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O Lobolo e o seu significado na Tradição e Hoje Dom Adriano Langa 131 O LOBOLO E O SEU SIGNIFICADO NA TRADIÇÃO E HOJE Frei, Dom Adriano Langa, Bispo Auxiliar do Maputo INTRODUÇÃO Falar do Lobolo é falar de uma das fases que conduzem à formação de um lar negro-africano, no sistema patrilinear. Neste sistema social, o Lobolo é uma instituição, isto é, uma prática reconhecida e aceite, regendo-se com normas ou leis próprias. Mesmo que não é praticado em todas as sociedades africanas, o Lobolo marca particularmente as mesmas sociedades, de tal maneira que, em qualquer parte do mundo, quando se fala do processo de casamento tradicional em África, faz-se sempre referência ao lobolo. É verdade que, nas culturas onde ele é praticado, há casamentos sem o lobolo. É verdade, ainda, que nestes casos, o problema é posto, até se chegar a um consenso claro da não necessidade de lobolo, por razões particulares e ponderadas em comum pelas partes intervenientes no processos. Isto mostra como esta prática caracteriza o processo da formação do lar no mundo da negritude. Doutra maneira, a sua falta bloqueia a discussão de outras questões, antes e depois do casamento e por toda a vida do casal e dos seus filhos. O Lobolo confere a legalidade, a seriedade, a dignidade e a consistência do lar nas referidas sociedades. Sabemos a polémica em que está envolto o Lobolo e isto desde da época da ocupação efectiva colonial até aos nossos dias. Várias forças e sistemas políticos e de pensamento se têm erguido contra esta instituição, juraram visando o seu desaparecimento. De facto, se o casamento tradicional africano sofre alguma contestação por parte da gente das outras culturas, o Lobolo é o aspecto do processo que sofre a maior violência dos ataques: Ontem foi o poder colonial e o sistema sociocultural nele baseado que, juntamente com as religiões organizadas, vindas do Ocidente, que moveram uma guerra cerrada ao Lobolo. Estas forças, se não fizeram mais na sua ofensiva, foi porque acreditaram que a ‘civilização’ em curso era a melhor arma que iria ditar o desaparecimento do fenómeno, visto como desumano e selvagem. Das poucas coisas que o sistema político-social marxista herdou do colonialismo, com muito entusiasmo, foi a luta contra o Lobolo. Hoje se pode fazer o balanço do combate. Tal balanço está ao alcance de qualquer um de nós: é só levantar a cabeça e ver a quantas andamos com o Lobolo. Houve progresso ou regresso? Isto é, se a coisa melhorou ou se piorou, mas

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O Lobolo e o seu significado na Tradição e Hoje – Dom Adriano Langa 131

O LOBOLO E O SEU SIGNIFICADO NA TRADIÇÃO E HOJEFrei, Dom Adriano Langa, Bispo Auxiliar do Maputo

INTRODUÇÃO

Falar do Lobolo é falar de uma das fases que conduzem à formaçãode um lar negro-africano, no sistema patrilinear. Neste sistema social, oLobolo é uma instituição, isto é, uma prática reconhecida e aceite, regendo-secom normas ou leis próprias. Mesmo que não é praticado em todas associedades africanas, o Lobolo marca particularmente as mesmas sociedades,de tal maneira que, em qualquer parte do mundo, quando se fala doprocesso de casamento tradicional em África, faz-se sempre referência aolobolo. É verdade que, nas culturas onde ele é praticado, há casamentossem o lobolo. É verdade, ainda, que nestes casos, o problema é posto, até sechegar a um consenso claro da não necessidade de lobolo, por razõesparticulares e ponderadas em comum pelas partes intervenientes noprocessos. Isto mostra como esta prática caracteriza o processo daformação do lar no mundo da negritude. Doutra maneira, a sua faltabloqueia a discussão de outras questões, antes e depois do casamento e portoda a vida do casal e dos seus filhos.

O Lobolo confere a legalidade, a seriedade, a dignidade e aconsistência do lar nas referidas sociedades.Sabemos a polémica em que está envolto o Lobolo e isto desde da época daocupação efectiva colonial até aos nossos dias. Várias forças e sistemaspolíticos e de pensamento se têm erguido contra esta instituição, juraramvisando o seu desaparecimento.

De facto, se o casamento tradicional africano sofre algumacontestação por parte da gente das outras culturas, o Lobolo é o aspecto doprocesso que sofre a maior violência dos ataques: Ontem foi o podercolonial e o sistema sociocultural nele baseado que, juntamente com asreligiões organizadas, vindas do Ocidente, que moveram uma guerra cerradaao Lobolo. Estas forças, se não fizeram mais na sua ofensiva, foi porqueacreditaram que a ‘civilização’ em curso era a melhor arma que iria ditar odesaparecimento do fenómeno, visto como desumano e selvagem. Daspoucas coisas que o sistema político-social marxista herdou docolonialismo, com muito entusiasmo, foi a luta contra o Lobolo. Hoje sepode fazer o balanço do combate. Tal balanço está ao alcance de qualquerum de nós: é só levantar a cabeça e ver a quantas andamos com o Lobolo.Houve progresso ou regresso? Isto é, se a coisa melhorou ou se piorou, mas

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se houve regresso, isto é, se estamos piores, é caso para nos interrogarmo-nos: Como é que uma prática pode resistir a tantas técnicas de combatecontra si e durante tanto tempo?Tomaremos como lugar de observação do fenómeno do Lobolo o espaçogeográfico do Sul de Moçambique(Sul do Save) mais exactamente a partelitoral do distrito de Mandlakazi, região onde dois grupos étnicos Xanganase Xopes se interceptam e convivem, numa osmose cultural.Nos nossos contactos, verificamos que o nome “Lobolo”, em um bomnúmero de línguas nacionais, nas sociedades onde ele é praticado, não variamuito. Este facto não deixa de ser interessante porque pode ser uma pistapara um estudo da história do mesmo fenómeno, quanto à sua trajectória equanto ao seu significado. Dada esta semelhança, do termo, nós optamospor usar o nome tradicional, como é conhecido no contexto onde noscolocamos para falar do lobolo. Por isso, daqui em diante usaremos o termoLowolo no lugar de Lobolo. Isto para dizer ao leitor que o Lowolo teve e temum significado diferente daquele que o ocidental e o seu universo cultural emercantil entenderam ou ainda entendem.

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O QUE É O LOWOLO

1 – Identificação do fenómenoO Lowolo é uma prática que ocorre no processo de casamento

tradicional negro-africano, em algumas etnias de sistema patrilinear. Secompararmos o processo europeu ocidental com o negro-africano, o lowolocorresponderia ao anelamento no ocidental. Quer dizer, o último passo nocaminho para o casamento. O rito consiste, essencialmente, na entrega deum valor, pela família do rapaz à família da menina, acordado entre aspartes, valor esse constituído por uma soma de dinheiro, na actualidade.

2 – O lowolo : Um negócio?

A discussão sobre o lowolo surge, justamente, por causa da entrada dodinheiro no processo, facto que é visto e interpretado como venda, por

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gente doutras mentalidades e culturas. Que dizer, então? Comecemos porconsiderar estes dois termos: kuxava e kulowola

a)Kuxava - É o verbo comprar, no sentido de fazer negócio, que écomum a todas as línguas do Sul de Moçambique (xitshwa,xope, xangana e ronga) excepto gitonga, língua da bacia deInhambane.

b) Kulowola - É o verbo que exprime o acto da entrega de um valorpara selar o contrato entre duas família cujos filhos queremcasar-se. Este termo também é comum a todas as línguas daregião acima referida e, como dissemos na introdução, écomum também a algumas línguas do Centro e Norte do País.

Este facto, da existência de termos diferentes para o caso dacompra e do casamento, é de grande importância, se queremos encontrar osentido genuíno das coisas e se não queremos, intencionalmente, caricaturaras práticas. Nas sociedades onde se pratica o lowolo é insulto intolerado falarem kuxava(comprar) referindo-se ao kulowola, é tão ofensivo que pode fazerfracassar o processo.

Na cultura xangano-xope, quando alguém vai visitar solenementeum(a) amigo(a) leva-lhe, por exemplo, um pote de wukayni (uma bebidatirada do fruto de uma planta chamada nkanyi) ou outro presente. Quandoele regressa para casa, tornou-se etiqueta(prática comum) que o visitadoofereça uma prenda, muitas vezes sem o visitante dar-se contaimediatamente, introduzindo o presente no pote ou no cesto do visitante,de tal maneira que este só vai dar-se conta pelo caminho, já sozinho oumesmo em casa! Este gesto chama-se, tecnicamente, kutshungula e a coisaoferecida chama-se xitshungulu/ txitshungulu. A falta deste gesto é muitocensurado, para não dizer condenado por todos, a começar pelo própriovisitante. Esperamos que os críticos não chamem a isto de interesseirismo ounão vejam nisto um comércio, em forma de troca de produtos; esperamosque não vejam no visitante um caça-prendas!

3 – Txuma

Txuma significa riqueza. É um termo comum às línguas já referidas.Tem também o significado lateral do lowolo, na medida em que o lowolo é umvalor. Por isso é menos usado no contexto de kulowola, porque menostécnico e menos exacto. Kulowola é mais técnico e próprio, daí o preferir-semais a este termo de kulowola/lowolo do que txuma. Muito exótico ainda é o

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verbo kutxuma , que seria a entrega do txuma. É um verbo erudito e,portanto, muito pouco conhecido e muito pouco usado.

