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O Islã Prof. Daniel 1 Atente para: O fato do Islã seguir o mesmo Deus de cristão e judeus sob outra interpretação. A diferença entre árabe e muçulmano. As diferenças entre sunitas e xiitas. Xiita não significa radical, sunita não significa moderado. Cada vertente tem subdivisões e o radicalismo ou a moderação estão presentes nas duas vertentes. O radicalismo, fundamentalismo ou extremismo depende de questões ligas à interpretação do texto sagrado e de fatores históricos e econômicos. É um fenômeno que se consolidou no séc. XX. A convivência pacífica com outras religiões pode ser notada em diversos momentos históricos. O extremismo dos dias atuais repousa, em especial, nas seitas ligadas ao wahabismo ou salafismo, uma vertente sunita. Parte 1 - O Islã Alá: Literalmente, Deus. Maomé: Comerciante árabe da cidade de Meca, da tribo Coraixita. Profeta escolhido por Deus para transmitir à humanidade Sua mensagem. Ao longo de sua vida teve contato com cristãos e judeus, também monoteístas. O Corão, Alcorão: A recitação”, o Livro ditado por Deus a Maomé ao longo de alguns anos. Islã: Literalmente: submissão a Deus. Muçulmano ou Islâmico: Todo aquele que abraça o islamismo como religião, independente de sua origem étnica e cultural. Árabe: Membro ou descendente das tribos semitas do deserto da Arábia. Povo escolhido por Deus para a última revelação segundo a crença islâmica. É comum a confusão entre os termos árabe e muçulmano. Árabe designa apenas uma origem étnica e cultural. Mundo árabe: Inclui basicamente o norte da África e a Península Arábica. Mundo muçulmano: Além do mundo árabe, inclui também partes da África Subsaariana, parte dos Balcãs, Turquia, Irã, Ásia Central, Paquistão, partes da Índia, China e o sudeste asiático, com destaque para a Indonésia. Umma: A comunidade islâmica global, o conjunto dos fiéis. CONTEXTO HISTÓRICO Europa descentralizada (Alta Idade Média). Cristianismo. Disputa entre os Impérios Bizantino e Persa. Cristianismo e zoroastrismo. Península Arábica: estrutura familiar (“tribal”), descentralização política. Politeísmo. O Islã conferiu às tribos árabes unidade política e identidade comum, fator de unificação que transformou diversas forças pequenas e rivais em uma única força poderosa. ORIGEM Segundo a crença islâmica, Maomé recebeu a primeira revelação em 610 d.C, através do arcanjo Gabriel. Inicialmente pregou apenas entre seus familiares e amigos. Aos poucos tentou converter também os moradores de sua cidade, Meca, um centro de peregrinação de diversas tribos árabes. Sua insistência no monoteísmo foi vista como uma ameaça ao comércio da cidade, que vivia dos peregrinos de diversas religiões. Héjira, 622 d.C. (fuga) – Após alguns conflitos com a população de Meca, Maomé seguiu com seus seguidores para Iatribe (Medina), o oásis de onde passou a comandar a conversão das tribos do deserto. Este episódio, a fuga de Meca para Medina, marca o início do calendário islâmico por ser um momento de rompimento, provação e afirmação da fé. Hoje, a Hégira serve como base para o chamado “paradigma maometano”, ou seja, a fuga para um local onde o “verdadeiro Islã” possa ser praticado. Tal visão é predominante entre os grupos mais radicais, que buscam fundar emirados ou repúblicas islâmicas puras, como seria o caso do Afeganistão sob os Talibã. Tomada de Meca, 630 d.C. – após conquistar o deserto e passar a controlar as rotas comerciais que abasteciam Meca, a cidade aos poucos foi convertida e se entregou ao profeta. 632 d.C. – morte de Maomé. SUCESSÃO de MAOMÉ A morte de Maomé em 632 d.C. privou o Islã de seu líder natural. Maomé não apontou um califa (sucessor) e questão sucessória tornou-se urgente, a comunidade islâmica precisava de um líder político e militar. O califa deveria ser alguém exemplar, capaz de manter a unidade da umma, a comunidade islâmica, evitando a fitna, o dissenso ou desunião. A morte de Maomé iniciou o processo de divisão do Islã em diferentes grupos ou seitas. O primeiro califa foi Abu Bakr, um chefe militar capaz de impor a ordem e manter a unidade. A escolha desagradou os familiares de Ali, primo do profeta casado com Fátima, filha do profeta (visto por alguns como o sucessor por direito). O segundo califa foi Umar (Omar), seguido então de Uthman (Osman). A morte de Uhtman trouxe novamente à tona o direito de Ali à sucessão. Ali então assumiu o califado, mas foi desafiado por Muawiya, descendente de Uthman, e morto em 661. A questão sucessória e a morte de Ali geraram a primeira divisão do Islã: sunitas e xiitas. Os partidários de Ali não reconheceram o governo (e as ações) dos primeiros califas. Deram origem aos xiitas, o “Partido de Ali”. A CRENÇA e a QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO O Deus islâmico é o mesmo de cristãos e judeus, os “Povos do Livro”. O patriarca é Abraão. Segundo a crença islâmica, Deus usou profetas (mensageiros) para revelar escrituras aos homens. Revelações importantes foram dadas a Moisés, Davi e Jesus. Deus revelou a sua mensagem em escrituras cada vez mais abrangentes

