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Rua dos Duques de Bragança, 7E -1249-059 LISBOA - Portugal | http://www.jornalistas.eu/ Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas Observatório de Deontologia Nº 5 - Setembro/Outubro 2010 do Jornalismo Pág. 14 O jornalismo a seus pés Verificar para melhor informar SERRA PEREIRA Jornalismo para a cidadania exige jornalistas com condições profissionais adequadas Pág. 5 Jornalistas comprometidos com políticas de administração Pág. 9 “Somos alvos fáceis” de trabalhos pouco deontológicos Pág. 11 Nomes profissionais duplicados Pág. 17 A comunicação social em Portugal atravessa hoje um período de declínio e de ruptura simbólica com a expressão da liberdade. O jornalismo está aos pés do mercado de notícias que dele se serve para acumular lucros e poder. Parte dos jornalistas perderam a liber- dade de se exprimirem. » Jornalistas e advogados – o salário do medo Pág. 13 Ilustração de Maria Ramos

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Rua dos Duques de Bragança, 7E -1249-059 LISBOA - Portugal | http://www.jornalistas.eu/

Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Observatório de DeontologiaNº 5 - Setembro/Outubro 2010 do Jornalismo

Pág. 14

O jornalismo a seus pés

Verificar para melhor informar

SERRA PEREIRAJornalismo para a cidadania exige jornalistas com condições profissionais adequadas Pág. 5

Jornalistas comprometidos com políticas de administraçãoPág. 9

“Somos alvos fáceis” de trabalhos pouco deontológicosPág. 11

Nomes profissionais duplicadosPág. 17

A comunicação social em Portugal atravessa hoje um período de declínio e de ruptura simbólica com

a expressão da liberdade. O jornalismo está aos pés do mercado de notícias que dele se serve para acumular

lucros e poder. Parte dos jornalistas perderam a liber-dade de se exprimirem. »

Jornalistas e advogados – o salário do medo Pág. 13

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

O jornalismo a seus pés

Os média constituem hoje um ambiente hostil para os jornalistas. Já não se trata apenas do emprego incer-to, mas de uma incerteza que se coloca em termos de trabalho, e de trabalho pago. Já não se trata apenas de acumulação de funções, mas de saber que género de

A comunicação social em Portugal atravessa hoje um período de declínio e de ruptura simbólica com a expressão da liberdade. O jornalismo está aos pés do mercado de notícias que dele se serve para acumular lucros e poder. Parte dos jornalistas perderam a liberdade de se exprimirem.

trabalho é produzido. O jornalismo foi confis-

cado pela lógica do mer-cado, de um mercado de notícias. Das notícias que vendem, das notícias que atraem publicidade, das notícias patrocinadas, das notícias que geram lucro. Mas também das notícias

que promovem negócios e poder, das notícias que transaccionam bens e in-fluência.

A mudança ocorrida na comunicação social nos tempos recentes, desde os anos 90 do século passa-do, reside nos paradigmas. Mudou a forma como nos

relacionamos com o tempo da informação, mudou a organização e controlo so-cial nas redacções, mudou o equilíbrio de forças no contexto do trabalho, mu-daram as relações laborais, mudaram os fins sociais dos média.

Estamos perante um mer-cado de notícias que con-frontou o serviço público prestado pelo jornalismo e que, gradualmente, o pos-tergou. Um mercado de no-tícias que ao desprezar va-lores éticos e deontológicos pretende implodir a estrutu-ra distintiva do jornalismo enquanto profissão. »

Ilustração de Maria Ramos

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As corporações de mé-dias estão a alienar a fun-ção social do jornalismo enquanto processo de co-municação e de produção de conhecimento. Querem transformar os média numa cadeia produtora de conte-údos, cujo trabalho seja as-segurado por profissionais multi-serviços, mal pagos, sem direitos laborais e cí-vicos.

O processo integrou vá-rios eixos. Um deles con-siste na dispensa dos jorna-listas mais velhos, melhor remunerados, mais autóno-mos e mais independentes. O eufemismo engloba quer os despedimentos quer as rescisões por mútuo acor-do, estas alcançadas me-diante pressões metódicas.

Mas incluiu também o es-vaziamento da actividade dos conselhos de redacção até à sua inutilidade e desa-parecimento, assim como a participação de directores editoriais em cargos de ad-ministração não executiva.

Neste último caso, o que em tempos passados foi assumido por jornalistas como forma de dispor de

um seu representante jun-to do órgão de decisão da empresa, tem agora o seu reverso. O director faz par-te da cadeia hierárquica da administração e, frequen-temente, replica a extensão

do braço do poder através das chefias que nomeia por estritas razões de confian-ça.

Os contratos a termo, o trabalho a recibos verdes, o trabalho à peça paga se publicada, o trabalho gra-tuito e os estágios curri-culares também gratuitos constituem algumas das práticas nas redacções dos diferentes meios dos maio-res grupos multimédia. Constitui uma força de tra-balho precária que depen-

de da cadeia hierárquica, que faz serviço de agenda e que cobre todo o tipo de acontecimentos.

Incertos, mal pagos e, por vezes, a trabalhar à borla, é-lhes frequentemente ne-

gada também a possibilida-de de obterem o título pro-fissional. São estagiários de jornalismo a quem as empresas negam o acesso à profissionalização, para que não tenham de assumir as suas responsabilidades contratuais perante o Es-tado.

Mas situação idêntica enfrentam aqueles que já dispõem de título profis-sional. A actividade é, a diversos títulos, insegura e incerta. Tornou-se hostil para o jornalismo e para os seus profissionais e gerou várias assimetrias de esta-tuto, de reconhecimento, de remuneração e de reali-zação profissional.

As redacções sempre constituíram espaços de socialização das práticas e condutas profissionais que, apesar da maior ou menor influência exercida pelos proprietários dos meios, mantinham fronteiras entre esferas de actividade dife-rentes. Hoje verifica-se um desequilíbrio desfavorável

ao jornalismo e ao juízo ético e deontológico.

O paradigma do jornalis-mo enquanto serviço pú-blico foi substituído pelo paradigma do jornalismo enquanto mercado de notí-cias, o qual está refém do objecto social das empre-sas detentoras dos meios, as quais visam em primei-ro lugar a remuneração do capital dos accionistas.

Este mercado de notícias distorce, degrada, perverte e calca o jornalismo a seus pés. Um jornalismo que devia caracterizar-se por ouvir «as partes com inte-resses atendíveis», por ter como regra a identificação e atribuição das fontes, por encarar como inalienável a comprovação dos factos e por reger-se por uma rigo-rosa disciplina de verifica-ção.

São vários os directores que já assumiram publica-mente os erros e os atro-pelos deontológicos como causa inelutável. A fata-lidade reside, dizem, na »

“O jornalismo foi confiscado pela lógica do mercado, de um mercado de notícias. […] das notícias que promovem negócios e poder, das notícias que transaccionam bens e influência.”

Citizen Kane, de Orson Wells

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pressão do fecho e na con-corrência desenfreada entre os meios. E é essa mesma disposição da natureza das coisas que a seu ver torna, provavelmente, aceitável que a informação não seja rectificada, que um pedido de desculpas não seja apre-sentado ao público e aos visados.

Esta é uma de muitas evi-dências que comprovam que não basta um bom código deontológico de jornalista para que se edite jornalismo de qualidade. Frequentemente, mesmo quando se faz bom jorna-lismo, as peças são revistas e alteradas para as confor-mar a um conteúdo expec-tável, a uma mensagem predita.

As empresas devem ser compelidas a cumprir re-gras éticas. Não basta um estatuto editorial, que pou-co estabelece ou diz e cujo cumprimento ninguém fiscaliza. É necessário pôr cobro às situações que ge-ram o descrédito do jorna-lismo.

