o Irmao de Assis

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O IRMO DE ASSrS INCIO LARRANAGA CAPTULO PRIMEIRO AMANHECE A LIBERD1DE Apesar de tudo, voltava tranqilo. Tinha motive. > sentir-se abatido, mas, ao con trrio do que esperava, i ' tranha serenidade inundava seu rosto e em seus ollm-, I" II, alguma coisa seinelliante paz de um sonho atingido mi ,, amanhecer defini tivo. Naquela noite tinham saltado Iodos os gonzus, c- agot um novo centro de gravidad e. Tudo estava mudado (, naquela noite, o mundo tivesse dado uma volta di ir iil tenta graus. Na madrugada que se estendia pelo \.tl.-*. i Espoleto at Persia, o filho de Bernardone ia cavalgai * paz, para sua casa. Estava disposto a tudo, e por iimi < ' !, livre e feliz. Falam de noite de Espoleto. Entretanto, ao conii i ' i que parece e se diz, a av entura franciscana no comri ' noite, porque nela culmina uma longa corrida de o!> ' antes do nascimento de Franca' " " '"'ia investij com especial as sanhamento conta 0"1 r "s'is, em cia recinto entrou vitorioso, receber^03 J''"^ s enhores fei dais e pondo a bota imperial sobre"P,"m'1 * humilhadi Quando se afastou, deixou >' 0 aventl. reiro Conrado de Subia para tf* f*>vo rebelde Os aristocratas de Assis, aprov'ellanr"leto imperia 10 fl! servos da gleba com novas e duras exigncs, '"!"' uio carro da vassalagem de que sc haviam apeado Ultimai I nasceu nesse tempo em que a vila estava sendo v^nid^iJonTao a partir da formidvel fortaleza cia Rocca, p (|| ptadoiainenle no alto da cidade. Esse foi contorno cm ,|,f,corrcu a infnc'a de Francisco. |(l |hk.i letta de contrastes e sumamenu movimentada. A iWK enlas an allal Para um jovem sensvel e impaciente, era demais permanecer inativo entre os muros de um crcere, mastigando | erva amarga da derrota. Em um cativeiro h tempo demasia,In para pensar. No h novidades que distraiam Uoia apen as, mino realidade nica e oprimente, a derrota. Por outro lado, nosso rapaz no escapou da psicologia dos leza ^'v05" O cativo, co mo o preso poltico, vive entre a incerteza pral e o temor: no sabe quantos meses o u anos vai ficar fechado na cadeia, nem qual vai ser o curso dos acontecimentos polticos, nem o que vai ser de seu futuro. S sabe que esse futuro ;ai depender de um podes t arbitrrio ou de uma camarilha hos-:il de senhores feudais. 15 Por outra parte, nosso jovem estava bem inforrr> que os cativeiros e derrotas so o alimento ordinrio | das aventuras cavaleirescas. Mas era bem diferente exper. Io na prpria carne e pela primeira vez principalmeni ele que no estava curtido pel os golpes da vida e en disso, de natureza to sensvel! * * * Comea a crise. Diante das edificaes que hoje ; e amanh baixam, diante dos imperadore s que hoje so e amanh sombra, diante dos nobres senhores que so ciados para sempre pela ponta de uma lana, h outro S cavalgando acima das estepes da morte, outro Imp erador qu atingido pelas emergncias nem pelas sombras, outra j cao que tem estatura eterna. A Graa ronda o filho de Pica. E ele perde a segurana. Os velhos bigrafos dizem que, enquanto seus companh estavam tristes, Francisco no s estava alegre, mas at j rico. Por qu? Um homem sensvel deprime-se com facilid A pa rtir de seu temperamento, teramos motivos para p< que Francisco tinha que estar a batido na cadeia. Mas estava. As palavras de Celano, cronista contemporneo, nos p para confirmar-nos no que esta mos dizendo desde o corrii que tudo comeou no crcere de Persia, que Deus irrorri po r entre os escombros de seus castelos arruinados, que l tomou gosto por Deus, que l vislumbrou, embora entre tre. um outro rumo para sua vida. Efetivamente, conta o velho bigrafo que, diante da eufc de Francisco, seus compan heiros se molestaram e lhe dissers; Voc est louco, Francisco? Como pode estar to ra diante i meio destas correntes enferrujadas? Francisco respondeu textt.; mente: "Sabem por qu? Olhem, tenho um pressentimer, escondido aqui dentro que me diz que um dia todo muni vai me venerar como santo". 16 s vislumbres de eternidade cruzaram o cu escuro de l-rj no crcere obscuro de Persia. 1 GKANDI PALAVRA 1)1 SUA VIDA

$Mto de 1203, perguntaram-se os homens da plebe ' ".Malas ile Assis: Rira que gast ai mcigias loinhaten-d" iit aos outros? Vamos fazer um tratado cl- paz e """ n vida de nossa pequena repblica. (.mim COflM |n-I M IJiana, Francisco e seus companheiros I muin hUnados in para Assis. t esse momento e a noite de Espoleto puniam '""cimente dois anos. Que fez nesse n terim Q rilho d"' 'rlone? Os bigrafos no dizem quase nada. Ma, do l,lM"-edizem, pod emos deduzir muito. lizmente (talvez para toda a Igreja e paia ioda a bis '"" 'nina) Francisco foi ext remamente reservado duniiili ikIu rida sobre tudo que se referia a sua vida protu ndu, ' ebes com Deus. Ningum guardou um segredo pio '' 'tom tanta fidelidade como e le escondeu suas comuni Deus. Normalmente era comunicativo, e por isso .......rio a que deu origem tem carter fraterno ou familiar. M'i|uKum;, WJ misteriosa que eivava a iodos. I!^ rait rodeado pela juve ntude mais dourada e dissipada d. . Firicipava nos concarsos de cantos e nos torneios e batido, mas no verbo cuidar, verbo exclusivamente "'"'Liidar se aparenta com o verbo consagrar ou dedicar '" kuidar significa reservar pessoa e tempo a outra pessoa, "'"n, principalmente, as mes. 23 L pelo ano de 1219, Francisco tentou dar uma orgai elementar aos irmos que subiam s altas montanha: buscar o Rosto do Senhor, em silncio e solido, para recuperar a c oerncia interior. Escreveu uma norma de vida ou pequeno estatuto chamou Regra para os eremitrios. S upe que l em ciij cabana, viva uma pequena fraternidade de quatro irmi querendo su blinhar as relaes que devem existir entre Francisco utiliza expresses chocantes, ma s que transb infinita ternura fraterna, digo, materna, apelando mais vez e mais do que nunca, para a figura materna.

Dos quatro irmos, "dois sejam mes e tenham dois fi Quanto ndole de vida, "os dois q ue so mes sigam ; de Marta, e os dois filhos sigam a vida de Maria". I ordena, ou melhor deseja, que ao acabar de rezar Trcia, p interromper o silncio "e ir para ju nto de suas mes", tantas expresses h uma carregada de ternura especia quando tivere m vontade, os filhos possam pedir esmola i mes, como pobres pequeninos, por amor do Senhor Deus" Como se trata do perodo da vida eremtica, aconse tambm a no permitirem na cabana a p resena de pessoas nhas, e que as mes "protejam seus filhos para que ningun turbe se u silncio", e "os filhos no falem com pessoa a! a no ser com suas mes". E para que no se estabelea nen dependncia entre os irmos, mas exista real ingualdade, jurdica com o psicolgica, Francisco ainda diz que os ii devem alternar-se no ofcio de mes e de filhos. No fundo vital do homem que se expressa dessa m; palpitam ecos longnquos, quase d esvanecidos, de uma m< foi fonte inesgotvel de ternura, daquela mulher que p noite s velando cabeceira do jovem doente. O Pobre de Assis juntou em um mesmo lao duas das mais distantes e avessas que pod e haver neste mundo: a eremtica e a vida fraterna, a solido e a famlia, o siln a cor dialidade. 24 > semanas que o irmo Leo tinha UO espinho na 1 lhe estava perturbando a paz. Fie mesto no sabia ' "te do que se tratava. Dir-se-ia primeira vista que ' ' nina du vida de conscincia e queria nsultar Sao Mas quem sabe se tambm no Iwvl um pouco '' 'i's do pai e amigo de sua alma, com .im-n .aminhando I f\do durante tantos an os, tinha forjado uma amizade cisco, sabendo que no fundo de toda tratos eat c .....m pequeno vazio de afeto e que, de qu.i ......" "' kwise que no se cure com um pouco de carinho, pegou * I lhe escreveu uma cartinha de ouro que......i to afetivo. le Deus com quem Francisco tratava to carinhosamente Jk, o Onipotente, o Admirvel. . Quase nunca Pai --vra no s lhe dizia nada, mas at evocava incons 'e a figura de um homem egosta c prc|>otm as fibras mais profundas de sua hiatria pessoal. 1 era, ento, a mulher que emerge desses textos e |fi*s? Fundiram-se naquela mulher a fora do ma r a um favo e a profundidade de uma noite estrelada. * ;o cavaleiresca, que os tr ovadores provenais tinham para as repblicas italianas, j tinha sido inoculada "es por aquela me extraordinria, na alma receptiva 25 de seu filho. Como definir aquele no sei qu de sua persona que envocava uma melodi a inefvel, o esplendor de um amai ou a serenidade de uma tarde a cair? Antes de dar a Francisco sua vocao e seu destino, lhe deu essa me. A DENSIDADE DA FUMAA A tribulao estava s portas. A mo do Senhor cado pesadamente sobre o nosso jovem, pren dendo-o num t de aflies e causandodhe noites de insnias e dias de d A sede de glria estava reduzida a cinzas. E agora, em do leito de sua juventude, jazia abatida a sede do prazer, cisco no era nada. Uns centmetros a mais que avanas enfermidade, e estaria no abismo. O anjo do Senhor baixou mais uma vez junto de seu de enfermo e lhe comunicou lies de sabedoria. Disse-11 mais uma vez que a juventude passa como o vento ( de noss as portas, como as ondas do mar que se levantam montanhas para depois voltar a s er espuma. Qual a deris da fumaa? Pois os sonhos do homem pesam menos < fumaa. Qua l o peso da glria em uma balana? No h acima ou abaixo, que tenha peso e firmeza a no ser o E * * * Estamos a poucos meses da noite de Espoleto, ert encontramos Francisco muito int

eriorizado no relacionai com o Senhor e disposto a tudo. Levando em conta a rr e volutiva da graa, temos que pressupor que, nesses mes convalescena, o anjo do Senh or desvelou muitas vezes 0 doente o Rosto do Senhor. Aquele jovem, que trazia desde o bero a sensibilidai vina, comeou a provar nesses meses a doura de Deus, e Francisco sentia uma paz profunda e comeos de sabe Nesses momentos o caminho de Deus parecia mais lurrj 26 i converso , iase sempre, uma corridi de persegui-. jue o homem .ai experimentan do ulternadameite a I 1 Deus c o encuitro das criaturas at que, progressiva.......Kl! se vo decantando e se afirma e confirma defi,. .n. luo 1 ' s transmitiram em forma de sonhos, de um dilogo .....jnhor e Francisco. mais que provvel que o piopno ''"Ml referindo mais tarde a algum confidente a experincia ''"' 'noite, a tenha apr