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O Islã

Prof. Daniel

1

Atente para: O fato do Islã seguir o mesmo Deus de cristão e judeus

sob outra interpretação.

A diferença entre árabe e muçulmano.

As diferenças entre sunitas e xiitas.

Xiita não significa radical, sunita não significa moderado. Cada vertente tem subdivisões e o radicalismo ou a moderação estão presentes nas duas vertentes.

O radicalismo, fundamentalismo ou extremismo depende de questões ligas à interpretação do texto sagrado e de fatores históricos e econômicos. É um fenômeno que se consolidou no séc. XX. A convivência pacífica com outras religiões pode ser notada em diversos momentos históricos.

O extremismo dos dias atuais repousa, em especial, nas seitas ligadas ao wahabismo ou salafismo, uma vertente sunita.

Parte 1 - O Islã

Alá: Literalmente, Deus.

Maomé: Comerciante árabe da cidade de Meca, da tribo Coraixita.

Profeta escolhido por Deus para transmitir à humanidade Sua mensagem. Ao longo de sua vida teve contato com cristãos e judeus, também monoteístas.

O Corão, Alcorão: “A recitação”, o Livro ditado por Deus a

Maomé ao longo de alguns anos.

Islã: Literalmente: submissão a Deus. Muçulmano ou Islâmico: Todo aquele que abraça o islamismo

como religião, independente de sua origem étnica e cultural.

Árabe: Membro ou descendente das tribos semitas do deserto da

Arábia. Povo escolhido por Deus para a última revelação segundo a crença islâmica. É comum a confusão entre os termos árabe e muçulmano. Árabe designa apenas uma origem étnica e cultural.

Mundo árabe: Inclui basicamente o norte da África e a Península

Arábica.

Mundo muçulmano: Além do mundo árabe, inclui também

partes da África Subsaariana, parte dos Balcãs, Turquia, Irã, Ásia Central, Paquistão, partes da Índia, China e o sudeste asiático, com destaque para a Indonésia.

Umma: A comunidade islâmica global, o conjunto dos fiéis.

CONTEXTO HISTÓRICO Europa descentralizada (Alta Idade Média). Cristianismo.

Disputa entre os Impérios Bizantino e Persa. Cristianismo e zoroastrismo.

Península Arábica: estrutura familiar (“tribal”), descentralização política. Politeísmo. O Islã conferiu às

tribos árabes unidade política e identidade comum, fator de unificação que transformou diversas forças pequenas e rivais em uma única força poderosa.

