O Livro Do Filósofo - Friedrich Nietzsche

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  • FRIEDRICH NIETZSCHE

    O LIVRO DO FILSOFOTEXTO INTEGRAL

    TRADUO

    ANTONIO CARLOS BRAGA

    escala

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  • FRIEDRICH NIETZSCHEO LIVRO DO FILSOFO

    TITULO ORIGINAL ALEMODAS PHILOSOPHENBUCH

    DIAGRAMAO: CIBELE LOTITO LIMAREVISO: PATRICIA DE FTIMA SANTOS

    CAPA: CIBELE LOTITO LIMA E MARCELO SERIKAKUCOLABORADOR: LUCIANO OLIVEIRA DIAS

    COORDENAO EDITORIAL: CIRO MIORANZA

  • SumrioAPRESENTAO.............................................................................6

    VIDA E OBRAS DO AUTOR ...........................................................8

    O LTIMO FILSOFO O FILSOFO CONSIDERAESSOBRE O CONFLITO ENTRE A ARTE ECONHECIMENTO .......................................................10

    NOTAS PARA O PREFCIO ...........................................65

    PARA O PLANO: "O LTIMO FILSOFO" ..................67

    II O FILSOFO COMO MDICO DA CIVILIZAO ................69

    III INTRODUO TEORTICA SOBRE A VERDADE E AMENTIRA NO SENTIDO EXTRAMORAL...........79

    DISPOSIO PARA AS PARTES ULTERIORES..........92

    ESBOOS ..........................................................................93

    IV A CINCIA E A SABEDORIA EM CONFLITO ...................100

    APNDICE - SOBRE OS HUMORES..........................................116

  • APRESENTAO

    Apesar de incompleto, com vrias passagens simplesmenteesboadas para futura elaborao, O livro do filsofo uma obra marcantepara a histria da filosofia e especialmente para o que vem a ser a filosofiaem si. As linhas mestras do texto tocam os prprios fundamentos dafilosofia, tais como a teoria do conhecimento, a importncia central dainteno, a falncia da verdade e as chances que o homem ainda possuipara se construir. Este pequeno-grande livro uma exposio das relaesda filosofia com a arte, com a cincia e com a civilizao, privilegiando oser em si, o ser artista, o devir nos valores humanos, porquanto a artetransporta e alimenta a iluso que ressalta a vida pelo aflorar dos instintos,dos desejos e dos sonhos; contrariamente cincia (hoje se diria atecnologia) que escraviza e destri, aliena e estimula a mentira emdetrimento da verdade, supervaloriza o ter e menospreza o ser, alm derelegar a filosofia a um plano insignificante. A denncia do trabalhomortfero da cincia no pretende eliminar a pesquisa cientfica da vida dohomem, mas submet-la aos valores da arte de viver e crescer como serhumano. Por isso o filsofo no deve procurar a verdade, mas astransformaes do mundo nos homens como decorrncia da cincia quecorri a civilizao.

    Na realidade, Nietzsche julga a cincia, mas no se define poraniquil-la, mas dirigi-la sem a dominar, invertendo a ordem dedependncia que a certeza cientfica insinua na vida do homem. Ele v naatividade cientfica a manifestao de um verdadeiro instinto deconhecimento sem freios e que obedece unicamente prpria vontade.Compete filosofia determinar o valor da cincia, procurando concentrar eunificar o instinto desenfreado do saber. Cincia e saber esto, portanto,em conflito na civilizao. Enquanto a cincia impele o indivduo aprocurar uma compensao ou seu prprio interesse, o saber ou a sabedoriarelaciona seus resultados vida, ressaltando a importncia do esprito, daalma.

    O que pode ocorrer com a civilizao perante essa viso utilitaristaque a leva a descambar no interesse puro e simples, desprovida de valores

  • de alada superior, sem aquele ideal que possa significar a civilizaoplena baseada nos valores do homem-indivduo, da sociedade-individual,da sociedade em geral como somatria das unidades sociais que acompem? Nietzsche prope a reforma do esprito, a busca da verdade e aeliminao da mentira, a viso da arte como forma suprema de restabelecera velha ordenao social que os gregos haviam alcanado por meio daproduo artstica, reflexo da vida, do culto e dos mitos, espelho dosinstintos e dos sonhos do homem, do saber e da cultura como meios deelevar o ser humano e a sociedade aos patamares da conexo ideal de todosos ramos do conhecimento humano.

    Tarefa impossvel, poder-se-ia dizer, ante a constatao dos no-valores que parecem guiar a humanidade de hoje, diante dos despropsitosque idias e religies procuram inculcar nos homens. Nietzsche, porm,responde: " no impossvel que a humanidade se perpetua."

    O tradutor

  • VIDA E OBRAS DO AUTOR

    Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em Rcken, Alemanha, no dia15 de outubro de 1844. rfo de pai aos 5 anos de idade, foi instrudo pelame nos rgidos princpios da religio crist. Cursou teologia e filologiaclssica na Universidade de Bonn. Lecionou Filologia na Universidade deBasilia, na Sua, de 1868 a 1879, ano em que deixou a ctedra pordoena. Passou a receber, a ttulo de penso, 3.000 francos suos que lhepermitiam viajar e financiar a publicao de seus livros. Empreendeumuitas viagens pela Costa Azul francesa e pela Itlia, desfrutando de seutempo para escrever e conviver com amigos e intelectuais. Noconseguindo levar a termo uma grande aspirao, a de casar-se com LouAndreas Salom, por causa da sfilis contrada em 1866, entregou-se solido e ao sofrimento, isolando-se em sua casa, na companhia de sua mee de sua irm. Atingido por crises de loucura em 1889, passou os ltimosanos de sua vida recluso, vindo a falecer no dia 25 de agosto de 1900, emWeimar. Nietzsche era dotado de um esprito irrequieto, perquiridor,prprio de um grande pensador. De ndole romntica, poeta por natureza,levado pela imaginao, Nietzsche era o tipo de homem que viviarecurvado sobre si mesmo. Emotivo e fascinado por tudo o que resplendevida, era ao mesmo tempo sedento por liberdade espiritual e intelectual;levado pelo instinto ao mundo irreal, ao mesmo tempo era apegado aomundo concreto e real; religioso por natureza e por formao, era aomesmo tempo um demolidor de religies; entusiasta defensor da beleza davida, era tambm crtico feroz de toda fraqueza humana; conhecedor de simesmo, era seu prprio algoz; seu esprito era campo aberto em queirromperam as mais variadas tendncias, sob a influncia de sua agitadaconscincia.

    Espirito irrequieto e insatisfeito, conscincia eruptiva e critica,vivia uma vida de lutas contra si mesmo, de choques com a humanidade,de paradoxos sem limite. Assim era Nietzsche.

  • PRINCIPAIS OBRAS

    A gaia cincia (1882)

    A genealogia da moral (1887)

    Alm do bem e do mal (1886)

    A origem da tragdia (1872)

    Assim falava Zaratustra (1883) Aurora (1881)

    Ecce Homo (1888)

    Humano, demasiado humano (1878)

    O anticristo (1888)

    O caso Wagner (1888)

    Crepsculo dos dolos (1888)

    Opinies e sentenas misturadas (1879)

    O viajante e sua sombra (1879)

    Vontade de potncia (1901)

  • O LTIMO FILSOFOO FILSOFO

    CONSIDERAES SOBRE O CONFLITOENTRE A ARTE E CONHECIMENTO

    (outono-inverno de 1872)

    161

    A certa altitude tudo um: todos reunidos os pensamentos dofilsofo, as obras do artista e as boas aes.

    17 preciso mostrar como a vida inteira de um povo reflete de forma

    impura e confusa a imagem que seus maiores gnios apresentam: estes noso o produto da massa, mas a massa mostra sua repercusso.

    Ou melhor, qual a relao?

    H uma ponte invisvel de um gnio a outro a est a verdadeira"histria" objetiva de um povo; qualquer outra variao inumervel efantstica numa matria inferior, cpias de mos inbeis.

    So igualmente as foras ticas de uma nao que se manifestamem seus gnios.

    18No mundo esplndido da arte como puderam filosofar? Quando

    se atinge um aprimoramento da vida, cessar o filosofar? No, ento

    1 No decorrer deste livro, pode-se observar como algumas partes so simplesmente esboadas, carecendode uma elaborao posterior; lacunas e pontos incompletos, bem como cortes, constam do prprio textode Nietzsche que, certamente, pretendia aprimorar e ampliar suas reflexes (NT).

  • somente que comea o verdadeiro filosofar. O juzo sobre a existncia revela mais a respeito, pois tem diante dele o acabamento relativo, todosos vus da arte e todas as iluses.

    19No mundo da arte e da filosofia o homem trabalha para uma

    "imortalidade do intelecto".

    S a vontade imortal; comparada com ela, como parece miservelessa imortalidade do intelecto realizada graa cultura que pressupecrebros humanos: por a se v a que categoria isso chega para anatureza.

    Mas como pode o gnio ser ao mesmo tempo a finalidade supremada natureza? A sobrevida pela histria e a sobrevida pela procriao.

    Aqui a procriao platnica no, belo logo, para o nascimento dognio necessria a ultrapassagem da histria, ela deve mergulhar eeternizar-se na beleza.

    Contra a histografia icnica! Ela tem em si um elementobarbarizador. Ela s deve falar do que grande e nico, do modelo.

    assim que se compreende a tarefa da nova gerao filosfica.

    Os grandes gregos do tempo da tragdia nada tm do historiadorem si.

    20O instinto do conhecimento sem discernimento semelhante ao

    instinto sexual cego sinal de baixeza!

    21O filsofo s est absolutamente afastado do povo como uma

    exceo: a vontade tambm quer alguma coisa dele. A inteno a mesma

  • que na arte sua prpria transfigurao e sua prpria redeno. A vontadetende pureza e ao enobrecimento: de um degrau a outro.

    22Os instintos que distinguem os gregos dos outros povos se

    exprimem em sua filosofia. Mas so precisamente seus instintos clssicos.Importante sua maneira de se ocupar da histria.

    A degenerescncia progressiva do conceito de historiador naantiguidade sua dissoluo na curiosidade onisciente.

    23Dever: conhecer a teleologia do gnio filosfico. Ser realmente

    apenas um viajante aparecendo fortuitamente? Em todo caso, quando autntico nada tem a ver com a situao poltica fortuita de um povo, pelocontrrio, com relao a esse povo intemporal. Mas por esse fato no estligado fortuitamente a esse povo o que especfico do povo semanifesta aqui enquanto indivduo e, com efeito, o instinto popular explicado como instinto universal e serve para a soluo dos enigmasuniversais. A natureza consegue, pela separao, considerar seus instintosno estado puro. O filsofo um meio para chegar ao repouso na correnteincessante, para tomar conscincia, a despeito da infinita pluralidade, deser o tipo permanente.

    24O filsofo uma maneira de se manifestar que o ateli da natureza

    tem o filsofo e o artista falam dos segredos de profisso da natureza.

    Acima do tumulto da histria contempornea, a esfera do filsofo edo artista prospera ao abrigo da necessidade.

    O filsofo como freio da roda do tempo.

    nas pocas de grande perigo que os filsofos aparecem nomomento em que a roda gira cada vez mais depressa eles e a arte tomam

  • o lugar do mito que desaparece. Mas eles se lanam muito frente, pois aateno dos contemporneos s se volta lentamente para eles.