esentado como um sonho ou como '"" jria. uma constante na histria das almas: quando uma " uma vivncia espiritual muito fort e, sente-se incapaz de """V o sentido em palavras e instintivamente usa alegoria s houve naquela noite? Por razes dedutivas, que vou '"'.deve ter acontecido o seg uinte: de uma maneira sur l,tw:e, desproporcionada, invasora e vivssima (sio as ca-'*' ':as de uma experincia infusa) a Presena Plena apo-' "gratuitamente de Fran cisco. lomem sente-se como uma praia inundada por uma ..... inedivel. Fica mudo, aniquilado, absolutamente emcom uma conscincia clarssima de sua identidade, mesmo tempo, como se fosse filho d a imensidade, ""lendo e ao mesmo tempo possuindo todo o tempo e '"'espao, e tudo isso em Deus, como se a pessoa expe31 rimentasse em grau infinitesimal em que consiste $ (participao de Deus?) alguma co isa parecida, em ton ao que vai ser a Vida Eterna. E tudo isso como uma g; absol uta da misericrdia do Senhor, sem sabermos se i ou fora do corpo... Um amontoado de palavras juntas poderia dar, en de expressividade, uma aproximao d o que uma gn infusa extraordinria: claridade, clarividncia, jbilo, pa doura, liberda de. . . Essa visitao de Deus parece uma revoluo na que o recebe. Francisco teve uma vivncia v ivssima e cL (que nem sonhos nem palavras poderiam dar) de qn ("conhecido", exper imentado) Todo Bem, Sumo Bem Bem, o nico que vale a pena. Em comparao com Ele nobil irquicos e os senhores da terra no passam de fuma, Mas, por que acho que teve que suceder algumi dessas naquela noite? Porque no h ou tra maneira de < o que aconteceu. Para entendermos, temos que nos no contexto p essoal de Francisco. Ele ia para a Aplia como um cruzado para defe Papa. Despedira-se ontem de seus pa is e do povo de Nessa expedio militar, Francisco estava comprometido juventude de Assis, com os rapazes nobres que iam co com o conde Gentile a quem obedecia, com seus pais que p nessa expedio seus sonhos de grandeza; estava compro com sua honr a, sua palavra de cavaleiro, seu nome.. S um sonho no ia desamarrar todas essas ataduc Francisco decidiu voltar para casa na manh seguinte, d zando todos os compromissos, quer dizer que aconteceu s coisa muito grave naquela noite. Em toda sua vida, Fre demonstrou ser homem de grande tenacidade quando enra dia alguma coisa importante. Um sonho no suficiente nos e xplicar essa aventura noturna. S uma fortssima e Iibe ra experincia de Deus explica essa desinstalao formidvel * * 32 * * * ''noite '* iliiiluras voaram Iodas I-'rancisco senta-se 'riie importava com coisa alg uma. S com o Senhor. < I' inrdiato sc lhe apresentava todo cheio de problemas a t rtriMcs. Que explicao dar ao conde (ientile? Que dlllf iii companheiros de armas, co mpanhiiim de festas Iih cr que da a pouco iam seguir para o SulFalariam tia iuie t alvez de loucura. Poderiam dizei n qm- quises IWWie importava com nada. ara amanh mesmo para Assis. Que diria o povo, a |IVri)ue diriam o violento Bernardo ne c mesmo dona Pd >ivihos, e at os prelados? Como explicar'' No po BI "eiricaes; nin gum entenderia nada. usinais U-nigiios Ifltc tinha perdido a cabea. Os mais malicio sos lalurium "i i.i e em frivolidade. Para um cavaleiro, a paluvia "i\dera covard ia. Iam jogar-lhe na cara essa palavra, 11' lie sensvel honra. Ontem isso seria i ni|k>ssvcl de ims hoje no importa coisa alguma. Sentia-se com-i.l. k- livre. 'a deixando o caminho seguro e promissor. F.stava piia uma rota incerta, cheia d e enigmas e de insegu liiha que assumir tudo solitariamente. Mas estava ill| ludo para seguir seu Senhor que agora "conhecia" lia seguinte despediu-se no sei como de teus " os de expedio e tomou o caminho da vo lta. Uma ex-|tfllrbsa, embora dure normalmente pomos minutos, dei-VI # vibrando p or muito tempo, e s vezes pot ioda a vida. ico de Espoleto para Assis, Francisco devia ir mer-( "II; jnela Presena. Quando ps o p em Assis, ningum

.....'"dtar Depois comearam a estranhai t mais tarde M 9-1 am boato feito de ironia, caoada c mesmo sarcasmo. Ma fisco, que estava sob o efeito da visitao, no se im-m nada e se apresentou com toda a serenidade. erdade tinha amanhecido. 33 Clara. O nico que pde v-los foi o irmo Leo, que s * Tanto os cronistas contemporneos como o prprio Fti em seu testamento introduzem-no s de repente no cenr Deus, dando a entender que j existia alta familiaridade Franc isco e seu Senhor. Mas uma grande familiaridad: Deus pressupe uma longa histria de relacionamento p E essa histria que ainda precisa ser desvelada. Nos livros de hoje sobre So Francisco tende-se a j por alto sua vida interior, da ndo preferncia a um \ noticirio de acordo com a mentalidade atual. Freqente-apresen tam-no um Francisco ao gosto de hoje, contet hippye, patrono da ecologia, sem se preocupar, em geral, seu mistrio pessoal. Acho que para apresentar So Francisco ao home, hoje, no nos deveramos preocupar tan to se o que ele b. fez do gosto de nossa poca, indicando os pontos en est de acord o com nossas inquietaes. Desse jeito desenfo So Francisco e tramos o homem de hoje. O correto e nece; olhar para So Francisco de dentro dele mesmo, inclui] em seu con torno vital e descobrindo assim o seu mister, claro que esse mistrio ser resposta para hoje e para os se\ futuros. Que o mistrio de uma pessoa? Que outra pai poderamos usar em vez de mistrio? Segred o? Enigma? cao? Carisma? Alguma coisa aglutinante e catalizadora? E convencido de que todos os mistrios, um por um, baixi sepultura e a dormem seu sono eterno. O mis trio de todo indivduos est preso nas dobras dos cdigos genticos, impj vitais, idias e ideais recebidos desde a infncia. 18 caso de Francisco, encontramos tambm uma persona-ingular, feita de contrastes for tes, que tornam mais ingir o segredo. Mas ns temos uma ponta para decifrar a de So Francisco: Deus. Essa a pande palavra /ida. is passou por suas latitudes. Deus tocou esse homem. resentar para pregar s com a roupa de baixo, ou de i vontade de Deus dando voltas como um pio. . . ensar em uma pessoa desequilibrada. O sublime e o quase sempre se tocam. A fronteira que separa um do rama-se Deus. . Deus faz sublime o que parece ridculo. Deus a volucionria que arrebenta as norma l idades, desperta cialidades humanas adormecidas, abrindo as para atitudes dent es e at ento desconhecidas. :apaz de tirar filhos de Abrao de uma pedra e pode ;mpl ares absolutamente originais de qualquer filho da j povo. Com esta palavra Deus o enigma de > fica interpretado, e seu segredo decifrado. 19 Como vivemos em um mundo secularizante, corremos a tentao e o perigo de pretender apresentar ao mundo de hoje um Francisco sem Deus, ou um Deus com surdina ou em tom menor. Nesse caso, So Francisco comea a ficar parecido com uma belssima marione te, que faz acrobacias maravilhosas, mas no passa de fantasia. Isso no aterriza ne m explica o mistrio de Francisco. Podero apresentar-nos passagens de sua vida que comovem os romnticos, fatos que se duzem os hippyes, antecedentes histricos que permitam aos ecologistas consider-lo um precursor, mas o mistrio profundo de Francisco fica no ar, sem explicao. Basta a brir os olhos e olhar sem preconceitos: desde o primeiro instante nos convencere

mos de que Deus a fora de coeso que arma a personalidade vertebrada e sem desajust es de Francisco de Assis. A MULHER DE SUA VIDA Na volta de Persia, mal pisou as ruas de Assis, nosso brioso rapaz deixou de lado suas meditaes sobre a fugacidade da vida, esqueceu os chamados do Senhor e, solta ndo as rdeas de suas nsias juvenis reprimidas durante um ano, mergulhou no turbilho das festas. Morta a sede de glria, nascia-lhe a sede de alegria. Formaram-se grupos espontneos de alegres camaradas. Os que tinham estado em camar adagem forada, no presdio de Persia, formavam os grupos mais barulhentos. Nomearam o filho de Bernardone como chefe do grupo e lhe deram o basto simblico de comando, porque tinha os bolsos cheios e a alma transbordante de alegria. Tresnoitavam a t altas horas. Subiam e desciam pelas ruelas estreitas por entre gritos, gargalha das e canes. Paravam embaixo das janelas das moas bonitas para entoar serenatas de amor ao som de alades, ctaras e harpas. Era uma sede insacivel de festa e de alegri a. Os meses passavam e no se esgotavam os brios nem se acabava a inspirao. Geralmente, Francisco custeava os ban20 quetes. Havia nele alguma coisa misteriosa que cativava a todos. Estava sempre r odeado pela juventude mais dourada e dissipada de Assis. Participava nos concurs os de cantos e nos torneios eqestres, e se saa brilhantemente. Invejado por alguns e aplaudido por todos, o filho de Bernardone era indiscutivelmente o rei da juv entude assisiense. * * Como, no ano anterior, a Graa tinha vencido em uni nmihl sua sede de glria, agora haveria de reduzir a p mui *cdr dc alegria. O velho cronista aplica a esse moment o as lavras do profeta: "Vou fechar teu caminho com um ,'. espinhos; fech-lo-ei c om um muro" (Os 2,6). Uma gravi cnci midade de natureza estranha e difcil diagnstico abati 11.....r< sua juventude, mantendo-o longos meses entre a vida < .....mie suor frio, febres altas e obstinadas, pesadelos, Iraqiuv.i gcul c por fim uma le nta, muito lenta convalescncia. Nessa prolongada recuperao e, em geral, nesse pciiodo de sua existncia, aparece a p essoa que h de abrir horizontes de luz para sua vida, a mulher que imprimir em sua alma marcas indelveis de f e de esperana: sua prpria me. A silhueta de dona Pica, feita de doura e de lorialeza, desvanece no fundo do silncio. Passa fugazmente i......| um meteoro pelas pginas dos velhos cronistas. Aparece, resplandece e desaparece. daq uele tipo de mulheres capazes d< .usirr o mundo em suas mos, mas sabe faz Io sem d ramas, nu simplicidade e no silncio. Por um paradoxo da historia, embora as fontes nos transmitam apenas fugazes vestg ios de sua figura, estamos em condio de apresentar, por via dedutiva, a radiografi a completa de dona Pica. O mtodo vai ser indireto: entrar na alma de Francisco e colher em seu inconsciente, trao por trao, a efgie cativante da mulher a quem tanto deve o franciscanismo. 21 A tradio supe-na oriunda da Provena, bero da poesia e do cantar. Mas as fontes guarda m silncio a respeito. Dispomos, entretanto, de elementos suficientes para conclui r, por deduo, que dona Pica era efetivamente francesa. uma constante humana o fato de que, nos momentos em que a emoo escapa de seu leito e se torna incontrolvel, o ser humano tende a manifestar-se em sua lngua materna, no idioma que "mamou". Diz-se que So Francisco Xavier, em sua agonia, expressava -se em "euskera" (vasco), seu idioma materno. O Pobre de Assis, sempre que estav a possudo por uma emoo intensa, passava a manifestar-se em francs (provenal). No seria esse o seu idioma materno, a lngua de sua me? Suponhamos, por exemplo, que eu aprendesse ingls aos vinte anos e o dominasse com perfeio. Em um momento de explosiva emoo, se precisasse expressar-me livremente e s em obstculos mentais, passaria instintivamente ao idioma materno ou nativo em que esto aglutinados a palavra e os sentimentos, a fontica e as vivncias longnquas. Se, como a maioria supe, Francisco tivesse aprendido o francs j na juventude, em su