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OS INTERVENIENTE: SIGNIFICADO E FUNÇÕES

Quem são os intervenientes na cerimónia do lowolo, isto é, quementra e qual é o significa de cada um deles? São muitos os intervenientesque, para designá-los brevemente, diremos que são as duas famílias dofuturo casal. Eles são, sobretudo, determinados pelos laços da familiaridadee pelos graus que ocupam na hierarquia desses laços.

4 – Os noivos

Estes são os principais protagonistas no lowolo, na medida em quesão eles que desencadeiam o processo ao se amarem e quererem casar-se.Desencadeado o processo, os dois passam para o segundo plano, isto é,ficam na sombra. Mesmo assim, eles permanecem os principais actores noprocesso porque tudo o que acontece é por causa deles e para eles, emprimeiro e último lugar.

Tudo começa com o encontro e mútua descoberta dos dois jovense a sua mútua atracção para constituir um lar. A iniciativa pode partir delesmesmos, sobretudo do rapaz, a quem cabe, segundo a cultura negro-africana tradicional, o papel de tomar iniciativa e declarar o amor e o desejode casar com a menina. O contrário, isto é, ser a menina a manifestar-seprimeiro, naquela cultura, era uma perigosa aventura , sob o risco de ficarrotulada de leviana para sempre e nunca mais conseguir casar-se. O joveminforma os pais do seu desejo de se casar. Os pais convocam um encontrode alguns membros mais representativos da família alargada e procuramcertificar-se da vontade do jovem. A iniciativa pode partir de terceiros: dospais, tias etc. Mas esta iniciativa de terceiros precisa de ser “ratificada" peloSIM dos dois jovens e por eles ser assumida.

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5 – O Ndhuna

Se o jovem confirmar a sua intenção de se casar com uma meninaX, destaca-se alguém da família ou da confiança desta, para ir à casa damenina fazer o primeiro contacto com a família desta. Este alguém tem otítulo de Ndhuna, que significa emissário. Deve ser uma pessoa madura,experiente e não uma criança nem jovem, sob o risco de o recado não sertomado a sério pela família da menina. A visita do ndhuna pode seranunciada ou não.

Uma vez chegado, o ndhuna pede audiência com os pais, dizendo:tenho um assunto ou trago um assunto(ndzi ni mahungo ou timhaka; ndzi tisamahungo ou timhaka). Ele é recebido dentro da palhota para ele dizer qual oassunto. Aí, ele diz: “a família X mandou-me para vir pedir “água”, que querdizer: “mandaram-me para vir pedir a mão da vossa filha em casamento”. A razão dotermo “água” é porque uma das tarefas de uma jovem esposa é de ir buscarágua no poço, para o marido e para os sogros. Perante esta informação ospais chamam a menina na presença ou em particular e perguntam se elasabe do assunto e se quer ou não. Se responder afirmativamente aos pais,interrompe-se a conversa e convocam-se outros membros maisrepresentativos da família alargada para se retomar a mesma conversa. Sefaltar um membro-chave da família, o pai ou a mãe da menina, ou outrapessoa que se considera indispensável, por ser inacessível imediatamente,suspende-se o assunto até ao regresso da pessoa em falta ou até se consultarà tal pessoa, mesmo à distância e se obter a sua posição, ainda que seja porcarta. Uma vez na posse da opinião da pessoa ausente comunica-se à famíliado rapaz e o emissário faz uma nova visita para vir saber da resposta ou,simplesmente, a família da menina manda a resposta: Sim ou não aocasamento.

6 – Os pais

São os pais dos dois jovens que querem se casar. Terminada a fasedo consentimento e uma vez este assegurado, os pais dos dois quase queficam apagados Não aprecem muito na cena do lowolo e nas restantes fases.É um apagamento aparente porque, de facto, os pais são decisivos e semeles o processo pára e se se avançar sem eles, esse processo é inválido. Masa função dos pais é de orientar a família alargada na tomada de decisões,dando informações úteis aos anciãos, pois, as decisões são tomadas em

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família alargada, tendo em conta o parecer dos pais e não é de ânimo leveque a família possa contrariar a vontade dos progenitores, sem pôr em riscoo casamento. A opinião deles é importante, porque não parte apenas de“princípios” teóricos ou legais mas sim do conhecimento profundo que elestêm dos filhos que geraram e educaram numa relação quotidiana. Mas,também, não se aceitam demagogias e autoritarismo, sob o pretexto deserem pais. Por isso, se houver divergências de pareceres, há que discutiressas divergências até se alcançar um consenso.

7 – Os avôs

Aqui é preciso saber de que avôs se trata. Num sistema patrilinear,os avôs maternos não têm voz activa, a não ser que sejam expressamentesolicitados para se pronunciarem ou agir ou se o jovem em causa não podecontar com o apoio da parte paterna, como é o caso da orfandade ou outracausa grave. Portanto, segundo o direito natural, a linha materna só podeactuar em último caso. Em situação normal, isto não cria qualquer tipo dedificuldade porque, neste sistema, os avôs maternos não vivem na mesmacasa que a filha casada, a não ser por razões de força maior. Mas, mesmoneste caso, eles não se metem de qualquer maneira. Nisto há rigor.

Quanto aos avôs paternos, eles são os primeiros conselheiros dosseus filhos e dos seus netos, em assuntos que dizem respeito a estes últimos.Antes de os pais dos noivos recorrerem aos demais membros da famíliaalargada, recorrem aos avôs dos mesmos noivos, que são os anciãos daprimeira linha ou da vanguarda. Mas o grande papel que os avôsdesempenham, é o da ligação imediata e visível entre o mundo dosfamiliares vivos e dos antepassados. São eles os primeiros a saber tudo empormenor e cabe a eles executar as cerimónias sacrificiais a fazer aosantepassados. Imaginemos uma família em que os irmão não se relacionambem, onde há tensões e conflitos, até à exclusão de uns pelos outros. Nestassituações, lamentáveis, um irmão pode casar um seu filho sem nada dizer aooutro irmão, prescindindo deste. Mas não se pode prescindir do avô do(a)jovem que se casa. Seria uma grave ruptura e uma ameaça para o novo lar.Na verdade, um dia, esse lar que se forma em tais condições, vai precisardos avôs e estes não responderão, porque estariam fora do processo. Serianos casos de doença, morte, casamentos, etc. que implicam a presença dosavôs e reclama os seus serviços.

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Pela relação afectiva existente entre avôs e netos, aqueles são dosmelhores conselheiros destes últimos e conseguem mais e melhor do que ospróprios pais. Portanto, os avôs paternos entram no processo do lowolocomo anciãos da primeira linha e como representantes dos antepassados

8 – Os madhodha e masungukati

Os avôs, como anciãos, se são muito idosos, podem não entrardirectamente nas conversações. Entrando ou não, além deles entram outrosadultos e anciãos. Estes podem ser membros da família alargada ou simplesconhecidos, amigos da família ou, até vizinhos da confiança da família dosnoivos. Estas pessoas, vindo das duas famílias, entram directamente nascerimónias, quer do lowolo, quer do casamento propriamente dito. O seunúmero varia muito de caso para caso dentro de uma mesma família,dependendo da disponibilidade, das conveniências e outras circunstânciasdo momento. O número depende, também da extensão das famílias.Procura-se não exagerar mas garantir uma representação equilibrada. Numafamília bastante extensa, com muitos membros com direito de participar,escolhem-se uns tantos para formar a delegação. Se uma família for muitoreduzida solicitam-se pessoas amigas da família para integrar a delegação.

9 – Vabava ni vahahani

Vabava e vahahani são os tios e tias, sempre do lado paterno, tantopara o rapaz como para a menina. Estas figuras são importantíssimas navida de uma família, nuclear e alargada. Eles são os mestres nos aspectospráticos junto dos sobrinhos noivos. São eles que iniciam e explicam osaspectos práticos da vida de um homem e de uma mulher casados. Não é amãe, mas sim uma tia, que ensina a uma jovem como irá tratar o seu futuromarido; não é o pai, mas sim um tio, que ensina a um jovem como irá tratara sua futura esposa. Esta iniciação não é só em assuntos relacionados com avida de casado nem só no momento em que um(a) jovem se prepara paracasar. É tarefa específica dos(as) tios(as) iniciar os sobrinhos na vida,sobretudo a partir da adolescência, para serem homens e mulheres à altura.Por isso, os(as) tio(as) são os(as) melhores confidentes dos(as) seus(suas)sobrinhos(as). Em termos de confiança, na relação interpessoal os(as)tios(as) levam vantagem sobre os pais! Na tradição africana, os(as) tios(as)

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têm muita autoridade moral junto dos sobrinhos e dos pais destes. Quandoum(a) tio(a) ralha todo o mundo treme. Por isso, quando há tensão ouconflitos entre pais e filhos recorre-se primeiro aos(as) tio(as), para estes(as)fazerem a mediação e promoverem a reconciliação. Quando um(a) jovem sesente incompreendido (a) ou tiranizado(a) pelos pais ele(a) foge para a casado(a) tio(a). Este(a) é o(a) grande e primeiro (a) defensor(a). Estaascendência ou superioridade dos(as) tios(as) compreende-se, em parte,objectivamente: Em termos de mentalidade das gerações, eu estou maispróximo do meu irmão e da minha irmã do que os meus pais, que podemestar ultrapassados na maneira de ver a vida hoje e aqui. Pela idade, possosubstituir o meu irmão diante dos filhos e tenho distância crítica paraanalisar friamente as situações e as razões. Reconhecendo tudo isto, é opróprio meu irmão que me dá o espaço, o mesmo acontecendo com os(as)filhos(as) do meu irmão: as relação íntima que se estabelecem entre mim eeles(a) é tão forte que tenho sempre as portas abertas neles!