    Um povo que se torna consciente dos perigos produz o gnio.

    25Depois de Scrates2, no h mais bem geral a salvar; dai decorre a

    tica individualizante que quer salvar os indivduos.

    O instinto do conhecimento, sem medida e sem discernimento, comum pano de fundo histrico, um sinal que a vida envelheceu: h umgrande perigo de que os indivduos se tornem vis e por essa razo queseus interesses se ligam com fora a objetos de conhecimento, noimportando quais. Os instintos gerais se tornaram to fracos que norefreiam mais o indivduo.

    Graas s cincias, o germnico transfigurou todas as suaslimitaes, transferindo-as: fidelidade, modstia, moderao, aplicao,clareza, amor da ordem so tantas outras virtudes familiares; mas sotambm a ausncia de formas, tudo o que pode haver de inanimado em suavida, a mesquinhez seu instinto ilimitado de conhecimento aconseqncia de uma vida indigente: sem esse instinto se tornariamesquinho e mau, e assim frequentemente o , apesar desse instinto.

    Agora nos dada uma forma superior de vida, um pano de fundo daarte agora a conseqncia imediata tambm um instinto doconhecimento mais severo, numa palavra, a filosofia.

    Perigo terrvel: que essa agitao poltica moda americana e essainconsistente civilizao de eruditos entrem em fuso.

    26A beleza emerge de novo como fora no instinto do conhecimento

    tornado difcil.

    2 Scrates (470-399 a.C.), filsofo grego, considerado um dos grandes iniciadores do pensamentofilosfico do oriente prximo e do ocidente (NT).

  • Supremamente notvel que Schopenhauer3 escreva bem. Sua vidatem tambm mais estilo que a dos universitrios mas as circunstnciasdela esto perturbadas!

    Ningum sabe agora o que um bom livro, necessrio mostr-lo:no percebem a composio. A imprensa arruna sempre mais osentimento. Poder reter o sublime!

    27Contra a historiografia icnica e contra as cincias da natureza so

    necessrias foras artsticas prodigiosas.

    O que deve fazer o filsofo? No meio do formigamento, acentuar oproblema da existncia, particularmente os problemas eternos.

    O filsofo deve reconhecer o que necessrio e o artista deve cri-lo. O filsofo deve simpatizar o mais profundamente possvel com a doruniversal: como os antigos filsofos gregos, cada um deles exprime umaangstia: a, nessa lacuna, ele insere seu sistema. Constri seu mundo nessalacuna.

    28Tornar clara a diferena entre o efeito da filosofia e aquele da

    cincia: e igualmente a diferena de sua gnese.

    No se trata de um aniquilamento da cincia, mas de seu domnio.Em todos os seus fins e em todos os seus mtodos ela depende, para dizer averdade, inteiramente de pontos de vista filosficos, o que ela facilmenteesquece. Mas a filosofia dominante deve tambm levar em considerao oproblema de saber at que ponto a cincia pode se desenvolver: ela devedeterminar o valor!

    29

    3 Arthur Schopenhauer (1788-1860), filsofo alemo (NT).

  • Prova dos efeitos barbarizantes das cincias. Elas se perdemfacilmente a servio dos "interesses prticos".

    Valor de Schopenhauer, porque traz memria ingnuas verdadesgerais: ousa enunciar elegantemente pretensas "trivialidades".

    No temos filosofia popular nobre, porque no temos conceitonobre do povo (publicum). Nossa filosofia popular para o povo, no parao pblico.

    30Se uma civilizao nossa jamais ter xito, nos sero necessrias

    foras de arte inauditas para romper o instinto ilimitado de conhecimento,para recriar uma unidade. A dignidade suprema do filsofo se v onde eleconcentra o instinto ilimitado de conhecimento e o obriga a se unificar

    31 assim que devem ser compreendidos os mais antigos filsofos

    gregos, eles dominam o instinto de conhecimento. Como que a partir deScrates caiu aos poucos de suas mos? Em primeiro lugar, podemos verat mesmo em Scrates e em sua escola a mesma tendncia: devemosrestringi-lo ao fato de que cada indivduo levou em considerao suafelicidade. uma fase ltima pouco elevada. Outrora no se tratava dosindivduos, mas dos gregos.

    32Os grandes filsofos da antiguidade pertencem vida geral do

    helenismo: depois de Scrates, formam-se seitas. Pouco a pouco a filosofiadeixa cair de suas mos as rdeas das cincias.

    Na Idade Mdia, a teologia toma em mos as rdeas da cincia:perigosa poca de emancipao.

    O bem geral quer novamente um domnio e com isso, ao mesmotempo, uma elevao e uma concentrao.

  • O deixar-correr de nossa cincia, como em certos dogmas daeconomia poltica: acredita-se num sucesso absolutamente salutar.

    Kant4 teve, em certo sentido, uma deplorvel influncia: porque acrena na metafisica foi perdida. Ningum poder contar com sua "coisaem si" como se ela fosse um princpio regulador.

    Agora compreendemos a maravilhosa apario de Schopenhauer:ele rene todos os elementos que servem ainda para o domnio da cincia.Ele retorna aos problemas originais mais profundos da tica e da arte, elelevanta a questo do valor da existncia.

    Maravilhosa unidade de Wagner 5 e Schopenhauer! Eles sooriundos do mesmo instinto. As qualidades mais profundas do espritogermnico se preparam aqui para o combate: como entre os gregos.

    Volta da circunspeco.

    33Minha tarefa: captar a conexo interna e a necessidade de toda

    verdadeira civilizao. O remdio preventivo e curativo de umacivilizao, a relao desta com o gnio do povo. A conseqncia dessegrande mundo da arte uma civilizao: mas muitas vezes, pelo fato daexistncia de contra-correntes hostis, no se chega harmonia de uma obrade arte.

    34A filosofia deve manter firme a corrente espiritual atravs dos

    sculos: e com isso a eterna fertilidade de tudo o que grande.

    Para a cincia, no h grande nem pequeno mas sim para afilosofia! Com esse principio se mede o valor da cincia.

    4 Immanuel Kant (1724-1804), filsofo alemo; dentre suas obras, A religio nos limites da simples razo eCrtica da razo prtica j foram publicadas nesta coleo da Editora Escala (NT).5 Richard Wagner (1813-1883), compositor alemo; uma profunda amizade unia Nietzsche a este msico,mas por variadas razes os dois acabaram rompendo relaes (NT).

  • A manuteno do sublime!

    Em nossa poca, que extraordinria falta de livros que respiremuma fora herica! J nem mesmo se l Plutarco6!

    35Kant (no segundo prefcio da obra Crtica da razo pura) diz:

    "Tinha que suprimir o saber para dar lugar crena; o dogmatismo dametafisica, isto , o preconceito de avanar na metafsica sem a crtica darazo pura, tal a verdadeira fonte de toda descrena que resiste moralidade e que sempre muito dogmtica". Muito importante! Impeliu-ouma necessidade de civilizao!

    Singular anttese "saber e crena". Que que os gregos teriampensado disso! Kant no conhecia outra anttese! Mas ns!

    Uma necessidade de civilizao impele Kant: ele quer preservar umdomnio do saber, domnio em que se encontram as razes de tudo o que hde mais elevado e de mais profundo, a arte e a tica Schopenhauer.

    Por outro lado, ele rene tudo o que digno de ser sabido parasempre a sabedoria popular e humana (ponto de vista dos Sete Sbios,filsofos populares da Grcia). Analisa os elementos dessa crena e mostracomo a f crist, precisamente, satisfaz pouco a necessidade maisprofunda: a questo do valor da existncia!

    36O combate entre o saber e o saber!

    O prprio Schopenhauer chama a ateno para o pensamento e osaber inconscientes.

    O domnio do instinto do conhecimento se favorvel a umareligio ou a uma civilizao artstica, isso que deve ser mostrado agora;

    6 Plutarco (50-125), escritor grego, celebrizou-se especialmente por sua obra Vidas paralelas, na qual reneas biografias de 23 gregos e 23 romanos, comparando suas conquistas, suas virtudes e seus vcios (NT).

  • eu me posiciono no segundo lado.

    E acrescento a isso a questo do valor do conhecimento histricoicnico e daquele da natureza.

    Entre os gregos, trata-se do domnio em proveito de umacivilizao artstica (e de uma religio?), o domnio que quer prevenir umtotal desencadeamento: queremos reter de novo o totalmentedesencadeado.

    37O filsofo do conhecimento trgico. Ele domina o instinto

    desenfreado do saber, mas no por uma nova metafsica. No estabelecenenhuma nova crena. Sente tragicamente que o terreno da metafsica lhe retirado e no pode, no entanto, se satisfazer com o turbilho emaranhadodas cincias. Trabalha na edificao de uma vida nova: restitui os direitos arte.

    O filsofo do conhecimento desesperado levado a uma cinciacega: o saber a qualquer custo.

    Para o filsofo trgico se realiza a imagem da metafsica segundo aqual tudo o que compete metafsica aparece como sendo apenasantropomrfico. No um ctico.

    Aqui necessrio criar um conceito: pois o ceticismo no oobjetivo. O instinto do conhecimento, chegado a seus limites, volta-secontra si mesmo para chegar crtica do saber. O conhecimento a servioda melhor forma de vida. Deve-se querer mesmo a iluso nisso queest o trgico.

    38O ltimo filsofo so talvez geraes inteiras. Ele deve apenas

    ajudar a viver. "O ltimo", isso naturalmente relativo. Para nosso mundo.Ele mostra a necessidade da iluso, da arte e da arte dominando a vida.No nos possvel produzir de novo uma linhagem de filsofos como fez a

  • Grcia na poca da tragdia. somente a arte que cumpre doravante suatarefa. Semelhante sistema no mais possvel seno como arte. Do pontode vista atual um perodo inteiro da filosofia grega cai tambm no domnioda arte.

    39O domnio da cincia j no se produz mais seno pela arte. Trata-

    se de juzos de valor sobre o saber e o saber-muito. Tarefa imensa edignidade da arte nessa tarefa! Ela deve recriar tudo e recolocar totalmentesozinha a vida no mundo. Do que capaz, so os gregos que o mostram: seno os tivssemos tido, nossa f seria quimrica.

    Se uma religio pode se construir aqui, no vazio, depende de suafora. Ns nos voltamos para a civilizao: o "germnico" como foraredentora!

    Em todo caso, a religio que fosse capaz disso teria que comportaruma fora de amor prodigiosa: fora capaz de destruir o saber como destrudo na linguagem da arte.

    Mas talvez a arte tivesse mesmo em seu poder a fora de criar umareligio, de engendrar o mito? Exatamente como os gregos.

    40As filosofias e as teologias que j esto aniquiladas continuam a

    agir ainda e sempre nas cincias: mesmo se as razes esto mortas, restaainda nos ramos um certo tempo de vida. O histrico se desenvolveuparticularmente contra o mito teolgico, mas tambm contra a filosofia: oconhecimento absoluto celebra suas saturnlias7 aqui e nas cincias fsicasmatemticas; o mnimo que ai possa ser realmente feito vale mais do quetodas as idias metafsicas. O grau de certeza determina aqui o valor, no ograu de necessidade absoluta para os homens. o velho conflito entre acrena e o saber.