as viagens comerciais, seria psicologicamente estranho e quase inexplicvel que, n os momentos de jbilo em que as palavras, ligadas s vivncias mais primitivas, precis am sair conaturalmente, o fizesse em francs. Supe-se que a pessoa que aprendeu j ad ulta um idioma tenha sempre falta de flexibilidade ou facilidade para nele se ex pressar. Por isso podemos supor que o idioma materno de Francisco era o francs, isto : que a lngua de sua me era o francs (provenal). Justamente por isso falamos em idioma mat erno, e no paterno, porque se aprende junto da me, junto do bero. * * * Como dissemos, dispomos de um caminho dedutivo para conhecer a alma daquela mulh er e assim, indiretamente, podemos conhecer melhor o mistrio de Francisco. um jog o al22 , . ; nre de Francisco extrncs os ternado: da vertente inconsciente c ,inna PlC, e no reflexo da nae traos para uma fotografia de uou ^ ^ veremos retratada a personalidade 00 1 "' Celano conta que, quando o velho mercador prendeu o jovem dilapidador, em quem s e havia manifestado inclinaes mm, i l sua mae sentiu seu corao e o encerrou em um calabouo, su . . . " lj- forca primitiva nessa cxpiessao. materno se enternecer . Ha uma roc r T_ , - 0 fia pelo tilho. hni muito maisNao era s pena que a mae senti* v - _ r? r-ic ^.o rorrente proliind.i de simpatia. Entre mae e filho circulava uma c . . - i c'r~ o servo? O Senhor, claro. _ P , .. _ _ ./-rvo e nao o Senhor? hntao, |x>rque segues o a** Que tenho que fazer? . i i . 1 j_ vai ser esclare cido Voltar para casa que tuav . ^ . na manha seguinte E Francisco voltou para cas se chama na vida espuiio.il J< forte experincia de Deus. E o que 3 , . . / ,. , . _ caractersticas peculiares. gr r ,1 i o __-i., quando estava fora de casa, que algum pobre lhe pedia esmola m . . i- u i;. Sc no tivesse dmheiio, davaaiudava-o com dinheiro, se podia- J , . ,, . , ,,. nao losse embola de mos -lhe o gorro ou o cinto, para que vazias . O filho de dona Pica sempre tinha sido desprendido e c i. i riueles moos que tan i-e. ve/cs generoso. Sabiam-no muito bem aqu. ,., . xT3n se sabia donde, tinhai..... Mas agora era diferente. Nao .... , - i T-, . trnhas da misericrdia I po gido em Francisco todas as entrai1 a i . i f-mura. Quando dava uma nioc sitava em cada esmola toda a sua te1 , I , . nr-^ i . . mais grave era que sen corao tinham o estmago vazio, mas o ' i j Accis aproximava-sc de cada um Por isso o esmoler de Assi r . , ,. ^mava-os pelo nome, prdia que deles, aprendia seus nomes, cna^''>,' r ,i : i a sua vida, perguntava por suas lhe contassem alguma coisa de esperanas, interessava-se por sua sa Os pobres coitados, habituados indiferena dos grandes j i 3ric na cabea e nao podi am come dos pequenos, punham as mos . . j a c^erciante importante podia ntepreender como o filho de um com" - f , i i i.^ncia arrastada de cada um deles, ressar-se pessoalmente pela existeii" c . ^ n um seu olhar c em seus gestos o Sentiam-no perto. Percebiam em 45 palpitar de uma ternura secreta, alguma coisa que a nao podiam explicar, como se um anjo tivesse baixaJc o corao de Deus. Saa cantando por entre os ciprestes e castarh' o bosque ou a gruta. Encontrava-se com o primeiro r e lhe entregava o dinheiro que tivesse no bolso. Cc o caminho. Mais adiante encontrava um segundo s haja uma lmpada aces a em meu nome. Pagarei tudo 0 maior prazer. BOM COMERCIANTK guiu caminho subindo a encosta que, erm pucos minutaria a sua casa. No breve tra jeto, foi ;i inudiineendo seus s imediatos. Precisava de dinheiro para compnr ma terial itruio. Para dispor de dinheiro, tinha que fm um bom )cm seu comrcio. No hav ia lugar mais i| >ro;>nido do que i, na feira a que seu pai o havia Ic-vitl> tniiia .s vezes, ortante era proceder com rapidez. mndo ps o p na soleira da porta, j estava iwl> decidido, eno se preocupou nem em com er nem cm lu ri.m.l< es. Preparou o cavalo e carregou sobre ele lima nniaa Je vistosa s fazendas imaginamos que Hein.nuw eslava e - Ao sair de casa, persignou-se como in (si.iv.i axlendo uma empresa importante e sagrada, r se dingin oligno com a alma transbordando de alegria oi um negocio completo. Em poucas horas, vend eu mdu c j cavalo. Com a bolsa cheia, no prprio caminho de volta ia So Damio sem pr ecisar entrar nas muralhada cidade Francisco! Ainda acreditava na onipotncia d (f ahriW lepressa chegaria o desengano e celebraria o mas irreduii ivrcio que j houv e entre um homem e o dinheiro., i * * * Zom a bolsa no alto e sacudindo-a fortemente para que aedas soassem como um clar im de guerra, I;raiviscn apre use diante do velho sacerdote. Falou-lhe com i-iit usiasiiio ;u projeto de restaurao da vetusta ermida. Suplicou ao vel capelo que acei tasse a bolsa integralmente. O bom padre no sabia para onde olhar. Tudo aquilo fa zia-o ar que o rapaz tinha perdido a cabea ou que estivesse indo dele. Tinha lido nas Vicias dos Santos converses ful-ntes. Mas era bem outra coisa acreditar na t ransformao j moo, que at ontem era o guia da juventude mais mun-de Assis. 61 Alm disso, conhecia o corao duro de Pedro Bernardone e no podia entrar numa eventual discusso com o velho e violento mercador. Por isso, com grande estranheza do Irmo , o velho capelo recusou a suculenta oferta. DIVRCIO E ESPONSAIS Na minha opinio, aqui, neste momento, que se vai levantar a muralha divisria, alta e intransponvel, que dividir em duas metades a histria de Francisco de Assis. Vamo s assistir a duas despedidas e a dois esponsais, efetuados to improvisamente como todas as coisas do Irmo de Assis, e que teriam to grandes conseqncias na histria do

esprito. Aqui morre e sepultado o filho de Bernardone e nasce Francisco de Assis. Em primeiro lugar, diante da renuncia do sacerdote, Francisco agarrou a bolsa son ora e, no sem um certo desdm, atirou-a ruidosamente contra o batente da janela. De spediu-se para sempre do dinheiro e, pelo que parece, nunca mais em sua rida che gou sequer a tocar o apetecido metal. um dos divrcios mais estranhos e sagrados d a histria humana. Francisco le Assis foi o homem que no desprezou nada em sua vida , menos o dinheiro. Por que se despediu com esse ar de desdm? Desenga-lou-se quando comprovou que o m etal no onipotente, pois o servia para restaurar a ermida? Havia mais do que isso. Filho de opulento burgus, com elevada capacidade de [ercepo, a vida lhe havia ensin ado muitas coisas: onde est ) dinheiro no h lugar para outro Deus. Onde h dinheiro o h amor. O dinheiro corrompe os sentimentos, divide os oraes, dissocia as famlias: in imigo de Deus e inimigo do bmem. Por tudo isso, nos anos de sua juventude, Francisco foi criando uma averso profun da pelo ouro e pela prata. Nesse gesto rpido, nessa instantnea "liturgia" de arroj ar a bolsa, estava retida toda essa averso. E nessa mesma cena comea 62 o culto do Irmo Senhora Pobreza. Poucos romnticos teriam guardado to alta fidelidad e dama de seus pensamentos como Francisco a sua Senhora Pobreza. Em segundo lugar, abrira-se uma distncia invencvel iitre ele e a famlia, entre ele e a sociedade. J no havia na.l de comum entre eles. Ningum o compreendia nem podia >in preender: vivia em outr o mundoA famlia e a sociedade firmam os ps sob.,- o comum, sobre a plataforma de convenci onalismos e nc, i mIJ< s vezes naturais, s vezes artificiais: e preciso casar-se. ... ..... ganhar dinheiro, construir um prestgio social. . . i; d.li, .1 impossvel, ser livr e nesse ambiente, e o homem qu. < seguir Jesus at as ltimas conseqncias precisa antes de do da liberdade, e no h liberdade sem sada. Tinha chap, para Francisco, a hora do xodo: Sai de tua terra e dtua parentela. Quando o Irmo viu que o sacerdote recusava to tena, I a bolsa de dinheiro, ajoelho u-se a seus ps com grande rncia e suplicou que pelo menos lhe permitisse morar em co mpanhia junto da ermida. O sacerdote consentiu. Aquela a primeira vez que Franci sco no voltou para casa: doiu na ermida. E assim, com tanta simplicidade, consuma -sc * gundo divrcio: a ruptura com a famlia e com a socicd.,1, Pelo que parece, Francisco nunca mais voltou para Ij a no ser quando o velho merc ador o encerrou num calabo. Referindo-se a essa ruptura, o Irmao dlra em scu los tam: "E sa do mundo". O divrcio com o mundo significava esponsal com Jesus e com se u evangelho. De agora em d, o irmo no pertence a ningum, ficou livre para compr-terse e pertencer s e totalmente a Jesus, e em Jesus a * os pobres do mundo. Da por diante sua casa seria a amplido do nu-Seus amigos seriam os leprosos, os me ndigos e os saltea* dos caminhos. Seus irmos seriam o vento, a chuva, e as primaveras. Acompanh-lo-iam o calor do sol e a luz rfJj Comeria pelos caminhos como os espigadores e como g j tovias. E atravessaria o mundo sombra das asas proc * de Deus Pai. No lhe f altava nada. Estava feliz. etot* COMEA A PERSEGUIO Fazia tempo que o velho Bernardone carregava uma fe . que ainda estava em sangue : a volta repentina e vergor-^ do rapaz quando chegou a Espoleto na expedio para a Afuj^3 Um tipo arrogante no pode assimilar uma coisa des e comea a transpirar ressenti mento e rancor pela fefjj8' Por outro lado, no se teria importado se o rapaz tivesse gas u dinheiro com os companheiros nobres. Afinal, isso era Ur!0 satisfao para sua vaidade. Mas reparti-lo, a mos cheja' com os indigentes da rua era demais. ' Depois, j fazia meses que o rapaz, perdido na solicjgo dos bosques e das montanha s, no prestava servio algum ao no negcio de fazendas. E o que mais torturava o rico rnercad0r era que o rapaz constitua uma profunda frustrao para 0s sonhos de grande za que tinha depositado justamente nele. difcil imaginar, mesmo teoricamente, dois plos t0 distantes e to opostos. E Bernardo

ne, esprito de comerciante era absolutamente incapaz de compreender os novos rumo s d0 jovem sonhador. A situao estava cada dia mais insuportvel unha que arrebentar por algum lado. * * * Francisco sabia muito bem que, mais cedo ou mais tarde a comear a perseguio. Para p recaver-se, tinha encontrado ju preparado nas proximidades da ermida um esconder ijo que - assim pensava dificilmente seria descoberto por seus per-eguidores. Ma s no se sentia completamente seguro em si mesmo. Jo leito de seu rio ainda havia sedimentos de medo: medo h ridculo, medo do sofrimento. Na conquista da liberdade h oscilaes. Nesse momento Francisco estava passando por t emores que no sentia desde a volta de Espoleto. Um retrocesso? No. O ser humano as sim mesmo: no momento em que sua ateno estava afetivamente possuda pela Presena, Fra ncisco era capaz de enfrentar as chamas, o demnio e a morte. Mas a alma no tem o mesmo estado dc ammo em todos os momentos. Quando deixa de ap oiar-se cm Deus o liomcm reclina-se instintivamente sobre seu prprio cvinio e cni ao apa recm inseguranas por todos os lados, como formigas I nino a pessoa busca es conderijos para no sofrer ansiedade < > podei total, a liberdade completa s vm depo is de mil coinlmn feridas sem conta. * * * Depois de uma longa ausncia, Bernardone voltou para casa e deparou com a ingrata novidade: Francisco iinlia lugulu de casa. Dona Pica no sabia explicar direito, e talvez niio o quisesse, pois conhecia muito bem o carter turbulento >lo marido. Como sempre, foram os empregados e vizinhos qu< lli< abriram com prazer as compo rtas das notcias: fazia tempo que nilo voltava para casa; na ltima vez levou as me lhores Ia/cmlus para Fohgno; dizem que vendeu at o cavalo; dizem que dormi na erm ida de So Damio; outro dia foi visto com uns meu digos. . . O comerciante ficou profundamente perturbado I in vc-i gonha, fria e frustrao, tu do de uma vez. Nao |xkIii continuar assim. Esse rapaz louco tinha derrubado o pre stgio da famlia, construdo com tanto esforo, e agora estava anx aando arruinar os negc ios. Resolvido a dar um corte decisivo naquela srie de loucuras, Bernardone lanou vizin hos e parentes como ces de caa l para os lados de So Damio. Diante do estrpito da caad , Francisco correu ao abrigo de seu esconderijo. Depois de muitas 5. O irmlo 65 horas de busca e de haver rasteado os mais inverossmeis:* derijos, voltaram para c asa com o desgosto de no t-lo a trado. O Irmo, que era novio nos combates do Senhor, bJ oculto um ms inteiro no esconderij o, paralizado de me Fct um momento de debilidade, uma crise de fora de fom en seu estado adtico. Pelo que parece, nem o velho capelo sabia o lugai de seu refgio. A preciosa inform ao s era conhecida pwtiro pessoa, que bem podia ser aquele antigo companheiro aruVim o. De vez em quando o Irmo saa com muita precauo t bastante assustado, mas logo volt ava para sua trincheira. m no sentia segurana em si mesmo, colocava toda sua esperana na misericrdia do Senhor. DOURA NA ASPEREZA Certo dia, diz o bigrafo, apoderou-se de todo o seu ser uma consolao como nunca tin ha experimentado antes. Era a nunca desmentida misericrdia do Senhor que mais um vez o libertava das redes da pusanimidade. luz dessa Graa, Francisco lembrou o cdig o dos cavaleiros: no ter medo, nunca desertar, enfrentar sempre. . . Naquele dia teve vergonha da prpria vergonha. Mas no se recriminou. Simplesmente f icou algumas horas revolvendo estas idias: no se pode confiar no homem; frgil como o cristal; capaz de alcanar uma estrela ou de fugir como um desertor; o homem iss o: barro. Mas no preciso assustar-se. E disse: Meu grande Senhor Jesus Cristo! absolve-me de minha pusanimidade. Tu sab es que eu sou uma folha seca ao vento. Cobre-me com tuas asas. Cala meus ps com sa ndlias de ao e no permitas que o medo se aninhe em meu corao. Depois emergiu do fundo escuro da gruta, com a cabea erguida e todo em paz. Nesse momento poderia travar combate com as prprias foras do inferno em ordem de batalha. Sentia-se infinitame nte livre e forte.

