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Recursos Repetitivos Novo CPC

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  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

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    O INCIDENTE DE RESOLUO DE DEMANDAS

    REPETITIVAS NO NOVO CPC: O COMMON LAW NO

    DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO

    Italo da Justa Porto*

    Joo Lus Nogueira Matias**

    Luana Pavan***

    RESUMO: Reiteradamente, na atividade jurisdicional, evidenciam-se decises divergentes, mesmo quando se trata de casos anlogos, quando no idnticos. Esta realidade afronta ine-quivocamente os pilares do Direito, assecuratrios da segurana jurdica, da isonomia e, per-functoriamente, a Justia no caso concreto. Sob estes aspectos, emergem diversos pareceres de doutos juristas que, claramente influenciados pela doutrina britnica e estadunidense, con-cebem a necessidade de adoo de precedentes obrigatrios a vincular determinadas questes de direito. Certo que a incidncia dessas correntes doutrinrias advindas do common Law se verifica ainda bastante restrita nos tribunais ptrios, vez que inexiste, no ordenamento jurdico brasileiro, instrumento de vinculao cogente entre a atividade jurisprudencial. Contudo, de ressalvar a presena das Smulas Vinculantes, primeiro brado brasileiro concreto acerca de traos do Direito Jurisprudencial. Mais uma vez, apesar da importncia deste instituto, ob-serva-se que seus efeitos ainda so limitados, posto que de consolidao exclusiva pela Su-prema Corte Brasileira. O Projeto do Novo Cdigo de Processo Civil permitir que se supere dcadas de existncia de casos em que eram proferidas decises finais divergentes proveni-entes de casos similares, ao consagrar o Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas, instrumento de uniformizao.

    PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil. Novo Cdigo. Incidente de Resoluo Demandas Re-petitivas.

    ABSTRACT: Repeatedly in judicial activity, divergent decisions appear, even when it comes to similar cases, or even identical. This reality affront unequivocally the pillars of law, as-securatrios of legal certainty, equality and perfunctorily, justice in real cases. Under these

    * Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cear (UFC). ** Ps-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Co-

    mercial pela Universidade de So Paulo - USP (2009). Doutor em Direito pblico pela Uni-

    versidade Federal de Pernambuco (2003). Mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento)

    pela Universidade Federal do Cear (1999). Professor Associado, nvel II, da Universidade

    Federal do Cear, ministrando a disciplinas "Direito da empresa I" (direito societrio), "Or-

    dem jurdica e economia na perspectiva dos direitos fundamentais" e "Meio ambiente, susten-

    tabilidade e direitos fundamentais", respectivamente, na graduao e no Programa de Ps-

    graduao (Curso de Mestrado e Doutorado). Foi Coordenador do Programa de Ps-Gradua-

    o em Direito da UFC. Tem experincia na rea de Direito, com nfase em direito comercial,

    direito econmico e ambiental, focando seus estudos e trabalhos principalmente nos seguintes

    temas: direito da empresa, direito da propriedade, efetivao dos direitos fundamentais, rela-

    es entre direito e economia, direito ambiental e biodiversidade. Parecerista ad hoc da CA-

    PES. *** Bolsista do CNPq pelo PIBIC entre 2010 e 2013. Advogada. Graduada em Direito pela

    Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cear (UFC).

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    aspects, different opinions emerge from jurists who clearly influenced by British and Ameri-can doctrine, conceive the necessity of adopting legal precedents to bind certain issues of law. Certain is that the incidence of these doctrinal currents arising from the common Law still quite occurs restricted in the national courts , since there is no,in the Brazilian legal system, cogent instrument able to link the activity of jurisprudence. However, it must be pointed out the presence of Binding Precedents, first Brazilian concrete cry about traces of Law Jurispru-dence. Again, despite the importance of this institution, it is observed that its effects are still limited, since consolidation is in the exclusive Brazilian Supreme Court. The Project of the New Code of Civil Procedure allow it to overcome decades of existence of cases in which final differing decisions were made from similar cases, to consecrate the Incident of Resolu-tion of Repetitive Demands instrument of uniformity

    KEYWORDS: Civil Procedure. New Code. Incident of Resolution of Repetitive Demands.

    1 OS PRECEDENTES NOS INSTITUTOS DO CIVIL LAW E DO

    COMMON LAW

    Em um primeiro momento, para que se torne possvel a compreenso

    desta presente pesquisa acerca das inovaes do Novo CPC, dentre elas in-

    cluindo-se o Incidente de Coletivizao de Demandas, torna-se deveras ne-

    cessrio algumas explanaes prvias acerca dos institutos jurdicos do Civil

    Law e do Common Law.

    A priori, cumpre-se destacar que os contextos histricos que deram ori-

    gem aos institutos jurdicos do Civil Law e o Common Law so completa-

    mente diferentes.

    O instituto do Civil Law traz consigo dogmas que traduzem, de forma

    lmpida, o momento histrico de seu afloramento, qual seja, o da Revoluo

    Francesa. Este contexto se situava em um momento de superao ao antigo

    regime francs, perodo no qual o Judicirio francs era formado pela classe

    dominante, que possua estreitos laos com a aristocracia feudal. Em decor-

    rncia do modelo aristocrtico, nem de longe se vislumbrava o respeito aos

    ideais da iminente Revoluo, tendo em vista que os cargos jurdicos no

    eram preenchidos por meritocracia, e sim herdados ou comprados.1

    H relados do momento histrico pr-revolucionrio que os juzes deste

    perodo se negavam a obedecer dispositivos legais que se contrapusessem

    aos interesses dos protegidos da aristocracia, alm de interpretarem as leis

    com tendncia a afastar qualquer inteno progressista que por ventura sur-

    gisse.

    1 MARINONI, Luiz Guilherme, Aproximao Crtica Entre as Jurisdies de Civil Law e de

    Common Law e a Necessidade de Respeito aos Precedentes no Brasil. In Precedentes Obri-

    gatrios. So Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2012, 2. Edio.

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    Posteriormente, com a chegada da Revoluo Liberal, buscou-se soltar

    as amarras do direito praticado anteriormente. O objetivo dos Revolucion-

    rios seria criar um sistema jurdico transparente, claro e completo de forma

    a no permitir nenhuma ingerncia dos juzes no poder do novo governo,

    tendo em vista a desconfiana deixada pelos magistrados do antigo regime

    francs. A partir deste momento, o poder dos Juzes estaria subordinado ao

    poder do parlamento.

    A ideia seria tolher dos magistrados o poder de interpretar os textos le-

    gislativos, sendo eles, julgadores, transformados em meros aplicadores da

    Lei. No haveria, neste azo, necessidade de se utilizar qualquer atividade

    hermenutica para se ampliar ou limitar o sentido da norma. Ao magistrado

    caberia aplicar ao caso concreto a literalidade do texto legal.

    Em caso de supervenincia de uma possvel antinomia ou conflito entre

    as normas, a querela era ento enviada ao poder legislativo que, atravs de

    uma interpretao autorizativa faria com que qualquer imbrglio fosse sa-

    nado.

    Em sntese, o que se buscava no Direito Francs ps-revolucionrio era

    a limitao da atividade da atividade do judicirio atravs da existncia de

    textos legais completos, plenos de direito, supostamente capazes de reduzir

    o papel do poder judicirio a meros aplicadores da Lei.