    7 Saturnlias ou saturnais eram festas que os romanos celebravam, no final de dezembro, em honra deSaturno, deus do tempo e da agricultura; durante os festejos havia troca de presentes e concesso deliberdade a escravos (NT).

  • 41

    Essas so preocupaes brbaras.

    Agora a filosofia s pode acentuar a relatividade de todoconhecimento e seu antropomorfismo, assim como a fora da iluso,dominante em toda parte. Feito isso, no pode mais reter o instintodesenfreado do conhecimento que consiste, sempre mais, em julgarsegundo o grau de certeza e em procurar objetos cada vez mais pequenos.Enquanto todos os homens esto satisfeitos quando o dia termina, ohistoriador procura, aprofunda e em seguida combina, tendo em vistaarrancar esse dia do esquecimento: mesmo o que pequeno deve sereterno, a partir do momento em que conhecvel.

    Para ns s tem valor a escala esttica: o que grande tem direito histria, no histria icnica, mas pintura histrica criadora,estimulante. Deixamos os tmulos em paz: mas nos apoderamos doeternamente vivo.

    Tema preferido da poca: os grandes efeitos das coisas muitopequenas. As exploraes histricas tm, por exemplo, em seu conjuntoalgo de grandioso: so como a vegetao pobre que pouco a pouco corrios Alpes. Vemos um grande instinto que tem pequenos instrumentos, masprodigiosamente numerosos.

    42A isso se poderia opor: os pequenos efeitos das grandes coisas!

    Quando estas, em particular, so representadas por indivduos. difcilcaptar, muitas vezes a tradio morre, pelo contrrio o dio geral, seuvalor repousa na qualidade que tem sempre poucos avaliadores.

    As grandes coisas s agem sobre as grandes coisas: assim o postoiluminado por archotes de Agamenon8 s salta de altura em altura.

    o dever de uma civilizao impedir que o que grande num povo

    8 Agamenon, lendrio rei grego, comandou a expedio grega contra Tria; na volta da longa guerra, foimorto pela esposa e seu amante (NT)

  • aparea sob a forma de um eremita ou sob aquela de um banido.

    por isso que queremos falar daquilo que sentimos: no nossonegcio esperar que o plido reflexo do que me aparece claramente penetreat nos vales. Enfim, os grandes efeitos das coisas muito pequenas soprecisamente os efeitos secundrios das grandes; puseram a avalanche emmovimento. Agora teremos dificuldade em det-la.

    43

    A histria e as cincias da natureza foram necessrias contra aIdade Mdia: o saber contra a crena. Contra o saber dirigimos agora aarte: retorno vida! Domnio do instinto do conhecimento! Reforo dosinstintos morais e estticos!

    Isso nos aparece como a salvao do esprito alemo para queseja, por sua vez, salvador!

    A essncia desse esprito passou para ns na msica.Agoracompreendemos como os gregos faziam depender da msica suacivilizao.

    44

    A criao de uma religio poderia consistir em que um homemsuscitasse a f para uma construo mtica por ele colocada no vazio e quecorrespondesse a uma extraordinria necessidade. inverossmil que issose reproduza alguma vez, desde a Crtica da razo pura9. Pelo contrrio,posso imaginar uma forma totalmente nova de artista-filsofo capaz decolocar no mago dessa brecha uma obra-prima de valor esttico.

    De que maneira livremente potica os gregos faziam uso dela comseus deuses!

    Estamos demasiadamente habituados ao contraste entre a verdade ea no-verdade histrica. cmico pensar que os mitos cristos devem serinteiramente histricos!

    9 Ver nota 4, logo acima.

  • 45

    A bondade e a compaixo so felizmente independentes dadecadncia e do xito de uma religio: pelo contrrio, as boas aes soperfeitamente determinadas por imperativos religiosos. A maior parte dasboas aes conformes ao dever no tem nenhum valor tico, mas obtidapor coao.

    A moralidade prtica sofrer bastante com a queda de uma religio.Parece que a metafsica da recompensa e da punio seja indispensvel.

    Se se pudesse criar os costumes, poderosos costumes! Com eles seteria tambm a moralidade.

    Os costumes, mas formados pela marcha em frente de poderosaspersonalidades individuais.

    No conto com uma bondade que despertasse na multido dospossuidores; mas se poderia muito bem induzi-los a costumes, a um devercontra a tradio.

    Se a humanidade somente empregasse para a educao e para aescola o que emprega at agora para a construo de igrejas, se ela voltassepara a educao a inteligncia que empenha para a teologia!

    46

    O problema de uma civilizao raramente foi compreendido demodo correto. Sua finalidade no nem a maior felicidade possvel de umpovo, nem o livre desenvolvimento de todos os seus dons: mas se mostrana justa medida desse desenvolvimento. Sua finalidade tende a ultrapassara felicidade terrestre: a produo de grandes obras seu objetivo.

    Em todos os instintos prprios dos gregos aparece uma unidadedominante: podemos denomin-la a vontade helnica. Cada um dessesinstintos procura existir isoladamente at o infinito. Os antigos filsofos

  • tentam construir o mundo a partir desses instintos.

    A civilizao de um povo se manifesta na unificao dominantedos instintos desse povo: a filosofia domina o instinto do conhecimento, aarte domina o instinto das formas e o xtase, o gape domina o Eros10, etc.

    O conhecimento isola: os filsofos antigos representamisoladamente o que a arte grega faz aparecer em conjunto.

    O contedo da arte e aquele da filosofia antiga coincidem, masvemos os elementos isolados da arte utilizados enquanto filosofia paradominar o instinto do conhecimento. Isso tambm deve ocorrer com ositalianos: o individualismo na vida e na arte.

    47Os gregos como descobridores, viajantes e colonizadores. Eles se

    encontram no estudo: fora de assimilao prodigiosa. Nosso tempo nodeve se julgar num nvel de tal modo superior no que diz respeito aoinstinto do saber: s entre os gregos tudo se tornava vida! Entre ns issopermanece no estado de conhecimento!

    Quando se trata do valor do conhecimento e que, por outro lado,uma bela iluso, se s nela se acredita, tem inteiramente o mesmo valorque um conhecimento, ento se v que a vida tem necessidade de iluses,isto , de no-verdades tidas como verdades. Tem necessidade da crena naverdade, mas ento a iluso suficiente, as "verdades" se demonstram pormeio de seus efeitos, no por meio de provas lgicas, pela prova da fora.O verdadeiro e o eficiente so identicamente vlidos, aqui tambm a gentese inclina diante da violncia. Como que ento uma demonstraolgica pode, no final das contas, ter tido lugar? No combate da "verdade"contra "verdade" procuram a aliana da reflexo. Tudo o que representaum esforo real de verdade veio ao mundo por meio do combate por umaconvico sagrada: por meio do pathos do combater: de outra forma ohomem no tem nenhum interesse pela origem lgica.

    10 gape (do grego muge, agpe) significa afeio, confraternizao e, entre os primitivos cristos,designava as refeies em comum. Eros, na mitologia grega, era o deus do amor, da paixo amorosa(NT).

  • 48Que relao tem o gnio filosfico com a arte? Da relao direta,

    pouco tem a aprender. Devemos perguntar: O que , em sua filosofia, aarte? A obra de arte? O que resta quando seu sistema como cincia aniquilado? Ora, deve ser precisamente esse resduo que domina o instintodo saber, logo o que a se encontra de artstico. Por que necessriosemelhante freio? Porque, considerado de um ponto de vista cientfico, uma iluso, uma no-verdade, que engana o instinto do conhecimento e ssatisfaz provisoriamente. O valor da filosofia nessa satisfao no dizrespeito esfera do conhecimento, mas esfera da vida; a vontade deexistncia utiliza a filosofia com a finalidade de uma forma superior deexistncia. No possvel que a arte e a filosofia possam se dirigir contra avontade: a prpria moral est a seu servio. Uma das formas maisdelicadas da existncia, o Nirvana11 relativo.

    49 a beleza e a grandeza de uma construo do mundo (alis, a

    filosofia) que decidem agora sobre seu valor dito de outra forma, ela julgada como uma obra de arte. Provavelmente sua forma sofrertransformaes! A rigorosa formulao matemtica (como em Spinoza12,que causava em Goethe13 uma impresso to apaziguadora, justamente notem mais direito de cidadania seno como meio de expresso esttica.

    50 necessrio estabelecer a proposio: s vivemos graas a iluses

    nossa conscincia toca a superfcie. Muitas coisas escapam a nossoolhar.

    11 Paraso do budismo, o Nirvana (do termo snscrito idntico que significa extino) constitui a ltimaetapa da contemplao, na qual a dor inexiste e a verdade totalmente possuda, como decorrncia daintegrao do indivduo no ser universal, num amplexo definitivo com a divindade suprema. Em outraspalavras, a libertao final e total da incompletez da vida terrena (NT).12 Baruch de Spinoza (1632-1677), filsofo holands de ascendncia portuguesa; dentre suas obras,Tratado sobre a reforma do entendimento j foi publicada, em edio bilnge, nesta coleo daEditora Escala (NT).13 Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), literato, poltico e erudito alemo (NT).

  • Tampouco se deve temer que o homem se conhea inteiramente,que penetre a todo o instante em todas as leis das foras da alavanca, damecnica, todas as frmulas da arquitetura, da qumica, que so teis vida. bem possvel que o esquema inteiro se torne conhecido. Isso noaltera quase nada a nossa vida. Para ela, nisso tudo s h frmulasdesignando foras absolutamente inconhecveis.

    51Vivemos seguramente, graas ao carter superficial de nosso

    intelecto, numa iluso perptua: necessitamos, portanto, para viver da artea cada instante. Nossa viso nos prende s formas. Mas se somos nsprprios aqueles que educamos essa viso, vemos tambm reinar em nsmesmos uma fora artista. Vemos at mesmo na natureza mecanismoscontrrios ao saber absoluto: o filsofo reconhece a linguagem danatureza e diz: "Temos necessidade da arte" e "s precisamos de uma partedo saber".

    52Toda a forma de civilizao comea pelo fato de que uma

    quantidade de coisas velada. O progresso do homem depende desse vu a vida numa pura e nobre esfera e a excluso das excitaes vulgares. Ocombate contra a "sensibilidade" por meio da virtude essencialmente denatureza esttica. Quando tomamos por guias as grandes individualidades,velamos nelas muitas cosias, escondemos todas as circunstncias e todosos acasos que tornam possvel seu conhecimento, ns os isolamos de nspara vener-los. Toda religio comporta um elemento semelhante: oshomens sob a divina proteo, o que h de infinitamente importante.Com efeito, toda tica comea por levar em considerao um indivduoparticular como sendo infinitamente importante de forma totalmentediferente daquela da natureza que procede cruelmente e como se jogasse.Se somos melhores e mais nobres, ns o devemos s iluses isolantes!

    A cincia da natureza ope agora a isso a verdade natural absoluta:a fisiologia superior compreender seguramente j em nosso devir asforas artistas, no somente no devir do homem, mas tambm naquele doanimal: ela dir que o artstico comea tambm com o orgnico.

  • Ser talvez ainda necessrio chamar processos artistas stransformaes qumicas da natureza inorgnica, papis mmicos que umafora representa: mas existem vrios papis que ela pode representar!

    53Grande embarao em saber se a filosofia uma arte ou uma cincia.

    uma arte em seus fins e em sua produo. Mas o meio, a representaoem conceitos, ela o tem em comum com a cincia. uma forma de poesia.No se deve classific-la: por isso que temos de encontrar e caracterizaruma categoria.

