O INTERESSE PÚBLICO NAS SUSPENSÕES DE SENTENÇAS...

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ JÚLIO CESAR GOMES GUTERRES O INTERESSE PÚBLICO NAS SUSPENSÕES DE SENTENÇAS E LIMINARES CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

JÚLIO CESAR GOMES GUTERRES

O INTERESSE PÚBLICO NAS SUSPENSÕES DE SENTENÇAS E

LIMINARES CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO

CURITIBA

2018

JÚLIO CESAR GOMES GUTERRES

O INTERESSE PÚBLICO NAS SUSPENSÕES DE SENTENÇAS E

LIMINARES CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO

Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de

Direito da Universidade Tuiuti do Paraná

como Requisito parcial para a obtenção do

Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Elton Venturi

CURITIBA

2018

JÚLIO CESAR GOMES GUTERRES

O INTERESSE PÚBLICO NAS SUSPENSÕES DE SENTENÇAS E

LIMINARES CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da

Faculdade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de

graduada em Direito.

Aprovado em: _____de _____________de 2018.

____________________________

Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite Universidade TUIUTI do Paraná

Curso de Direito

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Prof. Dr. Elton Venturi (Orientador – Universidade Tuiuti do Paraná)

___________________________________________________ Prof.º ………………………………………………

(Membro – Universidade Tuiuti do Paraná)

____________________________________________ Prof.º ………………………………………………..

(Membro – Universidade Tuiuti do Paraná)

Aos meus pais,

Mara e Julio Guterres,

pelo incentivo de sempre e

por terem tornado possível

a realização deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Externo minha gratidão ao Legislador Supremo por excelência pelas bênçãos

e dádivas imerecidas recebidas. Impossível dimensionar o quanto amo a tua

Palavra. Os céus celestes, natureza e homens tementes contemplam misericórdia e

imparcialidade nas leis perfeitas que criastes. Jeová Deus, minha vida a ti dediquei.

Todo ensino, conhecimento e sabedoria adquiridos guiarão meus passos para

honrar teu nome e declarar tuas normas celestes.

Agradeço o estímulo, sustento e amparo da base familiar que meus pais,

Mara Susana Gomes Guterres e Júlio Cesar Viana Guterres, proporcionaram para

possibilitar todas as conquistas possíveis. Nada poderá retribuir o amor, carinho e

princípios éticos que me encucaram. Exemplos que evidenciam a seriedade na

busca pelo conhecimento e capacitação profissional. Reconheço não apenas nossa

geração, mas as anteriores que outrora venceram barreiras para vislumbrar dias

melhores com muita labuta, e por estes, ora ausentes, também declaro minha

gratidão pelas conquistas outrora obtidas que me levaram aos privilégios.

Na jornada da vida, nada seria tão sublime sem a companhia do meu primeiro

e grande amor, Ana Paula Guterres. Continuarei lutando por nossas conquistas. Seu

exemplo e apoio foram determinantes nesta formação. Alegria é constituir uma

família com muito respeito e amor ao seu lado.

Aos mestres, que em seu ofício compartilharam conhecimento e semearam

sabedoria. Prof. Elton Venturi, por suas aulas inspiradoras e suas indispensáveis

orientações para me guiar nesta pesquisa. Injusto seria não agradecer à Prof.ª

Fabiana Passos de Melo, por dispor de seu tempo e imenso conhecimento. Registro

também minha admiração pela sabedoria, docência e afeto ao Prof. Francisco Pinto

Rabello Filho, meu querido mestre jurídico, que com sua honra, dignidade e

superação continuará a me inspirar sempre.

Meus colegas e amigos, que entre estudo e momentos de alegria foram de

indispensável apoio. Lembrarei-me de Tiago Gomes, Matheus Enéas, Alexandre

Cavalli, Mariluce Fatuch e Raquel Franco de Godoy com muita admiração e carinho.

Por fim, agradeço a Universidade Tuiuti do Paraná, da qual contribuiu

efetivamente para minha formação ao proporcionar uma educação com um corpo

docente de excelência. Tenho imenso orgulho de minha qualificação profissional

advir desta instituição.

RESUMO

Esse estudo trata sobre o interesse público na suspensão de sentenças e liminares contrárias ao Poder Público. O pedido de suspensão de execução é uma prerrogativa da Administração Pública firmada no ordenamento jurídico sob a perspectiva do Estado, de forma cautelar, conseguir impedir os efeitos de uma decisão que poderá causar evidente lesão ao interesse público. A doutrina desenvolve o instituto observando a proteção do interesse público primário, além de sua indisponibilidade pelo Estado e supremacia. Entender o conceito de interesse público é determinante para assegurar o objetivo central da medida. Todavia, o Poder Público em juízo estará visando suspender a execução num litígio processual que existem interesses particulares. Neste sentido se calcará o presente estudo, abordando inicialmente os aspectos principais da suspensão de liminares e sentenças contrárias ao Poder Público, após analisará o conceito de interesse público e seus demais princípios correlacionados, procedendo-se, ao final, o princípio aplicado na medida de suspensão de execução. Palavras-chave: Suspensão de liminares e sentenças. Suspensão de Segurança. Interesse público. Interesse público primário. Supremacia do interesse público.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................7

2 SUSPENSÃO DE LIMINARES E SENTENÇAS CONTRÁRIAS AO PODER

PÚBLICO ......................................................................................................................9

2.1 O PODER PÚBLICO EM JUÍZO .........................................................................9

2.2 SOBRE A SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE LIMINARES E SENTENÇAS

CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO.......................................................................11

2.2.1 Natureza Jurídica e o Interesse Público ............................................................17

3 INTERESSE PÚBLICO .....................................................................................22

3.1 DEFINIÇÃO DE “INTERESSE” ........................................................................22

3.2 CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO ............................................................23

3.3 PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO ............................................................25

3.4 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO ............................27

3.5 INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO ...................................................................29

4 O INTERESSE PÚBLICO NA SUSPENSÃO DE LIMINARES E SENTENÇAS

CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO .......................................................................31

4.1 AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE

EXECUÇÃO E O INTERESSE PÚBLICO .................................................................. 36

4.2 O INTERESSE PÚBLICO NO MÉRITO DOS PEDIDOS DE SUSPENSÃO DE

EXECUÇÃO ................................................................................................................. 39

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 41

REFERÊNCIAS ..........................................................................................................43

7

1 INTRODUÇÃO

Em decorrência das relações jurídicas entre Estado e sociedade,

constantemente conflitos de interesses são levados a juízo para valoração e

proteção de direitos pleiteados visando garantir a tutela jurisdicional. Os interesses

públicos estão diretamente ligados às pretensões do Poder, interesses tais como a

ordem, a saúde, a segurança e a economia pública.

O Poder Público em juízo possui prerrogativas processuais que podem e

devem ser utilizadas com o objetivo de proteger os interesses públicos. Uma forma

de proteção está presente na medida em que foi conferida ao Estado, através da

pessoa jurídica de direito público, de solicitar a suspensão de liminares e sentenças

contrárias a ele.

A suspensão de liminares e sentenças é uma possibilidade processual para

resguardar interesses públicos a fim de equiparar os interesses pretendidos na

relação processual, visando sempre proteger a coletividade sob a iminência de

grave lesão a direitos fundamentais que interessam a coletividade.

O conceito de interesse público torna-se vital para a compreensão da

natureza jurídica do pedido de suspensão de execução e o modo como sua

aplicação garante a real proteção do interesse público primário. Nos pedidos,

envolvem-se não tão somente interesses da coletividade, mas também interesses

particulares. Evidente que suspender os efeitos de uma decisão em face de um

interesse particular transpõe o caráter da supremacia do interesse público. Portanto,

o princípio administrativo circunda os pedidos de suspensão de execução das

decisões contrárias ao Poder Público.

Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo central analisar o instituto da

suspensão, com uma breve apresentação da prerrogativa da medida e sua estrutura

legal. Assim, buscará as definições de interesse público e a aplicação do princípio

nas suspensões de sentenças e liminares contrárias ao Poder Público. Para tanto,

utilizaremos o método de pesquisa dedutivo, consultando a doutrina, legislação

pertinente e jurisprudência. Com vistas a alcançar este objetivo, partir-se-á da busca

da definição de interesse público, e os demais princípios envolvidos. Em seguida,

8

será analisada a suspensão de sentenças e liminares sob o aspecto das hipóteses

de cabimento quando há perigo de grave lesão aos valores atinentes à ordem, à

economia, à saúde ou à segurança pública, interesses públicos que podem ser

entendidos como exemplificativos ou exaustivos. Então, uma breve análise da

jurisprudência quanto ao uso das suspensões de liminares referente aos aspectos

levantados do princípio do interesse público desenvolvido nas decisões judiciais. Por

fim, será analisado o interesse público no mérito dos pedidos de suspensão de

execução contra o Poder Público.

9

2 SUSPENSÃO DE LIMINARES E SENTENÇAS CONTRÁRIAS AO PODER

PÚBLICO

O instrumento da suspensão de liminar e de sentença é uma prerrogativa

processual civil do Poder Público quando se está em jogo o grave risco à ordem, à

saúde, à segurança e à economia públicas. Evidente que num Estado Democrático

de Direito, conflitos entre interesses privados e públicos, do qual a Administração

Pública resguarda, dependerão do judiciário para obter a tutela jurisdicional. A

medida da suspensão de execução dentro do paradigma processual se tornou um

obstáculo para os interesses privados em face dos interesses públicos.