    Em um diferente momento, teve incio o instituto do Common Law, com

    gnese na Inglaterra, no tempo dos reis anglo-saxes, como um direito con-

    suetudinrio, baseado nos costumes do reino. Posteriormente, este instituto

    passou a adquirir caractersticas eminentemente jurisprudenciais, atravs da

    reafirmao do direito por decises reiteradas dos tribunais. Havia, deste

    modo, a aplicao dos costumes locais ingleses ao caso concreto, mantendo

    sua estrutura jurisprudencial

    As bases histricas da Revoluo que impulsionaram a tradio jurdica

    do Common Law na Inglaterra foram as da Revoluo Gloriosa, que teve

    objetivos e circunstancias sociais completamente diferentes da Revoluo

    Francesa. No se buscava, na Inglaterra, destruir completamente o direito

    anterior, mas somente diminuir o poder do monarca, submetendo-o aos di-

    reitos individuais do cidado, influenciados pelas ideias de John Locke.

    A Revoluo Inglesa no considerava os juzes como uma ameaa, a

    exemplo do que ocorreu na Revoluo Francesa, mas sim como um aliado

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    na luta contra o monarca. Desta maneira, no houve a necessidade de se re-

    afirmar a prevalncia da lei sobre a atividade judicante, de maneira de fazer

    dos juzes meros aplicadores dos textos legislativos. Neste raciocnio, no

    havia a manifesta inteno de submeter o juiz literalidade da lei, como mero

    produto do Legislativo. Existia, por conseguinte, espao para os magistrados

    interpretarem os textos legais ao caso concreto, com mais liberdade do que

    ocorria no Direito Francs.2

    Assim, na Inglaterra tanto as Leis quanto o Rei estavam submetidos ao

    Common Law, tendo em vista que os juzes ingleses poderiam anular as leis

    que estivessem em conflito com o direito dominante. Abria-se a possibili-

    dade de o magistrado criar o direito com a observao do caso concreto.

    A autoridade da lei em relao ao common law foi posteriormente

    contestada; pretendeu-se demonstrar que uma lei apenas teria observncia

    obrigatria se o juiz a considerasse conforme ao common law. Neste sistema,

    um nico julgado j pode-se considerar como precedente obrigatrio, na

    medida em que se afirma a norma jurdica a ser aplicada em futuras situaes.

    O precedente judicirio, desde sua gnese, na Inglaterra, no , no

    entanto, uma verdadeira fonte de direito, tendo em vista que o juiz que

    proferiu a primeira deciso acerca de uma dada matria teve de se basear em

    algumas fontes para obter sua soluo, sobretudo no domnio das regras de

    fundo, chamadas substantive law. Tinha-se o precedente como a deciso ob-

    tida a partir de um caso concreto, podendo sua essncia servir para resoluo

    de casos posteriores. Sobre o tema disserta o processualista Freddie Didier

    Jr: Precedente a deciso judicial tomada luz de um caso concreto, cujo

    ncleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de

    casos anlogos3.

    Assim, apenas uma deciso judicial poderia ser considerada fonte do

    direito.

    2 MARINONI, Luiz Guilherme. NOVO CPC ESQUECE DA EQUIDADE PERANTE AS DE-

    CISES JUDICIAIS. Disponvel em . Acesso em: 04 de Julho de 2013. 3 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Proces-

    sual Civil. Vol. 2. 5 ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 381.

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    2 A UTILIZAO PRTICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

    Conforme se observou acima, quando da explanao da gnese do Com-

    mon Law ingls, um precedente baseia-se a partir de um caso concreto, de-

    vendo, para ser utilizado posteriormente, demonstrar-se a semelhana entre

    o caso anterior e o caso presente, de modo a que, aps este confronto se possa

    utilizar o dispositivo legal utilizado no precedente.

    D-se o nome de distinguishing contraposio e distino entre os ca-

    sos. necessrio que se interprete o precedente de modo a se verificar se h

    correlao com o caso analisado no presente, no caso que est em observa-

    o. Ou seja, faz-se uma verificao entre o caso presente e o caso para-

    digma, a fim de que se observe coincidncia entre os fatos discutidos. Se o

    caso presente apresentar inovaes em relao ao caso paradigmtico, afasta-

    se sua aplicao.

    Assevera-se, ademais, que caso haja divergncias entre o caso paradig-

    mtico e o caso em anlise, pode-se fazer um distinguishing restritivo, de

    modo a poder atender o caso paradigmtico s peculiaridades do caso em

    tela. Por outro lado, h um distinguishing ampliativo se o caso concreto apre-

    sentar peculiaridades em relao aos casos paradigmticos. Estende-se hi-

    ptese em tela a mesma soluo conferida aos casos anteriores.

    O que se observa a partir dos esclarecimentos supra que o magistrado

    em um sistema de precedentes no se torna mero reprodutor de casos anteri-

    ores, haja vista que o magistrado tem que externar os motivos que levaram a

    escolha e a aplicao do caso paradigmtico em relao ao caso concreto,

    interpretando-se a lei para verificar se os fatos concretos se conformam

    hiptese normativa, contrapondo o caso atual ao precedente.

    2.1 As tcnicas de superao do precedente: overruling e overriding.

    A dinamicidade em que ocorrem as relaes sociais aumenta conside-

    ravelmente com o passar dos anos, o modo de se observar esta mutao social

    faz com que novas leis superem leis editadas anteriormente. Com o sistema

    dos precedentes no seria diferente, sendo possvel que se revise um prece-

    dente sempre que houver novos argumentos, criando-se um novo precedente.

    o que se chama de overruling.

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    Assevera-se, ademais, que para que ocorra o chamado overruling,

    seja expresso ou tcito, exige-se uma fundamentao bem delineada, tra-

    zendo fatos e argumentos inovadores, demonstrando-se o porqu de o prece-

    dente merecer ser superado.

    No sistema jurdico brasileiro, no se observa o overruling tcito, so-

    mente o expresso, principalmente no que tange as smulas vinculantes,

    quando se tem a previso legal (previsto no art. 103-A 2 da CR/08) de

    cancelamento ou reviso de smula vinculante.

    Quando h o overruling de um precedente enraizado em um sistema

    jurdico, firmado aps muito tempo de consolidao, h a necessidade que

    sua superao opere-se com a boa-f objetiva e a confiana depositada no

    precedente. Por sua vez, no deve o precedente ter eficcia retroativa, razo

    pela qual o overruling se opera com aplicao ex nunc.

    J o chamado overriding se observa quando o tribunal restringe o m-

    bito de incidncia de um precedente, aps da supervenincia de uma regra,

    com uma superao parcial.

    Esclarece-se que o overruling e overriding so tcnicas que restringem

    as possibilidades de engessamento do sistema jurdico, renovando e oxige-

    nando o ordenamento jurdico, mantendo-o atualizado, bem como confe-

    rindo certa flexibilidade ao sistema do Common Law.

    2.2 Smula vinculante e os precedentes

    O artigo art. 103-A foi inserido no texto da nossa Carta Magna de 1988

    atravs da Emenda Constitucional n 45/04, que explicita a possibilidade de

    uma smula ter eficcia vinculante acerca de decises futuras.

    O texto inserido possui a seguinte redao:

    O Supremo Tribunal Federal poder, de ofcio ou por provocao, mediante

    deciso de dois teros dos seus membros, aps reiteradas decises sobre ma-

    tria constitucional, aprovar smula que, a partir de sua publicao na im-

    prensa oficial, ter efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder

    Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, es-

    tadual e municipal, bem como proceder sua reviso ou cancelamento, na

    forma estabelecida em lei.