    A fisiografia do filsofo. Ele conhece inventando e inventaconhecendo.

    No cresce, quero dizer que a filosofia no segue o mesmo cursoque as outras cincias: mesmo se certos domnios do filsofo passampouco a pouco para as mos da cincia. Herclito14 nunca envelhecer. apoesia fora dos limites da experincia, prolongamento do instinto mtico;essencialmente tambm em imagens. A exposio matemtica no pertence essncia da filosofia.

    Ultrapassagem do saber por meio das foras criadoras do mito.Kant notvel saber e crena! Intimo parentesco entre os filsofos e osfundadores de religio.

    Singular problema: a decomposio dos sistemas filosficos! inaudito para a cincia e para a arte! Com as religies ocorre de formaanloga: notvel e caracterstico.

    54Nosso entendimento uma fora de superfcie, superficial. o

    que se chama tambm "subjetivo". Conhece por meio de conceitos: nossopensar um classificar, um nomear, portanto, algo que diz respeito ao

    14 Herclito de feso (550-480 a.C.), filsofo grego; defendia a tese de que o universo uma eternatransformao, na qual os contrrios se equilibram e, em sua harmonia, esses opostos regem os planoscsmico e humano (NT).

  • arbitrrio humano e no atinge a prpria coisa. somente calculando esomente nas formas do espao que o homem tem um conhecimentoabsoluto; os limites ltimos de todo conhecvel so quantidades, nocomporta nenhuma qualidade, mas somente uma quantidade.

    Qual poder ser o fim de semelhante fora superficial?

    Ao conceito corresponde primeiramente a imagem, as imagens sopensamentos originais, isto , as superfcies das coisas concentradas noespelho do olho.

    A imagem um, o outro a operao aritmtica.

    Imagens no olho humano! Isso domina todo ser humano: do pontode vista do olho! Sujeito! O ouvido ouve o som! Uma concepototalmente diferente, maravilhosa, do mesmo mundo.

    A arte repousa na impreciso da vista.

    Com o ouvido a mesma impreciso no ritmo, no temperamento, etc.E ai repousa de novo a arte.

    55 uma fora em ns que nos leva a perceber com mais intensidade

    os grandes traos da imagem do espelho e de novo uma fora queacentua o mesmo ritmo para alm da impreciso real. Deve ser uma forade arte; pois ela cria. Seu principal meio omitir, no ver e no ouvir. ,portanto, anti-cientfica: de fato, no confere igual interesse a tudo o quepercebe.

    A palavra contm somente uma imagem, da o conceito. O pensamento conta,portanto, com grandezas artsticas.

    Toda denominao uma tentativa para chegar imagem.Nossa relao com todo ser verdadeiro superficial, falamos a

    linguagem do smbolo, da imagem: em seguida acrescentamos a isso algocom uma fora artista, reforando os traos principais e esquecendo ostraos secundrios.

  • 56Apologia a arte. Nossa vida pblica, poltica e social desemboca

    num equilbrio de egosmos: soluo do problema: como chegar a umaexistncia tolervel sem a mnima fora de amor, unicamente pelaprudncia dos egosmos interessados?

    Nossa poca tem dio da arte como da religio. No quer capitularnem pela promessa do alm, nem pela promessa de uma transfiguraoartstica do mundo. Ela v nisso "poesia" suprflua, uma brincadeira, etc.Nossos poetas esto proporo. Mas a arte como algo srio e temvel! Anova metafsica como algo srio e temvel! Queremos transpor para vocso mundo em imagens tais que diante delas estremecero. Est em nossopoder! Se vocs taparem as orelhas, seus olhos vero nosso mito. Nossasmaldies vo atingi-los!

    necessrio que a cincia mostre por fim sua utilidade! Ela setornou nutricionista a servio do egosmo: o Estado e a sociedade atomaram a seu servio para explor-la segundo seus fins.

    O estado normal a guerra: s conclumos a paz para pocasdeterminadas.

    57Tenho necessidade de saber como os gregos filosofaram no tempo

    de sua arte. As escolas socrticos eram mantidas no meio de um oceano debeleza que se pode ver neles? Uma prodigiosa despesa em favor da arte.Os socrticos tm a esse respeito um comportamento hostil ou terico.

    Pelo contrrio, reina em parte, nos filsofos arcaicos, um instintoanlogo quele que criou a tragdia.

    58O conceito de filsofo e seus tipos. Que h de comum a todos?

    Ora ele o produto de sua civilizao, ora lhe hostil.

  • contemplativo como os artistas plsticos, compassivo como oreligioso, lgico como o homem de cincia: procura fazer vibrar nele todosos ritmos do universo e exprimir fora dele essa sinfonia em conceitos. Adilatao at o macrocosmos e, com isso, a observao refletida precisamente como o ator ou o poeta dramtico que se metamorfoseia e, noentanto, fica consciente de se projetar para o exterior. O pensamentodialtico escorrendo de cima como uma ducha.

    Singular Plato: entusiasta da dialtica, isto , desta reflexo.

    59Os filsofos. Fisiografia do filsofo. O filsofo ao lado do cientista

    e do artista.

    Domnio do instinto do conhecimento por meio da arte e do instintoreligioso de unidade por meio do conceito.

    Singular, a justaposio da concepo e da abstrao.Conseqncia para a civilizao.A metafsica como vazio.

    O filsofo do futuro? Deve tornar-se a Corte suprema de umacivilizao artista, uma espcie de segurana geral contra todas astransgresses.

    60 necessrio desvendar o pensamento filosfico no seio de todo

    pensamento cientfico: mesmo na conjetura. Ele avana saltando sobreleves suportes: pesadamente arqueja atrs dele o entendimento, procurandosuportes melhores depois que a sedutora imagem lhe apareceu. Umsobrevo infinitamente rpido dos grandes espaos! somente umavelocidade maior? No. o golpe de asas da imaginao, isto , o salto deuma possibilidade a outra, todas so provisoriamente tomadas por certezas.Aqui e acol, de uma possibilidade a uma certeza e de novo a umapossibilidade.

  • Mas o que semelhante "possibilidade? Uma idia sbita, porexemplo, "talvez fosse". Mas como surge essa idia? s vezesfortuitamente, exteriormente: uma comparao, a descoberta de algumaanalogia tem lugar. Intervm ento uma extenso. A imaginao consisteem ver rapidamente as semelhanas. A reflexo avalia em seguidaconceito a conceito e verifica. A semelhana deve ser substituda pelacausalidade.

    O pensamento "cientifico" e o pensamento "filosfico" no diferemento seno pela dose? Ou ento talvez pelos domnios?

    61No h filosofia parte, distinta da cincia: tanto numa como na

    outra pensa-se da mesma forma. O fato de uma filosofia indemonstrvel terainda valor e, mais ainda, na maioria das vezes, uma proposio cientficaprovir do valor esttico de semelhante filosofar, isto , de sua beleza e desua sublimidade. O filosofar est ainda presente como obra de arte, mesmose no puder ser demonstrado como construo filosfica. Mas no ocorrea mesma coisa em matria cientfica? Em outros termos: o que decideno o puro instinto do conhecimento, mas o instinto esttico: a filosofiapouco demonstrada de Herclito possui um valor de arte superior a todas asproposies de Aristteles15.

    O instinto do conhecimento , portanto, dominado pela imaginaona civilizao de um povo. Ali o filsofo est repleto do pathos maiselevado da verdade: o valor de seu conhecimento lhe garante a verdade.Toda fecundidade e toda fora motriz esto contidas nesses olharesvoltados para o futuro.

    62Pode-se observar no olho como tem lugar a produo imaginria. A

    semelhana conduz ao desenvolvimento mais ousado: mas tambm comoocorre com outras relaes, o contraste chama o contraste e assim

    15 Aristteles (384-322), filsofo grego; dentre suas obras, A poltica j foi publicada nesta coleo daEditora Escala (NT).

  • incessantemente. Aqui se v a produo extraordinria do intelecto. umavida em imagens.

    63Ao pensar j se deve ter aquilo que se procura, graas imaginao

    a reflexo s pode julgar depois. Ela o faz medindo com correntes quese desdobram e freqentemente verificadas.

    O que h de propriamente "lgico" no pensamento por imagens?

    O homem sensato no tem praticamente necessidade de imaginaoe quase no tem.

    em todo o caso algo de artista essa produo de formas com asquais alguma coisa entra ento na memria: ela distingue tal forma e,desse modo, a refora. Pensar, um discernir.

    H muito mais seqncias de imagens no crebro do que aquelasque utilizamos para pensar: o intelecto escolhe rapidamente as imagensparecidas, a imagem escolhida produz de novo uma profuso de imagens:mas depressa o intelecto escolhe de novo uma imagem entre estas e assimsucessivamente.

    O pensamento consciente no passa de uma escolha entrerepresentaes. H um longo caminho a percorrer at a abstrao.

    1) A fora que produz a profuso de imagens; 2) a fora queescolhe o semelhante e o acentua.

    Aqueles que esto febris operam da mesma forma sobre as paredese as tapearias, somente aqueles que gozam de boa sade projetamsobretudo a tapearia.

    64Existe uma dupla fora artista: aquela que produz as imagens e

    aquela que as escolhe.

  • O mundo do sonho prova que justo: a o homem no continua at abstrao ou no conduzido nem modificado pelas imagens que afluematravs do olho.

    Se essa fora for considerada mais de perto, tampouco aqui h umafora artstica totalmente livre: seria algo de arbitrrio, portanto, deimpossvel. Mas as mais tnues radiaes da atividade nervosa, vistassobre uma superfcie, se relacionam, como as figuras acsticas deChladni16, com o prprio som: assim, essas imagens se relacionam com aatividade nervosa operando por baixo. Balano e estremecimento dos maisdelicados! O processo artista fisiologicamente absolutamentedeterminado e necessrio. Todo pensamento nos aparece na superfciecomo arbitrrio, como a nosso agrado: no notamos a atividade infinita.

    Pensar uma prioridade artstica desprovida de crebro procede deuma forte antropopatia: mas o mesmo ocorre com a vontade, a moral, etc.

    O desejo no passa de uma super-funo fisiolgica que gostaria dese descarregar e exerce uma presso at o crebro.

    65Resultado: apenas uma questo de graus e de quantidades: todos

    os homens so artistas, filsofos, cientistas, etc.

    Nossa avaliao se refere a quantidades, no a qualidades.Respeitamos o que grande, isto , tambm o anormal.

    Com efeito, o respeito pelos grandes efeitos das pequenas causasno passa de um deslumbramento diante do resultado e da desproporo detodas as pequenas causas. somente adicionando numerosos efeitos eolhando-os como uma unidade que temos a impresso da grandeza, dito deoutra forma, produzimos a grandeza graas a essa unidade.

    Mas a humanidade s cresce atravs do respeito pelo raro, pelogrande. Mesmo aquilo em que se acreditou erradamente ser raro e grande,por exemplo, o milagre, exerce esse efeito. O pavor a melhor parte da

    16 Ernst Florens Friedrich Chladni (1756-1824), fsico alemo, autoridade em acstica; estudou asvibraes e seus graus de freqncia, bem como suas influncias sobre os corpos slidos (NT).

  • humanidade.