Os jornalistas que se en-contram em condição pre-cária enfrentam maiores obstáculos para afirmar a sua independência e au-tonomia. A conjunção da precariedade com a ausên-cia de referentes estrutu-rantes torna os jornalistas mais vulneráveis. Sem solidariedade manifesta e disposições de enquadra-

mento e protecção, ficam mais expostos às pressões.

Mas também é verdade que o efeito da incerteza na validade e na normati-vidade das acções já atin-ge todos os jornalistas. É a consequência das políticas de gestão empresarial que se sujeitam a interesses comerciais e a pressões políticas e de grupos, que conduzem à perda da inde-pendência jornalística dos meios e ao declínio de pa-drões éticos.

No início do século XX, Joseph Pulitzer defendeu a tese de que o jornalismo é um serviço público. Para ele, o jornalista e a sua função não eram a de «ne-nhum gestor de negócios, empreiteiro de publicações ou mesmo proprietário. Um jornalista é o vigia da ponte de comando do bar-co do Estado».

Na sua obra “A escola de jornalismo na Universida-de de Columbia. O poder da opinião”, Pulitzer pre-conizou a profissionaliza-ção da actividade, que na sua óptica teria subjacente um compromisso pedagó-gico, moral e político, e a formação desses profissio-

nais, através de cursos uni-versitários.

Mas esse foi o Pulitzer de final de carreira. Antes dis-so deixou a sua marca na guerra concorrencial com outro magnata da imprensa, William Randolph Hearst, no final do século XIX. As batalhas travadas pelos dois magnatas pela dispu-ta da maior circulação dos jornais levaram à criação do designado “yellow jour-nalism” [jornalismo sensa-cionalista, pouco rigoroso, com escassa investigação e confirmação das notícias, caracterizado também por grandes títulos, por vezes especulativos e sem sus-tentação, e que abusa dos exageros].

Foi na figura e vida de Hearst que Orson Wells se inspirou para realizar o filme “Citizen Kane”, que na versão portuguesa se intitula “O Mundo a seus Pés”. Esta obra clássica da cinematografia narra a ascensão de um poderoso magnata que utiliza o seu império mediático para manipular e exercer o po-der.

Passado mais de um sé-culo, perdura o modelo de perversão do jornalis-mo. Com a agravante de quem calca em Portugal o jornalismo a seus pés não ter sequer aprendido com a herança de Pulitzer, a dos padrões que o prémio a que

deu o nome pretende reco-nhecer.

A influência da precarie-dade no cumprimento dos padrões éticos e deontoló-gicos do jornalismo consti-tui o tema deste número do “Observatório”. Nas peças que se publicam releva um flagrante paradoxo. Os jor-nalistas estão privados da sua liberdade de expres-são. Alguns escusaram-se a responder e outros só o fizeram desde que fosse preservada a sua identida-de.

A situação devia mere-cer uma reflexão por parte dos deputados, na sua qua-lidade de representantes do povo e ao exercerem em seu nome o poder le-gislativo para garantia da democracia. No seu pro-grama de Orçamento de Estado, o Governo anuncia a intenção de rever a Lei de Imprensa. Só é admissível que o faça para pôr termo a esta violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Se os jornalistas não têm liberdade de se exprimirem não podem consequente-mente cumprir a respon-sabilidade que a Constitui-ção lhes atribui. O direito à liberdade de expressão tem como consequência o dever de assegurar a quem os lê, ouve e vê o direito à liberdade de informação e de se informarem.

Orlando César

“Incertos, mal pagos e, por vezes, a trabalhar à borla, é-lhes frequentemente negada também a possibilidade de obterem o título profissional.”

“Os jornalistas que se encontram em condição precária enfrentam maiores obstáculos para afirmar a sua independência e autonomia.”

“Os jornalistas estão privados da sua liberdade de expressão.”

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O «jornalismo para a ci-dadania exige que os jor-nalistas tenham para tan-to asseguradas condições adequadas, entre elas a qualificação e a permanen-te formação, autonomia editorial, estabilidade na relação de trabalho e retri-buição condigna», afirma Serra Pereira, advogado e responsável pelo Gabinete Jurídico do Sindicato dos Jornalistas.

Na entrevista concedida por escrito ao “Observa-tório de Deontologia do Jornalismo”, Serra Pereira alude às actuais relações laborais. Traça o quadro que hoje predomina nas redacções, o qual reflecte um retrocesso quer no pla-no das condições laborais e sociais quer no da liberda-de de expressão.

Condições que se tradu-zem na transgressão dos princípios deontológicos. Acresce que não basta a auto-regulação dos jorna-listas. Serra Pereira expri-me a opinião de que «de-veria ter-se imposto igual obrigação aos editores para bem do equilíbrio interno» e acrescenta que «o estatu-to editorial de cada órgão não substitui um código de boas práticas das empresas de comunicação social».

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SERRA PEREIRA, ADVOGADO, RESPONSÁVEL PELO GABINETE JURÍDICO DO SJ

Jornalismo para a cidadania exige jornalistas com condições profissionais adequadas

Questões críticas e pertinentes são equacionadas nas respostas de Serra Pereira. O exercício do jornalismo está hoje mais dependente do contexto da actividade empresarial e das estratégias e políticas impostas pelos patrões da comunicação social.

— Por dever profissio-nal lida diariamente com situações de jornalistas que vêem ameaçados os seus postos de trabalho. Como vê a precariedade actual?

Serra Pereira — As re-lações laborais são hoje afectadas por situações de precariedade que atingem dimensões inusitadas. A par das formas tradicio-nais de trabalho precário – recurso a contratação a termo, a trabalho tempo-rário, à cedência de tra-balhadores; sujeição de prestadores de serviços e de estudantes que abordam as empresas para estágios gratuitos a todas as obriga-ções de uma relação de tra-balho subordinado, sem as devidas contrapartidas (há hoje muito trabalho não remunerado) – surgiu ou-tra forma de precariedade bem mais insidiosa e com efeitos quiçá bem mais ne-fastos. Incutiu-se a ideia de que qualquer contrato

de trabalho é por natureza precário e que o emprega-dor pode dispensar livre-mente o trabalhador. Tal asserção passa, em muitos casos, por verdadeira e não há um dia que passe sem que sejamos contactados por jornalistas dizendo que o empregador os quer despedir unilateralmente, à margem de qualquer das fórmulas previstas na lei.

Este quadro gera situa-ções de verdadeira submis-são do trabalhador à boa vontade do empregador

ou de quem o representa, levando-o a aceitar, com receio de ser convidado a sair da empresa, condições de trabalho penalizantes: períodos de trabalho diá-rio para além dos máximos permitidos; trabalho em

dias de descanso sem qual-quer contrapartida; ritmos de trabalho intensos; acei-tação acrítica de ordens e instruções mesmo quando impõem tarefas não com-preendidas no objecto do contrato de trabalho; ausên-cia de órgãos representati-vos; quebra acentuada de manifestações de entreaju-da e solidariedade; ausên-cia de qualquer manifesta-ção reivindicativa, mesmo quando há incumprimento por parte do empregador de obrigações essenciais, como seja o pagamento do salário, etc., etc.

A celebração de um con-trato de trabalho sem ter-mo já foi sinónimo de uma relação de trabalho estável e duradoura e que só ter-minava contra a vontade do trabalhador se este ti-vesse um comportamen-to culposo susceptível de

configurar justa causa para despedimento. As práticas de gestão implantadas em muitas empresas conse-guiram relativizar, se não abolir, essa sensação de se-gurança, embora a Consti-tuição continue a proibir »

“Incutiu-se a ideia de que qualquer contrato de trabalho é por natureza precário e que o empregador pode dispensar livremente o trabalhador.”

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os despedimentos sem jus-ta causa. Infelizmente, essa garantia - aliás tão atacada e injustamente apontada como um factor inibidor do desenvolvimento eco-nómico do país – passou a ser um anteparo de pouca valia em face do que ocor-re no terreno.

