O Instituto de Fisica Teorica de Sao Paulo - sbfisica.org.br · 36 Física na Escola, v. 3, n. 1,...

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35 Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002 (acervo do IFUSP) Notas da História da Física no Brasil E m um casarão cercado de árvores, situado em um terreno de 6.552 m 2 na Rua Pamplona, próximo à Avenida Paulista, região central de São Paulo, funciona desde sua criação o Instituto de Física Teórica de São Paulo. O IFT, como é conhecido pelos cientistas que o fre- qüentam, completa neste ano 50 anos de atividades, iniciadas em 14 de junho de 1952. A Fundação Instituto de Física Teórica, que manteve o Instituto até quase o final da década de 80, foi cria- da como Fundação de direito privado por um grupo de personalidades sob a liderança do engenheiro José Hugo Leal Ferreira, idealizador e presidente da Fundação até 1978. José Hugo veio da Bahia para o Rio de Janeiro, estu- dou em Colégio Militar, destacou-se entre seus colegas e fez sólidas amizades. Formou-se engenheiro pela Politécnica do Rio, porém, seu sonho era estudar Física na Alemanha, o que não pôde concretizar devido à Primei- ra Guerra Mundial. Seu interesse pela Ciência não esmoreceu e para concre- tizar seu ideal de criar um Instituto de Pesquisas, o engenheiro José Hugo contou com o importante apoio de seus colegas de Colégio Militar como o general Henrique Teixeira Lott, que foi ministro da Guerra no governo Juscelino e candidato a presidente da República em 1960. São Paulo foi a cidade escolhida para sediar o Instituto. Os motivos para que desde o seu início a escolha recaísse sobre a capital paulista foram, segundo o físico Jorge Leal Ferreira, pesquisador do IFT, Primeiro porque São Paulo era o centro da época (industrial- mente falando). Em São Paulo já existia a melhor Universidade do país, a melhor em Física. Outro argumento que me lem- bro é que o governo estadual, de quem se tentaria ajuda, era o governo mais rico da União. O IFT teve como seus instituidores o governo do Estado de São Paulo, que fez uma dotação inicial de dez milhões de cruzeiros e do mecenas Dr. Samuel Ribeiro com uma dotação de um ter- reno em Guaru- lhos, avaliado na época em 30 mi- lhões de cruzeiros. O Instituto sempre primou por uma adminis- tração simplifica- da, evitando os excessos burocrá- ticos, de modo a permitir que seus cientistas dedicas- sem o máximo de seu tempo às pes- quisas. A respeito do engenheiro José Hugo Leal Ferreira e de seus ideais, escreveu o cientista José Reis: Inconfor- mado com os emper- ramentos burocrá- ticos e as dissenções causadas nas grandes instituições pela luta pelo poder, devotou-se à formação de um Instituto de Física Teórica capaz de refletir toda a pureza da Ciência, in- contaminada por interferências políticas e administrativas. Apesar de considerar a preeminência da chamada Ciência pura, básica ou fundamental, não des- merecia qualquer outra forma de Ciência, uma vez que, para ele, o necessário era a atitude científica. O IFT teve como modelo o Institu- to Max Planck, de Göttingen, Alema- nha, na época dirigido pelo eminente físico Werner Heisenberg, um dos pais da Mecânica Quântica. Por indicação de Heisenberg, o físico e filósofo ale- mão Carl Friedrich von Weizsäcker tornou-se o primeiro Diretor Cien- tífico do IFT, em 1952. Trouxe como seus assistentes os cientistas Wilhelm Macke e Reinhard Oehme, todos do Instituto Max Planck. O IFT contou desde o início, como parte do quadro de pesquisadores, com os brasileiros Paulo Leal Ferreira, Jorge Leal Ferreira e Paulo Sérgio de Magalhães Macedo, todos formados pela USP. Em 1954, vieram outros cientistas alemães como Gert Molière, da Universidade de Tübingen, que também foi Diretor Científico do Instituto, e seu assistente Hans Joos e Werner Güttinger, do Ins- tituto de Tecnologia de Aachen, O Instituto de Física Teórica de São Paulo Meio Século de Física Teórica Fachada do prédio do IFT, inaugurado em 1952.

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35Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002

(ac

ervo

do

IFU

SP)

Notas da História da Física no Brasil

Em um casarão cercado deárvores, situado em um terrenode 6.552 m2 na Rua Pamplona,

próximo à Avenida Paulista, regiãocentral de São Paulo, funciona desdesua criação o Instituto de FísicaTeórica de São Paulo. O IFT, como éconhecido pelos cientistas que o fre-qüentam, completa neste ano 50 anosde atividades, iniciadas em 14 dejunho de 1952.