    O sonho considerado como aquilo que permite continuar a escolhadas imagens visuais.

    No domnio do intelecto, tudo o que qualitativo somentequantitativo. Somos conduzidos s qualidades pelo conceito, a palavra.

    66Talvez o homem no consiga esquecer nada. A operao do ver e

    do conhecer complicada demais para que seja possvel apag-la de novointeiramente; dito de outro modo, todas as formas que foram produzidasuma vez pelo crebro e pelo sistema nervoso se repetem doravante commuita freqncia. A mesma atividade nervosa reproduz a mesma imagem.

    67O material prprio a todo conhecimento consiste nas mais delicadas

    impresses de prazer e de desprazer: sobre a superfcie em que a atividadenervosa traa formas no prazer e na dor se encontra o verdadeiro segredo: oque impresso projeta ao mesmo tempo formas que geram ento novasimpresses.

    a essncia da impresso de prazer e de desprazer exprimir-se emmovimentos adequados; pelo fato de esses movimentos adequados levaremde novo outros nervos impresso que se produz a impresso da imagem.

    No pensamento por imagens o darwinismo tambm tem razo: aimagem mais forte destri as imagens de pouca importncia.

    Que o pensamento avance com prazer ou desprazer absolutamenteessencial: aquele a quem isso cria um verdadeiro inconveniente precisamente menos disposto a isso e, portanto, ir menos longe: ele seconstrange e nesse domnio isso no nada til.

    68

  • s vezes o resultado adquirido por saltos se prova imediatamentecomo verdadeiro e fecundo do ponto de vista de suas conseqncias.

    Um cientista genial conduzido por um pressentimento justo? Sim,ele v precisamente possibilidades sem apoios suficientes: mas suagenialidade se mostra no fato de considerar semelhante coisa comopossvel. Ele calcula rapidamente o que quase pode demonstrar.

    O mau uso do conhecimento na eterna repetio dasexperincias e da juno de materiais, quando a concluso se impeimediatamente a partir de poucos indcios. Ocorre o mesmo em filologia: aintegralidade do material , em numerosos casos, algo intil.

    69O que moral no tem tampouco outra fonte seno o intelecto, mas

    a cadeia de imagens em ligao opera aqui de outra forma do que no casodo artista e do pensador: ela incita ao ato. O sentimento do semelhante, aidentificao, certamente uma pressuposio necessria. Em seguida, alembrana de um sofrimento particular. Ser bom seria, portanto: identificarmuito facilmente e muito rapidamente. , pois, uma metamorfose, tal comocom o ator.

    Toda honestidade e todo direito procedem pelo contrrio de umequilbrio de egosmos: reconhecimento recproco de no se comportarerradamente. Logo, procede da prudncia. Sob a forma de firmesprincpios isso toma outro ar: a firmeza de carter. Contrastes do amor e dodireito: ponto culminante, sacrifcio para o mundo.

    A antecipao das possveis sensaes de desprazer determina aao do homem honesto: ele conhece empiricamente as conseqncias daofensa feita ao prximo, mas tambm aquelas da ofensa feita contra siprprio. Em contrapartida, a tica crist a anttese: ela se baseia naidentificao de si mesmo com o prximo; fazer o bem aos outros aqui sefazer o bem a si prprio, compartilhar a dor dos outros compartilhar suaprpria dor. O amor est ligado a um desejo de unidade.

    70

  • O homem exige a verdade e a realiza no comrcio moral com oshomens; nisso que repousa toda vida em comum. Antecipam-se as sriesmalignas das mentiras recprocas. disso que nasce o dever de verdade.Permite-se a mentira ao narrador pico, porque aqui nenhum efeitopernicioso h a temer. Logo, quando a mentira tem um valor agradvel, permitida: a beleza e o agrado na mentira, supondo que no prejudique. assim que o padre imagina os mitos de seus deuses: a mentira justifica suagrandeza. extraordinariamente difcil conseguir tornar novamente vivo osentimento mtico da mentira livre. Os grandes filsofos gregos vivemainda inteiramente dentro dessa justificao da mentira.

    Onde nada se pode saber de verdade, a mentira permitida.

    Todo homem se deixa enganar continuamente noite no sonho.

    A tendncia para a verdade uma aquisio infinitamente maislenta da humanidade. Nosso sentimento histrico algo de completamentenovo no mundo. possvel que oprima totalmente a arte.

    A enunciao da verdade a qualquer custo socrtica.

    71A verdade e a mentira so de ordem fisiolgica.A verdade como lei moral duas fontes da moral.A essncia da verdade julgada segundo os efeitos.Os efeitos conduzem admisso de "verdades no demonstradas".

    No combate dessas verdades, vivas graas fora, mostra-se anecessidade de encontrar outra via. Seja esclarecendo tudo a partir da, sejaelevando-se a ela a partir dos exemplos, dos fenmenos.

    Maravilhosa inveno da lgica.

    Predominncia progressiva das foras lgicas e restrio daquiloque possvel saber.

    Reao perptua das foras artistas e limitao ao que digno deser sabido (julgado segundo o efeito).

  • 72Conflito do filsofo. Seu instinto universal o constrange a um

    pensamento medocre, o imenso pathos da verdade, produzido pelaamplido de seu ponto de vista, o constrange comunicao e esta por suavez lgica.

    Por um lado se produz uma metafsica otimista da lgica,intoxicando e falsificando progressivamente tudo. A lgica como nicoguia conduz mentira: pois ela no o nico guia.

    O outro sentimento de verdade provm do amor, prova da fora.

    A expresso da verdade beatfica por amor: est em relao comconhecimentos particulares do indivduo, que no deve comunicar, mas aque a superabundncia de felicidade o obriga.

    73Ser absolutamente verdico prazer esplndido e herico do

    homem numa natureza mentirosa! Mas isso apenas possvel muitorelativamente! trgico! o problema trgico de Kant. A arte recebeagora uma dignidade totalmente nova. As cincias, em contrapartida,foram degradadas de um grau.

    Veracidade da arte: agora a nica a ser sincera.

    Assim retornamos por um vasto desvio ao comportamento natural(o dos gregos). Ficou provado que impossvel construir uma civilizaopor meio do saber.

    74At que ponto o poder tico dos esticos era forte mostra-o o fato

    de que se empenhavam em manifestar violentamente seu princpio emfavor da liberdade e da vontade.

    Para a teoria da moral: em poltica o homem do Estado antecipa

  • com freqncia a ao de seu adversrio e toma a dianteira: "Se eu no ofizer, ele que o faz". Uma espcie de legitima defesa tomada comoprincpio poltico. o ponto de vista da guerra.

    75Os gregos antigos sem teologia normativa: cada um tem o direito

    de lhe acrescentar o que quiser e crer no que quiser.

    O prodigioso volume do pensamento filosfico nos gregos (com oprolongamento enquanto teologia atravs dos sculos).

    As grandes foras lgicas se demonstram, por exemplo, naordenao das esferas do culto nas cidades particulares.

    Os rficos17 no plsticos em seus fantasmas, confinando com aalegoria. Os deuses dos esticos s se preocupam com o que grande,negligenciam o pequeno e o individual.

    76Schopenhauer 18 contesta a eficcia da filosofia moral sobre os

    costumes: como o artista no cria segundo conceitos. Espantoso!

    verdade, todo homem j um ser inteligvel (condicionado porinumerveis geraes!). Mas um estmulo mais forte de determinadassensaes de excitao opera graas aos conceitos, reforando as forasmorais. No se forma nada de novo, mas a energia criadora se concentranum lado. Por exemplo, o imperativo categrico reforou muito aimpresso de virtude desinteressada.

    Vemos tambm aqui que o homem individual eminentemente moralpratica a seduo da imitao. essa seduo que o filsofo devepropagar. O que lei para o exemplar supremo deve valer

    17 Referncia ao personagem mitolgico Orfeu, poeta e msico, inventor da lira; abalado pela morte daesposa, obteve das divindades a permisso de resgata-la nos infernos, com a condio de no olhar paraela at atingirem ambos a claridade; partiu para sua misso, mas no resistindo, fitou-a e ela lhe foiarrebatada para sempre (NT).18 Arthur Schopenhauer (1788-1860), filsofo alemo (NT).

  • progressivamente como lei em geral: mesmo que seja apenas comobarreira para os outros.

    77O processo de toda religio, de toda filosofia e de toda cincia em

    relao ao mundo: comea pelos antropomorfismos mais grosseiros ejamais cessa de se aperfeioar.

    O indivduo chega mesmo a considerar o sistema sideral comoservo ou como estando em conexo com ele.

    Em sua mitologia, os gregos reabsorveram a natureza inteira nosgregos. De alguma forma, s consideravam a natureza como a mscara ecomo o disfarce dos homens-deuses. Nisso eram o contrrio de todos osrealistas. O contraste entre a verdade e a aparncia estava profundamenteenraizado neles. As metamorfoses so especficas deles.

    78A intuio se liga aos conceitos de gnero ou aos tipos realizados?

    Mas o conceito de gnero fica sempre muito atrs de um bom exemplar, otipo da perfeio est muito alm da realidade.

    Antropomorfismos ticos. Anaximandro19 justia .

    Herclito20: lei

    Empdocles21: amor e dio

    Antropomorfismos lgicos. Parmnides22: Ser puro

    19 Anaximandro (610-574 a.C.), filsofo e astrnomo grego; afirmava que a terra tem forma de um discoe que a essncia do universo era um conjunto indeterminado contendo em si os contrrios; todonascimento era separao e toda morte era reunio desses contrrios (NT).20 Herclito de feso (550-480 a.C.), filsofo grego; defendia a tese de que o universo uma eternatransformao, na qual os contrrios se equilibram e, em sua harmonia, esses opostos regem os planoscsmico e humano (NT).21 Empdocles (sc. V a.C.), mdico, legislador e filsofo grego; construiu uma teoria em que acombinao dos quatro elementos d origem a todas as coisas, mas os dois princpios antagnicos, oamor ou atrao e o dio ou repulsa, so os agentes que promovem a unio ou a desunio dos quatroelementos (NT).

  • Anaxgoras23:nous (voou) Pitgoras24: tudo nmero.

    79A histria universal das mais curtas quando medida a partir dos

    conhecimentos filosficos importantes e so deixadas de lado as pocasque lhe foram hostis. Vemos a uma atividade e uma fora criadora entre osgregos, como nunca se viu, alis, em parte alguma: eles preenchem a maiorpoca, realmente produziram todos os tipos.

    So os inventores da lgica.

    A linguagem j no traiu a capacidade do homem em produzir algica? certamente a operao e a distino lgica mais digna deadmirao. Mas a linguagem no nasceu de uma s vez, o resultadolgico de periodos infinitamente longos. necessrio pensar, a esserespeito, no nascimento dos instintos: eles se desenvolveramprogressivamente.

    A atividade espiritual de milnios consignada na linguagem.

    80O homem s muito lentamente descobre como o mundo

    infinitamente complicado. Primeiramente ele o imagina totalmentesimples, to superficial como ele prprio.