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    Conforme assevera Luiz Guilherme Marinoni, as smulas no Direito

    Brasileiro foram vistas como meios de facilitar a resoluo de casos repetiti-

    vos, no tendo a preocupao em garantir a coerncia do sistema jurdico ou

    a previsibilidade 4

    A ideia central quando da elaborao das smulas no seria, a priori, o

    intuito de conferir uma uniformidade ao entendimento jurdico no Brasil, im-

    pedindo que casos semelhantes fossem decididos de modo desigual, mas sim

    desafogar o Poder Judicirio, que se encontrava com vrias demandas si-

    milares e repetitivas.

    Neste diapaso, cristalina se encontra a diferena substancial entre a s-

    mula e o precedente, tendo em vista que este permite a racionalidade do Po-

    der Judicirio, garantindo a unidade da ordem jurdica, sendo projetado para

    os casos futuros. De outro modo, quanto s smulas, esta racionalidade ad-

    quire efeito secundrio, como consequncia de sua aplicao.

    No se deve olvidar que as smulas vinculantes, entendidas como nor-

    mas gerais e abstratas, no devem ser compreendidas de maneira dissociada

    dos precedentes fticos que deram origem s mesmas.

    Entende-se, ademais, que as smulas no foram compreendidas como

    um retrato do direito jurisprudencial de um momento histrico, tornando-se

    as smulas guias estticos, desvinculando-se dos casos que lhe deram ori-

    gem e sem a atualizao necessria para acompanhar a dinamicidade das mu-

    taes sociais.

    Em um cenrio de um sistema jurdico no qual se observa decises di-

    vergentes sobre casos, por vezes, rigorosamente iguais, faz-se necessrio que

    se reflita e se busque solues para manter a ordem, a coerncia e a unidade

    do sistema jurdico brasileiro.

    3 RESPEITO AOS PRECEDENTES NO BRASIL

    Entende-se que no direito brasileiro no se desenvolveu uma tradio

    de respeito aos precedentes judiciais em decorrncia da hierarquizao exis-

    tente no Civil Law, que assegura livre convencimento aos juzes. A inobser-

    vncia dos precedentes judiciais no Direito Brasileiro ocasiona situaes em-

    baraosas, a exemplo da adoo do modelo difuso de controle judicial de

    4 MARINONI, Luiz Guilherme. In Precedentes Obrigatrios. So Paulo, Ed. Revista dos Tri-

    bunais, 2012, 2. Edio. Pg. 480.

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    constitucionalidade. Em virtude da eficcia interpartes das decises, no ope-

    rando efeitos erga omnes, emerge a possibilidade de prolao de julgados

    diferentes sobre questes jurdicas idnticas ou fticas similares, culminando

    em uma incerteza e insegurana jurdica para todo o sistema jurdico.

    Aps realizados recentes estudos desenvolvidos pela Faculdade de Di-

    reito da FGV Rio, I Relatrio Supremo em nmeros revelam que dos

    mais de 30 mil processos que chegam a ser julgados por ano no STF, 92%

    por cento so recursos, sendo que os processos eminentemente constitucio-

    nais representam menos de 0,5% dos casos julgados. 5

    Os dados supracitados corroboram para o entendimento de que o Su-

    premo Tribunal Federal, hodiernamente, atua com maior vigor como um Tri-

    bunal Recursal de ltima instncia do que como uma Corte Constitucional.

    Mesmo aps as reformas em nossa Carta Magna de 1988 que introduziram a

    repercusso geral e a smula vinculante, o nmero de processos julgados

    pela nossa Corte Suprema ainda bastante considervel.

    No que concerne s decises tomadas em sede de recurso extraordin-

    rio, por exemplo, quando se fala em lhes conferir eficcia vinculante, no se

    objetiva tornar imutvel uma deciso acerca de sua inconstitucionalidade,

    mas impedir que os demais rgos do Poder Judicirio neguem seus motivos

    determinantes.

    Em observncia unidade e uniformidade do Sistema Jurdico Brasi-

    leiro, no se vislumbra dissociar a atribuio de poder aos juzos de piso sem

    a vinculao s decises da Suprema Corte. Torna-se deveras necessria

    obrigatoriedade dos precedentes da Suprema Corte referentes aplicao do

    controle difuso de constitucionalidade. A no observncia das decises da

    nossa Suprema Corte contribui para a fragilidade da fora normativa da

    Constituio.

    A despeito de os precedentes no direito brasileiro no terem o devido

    respeito que recebem nos pases que adotam o Common Law, h casos em

    que observa-se resqucios de observncia aos precedentes no Direito Brasi-

    leiro.

    5 ORTOLAN, Marcelo Augusto Biehl. Common Law, Judicial Reviel e Stare Decisis: Uma

    Abordagem Histrica do Sistema de Controle de Constitucionalidade Anglo Americano em

    Perspectiva Comparada com o Sistema Brasileiro. Pp. 39. In A Fora dos Precedentes, Org.

    Luiz Gulherme Marinoni. Ed. Jus Podivm, 2012.

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    Em nosso Cdigo de Processo Civil, por exemplo, verifica-se, em al-

    guns dispositivos, a existncia de respeito aos precedentes, a exemplo, da

    inexigibilidade do reexame necessrio (art. 475, 3), da possibilidade de jul-

    gamento liminar do mrito da ao em processos repetitivos (art. 285- A), do

    julgamento da impugnao e dos embargos execuo com fundamento na

    inexigibilidade do ttulo (art. 475-L, 1 e art. 741, pargrafo nico), do in-

    cidente da uniformizao da jurisprudncia (art. 479), da declarao inciden-

    tal de inconstitucionalidade (art. 481), da smula impeditiva de recurso (art.

    518, 1), do julgamento monocrtico do recurso com fundamento em juris-

    prudncia dominante (art. 557 e art. 544, 3 e 4).

    Nos tribunais superiores, por exemplo, com a insero do art. 543-B no

    Cdigo de Processo Civil pela Lei n 11.418/2006, autorizou-se o julgamento

    de Recurso Extraordinrio pelo recurso da amostragem. Este procedimento

    funciona da seguinte maneira: analisa-se a repercusso geral em alguns pro-

    cessos em andamento, para que o entendimento alcanado em tais paradig-

    mas acerca da repercusso geral possa ser aplicado em todos os demais idn-

    ticos casos. J o art. 543-C, inserido atravs da Lei n 11.672/2008, estendeu

    ao Superior Tribunal de Justia a possibilidade de julgar recursos repetitivos

    atravs da escolha alguns recursos paradigmticos, que serviro de para-

    digma para os demais casos similares.

    4 DA NECESSRIA PROTEO AOS PRECEDENTES JUDICIAIS

    Bastante louvvel a iniciativa do legislador ordinrio ao primar pela cri-

    ao de um instrumento de uniformizao jurisprudencial, ato que por si s

    j demonstra a preocupao com a atual existncia de decises absurdamente

    contraditrias em pontos jurdicos idnticos. Ocorre que entre alguns tribu-

    nais e ainda internamente, a partir do estudo do posicionamento de seus ju-

    zes, possvel se evidenciar tratamento jurdico divergente para questes de

    direito iguais.

    Acredita-se que esta situao possivelmente fora provocada por dois fa-

    tores principais. A um primeiro momento, emerge a inafastvel subjetividade

    do julgador quando a considerar os elementos violadores ou no do direito.

    Piero Calamandrei cuidou de ilustrar sua preocupao com a imprevisibili-

    dade das decises judiciais com um caso concreto que vivenciara de perto.

    Discutia-se sobre a existncia de vcio redibitrio em cavalo mordedor que

    fora objeto de uma compra e venda. Se em primeira instncia houvera julga-

    mento pela total improcedncia do pleito, bastante surpreso quedou o douto

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    escritor romano diante da reforma da deciso de primeiro grau pelo tribunal

    competente. Ao ser indagadas as razes do entendimento do membro do par-

    quet que convencera os magistrados, este recordou o sofrimento de seu filho

    quando atacado pela mordida de um cavalo.

