e numa existncia que nada tm a oferecerao homem.

    O niilismo beckettiano revela-se naspersonagens. Estragon e Vladimir esperam pelarevelao do sentido de suas vidas na vinda deGodot. Falam unicamente para passar o tempo, que o nico objetivo real. A atitude passiva daspersonagens nega a utilidade de todo agir. Tudo secondiciona vinda de Godot e, por isso, tudo estcontido na esperana dessa vinda. A essncia da

    esperana estabelecer a f num resultado final,num sentido definitivo e exitoso da condiohumana, a transcendncia divina o princpio que aanima. Beckett nega-lhe os resultados e ri da suainutilidade. A imagem dos dois vagabundos mostra aesperana como a nica fora capaz de mant-losnessa existncia contingente, mas essa esperana pura iluso, absolutamente intil, porque Godot

    jamais vir. O que h de trgico nessa reduo daesperana sua real fatuidade o reconhecimento desua indispensabilidade para a inexistente salvao.

    A espera parece definitiva. Vazia e interminvel,

    continuar sem sentido, porque faz parte dacondio humana. As personagens no tomaro umaatitude ativa. Tambm no sero submetidas aodesespero at suas ltimas consequncias. Semprepensaro no suicdio, mas jamais chegaro aconsum-lo. Sucumbiro no desnimo: Estragon:no vamos fazer nada. mais prudente(BECKETT, 1976, p. 27). A falta de umasignificao no mundo que possa mover o homemnuma direo o condena ao sem sentido.

    Toda a ao humana inconsequente. Vladimir eEstragon entregam-se a um jogo dirio de palavras,tomados por uma gratuidade ldica, marcada pelainconsequncia: Vladimir: Diga alguma coisa! (...)

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    Niilismo (do latim nihil, que significa "nada") designa a convico de que aexistncia e a vida no tm sentido ou finalidade. O niilista nega que hajaprincpios morais aceitveis. Associa-se o termo a uma concepo radicalmentepessimista que considera a vida um erro e prope a negao da vontade deviver. A noo de niilismo desempenha papel importante na filosofia deNietzsche. O problema central do seu pensamento como ultrapassar o niilismo.Considera-o uma interpretao da existncia que negou os valores autnticos ea vontade de viver esta vida por si mesma. Tal interpretao comeou, segundoNietzsche, com Plato e Scrates e foi popularizada e reforada peloCristianismo. A clebre declarao "Deus morreu" a consequncia lgica dodesenvolvimento da metafsica e da moral ocidentais que tornaram Deus indignode crena. A morte de Deus torna claro para quem a sabe interpretar que osvalores tradicionais nada valiam e exige a criao de valores que consagrem oque em seu nome se negou: esta vida e este mundo (ALMEIDA, 2003).

    Diga qualquer coisa! (BECKETT, 1976, p. 115). Agratuidade ldica manifesta-se numa comicidadecriada em traos grossos, at o grotesco. A radicalfalta de sentido levada ao pasmo ante o nada cria altatenso espiritual. O jogo com o sentido da existnciahumana permanece sem resposta, tambm uma

    espera trgica. Na obra, o cmico uma forma de selevar ao pattico.

    Maciel (1959) cita Eric Bentley para quem a peano estabelece uma ao dramtica, mas umasituao esttica, a espera. Embora no dramtica, altamente teatral. Essa teatralidade no dramtica asua caracterstica fundamental.

    Assim, o que se observa em Esperando Godotso personagens que no agem no sentidotradicional. Se pensarmos numa definio depersonagem como aquela que pratica a ao,desencadeando o tema, como define o linguista, Iuri

    Lotman (1978), por exemplo, o que encontramos notexto de Beckett so personagens imveis e, porconsequncia, a inexistncia de um enredopropriamente dito. De acordo com o autor, oacontecimento no texto o deslocamento dapersonagem atravs da fronteira do camposemntico (LOTMAN, 1978, p. 379). O tema uma cadeia de acontecimentos e est ligado a umaimagem do mundo. O acontecimento sempre a

    violao de uma interdio. H textos sem tema. Issoocorre quando a ordem do mundo exposto no podeser violada. Segundo Lotman, o texto sem temaafirma a imutabilidade destas fronteiras(LOTMAN, 1978, p. 385). o que faz Beckett aoconstruir um espao que no pode ser transformadopelas personagens, que esperam por outrapersonagem, Godot, que sequer se far conhecer.