Comeou a subir com pasS* Xs^T " '"^ que levava porta oriental das Seja como for, o Irmo de i^ "^" l-> bvel diante daqueles gritos sei*** * t, gMndc ra que envolvia seu rosto, qu.-C , "l"1'""" " ' ' que estava dentro da populaa^ '"f 11-' elo, beijou-lhe a mo com reve rncia e lhe disse: Peo que ne desculpe, padre, pela deciso que tomei esta noite. Qu ero xperimentar viva e diretamente o carinho do Pai. Ele mesmo ai me dar comida todos os dias. Mendigarei de porta em orta como um filho de Deus, sem sair nunca das gostosas tos da gratuidade. Perdoa-me por no poder mais sentar-me tua amvel me sa. * * * Sempre se podia ver o Irmo a pelo meio-dia percorrendo as ruas, batendo s portas, c om os olhos cheios de uma profunda serenidade, alimentando-se agradecido do que recebia das mos do grande Esmoler. Passaram-se meses. As lutas cresciam e minguav am. Mas ainda havia espinhos dolorosos a esper-lo no caminho. Numa manh de inverno, o Irmo subiu cidade para participar da Missa. Entrou na igre ja de So Jorge, lugtl onde tnha aprendido a ler e a escrever, a pouca distncia da c asa paterna. Naqueles dias tinha havido grandes geadas c Frun, i.,,.. com sua roupa de peregr ino, tiritava de frio. Algum tocou lia o ombro dizendo: Teu irmo ngelo me mandou pe rguntar c podes vender algumas gotas de suor. Respondeu-lhe no mei..... tom zombeteiro: Diga-lhe que no posso atend-lo porque ja vendi todas, e a preo muit o bom, ao meu Deus. Passaram-se alguns minutos e aquela cruel ironia COmeOU a doer-lhe profundamente. Sentia muito vivamente as coisas da famlia. Mas logo depois reagiu pensando: Que culpa tem i li de no ter sido visitado pelo Senhor? No lugar dele, certO que eu faria coisas piores. E esse pensamento consolou-o. * * *

Mais do que a brincadeira de mau gosto de seu irniio, o que abatia profundamente a Francisco era a hostilidade de IV dro, seu pai. Aferrado orgulhosa categoria dos Bernardone, no suportava ver Francisco mendigando de porta cm porta. Era dema is para ele. Pode ser que Pedro no fosse to desumano como o pintaram. Pode ser, at, que fosse um ddado honrado. Mas era um burgus cheio de preconceitos de dasse, orgulhoso de seu nome e de sua condio de rico comerciante. Afinal, era um escravo do orgulho da vi da, que consiste em identificar pessoa, dinheiro e imagem social, e em levantar com tudo isso uma esttua, 95 ajoelhar se diante dela e prestar submisso. Era um escravo, como a maioria dos ricos. Sempre que pai e filho se encontravam, de perto ou ce longe, Ms ruas da pequena cidade, Pedro soltava uma rajada de maldies contra Francisco. Apesar de todo o pro gresso na superao de si mesmo, apesar de ter crescido tanto no "conhecimento" de s eu amigo Jesus, o Irmo no podia sofrer a maldio de seu pai. Sentia-o vivamente. E no havia o que pudesse consol-lo nesses momentos, nem mesmo a lembrana lo Crucificado . Ento recorreu a uma estratgia to surpreen-lente como original, e cheia de comoved ora ternura. Escolheu o mais velho e mais cordial de todos os seus imigos mendigos, um tal de Alberto, e lhe disse: Olha, meu migo; daqui para frente eu vou te querer como a meu pai vou te alimentar todos os dias com as esmolas que receber. Em teca, aco mpanhar-me-s sempre pelas ruas. Quando Pedro Ber-ardone me lanar uma maldio, tu sers meu pai querido, qoelharme-ei diante de ti. Pors as mos em minha cabea, atas o sina l da cruz sobre minha fronte e me abenoars. A cena era dramtica e divertida, mas profundamente co-wedora. Por volta do meio-d ia o Irmo ia de porta em porta, x)mpanhado por seu pai adotivo, como um cachorrin bo fiel. velho mendigo ia prestando ateno para quando aparecesse orgulhoso mercado r. Quando este vinha com uma maldio, Irmo se lanava imediatamente aos ps dos mendigo Juntava mos sobre o peito e, inclinando levemente a cabea, suplica: D-me tua bno, meu pai. uma cena que possui J contedo denso de ternura e de humanismo. A ERMIDA DO BOSQUE Acabou a restaurao de So Damio. Depois comeou e minou a restaurao de outra ermida dedi ada a So Pedro, quanto isso, tambm ia restaurando, ou melhor, construindo seu interior a imagem de Jesus Cristo. A voz de Espoleto ava l longe, trs anos atrs . Os sucessivos combates que tivera de enfrentar nesse tempo tinham dado ao Irmo uma grande maturidade e uma p az quase definitiva. Fazia tempo que acalentava o projeto de restaurar tambm uma capelinha perdida no bosque central do vale, a umas duas milhas da cidade. A capelinha estava quase e ngolida pelas trepadeiras e tinha rachaduras por todo lado. Pertencia aos beneditinos do monte Subsio, mas tambm eles a haviam praticamente ab andonado. Por tudo isso, s vezes o Irmo perguntava se valeria a pena reform-la, mas , s porque era dedicada Me de Deus, por quem tinha MpcdaJ devoo, enfrentou alegremen te a nova restaurao. * * * A ermida tinha (e tem) sete metros de comprimento por quatro de largura. Como es tava solitria no meio do Uisnue ,-se dizia que era muito antiga, excitava a imagi nao populur que tinha criado muitas lendas. Dizia-se em Assis, e a verso era unanim emente aceita, que, nas vsperas de algumas solcnida Jes, desciam de noite numeros os coros de anjos que cantav.un aleluias a muitas vozes e faziam grandes festas. Por essa razo era conhecida desde tempo imemorial como Santa Maria dos Anjos. Cha mavam-na tambm de Porriiirn ut porque a tradio dizia que os beneditinos tinham vivid o ali ante* de se instalar no Monte Subsio, e lhes tinham dado uma ptfW na poro de t erra para o cumprimento de suas obrigaes nu, nsticas. Para a reconstruo, Francisco seguiu o mtodo das outras ermidas. Primeiro juntava ma terial, principalmente tijolos, cal, areia, gesso e argamassa. Depois procurava voluntrios. Armava os andaimes. Fortificava as paredes menos arruinadas. Derrubav a as mais estragadas e as levantava desde o alicerce. Primeiro trabalhava do lad o de fora, depois por dentro.

7 O irmo 97 XODO E ASSOMBRO - ^ ^ra la adiante. No comeo, o Irmo pernoitava em ao Uamiio. Mas logo ficou muito seduzido pelo encanto daquele ambiente do bosque, e resolveu ficar na ermida so litria ma e noite. Para sua completa satisfao, a meia hora de caminho estavam os prediletos de seu co rao, os leprosos, e no muito mais longe tinha a cidade para mendigar o po de porta e m Porta. Nesse ir e vir, haveria de encontrar-se sem dvida com seus queridos e ve lhos amigos, os mendigos. Em resumo, na Por-ciuncula tinha tudo: Deus, os pobres , o bosque. * * * Era uma solido habitada por Deus e governada pela paz. 1 ao e para estranhar, pen sava o Irmo, que os anjos celebrem mas testas neste paraso. Passaram-se vrias seman as. A reforma PVig^e maS lentamente, porque a ermida estava longe ade e tir>ha menos colaboradores voluntrios. Mas Irmo no tinha nenhuma pressa de termin-la. ?0 eontrrio, estava to feliz naquele l ugar que resolveu inssAemo" "aqUela IocaIidade na condio de eremita. Como bem os, nesse tempo o Irmo no t inha projetos para o futuro, sabia que rumo sua vida haveria de tomar. Esforava-s e apenas para ser fiel cada dia e vivia espera da manifestao da vontade divina. Trabalhando com argamassa, cal e areia, o Irmo dedicava rias horas ao trabalho, vria s horas aos pobres e muitas horas i seu Senhor. As luas iam e vinham. Francisco sentia-se completamente feliz. 0 S I!Uranfe esses meses houve novidades profundas em sua alma. ondu ,tUlla Prede stinado Francisco para mestre de espritos e |- or e povos. Embora o estivesse pre parando havia anos ara esse destino, submeteu o Irmo a uma preparao mais sva um pouc o antes de faz-lo assumir essas funes. Foi um xodo. Como explicar? Como qualificar o fenmeno? Onde classific-lo? O Pobre d e Assis fez-se mais pequenino do que nunca, mais submisso e dcil do que una criana . Deixou-se seduzir. Foi arrancado de seus prpnos atamos sem se opor. Era como um a folha de rvore arrastada pela correnteza. Saltaram seus gonzos. Voaram seus eixos dc adiamento. Estalaram os pontos de apo io e os centros de gravidade. E o Irmo saiu, ou melhor, deixou-se levar. Por quem ? (,omo cham-lo? Por alguma coisa que era mais do que admirao. Que no era vertigem. Que parecia um suspense. Poder-st-ia dizer que era assombro. Mediu a altura do Altssimo 1, ......p rer, por contraste, mediu sua prpria altura E foi assim aos ps do Altssimo, nasceu o Poverello. Tambm foi assim que nasceu o Sbio de Assis, quando teve uma viso prop ora l da realidade (Deus, mundo, eu)Sada, assombro, fascnio, aniquilamcnto, espanto. Uma impresso contraditria. Quem s tu e quem sou eu? per gunta, resposta, admirao, afirmao, adorar, aceitai com hu dade e profundidade que o Senhor se)a o Altssimo e que o Irmo seja pequenino, ador ar, no resistir, mas aceitar todo maravilhado e agradecido, comeando pela prpria pe qu nez. Adorar, ajoelhar-se aos ps da criao para lavar p*, ligar ferida, pr insetozi nhos em lugar seguro, servir a BMM, reverenciar o insignificante, no desprezar nada ser IrmiO mnimo entre os irmos pequenos da criao, adorar, aceitai prazenteir amente que o Presente seja o Distante, e que AqUtt que a essncia de minha existnda seja ao mesmo tempo a Outra Margem, ficar quieto, mudo, esttico, amar. a revoluo da adorao que faz cair todtt as marcas e arrebenta com todas as fronteiras humanas; * * * Depois da jornada de trabalho, o Irmo descansava ao cair da tarde. Quando saam as primeiras estrelas, preparava-se para seu encontro com o Senhor. Nunca, pensava o Irmo, nunca a presena divina to densa e refrescante como no mistno da noite. Geralmente sentava-se ao p de uma rvore e se dobrava at tocar os joelhos com a test a. Tinha pouca dificuldade para concentrar-se, deixava-se impregnar (no se poderi a dizer como) pelas palpitaes e pelas energias do mundo, submergia-se com prazer n os abismos do Altssimo, e assim passava muitas horas, s vezes a noite inteira, pro nunciando com voz suave e maravilhada, lentamente e com espaos de silncio, estas p