ORIGEM Segundo a crença islâmica, Maomé recebeu a primeira revelação em 610 d.C, através do arcanjo Gabriel. Inicialmente pregou apenas entre seus familiares e amigos. Aos poucos tentou converter também os moradores de sua cidade, Meca, um centro de peregrinação de diversas tribos árabes. Sua insistência no monoteísmo foi vista como uma ameaça ao comércio da cidade, que vivia dos peregrinos de diversas religiões. Héjira, 622 d.C. (fuga) – Após alguns conflitos com a população de Meca, Maomé seguiu com seus seguidores para Iatribe (Medina), o oásis de onde passou a comandar a conversão das tribos do deserto. Este episódio, a fuga de Meca para Medina, marca o início do calendário islâmico por ser um momento de rompimento, provação e afirmação da fé. Hoje, a Hégira serve como base para o chamado “paradigma maometano”, ou seja, a fuga para um local onde o “verdadeiro Islã” possa ser praticado. Tal visão é predominante entre os grupos mais radicais, que buscam fundar emirados ou repúblicas islâmicas puras, como seria o caso do Afeganistão sob os Talibã. Tomada de Meca, 630 d.C. – após conquistar o deserto e passar a controlar as rotas comerciais que abasteciam Meca, a cidade aos poucos foi convertida e se entregou ao profeta. 632 d.C. – morte de Maomé.

SUCESSÃO de MAOMÉ A morte de Maomé em 632 d.C. privou o Islã de seu líder natural. Maomé não apontou um califa (sucessor) e questão sucessória tornou-se urgente, a comunidade islâmica precisava de um líder político e militar. O califa deveria ser alguém exemplar, capaz de manter a unidade da umma, a comunidade islâmica, evitando a fitna, o dissenso ou desunião. A morte de Maomé iniciou o processo de divisão do Islã em diferentes grupos ou seitas. O primeiro califa foi Abu Bakr, um chefe militar capaz de impor a ordem e manter a unidade. A escolha desagradou os familiares de Ali, primo do profeta casado com Fátima, filha do profeta (visto por alguns como o sucessor por direito). O segundo califa foi Umar (Omar), seguido então de Uthman (Osman). A morte de Uhtman trouxe novamente à tona o direito de Ali à sucessão. Ali então assumiu o califado, mas foi desafiado por Muawiya, descendente de Uthman, e morto em 661. A questão sucessória e a morte de Ali geraram a primeira divisão do Islã: sunitas e xiitas. Os partidários de Ali não reconheceram o governo (e as ações) dos primeiros califas. Deram origem aos xiitas, o “Partido de Ali”.

A CRENÇA e a QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO O Deus islâmico é o mesmo de cristãos e judeus, os “Povos do Livro”. O patriarca é Abraão. Segundo a crença islâmica, Deus usou profetas (mensageiros) para revelar escrituras aos homens. Revelações importantes foram dadas a Moisés, Davi e Jesus. Deus revelou a sua mensagem em escrituras cada vez mais abrangentes

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que culminaram com o Corão, o derradeiro livro revelado a Maomé. As diferenças entre as três religiões monoteístas ou abraâmicas residem na importância dada a cada profeta e no caráter divino que eles assumem ou não. Para os judeus, as revelações válidas são aquelas contidas no que os cristãos consideram o Antigo Testamento. Assim sendo, os judeus não reconhecem Jesus como profeta e filho de Deus, e ainda aguardam a vinda do messias. Para os cristãos, o Antigo Testamento é válido mas a ênfase maior é dada à figura de Jesus Cristo (messias) e ao Novo Testamento. Os judeus, portanto, estariam errados ao não reconhecer a santidade de Jesus. Para os muçulmanos os ensinamentos do Antigo Testamento são válidos e Jesus é considerado um profeta importante, mas não é visto como filho de Deus. Maomé é mais importante por ser considerado o “selo dos profetas”, ou seja, aquele que encerra (sela) o conjunto de revelações à humanidade. Consideram também que cristãos e judeus se desviaram dos ensinamentos de Deus. Ao contrário do que ocorre com o cristianismo, Maomé não tem natureza divina. O fato de ter sido escolhido por Deus faz dele uma pessoa especial, mas não evita que suas ações possam ser criticadas dependendo da interpretação que se faz do texto sagrado. Conforme a fé islâmica se difundiu e o governo árabe se impôs sobre outros povos, o Islã foi gradualmente adotado como uma ferramenta de governo, a base do sistema legal, social e até econômico. Em algumas regiões, as culturas locais também foram incorporadas parcialmente. Acredita-se que a forma final do Corão foi atingida no governo de Uthman, o terceiro califa, quando os árabes já tinham incorporado regiões dotadas de tradições milenares (Síria, Iraque, Pérsia). O Islã foi então influenciado por idéias do judaísmo, do cristianismo nestoriano e do zoroastrismo (ou mazdeísmo) persa. Obrigações básicas para qualquer muçulmano:

A recitação e aceitação do credo (Chahada ou Shahada); “Alá é o único Deus e Maomé seu profeta”

Orar cinco vezes ao longo do dia (Salat ou Salah)

Pagar dádivas rituais, “esmola” (Zakat ou Zakah)

Observar o jejum (Saum ou Siyam) no Ramadã, nono mês do calendário islâmico. Enquanto for dia, o fiel deve evitar comer, beber e manter relações sexuais.

Fazer a peregrinação a Meca (Hajj ou Haj) ao menos uma vez na vida se o fiel tiver condições físicas, mentais ou financeiras.

Ao se tornar a base da lei em muitas regiões diferentes, o Corão passou a ser usado para resolver questões práticas e cotidianas como disputas judiciais, assuntos criminais, divórcios e partilha de heranças. Como o livro não apresenta soluções para todos os problemas que poderiam aparecer, a questão da interpretação do Corão e dos atos de Maomé e dos primeiros califas se tornou um ponto fundamental, dando origem a diferentes seitas e escolas legais. Algumas defendem a interpretação literal, outras aceitam analogias, metáforas e a progressiva mudança nos costumes com o passar do tempo. Os resultados finais podem ser bastante diferentes. Corão – a recitação, a palavra de Deus a Maomé em forma de livro. Suna – o conjunto dos relatos sobre o comportamento do profeta e dos seus companheiros próximos. Para os sunitas (ver abaixo), a suna também é um guia de conduta, formado por várias hadith.

Hadith – os relatos e tradições sobre as decisões do profeta e dos primeiros califas, transmitidos oralmente ou de forma escrita, aceitos como guias de conduta após serem validados ou terem sua origem autenticada, o que varia entre as seitas e escolas legais. Sharia – frequentemente traduzida como “lei islâmica”, a sharia na verdade seria “o caminho”, o modelo de vida que o muçulmano exemplar deve adotar. A palavra tem origem na expressão árabe usada para descrever o caminho seguro, através do deserto, até um oásis. Jihad – freqüentemente traduzido como “Guerra Santa”, o conceito de jihad é mais complexo do que esta formulação. Significa a luta ou esforço, em sentido amplo, pela melhoria do Islã e do muçulmano. Maomé a divide em duas categorias, a jihad maior, uma luta pessoal, interna, pelo avanço moral de cada muçulmano como fiel e praticante do Islã; e a jihad menor, a luta literal, a guerra pela expansão do Islã sobre outros povos e religião. Todos esses fatores são ainda acrescidos das tradições locais em cada região. Cada fator pode ter um peso diferente nas diferentes seitas e vertentes islâmicas. Fundamentalismo ou Radicalismo Atualmente, o chamado “fundamentalismo religioso islâmico” criou uma imagem do Islã como uma fé “naturalmente” agressiva. Como na Bíblia, os versículos do Corão podem ser interpretados de formas diferentes de acordo com o objetivo de quem interpreta. Algumas leituras mais radicais podem extrair das palavras do Livro a justificativa para ações violentas. O mesmo versículo pode levar à tolerância. É importante ressaltar que é o uso político ou ideológico que transforma o ensinamento religioso em arma de guerra. Trechos do Corão 2ª surata, v.136: “Dizei: Cremos em Deus, no que nos tem sido revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos; no que foi concedido a Moisés e a Jesus e no que foi dado aos profetas por seu Senhor; não fazemos distinção alguma entre eles, e nos submetemos a Ele”. v.190: “Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem; porém não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores”. v.191: “Matai-os onde quer que os encontreis e expulsai-vos de onde vos expulsaram, porque a perseguição é mais grave que o homicídio. Não os combatais nas cercanias da Mesquita Sagrada, a menos que vos ataquem. Mas, se ali vos combaterem, matai-os. Tal será o castigo dos incrédulos” v.192: “Porém, se desistirem, sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo” v.193: “E combatei-os até terminar a perseguição e prevalecer a religião de Deus. Porém, se desistirem, não haverá mais hostilidades, senão contra os iníquos” 5ª surata, v.13: “Porém, [os israelitas] pela violação de sua promessa, amaldiçoamo-los e endurecemos os corações. Eles deturparam as palavras do Livro e se esqueceram de grande parte do que lhes foi revelado; não cessas de descobrir a perfídia de todos eles, salvo uma pequena parte; porém, indulta-os e perdoa-lhes os erros, porque Deus aprecia os benfeitores” v.14: “E também aceitamos a promessa daqueles que disseram: Somos Cristãos! Porém, esqueceram-se de grande parte do que