É de notar que, no lowolo algumas das prendas que o noivo develevar para a sua sograria são para a menina dar às suas tias. Ela não podeesquecer as suas melhores e íntimas amigas, que lhe abriram os olhos para avida, neste momento em que ela entra para essa vida de adulta. Seria umaingratidão, pois, o que ela recebeu dessas amigas foi UMA VIDA, que nãotem preço. Não pode esquecer essas amigas porque ela vai precisar delasainda e sempre, na sua vida de casada de mãe de família.

10 – Vapangalati

Para todo este processo do lowolo o rapaz escolhe um dos seusamigos para o acompanhar e ser intermediário entre ele e a menina. O rapaznunca se apresenta sozinho em casa da menina e dificilmente ele lá vai.Quando acontece ele ter que ir, é uma visita bem sabida entre as duasfamílias. A futura sograria não é lugar de passeio ou de ir matar o tempo. Asograria é um lugar sagrado(ka yila). Se lá vai, leva umcompanheiro(mupangalati/impangalati) e o ponto de referência é o futurosogro e os irmãos da menina. Para a menina é mesma coisa: ela tambémescolhe uma companheira e não vai à casa do rapaz assim de qualquermaneira, pode tomar a iniciativa de ir visitar ou podem sugerir-lhe parafazê-lo levando consigo uma companheira, o seu ponto de referência é afutura sogra e as irmãs do rapaz e não este.

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10.1 – A Sessão de lowolo

Desde da véspera do dia do lowolo a casa da menina regista umamovimentação particular de meninas. Vão lá para os trabalhos da recepçãodos hóspedes (a delegação que vem da casa do rapaz) e também para fazercompanhia à menina a ser lowolada. Por isso, além das que andam nas tarefasdomésticas, há algumas (uma ou duas) que estão sempre com a noiva enunca a deixam sozinha, pois, ela fica sempre na palhota onde está o noivoe só se separam para ir dormir. É importante dizer que durante este tempode estarem juntos, os noivos não se tocam fisicamente ou dificilmenteacontece que se toquem. As companheiras é que atendem o noivo erespondem às suas solicitações: dar um copo de água ou outra coisa. Mais:praticamente não há diálogo verbal directo entre os noivos. Apenas secontemplam! Enfim, é preciso ser negro-africano tradicional para entenderum tal ambiente e a sua importância.

O noivo vai na véspera à casa da noiva com o seu acompanhante edormem lá até ao dia do lowolo e regressam no mesmo dia, depois dacerimónia, mas depois da delegação de adultos ter saído. Isto quer dizer queo noivo é o primeiro a chegar na sua sograria e é o último a sair de lá. Adelegação dos adultos não costuma pernoitar na casa da menina, a não serque a distância não permita voltar no mesmo dia; também o noivo nãocostuma passar duas noites seguidas na sograria, a não ser por razões dadistância, se a cerimónia terminar tarde.

Os noivos não participam directamente na cerimónia do lowolo elespermanecem na palhota a eles reservada, juntamente com os(as) seus(suas)acompanhantes. Logo que o noivo e o seu acompanhante chegam à sograriasão conduzidos para palhota e aí vai juntar-se a noiva com a suaacompanhante e dali não saem de qualquer maneira, a não ser para asatisfação de necessidades. Depois da entrega da quantia do lowolo,geralmente chama-se a menina para lhe informar que o lowolo já estáconsumado e, às vezes, é ela que recolhe o dinheiro, colocado num prato oumesmo numa esteira, numa pele de cabrito ou mesmo capulana, e entrega-oao pai ou a quem representa o pai. Este gesto e este momento significam oconsentimento. É um momento de seriedade, carregado de significado e deemoção em que lágrimas e dança se misturam. Depois, a menina regressa àpalhota onde está o noivo. Está feito o Lowolo. Fica-se à espera docasamento, cuja data da ocorrência pode ser indicada já durante a cerimóniado lowolo. Se é o caso, a delegação do noivo, logo depois da entrega do lowoloacordado, tira uma outra pequena quantia e diz: Estamos a pedir o casamentoou, por esta expressão: “Hi lava ku teka mati ya hina/Hi lava ku teka mati

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yathu”, literalmente, quer dizer: “queremos levar a nossa água” A quantia que setira para pedir o casamento não faz parte do lowolo. Dito isto, combinam-seas datas. Se o pedido do casamento não for feito no dia do lowolo, terá de serfeito num outro momento conforme a vontade da família do noivo e nessaaltura terá lugar uma pequena sessão de pedido de casamento. O desejo dafamília da noiva é de : quanto antes melhor, o ‘contrato’ está feito e é umaresponsabilidade e risco continuar com a menina em casa.

11 – Pheleketi

No sistema patrilinear, em que é a mulher que deixa a casa paternapara ir para a casa do marido, a noiva leva consigo duas meninas: uma dasua idade e outra mais novinha: 6, 7 10… anos de idade, para lhe ajudarema iniciar-se no novo ambiente familiar e nos trabalhos domésticos: ir buscarágua no poço, aquecê-la para o marido, para o sogro, ir procurar lenha,cozinhar, lavar roupa etc. Depois de uma semana, a mais crescida dasmenina volta para casa, ficando a mais nova com a recém-casada. É estamenina que se chama pheleketi. Costuma ser uma sobrinha da nova dona decasa. No fundo ela é uma companheira como a outra. A sua função é ajudara jovem casada nos trabalhos mais leves, pois, a recém chegada e casadaainda não conhece o novo ambiente e há razões de se sentir inibida parapedir ainda que uma pequena ajuda aos membros da casa, mesmo àscrianças: trazer água, sal ou um utensílio, quando estar a cozinhar, porexemplo. Em caso de extrema necessidade, a recém-casada pode mandar aesta menina para levar um recado urgente à casa. Quando a nova casadaachar, a menininha volta definitivamente para a casa. Como se vê, procura-se prevenir e suavizar a separação da recém-casada com a sua famíliapaterna e procura-se ajudá-la a inserir-se no novo ambiente. Deste modo,ela faz uma transição.

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O SIGNIFICADO DO LOWOLO

Qual é ou qual foi o significa inicial do lowolo? Seria útil einteressante saber a origem do lowolo, isto é, como é que ele nasceu. Dado ocaminho e história percorridos e vividos pelo lowolo, seria necessária uma

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aturada investigação, que nos levaria de umas culturas para outras e de unspovos para outros, que nós não imaginamos nem sonhamos nestemomento. Com efeito, o lowolo é uma instituição em África: existe e épraticado por muitos povos. Agora, onde e quando começou? É umapergunta difícil de responder, se é que tem resposta. Quanto ao significado,que é a nossa questão neste capítulo, é possível intuir a resposta, a partir dosprincípios e práticas que regem este fenómeno chamado lowolo. Ora vejamos:

12 – Um gesto de reconhecimento

O agradecer é um dos gestos característicos do ser humano. Ohomem que agradece os favores recebidos prova que ele é realmentehomem e digno deste nome, torna-se merecedor de mais e maiores favores.Agradecer é uma forma de retribuir um Dom gratuito, recebido de umoutro coração que se abre ao outro coração, numa atitude de osmose desentimentos, isto é, numa atitude de comunhão de sentimentos esolidariedade. Aí, os sentimentos são expressos, muitas vezes, de uma formaconcreta (gestos, objectos que pretendem traduzir esses sentimentos).Quanto melhor for percebido o dom pelo beneficiário mais intensa será aresposta perante esse dom. Quantas vezes não teremos dito ou ouvidodizer: “não sei como agradecer!” ou “não tenho palavras para agradecer”. É odesabafo de um coração tocado e esmagado pela generosidade de um outrocoração.

O lowolo deve ser também e sobretudo visto nesta linha: um gestode agradecimento que se torna material e visível. É o reconhecimento deum homem(o noivo) a uma mãe, a um pai e a uma família que geraram eeducaram uma mulher a quem tanto amam como um pedaço de si mesmos,mas, que desprendendo-se desse pedaço, heroicamente, o entregam a umhomem, por vezes até ali desconhecido e sem saber que sorte a esperamjunto desse homem! Sim, essa mãe e esse pai prepararam esta mulher(noiva)e entregam-na nas mãos de um homem(noivo) para ajudá-lo a construir asua vida. Esse homem. (noivo) vai, por sua vez, entregar o seu coração e asua vida nas mãos daquela que lhe foi dada. O que essa mulher vai fazer docoração e da vida do seu marido que este lhe entrega? Pode ela fazer dessecoração e dessa vida o que quiser!… Mas ela foi bem preparada para estimara vida do marido. Durante anos, com muito cuidado e carinho alguém foipreparando o coração dessa mulher para que, hoje, ela possa saber respeitar,estimar e amar o homem que o destino colou à sua frente como marido.