    Lotman (1978) conceitua personagem como umainterseco de funes estruturais. tambm oponto de partida do movimento do tema, queestabelece uma relao de diferena e liberdaderecproca entre o heri actante e o campo semnticoque o envolve. Se o heri coincide com o ambiente eno se destaca dele, o desenvolvimento do tema impossvel, o actante no pode efetuar a ao. Deacordo com o autor, o tipo de imagem do mundo, otipo de tema e o tipo de personagem condicionam-semutuamente (LOTMAN, 1978, p. 394). Apersonagem beckettiana encontra-se divorciada desuas razes transcendentais e, assim, todas as suasaes tornam-se sem sentido, absurdas e inteis.

    Vladimir e Estragon, segundo Maciel (1959),encarnam a esperana humana. Vladimir aparentaser o protagonista, num sentido mais prximo aotradicional. Nele h uma frustrada tentativa de

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    reflexo sobre a condio que o esmaga: Eu estavadormindo, enquanto os outros sofriam? Estareidormindo agora? (BECKETT, 1976, p. 178). Halgo de humano em Vladimir, que age ternamentecom seu companheiro: Juntos outra vez!Precisamos festejar isso. (Reflete.) Levante-se que eulhe dou um abrao (BECKETT, 1976, p. 9).

    Vladimir o mais enganado dos vagabundos, pois tambm o mais resistente ao desnimo dos dois; omais esperanado, porque nunca se esquece de queespera Godot, permanecendo em constante viglia:

    Estragon: Vamos embora.Vladimir: No podemos.Estragon: Por qu?Vladimir: Estamos esperando Godot.(BECKETT, 1976, p. 134).

    Vladimir ainda o mais inteligente: No, Gogo,

    a verdade que voc no compreende certas coisasque eu compreendo. Voc devia saber disso(BECKETT, 1976, p. 107), mas o mais dominadopela iluso da esperana: Ah, Gogo, no seja assim.

    Amanh, ir tudo melhor (BECKETT, 1976, p. 97).Estragon contrape preocupao de Vladimir

    um desnimo niilizador. Ele esquecefrequentemente que espera Godot: Vladimir:

    Estamos esperando Godot. Estragon: Ah, (BECKETT, 1976, p. 134) e s se v excitado pelolado gratuito e ldico dos acontecimentos, mas, emseguida, cai na preguia. Procura refgio nas

    satisfaes fisiolgicas: come e dorme: D-me umacenoura (...) Jamais esquecerei dessa cenoura(BECKETT, 1976, p. 33-34). Estragon no tocadopor nenhuma ligao afetiva por Vladimir,entretanto, apesar de tentar abandon-lo, sempre

    volta: Estragon: (...) Eu tambm me sinto melhorsozinho. Vladimir (magoado): Ento por que vocsempre volta? (BECKETT, 1976, p. 107).Necessita do companheiro de desgraa paracontinuar a viver. incapaz de viver na solido.

    Esslin (1961), por sua vez, v Vladimir eEstragon como naturezas complementares,

    mutuamente dependentes e que, por isso, devemnecessariamente permanecer juntos. O mesmo seaplica a Pozzo e Lucky, tambm complementaresquanto natureza, mas num nvel mais primrio: osenhor sdico e o escravo submisso. Para o crtico,Pozzo e Lucky representam a relao entre corpo emente, os lados material e espiritual do homem,com o intelecto subordinado aos apetites do corpo(ESSLIN, 1961, p. 42).

    J para Maciel (1959), a relao de Pozzo e Luckyencarnaria o processo dialtico da histria. A chaveest na anlise de Hegel (1770-1831) das relaes

    amo e escravo, na Fenomenologia do Esprito(1806). A histria se identifica com a histria dotrabalho e da rebelio e se processa atravs dessadialtica. Para Hegel, h duas classes de conscincias,de disposies distintas e que determinam arealidade humana. O valor maior animal a

    conservao da vida, e a conscincia humana, paraadquirir independncia frente a esse valor, deve estardisposta a arriscar a vida. A conscincia do escravo incapaz dessa renncia e, para conservar a vidaanimal, submete-se, consente em ser consideradauma coisa. A histria feita dos esforos daconscincia escrava para obter a sua liberdade real.