Imprescindível é abordar o instrumento, sem antes entender sua importância

em resguardar com cautela o interesse público e sua natureza jurídica, assim como

a legitimidade ativa para o pedido e suas hipóteses de cabimento. Entender a

prerrogativa e buscar sua aplicação genuína em benefício da sociedade é

fundamental.

2.1 O PODER PÚBLICO EM JUÍZO

O Poder Público, no exercício de suas funções, ao administrar aqueles que

estão sob sua jurisdição, naturalmente desenvolve situações de conflito. Evidente

que os administrados não podem renunciar a instituição do Estado segundo sua

própria vontade, “mas nem por isso pode ele ser visto como um ente absoluto,

superior aos indivíduos e à sociedade civil, visto como é em razão destes que o

Estado se constitui”1.

Ações como habeas data, mandado de segurança, ação civil pública, tutela

antecipada contra a Fazenda Pública, e outros instrumentos processuais acabam

por proporciona aos cidadãos do Estado Social Democrático de Direito o acesso à

justiça e garantem a busca pela tutela jurisdicional que lhes interessa.

Em face dos conflitos, a presença do Poder Público em juízo é comum. Nesta

relação jurídica processual a colisão entre interesses torna-se inevitável. O

1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. – 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 78.

10

impetrante ao buscar a prestação jurisdicional com objetivo de saciar seus

interesses privados precisará suplantar um “garantismo processual”, que resguarda

o Estado e, sobretudo, o interesse público.

Com relação a litigar contra o Poder Público, avalia Elton Venturi:

“Assim sendo, quando o cidadão se depara com a necessidade de ir a juízo para litigar contra o Poder Público, de pronto sabe que a satisfação de um garantismo processual que o ordenamento concede ao Estado, sob a intuitiva presunção de que sua presença no foro importa, necessariamente, o embate entre interesses públicos e interesses privados”. (2017, p. 35)

Com a finalidade de resguardar os interesses públicos, que podem estar em

perigo, o legislador concedeu legalmente ao Poder Público, quando em juízo,

algumas prerrogativas processuais. Algumas delas causam forte impacto nas

relações processuais entre Estado e particulares, ao ponto de eventuais decisões

judiciais poderem eventualmente ter seus efeitos suspensos sob a justificativa de

proteger interesses públicos. “O perigo que enseja a fundamentação do pedido de

suspensão de segurança não é em relação ao impetrante, mas sim, em relação à

administração pública, visto que poderá comprometer o interesse público”2.

Nas lições de Alexandre Freitas Câmara:

“Em outros termos, a suspensão de segurança e o mecanismo processual destinado a obstar a eficácia da decisão concessiva de mandado de segurança, seja ela liminar ou final. Trata-se de prerrogativa processual criada em favor do Poder Público, através da qual se permite ao ente público postular a suspensão dos efeitos da decisão (seja ela liminar ou sentença) concessiva da segurança , em regra ate seu trânsito em julgado .” (2014, p. 281)

O Poder Público deter a prerrogativa de suscitar a suspensão de liminares ou

sentenças, em favor do interesse público, nos litígios processuais, envolve não

apenas interesses da coletividade, mas também interesses individuais que poderão

ser suspensos até o trânsito em julgado. Estes interesses envolvidos na medida de

suspensão de segurança serão estudados e desenvolvidos neste trabalho.

2 COUTINHO, Ana Luísa Celino. Mandado de segurança: da suspensão de segurança no direito

brasileiro. – Curitiba: Juruá, 1998. p. 107.

11

2.2 SOBRE A SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE LIMINARES E SENTENÇAS

CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO

A suspensão de liminares e sentenças judiciais nas ações movidas em face

do Poder Público é um mecanismo pelo qual o legislador desenvolveu com o intuito

de proteger bens jurídicos de interesse público.

Conforme previsões legais sobre a matéria, a suspensão de liminares e

sentenças é um mecanismo para suspender os efeitos das decisões judiciais, nas

ações movidas em face do Poder Público. Com respeito à legislação, esclarece

Elton Venturi:

“Grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. Estes foram os fundamentos eleitos pelo legislador brasileiro, originariamente através do art. 13 da Lei 191/1936, e posteriormente através do art. 4º da Lei 4348/1964 (ambas já revogadas, relativas às ações de mandado de segurança), art. 12, § 1º, da Lei 7.347/185 (relativa à ação civil pública), art. 4 da Lei 8.437/1992 (relativa às ações cautelares, ações civis públicas e populares), art. 1º da Lei 9.507/1997 (relativa às tutelas antecipadas contra a Fazenda Pública), art. 16 da Lei 9.507/1997 (relativa às ações de habeas data) e, mais recentemente, art. 15 da Lei 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança), para autorizar os presidentes dos tribunais estaduais ou federais (eventualmente até os presidentes do STJ ou do STF) a suspender a eficácia de provimentos judiciais (liminares ou sentenças) proferidos contra o Poder Público (rectius: contra interesse público), a pedido da pessoa jurídica de direito público interessada ou de qualquer outra entidade cuja finalidade institucional diga respeito à proteção do interesse público.” (2017, p. 47)

Em 1936, se inaugurou a prerrogativa do Poder Público, representada por

pessoa jurídica de direito público interno interessada, requerer a suspensão da

liminar ou da sentença contra decisões em sede de mandado de segurança.3

Posteriormente, a aprovação da Lei 4348/1964, em plena vigência da ditadura militar

que se estabeleceu no Brasil, a medida de suspensão “caracteriza-se como braço

da ditadura para mantença da força do Estado em detrimento dos direitos

fundamentais dos cidadãos”, de acordo com Nelson Nery Junior (2010, p. 122).

Nesta época, a suspensão de liminares e sentenças serviria como forma de a

3 VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. – 3. ed. São

Paulo: Malheiros, 2017. p. 38.

12

Administração Pública suspender ato jurisdicional, jurídico e constitucional, alegando

despretensiosamente a grave lesão ao interesse público. Prejudicando o

administrado frente à segurança jurídica de seu direito líquido e certo.

Em razão do uso da medida em detrimento do contexto político, Marcelo

Abelha Rodrigues (2005, p. 78) alerta que durante muito tempo o pedido de

suspensão de segurança teve seu uso controlado, restringido a situações

excepcionais, visto que o Estado não deve interferir ou ofender direito individuais,

apenas quando envolver interesse público.

O legislador brasileiro estendeu em 1985 a possibilidade da suspensão de

liminares também na ação civil pública para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à

segurança e à economia públicas. O texto é muito semelhante ao de 1964, sobre a

suspensão no mandado de segurança. O legislador deixa claro seu objetivo de

“evitar que haja um grande transtorno ao andamento normal e necessário dos

serviços públicos. A ordem pública, em geral, não pode ser afetada por uma

medida”4.

A extensão do uso da medida nas demais ações como as relativas às ações

de habeas data, tutelas antecipadas contra a Fazenda Pública e demais que

possibilitam o pedido de suspensão, critica Marcelo Abelha Rodrigues:

“Entretanto, essa extensão [...] não foi fruto de uma análise cuidadosa ou técnica. Ao esticar a experiência do pedido de suspensão de execução de liminar e sentença em mandado de segurança para outros diplomas e procedimentos, o legislador não teve a menor cautela ou preocupação de criar uma uniformidade entre institutos, nem tampouco procurou adaptar o referido incidente à específicas normas procedimentais de algumas ações como a ação civil pública, a ação popular, a ação cautelar, o habeas data etc..” (2005, p. 84)

Com o decorrer do tempo as ações cujo legislador inseriu a medida de

suspensão acabaram por ter uma equiparação procedimental. Diante da nova

sistemática, a Medida Provisória 2.180-35, quanto aos pedidos de suspensão,

confirmou que “do regime previsto no art. 4º da Lei 8.437/1992 e no art. 15 da Lei

4 LARA, Betina Rizzato. Liminares no Processo Civil. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.

198.

13

12.016/2009 derivam as regras gerais sobre o mecanismo suspensivo no Brasil,

independentemente da ação a qual venha incidir”5.

Quanto à legitimidade, o pedido de suspensão da liminar ou sentença é

requerido pela pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público

ao Presidente do Tribunal respectivo da decisão contrária ao Poder Público. Analisa

a legitimidade num parâmetro processual constitucional, Ana Luísa Celino Coutinho:

“Baseados no princípio constitucional da igualdade de todos perante a Lei, que no Direito Processual Civil é denominado princípio de paridade de tratamento das partes, não consideramos viável ter o legislador dado à administração mais uma possibilidade, isto porque o Mandado de Segurança é a ação constitucional que visa à proteção de direito individual ou coletivo líquido e certo, lesado ou amealhado de lesão. Nessa ação o legislador previu a suspensão de segurança (sentença ou liminar), possibilidade processual de que só se pode utilizar a pessoa jurídica de direito público interessada, ou que tiver momentaneamente responsável pelo interesse público, mas nunca o particular para defender seu interesse individual. Quando o legislador admite recurso apenas da decisão que concede a suspensão de sentença (portanto, só ao particular), em nosso entendimento, é a maneira que encontrou de contrabalançar, pois, da suspensão de segurança, só pode de utilizar o ente público ou aquele que esteja exercendo serviço público. É a efetiva aplicação do princípio constitucional pelo legislador na lei infraconstitucional.” (1998, p. 136)

Quando o dispositivo legal se refere à pessoa de direito público interessada,

se requer uma interpretação extensiva, no sentido de que não só a entidade pública

como também os “órgãos interessados têm legitimidade para pleitear a suspensão

da liminar, e ainda as pessoas e órgãos de direito privado passíveis da segurança e

que suportarem seus efeitos”6.