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Tão preparada como ela está, não vai atirar o coração e a vida deste homempara o chão, para a lama!… Quem a preparou assim? A mãe e o pai dela, ossogros do homem!! Como agradecê-los? “Não sei como agradecer”; “Não tenhopalavras para agradecer suficientemente o Dom que me fizeram!”. Dinheiro ou outrasbugigangas ? São insuficientes, porque o que eles fizeram não tem preço. Oque se lhes dá (lowolo)são lágrimas de um coração esmagado, triturado pelabondade e generosidade de uma mulher(mãe) e de um homem(pai) daesposa daquele homem(o marido)! O melhor lowolo que um marido pode daraos seus sogros é amar, também, a filha deles. Esse amor(do homem) vaisossegar os sogros, enquanto forem vivos e depois da morte!O Mutxholwani, casou-se e fez a mesma experiência de sentimentos eimitou aquele gesto(agradecer = lowolar); o Txitimelani também fez o mesmoe muitos outros imitaram o gesto… A repetição institucionaliza umaprática. Esta é a lei da vida e esta quer estabilidade para ser realmenteVIDA. É assim que um gesto repetido em idênticas circunstância, se tornahábito nessas circunstâncias e, por fim, se torna norma. O lowolo é um gestode reconhecimento que, repetido, em idênticas circunstâncias, seinstitucionalizou.

13 – É nó de segurança

Mas o ser humano é caracterizado pela fragilidade moral epsicológica. Facilmente se cansa, se corrompe e corrompe as coisas. Porisso, ele cria apoios, para o ajudar a manter-se erecto. Esta é outra faceta efunção do lowolo. Há uma base suficiente para afirmarmos que uma dasfinalidades e significados do lowolo é de ser um sinal e garantia dadurabilidade e estabilidade do casamento. Na verdade, em caso de divórcio,ainda que sejam dezenas de anos depois, em certos casos o lowolo deve serdevolvido. Se o lowolo não for devolvido, quando devia ser, a mulhercontinua juridicamente ligada à família do marido com quem se divorciou,não está livre para se casar com um outro homem. Por isso, na puratradição africana, se esta mulher tiver filhos com um outro homem, nestascondições, tais filhos pertencem ao primeiro marido, com quem sedivorciou e cujo lowolo não foi devolvido, quando devia. Por isso, era dointeresse das duas famílias que, no caso de divórcio, o lowolo fossedevolvido, para evitar situações como esta e outras mais. Para o ocidentalou ocidentalizado ou para quem é de sistema onde não se pratica o lowolo, oque estamos aqui dizendo pode parecer absurdo, ridículo, uma brincadeira

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de crianças, que se resolve numa sentada, mandando tudo para a fava…Mas asseguro-vos que não tão simples como isso. Um tribunal modernonão hesitaria em decidir a favor da mulher divorciada e do seu segundomarido, na questão do direito para se casarem e da propriedade dos filhos, éverdade, mas, em muitos casos, há “arranjos” entre as três famíliasimplicadas: a do segundo marido, da mulher e a do primeiro marido. Éporque o lowolo tem implicações antropológicas e implica com osantepassados e quando se entra nestes campos, todo o ‘Direito’ e todaprepotência acabam. O segundo homem tem que tirar os óculos, a gravata eos sapatos e ficar de cócoras para se explicar e desculpar, já longe dostribunais convencionais!…

Por outro lado, a devolução de lowolo era um pesadelo para todos,sobretudo para a família da mulher. Além de significar um fracasso e umadesonra para quem um dia se comprometeu com um homem e com umamulher, num projecto para toda a vida, para a família da mulher havia aindao problema de ter que reunir o dinheiro do lowolo, já gasto, por alguémtalvez já morto ou já muito velho e sem recursos; para uma mulher semirmão ou com estes incapazes economicamente. Por fim, ainda, havia oproblema das repercussões negativas, jurídicas e culturais, como acabamosde ver, resultantes do divórcio. Numa palavra, o divórcio e a possíveldevolução do lowolo mexiam com toda uma família alargada, que chegava aser um drama! Por isso, perante tudo isto, não era fácil, nem para a mulhernem para o próprio homem pensar facilmente no divórcio. Sim, mesmopara o homem não lhe era coisa simples e leve ver o seu dinheiro de lowolode volta e nas suas mãos, um homem com filhos e talvez netos, tidos comuma mulher que já não é sua esposa.

Talvez si diga, hoje, que isto cheira a escravatura: por causa delaços exteriores, ’jurídicos’ e culturais um homem ou uma mulher nãopodem decidir em defesa do seu bem-estar e felicidade, é uma opressão, etc.etc. ! Sim, liberdade! Mas o que é isso e até onde essa coisa vai? O que écerto, e cada um de nós já o experimentou centenas de vezes e vai aindaexperimentá-lo outras tantas vezes na sua vida, é que há momentos em queo ser humano necessita de qualquer coisa que o assegure para, logo eamanhã poder ser ele mesmo, reencontrando a felicidade de ontem,acrescida da felicidade de ter vencido uma crise, que ameaçou deitar tudopor terra. Não importa tanto o que me assegurou e impediu que o meucastelo desmoronasse. O mais importante é que esse castelo ainda está depé e fortalecido e posso continuar a sonhar em construí-lo!

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14 – Sinal de honra

Depois de duas ou três tentativas fracassadas de uma mesmamulher constituir um lar, a sua família perde a confiança e cai nainsegurança a seu respeito. Essa família duvida da capacidade de a talmulher aguentar com um lar. Face a esta incerteza, a família não aceita logoà primeira que ela seja lowolada. A mulher pode juntar-se com um homem eeste pode apresentar-se à família dela e esta aceitará mas em exigir nemaceitar compromisso algum, talvez mais tarde, quando a vida a isso obrigar,sobretudo se aparecerem filhos. Neste começo pode, quando muito, aceitar-se alguma coisa para a cerimónia de apresentação do genro aosantepassados. O mesmo acontece com uma mulher que tem um defeitograve e insuperável, por exemplo, desequilíbrio mental ou outra limitaçãoséria que afecta o seu comportamento. Isto significa que quando umafamília recusa o lowolo da sua filha deixa a outra família(do noivo) na dúvidae na insegurança e pensa-se: há qualquer coisa séria na menina. Assim, olowolo é, também, uma garantia dada pela família da menina ao rapaz e àfamília deste de que a mulher que ela cede é séria e pessoa de valor. Comoque a família dela aposta nela diante da família do rapaz. Nisto,encontramos e tocamos, também, o aspecto da aliança entre duas partes, quesão as duas famílias, em que há permuta de símbolos entre os contraentes: afamília da menina cede a esta à família do rapaz e a família deste entrega olowolo à família da menina.

15 – Para a apresentação aos antepassados

Em África e a respeito do casamento, quando se fala de aliança nãose refere só aos dois noivos, ele e ela, como acontece no mundo ocidental.A aliança é entre as duas famílias ou, como queiram, a aliança estende-se àsduas famílias. Mais ainda, por “famílias” entendem-se também os mortos,segundo a concepção africana de que estes fazem parte da família com osvivos. Há, portanto, cerimónias a realizar. Ora, não se aborda osantepassados de qualquer maneira e de mãos vazias, que seria sinal de máeducação. O primeiro interessado é o genro, sendo assim, deve ser ele aassumir as despesas do rito. O dinheiro que vai custear tais cerimónias étirado do lowolo. Deve-se dizer que se trata de uma pequena importância,mas que não pode faltar.

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16 – Base do direito de paternidade

Já vimos que o lowolo assegura ao homem os direitos depaternidade. Por isso, se um homem toma uma mulher e não tira o lowolo,por culpa própria(negligência, manha, etc.)ele perde o direito sobre os filhosque daí saírem. Estes serão registados pelo nome do avô ou de um dos tiosmaternos(pai social). É por isso que há lowolos atrasados. Se um homemtiver filhos com uma viúva e se o lowolo do primeiro e falecido marido nãotiver sido devolvido, o segundo marido deve fazer o lowolo da viúva. Estelowolo servirá para reembolsar à família do primeiro e falecido marido. Seisto não acontecer, o segundo marido perde os direitos, em favor doprimeiro marido, já falecido. Os filhos serão registados no nome dopadrasto falecido! Imaginemos que a mulher morre sem que o segundomarido tenha ainda “regularizado” a situação. O segundo marido continua anão ter direito aos filhos tidos com a falecida. Para ele assegurar essesdireitos da paternidade ele deve lowolar a falecida!

Esta medida é para punir atitudes abusivas que violamostensivamente as normas sociais, não se importando e humilhando os paise a própria mulher, pois, esta parece não ter família. Um homem assim nãoé reconhecido na sua sograria, perdendo também outros direitos de genronaquela família X. A mulher negro-africana que aceita viver numa situaçãoirregular, vive numa permanente insegurança. Na verdade, em muitosaspectos não pode contar com o apoio e protecção da sua família paternajunto do marido e da família deste e isto é muito grave para a mulher nestecontexto: ela fica exposta a maus tratos de todo o género. Além disso, elavive debaixo de um complexo de inferioridade e de uma dose deinfelicidade, como já vimos mais atrás.

O levirato não dá lugar para lowolo, pelo contrário, evita-o, pois, aviúva continua na família do falecido marido como esposa de um novomarido, o irmão do falecido.