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lhes foi recomendado, pelo que disseminamos a inimizade e o ódio entre eles, até o Dia da Ressurreição. Deus os inteirará, então, do que cometeram”. 29ª surata, v.46: “E não disputeis com os adeptos do Livro, senão da melhor forma, exceto com os iníquos dentre eles. Dizei-lhes: Cremos no que nos foi revelado, assim como no que vos foi revelado antes; nosso Deus e o vosso são Um e a ele nos submetemos”. 42ª surata, v.13: “Prescreveu-os a mesma religião que havia instituído para Noé, a qual te revelamos, a qual havíamos recomendado a Abraão, a Moisés e a Jesus, dizendo-lhes: Observai a religião e não discrepeis acerca disso; em verdade, os idólatras se ressentiram daquilo a que os convocastes. Deus elege quem Lhe apraz e encaminha para Si os contritos”.

VERTENTES PRINCIPAIS Sunitas Os sunitas são aproximadamente 90% da população islâmica. Baseiam-se no Corão e na Suna. Aceitam os califas, justos ou não, que não tenham negado os princípios do Corão. As diferentes seitas sunitas incorporam em maior ou menor escala as tradições locais e o consenso comunitário. Não acreditam que o califa seja um intérprete infalível da fé. Enfatizam a necessidade de manter a paz e a segurança entre os muçulmanos. O governo não precisa ser necessariamente guiado por membros do clero, mas o governante deve ser um homem de fé.

Xiitas, o “partido de Ali” Os xiitas são aproximadamente 10% dos muçulmanos. Não reconhecem os três califas antes de Ali, nem as hadith sobre eles porque consideram que apenas a família de Maomé deveria herdar sua autoridade (através dos descendentes de Ali e Fátima). Aceitam apenas as hadith transmitidas pela família de Ali o que leva a um sistema jurídico e religioso diferente. O consenso comunitário tem menos valor. Crêem que a sociedade deve ser guiada por um imã (líder religioso) ou um aiatolá (literalmente “indicado por Deus”) e que seu julgamento é infalível, compondo assim uma teocracia. Divergem internamente quanto á sucessão de Ali, subdividindo-se em seitas menores. Acreditam que o último imã descendente de Ali está oculto e que um dia retornará na figura do Mahdi, “o guiado” que salvará a humanidade (messianismo ou milenarismo). Sendo minoritários, sofreram diversas perseguições por parte da maioria sunita.

Atenção É freqüente a simplificação que coloca os sunitas como “moderados” e os xiitas como “radicais”. Tal raciocínio pode parecer lógico já que os sunitas não são teocráticos e aceitam um número maior de fontes como guias de conduta, adotando assim hábitos mais “modernos”. Essa simplificação esconde a diversidade de interpretações presentes dentro das seitas sunitas e xiitas. Basta lembrar que Osama Bin Laden, o grupo Talibã e os atuais rebeldes iraquianos são sunitas e não xiitas (ver parte 2 – Wahhabismo).