A interpretação da lei se torna necessária para sua aplicação racional a fim de

que seja protegido o bem de interesse público. Atualmente, relativa à suspensão nas

ações cautelares, ações civis públicas e populares em cuja redação foi dada pela Lei

nº 8.437 de 30 de Junho de 1992:

Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público

5 VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. – 3. ed. São

Paulo: Malheiros, 2017. p. 46. 6 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ações constitucionais. – São Paulo: Malheiros,

2014. p. 106.

14

interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. § 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado. § 2o O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas. § 3o Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição. § 4o Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. § 5o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. § 6o A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. § 7o O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 8o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. § 9o A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.

Importante observar que a decisão proferida pelo juiz que concede a liminar

ou sentença beneficia o impetrante, em contraponto, o Presidente do Tribunal

profere uma decisão que beneficia o interesse público7. No que se refere à escolha

do legislador em incumbir o Presidente do Tribunal em decidir o mérito do pedido de

suspensão, comenta Caio Cesar Rocha:

“Os motivos do legislador, numa visão menos ácida da função social desempenhada pelo instituto em comento, à qual me acosto, foram outros, embasados em questões de interesse público. De fato, a Presidência, pelo menos aos olhos do legislador, parece ser órgão jurisdicional mais apropriado para decidir o incidente suspensivo. É fato que, respeitada certas regras de elegibilidade, o Presidente é escolhido pelos seus pares para, durante determinado biênio, comandar e representar o tribunal ao qual integra. Além disso, por se encontrar mais afastado do calor do litígio e com ele menos envolvido, o Presidente do Tribunal se põe numa situação distante dos debates jurídicos inerentes ao processo bem como a condição íntima vivenciada pelas partes, portanto, teoricamente menos sensível aos

7 CASTRO NUNES, José de. Do mandado de segurança e de outros meios de defesa contra atos do

poder público. – 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 267.

15

anseios dos jurisdicionados. O Presidente parece estar mais alheio aos argumentos jurídicos em debate e mais atento às preocupações institucionais.” (2012, p. 121)

O Presidente do Tribunal precisa observar cuidadosamente os pressupostos

que obrigam o juiz a quo, qual concedeu a liminar ou sentença. É de suma

importância vincular os pressupostos legais também para a suspensão, visto que os

mesmos pressupostos que garantiram o direito individual do impetrante, agora

estarão suspensos por outra decisão que deverá ser criteriosamente fundamentada.

Nesse sentido, alerta Betina Rizzato Lara (1993, p. 150) que se realmente o

Presidente do Tribunal chegar a uma conclusão que os efeitos da decisão analisada

causarão possível dano ao interesse público, ele deve conceder a suspensão. Os

requisitos devem ser cuidadosamente observados, pois se determinar a suspensão

sem a efetiva existência de dano irá configurar um abuso de poder, em cercear um

direito individual em benefício a um direito coletivo inexistente.

A decisão do juiz não implicará em eventual impossibilidade do impetrante

em contestar a decisão tomada pelo Presidente do Tribunal, visto que da decisão

caberá agravo. A “Lei nº 8.473/1992, cujo art. 4º, § 3º, prevê o recurso de agravo,

indistintamente, para a decisão que conceder ou negar a suspensão de liminar em

qualquer ação contra o Poder Público, inclusive, pois, o mandado de segurança”8.

Atualmente, disciplina a suspensão no mandado de segurança cuja redação

foi dada pela Lei nº 12.016 de 07 de Agosto de 2009:

Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição. § 1o Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. § 2o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. § 3o A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem

8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei do mandado de segurança comentada. – Rio de Janeiro:

Forense, 2014. p. 108.

16

condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. § 4o O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 5o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.

Negado o pedido de suspenção, a pessoa jurídica de direito público

interessada ou do Ministério Público poderá recorrer da decisão do Presidente do

Tribunal. Conforme saliente Hely Lopes Meirelles (2014, p. 107), será cabível um

novo pedido de suspensão para conhecer um eventual recurso especial ou

extraordinário na hipótese de indeferimento do pedido de suspensão ou do agravo

interposto contra a decisão que deferiu a suspensão, observando o dispositivo

citado.

Diante da prerrogativa e possibilidade de recursos, a medida de suspensão

precisa ser manifestada e concedida tão somente quando existir evidente risco de

grave lesão ao interesse público. O cuidado para que os pedidos não venham a

prejudicar o direito individual é de suma importância para garantir direitos

fundamentais dos administrados. Exemplo é o caráter da ação de Mandado de

Segurança “que nada mais é que uma garantia constitucionalmente estabelecida

para defender direito individual ou coletivo, líquido e certo”9. Evidencia isso a

necessidade de discricionariedade do Presidente do Tribunal que deverá

fundamentar e assim motivar juridicamente sua decisão de suspender ou não a

liminar ou sentença.

Segundo Heraldo Garcia Vitta (2010 p.127), a atuação do judiciário não pode

advir de sua livre conveniência e oportunidade, sem uma discricionariedade. O

Presidente do Tribunal, ao proferir a decisão, está vinculado aos pressupostos que

ensejam a suspensão. Enaltece que, se não for apresentado provas cabais que

corroboram com a ideia de estar sob a iminência de grave lesão ao interesse

público, não poderá a decisão judicial ser suspensa, pois este ato do judiciário é

uma medida excepcional, por retirar eficácia de uma decisão dos magistrados.

9 COUTINHO, Ana Luísa Celino. Mandado de segurança: da suspensão de segurança no direito

brasileiro. – Curitiba: Juruá, 1998. p. 70.

17

2.2.1 Natureza jurídica e o Interesse Público

As obras que abordam o instituto da suspensão acabam por trazer inúmeras

interpretações da sua natureza jurídica. Entretanto, não se pode ignorar a

importância em determinar a natureza do instituto para sua sistematização e

aplicação na esfera jurídica. E “isso se da por ser essencial o melhor conhecimento

do regime jurídico em que o instituto esta inserido , para sua melhor aplicação, de

acordo com os princípios de nosso ordenamento”10.

De acordo com Elton Venturi (2017, p. 64), elucidar a natureza jurídica dos

pedidos de suspensão de execução é essencial para viabilizar uma aplicação da

medida de forma correta. Ao observar o princípio do devido processo legal, numa

ótica constitucional, para a aplicação de um sistema jurídico sem arbitrariedade,

torna-se necessário uma análise criteriosa do caso concreto e a essência e

composição da medida de suspensão, ou seja, sua natureza jurídica.

Dentre as interpretações da natureza jurídica, está a de que é resultante de

um poder de polícia. Age o Poder Público, em pedir a suspensão de liminares ou

sentenças contrárias ao seu interesse, como uma invasão necessária no campo dos

direito e liberdade dos indivíduos, buscando proteger os interesses da coletividade.

Deste modo, seu comportamento reforça não apenas sua soberania, mas a

soberania do interesse público.

Assim, defende SIDOU, J. M. Othon:

“A ordem de suspender a execução do mandado de segurança – sentença ou liminar – equivale judicialmente a uma medida liminar, porque integra os atos dos administrativos de juízo, embora processualmente não seja, porque admite recurso e é tomada por magistrado outro que não o integrante da relação processual. É, em todo caso, uma medida liminar paralela, porque de sua edição por diante passa a integrar aquela relação processual um interveniente certo e de mais elevado nível – O Estado, agindo no supremo interesse da sociedade.” (2002, p. 211)

A afirmação de ser um poder de polícia é muito criticada pela doutrina. Para

muitos chega a ser inaceitável, alegando que “não se pode admitir que uma medida

10

ROCHA, Caio Cesar. Pedido de Suspensão de decisões contra o Poder Público. – São Paulo:

Saraiva, 2012. p. 124.

18

administrativa seja capaz de suspender os efeitos de um ato jurisdicional11.”

Inclusive, a possibilidade de impugnar um ato administrativo por meio de um recurso

processual não teria cabimento, ficando claro sua natureza jurisdicional. Desse

modo, “além de admitir que uma decisão judicial pudesse ser descumprida por uma

decisão administrativa, que esta última tivesse força bastante para sustar a eficácia

de uma decisão judicial”12.

Discorda-se também desta ideia, visto que os pedidos de suspensão não

podem ser defendidos como de caráter político, pelo contrário, as decisões que

suspendem a eficácia precisam estar pautadas em razões de fato e direito que

justifiquem tal entendimento, sempre dentro dos pressupostos legais. O interesse

público, que é um conceito jurídico indeterminado, do qual se sustenta o pedido de

suspensão, depende de uma demonstração fática, um conjunto probatório,

igualmente jurídico para deferir o pedido de suspensão.

Segundo Caio Cesar Rocha:

“Essa atribuição, de possuir esse instituto caráter político – que nos parece equivocada –, funda-se em duas premissas: primeiramente, de que aqueles valores escolhidos pelo legislador como passíveis de ensejar o requerimento de suspensão seriam fincados em atributos de cunho extrajurídico, discricionário, alheios a apreciação jurídica ; a outra premissa e decorrente dessa primeira, afirmando que a análise do pedido pelos Presidentes dos Tribunais dar-se-ia em razão de uma função politico -administrativa atribuída pela Lei, e que possuiria tal grau de importância a ponto de sobrepujar o ato jurisdicional em que consiste a decisão a ser suspensa.” (2012, p. 126)

Ainda, diante das inúmeras teses defendidas, a suspensão da segurança não

tem a natureza de recurso, em razão de que “o ato judicial que a defere não

desconstitui a decisão concessiva do mandado, nem tampouco a substitui, a reforma

ou a cassa. Nela não se depara sequer com uma revisão do que antes se decidiu

sobre o cabimento da segurança”13.