17 – Lowolo: prova de cavalheirismo

O lowolo serve também de teste ao futuro marido. Exigir-lhe olowolo equivale perguntar ao jovem se será capaz de construir um lar e senele não se andará esfarrapado(os filhos, a mulher e ele mesmo) e se não semorrerá de fome e, finalmente, se no futuro será capaz ou não de socorreros seus sogros, se precisarem. Portanto, estas primeiras exigências são um

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teste ao jovem, prova ao coração do futuro genro, da sua seriedade e detoda a sua família. Aqui, se pode prever minimamente a trajectória do novolar que se quer formar. Isto é ainda mais significativo se o rapaz deve elemesmo arranjar o dinheiro para o lowolo: Terá que trabalhar duro e deverásaber economizar. Nesta linha de teste, antigamente era costume que, numadeterminada fase do processo, o rapaz fosse construir uma palhota nasograria. No entanto, note, que esta palhota era para ele, quando fossevisitar a futura sograria, antes e mesmo do casamento. Mas todas estasprovas, por difíceis que elas possam parecer, estão muito longe do muitoque se verifica hoje: Pais que procuram resolver os seus problemas à custados casamentos das suas filhas! Antigamente sabiam que o que exigiam nãoestava para além das possibilidades do rapaz. Queria-se ver se o rapaz eratrabalhador e habilidoso ou se era um cuco, preguiçoso e desajeitado.

18 - A finalidade do lowolo

Vencida a etapa do lowolo, a mulher negro-africana tradicional passapor uma outra ansiedade: Para quê e para quem servirá o lowolo recebidopela sua família paterna? É que o lowolo, no contexto xangano-xope, não épara qualquer um gastá-lo nem não importa como. Neste contexto o lowolode uma mulher serve para se ir buscar uma outra mulher para a sua casapaterna. Se isto acontecer, aquela mulher pode cantar o hino do sucesso ,como tendo triunfado na vida, pelo menos até aqui.

Mas se o pai ou os irmãos dela comerem frívola e ridiculamente olowolo, como se fosse produto de um vencimento ou negócio, a mulherficará frustrada e sentirá uma vergonha indizível da sua própria família portoda a sua vida. Sentir-se-á como se a família lhe tivesse apunhalado ebebido o seu sangue. Ela sentir-se-ia como tendo morrido para a casapaterna, porque, fisicamente de lá ela saiu e não foi substituída por umaoutra mulher, mediante a utilização do seu lowolo e, no entanto, este existiu,ela criou condições materiais para isso, com o seu lowolo! A sociedade estaráao lado desta mulher para ajudá-la a lamentar a sua infelicidade e condenaráimplacavelmente o pai ou os irmãos lambões, que foram sentar-se à beira darua ou na praça pública e aí, macaqueando, a comer o lowolo da filha ou dairmã e a beber o seu sangue! Naquele contexto, há uma expressão paraexprimir esta situação: “kupshwatsela lowolo ou timpondho/ kupshwatela lowoloou tipondo”. “Kupshwatsela” é comer o molho à mão, sem utilizar a colher.Isto para exprimir a deselegância do procedimento.

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19 – A atribuição do lowolo

Mas, de facto, quem pode gastar o lowolo de quem? No contextoxangano-xope, tradição bem observada, não é o pai nem qualquer familiarque pode apoderar-se de lowolo de uma menina X. Há regras de atribuição.Estas regras têm a ver com a aplicação que se pode fazer. Acabamos de verno número anterior, de que a melhor aplicação do lowolo de uma mulher A,que veio da família Y, é lowolar uma outra mulher A’ filha da família X paraa família Y que vai, de certa maneira substituir a mulher A. Os princípios daatribuição do lowolo partem deste outro princípio, segundo o qual, como sedisse, o lowolo de uma mulher é para se ir lowolar com ele uma outra mulher.Ora lowola-se uma mulher para um homem, evidentemente. Mas qualhomem? O pai, o tio da menina que foi lowolada , por exemplo? Já dissemosacima que não é o pai. O lowolo de uma menina pertence ao seu irmão maisnovo, para este ir lowolar uma mulher para si. Dizendo isto não está tudoclaro ainda! A menina lowolada pode ter dois, três ou mais irmãos maisnovos, como pode não ter nenhum irmão, nem mais novo, nem mais velho.Enfim, todas as situações possíveis e imagináveis acontecem. Os esquemasseguintes reproduzem algumas dessas situações observáveis.

Mas, antes importa explicar como ler e interpretar os sinais: A setasignifica o sentido do movimento: de onde para onde e, também, indica orapaz que beneficia do lowolo para se casar. A seta inteira: significa omovimento normal e mais provável de acontecer. A seta tracejada: significamovimento possível mas incerto. A seta voltada para cima significa saída dolowolo da família nuclear para outro beneficiário por exemplo enormalmente, um primo da menina lowolada. A seta que vem de fora,significa o caso inverso do anterior: outra proveniência do lowolo que não éa família nuclear do rapaz. A interrogação significa uma outrapossibilidade, que não é a primeira possível.

A DB C

Esquema 1

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Interpretação: Trata-se de uma intercalação perfeita de nascimentos. Nestecaso, não há dificuldades na atribuição do lowolo: O lowolo da menina Apertence ao rapaz B; o da menina C vai para o rapaz D.

Interpretação : Neste caso, a intercalação dos nascimentos é perfeita masinvertida. Neste caso, o rapaz A para poder casar-se, terá quatro hipótesespara arranjar o dinheiro do Lowolo: a) Trabalhar para ganhá-lo; b) O paiajuda o filho, oferecendo-lhe o dinheiro necessário; c) Tomar o lowolo deuma prima; d) Utilizar o lowolo da B, se esta casar primeiro que o rapaz A,irmão dela mais velho. O rapaz C está em posição de se tornar polígamo,devido à possibilidade que lhe dá a menina B, caso o lowolo destapermanecer na família e ser correctamente usado.

Interpretação: Aqui, embora os filhos formem pares, a sequência éimperfeita: Duas meninas se seguiram, sendo elas as primeiras e doisrapazes se seguiram, em último lugar. Assim, o lowolo da A pode ir para umprimo dela ou outro familiar que, necessita. Este, poderá, eventualmente,assumir o compromisso de vir a ajudar um dos rapazes E ou F, quandochegar o momento de se casarem; O lowolo da menina B vai para o rapaz C;

B CA D

? ?

Esquema 2

C EA B D F

? Esquema 3

CA B

?

CA B

?

Esquema 4c

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o da menina D vai para o rapaz E; fraca sorte é a do rapaz F. Duashipóteses terá ele: a) Trabalhar para arranjar ele mesmo o dinheiro paralowolar; b) Alguém ajudá-lo a conseguí-lo. A ajuda poderá vir, por exemplo,de quem utilizou o lowolo da menina A, mesmo se não é obriga do a restituir.O rapaz C pode ser polígamo, se o lowolo da menina A for utilizado porum outro.

Interpretação: a) O rapaz A, que é único, tem quatro hipóteses: Trabalharele mesmo para seguir o dinheiro; alguém ajudá-lo; ir buscar o lowolo de umaprima, se a tiver; utilizar o lowolo de uma das irmãs mais novas, se uma delasse casar primeiro. As duas últimas hipóteses são ténues. Poderá custar aarrancar, mas uma vez começar, o rapaz A pode vir a ter três mulheres: seele se casar antes das suas duas irmãs, o que é lógico, e se ele fizer questãode utilizar para si os lowolos das mesmas irmãs.

b) Este caso é pacífico. Apenas assinalar que o lowolo da menina C poderá irpara um primo, a não ser que o rapaz B tome uma segunda mulher, oacontece muitas vezes.c) Dos casos apresentados até aqui, este seria o caso mais desequilibrado.Os dois rapazes só tem três possibilidades: Conseguir o lowolo por esforçopessoal; beneficiar de lowolos de primas, ou uma ajuda de alguém. O rapaz Bpode ser polígamo, se se casar primeiro que a sua irmã, C e ele fizer questãode utilizar ele mesmo o lowolo da irmã.

CA B

?

?Esquema 4a

CBA

?

Esquema 4b

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20 – O lowolo gera movimento e vida

Mantendo-se o ideal de que o lowolo de uma mulher destina-se aolowolo de uma outra mulher, produz-se um movimento dentro de umasociedade e gera-se vida na mesma sociedade. Sendo assim, pode-seperguntar: qual é o fim de um lowolo que começa numa família X, onde vaiele terminar a sua trajectória? Se o princípio lembrado acima se mantiver,podemos imaginar um lowolo num eterno giratório. E esquema que se seguetenta ilustrar este eterno girar. A seta em tracejado indica o lowolo que sai deuma família para outra e a seta em linha inteira e em sentido contrário ao datracejada indica o sentido da deslocação da mulher:

Leitura: O movimento começa na família 1 que vai lowolar amulher A, da família 2, esta movimenta-se e passa definitivamente parafamília 1 e aqui aparece como A’. A família 2 pega no mesmo lowolo e vailowolar a mulher B, da família 3, esta mulher movimenta-se para a família 2,onde aparece como B’. Esta família recupera, numericamente o membroque perdera com a saída da mulher A. A família 3 pega no lowolo e vai buscara mulher C, da família 4 e vai para a família 3, onde aparece como C’.

Continuando o movimento,a família 4 vai para a família5 para lowolar a mulher D,que aparece na família 4como D’.A Família 5 poderá continuaro movimento indo paraqualquer outra família, oumesmo para uma das famíliasdeste grupo do esquema.Mas este movimento iniciadopela família 1 pode serinterrompido, por exemplopela família 5, por qualquerrazão, utilizando o lowolo, porexemplo, para outros fins enão para um outro lowolo.Portanto, a seta tracejada

significa a origem e o destino do lowolo. A seta preta e contínua indica omovimento da mulher lowolada.

FAMÍLIA 1

FAMÍLIA 3FAMÍLIA 4

FAMÍLIA 2FAMÍLIA 5

A

A’

B’

C’D’ BC

D

?