    Parte de si mesmo, o resultado mais tardio da natureza, e serepresenta foras, as foras originais, da mesma maneira do que se passaem sua conscincia. Toma os efeitos dos mecanismos mais complicados,aqueles do crebro, por efeitos idnticos aos das origens. Uma vez que essemecanismo complexo produz o inteligvel num curto espao de tempo,

    22 Parmnides de Elia (515-440 a.C.), filsofo grego, fundador da metafsica com sua distino entre oser e o no-ser (NT).23 Anaxgoras (500-429 a.C.), filsofo grego; defende a teoria de que a natureza se constitui por umnmero infinito de elementos semelhantes, em cuja composio reside a origem de todas as coisas; tudoest em tudo e nada nasce do nada. O termo grego que Nietzsche refere a ele, nous, significa prudncia,sabedoria (NT).24 Pitgoras (sc. VI a.C.), filsofo e matemtico grego, clebre por seus teoremas e clculos daspropores; afirmava que todas as coisas so nmeros (NT).

  • supe que o mundo existe h pouco: no pode ter custado muito tempo aocriador, pensa.

    Por isso julga ter explicado alguma coisa com a palavra "instinto" ereporta de bom grado as aes finalidade inconsciente no devir originaldas coisas.

    O tempo, o espao e o sentido da causalidade parecem ter sidodados com a primeira sensao.

    O homem conhece o mundo na medida em que se conhece: suaprofundidade se desvenda a ele medida que se espanta de si mesmo e desua complexidade.

    81 to racional tomar como base do mundo as necessidades morais,

    artsticas, religiosas do homem como as necessidades mecnicas: noconhecemos nem o choque nem o peso. (?)

    82No conhecemos a essncia verdadeira de nenhuma causalidade

    particular. Ceticismo absoluto: necessidade da arte e da iluso. Deve-setalvez explicar o peso pelo movimento do ter que gira em torno de umaimensa constelao com todo o sistema solar.

    83No se pode demonstrar nem o sentido metafsico nem o sentido

    tico nem o sentido esttico da existncia.

    A ordem universal, o resultado mais penoso e mais lento deterrveis evolues, concebida como a essncia do universo Herclito!

    84

  • necessrio demonstrar que todas as construes do mundo soantropomorfismos: sim, todas as cincias, se Kant tiver razo. Dizendo averdade, h aqui um crculo vicioso: se as cincias tm razo, no levamosem conta os princpios de Kant; se Kant tem razo, as cincias no a tm.

    Contra Kant, h sempre a objetar que, para admitir todas as suasteses, subsiste a plena possibilidade que o mundo seja tal como nosaparece. De um ponto de vista pessoal, esta posio inteira inutilizvel;ningum pode viver nesse ceticismo. .

    Devemos ultrapassar esse ceticismo, devemos esquec-lo. Quantascoisas no devemos esquecer neste mundo! (A arte, a forma ideal, otemperamento.)

    No no conhecimento, na criao que est nossa salvao! Naaparncia suprema, na emoo mais nobre est nossa grandeza! Se ouniverso no nos diz respeito em nada, queremos ento ter o direito dedesprez-lo.

    85Temvel solido do ltimo filsofo! A natureza o assombra, abutres

    planam por cima dele. E ele grita natureza: d o esquecimento! Esquecer! No, ele suporta o sofrimento como Tit at que o perdo lhe sejaconcedido na arte trgica suprema.

    86Considerar "o esprito", o produto do crebro, como sobrenatural!

    Deific-lo totalmente, que loucura!

    Entre milhes de mundos em corrupo, uma vez um mundopossvel!

    Esse tambm se corrompe! No foi o primeiro.

  • 87

    DIPO25

    Solilquio do ltimo filsofo.

    Um fragmento da histria da posteridade.

    O ltimo filsofo, assim que me designo, pois sou o ltimohomem. Ningum me fala a no ser somente eu e minha voz chega a mimcomo a de um moribundo! Contigo, voz amada, contigo, ltimo sopro dalembrana de toda felicidade humana, deixa-me ainda esse comrcio deuma nica hora; graas a ti dou o troco minha solido e penetro namentira de uma multido e de um amor, pois meu corao rejeita emacreditar que o amor esteja morto, no suporta o arrepio da mais solitriadas solides e me obriga a falar como se eu fosse dois.

    Ouo-te ainda, minha voz? Cochichas praguejando? E tua maldioteve de explodir as entranhas deste mundo! Mas ele vive ainda e s me fixacom mais brilho e frieza de suas estrelas impiedosas, ele vive, to estpidoe cego como nunca foi, e um s morre, o homem.

    E contudo! Ouo-te ainda, voz amada! Morre ainda algum fora demim, o ltimo homem, neste universo: o ltimo suspiro, teu suspiro morrecomigo, esse longo ai! ai! suspirado em mim, o ltimo dos miserveis,dipo!

    88Vemos com a Alemanha contempornea que o florescimento das

    cincias possvel numa civilizao que se tornou brbara; assim tambm,a utilidade nada tem a ver com as cincias (embora parea ser assim pelofato das vantagens concedidas aos estabelecimentos de cincias fsicas equmicas e embora simples qumicos possam se tornar clebres como"capacidades").

    25 Personagem da mitologia grega que matou o pai e desposou a me, sem saber que eram seus pais, poisfora abandonado nas montanhas quando pequeno; ao descobrir a verdade, dipo vazou seus prpriosolhos e sua me Jocasta se enforcou (NT).

  • Tem para ela um ter vital apropriado. Uma civilizao em declnio(corno a civilizao alexandrina) e uma falta de civilizao (como a nossa)no a tornam impossvel. O conhecimento bem um substitutivo decivilizao.

    89Os eclipses, por exemplo na Idade Mdia, so realmente perodos

    de sade, como tempos de sono para o gnio intelectual do homem?

    Ou esses eclipses so o resultado de desgnios superiores? Se oslivros tm seu destino, pode-se tambm considerar o declnio de um livrocomo um destino dotado de algum desgnio.

    Nossos desgnios nos pem em confuso.

    90No filsofo, a atividade continua sob a forma de metforas. O

    esforo de dominao unitria. Toda coisa se esfora at oincomensurvel; na natureza, o carter individual raramente fixo, masganha sempre mais terreno. A questo da lentido ou da rapidez altamente humana. Quando voltamos os olhos para o infinitamentepequeno, todo desenvolvimento sempre um desenvolvimentoinfinitamente rpido.

    91Como a verdade tem importncia para os homens! a vida mais

    elevada e mais pura possvel a de possuir a verdade na crena. A crena naverdade necessria ao homem.

    A verdade aparece como uma necessidade social: por umametstase, ela em seguida aplicada a tudo, mesmo onde no necessria.

    Todas as virtudes nascem de necessidades. Com a sociedadecomea a necessidade da veracidade, seno o homem vive em eternos vus.A fundao dos Estados suscita a veracidade.

  • O instinto do conhecimento tem uma fonte moral.

    92A memria no tem nada a ver com os nervos, com o crebro.

    uma propriedade original. De fato, o homem traz em si a memria de todasas geraes passadas. A imagem da memria algo de muito engenhoso ede muito raro.

    to pouco possvel falar de uma memria sem defeito como deuma ao das leis da natureza absolutamente oportuna.

    93Haver um raciocnio inconsciente? A matria raciocina? Ela sente

    e combate por seu ser individual. A "vontade" se mostra primeiramente namudana, isto , que h uma espcie de vontade livre que modifica aessncia de uma coisa por prazer e para fugir do desprazer. A matriatem um nmero de qualidades que so proteiformes, matria que, segundoo ataque, confirma, refora, posa para o todo. As qualidades parecem sersomente atividades modificadas e determinadas de uma matria nica,intervindo segundo as propores da massa e do nmero.

    94S conhecemos uma realidade a dos pensamentos. Como? Se

    isso fosse a essncia das coisas? Se a memria e a sensao fossem osmateriais das coisas?

    95O pensamento nos d o conceito de uma forma inteiramente nova

    da realidade. constituda de sensao e de memria.

    O homem no mundo poderia realmente ser concebido como algumafigura sada de um sonho e que ao mesmo tempo se sonha a si mesmo.

  • 96O choque, a ao de um tomo sobre o outro, pressupe tambm a

    sensao. Algo de estranho em si no pode agir sobre outro.

    No o despertar da sensao, mas o da conscincia no mundo oque h de difcil. Mas ainda explicvel se tudo possui uma sensao.

    Se tudo possui uma sensao, teremos uma confuso de centros desensaes muito pequenos, maiores e muito grandes. Esses complexos desensaes, maiores ou menores, devem ser chamados "vontades".

    Dificilmente nos desfazemos das qualidades.

    97Sensao, movimentos reflexos, muito freqentes e sucedendo-se

    com a velocidade do relmpago, animando-se progressivamente, produzema operao do raciocnio, isto , o sentimento de causalidade. Do sentidoda causalidade dependem o espao e o tempo. A memria conserva osmovimentos reflexos realizados.

    A conscincia comea com o sentido da causalidade, quer dizer quea memria mais velha que a conscincia. Por exemplo, na planta mimosatemos a memria, mas no a conscincia. Memria naturalmente semimagem nas plantas.

    Mas a memria deve ento pertencer essncia da sensao,portanto, ser uma propriedade original das coisas. Mas ento tambm omovimento reflexo.

    A inviolabilidade das leis da natureza significa, portanto: sensaoe memria esto na essncia das coisas. Que ao contato com outra, umasubstncia material se decida justamente assim, tem a ver com memria esensao. Ela o aprendeu em dado momento, dito de outra forma, asatividades das substncias materiais so leis em transformao. Mas adeciso deve ento ter sido tomada por intermdio do prazer e dodesprazer.

  • 98Mas se prazer, desprazer, sensao, memria, movimento reflexo,

    pertencem essncia da matria, ento o conhecimento do homem penetramuito mais profundamente na essncia das coisas.

    A lgica inteira se resolve, pois, na natureza por um sistema deprazer e de desprazer. Cada um procura seu prazer e foge do desprazer,essas so as leis eternas da natureza.

    99Todo conhecimento medida para uma escala. Sem uma escala,

    isto , sem alguma restrio, no h conhecimento. No domnio das formasintelectuais, acontece o mesmo se eu interrogar sobre o valor doconhecimento em geral: devo tomar uma posio qualquer que se situemais alto ou que pelo menos seja fixa para servir de escala.

    100Se conduzirmos todo o mundo intelectual excitao e sensao,

    essa percepo muito indigente esclarece o menos possvel.

    A proposio: "no h conhecimento sem conhecedor, ou no hsujeito sem objeto e no h objeto sem sujeito", inteiramente verdadeira,mas da mais extrema trivialidade.

    101No podemos dizer nada da coisa em si, porque nos privamos na

    base do ponto de vista do conhecedor, isto , do medidor. Uma qualidadeexiste para ns, medida para ns. Se retirarmos a medida, o que ser aindaa qualidade?

    somente por intermdio de um sujeito medindo, colocado aolado das coisas, que necessrio demonstrar o que so essas coisas.Suas qualidades em si no nos dizem respeito, mas suas qualidadesenquanto agem sobre ns.

  • Agora necessrio perguntar: como se produziu semelhante sermedidor? A planta tambm um ser medidor.

    O prodigioso consenso dos homens a respeito das coisas demonstraa completa similaridade de seu aparelho sensorial.