OUTRAS VERTENTES O Islã apresenta diversas vertentes minoritárias, muitas vezes restritas a uma única região. Entre elas, merecem destaque:

Sufitas Vertente influenciada pelo monasticismo do cristianismo nestoriano e pela meditação característica das religiões como o budismo e o hinduísmo. Os sufitas são considerados o lado místico do Islã. Defendem uma relação direta com Deus através do canto, da dança, do transe e da vocalização do nome de Alá (Dhikr), uma espécie de

mantra. A experiência religiosa é vista como algo individual, mas que precisa de um “mestre” como guia. Para alguns grupos muçulmanos radicais, os sufitas estão fora do espectro do Islã, são considerados hereges.

Wahhabitas, Salafitas, Deobandis Visão mais puritana ou radical do sunismo, responsável pelo atual terrorismo (ver adiante).

EXPANSÃO, SÉC. VII a IX

A expansão árabe-islâmica se deu de forma muito rápida. Diversas regiões extra-arábicas foram conquistadas e convertidas em poucos séculos. Se, por um lado, houve a islamização e arabização dos povos conquistados, houve também concessões às culturas e ritos locais por parte do Islã. As principais regiões islamizadas foram:

Turquia

Irã (Pérsia)

Ásia Central, incluindo partes da China atual (Xinjiang)

Índia

Paquistão

Malásia e Indonésia

África do norte e litoral índico, Saara e regiões adjacentes

Península Ibérica (até a reconquista cristã, séc. XI-XV).

Península Balcânica (em especial Albânia e Bósnia)

Sul da Rússia e Cáucaso (Chechênia, Ingutchéia e Daguestão)

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA A organização inicial foi o califado, regime centralizado em torno de um califa (sucessor) responsável por cuidar dos assuntos políticos e religiosos. Califado Omíada (661-750) Responsáveis pela maior parte da expansão islâmica, os omíadas governaram entre 661 e 750. Sua capital era Damasco, atual Síria. Após serem destronados, um ramo da família se estabeleceu na península ibérica, dando início ao Califado de Córdoba (756-1031) e a outros reinos ibéricos posteriormente conquistados no proceso de formação de Portugal e Espanha, a “Reconquista”. Califado Abássida (750-1258) Após derrubarem os omíadas, os abássidas se viram frente ao desafio de governar um império extenso e etnicamente diversificado. Sua capital era Bagdá. Foi durante esse período que as populações conquistadas aos poucos adotaram o islamismo. Foram derrubados pela invasão mongol no séc. XIII. Fragmentação do Califado, séc. X. A extensão do império muçulmano e a enorme diversidade interna de povos e interesses inviabilizaram a manutenção de uma estrutura política rigidamente centralizada. A partir do séc. X diversas dinastias independentes surgiram na periferia do califado e passaram a disputar o poder entre si. A unidade política desapareceu definitivamente. A partir do domínio seljúcida (povo turco da Ásia Central), povos islâmicos não-árabes passaram a construir impérios e dominar as regiões árabes também. Diversas dinastias locais e pequenos reinos surgiram nas regiões periféricas ou em momentos de crise e fragmentação entre a queda de um império e a ascensão de outro. A restauração do califado é o projeto de diversos grupos radicais atuais.

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Parte 2 – Islã político e extremismo “A ameaça é grave. Trinta anos atrás, uma nova ideologia política islâmica começou a encontrar ressonância entre milhões de jovens, homens e mulheres, ao redor do mundo muçulmano. Essa ideologia era um esforço intelectual sofisticado e genuíno que procurava encontrar uma resposta islâmica (religiosa) para os desafios impostos pelo domínio cultural, econômico e político do Ocidente. Com o passar das décadas essa ideologia foi alterada, transformando-se em algo diferente. Antes, os ativistas islâmicos pensavam basicamente em tomar o poder ou em mudar sua própria nação. No programa, havia espaço para a moderação e a conciliação. O movimento abrigava uma enorme multiplicidade de correntes do pensamento político [...] Cada vez mais, porém – e essa é a tendência – os extremistas não são mais vistos como a “frente utópica”. Em vez disso, são percebidos como os responsáveis pelos padrões muçulmanos. E sua linguagem é agora o discurso dominante no ativismo islâmico moderno [...] Muitos caracterizam essa ameaça, de modo perigoso e equivocado, como se estivesse enraizada num “choque de civilizações”. Essa atitude não apenas favorece os extremistas, mas, ao reduzir a importância das verdadeiras causas, se arrisca a estimular o emprego de táticas contraproducentes”.