    Obviamente que este se trata de um caso meramente ilustrativo, apto

    apenas a demonstrar a influncia que as experincias pessoais podem exercer

    sobre as decises judiciais. Entretanto, ao mesmo tempo, percebe-se que no

    presente momento no h ainda instrumento com fora normativa suficiente

    para vincular as decises judiciais a um sistema de precedentes, mesmo por

    que este sobrevive no ordenamento brasileiro de maneira esparsa, sem um

    regramento prprio.

    Outro fator ocasionador da mencionada divergncia jurisprudencial se-

    ria justamente a ausncia de um sistema de uniformizao jurisprudencial,

    capaz de privilegiar e reunir os precedentes sobre determinadas questes ju-

    rdicas decididas reiteradamente. Este instrumento teria o fito de coibir, pri-

    meiramente, o julgamento desigual de casos jurdicos iguais, e, indireta-

    mente, desestimular a propositura de aes fadadas ao insucesso, uma vez

    que seriam publicizados os entendimentos normativos do Direito Brasileiro.

    Por obstante, j possvel visualizar que o ordenamento clama por este

    instituto de consagrao dos precedentes judiciais em nosso pas.

    5 O INCIDENTE DE RESOLUO DE DEMANDAS REPETITIVAS

    5.1 Admissibilidade

    A positivao deste instrumento revigora o Direito Brasileiro, ao primar

    pela uniformidade a ser conferida pelos magistrados a idnticas questes ju-

    rdicas. Por oportuno, o Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas se

    trata de um dissdio a ser proposto ao tribunal em que tramita uma ao ori-

    ginria, na qual tenha sido suscitada divergncia de julgamentos anteriores

    sobre determinada questo de direito. Em conformidade com a dico do

    Projeto 8.046/2010 em seu Art. 988, ser tambm admissvel o incidente

    presente o risco de ofensa isonomia e segurana jurdica, houver efetiva

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    ou potencial repetio de processos que contenham controvrsia sobre a

    mesma questo de direito material ou processual. 6

    Pelo que se observa, ser necessria a demonstrao de existncia de

    controvrsia jurdica que j embase ou possa gerar processos afins, sendo

    este o mais ntimo requisito de admissibilidade do instituto. Cuidou o legis-

    lador de prevenir os efeitos da coexistncia de decises judiciais conflitantes

    sobre questes jurdicas anlogas, o que incorreria em inarredvel insulto aos

    princpios da isonomia e segurana jurdica.

    Neste cenrio, importante salientar o acolhimento em parte, pelo Poder

    Legislativo, de incessantes crticas desferidas contra a redao original pro-

    posta pelo Senado.

    Sabe-se que o projeto, em redao anterior elencava a potencialidade de

    gerar relevante multiplicao de processos como nico requisito do inci-

    dente. Sobre o tema, diversos estudiosos do direito, incluindo Leonardo Jos

    Carneiro da Cunha e Antnio Adonias A. Bastos, discutiram acerca da im-

    propriedade do texto quando dizia:

    Art. 895. admissvel o incidente de demandas repetitivas sempre que iden-

    tificada controvrsia com potencial de gerar relevante multiplicao de pro-

    cessos fundados em idntica questo de direito e de causar grave insegurana

    jurdica, decorrente do risco de coexistncia de decises conflitantes pelo re-

    lator ou rgo colegiado.

    Os crticos do tema vibraram ao receber a posterior redao dada pela

    Cmara dos Deputados ao dispor:

    Art. 984. admissvel o incidente de resoluo de demandas repetitivas

    quando houver decises conflitantes em processos que versem sobre a mesma

    questo de direito, material ou processual, desde que presente o risco de

    ofensa isonomia e segurana jurdica.

    Frise-se, esta redao se encontra abolida. Criticavam os doutos juristas

    o cabimento do incidente unicamente com base na possibilidade de existir

    posicionamentos contrrios acerca de uma mesma questo de direito, ou seja,

    mesmo quando inexistentes decises judiciais conflitantes ou divergncia ju-

    risprudencial sobre um tema. Inegavelmente, este posicionamento, embora

    compreensvel, no vislumbrava a possvel ocorrncia de graves danos s

    6 Art. 988. admissvel o incidente de resoluo de demandas repetitivas, quando, estando

    presente o risco de ofensa isonomia e segurana jurdica, houver efetiva ou potencial re-

    petio de processos que contenham controvrsia sobre a mesma questo de direito material

    ou processual.

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    132

    partes, em virtude da adoo de um primeiro posicionamento jurdico pelo

    juiz de primeiro grau, bem como dos dispndios com o posterior desfazi-

    mento desta deciso judicial, nos casos em que o incidente fosse julgado pro-

    cedente.

    Sobre o tema, imagine-se que, em um caso concreto, uma das partes ou

    Ministrio Pblico percebesse a existncia de reiterados processos semelhan-

    tes, bem como a possibilidade de rumos diferentes no julgamento final das

    lides, todos respeitando a legalidade estrita. Sabendo desta divergncia inter-

    pretativa, restariam os interessados impossibilitados de suscitar o incidente

    perante o tribunal competente para exercer o duplo grau de jurisdio? Sob

    esta premissa, restaria ao julgador a quo optar por um dos caminhos, igual-

    mente lcitos, correndo o risco de proporcionar a ofensa isonomia e segu-

    rana jurdica, alm de ter sua deciso desfeita aps o julgamento de um In-

    cidente de Resoluo de Demandas Repetitivas. Ao passo disso, caso julgado

    procedente o respectivo Incidente, uma das partes estaria suportando o nus

    de sucumbncia, enquanto o vencedor do processo originrio ficaria obri-

    gado a restituir o que eventualmente recebera.

    Haveria, por obstante, inconcebvel incoerncia normativa ao exigir que

    fossem prolatadas decises conflitantes para admitir o processamento Inci-

    dente. Apesar disso, sabe-se que, atualmente, j podemos evidenciar diver-

    gncias entre decises judiciais sobre questes jurdicas iguais.

    Admitido o incidente, imperioso que se promova o mais amplo debate

    possvel, com vistas anlise minuciosa da questo de direito que, projetada

    com suas vrias nuances no mundo dos fatos, proporcione a uniformidade e

    estabilizao da jurisprudncia. Sob esta perspectiva, discorreu Dworkin

    ponderadamente sobre o assunto:

    O problema que surge em todos os casos saber se os assuntos em discusso

    esto maduros para uma deciso judicial e se a deciso judicial resolveria es-

    ses assuntos de forma a diminuir a probabilidade de (ou eliminar as razes

    para) novos dissensos.7

    Inconteste, por obstante, ser imprescindvel que a aprovao de uma tese

    jurdica em detrimento de outra seja permeado por denso e pormenorizado

    7 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. Trad. Nelson Boeira. So Paulo: Martins

    Fontes, 2002. Pp. 337. Apud CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. Anotaes sobre o Inci-

    dente de Resolues de demandas repetitivas previsto no Projeto do Novo CPC. In O Projeto

    do Novo Cdigo de Processo Civil. Org. Fredie Didier Jr., Jos Henrique Mouta e Rodrigo

    Klippel. Jus Podivm, 2011.