    Pozzo encarna o poder mundano, poder ilusrioe condenado ao fracasso. No primeiro ato, umhomem submergido na camada superficial darealidade: A beleza, a graa, a verdade cristalinaestavam alm de mim. Ento eu me dei de presente

    um assessor (BECKETT, 1976, p. 56). O segundoato mostra-nos um Pozzo cego, caindo pela estrada,impotente para se levantar:

    Pozzo: Socorro!Vladimir: Se a gente o socorresse?Estragon: Que que ele quer?Vladimir: Quer se levantar.(BECKETT, 1976, p. 164).

    Uma anlise psicolgica de Pozzo poderia talvezrevelar uma personalidade sdica, uma vontade dedomnio, de submeter uma conscincia: Chega. Dep, porco! (BECKETT, 1976, p. 174).

    Lucky representa o humano desumanizado pelaescravido. Encarna o aniquilamento da condiohumana por uma radical tirania de conscincia. Suadesumanizao confirmada no segundo ato,quando ele volta mudo: Pozzo: Mas ele mudo.

    Vladimir: Mudo! (BECKETT, 1976, p. 175). Aperda da linguagem a perda da dimenso espiritual.

    A pulverizao do sentido das palavras de Luckyreduz-se ao silncio, ao nada.

    Esslin (1961) traa um comparativo entre asduplas Vladimir/Estragon e Pozzo/Lucky. Para ele,os dois vagabundos esto colocados num plano maisalto na pea, porque so superiores a Pozzo e Lucky,por serem menos ingnuos. No acreditam em ao,riqueza ou razo. So menos egocntricos e tmmenos iluses. So conscientes de que o suicdioseria a melhor sada, apesar de no pratic-lo. Altima iluso que alimentam o hbito da esperanapela vinda de Godot.

    Para Eva Metman (apud ESSLIN, 1961), afuno da personagem Godot na pea manterinconscientes os que dependem dele. O esperar porGodot o que impede Vladimir e Estragon de

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    enfrentarem a condio humana e a si mesmos, demaneira plenamente consciente. Vladimir apersonagem que chega mais perto de compreender eencarar o mundo tal como ele , nos instantes finais dapea. Entretanto, no chega a transgredir o seu camposemntico inicial (o que o tornaria uma personagem

    mvel na terminologia de Lotman [1978]),mergulhando novamente na passividade da iluso,quando se encontra mais uma vez com o mensageiroque reanuncia a vinda de Godot para o dia seguinte:Mas o hbito uma grande surdina. (Olha Estragon.)Tambm para mim algum est olhando, tambmsobre mim algum estar dizendo: Ele est dormindo,ele no sabe de nada, deixe-o dormir. (Pausa.) O quefoi que eu disse?(BECKETT, 1976, p. 178).

    O rapaz, que, ao final de cada ato, vem avisarsobre a ausncia de Godot e sua promessa de vir nodia seguinte, o elemento mais estimulador daesperana dos dois vagabundos: O senhor Godotmanda dizer que no pode vir hoje, mas viramanh, sem falta (BECKETT, 1976, p. 92). Podeser relacionado a uma nsia religiosa. O rapaz umpastor: Sou pastor de cabras (BECKETT, 1976,p. 93), como so os ministros de Deus nesta terra, osque anunciam para o homem a salvao eterna. So

    vrias as interpretaes de Godot como Deus. Mas impossvel determinar uma chave nica para acompreenso da pea. O prprio Beckett, ao serinterpelado sobre a que ou a quem se referia ao falar deGodot, respondeu: Se eu soubesse, teria dito na pea

    (ESSLIN, 1961, p. 38). Era um aviso queles quequisessem discutir o texto em termos exatos edefinitivos.

    Beckett conserva de sua formao o impulsoreligioso, mas tem aniquilada toda a crena. Oatesmo de Sartre permite-lhe e exige-lhe a criadoraatividade humana. O espanto de Beckett obriga-o adizer no sempre. O nada de Beckett no o

    vivenciado pela experincia existencial, no queimplica de vivo e criador, mas a dissoluo do realque entranha um niilismo metafsico. O sentimentode incerteza gerado pela tenso da espera e o

    desespero diante da incapacidade de encontrar umsentido para a existncia podem ser considerados aessncia da pea, no importando o que ou quemseja Godot:

    Qualquer tentativa de se chegar a uma interpretaoclara e certa por meio do estabelecimento daidentidade de Godot atravs de uma anlise crticaseria to tola quanto tentar-se descobrir contornosdefinidos escondidos por trs do chiaroscuro deuma tela de Rembrandt ou pelo simples mtodo deraspar a tinta (ESSLIN, 1961, p. 38-39) (Grifo doautor).