    102Para a planta, o mundo tal e tal; para ns, tal e tal. Se

    compararmos as duas foras de percepo, nosso conceito do mundo valepara ns corno sendo mais justo, isto , como correspondendo mais verdade. Ora, o homem se desenvolveu lentamente e o conhecimentocontinua a se desenvolver: a imagem do mundo se torna, portanto, sempremais verdadeira e completa. Naturalmente, no passa de um reflexo deespelho, um reflexo sempre mais claro. O prprio espelho no totalmenteestranho nem sem relao com a essncia das coisas, mas ele tambmnasceu lentamente, enquanto igualmente essncia das coisas. Vemos umesforo para tornar o espelho cada vez mais adequado: a cincia continua oprocesso natural. Assim, as coisas se refletem de uma forma sempre maispura: libertao progressiva daquilo que demasiado antropomrfico. Paraa planta, o universo inteiro planta; para ns, homem.

    103A marcha da filosofia: primeiramente se pensa que os homens so

    os autores de todas as coisas pouco a pouco as coisas so explicadassegundo a analogia com certas propriedades humanas finalmente sechega sensao. Grande problema: a sensao um fato original de todamatria? Atrao e repulso?

    104O instinto do conhecimento em matria de histria sua

    finalidade: conceber o homem no devir, aqui tambm suprimir o milagre.Esse instinto extrai do instinto da civilizao sua maior fora: oconhecimento exuberncia no estado puro, dessa forma a civilizaoatual em nada se torna superior.

  • 105Considerar a filosofia como a astrologia: a saber, ligar o destino do

    universo ao do homem: considerar a evoluo superior do homem como amais alta evoluo do universo. desse instinto filosfico que todas ascincias recebem sua alimentao. A humanidade aniquila primeiramenteas religies e a seguir as cincias.

    106O homem at utilizou logo a teoria kantiana do conhecimento para

    a glorificao do homem: o universo s tem realidade nele. Como umabola, lanado e relanado nas cabeas humanas. Na verdade, issosignifica s isto: pensa-se que existe uma obra de arte e um homemestpido para contempl-la. Sem dvida ela s existe como fenmenocerebral para esse homem estpido na medida em que ele prprio aindaartista e traz consigo as formas. Poderia ousadamente afirmar: fora de meucrebro, esta obra de arte no possui nenhuma realidade.

    As formas do intelecto nasceram da matria, muito gradualmente. em si verossmil que sejam estritamente adequadas verdade. De ondeteria vindo semelhante aparelho que descobre algo de novo?

    107A faculdade principal me parece ser a de perceber a forma, me

    parece se basear num espelho. O espao e o tempo no passam de coisasmedidas, medidas sobre um ritmo.

    108Vocs no devem se refugiar numa metafsica, mas sacrificar-se

    civilizao do devir! por isso que me oponho absolutamente aoidealismo do sonho.

    109

  • Todo saber nasce da separao, da delimitao, da restrio;nenhum saber absoluto de um todo!

    110Prazer e desprazer como sensaes universais? No creio.

    Mas onde intervm as foras artistas? Certamente no cristal. Acriao da forma; no h nisso um ser intuindo em pressupor?

    111A msica como suplemento da linguagem: numerosas excitaes e

    estados inteiros de excitao que a linguagem no pode representar soreproduzidos pela msica.

    112No h forma na natureza, porque no h nem interior nem

    exterior. Toda arte nasce no espelho do olho.

    113O conhecimento sensorial do homem est certamente em busca de beleza; ela

    transfigura o mundo. Que outra coisa procuramos? Que queremos para alm denossos sentidos? O conhecimento incessante acaba por chegar ao feio e ao odivel. Estar satisfeito com o mundo visto por um olho de artista!

    114Desde que se queira conhecer a coisa em si, ela precisamente este

    mundo. Conhecer s possvel como um refletir e um se medir por meiode uma medida (sensao).

    Sabemos o que o mundo: o conhecimento absoluto eincondicionado querer conhecer sem conhecimento.

  • 115 necessrio reconduzir os pretensos raciocnios inconscientes

    memria que conserva tudo, que oferece experincias de um modoparalelo e com isso conhece j as seqelas de uma ao. No umaantecipao do efeito, mas o sentimento: mesmas causas, mesmos efeitos,produzido por uma imagem da memria.

    116Os raciocnios inconscientes provocam minha reflexo: ser

    provavelmente essa passagem de imagem a imagem; a ltima imagematingida opera ento como excitao e motivo. O pensamento inconscientedeve se realizar sem conceitos: portanto, por intuies.

    Mas este o mtodo de raciocnio do filsofo contemplativo e doartista. Faz a mesma coisa que cada um faz nos mpetos fisiolgicospessoais, transpor para um mundo impessoal.

    Esse pensamento por imagens no a priori de naturezaestritamente lgica, mas de qualquer modo mais ou menos lgica. Ofilsofo se esfora ento em colocar, em lugar do pensamento por imagens,um pensamento por conceitos. Os instintos parecem ser tambmsemelhante pensamento por imagens que, em ltima anlise, se transformaem excitao e em motivo.

    117Confundimos com muita facilidade a coisa em si de Kant e a

    verdadeira essncia das coisas dos budistas; a realidade mostra de fato aaparncia ou uma apario totalmente adequada verdade. A aparnciacomo no-ser e a apario do sendo so confundidas uma com a outra. Novazio se inserem todas as supersties possveis.

    118O filsofo apanhado nas redes da linguagem.

  • 119Quero descrever e sentir o desenvolvimento prodigioso de um

    filsofo que quer o conhecimento, do filsofo da humanidade.

    A maioria dos homens subsiste to bem sob a conduo do instintoque no reparam em absoluto o que acontece. Quero dizer e fazer notar oque acontece.

    O filsofo aqui idntico a todo esforo da cincia. De fato, todasas cincias se baseiam unicamente no fundamento geral do filsofo.Demonstrar a unidade prodigiosa em todos os instintos do conhecimento: oerudito falido.

    120A infinidade o fato inicial original: s se deveria explicar de onde

    vem o finito. Mas o ponto de vista do finito puramente sensvel, isto ,uma iluso. Como se pode ousar falar de uma determinao da terra!

    No tempo infinito e no espao infinito no h fins: o que est lest l eternamente, sob qualquer forma que seja. Que mundo metafsicodeve haver, impossvel de prever.

    Sem nenhum apoio desse tipo necessrio que a humanidade possa se manterde p tarefa imensa dos artistas.

    121O tempo em si um absurdo: s h tempo para um ser que sente. E

    o mesmo ocorre com o espao.

    Toda forma pertence ao sujeito. a apreenso da superfcie atravsdo espelho. Devemos abstrair todas qualidades.

    No podemos nos representar as coisas como so, porque nodeveramos justamente pens-las.

  • Tudo permanece como est: todas as qualidades traem um estadodas coisas indefinvel, absoluto.

    122A conseqncia terrvel do darwisnismo que, alis, tenho por

    verdadeira. Toda nossa venerao se reporta s qualidades, que temos poreternas: do ponto de vista moral, artstico, religioso, etc.

    Com os instintos no avanamos um passo para explicar aconvenincia dos meios e do fim. De fato, esses instintos j so elesprprios o resultado de processos prosseguidos desde um tempoinfinitamente longo.

    A vontade no se objetiva adequadamente, como dizSchopenhauer: isso parece assim quando samos das formas mais acabadas.

    Essa prpria vontade na natureza um resultado muito complicado.Estando pressupostos os nervos.

    E mesmo o peso no um fenmeno simples, mas de novo o efeitode um movimento do sistema solar, do ter e assim por diante.

    E o choque mecnico tambm algo de complexo.

    O ter universal como matria original.

    123Todo conhecer um refletir em formas totalmente determinadas

    que no existem a priori. A natureza no conhece nenhuma forma,nenhuma grandeza, mas somente para um conhecedor que as coisas seapresentam com tal grandeza ou com tal pequenez. O infinito na natureza:ela no tem nenhum limite, em parte alguma. S para ns h finito. Otempo divisvel ao infinito.

    124

  • Valor objetivo do conhecimento no torna melhor. No tem finsltimos universais. Seu nascimento devido ao acaso. Valor daveracidade. Sim, ela torna melhor! Seu objetivo o declnio. Procede aum sacrifcio. Nossa arte a imagem do conhecimento desesperado.

    125A humanidade tem no conhecimento um bom meio para perecer.

    126Que o homem se tenha tornado assim e no de outra forma

    certamente obra sua: que esteja to engajado na iluso (o sonho) eorientado para a superfcie (o olho), essa sua essncia. Ser de espantarque mesmo os instintos de verdade terminem por desembocar de novo emseu fundamento?

    127Ns nos sentimos grandes quando ouvimos falar de um homem

    cuja vida foi aniquilada por uma mentira e que, no entanto, no mentiu mais ainda, quando um homem de Estado, pela preocupao com averacidade, destri um reino.

    128Nossos hbitos se tornam virtudes graas a uma transposio livre

    no domnio do dever, pelo fato de trazermos a inviolabilidade nosconceitos; nossos hbitos se tornam virtudes pelo fato de considerarmos obem particular menos importante que sua inviolabilidade porconseguinte, pelo sacrifcio do indivduo ou pelo menos pela possibilidadeentrevista de semelhante sacrifcio. Quando o indivduo comea a seconsiderar pouco importante, comea o domnio das virtudes e das artes nosso mundo metafsico. O dever seria particularmente puro se na essnciadas coisas nada correspondesse ao fato moral.

  • 129No pergunto qual o objetivo do conhecimento: ele se produziu

    fortuitamente, ou seja, sem inteno final racional. Como uma extenso ouum endurecimento e uma consolidao de uma forma de pensar e agirnecessria em certos casos.

    130Por natureza, o homem no existe para o conhecimento a

    veracidade (e a metfora) produziu a inclinao para a verdade. Assim umfenmeno moral, esteticamente generalizado, d o instinto intelectual.

    131O anlogo lembra o anlogo e compara-se por esse meio: isso o

    conhecer, a rpida subsuno do mesmo gnero. S o anlogo percebe oanlogo: um processo fisiolgico. O mesmo que memria tambmpercepo do novo. No h pensamento do pensamento.

    132Quanto valor tem o mundo, seu menor fragmento deve tambm

    revel-lo olhem o homem, sabero ento o que podem esperar domundo.

    133A necessidade produz s vezes a veracidade como meio de

    existncia de uma sociedade.

    O instinto se fortalece por meio de um exerccio freqente e agorainjustamente transposto por metstase. Torna-se a tendncia em si. Doexerccio para casos determinados se faz uma qualidade. Temos agora oinstinto do conhecimento.

    Essa generalizao se produz por intermdio do conceito que se

  • interpe. com um juzo falso que essa qualidade comea serverdadeiro significa ser sempre verdadeiro. Da provm a tendncia de noviver na mentira: supresso de todas as iluses.

    Mas jogado de uma rede a outra.

    134O homem bom quer tambm ser verdadeiro e cr na verdade de

    todas as coisas. No s da sociedade, mas tambm do mundo. Porconseguinte, acredita tambm na possibilidade de aprofundar. De fato, porque razo o mundo deveria engan-lo?

    Transpe, portanto, sua prpria tendncia no mundo e acredita queo mundo tambm deve ser verdadeiro para com ele.

    135Considero falso falar de um objetivo inconsciente da humanidade.

    Ela no um todo como um formigueiro. Talvez se possa falar do objetivoinconsciente de uma cidade, de um povo: mas que sentido tem falar de umobjetivo inconsciente de todos os formigueiros da terra?