A Fundação Instituto de FísicaTeórica, que manteve o Instituto atéquase o final da década de 80, foi cria-da como Fundação de direito privadopor um grupo de personalidades soba liderança do engenheiro José HugoLeal Ferreira, idealizador e presidenteda Fundação até 1978. José Hugo veioda Bahia para o Rio de Janeiro, estu-dou em Colégio Militar, destacou-seentre seus colegas e fez sólidasamizades. Formou-se engenheiro pelaPolitécnica do Rio, porém, seu sonhoera estudar Física na Alemanha, o quenão pôde concretizar devido à Primei-ra Guerra Mundial. Seu interesse pelaCiência não esmoreceu e para concre-tizar seu ideal de criar um Institutode Pesquisas, o engenheiro José Hugocontou com o importante apoio deseus colegas de Colégio Militar comoo general Henrique Teixeira Lott, quefoi ministro da Guerra no governoJuscelino e candidato a presidente daRepública em 1960.

São Paulo foi a cidade escolhidapara sediar o Instituto. Os motivospara que desde o seu início a escolha

recaísse sobre a capital paulista foram,segundo o físico Jorge Leal Ferreira,pesquisador do IFT, Primeiro porque SãoPaulo era o centro da época (industrial-mente falando). Em São Paulo já existiaa melhor Universidade do país, a melhorem Física. Outro argumento que me lem-bro é que o governo estadual, de quem setentaria ajuda, era o governo mais ricoda União.

O IFT teve como seus instituidoreso governo do Estado de São Paulo, quefez uma dotação inicial de dez milhõesde cruzeiros e do mecenas Dr. SamuelRibeiro com uma dotação de um ter-reno em Guaru-lhos, avaliado naépoca em 30 mi-lhões de cruzeiros.

O Institutosempre primoupor uma adminis-tração simplifica-da, evitando osexcessos burocrá-ticos, de modo apermitir que seuscientistas dedicas-sem o máximo deseu tempo às pes-quisas. A respeitodo engenheiro JoséHugo Leal Ferreirae de seus ideais,escreveu o cientistaJosé Reis: Inconfor-mado com os emper-ramentos burocrá-ticos e as dissenções

causadas nas grandes instituições pelaluta pelo poder, devotou-se à formaçãode um Instituto de Física Teórica capazde refletir toda a pureza da Ciência, in-contaminada por interferências políticase administrativas. Apesar de considerara preeminência da chamada Ciênciapura, básica ou fundamental, não des-merecia qualquer outra forma de Ciência,uma vez que, para ele, o necessário eraa atitude científica.

O IFT teve como modelo o Institu-to Max Planck, de Göttingen, Alema-nha, na época dirigido pelo eminentefísico Werner Heisenberg, um dos paisda Mecânica Quântica. Por indicaçãode Heisenberg, o físico e filósofo ale-mão Carl Friedrich von Weizsäckertornou-se o primeiro Diretor Cien-tífico do IFT, em 1952. Trouxe comoseus assistentes os cientistas WilhelmMacke e Reinhard Oehme, todos doInstituto Max Planck. O IFT contoudesde o início, como parte do quadrode pesquisadores, com os brasileirosPaulo Leal Ferreira, Jorge Leal Ferreirae Paulo Sérgio de Magalhães Macedo,todos formados pela USP. Em 1954,vieram outros cientistas alemãescomo Gert Molière, da Universidadede Tübingen, que também foi DiretorCientífico do Instituto, e seu assistenteHans Joos e Werner Güttinger, do Ins-tituto de Tecnologia de Aachen,

O Instituto de Física Teórica de São Paulo

Meio Século de Física Teórica

Fachada do prédio do IFT, inaugurado em 1952.

36 Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002

também da Alemanha. Com estescientistas, o IFT iniciou suas atividadese desenvolveu os seus primeiros traba-lhos de pesquisa.

Em 1958, assumiu o cargo de Di-retor Científico do IFT o cientistaMituo Taketani, da Universidade deRikkyo, Japão, que trouxe como as-sistente o físico Yasuhisa Katayama,da Universidade de Kyoto. O profes-sor Taketani, juntamente com Yuka-wa (prêmio Nobel de 1949), Sakata eTomonaga (prêmio Nobel de 1965)eram os principais expoentes da FísicaJaponesa do pós-guerra. Incentivadospor Taketani a partir de 1958, o IFTiniciou a publicação do boletim “Infor-mações entre físicos” que contou coma participação dos cientistas das maisvariadas instituições de Física, nacio-nais e internacionais. Esse boletim deuorigem à Revista Brasileira de Física,atual Brazilian Journal of Physics,editada no Instituto durante os seusprimeiros dez anos.