Várias causas concorrem para adensar o quadro de precariedade instalado.

Em primeiro lugar, a saí-da sistemática de trabalha-dores mais velhos, ainda que isso possa ter custado às empresas avultadas in-demnizações. Mas, com isso, conseguiu-se reduzir significativamente os en-cargos futuros com pessoal e, acima de tudo, afastar a massa crítica das redac-ções. Estas passaram a ser servidas por jovens a quem lhes foi incutida a ideia que o contrato de trabalho para sempre já não tem qual-quer sentido. A relação de trabalho é contingente e, na maioria dos casos, sem qualquer atractivo profis-sional e salarial, o que, como é óbvio, diminui o investimento pessoal, sen-do certo que a exigência de critérios de qualidade nem sempre existe no jornalis-

mo que se pratica.Em segundo lugar, o pau-

latino desaparecimento de um mercado de traba-lho (aliás, quase todas as empresas estão a reduzir quadros) faz com que os jornalistas não sejam mui-to exigentes quando, por um feliz acaso, conseguem entrar numa redacção. As empresas satisfazem-se muitas vezes com o traba-lho de estudantes em es-tágio ou de prestadores de serviço. E quando recru-tam jornalistas são ofere-cidas condições abaixo das expectativas. Mas, a lei da sobrevivência impõe que elas sejam aceites na espe-rança de que melhorem, o que em muitos casos, não acontece. Há quem não tenha tido qualquer actu-alização salarial desde a admissão e estamos a falar de situações de estagnação de baixos salários que dura há mais de cinco ou seis anos. Simultaneamente, passa-se a ideia de que ter um emprego ainda que mal remunerado (ou mesmo não remunerado) já é uma vantagem.

Em terceiro lugar, a di-nâmica da justiça laboral também não é de molde a

estimular a defesa dos di-reitos dos trabalhadores, nem a dar-lhes um mínimo de segurança. A justiça la-boral é, regra geral, muito morosa e cara e instalou-se a convicção de que, em muitos casos, não vale a pena recorrer a ela, porque quando a decisão chega pode já não haver condi-ções para cobrar os crédi-tos e o trabalhador já teve necessidade de procurar al-ternativas para sobreviver. Aliás, a defesa de um posto de trabalho mal remunera-do e pouco incentivador não é estímulo para o re-curso aos tribunais. Com isso, engrossa-se o caudal dos desempregados. O mesmo se diga quando se trata de cobrar créditos de trabalho.

Os baixos salários e a curta antiguidade colocam em jogo indemnizações e créditos salariais de pou-co valor, o que empurra o trabalhador para a via do “acordo”, ainda que rece-bendo valores abaixo dos que lhe caberiam pela ces-sação do contrato. Aliás, mesmo quando há recurso à via judicial, a primeira re-alidade que enfrenta é uma persistente tentativa de fa-

zer cessar o litígio através de uma conciliação. Como é óbvio, um acordo implica sempre alguma cedência. E, em regra, uma proposta por metade do valor legal-mente exigível já é consi-derado um bom acordo no tribunal. Ou seja, o próprio recurso a este pode impli-car o pagamento de valo-res abaixo dos legalmente instituídos, com um claro benefício para o infractor. Mesmo nos casos em que tenha havido um despedi-mento ilegal.

Por outro lado, a malha larga com que os tribu-nais aferem os fundamen-tos para um despedimento colectivo ou extinção de postos de trabalho consti-tui mais um factor de gran-de incerteza na relação de trabalho. Os trabalhadores preferem ir para o desem-prego aceitando uma pro-posta indemnizatória que, às vezes, até tem o ali-ciante de ser ligeiramente superior ao consagrado na lei, do que ir ao tribunal questionar os fundamentos do despedimento.

Finalmente, os ditos processos para saídas ne-gociadas, muito em voga (hoje ainda mais em face »

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da crise) nas empresas em que os despedimentos co-lectivos se tornam difíceis de implementar, não obs-tante a jurisprudência exis-tente. É feita uma lista de trabalhadores a dispensar e estes são individualmente chamados para negociar a saída, sendo que a inclusão em tais listas não tem, em muitos casos, justificação visível ou plausível, depen-dendo antes da boa vonta-de dos chefes. Há situações em que a não aceitação das condições propostas (mes-mo melhoradas) faz de-sencadear um processo de pressão que chega a atingir foros de verdadeiro assé-dio moral, a que poucos trabalhadores conseguem resistir, acabando por sair em condições que inicial-mente não queriam.

Portanto, hoje é muito fácil despedir ou, usan-do o eufemismo em voga, dispensar colaboradores. Perante este cenário, é na-tural que os jornalistas se sujeitem a condições de trabalho adversas, só para não caírem na lista dos “dispensáveis”.

Considera que essa situ-ação influencia ou condi-ciona a liberdade dos jor-nalistas no cumprimento da conduta ética.

A situação descrita in-fluencia negativamente a relação de trabalho em to-das as suas dimensões e em todas as actividades. Creio que é hoje um dos factores que mais contribui para a desagregação do corpo profissional e que implica diminuição da produtivida-

de, da qualificação e mes-mo das retribuições. Um trabalhador precário não se identifica com a empresa onde transitoriamente tra-balha e pouco fará para a promover.

Mas se a precariedade é perniciosa em qualquer outra actividade, no jorna-lismo tem efeitos devasta-dores, pois inviabiliza ou limita a concretização de garantias fundamentais in-dispensáveis a um adequa-do exercício da profissão. Um jornalista precário, seja em que dimensão for, ou aquele que, quase dia-riamente, ouve dos seus superiores a ameaça de que a empresa vai avançar com uma lista para des-pedir, não tem condições para exercer plenamente a sua liberdade de criação e expressão e muito menos a sua cláusula de consci-ência, especialmente se ela for contraposta à estrutura hierárquica. Realiza o seu trabalho com total submis-são às instruções que lhe são dadas, sacrificando diariamente a capacidade

e autonomia editoriais, a ponto de hoje haver quem se questione se o jornalis-ta não terá já dado lugar a um outro profissional que se limita a produzir textos (conteúdos) encomenda-dos.

Os jornalistas dispõem de um código deontoló-gico para regular a sua conduta, o que contrasta com a ausência de códi-gos nas empresas. Não será que esse facto vai criar uma desigualdade em termos de regulação da comunicação social?

À partida, podemos dizer que a ausência de um có-digo de boas práticas edi-toriais deixa um vazio que não pode ser colmatado pelo código daqueles que produzem a informação de forma subordinada (hoje muito mais subordinada), pois são os editores que determinam os estatutos editoriais e os conteúdos dos órgãos de informação. Nessa medida, o problema não está no desequilíbrio entre editores e jornalistas resultante de uns terem có-digo e outros não. O pro-blema está em saber se a ausência de código por parte dos editores afecta ou não os destinatários da informação.

Todos sabemos a enor-

me influência do poder editorial, que se não for exercido segundos padrões éticos de rigor e de respeito pelos direitos das pessoas e por valores comunitá-rios pode acarretar danos para os cidadãos e para as instituições. O legislador ciente disso procurou criar espaços de autonomia aos jornalistas que, de alguma forma, pudessem contra-por-se àquele poder, crian-do um equilíbrio dinâmico no funcionamento interno dos órgãos de informação.

Ou seja, na dimensão de recolha e tratamento da informação, os jornalistas têm legitimidade para con-trapor ao poder editorial do empregador a sua liberda-de de criação, em prol do interesse público da sua actividade. Nessa medida, quando se impôs aos jor-nalistas a aprovação de um código deontológico de-veria ter-se imposto igual obrigação aos editores para bem do equilíbrio interno, sabendo-se que o estatu-to editorial de cada órgão não substitui um código de boas práticas das empresas de comunicação social. Tal não sucedeu e cremos que não sucederá tão depressa face ao paradigma domi-nante das práticas edito-riais hodiernas.