Nem tão pouco, poderia caracterizar-se como de natureza sucedâneo

recursal, visto o que a medida suspensiva não tem função de fazer-se como recurso 11

CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual do mandado de segurança – São Paulo: Atlas, 2014. p. 281 12

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: sustação da eficácia de decisão judicial

proferida conta o Poder Público. – 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 100. 13

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei do mandado de segurança comentada. – Rio de Janeiro:

Forense, 2014. p. 108.

19

interponível contra o provimento judicial a fim de sustar a eficácia. “Nem errores in

procedendo, nem errores in judicando fazem parte dos fundamentos ou do mérito

dos pedidos de suspensão”14. O que o Presidente do Tribunal analisa é a sustação

emergencial e temporária da eficácia do provimento, visto a iminência de grave

lesão ao interesse público. De fato, a decisão tomada pelo presidente possui uma

natureza jurisdicional, mas não pretende a revisão quanto ao mérito da causa

principal (liminar ou sentença), assim, afasta a natureza recursal e de ação,

deixando o tipo incidental processual. Desta afirmação, considerável parte da

doutrina defende que o “mais correto é considerar que a suspensão de segurança

tem natureza de incidente processual”15.

Conforme Marcelo Abelha Rodrigues:

“Assim, para concluir, ratificamos que o pedido de suspensão de execução de decisão judicial é figura própria, sendo típico incidente processual voluntário, não suspensivo do processo que se manifesta por intermédio de uma questão que surge sobre o processo em curso. Questão esta que se manifesta por uma defesa impeditiva (exceção em sentido estrito) que o Poder Público dirige ao Presidente do Tribunal competente visando obter a suspensão da eficácia de uma decisão para evitar risco de grave lesão a um interesse público. É, pois, um incidente processual, que tem por conteúdo uma defesa impeditiva levada pela Fazenda Pública a órgão do Tribunal com competência absoluta para tanto. Pelo fato de ser acessório e secundário, depende da existência do processo principal, e, como já ressaltado alhures, possui induvidosa finalidade preventiva. ” (2005, p. 103 e 104)

Nesta natureza, acabaria por apenas suspender a eficácia da liminar ou da

sentença, enquanto será averiguado o mérito da impetração que surgiu sobre o

processo em curso. A grave lesão ao interesse público torna-se uma questão nova,

um incidente processual. A questão incidental é manifesta por uma defesa impeditiva

visando obter a suspensão da eficácia da decisão, que compete ao Presidente do

Tribunal decidir se há real risco de grave lesão ao interesse público.

No entanto, ao sustentar a ideia incidental da suspensão de segurança, se

observa apenas a forma ao procedimento no âmbito das ações conta o Poder

Público. O erro estaria em não observar “a essência dos pedidos de suspensão,

inviabilizando o estabelecimento de um regime jurídico específico idôneo à sua 14

VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. – 3. ed. São

Paulo: Malheiros, 2017. p. 70. 15

CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual do mandado de segurança – São Paulo: Atlas, 2014. p. 284

20

disciplina”16. Assim, há quem tenha sustentado que a suspensão de segurança e um

processo cautelar incidental ao processo do mandado de segurança.

Dentre os defensores desta tese está Ana Luísa Celino Coutinho:

“Entendemos que a suspensão de segurança (sentido estrito) tem a mesma natureza jurídica da suspensão da liminar em mandado de segurança que, por sua vez, é a mesma da liminar. Tanto assim é, que ambos os procedimentos estão previstos no mesmo dispositivo legal (art. 4º da Lei 4.348/64) e sujeitos aos mesmos requisitos (também constantes no referido artigo). Esses institutos têm natureza jurídica cautelar, inclusive, em razão de os pressupostos de concessão das medidas cautelares fumus boni iuris e periculum in mora, no nosso entender, também devem estar presentes para concessão da suspensão de segurança (liminar e sentença).” (1998, p. 106)

O que a autora evidencia são os pressupostos para que o Presidente do

Tribunal venha em sua decisão conceder o pedido de suspensão, que é

evidentemente cautelar. Quanto a esta decisão, afirma Betina Rizzato Lara (1993 p.

151), que a ordem de suspensão, assim como a liminar, possui uma natureza

cautelar. Com a medida, busca-se proteger, indiretamente, o eventual direito do

impetrante contra um provável dano. A suspensão evita não um dano a um direito do

indivíduo, mas protege a sociedade.

Não diferente, desenvolve Elton Venturi:

“Ademais, examinando-se as razões da impetração de uma ação de mandado de segurança (necessariamente correlacionadas com a existência de direito líquido e certo ostentado pelo impetrante), percebe-se que a intenção de sustação da eficácia da liminar ou da sentença mandamental concedida sob aquele fundamento, através do pedido de suspensão, em verdade não tem o condão ou mesmo a pretensão de tornar controvertida propriamente qualquer questão de fato ou de direito correlata ao mérito da ação. O mesmo, aliás, deverá ocorrer nas demais hipóteses nas quais se postula a sustação da eficácia dos provimentos contra o Poder Público. Há, como adiante demonstramos, a dedução de verdade, demanda de cunho cautelar, que conta com sujeitos, causa de pedir e pedido (objeto) próprios e inconfundíveis com os da lide dita principal.” (2017, p. 82)

O pedido de suspensão não estaria ligado ao mérito da questão principal,

quanto ao direito líquido e certo do impetrante do mandado de segurança, mas sim,

16

VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. – 3. ed. São

Paulo: Malheiros, 2017. p. 81.

21

o risco do provimento da liminar ou sentença em que ocasionará grave lesão ao

interesse público, que se assim forem proferidos, prejudicaria a coletividade.

Portanto, segundo os autores, fica claro na própria lei a natureza cautelar da

suspensão de sentenças e liminares contrárias ao Poder Público, visto que a

possibilidade de suspender se dá para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à

segurança e à economia públicas, evidente cautela em prol do interesse público. 17

Tal alegação de grave lesão, irreparável ou de difícil reparação, a fim de evitar a

execução da liminar ou sentença proferida contra o Poder Público, evidente natureza

cautelar, gerando providências jurisdicionais cautelares, precárias e provisórias.

17

COUTINHO, Ana Luísa Celino. Mandado de segurança: da suspensão de segurança no direito

brasileiro. – Curitiba: Juruá, 1998. p. 105.

22

3 INTERESSE PÚBLICO

Na esfera jurídica não são raras as vezes que a doutrina se depara com

conceitos jurídicos indeterminados, palavras imprecisas capazes de gerar dúvidas.

Interesse Público é um destes casos, dos quais não pode ser ignorado, pois sua

importância para a atuação do Estado em respeito ao princípio é fundamental em

uma democracia.

A medida de suspensão que evidentemente visa tutelar o termo jurídico

indeterminado, não pode ficar em um alicerce desprovido de significado. A dimensão

pública dos interesses individuais precisa ser tutelada pelo Poder Público.

3.1 DEFINIÇÃO DE “INTERESSE”

O vocábulo pode ser definido como uma qualidade de algo que chama a

atenção por ser considerado importante ou relevante e/ou conveniência, vantagem

ou proveito que alguém encontra em alguma coisa18. Esta definição ampla da

palavra, ou seja, interpretação além da esfera jurídica, do termo “interesse”

identifica-se como algo que estabelece uma ligação entre uma pessoa e um bem da

vida valorado por ela. Assim, interesse, é como a busca por uma situação de

vantagem para obter a posse ou usufruto daquela situação.

Na mesma linha de raciocínio do sentido amplo da palavra, analisa a autora

Ana Luísa Celino Coutinho:

“O interesse simples é aquele que meramente representa uma ideia de vantagem. O indivíduo possuidor de um interesse simples aspira, anseia; no entanto, não pode exigir a satisfação de suas aspirações. O campo do interesse simples é extremamente vasto e nele pode-se enquadrar qualquer espécie de interesse, desde que não esteja juridicamente protegido”. (1998, p. 72)

O sentido da expressão busca a ideia de uma “vantagem”, evidentemente na

esfera do pensamento, e não pode ser proveitosamente oposta ou confrontada a

18

MICHAELIS. Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/

moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/interesse/>. Acesso em: 29 mar. 18.

23

outros interesses do mesmo nível. O portador desse tipo de interesse apenas “quer”,

“deseja“, “aspira”, sem poder, porém, exigir a satisfação de tais anseios.

Em correlação ao interesse processual, afirma-se que é o reconhecimento

quando o processo se revela útil e necessário à obtenção de certa posição de

vantagem, inalcançável de outro modo. O conceito amplo se difere de interesse

jurídico, Explica o autor Rodolfo de Camargo Mancuso (2004, p. 20) que a diferença

entre o interesse “lato sensu” para o interesse jurídico é que o conteúdo do primeiro

é amplo e variável, podendo se aplicar a qualquer pretensão ou situação em que o

sujeito anseia, já em contraponto, o jurídico está no seu conteúdo valorativo que se

encontra contemplando e prefixado em norma.