(Al Qaeda – Jason Burke, pp18-19).

AÇÃO POLÍTICA e ARMADA A politização do islamismo é um fenômeno que teve origem no séc. XX e tem origens diversas. Devem ser considerados os seguintes fatores:

O domínio europeu entre os séculos XVIII e XX

Primeira Guerra Mundial: fragmentação do Império Turco Otomano e partilha do Oriente Médio. Tutela franco-britânica.

Descolonização e Guerra Fria: fragmentação dos impérios Britânico e Francês, levando à independência de diversos países africanos e asiáticos. Governos incapazes de melhorar a vida de suas populações. Fracassos militares. Criação de Israel.

Fragmentação da URSS: independência dos países da Ásia Central. Ditaduras.

Em quase nenhum caso foi respeitada a divisão étnica ou sectária entre os vários povos islâmicos, o que resultou em Estados com diversos problemas internos.

O mundo islâmico apresenta diversas correntes políticas, ideológicas e religiosas diferentes, das mais moderadas às mais radicais. Cada tendência teve seu período de maior influência. É importante também considerar a questão do preconceito e da marginalização que atingem muitos muçulmanos residentes nos países ricos do ocidente ou em países orientais não-islâmicos onde há minorias islâmicas expressivas. Décadas de 1950, 1960 e início de 1970 – Nacionalistas O primeiro período após a independência dos países muçulmanos foi marcado pelo domínio de ideais laicos e nacionalistas ao invés de religiosos. No Oriente Médio surgiram projetos em defesa da unificação dos árabes sob um único governo (nasserismo). Os governos desse período, porém, não conseguiram melhorar a vida de suas populações. Diversas ditaduras e golpes militares marcaram essa fase. A perseguição política aos grupos liberais, progressistas, democráticos e comunistas foi intensa. As derrotas de 1948 (fundação de Israel), 1967 (Guerra dos Seis Dias) e 1973 (Guerra do

Yom Kippur), eo apoio ocidental a Israel criaram um profundo sentimento de continuidade da intervenção externa. Décadas de 1970 e 1980 – Islamistas O fracasso dos projetos nacionalistas laicos e a ausência de uma oposição organizada facilitaram a politização dos grupos religiosos que antes atuavam apenas no âmbito social. A religião passou a ser apontada como a única forma de superar os problemas enfrentados. A decadência do mundo islâmico e o domínio cultural foram interpretados como uma espécie de castigo imposto aos muçulmanos por terem deixado de ter sua fé como prioridade. As universidades tornaram-se centros de difusão e discussão, atraindo setores da classe média, principalmente no mundo árabe. Para os militantes desse período, o objetivo era combater os maus governos e islamizar a sociedade de baixo para cima, através da ação social e política (partidária ou ilegal). Sua ação se restringe ao próprio país onde surgiu cada grupo ou a certas regiões, como o mundo árabe (visto como um só “país” dividido por fronteiras criadas pelo ocidente). Seu inimigo é o governo corrupto e ineficiente que se alia às potências ocidentais e não se esforça para melhorar a vida da população. Inicialmente seus membros rejeitavam a ação armada e a tomada do Estado pela violência. Perseguições e intervenções estrangeiras radicalizaram muitos militantes, que aderiram então ao conflito armado. Merece destaque a Irmandade Muçulmana, fundada no Egito em 1928, grupo que se ramificou para quase todos os países do Oriente Médio árabe. Sua ação política teve início com a guerra de 1948 (fundação de Israel). Outros exemplos: a Revolução do Irã (1979), o Hamas palestino e Hezbollah libanês. Décadas de 1990 e 2000 – Jihadistas Os jihadistas se caracterizam por não aceitar a ação política, enfatizando apenas o conflito armado como forma de impor uma sociedade islâmica ideal (de acordo com suas concepções). Acreditam na restauração da comunidade muçulmana global (califado) e se envolvem em conflitos onde quer que enxerguem uma ameaça ao islã. Seus ideais religiosos apontam os valores ocidentais como uma ameaça existencial. Essa tendência ganhou força devido à invasão soviética no Afeganistão, entre 1979 e 1989. A invasão soviética, no contexto da Guerra Fria, aproximou os interesses dos EUA, de estados Árabes e do Paquistão, que ajudaram a organizar a resistência afegã contra os soviéticos. O Afeganistão se tornou o palco de uma grande reunião de militantes religiosos de todo o mundo islâmico. Os governos árabe saudita e paquistanês favoreceram os grupos cujos ideais religiosos eram mais próximos aos seus, o que levou ao crescimento de uma visão radical do Islã, baseada nos ideais chamados wahhabitas, salafitas ou deobandis. Muitos militantes participaram também de ações na Bósnia, Kosovo, Sudão, Somália e Chechênia. A experiência afegã deu aos jihadistas o conhecimento e os contatos necessários para expandir a “guerra santa”. A Al Qaeda (“a base”, no sentido militar) surgiu nesse contexto. A atual guerra do Afeganistão (iniciada em 2001) e a invasão do Iraque em 2003 reforçaram ainda mais esse cenário. Os jihadistas são perseguidos em seus próprios países (que muitas vezes tem governos pró-ocidentais), o que estimula ainda mais sua ação descentralizada e global. São predominantemente sunitas. Osama Bin Laden se enquadra nesse grupo.