alavras: Senhor, meu Deus! Senhor, meu Deus! S dizia isso. Cada vez mais pausadam ente. Depois prostrava-se de bruos, com os braos estendidos, submerso na substncia do mun do, e ficava calado. Ou melhor, a adorao nunca era to profunda como nesse momento e m que no dizia nada. * * * Muitas vezes levantava-se do solo e adquiria uma estatura estrelada. Um cu limpo em um bosque noturno, pensava o Pobre de Assis, outra coisa. Contemplar as estrelas da base dos abetos, azinheiras, carvalhos e castanheiras, embaixo de sua ramaria espessa, causava-lhe um feitio difcil de explicar. Ficava comovido e agradecido. intil, dizia. preciso ser pobre. Os que vivem nos quartos confortveis e os que dormem em leitos macios dih-dlmente quase impossvel vo entende r a linguagem Ias estrelas e o xtase de quem est assombrado. S os pobres so capazes de descobrir admirados as inson-lveis riquezas da criao. Louva do sejas meu Senhor, pela ibertadora e santa Senhora Pobreza. O BOSQUE E SEUS HABITANTES Tendo recebido tanto, o Irmo sentia necessidade de dar. se dava, primeiramente, p rpria criao. Explode, aqui, ma segunda novidade: a sensibilidade para com as criatu ras. Embora houvesse em sua natureza uma predisposio ina-i para vibrar com a beleza do mundo, nessa poca nasceu 10 Geralmente sentava-se ao p de uma rvore e se dobrava at tocar os joelhos com a test a. Tinha pouca dificuldade para concentrar-se, deixava-se impregnar (no se poderi a dizer como) pelas palpitaes e pelas energias do mundo, submergia-se com prazer n os abismos do Altssimo, e assim passava muitas horas, s vezes a noite inteira, pro nunciando com voz suave e maravilhada, lentamente e com espaos de silncio, estas p alavras: Senhor, meu Deus! Senhor, meu Deus! S dizia isso. Cada vez mais pausadam ente. Depois prostrava-se de bruos, com os braos estendidos, submerso na substncia do mun do, e ficava calado. Ou melhor, a adorao nunca era to profunda como nesse momento e m que no dizia nada. * * * Muitas vezes levantava-se do solo e adquiria uma estatura :strelada. Um cu limpo em um bosque noturno, pensava o 'obre de Assis, outra coisa. Contemplar as estrelas da base dos abetos, azinheiras, arvalhos e castanheiras, embaixo de sua ramaria espessa, cau-iva-lhe um feitio difcil de explicar. Ficava c omovido e agra-ecido. intil, dizia. preciso ser pobre. Os que vivem nos uartos co quase impossvel vo entender nfortveis e os que dormem em leitos macios difi-lmente a linguagem s estrelas e o xtase de quem est assombrado. S os pobres so capazes de descobrir admirados as inson-veis riquezas da criao. Louvad o sejas meu Senhor, pela >ertadora e santa Senhora Pobreza. O BOSQUE E SEUS HABITANTES Tendo recebido tanto, o Irmo sentia necessidade de dar. se dava, primeiramente, p rpria criao. Explode, aqui, ia segunda novidade: a sensibilidade para com as criatu ras. Embora houvesse em sua natureza uma predisposio ina-para vibrar com a beleza do mu ndo, nessa poca nasceu ) n0 Irmo, a partir de suas raze* desconhecidas, ma corrente ternura e de simpatia p ara com todas as cnturas. Numa mesma vibrao estavam envo'^0/ ^eus, at cri aturas e Francisco na mais saborosa e alt fuso. Adquiriu ento uma espcie capacidade rrptiva, Uma" hipersensibilidade de captao i se r K'cr|a ciplicar, comoC se lhe tivesse nascido dez mil te:;i entrasse em reverberao quase csmicaAvanava pelo bosque devaginbo, quase sem i(Kir cho, para no assustar o inseto. Dc repente seu p pitava algum pauzinho, que se quebrava Com o estalido, ,.,,| ,, calava. Francisco ficava em silna1 Mas bem depn-. , , , pando seus litros, o in seto irrompi outra vez com seu agudo. O Irmo chegava bem ptnho e ficava escutando atentamente por muito tempo, com boca semi-aberta. Mira vilhas do Senhor! dizia com voz sve, antes de voltar \mu casa. * * i Um dia deparou com um fenco curioso. Sobre o pstto verde estava aberta uma longa

feni corno o fio de uma rapada. O Irmo se agachou para cavar de perto. Era um cam inho feito pelas formigas, que n c vinham em sua falta Ajoelhou-se e se inclinou para-"rvar de pertinho aquela maravilha. Ficou assombra do com W atividade: as formists carregavam s costas folhas cinco -. surpreendem com um gole de >e quatro azeitonas Mu* o pior, Irmo Francisco, que mais o sorriso que comida e mais o carinho que a Bf* Ti a maioria das |>cssoas nos d com repulsa, com desdm^ m vontade, esticando o brao e desviando o olhar... * * 1 Essas aflies que tinharr.'^do a alegria do Irmo. Sempre tinha o maior cuidado c^cai r no pecado do desprezo, mesmo que fosse em pens.^- Mas desta vez estava sombrio

e dando vez a pensame *uros. Sempre a mesma coisa! disse em voz alta e ameaa'-As pessoas se diminuem 105 diante dos grandes e se engrandecem diante dos pequenos. Eu taintii fazia isso, a crescentou, baixando a voz. Oii.indo algum bale poria e vo abrir, eonlinuava a pensar 0 Irmo, os sorrisos, ceri mnias e cortesia dos anfitries so tanto maiores quanto mais o visitante parecer imp ortante pda roupa, fama ou beleza. Na medida em que vai diminuindo a categoria do visitante, as pessoas vo rolando l adeira abaixo desde a cordialidade at a frieza, da frieza para a desateno, da desat eno para o desdm. O Senhor lanou-os nus neste mundo! No h categorias. O resto so conve cionalismos e roupagem artificial. Quando vir o dia em que os homens vo comear a va lorizar a despojada substncia de filhos de Deus? E levantando a voz pronunciou estas frases: Qual a graa de amar o que amvel, de ve nerar o que venervel, de apreciar a beleza da pessoa bonita, ou de ajoelhar-se di ante de um campeo? O dinheiro classifica. Levanta muralhas de ao entre irmos e irmos. Ia dizer: Maldit o, o dinheiro! mas conteve-se. Apesar de tudo, tinha mais horror pelo desprezo d o que pelo dinheiro. A roupa classifica, continuou pensando, a fama classifica e a beleza tambm. Para o diabo com todas essas classificaes! Que sobrar para todos os filhos de Deus que no tm dinheiro, beleza, ttulos, sade ou fama? O esquecimento e o desprezo. Nunca tinha sido visto to transtornado. Sua respirao estava agitada e tinha um fulg or de ira no fundo dos olhos. Sentia que todos esses pensamentos lhe faziam mal. No se sen-ria bem com essas reflexes, mas no pde evit-las; era como uma fora superior , vinda de fora e estranha a si mesmo. * * * Chegou ermida de Santa Maria. Alguma coisa dizia-lhe pie a paz tinha fugido como uma pomba assustada. O corao MIO nunca deve dar passagem para a ira, pensava, nem mesmo m nome de sagradas bandeiras. 06 Sentia necessidade de reconciliar-se, mas, com quem? No sabia. Depois de meditar um momento, disse: Vou me reconciliar com a me terra, que mantm em p e alimenta igu almente todos os filhos. Dizendo isso, ajoelhou se lentamente. Depois deu um bei jo demorado no solo. Ainda de joelhos, apoiou a testa no cho e ficou horas nessa posio. Alis, era sua posio favorita para rezar. E disse: Meu Deus, antes de tudo, pe a mo no corao do teu servo para que recupere a paz. Tira-me a espada da ira e cura a minha ferida. Sossega o meu corao c as minha s entranhas antes que teu servo pronuncie palavras graves. Nesta tarde de ouro, deposito em tuas mos de misericrdia estas rosas vermelhas de amor: No desprezarei os que desprezam. No amaldioarei os que amaldioam. No julgarei os que condenam. No odiarei os que exploram. Amarei os que no amam No excluirei ningum de meu corao. Deixa-me dizer agora uma palavra nova e aceita-a limpa e sem atenuantes. Meus preferidos sero os preteridos. Quanto mais marginalizados pela sociedade, ta nto mais promovidos serio em meu corao. Na medida em que forem menores os motivos para serem aprecidos, tanto mais sero amados pomim. Amarei principalmente os oo amv eis. Deixa-me reservar o caminho mi florido do meu corao para os leprosos, os mendigos, os tadores de estradas e os pecadores. Assim terei o privilgio ckwuir os passos d e Jesus. 107 HUMANISMO Efetivamente, foram estes os favoritos de seu corao durante toda a sua vida: os ma rginalizados da sociedade medieval, os que no eram "atraentes" ou agradveis de aco rdo com as regras do mundo. Em sua juventude o Irmo tinha observado o mundo e a v ida por dentro e chegou concluso de que nas relaes humanas o que funciona so os plos

de atrao. Pensava: uma pessoa pode no ter beleza, dinheiro ou bondade, mas pode ter fama. N esse caso, o plo de atrao ser a fama, que a far rodeada e estimada. Outra pode no ter fama, beleza, simpatia ou bondade, mas pode ter dinheiro. Nesse caso, o dinheiro vai ser o plo de atrao. Outras vezes vai ser a beleza ou a simpatia. Pode faltar t udo, mas a bondade pode ficar como plo de atrao. * * * O Irmo viu que as pessoas nunca amam o homem puro, a criatura despojada. Amam as qualificaes sobrepostas s pessoas. Mas quem vai amar a pessoa quando comeam a falhar , um por um, todos os plos de atrao, sobrando apenas a criatura pura e nua? Quem va i olhar para ela? Quem se aproximar? S um corao puro e desinteressado, pensava o Irmo . Corao puro o que foi visitado por Deus. O Irmo viu que, normalmente, se o corao no foi purificado, o homem procura a si mesm o nos outros. Serve-se dos outros em vez de servir aos outros. Sempre h um jogo d e interesses, secreto e inconsciente. O caso mais claro o dos polticos, que sempre proclamam estar interessados pelos p obres. Mas, de fato, em geral os pobres so o seu centro de interesses: servem-se deles como um trampolim para promoverem a si mesmos, construir uma figura social e progredir econmica e profissionalmente. Se esse interesse falhar alguma vez, o s polticos abandonaro os pobres com bonitas explicaes. Os pobres ficam sempre expost os ao mau tempo, esperando coraes puros. 108 Humanismo? Humanismo o culto ou dedicao ao simplesmente homem, criatura despojada de enfeites e arente de plos de atrao. O verdadeiro humanismo impossvel onde no exist ir um processo de purificao do corao. Isso precisaria de uma longa explicao, mas o humanismc puro no pode existir sem Deu s, a no ser em escala reduzi dssima. Hoje s Deus pode fazer a revoluo do corao, in ver endo os critrios de valor, derrubando instalaes c apro priaes, e levantando novas esc alas de interesses. por isso que h to poucos humanistas verdadeiros e por isso que os pobres ficam sem pre Ilustrados em sua: esperanas, com as mos cheias de palavras vazias. Na histria da humanidade houve poucas pessoas to htima nistas como o Irmo de Assis. Colocou venerao onde no havii motivos de venerao. Colocou apreo onde no havia iiimivo de apreo. Amou de maneira especial os que no eram amavci Quanto menos plo de atrao hav ia' nas pessoas mais .min. p tava o seu carinho. Nisso, como em tudo, apenas seg uiu i exemplo de Jesus. Neste livro vamos encontrar a cada passo episdios eaot 0 nantes em que resplandece o humanismo do Pobre de Assis. 10 CAPTULO TERCEIRO 0 SENHOR DEU-ME IRMOS DE SURPRESA EM SURPRESA Nessas alturas, o Irmo estava pensando em levar vida de eremita, instalando-se na capelinha restaurada de Sana Maria. Mas esse pensamento ou inteno tambm era provisr io-Sua vida continha, ento, os seguintes componentes: vida contemplativa ao redor da ermida do bosque; dedicao aos leprosos e mendigos. Parece que, terminadas as e rmidas, timbm trabalhou com os camponeses no campo para ganhar o prprio sustento e ajudar os indigentes. I Olhando da altura de nosso tempo, h diversas coisa: y | impressionam vivamente na histria singular do Irmo ds . acontecida at agora. Saltava de provisrio em provisrio. Sua nica prc destino a que estava predestinado. N