3.2 CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO

Os cidadãos, por natureza, anseiam obter uma situação de vantagem que

valoram e naturalmente tendem a buscar saciar tal interesse. No convívio em

sociedade, visto que uma característica do Estado contemporâneo é a fragmentação

destes interesses, muitos casos vão de encontro com arranjos de outros interesses

de demais individuais ou grupos sociais sobre conteúdo valorativo já prefixado em

norma jurídica. Aqui, o interesse público é necessário ser encontrado com a devida

cautela, observando e respeitando a pluralidade de interesses que integram todos os

indivíduos integrantes da sociedade.

O Estado Democrático de Direito tem um fator fundamental na administração

do Poder Público em buscar o interesse público com a finalidade de obter sucesso

na manutenção duma democracia. O conjunto social, cidadãos sob a jurisdição do

Estado, partícipes deste, precisam ter seus interesses resguardados pelo ente

público.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 60), o interesse do

todo, é a dimensão pública dos interesses individuais. O Estado, juridicamente

composto por indivíduos partícipes de sua jurisdição, carrega consigo interesses

particulares que, quando observados do conjunto social, possibilita identificar o

interesse público. O autor vai além, resguardando não somente interesses dos

24

indivíduos atuantes em sociedade, mas historicamente, a sucessividade das

gerações de seus nacionais.

Na expressão “interesse público encontra-se a locução interesse geral”19, a

busca pelo “bem-estar geral” numa sociedade pluralista, servindo como norte para a

atividade governamental, com a finalidade de assegurar o interesse público. Esta

atuação do Estado, valendo-se do uso do termo “interesse público” em seu

comportamento, é criticado por Carl J. Friedrich:

“Definições desprovidas de conteúdo ético são enganadoramente fáceis nessa conjectura. O pensamento positivo de tal modo penetrou em nossa consciência social, que a palavra “público” chegou frequentemente a ser aplicada a considerações puramente processuais. Muitos juristas e políticos estão inclinados a dotar todo e qualquer ato que se adapte a um processo “legítimo” do atributo ou qualidade de interesse público. Quando pressionados a dar uma definição funcional de “legítimo”, esses estudiosos recorrem a conceitos como “constitucional” e em seguida procurar descobrir um denominador comum entre atos de déspotas (benevolentes ou não), de democracias refinadas e de longa duração e de ficções formais. A palavra “interêsse” não sobreviverá a essa aplicação universal, muito embora a palavra “público” possa passar relativamente incólume, limitando sua identificação com um processo.” (1967, p. 26)

Diante do uso, tão somente processual e funcional do termo, por vezes sem

qualquer compromisso com o seu conteúdo jurídico, acaba por dificultar a definição

de “interesse público, inclusive por sua natureza de conceito jurídico indeterminado,

o que afasta uma exatidão de conteúdo”20. Entretanto, tal obstáculo e complexidade

não podem afastar a função primordial que o interesse público exige e desenvolve

na relação entre Estado e seus administrados.

Importante ressaltar que os interesses defendidos pelo Poder Público são

indisponíveis, pois ele apenas assume o papel de um representante do interesse

público. Sobre esta presença do Estado no âmbito da acepção de interesse público,

entende Rodolfo de Camargo Mancuso (2004 p. 31), que os interesses “sociais” e

“gerais” são afetações das noções de “coletividade”, mas quando ligadas a uma

organização social civil, e aqui predomina a o Estado. Assim, é comum associar

interesse público com a presença do Estado, que se incumbe, segundo o autor, não 19

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. – 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2009. p. 142. 20

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. – 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013. p. 149

25

só a ordenação normativa do “interesse público”, mas a indicação do conteúdo que

ele representa.

O referido “interesse social” amplia o conteúdo e imediatamente nos remete a

uma esperada atuação do Estado em prol deste ideal. Acredita-se que o Poder

Público venha a resguardar o interesse público, e assim escreve Odete Medauar:

“No tratamento terminológico também se compara interesse público com interesse social, de regra para associar o primeiro à Administração ou ao Estado e o segundo, à sociedade – nesta concepção o interesse social seria mais abrangente que o interesse público e expressaria uma distância da atuação estatal quando às aspirações da sociedade. No direito administrativo brasileiro a expressão interesse social é mencionada, ainda, como um dos fundamentos da desapropriação: aí significa justa distribuição da propriedade ou sem melhor aproveitamento, configurando, portanto, especificação do interesse público que justifica o exercício do poder expropriatório.” (2009, p. 142)

Neste sentido afirma-se que “a expressão interesse público representa uma

categoria contrária ao interesse privado, individual; consiste no interesse do todo, do

conjunto social.” 21 Diante dos sentidos levantados pela doutrina, é possível associá-

lo ao bem-estar de toda população, numa compreensão lato sensu das exigências,

ou seja, interesses da sociedade. O interesse público, objetivando este bem estar

social “deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto de interesses

que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de

membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”22.

3.3 PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO

Os princípios tem enorme relevância no âmbito do Direito Administrativo, visto

que a escolha da medida a ser tomada pelo Poder Público precisa estar em

conformidade com o instrumento normativo, ou seja, princípios administrativos que

promovem a proteção de valores pela ordem jurídica.

Sobre a importância dos princípios administrativos afirma Alexandre Mazza:

21

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. – 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 63. 22

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 61.

26

“Princípios são regras gerais que a doutrina identifica como condensadoras dos valores fundamentais de um sistema. Por meio de um processo lógico denominado abstração indutiva, os estudiosos extraem da totalidade de normas específicas as ideias-chave que animam todo o complexo de regras. Assim, os princípios informam e enformam o sistema normativo. Informam porque armazenam e comunicam o núcleo valorativo essencial a ordem jurídica. Enformam porque dão forma, definem a afeição de determinado ramo.” (2016, p. 95)

A noção jurídica de interesse público é importantíssima, visto que nele se

ampara o fundamento do Direito Administrativo, a noção de utilidade pública. O

princípio do interesse público constitui um princípio fundamental do procedimento

administrativo. Sua importância também fica evidente quando analisado o caráter

central que possui, dele deriva todos os demais princípios e normas do Direito

Administrativo. A doutrina dispõe que o princípio da supremacia do interesse público

e sua indisponibilidade são classificados como supraprincípios ou superprincípios,

“reflexo de uma dualidade permanente no exercício da função administrativa: a

oposição entre os poderes da Administração Pública e os direitos dos

administrados”23.

O princípio do interesse público, como também seus demais correlacionados

(princípio da supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade, pela

Administração, dos interesses públicos), repercutem no ordenamento jurídico em

geral. “Para o jurista, o que interessa mais, como dado fundamental, é a tradução

deles no sistema”24 e dar a devida finalidade ao propósito do interesse público,

resguardando e protegendo os interesses dos indivíduos membros da sociedade.

Sobre os efeitos do princípio do interesse público no ordenamento jurídico,

escreve Marçal Justen Filho:

“Anota-se que a ordem jurídica consagra e protege uma pluralidade de direitos fundamentais, o que significa a impossibilidade de adotar uma solução predeterminada e abstrata para eventuais conflitos. É indispensável examinar, em face do caso concreto, o regime jurídico aplicável, identificando os princípios e a regras e considerando as características do caso concreto. Esse processo de concretização do direito conduzirá à prevalência de interesses e direitos, mas sem que a Constituição autorize a solução pura e simples de prevalência de um “interesse público” indeterminado e incerto. Poderá ser escolhido interesse do Estado, da

23

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. – 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 97. 24

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 55.

27

maioria das pessoas ou da sociedade em face das circunstâncias, desde que essa seja a solução mais compatível com o ordenamento jurídico e represente o modo mais adequado e satisfatório da realização dos direitos fundamentais protegidos constitucionalmente.” (2013, p. 153,154)

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 59), o termo interesse

público não se entende apenas como o mero somatório dos indivíduos membros da

sociedade. E na hipótese de existir um interesse público que conflite com um

interesse particular, não haverá serventia um interesse público que seja discordante

de cada um dos membros da sociedade, “isto é, que o interesse de todos fosse um

anti-interesse de cada um”25.

3.4 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Existe claramente uma relação íntima indissolúvel, entre o interesse público e

os interesses individuais. Assim, o próprio princípio do interesse público é também

chamado de supremacia do interesse público sobre o privado ou princípio da

finalidade do interesse público. O princípio da supremacia do interesse público,

segundo Alexandre Mazza:

“Significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesse individuais, razão pela qual a Administração, como defensora dos interesses públicos, recebe da lei poderes especiais não extensivos aos particulares. A outorga dos citados poderes projeta a Administração Pública a uma posição de superioridade diante do particular. Trata-se de uma regra inerente a qualquer grupo social: os interesses do grupo devem prevalecer sobre os dos indivíduos que o compõem. Essa é uma condição para a própria subsistência do grupo social. Em termos práticos, cria uma desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados. ” (2016, p. 97,98)

Assim, “o regime de direito público resulta na caracterização normativa de

determinados interesses como pertinentes à sociedade e não aos particulares

considerados em sua individua singularidade”26. E desta linha de pensamento,

também segue o pensamento de Ruy Cirne Lima:

25

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 59. 26

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 55.

28

“Como o Estado tem por finalidade, por meio da atividade administrativa, realizar a utilidade pública, está presente no direito público o interesse público. No exercício desta atividade, o Estado atua como ente soberano, que se relaciona nesta condição com os administrados. De outra parte, o Estado, na procura do bem comum, atua como mandatário da sociedade e é titular de direitos e de obrigações de natureza especial, que estão definidos pelo direito público. A normação jurídica que concerne, de modo imediato, à essência do Direito e à essência do Estado, e que tem como finalidade a proteção do bem comum, inequivocamente é direito público. Quando esse Direito se concretiza numa atividade do Estado para a realização imediata de seus fins, estamos diante do Direito Administrativo.” (2007, p. 33, 34)

A evidente superioridade diante do particular é criada com a finalidade de

prevalecer o interesse do grupo. Neste, o princípio em consideração, cria “uma

condição para a própria subsistência do grupo social. Em termos práticos, cria uma

desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados”27.