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21 – Um processo de regeneração

Num casamento tradicional (e não só) há movimento de umapessoa. No sistema patrilinear é a mulher que se movimenta: deixando a suacasa paterna, para ir para a família do seu marido. Ao nível dos grupos(famílias) há um que perde, numericamente e fica mesmo debilitado emforça humana. O lowolo, utilizado para lowolar uma outra mulher, permite aregeneração grupal, em número e espécie: Numa X família saiu uma mulher,lowolada e com este mesmo lowolo virá entrar uma outra mulher. Esta éoutra razão e vantagem do princípio segundo o qual o lowolo de umamulher só se considerará bem utilizado se trouxer uma outra mulher. Esteaspecto não é de minimizar ao pensarmos nas razões do lowolo nassociedades onde ele existe.

22 - Uma prática que gera uma rede de parentesco

Numa mesma família pode registar-se um vai e vem de lowolos,conforme o número de filhos e filhas. Por isso, uma família pode estarligada a tantas famílias quantos filhos e filhas tiver e gera-se um cruzamentomais ou menos complexo entre famílias. O importante é evitar aconsanguinidade. No contexto xangano-xope a consanguinidade detecta-se,em primeiro lugar, pelo apelido, pelos graus da familiaridade e pelasalianças matrimoniais entre clãs. Este último critério é tipicamente africano.Outros clãs e etnias são mais rigorosos neste aspecto, bastando ser domesmo apelido para impedir o casamento.

Entre os ocidentais ou ocidentalizados, ouve-se falar de “primopor afinidade, sobrinho por afinidade, etc. ” Aqui queremos referir-nosa este tipo de parentesco, quando falamos de “alianças matrimoniais”. Para oafricano a coisa é mais complexa e ampla: fala-se de “wuxaka latimpondho”. “Timpondho” é uma palavra que deriva do inglês “pound”, queé a libra esterlina. O uso desta palavra na sociedade xangano-xope leva-nospara a História de Moçambique: Até há uns 50 anos para trás o dinheiroinglês circulava normalmente entre nós, devido ao facto de queMoçambique está cercado de ex-colónias inglesas, hoje paísesindependentes. Esta circulação da moeda inglesa coincide com a mudançade se pagar o lowolo por meio de bois para se pagar com o dinheiro. E,ainda, nesse período da história , a maior parte dos moçambicanosconseguia o dinheiro através do trabalho nas colónias inglesas, sobretudo na

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África do Sul, onde eram pagos por aquele tipo de dinheiro. Visto isto,voltemos para a nossa expressão, deixada atrás: “wuxaka la timpondho”, elaquer dizer: o parentesco que vem da aliança matrimonial. Seguindo este tipo delinhagem, há “pais”, “mães”, “irmãos” , “avôs”, “esposas”, etc. com grausque, por vezes, impedem o casamento, como se fossem laçosconsanguíneos.

23 – Kukoxa timpondho

Kukoxa, é o processo de conversações durante a cerimónia delowolo. Como dissemos, as duas partes sem se saber quanto será o lowolo. Assondagens que se possam fazer, por exemplo, junto do pai da menina nãotêm muita importância. O número que cada delegação pode levar para asconversações apenas serve de orientação de cada delegação: tanto se podesubir como se pode descer, a pedido de qualquer uma das duas delegações.Coisa curiosa que é preciso notar, porque edificante: A família da meninapode baixar como também pode pedir para aumentar a quantia apresentadae a família do rapaz pode pedir para subir ou baixar. Feitas as saudaçõesentre as duas delegações. O líder da delegação da parte feminina, da noiva,dá sinal para o representante do grupo apresentar o lowolo, contando odinheiro ele mesmo(os familiares da nova não tocam no dinheiro senão nofim de tudo). Imaginemos que se tenham tirado 5.000, 00Mt. A delegaçãoda menina vai pedir mais, ora dramatizando a ‘insignificância’ daimportância apresentada, mas sem dizer quanto se deve aumentar, oraelogiando as qualidade física e morais da menina pretendida. A outradelegação procurará travar as “exigências” do outro grupo, entretanto, adelegação da menina irá cedendo e irá acrescentando e os outros irãodizendo ser ainda pouco. Assim, de 5.000, 00 pode-se ir até 5.200,00Mt ,5.500,00Mt ou coisa parecida. A conversação pode estender-se por váriashoras, porque há sempre interrupções para cada grupo se concertar. Estasinterrupções para concertação devem-se sobretudo ao facto de o lowolo nãoser fixado antecipadamente.

De salientar que esta sessão passa-se num ambiente sereno. Osmelhores instrumento é a sabedoria e a habilidade na argumentação, onervosismo é mal vindo neste ambiente. Os nervos só prejudicam. Aliás, épreciso notar, o que mais se procura em todo este processo é parentesco(xilo xikulu xa lisima hi wuxaka / txilo txa hombe ni txa lisima ngu wuxaka ).Que as duas famílias tenham um bom relacionamento e o jovem casal seja

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realmente feliz. Isto é, de facto, o supremo valor que se procura, antes eacima de tudo; tudo é secundário e passageiro. Quem não tiver esta visãotorna-se prejudicial neste processo. Por isso, os dois grupos se tratam porcompadres, com todo o respeita e cortesia. Verdadeiramente este é umambiente são e de respeitabilidade e seriedade.

24 – Lowolo por partes

Há casos em que o lowolo não é feito de uma só vez. Isto acontecequando a família do rapaz vai lá estando consciente de que o que leva épouco demais, mesmo antes de a outra parte solicitar aumentos. Neste caso,é a própria família do rapaz que toma a iniciativa dizer que não possui, porenquanto, o suficiente e que hão de voltar uma outra vez. Às vezes deve-seàs solicitações dos familiares da menina e que a família do rapaz acha queessas solicitações são justas mas que não tem mais dinheiro para satisfazê-las imediatamente. Embora não seja frequente, às vezes a segunda fase dolowolo acontece depois do casamento. O mais frequente é esta segunda fasedo lowolo acontecer antes do casamento, numa nova sessão que éconvocada.

25 – A matéria do lowolo

O que se pode utilizar como lowolo? Isto é, aquilo que a família dorapaz pode ir entregar como lowolo. Tudo pode servir de lowolo, tudo aquiloque é considerado um valor ou que pode servir de símbolo. No passadobastante recuado, antes da generalização da circulação e utilização dodinheiro para as transações, utilizaram-se bois: entregava-se um certonúmero de bois à família da menina como lowolo: 5, 6, 8, etc. cabeças. Istorepresentou aquela fase da evolução social em que a criação deste tipo deanimal estava já generalizada. Antes dos bois, utilizavam-se enxadas. Foi umoutro período, em que a utilização de instrumentos de ferro se generalizou:catana, machado, enxada. Esta tinha mais valor porque é mais usada naagricultura e, por sua vez, esta era a base da economia. Antes de se falar de“timpondho”(= libras) falou-se de “tihomu”. Deste modo, falava-se de“wuxaka la tihomu”, com o mesmo sentido de wuxaka la timpondho, isto é,o parentesco que deriva da aliança matrimonial. Por isso, duas concunhadasse chamam mutuamente Nwatihomu.

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26 – Quem fixa o valor do lowolo ?

Regra geral, não se fixa previamente o lowolo. Quando se entra napalhota para a cerimónia, não se sabe com quanto se sairá de lá, tudodependendo das “conversações” e da habilidade dos ‘negociadores'. Noentanto, o limite do lowolo não dependia só e só da vontade e dagenerosidade dos ‘negociadores’, em cada caso. Havia uma quantia-ponto-de-referência, em relação à qual não se podia ir muito além. Cabia àsociedade fixar essa quantia e o chefe ou rei velava pela observância doestabelecido no seu território. Se, em algum caso havia exorbitância, tal casoera objecto de censura e crítica generalizadas no meio da população e se acoisa fosse escandalosa, podia-se interpelar os implicados e não tardavamcânticos satíricos, isto é cânticos que denunciam e criticam umprocedimento reprovado pela sociedade. Desta maneira se lutava contra ainflação no lowolo, obra de gananciosos e gente sem escrúpulos. É que alémde deturpar o sentido genuíno do lowolo, põe em dificuldade os mais pobresda sociedade.

27 – Casos dignos de nota

Entretanto, nestes processos aparecem alguns casos louváveis,exemplos de sobriedade, equilíbrio e humanismo:

a) Como não se fixa previamente o quantitativo do lowolo, às vezesacontece tirarem muito dinheiro do que esperava a família damenina. Há casos em que a família da menina mandar diminuir,por achar demais a soma apresentada.

b) À vista das condições económicas da família do moço, a famíliada menina pode não pedir nenhum lowolo.

c) Há casos em que não há lowolo. Isto acontece, mais ou menosnos seguintes casos: Quando uma menina vive sob a tutela de alguém que não é

representante legal (órfã dos pais ou inacessíveis e semoutros familiares capazes de assumir todas asresponsabilidades subjacentes ao lowolo.

Quando não há ninguém que, por direito, possa ‘comer osbois’ (isto é o lowolo), então, pode não haver lowolo.