essas alturas, o Irmo :ra uma terra arada, oxigenada e purificada. Estava tudo pa irado. 115 yj iii-a-dia. Nos primeiros planos de sua conscincia no havi-njrxia preocupao sombrean do o cu limpo. Mas o ser liiconstitudo por muitos planos justapostos. E li nos nv.' -s profundos, onde no chega a luz da conscincia, o Jiisperava alguma coisa, mas no sabia o qu. Pressentia njjiiesperados. Estava tranqilo, mas vivia espreita. p0(, esperada que fosse, a revelao apareceu ines-peradanai Uufl Irmo foi at o mosteiro beneditino do Subsio. Disse aos mv(,-ie a ermida j estava restaurada e que seria conveniente ir uma celebrao eucarstica para instaurar de no vo o culto diti Combinaram que, no dia seguinte, iria um sacerdote. Era .'de fevereiro, festa de So Matias. A noite tinha sido mui'1- O Irmo passou mui tas horas com o Senhor, para espi* frio. Levantou-se cedo, ao clarear do dia talv ez mais imi*r,te de sua vida. Preparou o necessrio para a Missa cctavcxa devoo e es mero. Convocou os camponeses dos arrei'' e ficaram todos esperando o sacerdote. A Jfj9 comeou e o Irmo ajudava com grande piedade. Acolhia 0 orao e cada leitura, cu idadosamente, no cofre de seu c/0, Chegou a hora do Evangelho e todos ficaram -'m p. Dizia:''ao e preguem por todo o mundo. No levem enhum di'ro no bolso. Tambm no levem s cola de provises. Jma carriii basta. No precisam de sapato nem de basto. ','ivam dc rabalho das prprias mos. Quando chegarem a al-jum povo*0* perguntem por alguma fa mlia honrada e peam bspedageff- Sempre que entrarem em alguma casa, digam: A Paz e steja lesta casa. Sejam simples como as pombas e esperes como ai serpentes. Se rjfc os aceitarem em algum lugar, procurem outro stm prtese- ff muitos lob os por a. No meio deles, vocs so cordeirhs recm-nascidos. Pode ser que os arrastem aos tribunais- o Pai lhes por na boca os argumentos de defesa, os argumentos certos. No tenham medo. Eu vou ficar com vocs at o f-m d mundo. 116 Um relmpago diante de seus olhos no teria produzido o resultado dessas palavras. O Irmo parecia funcionar em alta voltagem. Ficou impressionadssimo. leve a sensao de que o sangue tinha parado em suas veias. Parecia que palavras mortas, tantas vez es escutadas, estivessem de re|icnte recuperando a vida e ressuscitando mortos. Parecia que tinha tido uma cortina escura diante dos olhos durante trs anos. De r epente, o Evangelho desa-rrou a cortina e ele viu um horizonte sem fim, cheio de claridade-Parecia que o sacerdote beneditino se houvesse esuniado v que fora o p rprio Jesus quem pronunciara essas palavras. A Missa continuou. O Irmo estava profundamente como vido. No fim da Missa os aldeo s voltaram para casa. Com muita decadeza, como de costume, o Irmo aproximou se sacerdote para dizer-lhe: Ministro do Senhor, as palavras do : Evangelho toca ram a minha alma. Desejaria escuta l.is ouim vez e, se fosse possvel, que o senho r me desse algum.i exph cao. Pegaram o livro de Missa. Saram para fora da ernml.i Sentaram-se nas pedras ao ca lor do sol. O Sacerdote leu o Evangelho outra vez. Ia fazendo um comentrio a cada verscnlu. Depois um comentrio geral sobre o contexto. O Irmo Ir/ algumas perguntas . O sacerdote deu as respostas. Por um QQ . mento, ficaram os dois em silncio. De repente, Francisco levar.tou-se. Parecia embriagada Seus olhos brilhavam e s ua estatura parecia muito maioi Levantou os braos como duas extensas chamas e , M |......... com voz comovida: Tateando as sombras, faz tempo que Cu buscava e rebuscava a vo ntade de Deus e finalmente a encontrei. Glria ao Senhor! O horizonte est aberto, j sei o caminho. obra do Senhor Jesus Cristo. Vou percorrer esse caminho evanglico mesmo que haja espinhos no meio das flores at chegar ao fim do mundo, e nesse cam inho que vai se apagar a minha vela. = 117 Voltaram para a ermida. Pegou o bordo de caminhante; e o jogou longe. Que mais qu er o meu Senhor Jesus Cristo^ perguntou. E, sem responder, tirou os sapatos e jo gou-os no in.Ho Soltou .1 fivela do cinturo e o lanou com ocot, 00** uma serpente vo adora. Despojou-se d tnica dc ciniimo deixando.i embaixo de uma rvore. Que mais que r o MU Sciihoc Jesus Cristo? perguntou outra vez, alegremente. Pegou um saco rude. Cortou-o e lhe deu a forma de cruz, com um capuz, parecido c

om a roupa dos pastores o Subsio. Amarrou na cintura uma corda comum e, persignand o--se, saiu pelo mundo. PRIMEIRA SADA No caminho da cidade, o Pobre de Assis tinha a viva impresso de ter sido armado c avaleiro de Cristo. Isto o tornava radiante. No mundo inteiro no deve existir ord em de cavalaria mais nobre: percorrer o mundo s ordens do Grande Imperador Jesus Cristo, levar a Dama Pobreza sobre a espuma dos sonhos, socorrer a todos os feri dos pela tristeza, desfazer as tortuosidades do egosmo, procurar a verdade do err o, combater o desnimo dos pessimistas, assaltar as fortalezas do pecado, levar na ponta da lana o estandarte da paz, atingir as estrelas impossveis. . . Esses pens amentos deixavam-no brio de felicidade, enquanto caminhava em sua primeira sada ev anglicaAproximando-se da cidade, nem parou em San Salvatore, com seus irmos cristos. Segu iu adiante e, quando topou o primeiro campons, cumprimentou-o: "O Senhor te d sua Paz Da em diante, comeou a cumprimentar a todos que encontrava pelos caminhos ou p elas ruas com essa saudao evanglica, em vez de dizer "bom dia". Foi direto para a praa principal. Duas ou trs pessoas se aproximaram, estranhando aquela roupa chocante. Ao explicar por que tinha trocado de roupa, comeou a impro visar sobre os motivos do Amor. Logo se juntaram dois ou trs curiosos quando escu taram sua voz forte. Ento trepou nuffia pedra grande da praa e levantou o tom e a inspirao. 118 O Irmo sabia muito bem quais eram os pontos fracos dos ouvintes e para eles dirig ia as palavras com grande liberdade de esprito. No era a primeira vez que os habit antes de Assis ouviam um leigo improvisando na prata. Estavam habituados a escut ar os valdenses e os patarinos. * * * Eram palavras to simples e penetrantes como o fio de uma espada. Nunca alava vo pe las cumeadas il.i oratria Era coisa que no combinava com sua personalidade. Muito pelo contrrio, suas palavras eram breves, preferentementc palavras textuais de Je sus, com algum comentrio adicional. Suas .xoi taes eram reiterativas e tinham carter muito prtico Num ca se perdia em palavrrios nem em elucubraes teolgica*. Conciso, br eve, prtico. Sua pessoa e sua vida eram uma verdadeira pregaio. Havia calor e convico em sua pal avra porque s falava do que j tinha vivido. Quando acabava de falar e ia embora, o s ouvintes voltavam em silncio para casa. Ainda havia alguns qtSJ no levavam a srio e sorriam zombeteiros, mas quando viam sua sinceridade, o sorriso se lhes conge lava e ficavam desarmados. Era difcil escapar daquela serenidade que cativava e c ontagiava. Conseguia despertar a sede de eternidade que mora nos ltimos pores da alma. Com su a palavra breve e simples, dava resposta s interrogaes fundamentais da vida. No se s abe porque, ouvindo sua voz, as almas recuperavam a sombra da paz para refrescar as chamas interiores. Todos sentiam-se felizes. O Irmo voltava todos os dias cidade. Onde houvesse um grupo de cidados agrupados p ela ociosidade ou por outro motivo, apresentava-se o embaixador da paz e, sem pe dir autorizao, comeava a debulhar suas proclamaes evanglicas. Fazia-o com tanta humild ade e simplicidade que ningum ficava ofendido por ter sido interrompido em sua co nversao. 119 Um dos lugares onde mais gostava de anunciar a Palavra era o prtico do templo de Minerva, junto das grandes colunas cotntius. A cidade acabou esperando as visitas do evangelista, porque todos sentiam que aq uelas palavras lhes faziam muito bem, e as pessoas voltavam para casa com calma e paz em suas almas. Alm disso, esse mensageiro no atacava ningum, nem o Podest nem o clero nem os magistrados. No se apresentava com ares de reformador, mas como aq uele que descobriu um tesouro e quer que todos participem. O PRIMEIRO COMPANHEIRO uma constante na Histria das Religies o fato de que o profeta, uma vez assumida su a misso, abandone a famlia e se afaste do pas. raro que regresse, e nunca como prof eta. Normalmente sua palavra e prodgios resplandecem em latitudes muito distantes

de sua terra natal. Nisso, como em tantas outras coisas, o Irmo foi uma exceo. Parece que nunca teve te ntao de afastar-se de sua terra. Em nome do Evangelho, tornou-se um itinerante inc ansvel para semear palavras de vida eterna em terras de fiis e intiis, mas nunca le vantou sua tenda de campanha do vale em que nasceu, e a epopia franciscana sempre teve seu epicentro era Assis. * * * Quanto categoria social, Bernardo estava muito acima de Francisco. Era gentil-ho mem, e uma crnica diz que "por seu conselho regia-se a cidade de Assis". Mercador como Francisco, mas de maior fortuna, Bernardo era naturalmente ponderado e ref lexivo. Dificilmente se entusiasmava e mantinha controlados todos os seus impuls os. Reflexivo, cauto e um tanto reservado. 120 Tinha aquele sentido que permite distinguir o essendal do acessrio. Tinha meditad o muitas vezes sobre a contingncia da transitoriedade de toda a criao e, misteriosa mente, esse pensamento no o entristecia, mas lhe dava paz. Convencido de que nada vale a pena, porque tudo vai e vem e coisa alguma permane ce, foi desprendendo o corao dos bens terrenos e comeou a aderir s razes eternas e cu ltivar aquela sede de Deus que, alm de Graa, era uma prcdis|x>sio inata de sua perso nalidade. Foi a que comearam os primeiros devaneios mstico de Francisco. Sendo ponderado, Bern ardo ficou na expectativa. Pai-saram-se meses e anos, e Bernardo comeou a pensar: Francisco acertou. Tinha tudo e deixou tudo. Agora parece "MM feliz do que todo s ns. Vive sem ter nada e como quem poa-sui tudo. E sua converso no foi uma febre p assageira. Nada disso seria possvel se esse Francisco no tivesse uma amizade arden te com Deus. Vou observ-lo de perto para verificai 0 grau de sua transformao. Convidou-o um dia para jantar em sua casa. Depois, diaae: Francisco, j muito tard e e a Porcincula longe. Vou mandar preparar outra cama no meu quarto, para voc pod er descansar. Bernardo tinha na parede uma imagem do Senhor, iluminada por uma lm pada tnue. Francisco deitou-se e fingiu um sono profundo. Berna ido tambm se deitou e comeou a roncar para fingir que catava dormindo. Ento Francisco levantou-se silenciosame nte, ajodboU -se diante da imagem, estendeu os braos em cruz e comeou a dizer lent amente, suavemente: Senhor, Senhor! Parecia que aquelas palavras vinham das entranhas da terra e arrastavam consigo a adorao de todo o mundo. No dizia mais nada. Nunca se viu tamanha fuso entre a pessoa, a palavra e o contedo da palavra. Bernar do estava profundamente comovido e at contagiado. Olhava-o dissirnuladamente: ao claro mor-tio da lmpada recortava-se a figura de Francisco, que parecia a adorao tran sformada em esttua. 121 Frarufo no saiu dessa frase. Mas havia tal variedade de rnaiizts na maneira de pro nunci-la, que sempre tinha um tom difcteite, como se cada vez fosse a primeira. s vezes elevava a intensidade da voz, mas a inflexo era mais da alma que da gargait a. Outras vezes parava e ficava em silncio. Com freqncii o tom assumia a profundida de de um suspiro ou de um soluo Ento Bernardo ficava com um n na garganta e tinha q ie fazer fora para no chorar. Francisco permaneceu assim at a aurora. Foi uma noite memorvel. * * * Na nanh seguinte, Bernardo disse a Francisco: Irmo Francisco, o Senhor me deu riqu ezas. Vi que as riquezas me separam do ram Senhor. Eu quero que o Senhor seja mi nha riqueza. Que devo fazer? vedade, senhor Bernardo, respondeu Francisco. Se as riquezas ocupam a alma, difci l que o Senhor seja a sua riqueza. Trata-se de uma alternativa, senhor Bernardo: ou Deus ou o dkheiro. Ento, que devo fazer, insistiu Bernardo? Amanh vamos cedinh o igreja e o prprio Senhor haver de nos nunifestar sua vontade, respondeu o Irmo. No da seguinte saram cedo de casa. Passaram pela casa episcopal, onde chamaram Pe dro Catani, cnego de So Rufino, que tambm tinha manifestado o desejo de fazer o mes mo que Francisco. Atravessaram a praa principal e chegaram igreja de So Nicolau. P articiparam da primeira Missa e, considerando a importncia do momento, ficaram em