Mas, antes de questionar-mos a ausência de um »

“Um jornalista precário, seja em que dimensão for, […] não tem condições para exercer plenamente a sua liberdade de criação e expressão e muito menos a sua cláusula de consciência”.

“À partida, podemos dizer que a ausência de um código de boas práticas editoriais deixa um vazio que não pode ser colmatado pelo código daqueles que produzem a informação”.

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código dos editores, tal-vez seja de perguntar se há condições para impor um código deontológico aos jornalistas, tendo em conta as condições em que uma parte significativa de-les presta a sua actividade e que sumariamente ficou atrás esboçada. De facto, o código deontológico só tem sentido se for assegurada ao jornalista uma esfera de independência e liberdade que justifique a submissão, ainda que voluntária, a di-tames que condicionam a sua actividade e que, como já referimos podem colidir com interesses do poder editorial. Se assim não for, restará apenas um docu-mento inerte e sem sentido, porque não há condições para o cumprir. E pare-ce-nos que uma parte dos jornalistas já não terá hoje essas condições.

Nesta dimensão, não esta-remos de volta às origens? Quando o Sindicato pôs à discussão e aprovação, nos idos de setenta, o primei-ro projecto de código de-ontológico, os jornalistas decidiram não o aprovar, alegando que ele só faria sentido quando houvesse liberdade de expressão e os jornalistas fossem livre-mente responsáveis para poderem responder pelo seu cumprimento.

Não estaremos a atingir novamente este patamar de impossibilidade de incum-primento?

Pelo conhecimento que possui do sector há de facto saída dos jornalis-tas mais velhos devido a reformas antecipadas e

despedimentos? E essa perda de memória nas redacções não influencia a orientação editorial?

De facto, as redacções despovoaram-se quase por completo de jornalistas “seniores”, muito poucos despedidos e quase todos convidados a sair, mediante propostas indemnizatórias mais ou menos aliciantes e outros ainda movidos pelo desencanto perante o tipo de jornalismo que lhes era imposto. Mas, o desencan-to não bateu apenas à porta dos mais velhos, pois hoje são frequentes as saídas (ou as tentativas de saída) dos que ficaram mas que não conseguem enfrentar, como nos alegam muitas

vezes, o tipo de jornalismo que fazem. Este fenómeno tem, aliás, vindo a crescer e abrange jornalistas rela-tivamente jovens, alguns dos quais nos confessam que vão abandonar de vez a profissão. Cremos que este fenómeno tem repercussão na prática jornalística dos que ficam, pois têm de se acomodar a práticas com que não concordam.

A falta de memória nas

redacções tem conduzido a uma rápida desagregação do corpo dos jornalistas por falta de referências, despojando-o mesmo de condutas que caracteriza-vam a leges artis da pro-fissão, nomeadamente a capacidade de intervenção na orientação editorial dos respectivos órgãos de in-formação.

Neste sentido, a saída dos jornalistas mais velhos contribuiu para que os jor-nalistas participem cada vez menos na orientação editorial, quer quanto à selecção dos temas, quer quanto ao conteúdo da in-formação.

Em sua opinião, quais as situações que condu-zem à redução do número de jornalistas ou ao dese-quilíbrio entre efectivos e precários? Quais as suas características no contex-to actual?

Creio que há duas razões fundamentais. A principal é de natureza económica, pois as empresas procu-ram a todo o custo, reduzir encargos com pessoal ou ter em qualquer momento possibilidades de o fazer ao mais baixo custo. Ora, é muito mais fácil “alienar recursos” que não têm vín-culo jurídico à empresa ou se o têm é precário ou de alienação a baixo custo. Os jornalistas são os que estão na primeira linha, porque são fáceis de substituir. Existe uma vasta procu-ra de emprego no sector, o que também, como é óbvio, leva a aceitação de condições de trabalho

pouco dignificantes e, em alguns casos, à margem da lei. Temos visto contratos de trabalho que são verda-deiramente leoninos, evi-denciando um enorme de-sequilíbrio na distribuição dos direitos e dos deveres entre as partes. Há casos em que, apenas por um salário mínimo ou muito próximo do mínimo, o jor-nalista fica com a obriga-ção de trabalhar quando e pelo tempo que for preciso, de aceitar a deslocação do local de trabalho para onde o empregador quiser, de dedicação em exclusivo e de ceder integral, gratuita e definitivamente os seus direito de autor.

Outra razão prende-se com o modelo de jorna-lismo prevalecente que não exige profissionais altamente qualificados ou com grande experiência e solidez de conhecimentos. A produção informativa, antes de ser qualificada e exigente, deve ser barata e expedita. Neste quadro tende-se a concentrar ta-refas, a reduzir o tempo de produção dos trabalhos, a negligenciar práticas in-dispensáveis ao rigor da informação.

“A falta de memória nas redacções tem conduzido a uma rápida desagregação do corpo dos jornalistas por falta de referências”.

“Os jornalistas são os que estão na primeira linha, porque são fáceis de substituir. Existe uma vasta procura de emprego no sector”.

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Quais as medidas que preconiza para o cum-primento dos direitos e li-berdades dos jornalistas, para uma maior tomada de consciência de que a ética profissional é estru-turante do jornalismo?

A ética não deve ser alheia a qualquer conduta humana. Nenhuma pro-fissão pode ser exercida dignamente sem que este-ja submetida a um código de boa conduta. Todos os jornalistas, sejam eles mais jovens ou menos jovens, têm a noção, em maior ou menor grau, de que a sua profissão impõe obrigações de natureza deontológica.

Cremos, no entanto, que o reforço para a tomada de consciência de que a de-ontologia é um elemento estruturante da actividade profissional só pode acon-tecer se houver alteração do paradigma do jornalismo predominante. É preciso que este deixe ser um jor-nalismo muito preocupado com a espuma dos factos, que nos envolve mais pelo lado da emoção do que pelo lado da razão, onde a dimensão da responsabili-dade e do rigor informati-vo é muito atenuada.

É preciso que se imponha um jornalismo de com-

promisso com a sociedade que serve, um instrumento indispensável à criação de uma consciência crítica dos cidadãos, em prol de uma cidadania de pleno direito. Para isso, deve ser um jornalismo com eleva-dos padrões de qualidade, muito exigente quanto ao rigor e profundidade do tratamento dos materiais informativos e servido por escolhas editoriais que te-nham em conta, mais do que a dimensão do negócio, a razão fundamental da sua existência que é, como se disse, a de contribuir para o desenvolvimento da ci-dadania.

Como é óbvio, este jor-nalismo para a cidadania exige que os jornalistas te-nham para tanto assegura-das condições adequadas, entre elas a qualificação e a permanente formação, au-tonomia editorial, estabili-dade na relação de trabalho e retribuição condigna. Se assim for, a assumpção e integração na prática pro-fissional dos deveres de-ontológicos e profissionais impor-se-ão por força do quadro de maior exigência em que os jornalistas pres-tam a sua actividade.

Otília Leitão

“Todos os jornalistas, sejam eles mais jovens ou menos jovens, têm a noção, em maior ou menor grau, de que a sua profissão impõe obrigações de natureza deontológica.”

A precariedade no jor-nalismo tem vindo a subir nos últimos 10/15anos. Este fenómeno surge asso-ciado às dificuldades eco-nómicas das empresas de comunicação social, que progressivamente avan-çam com medidas de “re-organização”, tendo por base reduzir os custos nas redacções.