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

    133

    debate, a partir da anlise da questo de direito e do contexto que a circunda,

    para que seja possvel o estudo do maior nmero possvel de argumentos,

    com fito de evitar novas divergncias. Isso no se concretizaria caso a divul-

    gao no fosse realizada por meio eletrnico em banco de dados do Conse-

    lho Nacional de Justia, ou se a lei no determinasse que seus elementos de

    busca contero os principais fundamentos do Incidente.8

    Importa tecer consideraes ainda sobre a abrangncia da admissibili-

    dade do Incidente. Sabe-se que sua pertinncia primria est relacionada

    divergncia meritria sobre determinada questo de direito, isto , primordi-

    almente do sopesamento principiolgico no mbito do Judicirio. Contudo,

    ao presente momento, o Projeto do Novo Cdigo de Processo Civil Brasileiro

    estendeu o alcance deste novo instituto tambm para incluir demandas en-

    volvendo decises conflitantes acerca de mesma questo de fato.9

    5.2 Legitimidade

    A apreciao do Incidente de Demandas Repetitivas ser realizada dire-

    tamente por tribunal, seja algum dos Tribunais de Justia Estaduais seja Tri-

    bunais Regionais Federais, ou ainda quando pendente alguma ao de com-

    petncia originria de outro tribunal. Para que isso ocorra, o projeto salienta

    que a legitimidade para propositura do Incidente abranger desde o relator

    ou rgo colegiado, por ofcio, sobrevindo s partes envolvidas em questo

    jurdica controversa ou de fato com enquadramento controverso, alm do

    Ministrio Pblico, Defensoria Pblica e pessoa jurdica de direito pblico

    ou associao civil.

    8 Art. 989. A instaurao e o julgamento do incidente sero sucedidos da mais ampla e espe-

    cfica divulgao e publicidade, por meio de registro eletrnico no Conselho Nacional de Jus-

    tia.

    1. Os tribunais mantero banco eletrnico de dados atualizados com informaes especfi-

    cas sobre questes de direito submetidas ao incidente, comunicando, imediatamente, ao Con-

    selho Nacional de Justia, para incluso no cadastro.

    2 Para possibilitar a identificao das causas abrangidas pela deciso do incidente, o registro

    eletrnico das teses jurdicas constantes do cadastro conter, no mnimo, os fundamentos de-

    terminantes da deciso e os dispositivos normativos a ela relacionados.

    3 Este artigo aplica-se tambm ao julgamento dos recursos repetitivos e da repercusso geral

    em recurso extraordinrio. 9 Art. 988. [...] 9 O incidente pode ser instaurado tambm quando houver decises confli-

    tantes em torno de uma mesma questo de fato.

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    Salta aos olhos, preliminarmente, a iminente inovao legislativa ao se

    conferir poderes para instaurao do incidente ao magistrado de segunda ins-

    tncia ou rgo colegiado competente para reanalisar o processo. Por certo,

    o reconhecimento de divergncia jurisprudencial sobre determinado tema

    pelo julgador da causa proporciona a imediata cincia do tribunal a ele vin-

    culado, para que sejam tomadas providncias a fim de evitar a propagao

    de controvrsia jurdica. Por consequncia, tal conduta ser responsvel por

    conferir considervel economia processual, vez que o acrdo do processo

    originrio dever ser prolatado somente aps a adoo da tese jurdica mais

    adequada, com o julgamento do incidente. A partir da aplicao do prece-

    dente firmado pelo tribunal, provavelmente a deciso do primeiro processo

    ter grandes possibilidades de se mostrar irretocvel, tendo em vista a anlise

    multifacetada da controvrsia jurdica. Ademais, certo que o efeito vincu-

    lante da soluo do Incidente de Demandas Repetitivas desestimularia a in-

    terposio de aes contrrias ao entendimento da resoluo do incidente, e,

    por isso, fadadas ao insucesso, exceto se visassem desconstitu-lo ou super-

    lo, com que a doutrina especializada denomina overruling, se total, ou over-

    riding, se parcialmente.

    Importa mencionar que outrora o Projeto conferia legitimidade tambm

    ao juiz monocrtico. Acredita-se que a nova redao, legitimando apenas re-

    lator ou rgo colegiado, apesar de inovadora, representa a perda da oportu-

    nidade de se dirimir divergncia jurdica ainda em primeiro grau. Desta

    forma, quando apenas o juiz de primeira instncia verifique a existncia de

    reiterada controvrsia jurdica sobre o caso analisado, em suas consideraes

    meritrias, ser obrigado a optar por tese que julgar mais adequada em detri-

    mento de outra, sem poder se fundamentar em precedente vinculante, aguar-

    dando uma possvel propositura de Incidente de Demandas Repetitivas sobre

    o tema.

    Consideremos, agora, os demais legitimados a propor o presente instru-

    mento processual. Diferente do caso anterior, de cunho eminentemente ex-

    cepcional, a legitimao de que se tem notcia neste momento pressupe uma

    relao entre o sujeito autor e o contedo concreto da deciso questionada.

    Sobre o tema, bastante esclarecedoras so as palavras de Leonardo Jos Car-

    neiro da Cunha:

    No plano processual, a legitimidade deve fazer-se presente, no somente para

    o ajuizamento de demandas, mas tambm para a instaurao de incidentes.

    Para suscitar o incidente de resoluo de demandas repetitivas, no restam

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    135

    dvidas de que deve haver legitimidade, com pertinncia temtica relativa-

    mente questo jurdica a ser examinada pelo tribunal. Assim, no qualquer

    um que pode suscitar o mencionado incidente. Para poder suscit-lo, preciso

    ser parte numa demanda que verse sobre tema que repercuta para diversas

    outras causas repetitivas. Deve, enfim, haver pertinncia subjetiva da parte

    com a tese jurdica a ser fixada pelo tribunal.10

    Pelo que emerge do excerto acima, para que particulares disponham de

    legitimidade para oferecer a instaurao de um Incidente de Demandas Re-

    petitivas, imprescindvel que demonstrem o interesse que os fazem acionar

    o Judicirio para que se esclarea divergncia jurisprudencial. Por oportuno,

    no foroso mencionar que a comprovao desta legitimidade ocorre mais

    facilmente com a existncia de ao corrente, na qual figure com uma das

    partes.

    Por sua vez, a legitimidade do Ministrio Pblico e da Defensoria P-

    blica para propor o incidente de resoluo de demandas repetitivas em muito

    se confunde com sua prerrogativa para interpor a Ao Civil Pblica, regu-

    lamentada pela Lei. N 7.347/85. Contudo, deve-se elucidar as razes que

    respaldam o labor de cada uma destas instituies.

    Emps o mandamento constitucional no sentido de que cabe aos mem-

    bros do Ministrio Pblico proteger, atravs do inqurito civil e da Ao civil

    Pblica, os interesses difusos e coletivos,11 decorre analogamente que estar

    o parquet legitimado para apresentar o Incidente de Demandas Repetitivas

    com relao a direitos destas naturezas. Como se pode analisar pormenori-

    zadamente alhures, cuidou o legislador originrio de resguardar, por tutela

    do Ministrio Pblico, os direitos difusos, posto que so transindividuais, de

    titularidade indeterminada, apesar da coletividade que representa ser interli-

    gada por circunstncia de fato; bem como dos direitos coletivos, tambm

    oriundo do gnero dos transindividuais, se caracterizam por seus titulares,

    determinveis, se vincularem por uma relao jurdica entre si ou com parte

    adversria.

    Ao primeiro momento, estas duas subespcies de direitos transindivi-

    dual foram conferidas aos cuidados do MP, restando a categoria dos direitos

    individuais homogneos margem deste rol, uma vez que inexistia previso

    legal especfica. Entretanto, respaldando-se na exceo prevista no Art. 129,

    10 CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. Anotaes sobre o Incidente de Resolues de de-

    mandas repetitivas previsto no Projeto do Novo CPC. In. O Projeto do Novo Cdigo de Pro-

    cesso Civil, Jus Podivm, 2011. 11 Art. 129, III, CF/88.