orao at as nove. Ento Francisco levantou-se com a atitude de quem vai fazer alguma coisa muito imp ortante, aproximou-se do altar-mor com reverncia e pegou o missal. Com surpreende nte ingenuidade e com aquela f que transporta montanhas, submeteu a delicada ques to ao juizo de Deus, suplicando ardentemente ao Senhor que lhe mostrasse sua vont ade, s de abrir o livro. Abriu o missal pela primeira vez e seus olhos caram sobre estas palavras: "Se que res ser perfeito, vende tudo o que tens e 122 d-o aos pobres; depois vem e segue-me". Na segunda vezb: "No levem nada pelo camin ho, nem bolsa, nem dinheiro, aem basto, nem troca de roupa". Na terceira vez, enc ontrou stas palavras: "Se algum quiser vir comigo, renegue a si mesmo, carregue s ua cruz e siga-me". Eram textos que tinham a (ora, a brevidade e a clareza de um relmpago. Francisco depositou outra vez o Missal no altar. Voltou-se para os nefitos presse ntindo a transcendncia do monento. Havia em seus olhos um brilho de amanhecer. Ergueu-se sobre o degrau mais alto do altar e lhe disse: Amigos, o Senhor falou. No precisamos comentar. Nc-m. um mento, um comentrio seria uma audcia, talvez uma p roanao. Foi o Senhor quem decidiu. O Evangelho ser no ......uai inspirao e legislao, no s para ns, mas tambm pita o* que quiserem juntar-se a ns. Va diante, irmo. Que o Evangelho recupere, sob os ps de vocs, todo seu frescor e novida de. Glria ao grande Deus e Altssimo Senhor |cmi Cristo que, em sua misericrdia nunca desmentida, indicou nus o caminho e nos abriu as portas do mundo. * * * O Irmo estava emocionado. Senhor Bernardo, disse, csia a resposta para a sua perg unta. Os trs saram da Igtcjl, atravessaram a praa e foram diretamente para a casa d e Bcrnardu. Fizeram uma diviso: estas coisas e tanto dinheiro para o leprosario d e San Salvatore. Esses tecidos e mais tanto dinheiro para outros hospitais pobre s. O resto vai ser repartido hoje mesmo entre os pobres na praa So Jorge. Foi um espetculo capaz de comover as pedras. Em noine do Evangelho, o gentil-home m mais abastado da cidade desprendia-se de todos os bens para seguir a Cristo ac ompanhando os passos do Pobre de Assis. Era 16 de abril. Vivas, vetos, mendigos, todos os pobres afinal, reuniram-se na praa pura receber sua parte. 23 sacudida por uma comoo probj,. Mas A da* de acordo com aquela prodigalize. Se nem todos estay de Assis fjzessem o mesmo, andariam todos os ccoercia algum. um vrus pt-^oso o a cidade cm um ^ > Bem>rtjone> dizia outro. Ser fie esse desse rapaz buco . fl situao dos pobres? pintava esbanjamento vai outro. Sem teto, sem uma moeda no bolso, sem dispor fc um palmo de terra neste mundo, s em famlia nem ptria, j, trs peregrinos cruzaram a porta octdental das muralhas, sa^ da ddade e cheios cie alegria e de liberdade, dirigiran* para Santa Maria dos A njos. Ao p da letra, eram esteiros neste mundo. O Irmo estava feliz. Nunca analisava os acontecinentos nem projetava o futuro. Ne m lhe passou pela cabea esse grupinho era, haveria de ser ou poderia ser a primei ra clula ie um grande movimento. Era o homem do presente. ?iVia a ilegria de pens ar que grandes cavaleiros estavam ing^ndo ia nova cavalaria, colocando-se s orden s do Grande Imp;tldor, Jesus Cristo. E esse pensamento enchia-o de alegria. No dia seguinte levantaram trs minsculas chocai com troncos, galhos secos, palha e um pouco de barro. Cada choa rio era mais alta que um homem normal, tinha o cump rimento de um corpo deitado e mais ou menos um metro e meio de largura. Posterio rmente abriram uma valeta formando um quadrado amplo. Nela plantaram uma cerca v iva de bustos. No centro do quadrado levantaram uma cabana relativamente grande, semelhante cabana dos pastores que vivem nos Ape-ninos. Depois de alguns meses, j existia no bosque: a ermida restaurada por Francisco; a cabana grande dentro da cerca viva; vrias choazinhas individuais, cada vez mais n

umerosas, | espalhadas pelo bosque. 124 Bernardo e Pedro fizeram um roupo parecido com o de Francisco, da "cor dos burros da regio", entre o pardo e o cinza, tecido de acordo com um modelo muito simples : de uma s pea com um capuz, e cingido com uma corda. Tambm a roupa era parecida co m a dos pastores dos altos Apeninos. NOVO MEMBRO Os novos acontecimentos levantaram em Assis uma nuvem de boatos. A despedida do clrigo mais douto e do gentil homeni mais influente deixaram vivamente impression ado um i>>v rimar s scnirm a viva repugnncia pela Cruz. Por isso, fechamos instintivamente os olhos pari i Ctw ; ali u-iin- quando saam pelo mundo. Qua se todos eram jovens; x>h>rc8 e felizes; fortes e pacientes; austeros e dceis. Entre si eram corteses e carinhosos. No amaldioavam i raobrcza, nem o clero, nem n ingum. Sua boca sempre pro-m ciava palavras de paz, pobreza e amor. Misturavam-se de preferncia com a multido de doentes, pobres e marginaliza-. Sua palavra tinha a utoridade moral porque primeiro tinham dado exemplo. MESTRE DE ESPRITOS Mas isso no brotou tudo por magia, e nem era tudo ouro puro. Voltemos aos sete ir mos da Porcincula. Francisco sabia muito bem de que material somos feitos. Sem ter sado de suas fron teiras, conhecia, por experincia, a fragilidade humana. Lembrava suas oscilaes e os altos e baixos dos primeiros anos para corresponder Graa, apesar de ter recebido poderosas "visitaes" do Senhor. Se Deus tinha jsado de tanta misericrdia para com ele e, apesar disso, ele tinha sido to renitente em seus anos de converso, que dev ia esperar dos outros? Na formao do irmo preciso ter um grande respeito, muita pacincia e principalmente um a esperana invencvel, pensava o Irmo. Enquanto o homem respirar, dizia, capaz de fa zer prodgios. Ele sabia muito bem que tambm poderia haver catstrofes, mas preferia no pensar nisso. Tratava cada um como dona Pica o havia tratado. Com ilimitada pacincia e sumo car inho. Nunca vigiava. Sempre cuidava. Ningum se sentia ofendido por suas correes. Ma is do que correes, eram orientaes. O amor! pensava mil vezes. Essa a chave: o amor. Formar amar. O amor faz possvel o impossvel. O Irmo nasceu sensvel ao amor. Recebeu de sua me uma ternura interminvel e de Deus Pai excepcionais cargas afetivas. Tudo isso 146 fez com que fosse feliz e livre. Aprendeu com a vida que nicas armas invencveis na

terra so as do amor. Em seus ltimos anos, dava sempre este conselho para os casos iimpos sveis: "Ama-o como ". Qual a graa de amar uma pessoa cativante? perguntava-se. Bem depressa comearam a c hegar Porcincula toscas pedras de cantaria com um grande desejo de w consagrarem a Deus e de serem polidas pela mo maternal dc Francisco . Como em todo grupo humano, alm dos jovens transparentes chegavam tambm Casa Me da P orcincula outtw jovens fechados em seus prprios muros, daqueles que entra-brem a p orta mais para observar do que para serem observado, daqueles que guardam explosi vos em seus trios l- que comer "na mesa do Senhor". Tambm comiam espigas recolhidas nos restolhos e fruta silves res. Bebiam gua fresc a nas fontes. Em seus rostos havi um gOXO inextinguvel e uma satisfao geral difcil d e explicai Para dormir, s vezes tinham que formar pequenos grupos: uns iam para u m paiol, outros para as eiras onde juntavam as messes outros, para runas de velho s castelos. . . Cada noite era uma aventura divertida e na manh seguinte tinham o que contar uns aos outros. Riam-se. Francisco dizia que eram aventuras cavalhei rescas pela Dama de seus pensamentos, a Po-breza. Vendo-os to felizes, Francisco estava tranqilo. Mas em todas as paradas falava-lhe s de esperana e de consolao. At aora no tinham tido nenhum motivo de preocupao, mas p

sentia que em Roma haveriam de encontrar fortes provaes. as a car. 176 Para anim-los, disse: Sonhei esta noite que ia caminhando pela Via Flaminia e, ao lado da pista, levantava-se uma rvore muito alta e copada. Parecia a rainha da p aisagem. Fui a alguma distncia para apreciar as propores da rvore. A, mas que prodgio! comecei a crescer at ficar do tamanho da rvore. Segurei nas mos sua galharia e a i nclinei sem esforo at o cho. Foi Deus quem te mandou esse sonho, diziam os irmos. E durante o dia, enquanto ca minhavam, iam todos comentando o sonho e cada um apresentava sua prpria interpret ao Mas todos achavam que aquele sonho era um bom pressgio. Quando viam de longe a torre de alguma igreja, ajoelhavam-se e rezavam devotamen te o "Adoramos". Era um espeta culo. Freqentemente, quando Bernardo o decidia, pa ravam IM bosques solitrios e consagravam algumas horas ou o dia 10 teiro orao. De v ez em quando o Irmo se isolava do grupo, entrava nas aldeias, convocava as pessoa s para as praas, c lhes falava do Amor, da Paz e da Pobreza. Caminhando pela Via Flaminia, atravessaram o planalto de Rieti. Foram descendo, depois, para as baixadas dl ClB pina Romana. E um belo dia chegaram a Roma. EM BUSCA DO PONTFICE A maioria deles nunca tinha estado na Cidade Ktcrna Quando atravessaram as mural has e pisaram as primeiras ruas, sentiram-se ao mesmo tempo surpresos e oprimido s pelo rumor da poderosa cidade. Igrejas sem conta, umas mais esplendidas que as outras, palcios e torrees, senhores feudais com seus squitos de cavaleiros, elegan tes damas em corcis brancos ou pretos, cortes de reis. . .. e, no meio desse espl endor, aquele punhado de rfos, com os olhos no cho, as mos dentro das mangas e os br aos cruzados, bem achegados uns aos outros, constituram um espetculo difcil de esque cer. Atravessaram a cidade no meio da curiosidade das pessoas que os olhavam e pergun tavam quem eram. Eles quase no per177 12. O irmio. . cebiam mdi. absorvidos pela idia de que estavam pisando Solo s.i)m.||( Passaar, por uma das pontes do Tibre e foram logo ajoelhar-se diait do sepulcro dos santos Apstolos na grande baslica COM* iniana, na colina do Vaticano. Os pereg rinos entravam e nim, mas os nossos irmozinhos ficaram pregados no cho, ntnndament e inclinados e com os olhos fechados, formando xno scmpre um peloto. Que espetculo ! A emio, apodcrou-se do grupmh. Mil pensamentos cruzaram a m-v Je Francisco. Somos pequeninos e no valemos nada, pensivi 0 Pobre de Assis. Que podemos fazer para f irmar as coLns da Igreja? No podemos lutar contra os sar-racenos, poilo temos arma s. Alm disso, que adianta combater? No foitmog lutar contra os hereges porque nos faltam os argumertu dialticos e a preparao intelectual. Nos so podemos ofeer as ar mas dos pequeninos: o amor, a pobreza e a paz. Qie rodemos pr servio da Igreja? S i sto: viver ao p da ler0 Evangelho do Senhor. Saindo i. Baslica, o Pobre de Assis aproximou-se de um clrigo e lhe .:rguntou onde vivia o Santo Padre. No palcio de Latro, rrsndeu o outro. fcil conversar com ele? i nsistiu o Irmc. ^is, prncipes e cardeais passam semanas na ante-sala espmido sua vez para uma audincia, respondeu o clrigo. Vamos kt, a casa do vigrio de Cristo, disse Francisco aos irmos. daro que ele vai receber-nos de braos abertos, porque a stnkra bendita de Cristo na terra. Se era to fcil conversar con ( Senhor nas colinas da Galilia, por que vai ser difcil entrst ar-se com o seu Vigrio nas colinas romanas? Vamos, em mie dD Senhor. E dirigiram seus passos para o palcio de Lar. Sempre xrnando aquele grupinho unido, atravessaram outra vez a cdife por entre t rombetas e palcios, vendedores 178 ambulantes e bufes, cortesos de reis longnquos, damas elegantssimas e perfumadas, ci dados vindos de todas as tribos e naes.