Segundo Odete Medauar (2009, p. 133), interesse público corresponde ao

bem de toda a coletividade, como uma percepção geral das exigências da

sociedade. Este princípio representa o fundamento dos institutos e nomes do direito

administrativo e, como também, de prerrogativas e decisões, da Administração

Pública. Então, o Estado pondera os interesses presentes, casuisticamente, para

não sacrificar nenhum interesse. O objetivo central da função do princípio do

interesse público se encontra em buscar uma compatibilidade ou uma conciliação

dos interesses envolvidos na sociedade, visando evitar qualquer minimização ou o

exaurimento de interesses particulares.

A Administração terá posição privilegiada em face de seus administrados,

prerrogativas e obrigações determinadas pela norma jurídica que não são extensivas

para os particulares, em razão do princípio da supremacia do interesse público. Este

patamar de superioridade é até mesmo dito como “privilégio”.

Importante lembrar que “o direito não faculta ao agente público o poder para

escolher entre cumprir e não cumprir o interesse público. O agente é um servo do

interesse público – nessa acepção, o interesse público é indispensável”28.

27

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. – 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 97 e 98. 28

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. – 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013. p. 144.

29

3.5 INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO

O pedido de suspensão pode “incidir sobre toda e qualquer ação não em face

do Poder Público, mas também, genericamente, no âmbito de qualquer relação

processual da qual possam repercutir efeitos reputados nocivos ao interesse público

primário”.29 Assim, entender o sentido de interesse público na medida de suspensão

é essencial. O interesse público primário é o verdadeiro interesse a que se destina a

Administração Pública, pois este alcança o interesse da coletividade e possui

supremacia.

Confundir interesse público com o interesse do Estado é um erro, conforme

alerta Celso Antônio Bandeira de Mello:

“De outro lado, mitigando a falsa desvinculação absoluta entre uns e outros, adverte contra o equívoco ainda pior – e, ademais, frequente entre nós – de supor que, sendo os interesses públicos interesses do Estado, todo e qualquer interesse do Estado (e demais pessoas de Direito Público) seria ipso facto um interesse público. Trazendo à batalha a circunstância de que tais sujeitos são apenas depositários der um interesse que, na verdade, conforme dantes se averbou, é o “resultante conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade”, permite admitir que na pessoa estatal podem se encarnar, também, interesses que não possuam a feição indicada como própria dos interesses públicos.” (2009, p. 61, 62)

Portanto, o interesse público não pode ser confundido com o interesse do

Estado. “Não é cabível confundir interesse público com interesse estatal, o que

geraria um raciocínio circular: o interesse público é público porque atribuído ao

Estado, e é atribuído ao Estado por ser público”30.

No caso da Administração Pública, quando exercendo sua função na gestão

da coisa pública, deve sempre se guiar pelo interesse público. Tais considerações

sugere que, efetivamente, a expressão “interesse público” evoca, imediatamente, a

figura do Estado, e mediatamente, aqueles interesses que o Estado escolheu como

os mais relevantes, por consultarem aos valores prevalecentes na sociedade.

Assim, a autoridade administrativa não poderá deixar de tomar as medidas

29

VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. – 3. ed. São

Paulo: Malheiros, 2017. p. 48. 30

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. – 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013. p. 149.

30

disponíveis a ela ou retardar providências que são relevantes ao atendimento do

interesse público, em virtude de qualquer outro motivo.

Sobre interesse público primário, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009,

p.72) desenvolve, sob a luz da doutrina italiana, a definição de interesses primários

como os interesses da coletividade como um todo. Em contraponto, os ditos

interesses secundários, seriam os do Estado, como sujeito de direitos, que poderia

ter como qualquer outra pessoa, interesses apenas seus. Entretanto, não estaria

agindo em defesa da coletividade, observando a ordem jurídica estabelecida a fim

de apontar, agir, e defender o interesse de todos.

31

4 O INTERESSE PÚBLICO NA SUSPENSÃO DE LIMINARES E SENTENÇAS

CONTRÁRIAS AO PODER PÚBLICO

O objetivo da medida de suspensão de sentenças e liminares contrárias ao

Poder Público está atrelado aos princípios do Direito Administrativo, visto que é

destinada “à satisfação de um interesse que, de maneira direta e prevalecente, é do

próprio Estado, em razão, porém, da sociedade ou do bem comum”31.

De acordo com Ana Luísa Celino Coutinho (1998, p. 89, 90), os interesses

protegidos pela suspensão de segurança (ordem, saúde, segurança e economia

públicas) têm alto grau de coletivização, desde que não pertencentes a um interesse

particular ou um grupo específico. Dentro desta construção, a autora indaga a

possibilidade de confundir os interesses defendidos pela medida como difusos numa

perspectiva de interesses que pertencem a um contingente indefinido de indivíduos

e a cada um deles ao mesmo tempo.

Entretanto, afirma que tal entendimento não resiste, visto que a espécie de

interesse está diretamente relacionada à presença do Estado como pessoa jurídica.

O entendimento da autora é que a medida defende os interesses públicos sob o

argumento da legitimidade para requerer a suspensão dada a pessoa jurídica de

interesse público, evidenciando a presença do Estado, e também o zelo do ente

público em buscar proteger o bem comum.

A intenção do Poder Público em pedir a suspensão da execução de

sentenças é evitar a grave lesão ao interesse público. A decisão do Supremo

Tribunal de Justiça identifica a necessidade da pessoa jurídica de direito público

demonstrar relevante interesse público envolvido a fim de configurar a necessidade

de suspensão da liminar:

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. CONSTRUÇÃO DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTOS. PARALISAÇÃO DA OBRA. LESÃO À SAÚDE PÚBLICA, AO MEIO AMBIENTE E À ECONOMIA DO ESTADO. – Comprovado nos autos que os devidos cuidados em relação ao meio ambiente estão sendo tomados mediante a intervenção de órgãos técnicos competentes e que a paralisação da obra de construção de estação de esgoto tem potencial

31

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. – 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 345.

32

lesivo à saúde da população e ao próprio meio ambiente, mantém-se a decisão agravada que deferiu o pedido de suspensão. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg na SLS: 928 PE 2008/0165510-3, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 28/05/2009, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: --> DJe 10/08/2009)

Na decisão proferida pelo Senhor Ministro Cesar Asfor Rocha, é possível

observar o apontamento do grave potencial lesivo à saúde pública, que na ausência

de uma infraestrutura capaz de promover uma distribuição de água própria para

consumo, coleta e tratamento de esgoto e resíduos, a população da região estaria

na iminência de ocorrências de doenças, tornando-se evidente a necessidade de

uma ação estatal em prol do interesse da sociedade. Ao deferir o pedido de

suspensão da liminar, ressalvou a necessidade de cunho cautelar.

A prerrogativa do Poder Público deve tão somente ser manejada para a

defesa do interesse público primário. Alerta Marcelo Abelha Rodrigues (2005, p. 188)

que mesmo havendo no processo a existência de um interesse privado em face do

interesse reclamado pelo Poder Público, é indispensável que este último reclame o

interesse público primário, que diz respeito à coletividade, do qual o remédio da

suspensão de segurança busca assegurar. E o autor ainda analisa que este conflito

de interesses envolvidos na lide processual, acarretará na proteção do interesse

público primário. Esta valoração do interesse público primário na suspensão de

execução é a contemplação da aplicação do princípio da supremacia do interesse

público.

Portanto, o regime dos pedidos de suspensão de provimento de liminares e

sentenças contra o Poder Público visa intervir somente para a proteção do interesse

público primário. Este aspecto pode ser identificado na jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. LEGITIMIDADE ATIVA DE EMPRESA PÚBLICA QUE ATUA NA DEFESA DE INTERESSES PARTICULARES PARA FORMULAR O PEDIDO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - A Lei 8.437/1992 estabelece que compete ao Presidente do eg. Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, saúde, segurança e economia públicas. II - A orientação jurisprudencial dos Tribunais também reconhece legitimidade ativa às pessoas jurídicas de direito privado

33

prestadoras de serviço público (empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviço público, v.g.), quando na defesa do interesse público primário, para ajuizar o pedido de suspensão. III- No caso dos autos, não há como se reconhecer que a empresa pública esteja atuando na defesa de interesse público primário, uma vez que o próprio Município de São José do Cedro - que é o titular da competência constitucional para organizar e prestar os serviços públicos de interesse local (CF, art. 30, V)- pleiteou a retomada do serviço de água e esgoto da recorrente em virtude dos problemas constatados em sua prestação. Diante disso, falece legitimidade à empresa para ajuizar o pedido de suspensão. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg na SLS: 1874 SC 2014/0068528-3, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 21/05/2014, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 29/05/2014)

Neste julgado é possível identificar à devida aplicação da medida, no tocante

a legitimidade da pessoa jurídica de direito público que age em defesa do interesse

público primário. Entendeu-se que a empresa pública não tem legitimidade por litigar

em defesa de seus próprios interesses, mas não o interesse público primário, do

qual se disciplina o pedido de suspensão.