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    136

    inciso IX, da Constituio Federal12, a Lei 8.078/90 (Cdigo de Defesa do

    Consumidor) inclui na competncia do Ministrio Pblico a defesa dos di-

    reitos ou interesses individuais homogneos, sendo estes os que decorram de

    origem comum, porm cuja divisibilidade e seus titulares podero ser deter-

    minados no momento da liquidao ou execuo de uma sentena coletiva.

    Ainda assim, pairava incessante divergncia doutrinria acerca da exis-

    tncia de legitimidade do MP em tutelar direitos individuais homogneos.

    Inobstante fervorosos argumentos em contradio, o Supremo Tribunal Fe-

    deral assinalou a pertinncia de pleito de autoria do parquet quando tratar de

    direitos individuais homogneos de relevante interesse social. Neste sentido,

    elucidou seu posicionamento em julgado histrico, que persevera at os dias

    de hoje:

    EMENTA: RECURSO EXTRAORDINRIO. CONSTITUCIONAL. LEGI-

    TIMIDADE DO MINISTRIO PBLICO PARA PROMOVER AO CI-

    VIL PBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS

    E HOMOGNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE

    POSTULATRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUZO (...) .

    4. Direitos ou interesses homogneos so os que tm a mesma origem comum

    (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em

    subespcie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou

    particularmente interesses homogneos, stricto sensu, ambos esto cingidos a

    uma mesma base jurdica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque

    so relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam

    respeito s pessoas isoladamente, no se classificam como direitos individuais

    para o fim de ser vedada a sua defesa em ao civil pblica, porque sua con-

    cepo finalstica destina-se proteo desses grupos, categorias ou classe de

    pessoas . 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais,

    podem ser impugnadas por via de ao civil pblica, a requerimento do rgo

    do Ministrio Pblico, pois ainda que sejam interesses homogneos de origem

    comum, so subespcies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por

    esse meio processual como dispe o artigo 129, inciso III, da Constituio

    Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado educao, amparada constitucio-

    nalmente como dever do Estado e obrigao de todos (CF, art. 205), est o

    Ministrio Pblico investido da capacidade postulatria, patente a legitimi-

    dade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na rbita dos

    interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de contedo social

    tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinrio

    conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministrio P-

    blico, com vistas defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a

    remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da

    ao (RE 163.231, Rel. Min. Maurcio Corra, Plenrio, DJ 29.6.2001).

    12 Art. 81, nico, III c/c Art. 82, I, Lei 8.078/90.

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

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    EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDIN-

    RIO. CONSTITUCIONAL. AO CIVIL PBLICA. LEGITIMIDADE DO

    MINISTRIO PBLICO PARA A DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS

    HOMOGNEOS DE RELEVNCIA SOCIAL. PRECEDENTES.

    AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (RE

    459456 AgR, Relator(a): Min. CRMEN LCIA, Segunda Turma, julgado

    em 25/09/2012, ACRDO ELETRNICO DJe-207 DIVULG 19-10-2012

    PUBLIC 22-10-2012).

    Portanto, dirimido impasse doutrinrio acerca da legitimidade do Mi-

    nistrio Pblico para representar direitos individuais homogneos, alm dos

    difusos e coletivos, em ao civil pblica, presume-se que, por analogia, o

    ajuizamento de Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas em prote-

    o daquela espcie de direitos transindividuais estar condicionado pre-

    mncia de relevante interesse social.

    Nos demais casos envolvendo direitos individuais homogneos (isto ,

    quando ausente relevante interesse nacional), certamente careceria de legiti-

    midade o Incidente proposto pelo Ministrio Pblico. Urge frisar que o pr-

    prio Projeto de Novo CPC, provavelmente antecipando controvrsias inter-

    pretativas, elencou como legitimados pessoa jurdica de direito pblico ou

    pela associao civil, o que confere legitimidade a diversos outros interes-

    sados.

    Pelo que se observa a partir do histrico jurisprudencial brasileiro, esta

    redao acolhe o entendimento atualmente firmado pela Suprema Corte, de

    forma que, nos casos de ilegitimidade do MP, outras instituies gozaro da

    prerrogativa pela interposio do incidente. luz da legislao ptria, pode-

    se enumerar como exemplos as demais entidades legitimadas nos Art. 82,

    CDC e Art. 5 da Lei 7.347/8513, o que faz presumir que as associaes civis

    13 Art. 82, [...]

    II - a Unio, os Estados, os Municpios e o Distrito Federal;

    III - as entidades e rgos da Administrao Pblica, direta ou indireta, ainda que sem perso-

    nalidade jurdica, especificamente destinados defesa dos interesses e direitos protegidos por

    este cdigo;

    IV - as associaes legalmente constitudas h pelo menos um ano e que incluam entre seus

    fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este cdigo, dispensada a

    autorizao assemblear.

    Art. 5, Lei 7.347/85

    [...]

    II - a Defensoria Pblica;

    III - a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios;

    IV - a autarquia, empresa pblica, fundao ou sociedade de economia mista;

    V - a associao que, concomitantemente:

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    que almejem ofertar Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas devem

    guardar pertinncia temtica com seus fins institucionais, alm de estarem

    constitudas h pelo menos um ano.

    Quanto legitimao conferida aos membros da Defensoria Pblica,

    certo que esta prerrogativa deve estar vinculada sua tpica Assistncia

    Jurdica, cuja regulamentao vem assaz disposta na Lei Complementar n

    80/94. Com efeito, para a interposio e acompanhamento de Incidente de

    Resoluo de Demandas Repetitivas, imperioso que este se funde em ntimo

    interesse de assistido pela Defensoria Pblica competente para atuar no caso.

    Pelo que se discorreu supra, o autor do incidente dever ostentar legiti-

    midade ou representao adequada, ou seja, com pertinncia temtica com

    ntimo interesse ou funo tpica.

    H defensores, contudo, da substituio da autoria, quando ofertado o

    Incidente por Promovente ilegtimo. Esta possibilidade poderia ser concreti-

    zada quando, decretada a ilegitimidade da parte autora, fosse ofertado prazo

    e oportunizado que o autor primrio fosse substitudo por quem de direito,

    com fins de dar seguimento apreciao do incidente14.

    Acerca de eventual substituio de autoria, hodiernamente, o Projeto do

    Novo CPC dispe que, em caso de desistncia ou abandono da causa, o Mi-

    nistrio Pblico poder assumir a titularidade do incidente, bem como tais

    situaes no impedem seu exame de mrito, com a lavratura de deciso vin-

    culante15.

    5.3 Procedimento

    Superada a fase de admissibilidade do incidente, perante seu respectivo

    relator, proceder-se- em ampla divulgao sobre a discusso jurdica anali-

    sada, o que dever ser realizado por meios eletrnicos do Conselho Nacional

    de Justia, com vistas a se utilizar da celeridade e da abrangncia da comu-

    nicao virtual. Esta publicidade se apresenta indispensvel para o enrique-

    a) esteja constituda h pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

    b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteo ao meio ambiente, ao consumidor,

    ordem econmica, livre concorrncia ou ao patrimnio artstico, esttico, histrico, turs-

    tico e paisagstico. 14 GIDI, Antonio. A representao adequada nas aes coletivas brasileiras: uma proposta.