    O verdadeiro assunto da pea no Godot, masa prpria espera, o ato de esperar como um aspectoessencial e caracterstico da condio humana (...) no ato da espera que experimentamos o fluxo dotempo em sua forma mais pura e mais palpvel(ESSLIN, 1961, p. 43-44). Mas tanto o ato de

    esperar quanto a prpria atividade do tempo sointeis, uma vez que a passagem do tempo semobjetivo. Todo dia igual ao outro, as coisaspermanecem as mesmas, consistindo na terrvelestabilidade do mundo. O tempo tambm umailuso e a espera por Godot apresentada comoessencialmente absurda.

    De acordo com Esslin, essa sensao de angstiametafsica pelo absurdo da condio humana ,grosso modo, o tema das peas de Beckett (1961,p. 20). Contudo, Beckett no fala sobre o absurdo dacondio humana. Ele apenas o apresenta. H uma

    integrao entre o contedo e a forma. essacaracterstica que leva Esslin a separar a produo deautores como Beckett, Adamov, Ionesco e Genet dade outros como Giraudoux, Anouilh, Salacrou,Sartre e Camus, estabelecendo uma distino entre oTeatro do Absurdo e o Existencialismo:

    Esses autores diferem dos do Absurdo num aspectoimportantssimo: apresentam sua noo deirracionalidade da condio humana sob forma deraciocnio extremamente lcido e logicamenteconstrudo, enquanto o Teatro do Absurdo procuraexpressar a sua noo da falta de sentido da condiohumana e da insuficincia da atividade racional por

    um repdio aberto dos recursos racionais e dopensamento discursivo. Enquanto Sartre ou Camusexpressam o novo contedo na conveno antiga, oTeatro do Absurdo avana um passo alm e tentaalcanar uma unidade entre seus pressupostosbsicos e a forma na qual eles devem ser expressados(ESSLIN, 1961, p. 20).

    A obra de Beckett plena de angstia e suaspersonagens so desequilibradas e coagidas at oslimites extremos do sofrimento (ESSLIN, 1961,p. 37). atravs de suas personagens atormentadas eda construo de uma estrutura organizada por

    imagens que se interpenetram, devendo serapreendidas em sua totalidade (ao invs dodesenvolvimento de uma narrativa linear) queBeckett nos mostra a condio humana. Ospassatempos de Vladimir e Estragon e suas falasincessantes so a maneira pela qual os dois evitampensar profundamente sobre qualquer coisa:

    Estragon: Nesse meio tempo, vamos conversar comcalma, j que a gente incapaz de calar a boca.

    Vladimir: verdade, somos inexaurveis.Estragon: para no pensar.(BECKETT, 1976, p. 113)

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    Deixam, assim, de refletir sobre a prpria vida. Aespera por Godot tambm uma forma de evaso dosofrimento que pode advir dessa reflexo. ,portanto, uma fuga. Esslin aproxima a imagem deGodot ideia sartriana de m-f:

    Se, para Beckett tanto quanto para Sartre, o homemtem o dever de encarar a condio humana comoreconhecimento de que na raiz de nossa existnciaest o nada, a liberdade, e a necessidade de noscriarmos constantemente por intermdio de umasucesso de escolhas, ento Godot pode muito bemtornar-se a imagem do que Sartre chama de m-f O primeiro ato de m-f consiste na fuga daquiloque no pode ser evadido, na fuga do que somos(ESSLIN, 1961, p. 54-55).

    O heri beckettiano sofre a dificuldade daprogressiva tomada de conscincia do ser humano,num mundo no qual tudo incerto e em que a

    verdadeira comunicao entre as pessoas impossvel. O sucesso da pea de Beckett talvez sedeva possibilidade de cada espectador (leitor) poderconfrontar-se com projees de seus mais profundostemores e ansiedades. possvel reconhecer na peaa prpria experincia com o tempo, a esperana e odesespero, como fizeram os prisioneiros dapenitenciria de San Quantin, onde a pea foirepresentada, em 1913. Contudo,

    Isso no quer dizer que Beckett nos d umadescrio clnica de estados psicopatolgicos. Suaintuio criadora explora os elementos da

    experincia e mostra at que ponto todo ser humanocarrega a semente de tal depresso e desintegraodentro das camadas (...) de sua personalidade(ESSLIN, 1961, p. 63).