Este argumento encer-ra um ciclo da “cultura de empresa” onde o esforço colectivo tinha em con-ta o interesse comum de rendibilidade da empresa em defesa dos postos de trabalho. Agora fomenta-se o individualismo nas redacções e as prepotên-cias das editorias de modo a satisfazer os objecti-vos das administrações. A valorização do trabalho

Jornalistas comprometidos com políticas de administração Jornalistas na administração das empresas é a forma de os comprometer nas reestruturações para redução de custos. A ética é de todas as profissões, mas fica subvertida pela redução dos custos

jornalístico nas suas varias vertentes, como a reporta-gem ou a investigação, está reduzida ao mínimo.

As dificuldades económi-cas suportam muitas vezes a tese da ausência e desva-lorização de trabalhos jor-nalísticos, pelo objectivo essencial de minimizar os custos nas redacções, onde a função de informar, co-meça a parecer um apên-dice perante os interesses publicitários.

Associado aos novos tempos do mercado surge uma nova realidade, a in-tegração de jornalistas nos conselhos de administração das empresas. Uma forma de os comprometer direc-tamente nas medidas de-signadas de reestruturação. Processos que condu-zem ao afastamento dos »

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

jornalistas com mais de 50 anos, os considerados incómodos, por terem opi-nião, e que são empurrados para fora das redacções por serem susceptíveis de influenciar os profissionais mais novos.

A necessidade de “san-gue novo” nas redacções acaba por ocorrer sem que haja passagem de testemu-nho. O apagamento das re-ferências e da história nas redacções fica a um passo das atitudes de subservi-ência e de prepotência. As novas gerações são con-frontadas com um clima de instabilidade. Cresce a arrogância das editorias

associada aos processos de reestruturação impos-tos pela administração. Neste processo afastamento dos jornalistas mais velhos a opção é recrutar outros, em geral com menos de 30 anos e com baixos salários. Isso é relativamente fácil pois existe no mercado um exército de jovens jornalis-tas que anualmente saem das escolas sem qualquer perspectiva de emprego nas empresas de comunicação social. Muitos chegam às redacções sem experiência suficiente, sendo logo con-frontados com situações de pressão geradas pelos processos de mutação.

É confrangedor observar jovens jornalistas a faze-rem perguntas a políticos sem conhecimento do assunto em debate. A si-tuação é particularmente visível nas televisões. São como se diz “mandados às feras” sem o respectivo en-quadramento que lhe deve-ria ser dado. A questão de passagem de conhecimen-tos e da experiência dos mais velhos às gerações mais novas é importan-te em qualquer profissão. E a ética onde fica? A ins-titucionalização das ques-tões éticas nas redacções é importante como postura normativa, mas não che-

ga. A precariedade laboral acaba por subverter a ques-tão da ética na medida em que o trabalhador fica vul-nerável. A sua defesa passa muitas vezes pela sua for-mação como indivíduo. A ética está para além da ac-tividade jornalística. Ela atravessa todas as profis-sões e é parte integrante da nossa sociedade. É por isso que a ética é uma questão central da evolução das sociedades e não um caso isolado desta ou daquela profissão, quer ela seja de pedreiro, advogado, médi-co ou Presidente da Repú-blica. Otília Leitão

Li o código de ética, “no princípio...”

“Um dia o meu director comercial pediu-me que fizesse uma entrevista ao fornecedor de sumos lá da Revista e eu fiquei aflita! Mas logo pensei: “Se eu recuso, vou para a rua!”.

MG é uma jornalista, de 27 anos, licenciada em co-municação social e que tra-balha numa revista de uma área específica.

Tem consciência de que há regras éticas, já leu o Código Deontológico “no

princípio, quando estava a estudar...” Questionada se costuma invocar as suas regras quando sente que algo não está bem na sua Redacção, diz: “O director não quer saber nada disso! Ele nem quer ouvir falar em Sindicatos....”

Ganha o salário mínimo e, porque os seus pais vi-vem fora de Lisboa, tem de pagar um quarto para poder ter disponibilidade. “É que não há horas certas...”

Confessa que quando escreve, tem sempre este pensamento: Será que não me vão chatear?OL

Quando o “pão” fala mais alto....

PD esteve três meses sem lhe darem trabalho, sen-tando-se cada dia na sua secretária para ler os jor-

nais, num desgaste psico-lógico que o levou à saída do seu jornal, um “órgão de comunicação social de referência”, do qual se or-gulhava.

Antes disto acontecer, já PD receava chegar-se àqueles que por qualquer motivo “tinham caído em desgraça”, e confidencia que começou a sentir uma “espécie de medo de que isso pudesse desagradar às chefias”.

“As pessoas começam com medo da sua própria sombra, quando até outros jornalistas, seus camara-das, começam a apontar-lhes defeitos e a fazer ob-servações do género: “Vê lá se te portas bem! Olha que o ‘A’ está de olho em ti!”.

De nada lhe valeram, os “receios e cautelas!”, con-fessa que o acabrunhavam cada dia. Só tinha 45 anos e desde há três anos o de-semprego, ou a busca de

“biscates”. Estes, mais não são do que a “produção de conteúdos”, admite, a pe-dido dos interessados. Es-creve-se de acordo com o que as pessoas pedem. Não é jornalismo.

A precariedade do traba-lho, numa profissão que é naturalmente desgastante – veja-se as estatísticas da duração média de vida de um jornalista – fez com que os seus dois filhos ti-vessem de alterar a vida estudantil para procurarem um part-time, a arrumar as prateleiras de um super-mercado. OL

Eles querem textos, mas não jornalismo...

Desde 2003 que a sua vida mudou. Aos 50 anos, passou de jornalista de re-ferência à angústia de »

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

trabalhar à peça, vendável ou não consoante o che-fe de redacção considere “boa, inédita, original”. Às vezes passam-se meses sem nada receber. Outras vezes, depois de verem as peças jornalísticas dizem: “Eh pá, tenho pena! Sabes já tenho um gajo interno a investigar!”.

SM considera-se um jornalista crítico e com memórias. Recorda-se de grandes mestres do jorna-lismo que sempre lhe en-sinaram: “Jornalismo é a procura da verdade, doa a quem doer!”. E talvez por isso sente-se triste.

“Apagaram as memórias, esvaziaram as redacções dos jornais, porque só lhes interessa gente acrítica, obediente!”, desabafa SM. Já passou por uma fase de desespero, depois aceitação e agora de “felicidade!”, diz. Acrescenta: “tenho nojo dos pés de microfone e dos lambe botas!”.

Licenciado em História, fez mestrados e formações várias para superar os mo-mentos do desespero de nada fazer. “Aparece mui-ta gente a pedir para fazer textinhos, para aqui e para ali...Fiz vários, mas deixei-me disso, pois pensam que vivemos do ar...não temos rendas a pagar, família a sustentar.”

SM diz que conhece ou-tros jornalistas como ele a pedir para publicar aos amigos que ainda estão nos jornais, mas estes são cada vez menos. “Têm corrido com eles. E o que se tem feito nos últimos anos é o assassínio do verdadeiro jornalismo”.

OL

A pressão é inimiga da deontologia, diz João Pa-checo, membro do Movi-mento Precários Inflexíveis e vencedor do prémio Ga-zeta Revelação em 2007. A trabalhar em situação precária desde 2005, João Pacheco enumera com fa-cilidade aquilo que, no que toca ao cumprimento da ética e deontologia da pro-fissão, distingue um jorna-

PRECÁRIOS FALAM NA PRIMEIRA PESSOA

“Somos alvos fáceis” de trabalhos pouco deontológicos

lista precário dos restantes profissionais.

“São três os factores que no meu entender nos fragi-lizam em termos deontoló-gicos. Sofrer a pressão de ter de publicar rapidamente para poder ganhar dinheiro é um deles. Isso afecta o trabalho muitas vezes. Essa pressão é inimiga da deon-tologia. Somos mais frá-geis no que toca a pressões de fontes – há a tendência para não nos incompatibili-zarmos com as fontes para não ficarmos sem trabalho. E corremos mais risco de desrespeitar a relevância jornalística. Muitas vezes dei por mim a desrespeitar a relevância jornalística e a sugerir temas que eu sei que aquele editor ou aque-le meio vão gostar. Às tan-tas, perguntas a ti mesmo – queres mesmo escrever sobre isso? É fácil perder os escrúpulos em matéria de relevância jornalística”.