    Revista de Processo. So Paulo: RT, out-dez. 2002, v.108, p.68. 15 Vide Art. 988, 5 e 6, Projeto Novo CPC.

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

    139

    cimento dos debates em torno do Incidente, uma vez que possibilita a inter-

    veno de interessados e de amicus curiae, para cooperar com a formao da

    tese jurdica a ser adotada.

    Ao passo da divulgao da tramitao de um Incidente de Resoluo de

    Demandas Repetitivas, impe o Projeto alguns efeitos decorrentes da admis-

    so do processamento do feito. Tratam-se de medidas relacionadas suspen-

    so de processos pendentes do Estado ou Regio, versando sobre o tema a

    ser discutido, suspenso da prescrio de pretenses semelhantes e ins-

    truo do incidente, mediante a requisio de informaes ao juzo de pri-

    meiro grau e a intimao do Ministrio Pblico para se manifestar16.

    A respeito da suspenso dos processos nos juzos de primeira instncia,

    o Projeto mencionava a irrecorribilidade desta deciso, com intuito de se pre-

    servar a durao razovel do processamento do Incidente. Entretanto, ao pre-

    sente momento, a verso final do Novo Cdigo de Processo Civil silencia a

    respeito disso, razo pela qual se infere que a deciso que determina a sus-

    penso dos processos pendentes poder ser impugnada por agravo de instru-

    mento, tendo em vista sua natureza eminentemente interlocutria aliada

    urgncia no possvel provimento do tribunal.

    Ressalva-se, porm, que qualquer das partes interessadas dos processos

    suspensos podem requerer o prosseguimento do feito, a partir da demonstra-

    o, ao juzo de origem, das peculidades de seu caso que o diferem da ques-

    to jurdica tratada no Incidente17.

    Ademais, imperioso mencionar que o processamento do Incidente de-

    ver se finalizar em at um ano. Exaurido este prazo, cessa a suspenso dos

    processos que versem sobre a matria discutida, ressalvada a possibilidade

    16 Art. 990. [...]

    1o. Admitido o incidente, o relator:

    I suspender os processos pendentes que tramitam no Estado ou na Regio, conforme o caso;

    II poder requisitar informaes a rgos em cujo juzo tramita processo em que se discute o objeto do incidente, que as prestaro em quinze dias;

    III intimar o Ministrio Pblico para, querendo, manifestar-se no prazo de quinze dias. [...] 5 Admitido o incidente, suspender-se- a prescrio das pretenses nos casos repetitivos

    com a mesma questo de direito. 17 Art. 990 [...]

    4 O interessado pode requerer o prosseguimento do seu processo, demonstrando a distino

    do seu caso, nos termos do 6 do art. 521. O requerimento deve ser dirigido ao juzo onde

    tramita o processo suspenso. A deciso que negar o requerimento impugnvel por agravo de

    instrumento.

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

    140

    de o respectivo relator emitir deciso fundamentada pela manuteno da sus-

    penso processual.18

    De acordo com dico anterior, o Projeto atribua competncia para jul-

    gamento do Incidente de Coletivizao de Demandas ao plenrio do tribunal

    ou, quando houvesse, ao rgo especial. Emps a tessitura de diversos co-

    mentrios dos juristas nacionais acerca da inscontitucionalidade deste dispo-

    sitivo, esta determinao foi retirada, abstendo-se o Projeto de especificar a

    instituio da corte em que for suscitada o Incidente que ser competente

    para apreciao e julgamento. Ressalva-se contudo, que o rgo indicado

    pelo regimento do tribunal como competente para admitir, processar e julgar

    o Incidente dever guardar competncia de uniformizar a jurisprudncia,

    alm de ser composto, preferencialmente e sempre que possvel, por desem-

    bargadores que, ordinariamente, apreciem matrias correlatas quelas discu-

    tidas no Incidente19. Por oportuno, almeja o Novo Cdigo de Processo Civil

    que o acrdo de resoluo de demandas repetitivas seja prolatado por jul-

    gadores que guardem maior afinidade com temas discutidos.

    Importante mencionar que o Projeto resguarda a competncia privativa

    do plenrio ou do rgo especial, quando o Incidente discorrer sobre questo

    de Arguio de Inconstitucionalidade, cujo procedimento segue disposto no

    Art. 960.

    Findada a fase de admissibilidade, por consequncia, ter incio a fase

    instrutria do Incidente, em que o relator ordenar a intimao dos interes-

    sados para, querendo, se manifestarem no prazo comum de quinze dias, ao

    final do qual ser ouvido o membro do Ministrio Pblico, conforme art. 992

    do Projeto.

    18 Art. 996. O incidente ser julgado no prazo de um ano e ter preferncia sobre os demais

    feitos, ressalvados os que envolvam ru preso e os pedidos de habeas corpus.

    1 Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspenso dos processos prevista no art. 990,

    salvo deciso fundamentada do relator em sentido contrrio.

    2 O disposto no 1 aplica-se, no que couber, hiptese do art. 997. [...] 19 Art. 991. O julgamento do incidente caber ao rgo do tribunal que o regimento interno

    indicar.

    1 O rgo competente deve ter, dentre as suas atribuies, a competncia de uniformizar a

    jurisprudncia.

    2 Sempre que possvel, o rgo competente dever ser integrado, em sua maioria, por de-

    sembargadores que componham rgos fracionrios com competncia para o julgamento da

    matria discutida no incidente.

    3 Quando, no julgamento do incidente, ocorrer a hiptese do art. 960, a competncia ser

    do plenrio ou do rgo especial do tribunal.

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

    141

    Feito isso, realizada ou no audincia pblica com escopo de ouvir es-

    pecialistas na matria controversa, atuando na figura de amicus curiae, ser

    designada data de julgamento do Incidente. Nesta ocasio, sero ouvidos au-

    tor e ru do processo originrio, bem como o Ministrio Pblico, no prazo

    de trinta minutos. Respeitado este procedimento, podero manifestar-se os

    interessados inscritos com at dois dias de antecedncia, pelo mesmo tempo

    de trinta minutos, prazo que poder estendido a critrio do relator.

    Ao final, o acrdo dever ser prolatado com a anlise e fundamento em

    todas questes jurdicas suscitadas, contrrias ou favorveis tese jurdica

    discutida.

    6 EFEITOS DO JULGAMENTO DO INCIDENTE DE RESOLUO

    DE DEMANDAS REPETITIVAS

    Ao inaugurar novo instrumento processual, imperioso que se promova

    sua internalizao no ordenamento jurdico nacional de maneira a evitar d-

    vidas quanto sua aplicabilidade emprica. A existncia de imprecises em

    sua forma de realizao provavelmente dificultaria ou mesmo inviabilizaria

    seu bom aproveitamento pela sociedade.

    Por estas razes, no se omitiu o legislador em discorrer sobre as impli-

    caes imediatas do Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas no Di-

    reito Processual Brasileiro.

    Finalizado o julgamento do Incidente e transitado este em julgado, a

    aplicao da tese jurdica consolidada se sujeita a duas condies: o processo

    versar sobre idntica questo de direito e estar sujeito jurisdio do tribunal

    prolator do acrdo20. Assinala, outrossim, o Art. 995 da verso final do Pro-

    jeto o cabimento da aplicao da tese aos processos futuros, possivelmente

    deflagrados aps o julgamento do Incidente e cessada a suspenso do prazo

    prescricional das pretenses, disposta no Art. 990, 5.