    136 no impossvel que a humanidade se perpetua, essas so suas

    virtudes o imperativo categrico, como a orao "filhos, amai-vos", sodessas exigncias do impossvel.

    A pura lgica , portanto, o impossvel, graas ao qual a cincia semantm.

    O filsofo o mais raro no meio do que grande, porque oconhecer s veio ao homem acessoriamente e no como dom original. tambm por isso que o tipo superior do que grande.

  • 137Nossa cincia da natureza caminha para a runa, para o mesmo fim

    daquele do conhecimento.

    Nossa cultura histrica caminha para a morte de toda civilizao.Ela combate as religies acessoriamente que aniquila as civilizaes.

    uma reao no natural contra a presso religiosa terrvel fugindo agora at o extremo. Sem qualquer medida.

    138Uma moral negadora supremamente grandiosa, porque

    maravilhosamente impossvel. Que sentido tem o homem dizer no! Comtoda a franqueza, enquanto todos os seus sentidos e todos os seus nervosdizem sim! E que cada fibra, cada clula se ope.

    Quando falo da assustadora possibilidade de o conhecimento tenderpara a runa, estou pelo menos disposto a tecer um elogio geraopresente: nela no tem nada de semelhantes tendncias. Mas quando seolha para o caminho da cincia desde o sculo XV, semelhante poder esemelhante possibilidade se manifestam sem dvida alguma.

    139Uma excitao sentida e um olhar lanado para um movimento,

    ligados um ao outro, do a causalidade antes de tudo como axiomafundado na experincia: duas coisas, a saber, uma sensao determinada euma imagem visual determinada, aparecem sempre juntas: que uma seja acausa da outra, uma metfora tomada da vontade e do ato, um raciocnio poranalogia.

    A nica causalidade de que temos conscincia est entre o querer eo fazer aquela que referimos a todas as coisas para explicar a relaoentre duas variaes concomitantes. A inteno ou o querer produz osnomina (nomes), o fazer produz os verba (palavras).

  • O animal enquanto querer sua essncia.

    A partir da qualidade e do ato: uma qualidade nos conduz ao agir:enquanto que no fundo acontece de tal forma que, a partir de aes,conclumos qualidades: admitimos qualidades porque vemos aes de umadeterminada ordem.

    Assim: o que vem em primeiro lugar a ao, e ligamos esta a umaqualidade.

    Primeiro nasce a palavra para a ao; da a palavra para aqualidade. Essa relao dirigida a todas as coisas a causalidade.

    Primeiro "ver", depois "viso". O "ato de ver" passa pela causa do"ver". Entre o sentido e sua funo sentimos uma relao regular: acausalidade a transposio dessa relao (do sentido funo sensorial) atodas as coisas.

    Um fenmeno original : ligar ao olho a excitao sentida no olho,isto , ligar ao sentido uma excitao sensorial. Em si, o que dado somente uma excitao: sentir esta como uma ao do olho e denomin-la"ver" uma induo causal. Sentir uma excitao como sendo umaatividade, sentir como ativo algo de passivo, a primeira sensao decausalidade, ou seja, a primeira sensao j traz com ela essa sensao decausalidade.

    A conexo interna da excitao e da atividade, dirigida a todas ascoisas. O olho ativo depois de uma excitao: isto , v. a partir denossas funes sensoriais que explicamos o mundo, ou seja, pressupomosem tudo uma causalidade, porque ns prprios experimentamoscontinuamente semelhantes variaes.

    140Tempo, espao e causalidade so apenas metforas do

    conhecimento, por meio das quais interpretamos as coisas. Excitao eatividades ligadas uma outra: como isso se faz, no o sabemos, nocompreendemos nenhuma causalidade particular, mas temos dela umaexperincia imediata. Todo sofrimento provoca uma ao, toda ao um

  • sofrimento esse sentimento mais geral j uma metfora. Amultiplicidade percebida pressupe, portanto, j o tempo e o espao,sucesso e justaposio. A justaposio no tempo produz a sensao deespao.

    A sensao de tempo dada com o sentimento da causa e do efeito,como resposta questo dos graus de rapidez das diversas causalidades.

    Derivar a sensao de espao somente como metfora da sensaodo tempo ou o inverso?

    Duas causalidades localizadas uma ao lado da outra.

    141Nossa nica maneira de nos tornarmos senhores da

    multiplicidade constituir categorias, por exemplo, chamar "ousado"um grande nmero de modos de ao. Ns os explicamos a ns mesmosquando os incluirmos sob a rubrica "ousado". Todo explicar e todoconhecer no passa propriamente de um denominar. Logo, de umsalto ousado: a multiplicidade das coisas colocada de acordo quandode alguma forma consideramos as coisas como as aes inumerveis deuma mesma qualidade; por exemplo enquanto aes da gua, como emTales26.

    Temos aqui uma transposio: uma abstrao abrange inumerveisaes e adquire valor de causa. Qual a abstrao (qualidade) suscetvel deabranger a multiplicidade das coisas? A qualidade "aguado", "mido". Omundo inteiro mido, logo, ser mido o mundo inteiro. Metonmias.Um falso silogismo. Um predicado confundido com uma soma depredicados (definio).

    26 Tales de Mileto (sc. VII-VI a.C.), matemtico, astrnomo e filsofo grego; celebrizou-se por seusteoremas, por suas observaes astronmicas e confeco de um calendrio, por suas indicaesmeteorolgicas e por sua cosmologia segundo ele, "tudo gua", estabelecendo a gua como oprincipio e a origem do universo (NT).

  • 142O pensamento lgico, pouco praticado pelos gregos jnicos, se

    desenvolve muito lentamente. Compreenderemos melhor os falsossilogismos como metonmias, ou seja, de forma retrica e potica.

    Todas as figuras de retrica (isto , a essncia da linguagem) sofalsos silogismos. E com eles que a razo comea!

    143Vemos de uma s vez como primeiramente se continua a filosofar e

    como nasceu a linguagem, isto , ilogicamente.

    Acrescenta-se ento o pathos da verdade e da veracidade. Isso notem inicialmente nada a ver com a lgica. Enuncia somente que nenhumailuso consciente cometida. Mas essas iluses na linguagem e na filosofiaso primeiramente inconscientes e muito difceis de levar conscincia.Entretanto, por meio da confrontao de filosofias diferentes, estabelecidascom o mesmo pathos (ou pela confrontao de religies diferentes)estabelece-se um combate singular No encontro de religies inimigas, cadauma se ajudou a si prpria pelo fato de que explicava as outras comofalsas: o mesmo ocorreu com os sistemas.

    Foi o que conduziu alguns pensadores ao ceticismo: a verdade estno poo! gemeram eles.

    Em Scrates a veracidade toma posse da lgica: ela observa ainfinita dificuldade de denominar com exatido.

    144 sobre tropos e no sobre raciocnios inconscientes que repousam

    nossas percepes sensveis. Identificar o semelhante com o semelhante,descobrir alguma semelhana entre uma coisa e outra, o processooriginal. A memria vive dessa atividade e se exerce continuamente. Ofenmeno original , portanto, a confuso o que supe o ato de ver asformas. A imagem no olho d a medida a nosso conhecer, depois o ritmo a

  • d a nosso ouvir. A partir do olho nunca teramos chegado representaodo tempo; a partir do ouvido no conseguiramos melhores resultados narepresentao do espao. Ao sentido do tato corresponde a sensao decausalidade.

    Inicialmente no vemos as imagens no olho a no ser em ns, noouvimos o som a no ser em ns da a admitir a existncia de um mundoexterior, vai um grande passo. A planta, por exemplo, no sente nenhummundo exterior. O sentido do tato e ao mesmo tempo a imagem visual doduas sensaes justapostas; estas, porque aparecem sempre uma com aoutra, despertam a representao de uma conexo (por meio da metfora pois, tudo o que aparece ao mesmo tempo no conexo).

    A abstrao um produto de grande importncia. uma impressoduradoura que se fixou e se endureceu na memria e que convm anumerosos fenmenos e que, por isso, para cada um em particular muitoinapropriada e muito insuficiente.

    145Mentira do homem em relao a ele prprio e ao outros:

    pressuposio: a ignorncia necessria para existir (s e em sociedade).No vazio se insere a iluso das representaes. O sonho. Os conceitosrecebidos (que, apesar da natureza, dominam o pintor germnico)diferentes em todas as pocas. Metonmias. Excitaes e noconhecimentos completos.

    O olho d formas. Ns ficamos presos superfcie. A inclinaopara o belo. Falta de lgica, mas existncia de metforas. Religies,filosofias. Imitao.

    146A imitao o meio de toda civilizao, por esse meio que o

    instinto se forma aos poucos. Toda comparao (pensamento original) uma imitao. assim que se formam espcies tais que so exemplaressemelhantes que imitam com fora as primeiras, ou seja, copiam oexemplar maior e mais forte. A aprendizagem de uma segunda natureza

  • por meio da imitao. na procriao que a reproduo inconsciente mais notvel e, alm disso, a educao de uma segunda natureza.

    147Nossos sentidos imitam a natureza arremedando-a sempre mais.

    A imitao supe uma recepo, depois uma transposio contnuada imagem percebida em mil metforas, todas eficazes. O anlogo.

    148Que poder obriga imitao? A apropriao de uma impresso

    estranha por meio de metforas. Excitao imagem da lembrana,ligadas por meio da metfora (raciocnio por analogia). Resultado:semelhanas so descobertas e reanimadas. A excitao repetida sedesenrola uma vez mais a propsito de uma imagem da lembrana.

    A excitao percebida agora repetida em numerosas metforasno meio das quais as imagens aparentadas afluem de diferentes rubricas.Toda percepo visa a uma imitao mltipla da excitao, mas comtransposio para terrenos variados.

    A excitao sentida transmitida aos nervos aferentes, a repetidana transposio e assim por diante.

    O que tem lugar a traduo de uma impresso sensorial emoutras: diante da audio de certos sons, muitas pessoas vem algo ousaboreiam algo. um fenmeno perfeitamente geral.

    149O fato de imitar o contrrio do fato de conhecer no sentido que

    precisamente o fato de conhecer no quer fazer valer qualquertransposio, mas quer manter a impresso sem metfora e semconseqncias. Com esse uso, a impresso fica petrificada: tomada emarcada pelos conceitos, depois morta, despojada e mumificada econservada sob a forma de conceito.

  • Ora, no h expresso "intrnseca" e no h conhecimentointrnseco sem metfora. Mas a iluso a esse respeito persiste, isto , acrena numa verdade da impresso sensorial. As metforas mais habituais,aquelas que so usuais, tm agora valor de verdades e de medida para asmais raras. Somente aqui governa em si a diferena entre costume enovidade, freqncia e raridade.

    O fato de conhecer somente o fato de trabalhar sobre as metforasmais aceitas, portanto, uma forma de imitar que no mais sentida comoimitao. No pode, pois, naturalmente penetrar no reino da verdade.

    O pathos do instinto de verdade pressupe a observao de que osdiferentes universos metafricos so desunidos e se combatem, porexemplo, o sonho, a mentira, etc., contra a maneira de ver habitual e usual:uma mais rara, a outra mais freqente. Assim o uso combate a exceo, oregulamentar contra o inabitual. Disso decorre que o respeito pela realidadecotidiana venha antes do mundo do sonho.

    Ora, o que raro e inabitual o que possui mais encanto amentira sentida como seduo. Poesia.

    150Todas as