João Pacheco lembra ainda que, mesmo nas re-dacções, sabe-se que um precário, ou um estagi-ário, é alguém que mais dificilmente recusará um trabalho que viole a ética e deontologia da profissão. E que estes precários mui-tas vezes não têm noção de que estão a violar o código profissional.

“Os trabalhos quase ilegais são entregues de forma quase estudada a estagiários e precários. Pu-

blicidade disfarçada de jor-nalismo, favores a fontes...somos alvos mais fáceis.”

Nascido durante as pri-meiras comemorações do primeiro MayDay celebra-do em Portugal, em 2007, o Movimento Precários In-flexíveis é apenas um dos movimentos nesta área que surgiram nos últimos anos em Portugal. “Responde-mos às frustrações de mui-tas pessoas, em muitas áre-as, que estão neste tipo de situação laboral.

Os mais frágeis

Miriam Zaluar, 40 anos, foi uma das pessoas que também se juntou ao mo-vimento. A trabalhar desde o início da década de 1990 Miriam esteve sempre em situação precária. Fazem-se muitos fretes quando estamos numa situação la-boral precária. Fiz sempre algum barulho contra isso e talvez por isso nunca tive um vínculo. Os mais pre-cários são os mais frágeis.

Miriam Zaluar acredita que o problema da pre-cariedade é um problema que afecta toda uma gera-ção. “Somos uma geração muito sujeita a pressões. E nós próprios já nos de-fendemos. Não ousamos tocar em certos assuntos, somos uma geração que não ousa.”

E lembra um último traba-lho que a levou a Tinduf »

João Pacheco, 29 anos. Miriam Zaluar, 40 anos. São apenas dois exemplos de jor-nalistas com vínculos laborais precários que falam de como estes profissionais podem ser alvos fáceis nas redacções. Muitas ve-zes pode haver uma espécie de auto-cen-sura para evitar perder dinheiro, reconhecem. Muitas vezes atropela-se o Código Deonto-lógico. “Somos alvos fáceis”.

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

e aos campos de refugiados saharauis. “Tentei vender a reportagem a vários jornais. Achavam muito giro mas não havia receptividade. Mas um dos títulos que re-jeitou a reportagem acabou por publicar uma reporta-gem sobre Tinduf. Publi-

caram num suplemento de viagens um trabalho sobre a região...como agradável destino turístico”.

A jornalista lembra ex-periências por que passou que feriam o Código De-ontológico da profissão.

Já fiz trabalho jornalístico que era uma assessoria de imprensa debaixo do pano, trabalho que me era pedi-do por outros jornalistas. Mas precisamos de ganhar a vida. Tenho dois filhos para sustentar. Violei o Có-digo Deontológico. Não

prejudiquei ninguém. Mas fi-lo. Já me mandaram em viagens sem seguro, sem direito a ajudas de custo nem pagamento de pernoi-tas...são as contingências da precariedade”.

Ana Machado

Considera que a preca-riedade laboral pode afec-tar, directa ou indirecta-mente, o cumprimento do estatuto de jornalista e das regras éticas e de-ontológicas que o exercí-cio da profissão exige?

— Na minha opinião sim. A falta de segurança quanto ao futuro pode le-var a alguma brandura no tratamento de certos pe-didos provenientes de su-periores, sabendo que as pressões exteriores quanto ao tratamento das notícias podem também condicio-nar o futuro no emprego. Pesando, não acredito que um trabalhador que depen-da (naturalmente, como tantos) do seu salário não

Notícias alteradas, com ou sem consentimentoÉ jovem e trabalha sem vínculo numa das muitas redacções onde a instabilidade profissional se banalizou. E essa relação laboral, que se tornou típica, tem um preço acrescido. Só podem falar sob anonimato.

dê mais importância à sua vida pessoal.

Já se sentiu ou não ‘mais pressionado’ do que outros camaradas pelas chefias?

— Sim, na medida em que, ao poderem rejeitar de forma mais veemente certos tipos de pressões, as chefias voltam-se para os trabalhadores mais vulne-ráveis em termos contratu-ais, ou mais jovens.

Nota essa diferença de pressão por não ser tra-balhador do quadro? Quer dar exemplos?

— Já me aconteceu es-crever notícias que são al-teradas, e com ou sem con-sentimento, porque relatam pontos mais negativos, e alguns preferem “encon-trar” tons mais positivos, consoante os assuntos e os visados. SO

Era uma vez um jornalista, na altura chefe de redacção. No desempenho dessas funções, distribuiu o serviço externo do dia a um companheiro da redacção, cuja editoria tratava esse tipo de assuntos.

O jornalista, mais jovem, embora já com alguns anos de profissão e sem víncu-lo contratual precário, saiu para cobrir o acontecimen-to. Tratava-se da primeira visita em cerca de 20 anos de um antigo chefe militar de alta patente a um grupo de combatentes nas ex-co-lónias portuguesas de Áfri-ca.

O encontro transpirou emoção, é certo. Mas mais importante, do ponto de vista do valor-notícia, foi a promessa de empenho da-quele ex-comandante em tentar desbloquear a situ-ação dos antigos comba-tentes do Ultramar, como ficaram conhecidos, de modo a que vissem reco-nhecido o seu estatuto e os seus direitos.

No regresso à redacção, o

PRECARIEDADE E DEONTOLOGIAAs lágrimas do comandante

chefe perguntou o que tinha dado o serviço. O jornalista explicou o que achava que seria o “lead”, mas referiu que o velho militar tinha chorado ao rever os anti-gos companheiros.

Quando escrevia a notí-cia, o chefe apareceu e in-dagou como estava o texto. O repórter tinha destacado a promessa do antigo co-mandante por melhores condições para os ex-com-batentes.

Todas as suas explica-ções e tentativas para que o “lead” se mantivesse assim foram infrutíferas. O chefe considerava que as lágri-mas do velho militar eram mais importantes…

Tal como referido em muitos livros e filmes, qualquer semelhança deste texto com a realidade não passa de mera ficção… Embora tenha acontecido, claro.

FL

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

Há diários de referência que arrastam os pagamen-tos – 500 euros por matéria de capa – meses sem fim, rodando os recibos entre redacção e contabilidade

Jornalistas e advogados – o salário do medo

O mercado decidiu – jornalistas e advogados são profissionais desqualificados, com as devidas excepções, obviamente. Mas a escolha dos fora de série recai sobre quem mete o dinheiro na empresa. A regra não tem excepções. Às vezes aparece um rebelde, mas é questão de tempo: ou se adapta ou passa a precário. No caso dos advogados, ao que se diz, passa para as oficiosas.

editorial, centro de custos e administração, ordem ban-cária e ordem de pagamen-to, num labirinto diabóli-co, cujo único mérito é dar emprego a uma quantidade

de gente que sai mais cara do que o preço final pago ao jornalista.

O mercado, dizem, im-pôs as suas regras e mesmo empresas que até há pouco liquidavam a dois meses entraram agora no esque-ma de pagamentos a (mais) três meses. Acrescido de um congelamento, quando não de redução, dos mon-tantes pagos, com o pretex-to de que se os jornais de referência pagam a €500 é perfeitamente normal que eles paguem a €300.

O exemplo degradante

dos jornais e rádios locais, que cobram publicidade aos anunciantes, mas “con-tratam” jornalistas à borla, a quem fazem o “favor” de deixar praticar, está a alastrar-se aos órgãos de comunicação regionais e nacionais.