Os irmozinhos, assustados e deslumbrados, nem levantavam os olhos, e em momento a lg1-1111 "veiam a curiosidade de ver os palcios ou mesmo de visitar as igrejas. T inham vindo procurar o Santo Padre e o resto no lhes interessava. PRIMEIRA ENTREVISTA Quando chegaram grande esplanada do palcio pontiiioil, Francisco disse: Fiquem aq ui, meus irmos. Supliquem no Sr nhor que se digne inclinar o corao e a mente do San to l'.idn para que ponha seu selo em nossa pequena Regra. Separando-se deles, avanou com tranqilidade ate a |nia principal do enorme edifcio. Entrava e saa muita SI Atravessou a porta principal e continuou avanando, com ps descalos e aquela roupa estranha. Seguiu um corredor e depois mais outro. Perguntou pajo apartamento do Santo Padr e e lhe deram uma orientao apto ximativa. Olhava para todos os lados e para todas as pessoas. Mas fazia-o com os olhos to lmpidos e um olhar to confiante que em nenh um momento os guardas desconfiaram dele. Foi assim que chegou at o corao do edifcio, nas pio-ximidades da ante-sala do Papa. No corredor que unia e separava a ante-sala da sala, o Irmo de Assis encontrou-se de improviso com a figura imponente de Inocencio III. No mesmo instante, o Pobr e de Assis lanou-se a seus ps e comeou a falar depressa: Bom dia, Santssimo Padre. E u me chamo Francisco e sou de Assis. Venho a seus ps para pedir um privilgio: quer o viver o Evangelho ao p da letra. Quero ter o Evangelho como nica inspirao e legisl ao de nossa vida, no ter rendas nem propriedades, viver com o trabalho de nossas mos . .. Disse tudo isso olhando-o de baixo para cima, de joelhos e to pequenino, diante d o Pontfice em p c to imponente. Este 179 .: "! h>go a palavra porque viu nos olhos tio Pobre unia l DspaiiMiiu estran ha, e percebeu cm seu jeito uma infinita nverencia, completamente isenta de serv ilismo. Mas, depois das primeiras frases, o Pontfice disse: Est , est brm! como quem diz: B asta! O Irmo calou-se na imi.,1 a.'ti () I'>m lice ficou surpreendido com a obedinci a ir.tantnea. Tudo aconteceu em segundos. Duianlt o instante que o Pontfice levou para se refazer ca surpresa, houve um siln cio brevssimo que o Irmo enten-t como *na autorizao para continuar e aproveitou para dizer: O pnprio Senhor me revelou que eu devia viver se-prdo a forma do santo Ev angelho. Faz dois anos que comecei a viver (M frma de vida. Depois o Senhor me de u irmos. Arara somes doze. Eles esto l fora. Escrevemos uma Regra-zirla, com palavr as simples e breves... Quando ia comeando a tirar a Regra debaixo do brao, o Pontfice fez um pequeno movim ento, quase um gesto, como quem dissesse: Agora, chega! Francisco, eu carrego aos ombros problemas urgentes e gravssimos, disse o Papa. E stou velho. No posso atender tudo pessoalmente, Se quiser que te escute, pede rec omendao, consegue uma audincia e espera ma vez. Deu meia volta e se foi. 0 Irmo levantou-se e ficou olhando at que perdeu o Pontfice de vista, na entrada de sua cmara. Comeou a voltar com passo lento. Na curva do corredor, olhou para trs, para ver se ainda enxergava o Pontfice. Enquanto percorria os interminveis corredores que levavam ao trio, o Irmo ia pensan do: Ele tem razo. O Santo Padre carrega o mundo nas costas. Seus problemas so grev es. Os nossos no so nada. No queria roubar-lhe tempo. S queria que dissesse um "est b em" para o nosso pedido. Pedir uma recomendao, a quem? No conheo ningum. Ns somos insi gnificantes. Nesta noite, vou consultar o Senhor. 180 RECOMENDAO Quando reencontrou os irmos, ante seus olhares nter-rogadores, a primeira coisa q ue Francisco disse foi: Temos que rezar mais e fazer penitncia. Vamos sair da cid ade e procurar um bosque para rezar. O prprio Senhor, s Ele, vai resolver as dific uldades. Na rua, j perto das muralhas, deram de cara com Dom Guido, Bispo de Assis. Grande surpresa e alegria para todos. Dom Guido no sabia das andanas e das intenes dos irmo s. Supunha que, como de costume, andassem pelo mutUM 1111 suas viagens apostlicas .

Este Francisco no serve para os bastidores da diploma cia, pensava Dom Guido. A I greja administra os tesouros etrnu"-, mas est instalada no reino da terra. Seu de stino transformar a terra em cu; por isso os interesses so celestiais, mas o usos e costumes so terrenos. Francisco no pertence poltica, mas transparncia. Seria uma pena, continuou pensando, que por falta de uma orientao diplomtica Franci sco se perdesse para a Igreja e a Igreja perdesse esse formidvel fermento evanglic o. Para triunfar na Igreja, no basta o esprito. preciso ter tambm tino, perspiccia e circunspeo, isto , uma diplomacia fundamental. Por isso, o Bispo decidiu dar todo apoio a FrancilCO, abrindo-lhe acesso aos mea ndros da alta poltica eclesistica, para que sua voz chegasse diretamente aos ouvid os do Santo Padre. Ficai aqui, irmos, que eu vou aplainar o vosso caminho. * * * Dom Guido lembrou-se de seu grande amigo, o cardeal Joo de So Paulo. Hoje em dia, pensava Guido, no h nenhum cardeal no colgio cardinalcio que seja to influente e prin cipalmente to estimado pelo Santo Padre como Joo de So Paulo. 181 Dom Guido (oi direto para a casa do cardeal. Cantou os antecedentes histricos de Francisco e do movimento, falando com entusiasmo da comoo de Assis e de tantos suc essos Kmitos c dramticos. So submissos e reverentes cornos sacerdotes, disse. O testemunho de vida s vezes c ausa um pouco de confuso e de desafio, e quase sempre obriga os sacerdotes a faze rem uma reviso de vida. Mas isso bom. E acabou dizendo que seria melhor sua Eminnc ia conhecer pessoalmente os irmos, convivendo com eles alguns dias. De fato, Francisco e alguns de seus companheiros foram hspedes do cardeal So Paulo por alguns dias. PROCURANDO DISSUADIR O cardeal tinha estudado e exercido a medicina. Mais tarde ingressou no mosteiro cisterciense de So Paulo Extramuros. Depois de uma vida penitente de muitos anos , foi nomeado cardeal em 1193. Seu corao tinha sido refeito imagem e semelhana de C risto Jesus. Era difcil encontrar no Colgio Cardinalcio outro homem to austero e de tanta f. Nos dias em que Francisco e seus companheiros estiveram na casa do cardeal, vive ram sua forma de vida ao p da letra, como de costume. O cardeal esteve observando suas atitudes e palavras. Como era sensvel s coisas do esprito, no custou para desc obrir e avaliar a envergadura daqueles pobrezinhos. Por dias seguidos, o cardeal submeteu Francisco a amplos interrogatrios. Bem depr essa ficou cativado pela simplicidade de alma e pelo poder espiritual do Pobre d e Deus. A gente tem a impresso, pensava o cardeal, de que o Hvangelho um livro embolorado , encadernado e dourado, mas todo coberto de p e abandonado em um canto da biblio teca. Agora parecia que, ao toque mgico desse anozinho de Deus, 0 livro tinha rec uperado todo seu antigo esplendor. Bendito 182 seja Deus! Hoje, que a Igreja uma poderosa repblica sagrada, e o Papa um imperado r, bom que aparea um pobrezinho desprotegido para nos lembrar que I >ous onipoten te. * * * Mas, mesmo assim, uma fundao lhe parecia empresa des-proporcionada. Na histria da I greja tinha havido poucas fundaes, embora houvesse muitas reformas. Para dissuadi Io da idia, o cardeal chamou Francisco a sua sala de audincia. Francisco, filho de Assis. Uma nova fundao, cODMOUi uma fundao , em nvel simplesmente umano, uma empiesa tremenda e, nesse caso, quase temerria. Disse essa ltima plfti baixando a voz, para no ferir o Irmo. Demasiado temerria, interrompeu Francisco. O cardeal ficou surpreso com essa sada e no atinou exatamente com u inteno ou sentido da interveno. Se no conhecesse a pu> fu nda simplicidade do interlocutor, tomaria como ironia i > interlocutores estavam e m rbitas diferentes, e isso explicavu tudo. Eu estava dizendo, continuou o cardeal, que uma fundao, hoje em dia, uma empresa a rriscada. O cardeal estava pensando, nesse momento, no grupinho de iletrados ali stados na Legio da Santa Ignorncia. Conhecia por dentro os cri trios e sistemas da

maquinaria eclesistica. Sabia qual o poder das influncias e quais as influncias do poder. Conhecia de cor as molas secretas dos palcios lateranen ses em que, como em todos os palcios do mundo, prevaleciam os critrios polticos em que jogam sua grande cart ada o dinheiro, as vitrias militares e as balanas do poder. Achava que uma nova fu ndao estaria submetida a essas molas. Uma nova fundao, continuou o cardeal, requer uma preparao intelectual por parte dos fundadores. Francisco de AvS-sis, disse-lhe olhando carinhosamente para o pobrez inho, uma nova fundao quase uma batalha, e os iniciadores tm que sabet 183 inejtir com destreza a diica, pelo menos como os soldados inejiim a spada. Nestas crias, continua, como nos palcios do mundo, a rovao ilc uma fundao exige uma re comendao poderosa, lia recomendao poderosi pressupe recomendadores pode-ios. Os poder osos s se ceixam influenciar pelo poder, seja { iritual, aptstlico ou mar. Vs estais a listados, e jurais iielidade, ni Ordem da Santa Impotncia. Acho que essa iano est qu ase ciestinadi ao fracasso. Desculpe-me, filho qirido. * * * O Irmo escutava tranqilo e em atitude receptiva. Tudo ;ssi eondohl o cardeal, j foi prevenido pelo Senhor quando nos dizpara sermos espertos come as serpentes. Em seu toro ntimo, o cardeal estava cem por cento de aodo com o; ideais de Francis co. Mas, conhecendo os bas-Baces da crii romana, tinha medo de que o pedido de Fr an-eso fosse negado, e queria preparar-lhe o nimo para lhe evitar umi profunda fr ustrao. Sena terrvel, pensava, que tambm este novo profrta partisse para a contestao. Alm disso, continuou o cardeal, j sabes o que se passa, e