A empresa pública alegou haver grave risco de lesão à ordem e à economia

pública do Estado de Santa Catarina, visto que a liminar que suspende os serviços

públicos prestados, acabaria por prejudicar sumariamente a população atendida em

vista da potencialidade de arrecadação que, em grande percentual, compõe parte da

receita de municípios deficitários. Entretanto, entendeu o Senhor Ministro que falece

de legitimidade à empresa para ajuizar o pedido. Em voto, alertou da importância da

decisão fundamentada para suspender uma decisão anterior, visto que a mera

alegação de grave lesão ao interesse público não pode ser aceita sem a devida

comprovação do risco de dano apontado, em detrimento ao caráter excepcional de

contra-cautela que exerce.

A decisão aborda também os motivos da concessão da liminar em questão,

onde o serviço da empresa pública de água e saneamento era fora dos padrões de

potabilidade, assim, suspender tal decisão é ir contra o interesse público primário.

Portanto, o Supremo Tribunal de Justiça evidencia a ratio essendi do instituto da

suspensão de execução, que é a proteção do interesse público, que até pode ser

defendida por prestadoras de serviço público, desde que sejam primários. O

incidente de suspensão visa à proteção do interesse público em detrimento do

privado, tendo como base o princípio da indisponibilidade do interesse público,

assim, a prerrogativa é concedida ao Poder Público.

34

Considerando essa prerrogativa processual de suspender a execução de

liminar e da sentença e o princípio da supremacia do interesse público, fica evidente

o objetivo de resguardar o bem de toda a sociedade, alegados pelo Poder Público

em juízo, em face de possíveis interesses individuais ou coletivos. E assim atenta

Ana Luísa Celino Coutinho:

“Nesta perspectiva, a realização da ação do Mandado de Segurança, considerando a possibilidade processual de suspensão da execução da liminar e da sentença, corresponde ao conflito entre interesses individuais ou coletivos contra o interesse público. Mas, um questionamento importante a fazer é que, sob o pretexto de defender o interesse público, muitas vezes, através da suspensão, susta-se a execução de direitos individuais ou coletivos líquidos e certos em detrimento e certos em detrimento de interesses particulares de determinados grupos, através daqueles que estão daqueles que estão exercendo função pública destacada e que estão exercendo função pública destacada e que estão detendo parcela do poder naquelas circunstâncias.” (1998, p. 90)

Em contraponto, Nelson Nery Junior (2010, p. 128) discorda que o interesse

público deve prevalecer sobre o interesse privado na medida de suspensão. O writ

constitucional, que se encontra o mandado de segurança, tem como natureza

jurídica os direitos fundamentais, em que sua grande importância se dá pelo fato de

se opor ao poder de arbítrio do Estado. Então, entende o autor, que valer-se do

princípio da supremacia do interesse público sobre o privado para obter a concessão

da suspensão de execução é um erro, pois os direitos fundamentais elencados no

art. 6º da Constituição Federal não são privados, e sim, direito fundamentais que

prevalecem sobre interesses públicos.

Não obstante, o instituto de suspensão de execução é uma prerrogativa do

Poder Público que se ampara no princípio da supremacia do interesse público, um

reflexo da normatização dos interesses que concernem à sociedade e que são

geridos pela Administração. Sobre os reflexos dos princípios da supremacia e da

legalidade no ordenamento jurídico ao criar limitações e prerrogativas ao Poder

Público, escreve Marcelo Abelha Rodrigues:

“Assim, esses dois postulados obrigam a que a normatização dos interesses atinentes à coletividade (interesse público) atentam a peculiaridades relativas a ditos interesses, e, por isso mesmo, que esses dois princípios maiores criam limitações e prerrogativas ao Poder Público em todas as áreas de atuação, seja no direito processual, seja no plano do direito

35

material. É daí, por exemplo, que decorrem limitações à contratação (só por licitação), à contratação de pessoas pelo Poder Público (concurso público), indisponibilidade do direito, crimes de improbidade, observância da finalidade, impessoalidade, etc. Por isso, assim como existem “limitações” ao Poder Público relativamente ao exercício de suas funções, por outro lado também existem as “prerrogativas” do Poder Público que se projetam em todas as áreas (preferência do crédito fiscal, execução fiscal, desapropriação, dilação de prazo no processo, etc.), e que pelo menos em tese, tem por finalidade “realizar” os referidos princípios (supremacia e legalidade), pois afinal o que está em jogo é justamente o interesse público.” (2005, p. 131)

Suspender uma decisão em razão do princípio da supremacia do interesse

público sobre o privado, conforme o autor, não é motivo para afirmar que o interesse

privado é inconvivível com o interesse coletivo. Em suspender a execução, não se

discute o mérito, ou se verifica o acerto do convencimento do juiz, “nem, muito

menos, significa “sacrificar” o interesse individual, apenas de esta ser a expressão

rotineiramente utilizada, mas, contrario sensu, quer-se apenas evitar o que o

interesse coletivo possa ser prejudicado ou lesionado”, o que se quer é evitar que

um interesse da sociedade venha a ser prejudicado ou gravemente lesionado

enquanto não se tem a certeza definitiva de uma afirmação de direito. A medida

pretende suspender temporariamente a eficácia da decisão que concedeu pedido de

interesse privado até que tenha o mérito julgado definitivamente.

Evidente que o interesse público não pode ser um critério em aberto, sem

respeitar simultaneamente os direitos subjetivos e os interesses legalmente

protegidos dos particulares. Como já visto, são pressupostos da concessão da

medida a demonstração do fumus boni iuris e periculum in mora pelo Poder Público.

“Pode-se dizer que a fumaça do bom direito no procedimento da suspensão de

segurança (liminar ou sentença) está presente no princípio geral do direito que

determina a prevalência do interesse público sobre o interesse privado” 32. A

suspensão tem o intuito de proteger um interesse superior, o público.

32

COUTINHO, Ana Luísa Celino. Mandado de segurança: da suspensão de segurança no direito

brasileiro. – Curitiba: Juruá, 1998. p. 107.

36

4.1 AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE

EXECUÇÃO E O INTERESSE PÚBLICO

Evitar grave lesão à ordem, à segurança e à economia públicas são os

pressupostos para suspender a liminar ou sentença, conforme estabelecido em lei,

se estes forem demonstrados com veemência e sem equívocos.

Suspender uma liminar ou os efeitos de uma sentença é uma providência

drástica, e só pode ser justificada se realmente estiverem presentes a grave lesão à

ordem pública, à economia, à saúde, ou qualquer outro interesse da coletividade,

que aconselhe sua sustação até o julgamento final do mandado. Interessante

observar esta justificação quando a justificativa da medida em que se estende não

apenas as hipóteses de grave lesão descritas na lei, mas a qualquer outro que de

fato interesse ao poder público.

O professor Elton Venturi (2017, p. 201) também defende a tese de que estas

hipóteses de cabimento mencionadas na lei são exemplificativas, ou seja, qualquer

grave lesão que verta a algum valor que se caracterize um interesse público. Sobre

o rol de interesses tutelados pela suspensão de execução, escreve o autor:

“Entretanto, se voltarmos a atenção à natureza indisponível e metaindividual do objeto de tutela dos pedidos de suspensão, parece-nos adequado o emprego de interpretação analógica e até mesmo extensiva, uma vez que, reconhecidamente, os valores protegidos pela medidaexcepcional se referem a espécies do gênero interesse público, sendo aferível a coexistência de idêntica ratio legis em toda situação de grave lesão a quaisquer valores (rectiu: direitos) que correspondam ontologicamente ao conceito de interesse público, tais como os demais direitos sociais mencionados pelo art. 6º da CF (a educação, o trabalho, a moradia, o lazer, a proteção à maternidade e à infância, a assistências social aos desamparados).” (2017, p. 202, 203)

Segundo Marcelo Abelha Rodrigues (2005 p. 136), a medida de suspensão

não só é assegurada pela Constituição, como serve em proteção aos direitos

individuais e coletivos, seja quando se protegem os direitos sociais do art. 6º,

quando se prevê a ampla defesa ao se proteger o direito contra a ameaça ou lesão,

que ocorre no caso.

O objetivo normativo dos pedidos de suspensão diz respeito ao interesse

público primário lato sensu, assim, para Elton Venturi (2017 p.2003 e 2004) que os

37

valores sociais expressamente mencionados na legislação são meramente

exemplificativos, não podendo sua utilização ser restringida sua atuação da medida

excepcional, desde que observando estritamente o devido processo legal. Exemplo

é o que ocorre na proteção ao meio ambiente, que geralmente está atrelado ao

exemplo firmado na norma de saúde pública. Mas, afirma o autor, que o puro e

simples pedido de suspensão na hipótese de iminência de grave lesão ao meio

ambiente, já constituiu uma hipótese de suspensão de execução, visto que se trata

de interesse público primário. As figuras de ordem, saúde, segurança e economia

públicas, estão confundidas e distorcidas com as “razões do Estado”. Portanto, o

autor defende que quanto às hipóteses de cabimento da suspensão se daria para

evitar grave lesão ao interesse público ou a qualquer interesse social relevante.