A única solução é a re-gulamentação, pois como salientava o Expresso na sua edição de 25/9/10 (Economia), até para este semanário, que respeita o trabalho jornalístico, tor-nou-se banal ligar ao editor para lhe sugerir uma repor-tagem sobre um assunto de âmbito comum, no suben-tendido de contrapartida publicitária.

A consequência deste es-tado de coisas será a degra-dação da condição laboral dos jornalistas e a inevitá-vel quebra da qualidade da informação. Infelizmente, a crer pelo desempenho dos deputados nas sucessi-vas comissões de inquérito parlamentar que este ano se ocuparam de assuntos da comunicação social, a todos os partidos parece agradar esta situação de “jornalismo domesticado”.

AM

“Uma imprensa honesta e destemida é a primeira protecção do público contra o gangsterismo – local ou internacional.” Palavras do actor Humphrey Bogart, no filme “Deadline – USA”, de 1952.

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

Quantas vezes deve uma informação ser verificada antes de poder ser divul-gada?

a) Umab) Duasc) As vezes que for pre-

cisod) Impossível responder

“As vezes que for preci-so”? E se a pergunta fosse antes: quantas pessoas de-vem verificar uma infor-mação antes de esta poder ser divulgada? É a questão a que os chamados verifi-cadores de factos procuram dar resposta.

Alguns exemplos: a re-vista alemã “Der Spiegel” conta com cerca de 80 a tempo inteiro, revelava o vice-director do departa-mento de investigação e de arquivo da publicação em entrevista ao “Columbia Journalism Review” (CJR) em Abril deste ano. Do ou-tro lado do oceano, a revis-ta “Vanity Fair” reúne 20 e a “New Yorker” emprega 16 verificadores de factos.

E em Portugal?É nos EUA que mais se

tem desenvolvido esta área, em particular nos últimos anos e até, nalgu-

Verificar para melhor informar

mas circunstâncias, fora dos órgãos de comunica-ção social, como é o caso da organização Fairness & Accuracy In Reporting (FAIR), criada em 1986. A mostrar a crescente impor-tância desta função, o “St. Petersburg Times” recebeu em 2009 um prémio Pulit-zer pelo trabalho realizado no âmbito do projecto Poli-tifact.com, um sítio de ve-rificação de factos no cam-po da política nacional.

Este curto contexto vem apenas adiar a pergunta que dá origem a esta re-flexão: seria possível criar uma instituição de verifi-cação de factos em Portu-gal? Ou fomentar a criação de tal posição em meios de comunicação?

A questão não deixa de ser colocada com pouco optimismo, tendo fortes semelhanças à situação dos revisores de texto. Apesar disso, merece discussão.

A verificação de factos é uma aposta no reforço do jornalismo de qualidade, mas não só.

Não se aplica apenas à informação e pode ser ex-pandida de modo a abran-ger qualquer pessoa que exerça influência na esfera pública, de forma eleita ou não. Tem como objectivo contribuir para um maior esclarecimento da socieda-de e para a remoção de ter-mos como “inverdade” do dicionário. Ou é verdade ou é falsidade.

Ao mesmo tempo, ve-rificar factos não é, como lembra um editor do CJR, “contestar uma frase com a qual se discorda”, ou seja, não é um processo de vin-ganças mesquinhas ou de vendetas contra uma pes-soa ou outra. É, sim, uma operação abrangente e in-dependente, à qual se junta outra palavra com a mesma terminação: transparente.

Numa mentalidade virada para o benefício da discus-são pública e da melhoria da qualidade do jornalismo que é feito, a verificação de factos pode dar uma verda-deira contribuição para tal.

Fala-se em tal escala so-bre a “crise do jornalismo” que já se tornou num cliché. Contudo, poder-se-á falar de um problema de credi-bilidade, na ausência da percepção de que um meio de qualidade continua a ser atractivo para o público. A alegada crescente urgência das notícias em tempos do digital, a alegada redução de custos que se traduz (quase) sempre em cortes no pessoal, as alegadas co-lagens de um meio ou de outro a determinados po-sicionamentos do espectro político, tudo isto aumenta a necessidade da criação de um projecto de verificação de factos em Portugal – tal como em qualquer outro país. E, se possível, mais do que um.

No caso do jornalismo, sobre a verificação de fac-tos paira a sombra de que o autor da peça não foi capaz de ser rigoroso o suficien-te. Acredito que isto seja, talvez, a objecção mais séria a um projecto desta

natureza. Contudo, não é o rigor de um autor que está em causa. Muito pelo con-trário. É a educação dos leitores, dos ouvintes, dos espectadores.

Não está em causa a com-petência ou a capacidade de ninguém. A qualidade do texto só tem a ganhar com várias verificações do mesmo. O objectivo não é substituir ninguém, mas sim acrescentar um novo elo à relação. Uma peça de confiança que permi-ta ao autor do texto fazer um trabalho melhor e mais completo.

O futuro do jornalismo é o mesmo que o passado do jornalismo já foi. Não é uma aposta no jornalista de mochila às costas que tira notas, tira fotografias e grava som. É a aposta na qualidade e na honestidade que cria públicos fiéis.

Dito isto, é óbvio que os maiores impedimentos a um projecto deste teor são os financeiros, em particu-lar num país pequeno com pouca tradição de mece-nato. Ainda assim, não é razão para que não se dis-cutam as possibilidades de futuro da área em

Portugal e, neste caso, de um projecto de verificação de factos, dentro e fora do jornalismo.

Tiago Dias Bolseiro do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade na Universidade do Minho.

A verificação de factos é uma aposta no reforço do jorna-lismo de qualidade, mas não só.

É a aposta na qualidade e na honestidade que cria públicos fiéis.

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

O blog brasileiro Wagner & Beethoven [h�p://wagnerebe-ethoven.apostos.com/2010/06/17/john-buscema/], de Mauro A., iniciou em Julho de 2010 a publicação da série de banda desenhada “Conan, repórter investigativo”.

Esta “tira”, alusiva às relações com assessores de imprensa, foi reproduzida no blog Nova em Folha, o qual é uma extensão do programa de formação em jornalismo diário da Folha, edi-tado por Ana Estela de Sousa Pinto.

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

LEITORES

Assistentes e Casa Pia

O jornalista Murillo Lo-pes, em mensagem dirigi-da ao Conselho Deontoló-gico, comenta as posições tomadas sobre o estatuto de assistente em processo e sobre a cobertura do pro-cesso Casa Pia.

Tomar decisões éticas

Jay Black, Bob Steele e Ralph Barney são os auto-res do livro “Making Ethi-cal Decisions” (Tomar Decisões Éticas). Trata-se de um livro para o juízo ético no jornalismo, com estudos de caso, editado em 1999 e agora na tercei-ra edição.

Os autores recomendam dez interpelações que cada um se deve colocar sempre que tomar decisões éticas.

1. O que sei? O que preciso saber? 2. Qual o meu propósito jornalístico? 3. Quais as minhas preocupações éticas? 4. Que conduta organizacional e orientações profissio-

nais devo considerar? 5. Como posso incluir outras pessoas, com diferentes

perspectivas e diversas ideias, no processo de tomada de decisão?

6. Quem são as partes interessadas? a. Quais as suas motivações? b. Quais são legítimas? 7. E se os papéis se invertessem? Como me sentiria se

estivesse no papel de uma das partes interessadas? 8. Quais as consequências prováveis das minhas ac-

ções? a. A curto prazo? b. A longo prazo? 9. Quais as opções para potenciar a minha responsabili-

dade em relatar a verdade e minimizar os danos? 10. Posso de forma clara e completa justificar o meu

pensamento e a minha decisão? a. Às partes interessadas? b. Ao público?

Afirma que «são posi-ções lúcidas, como a que se relaciona com o não definitivo, no recurso ao estatuto de assistente em processo, que credibilizam o jornalismo e os jornalis-tas.» Critica os «atropelos sucessivos» a que se tem assistido nos últimos anos.