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28 - O impacto do lowolo na mulher negro-africana

Na nossa ignorância e no nosso simplismo ocidental e depois doque vimos até aqui, sobretudo tendo em conta as implicações “jurídicas” dolowolo, seríamos tentados a suprimir, pura e simplesmente o lowolo. Mas,entrando a fundo nesta cultura e mentalidade, que são vivas , hoje e aqui,descobriremos que não é tão simples como isso, não importa sob qualpretexto. Para além daquilo que vimos aqui e que vai em favor do lowolo,está a própria mulher negro-africana, educada nesta tradição. Uma mulherque saísse para o lar sem o lowolo e sem motivo plausível para tal, ficariatraumatizada. Sim, ela sentir-se-ia diminuída, desprezada e humilhada pelaprópria família, diante do marido e da família desta. Tal mulher levaria umaferida na alma até à morte!

Por isso, voltemos e olhemos para o esquema no artigo número 19desta nossa reflexão, para dizer que há uma relação muito especial entre amulher A, da família 2, que foi para a família 1 e a mulher B’, que da família3 foi para a família 2 tendo sido lowolada, pelo dinheiro que lowolou a A. Estasente-se felicíssima por ver a mulher B’ e considera a esta sua substituta nacasa paterna. Chamam-se, carinhosamente, de marido e mulher as duas,apesar de serem ambas mulheres. Nelas não há nada do nossohomossexualismo de hoje! A mulher A chama de esposa à B’ porque, ela, aA é irmã do marido da B’ e foi graças ao dinheiro do lowolo da A que a B’está casada. Quando a A diz que a B’ é sua mulher está a dizer que, graças amim o meu irmão foi buscar-te. A mulher B’ estima tanto a A : É a ela querecorre em primeiro lugar, quando está em dificuldade com o seu marido oucom a família do mesmo em geral. A mulher A é uma verdadeira advogadapara a mulher B’ na defesa dos interesses da cunhada, quando esta temrazão. A mulher A pode erguer-se vigorosamente contra o irmão, que é omarido da B’. Portanto, a melhor defesa de uma mulher casada, nasociedade patrilinear xangano-xope não está na sua família paterna nem nostribunais civis mas nas suas cunhadas, irmãs do marido. Este treme diantedas suas irmãs, se ele não tiver razão. Elas são superioras aos tribunais civis:estes não conhecem os pormenores da vida familiar e agem segundoprincípios gerais e teóricos e estão distante do dia-a-dia de uma famíliaconcreta. São também as grande defensoras dos sobrinhos, filhos do irmãodelas, como vimos atrás.

Certamente se poderá dizer que tal relacionamento de amizade nãodepende do lowolo, porque a amizade não se compra nem depende defactores externos e materiais. É verdade, a amizade é e deve ser gratuita,

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fruto do encontro de suas pessoas e, portanto, que é algo de misterioso. Éverdade tudo isto. Mas quando uma coisa é um dever, há aí um reforço à leie esta funciona como estímulo para eu fazer aquilo que eu devo. De resto, olowolo é alguma coisa de concreta que lembra às duas mulheres aquilo queelas partilham como destino comum: o de cada uma ter de deixar a casapaterna para ir para casa do marido, um novo ambiente que pode ser hostilque o ambiente da casa paterna, onde cada uma nasceu, cresceu e aí tinhaencontrado o eu caminho e modo de viver!

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O LOWOLO HOJE

Como se disse no início desta reflexão, o lowolo é o principal pomode discórdia, quando se fala do processo do casamento tradicional negro-africano. Ao lowolo chamam tantos nomes, nada elegantes. Quando se quersaber a razão da diminuição de casamentos quer religiosos como civis, olowolo ocupa o primeiro lugar entre as causas apontadas porque, diz-se, sãoexigidas grandes somas de dinheiro, prendas e outras coisas mais. Que dizerdestas acusações? A resposta é uma coisa a ser procurada todos e por cadaum, não tanto na reflexão que agora se segue mas em todas as direcções,por onde a questão passa e por cada pessoa que queira construir estasociedade, que quer ser justa, moderna e negro-africana. Esta reflexão éum desses esforços que devem ser feitos para encontrar a resposta dapergunta que aqui nos pomos. Antes de mais, necessitamos de darmo-nosconta do que se está passando com o lowolo, quais são os factos e actos queafectam esta instituição social. Se conseguíssemos fazer um diagnósticocorrecto, já teríamos iniciado o caminho que leva à solução do problema.

29 – A influência da economia do mercado sobre o lowolo

Pensamos que não deviam restar dúvidas a quem quer seja de quea economia do mercado é que dirige o agir do nosso mundo. Ele dita-nos assuas leis e nós vamos ao seu ritmo. No entanto, devia estar claro, como umdado certo, de que essa economia desestabiliza e corrompe as instituições epessoas. A mentalidade mercantilista é típica dos meios urbanos. Aurbanização favorece a difusão desta mentalidade. Hoje, vende-se tudo,

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mesmo a solidariedade que devemos uns aos outros é objecto de venda.Estamos, cada vez mais, perdendo o sentido da gratuidade e dasolidariedade. O que é mais grave é constatar que este espírito está maispresente nas novas gerações. Cada vez se está perdendo o sentido de ajudaro outro. Todo o gesto de bondade, que devia começar e acabar como gestode bondade, deve ser pago a quem o faz. Hoje, quando se solicita umaajuda, é preciso dizer: por favor, ajudar-me nisto, vou-te pagar… Às vezes sóisto não chega, é preciso especificar quanto vai pagar, antes de receber a‘ajuda’ que se pede. O cumprimento de um dever, por quem deve,necessita de ser pago por quem não devia pagar. Receamos que, qualquerdia, cada um tenha de pagar pela própria sombra, que a luz se encarrega deprojectar, sem que o dono peça! Quem tem as mãos sujas vai sujar tudoaquilo em que puser essas mãos, quem tem o espírito viciado, vai viciar avisão de todas as coisas, vendo e procurando encontrar nelas o que elas nãotêm ou não deviam ter. O lowolo não escapa a esta violência e a estaprofanação levadas a cabo pelo interesse de lucro, mesmo onde não sedevia esperar lucro, como é caso. Verdade ou falso? Nós vamos dizendoque é VERDADE, até que se nos prove o contrário!

30 – O comportamento dos jovens

Os jovens terão ou não uma parte da responsabilidade do mal deque eles são as primeiras vítimas? Hoje, há rapazes que desgraçam meninaspara, depois, deixá-las no lixo e à beira da estrada da vida e aqui ficam parasempre. Outros abusam meninas e, depois, se dão ao luxo de irem sozinhospara as casas de tais meninas para irem “resolver” ou “discutir” o assunto comos pais e, quantas vezes, para a coisa evaporar e terminar assim! Alguns,com alguma boa intenção, apresentam-se sozinhos ou com um outrocompanheiro da sua idade e estranho da sua própria familiar, para tratarem,do processo do ‘seu’ casamento. Para eles, o casar-se em pouco ou em nadadifere com o comprar uma camisa que, de repente alguém dá com ela numaloja: compra-se já, para se evitar o trabalho de voltar outra vez, só paracomprar a tal camisa interessante. Nem ha preocupação em experimentá-la:Se não servir, oferece-se a quem serve(= deitar fora)… Agindo estamaneira, os jovens se expõem a pais oportunistas e corrompidos. Seria bomos jovens não se deixarem embalar com a teoria da emancipação dos 21anos. Quando se trata de fundar um lar, todos nós somos pequenos, sejaque idade possamos ter.

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31 – O envolvimento dos pais

Também o comportamento dos pais, nos dias de hoje e na questãodos seus filhos, muitas vezes deixam muito a desejar. Ignorando a sãtradição ou não fazendo caso dela, os pais dos dois jovens ou as respectivasfamílias nucleares lançam-se sozinhos e com uma tal auto-suficiência para ocasamento dos seus filhos, a ponto de excluírem figuras da própria famíliaalargada de extrema importância, úteis tanto aos pais como aos própriosjovens. Tratam de lowolos e de casamentos como se tratasse de seemprestarem mutuamente um par de chinelos, em plena via pública! Assim,a armadilha do direito ocidental tem feito os seus estragos sem conta : o‘direito dos pais’. Ignorando de que ninguém é bom advogado para causaprópria. Ninguém é bom médico para si nem para os da sua casa. Mas,infelizmente, há pais que acreditam que sim! Mas, os pais e jovens queacreditam tanto na tal ‘independência’ conferida pelo ‘direito’, estejamcertos de que estão a cozinhar com a lenha do diabo e a comida que daí sairvai cheirar a fumo do inferno, com o sabor do estrume.

Com pais e filhos a comportarem-se desta maneira, na questão dolowolo não podemos esperar coisa boa: ao rapaz vão lhe pedir “olhos” para olowolo e se não tiver a coragem que arrancá-los, sem anestesia, não vai secasar; o compadre vai cortar friamente o “rabo” ao outro compadre:milhões e milhões, televisores, casas, carros e mais bugigangas, liquidaçãode facturas atrasadas etc. Eis as obras da gente que conhece os seus direitos.Quem lhes põe a mão?! Portanto, desde que o lowolo seja encarado com umamentalidade do mercado, com uma ocasião de ganhos económicos emateriais pelos pais da menina e desde que o processo de casamento,particularmente a fase do lowolo, é encarado como um assunto pessoal ou docasal, não se pode esperar outra coisa senão coisas indignas de seremcontadas à luz do dia nem diante de quem sabe o que é ser pessoa digna. .

31. 1 – Atitudes que complicam a situação

Nos casos em que se verificam exageros no lowolo, necessitamos deentrar a fundo, em cada caso concreto ou, pelo menos perguntar pelasrazões de fundo dos mesmos exageros, para vermos para que lado pende abalança e só assim podemos fazer um juízo justo. Antes desta verificaçãoqualquer juízo pode ser injusta e precipitada. Os exageros podem dever-se àtal ambição ou má compreensão acerca do lowolo, por parte dos pais ou detoda a família da menina, vítima da tal mentalidade comercial e lucrativa.