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Wahhabitas, Salafitas, Deobandis O atual radicalismo islâmico baseia-se em pensadores como Ibn Taymyia, sírio sunita do séc.XIV que iniciou uma reforma religiosa visando eliminar sufitas e xiitas, vistos como hereges que deformaram o islamismo. Sob seu ponto de vista, o pior inimigo do Islã é o mau muçulmano e a sociedade deve ser guiada somente através da religião. Ibn Taymyia nega a interpretação do próprio Maomé a respeito da jihad e enfatiza apenas a jihad menor, a luta (no sentido literal) pela expansão do Islã. A jihad terminará quando o mundo todo estiver convertido. No séc. XVIII, Mohamed Ibn Abd Al-Wahhab, árabe, foi a Medina estudar religião e teve contato com os ideais de Taymyia. No mesmo período estava em Medina Shah Waliullah, um indiano muçulmano de Delhi. Os dois se tornaram professores conhecidos e difundiram suas crenças em suas regiões de origem: na Arábia, Wahhab se casou com uma das filhas do rei Mohamed Saud, fundador da dinastia saudita; no norte do Indostão (fronteira Índia-Paquistão), na madrassa (escola religiosa) Deobandi, os ensinamentos de Waliullah passaram a integrar a resistência ao domínio britânico e hindu. No séc. XX um autor importante e bastante lido foi Syed Qutb, que esteve nos EUA e escreveu em carta a um amigo: “Gostaria de encontrar alguém com quem conversar sobre assuntos humanos, moral e espiritualidade, não apenas dólares, estrelas de cinema e carros”. Qutb centra sua crítica no materialismo “sem valores” do ocidente, em que a liberdade e a felicidade individuais são sagradas e postas acima religião e da moral. O Islã seria, por oposição, um guia de valores sólidos ditados por Deus.

Bibliografia selecionada Al-Qaeda – A verdadeira história do radicalismo islâmico.

Jason Burke.

Confronto de fundamentalismos. Tariq Ali.

Em nome de Deus – o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. Karen Armstrong

God´s terrorists, the Wahhabi cult and the hidden roots of modern jihad. Charles Allen.

Jihad, the rise of militant Islam in Central Asia. Ahmed Rashid.

Journey of the Jihadist – Inside muslim militancy. Fawaz Gerges.

Orientalismo, o Oriente como invenção do Ocidente. Edward Said.

Por dentro do Jihad.Omar Nasiri.

Sociologia do Islã. Enzo Pace.

Uma história dos povos árabes. Albert Hourani.