    De forma simtrica, nos casos em que o incidente for julgado pelo Su-

    perior Tribunal de Justia ou Supremo Tribunal Federal, originariamente ou

    em sede de recurso especial ou extraordinrio, certo que, segundo a dico

    do art. 995, 5, a tese jurdica firmada ser aplicada a todos os processos

    20 Art. 995. Julgado o incidente, a tese jurdica ser aplicada a todos os processos que versem

    idntica questo de direito e que tramitem na rea de jurisdio do respectivo tribunal.

    1 A tese jurdica ser aplicada, tambm, aos casos futuros que versem idntica questo de

    direito e que venham a tramitar no territrio de competncia do respectivo tribunal, at que

    esse mesmo tribunal a revise. [...]

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

    142

    que versem idntica questo de direito e que tramitem em todo o territrio

    nacional.

    No se deve olvidar, outrossim, da aplicabilidade da deciso oriunda de

    Incidente de Coletivizao de Demandas, quando a controvrsia estiver re-

    lacionada a uma questo de fato, nos parmetros preceituados no art. 988,

    9 do Projeto.21 Nestes casos, a verso final do Projeto assevera o cabimento

    da soluo do incidente sobre a questo ftica sempre que for relevante para

    o deslinde processual22. Perceptvel, por oportuno, a inteno do legislador

    em no restringir a aplicao de Incidente relacionado a questes fticas so-

    mente ao mbito de circunscrio do tribunal julgador. Em virtude da pre-

    sente leitura, presume-se ser possvel a utilizao de deciso de Incidente

    sobre questo de fato em todo o territrio nacional, independente da corte

    que a tenha prolatado.

    Ademais, se estiver o incidente em fase recursal, podendo ser impug-

    nado por recurso especial ou extraordinrio, menciona o Projeto que perma-

    necer a suspenso, na jurisdio do tribunal de origem, dos processos que

    versem sobre a mesma controvrsia jurdica. Ressalva-se, entretanto, a pos-

    sibilidade de, em relao a processos de outras localidades, as partes, o Mi-

    nistrio Pblico, a Defensoria Pblica, pessoa jurdica de direito pblico ou

    associao civil requererem a suspenso de processos semelhantes em curso

    em todo o pas23. Certo que tal disposio emegiu, mais uma vez, da neces-

    sidade de se resguardar a segurana jurdica e a equidade, tendo em vista que

    21 Art. 988. [...]

    9 O incidente pode ser instaurado tambm quando houver decises conflitantes em torno de

    uma mesma questo de fato. 22 Art. 995. [...]

    6 Julgado o incidente no caso do 9 do art. 988, a soluo da questo ftica ser aplicada a

    todos os processos em que essa questo seja relevante para a soluo da causa. 23 Art. 997. Qualquer um dos legitimados mencionados no inciso II do 3 do art. 988, visando

    garantia da segurana jurdica, poder requerer ao tribunal a quem compete conhecer de

    eventual recurso extraordinrio ou recurso especial a suspenso de todos os processos em

    curso no territrio nacional que versem sobre a questo objeto do incidente j instaurado.

    1. Aquele que for parte em processo em curso no qual se discuta a mesma questo objeto

    do incidente legitimado, independentemente dos limites da competncia territorial, para re-

    querer a providncia prevista no caput.

    2 No interposto o recurso especial ou o recurso extraordinrio contra a deciso que julgou

    o incidente, cessa a suspenso a que se refere o caput.

    Art. 998. O recurso especial ou o recurso extraordinrio, que impugna a deciso proferida no

    incidente, tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercusso geral de questo constitucional

    eventualmente discutida.

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

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    o posicionamento adotado pelo STJ ou STF, quando do julgamento do Inci-

    dente, ser aplicvel a todos os processos que disponham da mesma questo

    jurdica solucionada.

    Por derradeiro, assinala-se que eventual julgado em inobservncia da

    tese adotada pela deciso que resolve o Incidente ser passvel de Reclama-

    o ao tribunal competente, sendo este aquele que por ltimo conheceu da

    matria do incidente.

    Inarredvel suscitar a hiptese de superao total ou parcial da deciso

    do Incidente, configurando overruling ou overriding, respectivamente. Sobre

    o assunto, dispe o Projeto que os legitimados para oferecer o Incidente po-

    dero pedir sua reviso24, o que dever ser requerido tambm Corte que

    prolatou a deciso final.

    7 CONSIDERAES FINAIS

    Aps explanaes acerca da utilizao dos precedentes, alm de traado

    um paralelo com a utilizao das smulas vinculantes, busca-se analisar

    como ser a utilizao dos precedentes judiciais na resoluo de demandas

    repetitivas.

    Salienta-se, ademais, que o Incidente De Resoluo De Demandas Re-

    petitivas, includo no Projeto de Lei (PL) do Senado n. 166/2010, e PL n.

    8.046/2010 da Cmara dos Deputados, tem o fito de minorar as possveis

    controvrsias das decises judiciais com grande potencial de ocasionar o au-

    mento de processos que tratam de iguais questes de direito. Utiliza-se, por-

    tanto, um mecanismo similar ao da utilizao dos precedentes no sistema do

    Common Law.

    Em observncia inaugurao do supracitado incidente, busca-se atri-

    buir nico entendimento jurdico idnticas questes de direito ou de fato,

    cuja controvrsia possa gerar uma multiplicidade de processos. Inegavel-

    mente, este instituto apresenta uma tentativa de diminuir a insegurana jur-

    dica causada por decises divergentes.

    Art. 999. Na hiptese prevista no art. 998, interposto o recurso, os autos sero remetidos ao

    tribunal competente, independentemente da realizao de juzo de admissibilidade na origem. 24 Art. 995. [...]

    3 O tribunal, de ofcio, e os legitimados mencionados no inciso II do 3 do art. 988 pode-

    ro pleitear a reviso da tese jurdica, observando-se, no que couber, o disposto no art. 508,

    1 e 2.

  • R. Fac. Dir., Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 121-145, jan./jun. 2014

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    Assevera-se que o raio de incidncia do novo instrumento est prevista

    no art. 988 do PL n. 8.046/2010 que prev em sua redao dois requisitos

    essenciais para a admisso do incidente: i) identificao da controvrsia fun-

    dada em mesma questo de direito com potencialidade de gerar demandas

    repetitivas e ii) possibilidade de decises conflitantes que causem ofensa

    segurana jurdica e isonomia.

    Esclarece-se que os legitimados para o pedido de instaurao do inci-

    dente devem, aps a verificao da potencial multiplicao de aes repeti-

    tivas, versando sobre a mesma controvrsia de direito material ou processual,

    acionar o Presidente do Tribunal em que se processa a demanda.

    Para alcanar a devida publicidade, criou-se um registro eletrnico no

    qual constem os Incidentes de Resoluo de Demandas Repetitivas, o que

    viabiliza a publicidade de todos os incidentes.

    Caso o incidente seja admitido, o relator dever determinar a suspenso

    de todos os processos que tratem da matria do incidente no respectivo Es-

    tado ou Regio, bem como da prescrio das pretenses nos casos repetiti-

    vos, alm de poder requisitar informaes ao juzo de origem e manifestao

    do Ministrio Pblico para instruir o feito.

    O Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas se apresenta, na

    forma apresentada, como grande consagrao da influncia do Common Law

    no ordenamento jurdico brasileiro, com a maior proteo segurana jur-

    dica e isonomia.

    Outrossim, a resoluo do incidente promove a uniformidade do sistema

    jurdico nacional, com a elucidao de controvrsias jurdicas, antecedida de

    ampla participao das partes interessadas e do Ministrio Pblico. Com

    efeito, almeja-se erradicar a coexistncia de decises divergentes sobre ques-

    tes jurdicas idnticas.

    REFERNCIAS

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