    Beckett trabalha a interioridade das personagens,a partir da exterioridade, ou ainda, expressa estadospsicolgicos por meio de sua objetivao no palco.

    Beckett realiza o que Antonin Artaud (1896-1948), poeta surrealista, alm de ator e diretorprofissional, preconizava em seus manifestos,reunidos, em 1938, num volume intitulado LeThtre et Son Double. Ele clamava pelo retorno do

    mito pela denncia dos mais profundos conflitos damente humana: O teatro precisa buscar de todos osmodos uma reafirmao no s de todos os aspectosdo mundo exterior objetivo e descritivo, mastambm do mundo interior, isto , do homemconsiderado do ponto de vista metafsico(ARTAUD apud ESSLIN, 1961, p. 332). Artaudpedia uma verdadeira linguagem teatral, em que ogesto e a linguagem espacial pudessem expressarsentimentos com mais preciso do que as palavras.

    O movimento do teatro do absurdo caracteriza-se pela rejeio de elementos discursivos e

    narrativos, e em sua concentrao numa linguagempotica como concretizao da realidade interior doconsciente e do subconsciente e dos arqutipos pelosquais vive (ESSLIN, 1961, p. 341). Beckett, apesarde escritor, tem conscincia das limitaes decomunicao da lngua. Sua opo pela forma

    dramtica indica a tentativa de comunicao alm dalinguagem verbal. O uso que Beckett faz do palco uma busca pela reduo da defasagem entre aslimitaes da linguagem e o sentido da condiohumana que procura expressar. No palco, alinguagem pode ser usada como contraponto daao:

    O palco um meio multidimensional que permite ouso simultneo de elementos visuais, de movimento,da luz e da linguagem. , portanto, particularmenteadaptado comunicao de imagens complexasconstitudas pela interao contrapontstica de todosesses elementos (ESSLIN, 1961, p. 352).

    Em Esperando Godot, a mmica daspersonagens explorada. Por exemplo, ao final decada ato, Vladimir e Estragon dizem Vamos, masas rubricas informam que eles no se movem. Noteatro, Beckett conseguiu somar uma novadimenso linguagem o contraponto da aoconcreta, multiforme, que no deve ser justificada,mas exercer um impacto direto sobre o pblico(ESSLIN, 1961, p. 77). Beckett deu ao palco umanova dimenso ao colocar a linguagem de uma cenaem contraste com a ao, abandonando a lgica

    discursiva.A pea toda marcada pelo gestual das

    personagens: h os escorreges de Vladimir eEstragon, o ato de variedade com o chapu deLucky, o tombo de Pozzo, o tirar e colocar o sapatode Estragon etc:

    Vladimir: s vezes eu sinto que est chegando. A eume sinto esquisito. (Tira o chapu, observa-oatentamente, vasculha-o por dentro, sacode-o,coloca-o de novo.) Como posso explicar? Sinto-mealiviado, e ao mesmo tempo (procura a palavra)apavorado. (Com nfase) Apavorado. (Tira o chapu

    de novo, vasculha-o outra vez.) Engraado. (Bate nochapu como se quisesse fazer algum sair de dentrodele, olha-o de novo, coloca-o outra vez.) Nada afazer (BECKETT, 1976, p. 12).

    A linguagem nas peas de Beckett serve paraexpressar o desmoronamento, a desintegrao dalinguagem (ESSLIN, 1961, p. 75). Essacaracterstica pode ser constatada na anlise dosdilogos entre as personagens. Ou melhor, no h

    verdadeiros dilogos, pois nenhuma trocaverdadeiramente dialtica de pensamento ocorre, orapela perda de sentido em palavras isoladas, ora pela

  • 8/12/2019 O Humano Desumanizado Num Mundo Sem Sentido - Beckett

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    O humano desumanizado 61

    Acta Scientiarum. Language and Culture Maring, v. 33, n. 1, p. 55-61, 2011

    incapacidade das personagens de se lembrarem doque acabaram de dizer, ora pelo nonsense, verificado,por exemplo, na fala de Lucky:

    Dada a existncia conforme se comprova de recentestrabalhos pblicos de Poinon e Wattman de umDeus pessoal quaquaquaqua com barcas brancas

    quaqua fora da hiptese de compreenso que do altode sua divina apatia sua divina atambia sua divinaafasia (...) Tnis! Pedras! To calmas! Conard!Inacabadas! (BECKETT, 1976, p. 79).