Dando continuidade ao trabalhode Taketani, em 1960 vieram para oIFT os físicos japoneses Tatuoki Mya-zima, da Universidade de Educação deTóquio e seus assistentes, os profes-sores Daisuke Itô, da Universidade deHokkaido e Jun‘ichi Osada, doInstituto de Tecnologia de Tóquio.

Após cerca de oito anos tendocomo Diretores Científicos cientistasestrangeiros, o IFT já havia se conso-lidado como Instituição Científica denível internacional. A partir de 1962,o professor Paulo Leal Ferreira passaa ser o primeiro físico brasileiro a ocu-par o cargo de Diretor Científico doIFT.

Em 1969, o Instituto foi conside-rado Centro de Excelência pelo Con-selho Nacional dePesquisas (CNPq) ea partir de 1971passou a oferecercursos de mestradoe doutorado, quesempre receberammenção máximapela CAPES. Antesdisso, porém, muitos estudantes deoutras instituições foram orientados

por pesquisadores do IFT. Até 2001,86 doutores e 145 mestres foramtitulados pelo IFT, muitos mantidoscom bolsas do CNPq, CAPES e FAPESP,órgãos que sempre repassaram verbaspara a Instituição.

Desde sua criação, passaram peloInstituto muitoscientistas impor-tantes, inclusive al-guns Nobéis, minis-trando seminários,conferências oucursos. Seus pes-quisadores partici-param dos cursosdas Escolas LatinoAmericanas (ELAFs)iniciados no México em 1969, etambém com trabalhos nas reuniõesanuais da Sociedade Brasileira para oProgresso da Ciência (SBPC) e daSociedade Brasileira de Física (SBF).

O IFT manteve, ao longo dessesanos, convênios internacionais comInstitutos de inúmeros países, sendoaceito a partir de 1987 como MembroFederado junto ao International Cen-ter of Theoretical Physics (ICTP) deTrieste, Itália.

Como atividade de divulgaçãocientífica, o IFT realiza os chamadosCursos de Verão, durante as fériasescolares, que têm atraído estudantesdos mais variados pontos do país.Além dos seminários e colóquiossemanais, no IFT também realizam-se anualmente, desde 1977, os Con-gressos Estudantis, que a partir de1994 passaram a ser chamados “Con-gresso Paulo Leal Ferreira de FísicaTeórica” em homenagem ao profes-sor Paulo Leal, que apoiou a iniciativada criação do Congresso pelos estu-

dantes.A biblioteca do

IFT sempre foi con-siderada como umadas melhores dopaís em sua área,com mais de 15.000livros nas mais di-versas áreas da Físi-

ca Teórica, além de manter a assina-tura de aproximadamente 80 perió-

dicos. Atualmente, o Instituto contacom um Centro de Computação comcapacidade de processamento de 500Mflops; ano a ano, o número de mi-croprocessadores e todo o seu sistemacomputacional vem aumentando.

Devido às dificuldades encontra-das para obter re-cursos dos órgãosf i n a n c i a d o r e s ,advindas da criseeconômica da déca-da de 80 e da ausên-cia de uma políticagovernamental efe-tiva para a Ciência,a partir de 1987 oIFT foi incorporado

à Universidade Estadual Paulista. Hojeé o IFT-UNESP, considerado um dosmais conceituados Institutos de FísicaTeórica do país.

O IFT é tradicionalmente local degrande efervescência científica e seuspesquisadores, muitos com experiên-cia no exterior, estimulam com seuscursos e orientações jovens cientistasno campo da Física Teórica. O IFT éconsiderado como uma das maisprodutivas instituições científicas dopaís; seus pesquisadores já publica-ram mais de 500 trabalhos nasprincipais revistas científicas nacio-nais e internacionais. O corpo docentedo IFT é composto por 26 pesqui-sadores, além de 3 professores volun-tários e 2 colaboradores. Conta com23 estudantes de mestrado, 37 dedoutorado e 26 de pós-doutorado,números que têm aumentado ano aano. Exerce atualmente o cargo deDiretor Científico o professor BrutoMax Pimentel Escobar. O Instituto de-senvolve pesquisas nas áreas de FísicaAtômica e Molecular, Cosmologia eGravitação, Física Nuclear, Física-Matemática, Física-Estatística,Dinâmica Não-Linear, Física daMatéria Condensada, Física de Par-tículas, Teoria Hadrônica e Teoria deCampos.

Pedro Carlos de OliveiraCentro Interunidade

de História da Ciência - USP

Notas da História da Física no Brasil

Como atividade dedivulgação científica, o IFT

realiza os chamados Cursosde Verão, durante as fériasescolares, que têm atraído

estudantes dos maisvariados pontos do país

A biblioteca do IFT semprefoi considerada como umadas melhores do país emsua área, com mais de15.000 livros nas maisdiversas áreas da Física

Teórica, além de manter aassinatura de

aproximadamente 80periódicos