Murillo Lopes considera também que «ninguém foi respeitado» e que o «jor-

nalismo português, infe-lizmente, ficou manchado, como não há memória», no processo Casa Pia. Con-gratula-se por «alguém, credível, [ter colocado] os pontos nos is sobre a ver-gonhosa cobertura mediáti-ca do processo Casa Pia.»

Vergonha O jornalista Luís Zuzarte

escreveu de Moçambique para «felicitar vivamente o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas» pelo teor do seu comuni-cado em que «critica a co-bertura jornalística do pro-cesso Casa Pia, na sua fase final, classificando-o ‘do que não é jornalismo’”.

«Como jornalista, senti-me forte por saber que o meu Conselho Deontológi-co, atento, reagiu desta for-ma veemente mas, antes, como jornalista também, senti-me envergonhado pelo trabalho realizado em directos e entrevistas tele-visivas onde os vilões pas-saram a ser heróis.»

RECTIFICAÇÕES

Diana Andringa: Iniciou carreira nos anos 60

A jornalista Diana An-dringa iniciou a sua car-reira profissional nos anos 60 e não em 1976, como se escreveu no primeiro nú-mero do boletim «Obser-vatório de Deontologia do Jornalismo».

A sua experiência pro-fissional teve início na imprensa estudantil, semi-legal, nos anos de 1965 a 1967. Neste ano e no se-guinte começou a colabo-rar no «Diário Popular»

(temas estudantis) e no «Diário de Lisboa» (temas relativos à condição femi-nina).

Foi sucessivamente jor-nalista na «Vida Mundial» e no «Diário de Lisboa», até que entrou para a RTP em 1978.

Rui Cartaxana não foi fundador

O jornalista Rui Cartaxa-na, já falecido, não foi fun-dador do jornal «Record», contrariamente ao que se publicou no nº 4 do bole-tim «Observatório de De-ontologia do Jornalismo».

O jornalista Murillo Lo-pes pede que se desfaça o equívoco. «Quando ingres-sou no “Record”, oriundo do “Diário Popular”, Rui Cartaxana aproveitou o facto de outro camarada de Redacção, também já falecido, ter declinado um convite», escreve Murillo Lopes.

Acrescenta que «Rui Cartaxana, cuja me-mória respeito muito, nada tinha a ver com a área desportiva antes de ingressar no “Record”. Por ser verdade...»

As rectificações devidas aqui ficam registadas.

Rua dos Duques de Bragança, 7E -1249-059 LISBOA - Portugal | http://www.jornalistas.eu/

Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Observatório de DeontologiaNº 4 - Julho 2010 do Jornalismo

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Penetração e influência dos desportivos requerem jornalismo e jornalistas exigentes

O princípio redutor do contraditório

«A BOLA»Falta pluralismo, modalidades... e mulheresPág. 5

«O JOGO»Fontes escondidas e muita interpretaçãoPág. 7

«RECORD»Futebol versus desportoPág. 9

Muito se pode contar sobre o atribulado percurso do jornalismo desportivo e dos jornais desportivos entre nós. Apesar de haver pouca

história documentada sobre o assunto. Nasceram numa dimensão à parte dos jornais da época, não reconhecidos como jornalismo,

com profissionais não reconhecidos como jornalistas, como lembrou Carlos Pinhão no primeiro congresso de jornalistas portugueses, em 1983. »

Bad news is good news Pág. 12

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), organismo criado em 1996 para regular a atribuição e revalidação dos títulos profissionais, tinha mais de seis milhares de jornalistas com carteira válida.

Porém, destes cerca de uma dúzia dividem o nome profissional com um ca-marada de profissão. Os casos encontrados na lista da CCPJ, acessível pela internet, referem-se todos a homens, na maioria, em exercício da profissão há uma década ou mais.

Alertado por uma queixa sobre o uso incorrecto do nome profissional, o Con-

selho Deontológico (CD) constatou a duplicação e pediu esclarecimentos aos responsáveis da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

É que em causa estão - além da possível confusão em relação à pessoa do jornalista “a” e do jorna-lista “b”, ambos usando o mesmo nome profissional, embora com números dis-tintos de Carteira Profis-sional - a responsabilidade profissional pelo que cada um produz e eventuais di-reitos de autor.

Em resposta, o Secreta-riado da CCPJ afirmou que segue o “critério da maior antiguidade na utilização pública” do nome profis-

sional, procedimento que “corresponde ao disposto no n.º 2 do art.º 13º e do Regulamento de Organi-zação e Funcionamento da CCJP (D.L. n.º 70/2008, de 15 de Abril)”.

“Se, mesmo assim, o jornalista mantiver o in-teresse no uso de nome profissional já registado, entrará, por sua iniciativa, em contacto com o legíti-mo titular do nome profis-sional, no sentido de obter autorização para o uso do nome. Havendo autoriza-ção da parte deste, a CCPJ permitirá que seja feito um segundo registo de nome profissional nos seus servi-ços”, acrescenta a mesma fonte.

A Comissão referiu ain-da que “sempre que seja requerido um registo de

Nomes profissionais duplicados

Observatório de Deontologia do Jornalismo - Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Director e editor de fecho: Orlando CésarDesign e paginação: Marta Gonçalves

Redacção: Ana Isabel Costa, Ana Machado, Francisca Leal, Gabriela Chagas, Orlando César, Otília Leitão e Susana Oliveira. Ilustrações: Maria Ramos

As colaborações assinadas exprimem os pontos de vistas dos seus autores e a sua publicação não significa que o Conselho Deontológico subscreva as opiniões aí expressas.

Endereço electrónico: [email protected]

Comentários anónimos

Rem Rieder, editor da American Journalism Review, considera que os websites dos média deviam impedir os comentários anónimos nos espaços que disponibilizam para comentar as notícias.

Em declarações reproduzidas pela IJNET (Internatio-nal Journalists’ Network, Washington) [http://www.ijnet.org/], Rieder argumenta que os autores dos comentários não escreveriam as mesmas coisas se a identificação lhes fosse solicitada. As secções estão frequentemente cheias de obscenidades e ataques pessoais, os quais não são do interesse de um sítio de notícias.

O weblog The Sun Chronicle anunciou em Julho que seria cobrado um dólar de taxa aos leitores que preten-dam comentar qualquer artigo no website. O pagamento é efectuado por cartão de crédito e o nome do seu deten-

um nome profissional já existente, a CCPJ recusa o mesmo e adverte para a existência do nome profis-sional em causa”.

Esta resposta remete-nos para uma nova pergun-ta: então como é possível que duas pessoas diferen-tes, habilitadas e acredita-das pelo mesmo órgão, a CCPJ, para o exercício do Jornalismo no biénio em curso, 2010-2011, tenham e usem o mesmo nome profissional?

Pelo menos desde Julho – quando o CD detectou a situação e a relatou à CCPJ - que os casos identifica-dos como nome profissio-nal duplicado se mantêm na lista da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.FL

tor aparece automaticamente no comentário, assim como a localidade onde vive.

Orest P. D’Arconte, editor de The Sun Chronicle, afir-mou tratar-se de uma tentativa para «eliminar os exces-sos” que ignoram as suas orientações editoriais, as acusa-ções cegas e as alegações infundadas.

Colin Heilbut escreveu em http://www.editorsweblog.org/, um sítio do World Editors Fórum, que esta afronta à privacidade e liberdade de expressão suscitará provavel-mente uma oposição ardente.

O weblog Skyblue-pink.com prevê a possibilidade de alguns efeitos negativos induzidos por estas restrições. Um deles é inviabilizar o pedido de conselhos anónimos em artigos relacionados com a saúde. Outros reportam-se a situações de abuso, a problemas relacionados com os jovens ou relativos a dificuldades financeiras.