Neste entendimento, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARAINSTALAÇÃO DE ATERRO SANITÁRIO. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LESÃO À ORDEM PÚBLICA. Demonstrado o grave risco ambiental decorrente da instalação de aterro sanitário em área de proteção ambiental, a decisão que determina o prosseguimento da obra tem potencial de causar grave lesão à ordem pública; em termos de meio ambiente, deve prevalecer o princípio da precaução. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg na SLS: 1279 PR 2010/0139954-0, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 16/03/2011, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 06/05/2011)

No caso concreto, o bem tutela de interesse público em questão é o meio

ambiente. A cautela está no fato de um empreendimento de aterro sanitário

apresentar um risco ao aquífero subterrâneo que abastece boa parte da população,

o que causaria um impacto ao meio ambiente. Interessante observar que, tratando-

se de uma medida excepcional, o voto do Ministro Francisco Falcão identificou o

fumus boni iuris: demonstrando as dimensões do abastecimento de água na região,

que caso acabasse imprópria para consumo, afetaria escolas, creches, hospitais e

comércios em geral; além do periculum in mora: alertando do grave risco de lesão à

ordem ambiental, lesão que afirma ser de dificílimo reparo posterior. Assim,

cautelarmente suspendeu-se os efeitos até o julgamento do mérito da ação principal.

38

Outro julgado que evidentemente demonstra o objetivo da medida em

proteger o meio ambiente, como matéria de interesse público, é a decisão do

Supremo Tribunal Federal:

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. PROTEÇÃO DA FLORESTA DA SERRA DO MAR. 'PERICULUM IN MORA'. CABIVEL E A SUSPENSÃO DA SEGURANÇA QUE RECONHECEU DIREITO AO DESMATAMENTO PARCIAL DE PROPRIEDADE ENCRAVADA NO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR, POSTO QUE O PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, JA INTERPOSTO, NÃO TERA EFICACIA DIANTE DO FATO CONSUMADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (STF - SS-AgR: 209 SP, Relator: RAFAEL MAYER, Data de Julgamento: 16/03/1988, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 17-06-1988 PP-15250 EMENT VOL-01506-01 PP-00001 RTJ VOL-00125-03 PP-00899)

A Corte, em sua referida decisão, acolheu a suspensão de segurança visando

à proteção do Parque Estadual da Serra do Mar, fundamentando e demonstrando

estarem presentes os pressupostos. O Senhor Ministro Rafael Mayer compreendeu

em seu relatório e voto que o desmatamento da área ambiental compromete um

interesse de relevante significação social, sendo eles: a vida e o meio ambiente.

Assim, observa também o caráter provisório da medida de suspensão, que visa

acautelar os superiores interesses, ou seja, entende que a medida possui natureza

cautelar.

Os demais Ministros do Supremo Tribunal Federal seguiram o relator em seu

voto, entendendo que no caso em concreto há necessidade em flexibilizar ao

dispositivo, visto relevante interesse público em proteger o meio ambiente do

desmatamento.

Em ambos os casos analisados, as hipóteses de cabimento foram

flexibilizadas, como se o rol das hipóteses de cabimento da medida de suspensão

fosse, assim, hipóteses exemplificativas. No entanto, sempre que alegado o meio

ambiente como interesse público, era vinculado à proteção ao risco de grave lesão à

saúde e/ou ordem públicas, hipóteses de cabimento contempladas nos dispositivos

legais que regulam a suspensão de execução.

39

4.2 O INTERESSE PÚBLICO NO MÉRITO DOS PEDIDOS DE SUSPENSÃO DE

EXECUÇÃO

De fato, a expressão interesse público é um conceito jurídico indeterminado e

essencial para apreciação do mérito do pedido de suspensão. A suspensão da

sentença e liminar busca evitar o dano, não a um indivíduo em específico, mas à

sociedade como um todo. Assim, o Presidente do Tribunal, em suas atribuições,

acaba por preponderar o direito coletivo em relação ao particular. Pois, mesmo que

venha a existir um provável direito líquido e certo de interesse particular, a eficácia

da eventual decisão precisa cessar, visto que, pelas provas apresentadas, existe um

risco evidente de grave lesão ao interesse público33.

O risco de grave lesão precisa estar somado pelo menos a um dos bens

públicos tutelados pela norma, seja ela, lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à

economia públicas. Uma difícil tarefa que o Presidente do Tribunal tem em identificar

a existência de grave lesão ao interesse público.

Observando atentamente as hipóteses legais, é do papel do juiz convencer-se

deste risco de grave lesão e conceder a medida. Critica a autora Betina Rizzato

Lara, quanto ao controle da decisão que suspenderá a execução:

“Os abusos, porém, que vêm sendo praticados na suspensão da liminar, devem, sem dúvida alguma, ser evitados. Para isto, é preciso que haja um controle sobre a decisão que ordena a suspensão, exigindo-se sempre a devida fundamentação, como, aliás, consta expressamente no art. 4º da Lei 4,348/64. Além disso, o pedido de suspensão deve ser acompanhado de provas e não simplesmente de meras afirmações quanto ao provável risco de lesão ao interesse público.” (2014, p. 107)

O conceito de interesse público precisa ser enfrentado a fim de que sua

aplicação corresponda corretamente à proteção de um direito coletivo, visto que se

trata de um instrumento excepcional que susta tutelas individuais e mataindividuais

em decisões contrárias ao Poder Público.

A aproximação do conceito objetivo e possível de interesse público acaba por

afastar a ideia de que julgamentos que deferem os pedidos de suspensão emergem

de motivos de interesses alheios aos da coletividade, mas unicamente de uma 33

LARA, Betina Rizzato. Liminares no Processo Civil. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.

151.

40

apreciação de caráter político, discriminatório e extrajurídico. O mérito do pedido diz

respeito, exclusivamente, à existência da situação cautelanda e do perigo de dano

grave, irreparável ou de difícil reparação e tão somente nestes casos pode,

autorizar, legitimamente, o deferimento do pedido de suspensão de sentença ou

liminar.

41

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado Democrático de Direito busca a garantia de direitos individuais,

coletivos, sociais, e políticos. O Estado deve agir resguardando os interesses dos

membros que o constituem e legitimam. Neste sistema democrático, a lei passa a

representar a vontade da sociedade criando componentes legais para garantir a

proteção do interesse público. A suspensão de sentenças e liminares contrárias ao

Poder Público é uma garantia legal para evitar grave lesão aos interesses públicos.

A prerrogativa deve ser concedida somente para resguardar interesses da

sociedade, observando as evidências e comprovações das alegações que serão

analisadas pelo Presidente do Tribunal. A medida é excepcional e precisa ser

utilizada tão somente com o intuito de proteger o interesse público.

Um conceito jurídico indeterminado não pode relaxar as hipóteses de

cabimento do pedido e o Estado valer-se da prerrogativa de forma discricionária a

fim de suspender direitos líquidos e certos em detrimento a um interesse público

secundário. O princípio da indisponibilidade do interesse público precisa ser

respeitado. Neste sentido, diante da legitimidade das pessoas jurídicas de direito

público, Ministérios Públicos e demais prestadores de serviço público, precisam

demonstrar uma atuação que busque o interesse público primário para firmar o

mérito do pedido ou a legitimidade ativa.

Evidente que em juízo, diante dos interesses privados envolvidos na lide

processual, precisará haver uma ponderação para chegar ao devido provimento

judicial do pedido de suspensão de execução. O princípio da supremacia do

interesse público servirá para concessão do pedido de suspensão, sempre

observando os pressupostos legais necessários.

A suspensão de liminar e de sentença tem caráter provisório, por cautela,

suspende-se uma decisão que diante do evidente risco de grave lesão a um

interesse de toda a sociedade em face de um interesse particular. Importante é

entender que a essência da medida é a proteção do interesse da coletividade, não

atingindo o mérito da lide, mas apenas postergando a tutela até o trânsito em

julgado.

42

Conclui-se que a essência da medida de suspensão de sentenças e

liminares contrárias ao Poder Público é resguardar de forma cautelar o interesse

público em conformidade com os princípios da supremacia do interesse público.

Entretanto, para viabilizar uma aplicação da prerrogativa de forma correta é preciso

aplicar tão somente quando o pedido visar proteger o interesse público primário.

Matérias de Direito Processual Civil, Direito Público e Direito Administrativo unem

conceitos e procedimentos para que o Estado possa proteger o interesse público e

garantir o bem-estar de toda a sociedade.

43

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 12 dez. 2017. ______. Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8437.htm>. Acesso em: 12 dez. 2017. ______. Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 12 dez. 2017. ______. Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm>. Acesso em: 12 dez. 2017. CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual do mandado de segurança. São Paulo: Atlas, 2014. CASTRO NUNES, José de. Do mandado de segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público. 8º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. COUTINHO, Ana Luísa Celino. Mandado de segurança: da suspensão de segurança no direito brasileiro. Curitiba: Juruá, 1998. FRIEDRICH, Carl J. O Interêsse Público. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1967. GIONÉDIS, Louise Rainer Pereira. Liminares – Aspectos Práticos. Curitiba: Juruá, 2007. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ações constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2014. JUSBRASIL. O Pedido de Suspensão de Segurança. Disponível em: < https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1454863/o-pedido-de-suspensao-de-seguranca-andreia-filianoti-gasparini#comments >. Acesso em: 07 mar. 2018. ______. STF - SS-AgR: 209/SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER, DJ 17/06/1988. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/723222 /agregna-suspensao-de-seguranca-ss-agr-209-sp>. Acesso em: 13 mar. 2018. ______. STJ - AgRg na SLS: 1874/SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 29/05/2014. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25101619/agravo-regimental-na-suspensao-de-liminar-e-de-sentenca-agrg-na-sls-1874-sc-2014-0068528-3-stj/inteiro-teor-25101620?ref=juris-tabs >. Acesso em: 12 mar. 2018. ______. STJ - AgRg na SLS: 1279/PR, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe 06/05/2011. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19094701/

44

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