    Para Rollo May, psicanalista norte-americano,em Esperando Godot, no h discussesintelectuais sobre a falta de comunicao, ela simplesmente apresentada no palco: medida quenos envolvemos mais e mais na pea, vemos nopalco, clara como o dia, a incapacidade generalizadado homem de se comunicar autenticamente (MAY,1975, p. 20).

    Esperando Godot a expresso de um artistaque no aceita formas de arte baseadas napreservao de critrios e conceitos que perderam asua validade num mundo que deixou de terexplicao e significao. Nietzsche j haviaanunciado a morte de Deus e a passagem por duasterrveis guerras mundiais acabaram por solapar ascertezas absolutas da humanidade. E Deus tambmest morto para as massas que, destitudas de suasreligies, tornam-se fragmentos numa sociedademecanizada. O teatro do absurdo procura sacudir ohomem embotado por uma existncia mesquinha,

    restituindo-lhe a inquietao csmica e desvelando aalienao: O fato de a maioria das pessoas no terconscincia dessa alienao que a faz poderosa(MAY, 1975, p. 20-21).

    Consideraes finaisO absurdo presente nas personagens de Beckett

    o absurdo da prpria condio humana num mundosem f. o absurdo da espera, o homem diante dotempo, aguardando entre o nascimento e a morte; ohomem em total solido, preso em suasubjetividade, sem conseguir comunicar-se com o

    divino ou com o seu semelhante, escancarando aprecariedade e o mistrio do homem no universo.Beckett no narra o destino ou as aventuras das

    personagens, mas antes mostra que nada realmenteacontece na vida de uma pessoa: Estragon: Nadaacontece, ningum vem, ningum vai, terrvel(BECKETT, 1976, p. 75). Seus heris so o reflexode um mundo que enlouqueceu. Personagensaloucadas sempre existiram, mas costumavamaparecer integrando um contexto racional em quecontrastavam com personagens positivas. No teatrodo absurdo, a ao de qualquer personagem no-

    motivada e insensata. Entretanto, esse teatro procuracorajosamente representar a realidade da condiohumana e s parecer tragicamente absurdo do pontode vista daqueles que no possam suportar um mundono qual impossvel saber por que foi criado e qual opapel que deve o ser humano desempenhar nele:

    O Teatro do Absurdo expressa a angstia e odesespero que nascem da admisso de que o homem cercado por reas de escurido impenetrvel, deque no pode nunca conhecer sua verdadeiranatureza nem seu objetivo, e que ningum lhepoder fornecer regras de conduta pr-fabricadas(ESSLIN, 1961, p. 370).

    Alm do reconhecimento da incapacidade dohomem de compreender o sentido do universo e desua prpria vida, Beckett suscita ainda oreconhecimento de que a linguagem e a lgica dopensamento cognitivo no podem alcanar a

    natureza ltima da realidade. A preocupao com oabsurdo fez com que o dramaturgo fosse acusadopor alguns crticos de isolar o homem de seucontexto social. Mas a crtica no procede, poisBeckett, ao voltar-se para questes filosficas sobre acondio humana, mostra tambm a perplexidade ea descrena nos sistemas polticos e na ordem social.Suas personagens so impregnadas pela inquietao,pela angstia e pela solido metafsica, representandoo prprio absurdo da vida.

    RefernciasALMEIDA, A. Dicionrio Escolar de Filosofia. Lisboa:Pltano, 2003.

    BECKETT, S. Esperando Godot. Traduo de FlvioRangel. So Paulo: Abril Cultural, 1976.

    CAMUS, A. Le mythe de sisyphe. Paris: Gallimard,1942.

    ESSLIN, M. O Teatro do absurdo. Traduo deBrbara Heliodora. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.

    LOTMAN, I.A estrutura do texto artstico. Traduode Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo.Lisboa: Estampa, 1978.

    MACIEL, L. C. Samuel Beckett e a solido humana.

    Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1959. (Cadernosdo Rio Grande, v. IX)

    MAY, R. A coragem de criar. Traduo de AulydeSoares Rodrigues. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

    Received on March 4, 2009.Accepted on December 11, 2009.

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