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31. 1. 1 – O comportamento do rapaz

Sim, para já, que coisa é essa de entrar na casa da menina comoquem entra na casa dos seus próprios pais, mesmo a título de namoro?Nesta frequência do rapaz à sua futura sograria alguma coisa ficahipotecada: vulgariza-se cedo demais diante deles e faz-se expiar nos seuspontos fracos. Certamente se dirá que o namoro é precisamente para esseconhecimento mútuo, não só entre os dois jovens que se pretendemmutuamente mas também os pais e demais familiares. Sim! mas nem 8 nem80!… É preciso perguntarmo-nos se os pais, hoje, não vêem mais genrosprematuros e não pretendentes(não namorados) das suas filhas. O namorode hoje, muitas vezes significa pôr a carroça à frente dos bois. Hoje chegou-se ao ponto de se discutir porque são proibidas as relações sexuais antes docasamento! Eis a revolução. Muitas vezes os pais não só ouvem estapergunta mas vêem os factos a consumarem-se. E qual é a reacção destespais a esta situação? Depende de cada caso… Outra pergunta: como é que orapaz lida com os seus futuros sogros? São uns camaradas ou são “osvelhos”, como chama aos seus próprios pais. Sabe-se que, hoje, predominaa auto-afirmação, não poucas vezes, a rebeldia e prepotência dos filhosdiante dos pais, a quem se promete dar uma “lição”. Pois, bem, não sei, sefazendo da sograria um lugar para matar o tempo, este rapaz vai conseguircomporta-se diferentemente diante daqueles que, oficialmente, são futurossogros mas que, na prática, já o são. Duvido muito que o rapaz consiga serdiferente, até porque seria uma hipocrisia… Está muito bem. Mas não setenha ilusões, esses pais, a partir do comportamento que vêem no ‘genro’,procuram adivinhar o futuro do lar e ficam com reticências. Podem nãobloquear o casamento, porque a filha deles o quer e também os mesmospais não querem tomar esse risco nem fazer a fraca figura de recusar ocasamento. Talvez lhes resta uma coisa: aproveitar o melhor possível dasituação que, segundo o prognóstico deles, não se espera muito dela… Omelhor momento para o tal aproveitamento da situação por parte dos paisda menina não é, precisamente, no lowolo? Eu acho que mais do que melhor, éexcelente ocasião. Então, vamos aproveitar o turista que passa e não voltamais: milhões, prendas, saldar dívidas antigas, festa grossa!… “Hi tafa na higile / hi nafa hi di diite (= mesmo que se venha a morrer é melhor aproveitarcomer)!

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31.1.2 – Ele e ela

Como é que o futuro genro se apresenta diante dos futuros sogros?Perguntamos nós. Vimos que o comportamento do jovem pretendentepode influir para as atitudes dos futuros sogros. A tal auto-afirmação podelevar o jovem a um exibicionismo, nada construtivo junto dos pais da suanamorada. Porventura o rapaz não se apresenta como para quem o dinheironão constitui problema? Não se apresenta como um dos melhores dasociedade? Nisto entra também a própria moça com as suas extravagânciasjuvenis: farras, noitadas e viagens de passeio que se sucedem, sobretudo nosfins de semanas, bugigangarias, desejadas ardentemente mas que já nãogosta logo que se viu na posse delas e tudo isto pago pelo bolso do‘principezinho’. Enfim, a família da moça fica enjoada com tantoesbanjamento! Entretanto, o rapazinho pode estar a endividar-se, paracustear a vaidade da sua ‘bonequinha’! Perante um tal poder económico(?)como é que os pais da moça não podem pedir uma esmolinha para dar umpouco de conforto à sua velhice? Francamente, para tais pais e para quemconhece a situação, o discurso da falta de meios, por parte do rapaz e dasua família, chega atrasado para ser ouvido e entendido, porque choca como que lhes foi ou lhes é dado observar no quotidiano. Poderão dizer: “Olha,para aquilo que é um dever para connosco , não há dinheiro, mas para queimar emfutilidades de alto risco e da meia-noite, sim!!” Asseguro-vos que, aqui, as posiçõespodem endurecer. Portanto, brincadeiras na sograria preparam um fracocaril. Os antigos lá viram bem a coisa de que, para um genro quanto maislonge da sograria, melhor e transformaram isto numa daquelas coisas quenós costumamos chamar de tabu: “A wukonwanini ka yila / wukwasana kayila”, que, literalmente significa : a sograria é sagrada, ou seja: a sograria nãoé lugar para brincar. Dito este que, com a nossa superficialidade,zombamos! Mas o que estamos vivendo não será a factura?

31.1.3 – O Parentesco, acima de tudo

A exorbitância nas exigências pode denunciar um fracorelacionamento e conhecimento mútuos entre as famílias dos noivos. Fracorelacionamento pode significar mau relacionamento ou um conhecimento eum relacionamento superficiais das duas famílias. Mas se for apenas umaquestão de superficialidade, o remédio pode não estar longe. Pior seria se elefosse mau. Na África negra tradicional entende-se o casamento comoestabelecimento de relações de parentesco: “Ku laviwa ni ku yakiwa awuxaka / ku lawa ni akiwa wuxaka. Isto não é relativizar os noivos, mas,

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precisamente, pretende-se construir uma base ampla e sólida que garanta aestabilidade da felicidade dos dois cônjuges. Por isso, desde do princípio, asfamílias procuram evitar tudo aquilo que hoje e amanhã possa ser motivo devergonha. Ora, ser ambicioso não é elegante, pelo contrário, a ambição éuma dessas coisas vergonhosas, não só aqui em África mas , do Norte aoSul; do Oriente ao Ocidente.

Estamos certos de que se houver preocupação em estabelecer ecultivar este parentesco e sobre ele se construírem lares, dificilmenteacontecerão aquelas coisas que marcam negativamente o nosso mundo dehoje. Por isso, na questão do lowolo, desde do princípio do processo, asatitudes dos intervenientes contam muito. É por isso que encontramoscasos de lowolo em que este, simplesmente, é omitido de comum acordo, porse ter chegado a comum acordo sincero para não ser observado. Analisou-se e viu-se que o rapaz e a sua família são pobres mas boas pessoas. E parase casar são mais importantes e necessárias boas pessoas do que ricas.Mais ainda: nestas situações de dispensa de lowolo no contexto tradicional,não é porque se tratava de ambientes religiosos, para não pensarmos de que,esses que dispensavam lowolo seriam influenciados, na sua visão do mundo eda vida, por religiões ou pelos sistemas de pensamento dos outros mares. Jánesses tempos recuados e que calam no silêncio da história, casos havia emque o lowolo era reduzido a um simples símbolo: Encontrei mulheres queforam lowoladas por um passarinho, apanhado e entregue vivo; por umaenxada, etc. !

Se o casamento for encarado fora da perspectiva de construção deverdadeiros laços de um relacionamento vital e sincero entre pessoassingulares e entre as famílias, as coisas nos sairão bem complicadas, bemcaras e amargas.

31.1.4 – Os casamentos mistos

Por casamentos mistos queremos referir-nos aos casamentos entrepessoas pertencentes a confissões religiosas ou sistemas sociais diferentes:um(a) católico(a) com um metodista; um(a) católico(a) com um muçulmano;um(a) católico(a) com um que não-crente etc. Houve tempo em que a IgrejaCatólica não aceitava este tipo de casamentos e, por isso, o noivo(a) que nãoera católico(a) devia tornar-se católico(a). Actualmente não é obrigatório.Mas fazendo assim, o que a Igreja Católica fez foi transferir aresponsabilidade para os indivíduos. Por isso, as pessoas devem pensar etomar a sério este tipo de casamentos e não se deixar ofuscar pelossentimentos nem pelo falso dramatismo da afectividade, que acompanham

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o namoro, sob pena de se ser inferior aos animais. O coração é volátil masestá a razão para domesticá-lo e não acreditar no fatalismo do amor. Quemse sente apaixonado deve recolher-se e, também, aconselhar-se para ver,não só as vantagens mas também os riscos de um casamento com este ouaquele tipo de pessoa. O namoro acaba e, talvez muito cedo do que seimagina e ficam a vida e as suas realidades cruas e nuas, que não secompadecem com a ingenuidade nem com os sonhos côr-de-rosa dajuventude! Esta coisa de crenças e sistemas culturais marca profundamentea pessoa e não se pense que seja fácil a pessoa trocá-la como quem troca umpar de chinelos, que nem é preciso inclinar para fazer a operação. Diz-seque quando a pessoa envelhece volta ao que era quando criança. Nósacreditamos nesta lei da natureza não só no aspecto físico mas, também noaspecto cultural e no aspecto de crenças. Um(a) jovem deve pensarseriamente sobre as vantagens e sobre os riscos de se casar com um homemou uma mulher de religião diferente da sua, de um sistema social deferentedo seu(patrilinear ou matrilinear); de uma cultura diferente da sua, pois, nãoé indiferente como é indiferente dizer 3 + 5 = 8 ou 5 + 3 = 8. Quem pensao contrário, a vida vai corrigi-lo; só que a vida é uma mestra dura, que nãose comove com as lágrimas de quem foi distraído, teimoso ou superficialnas opções fundamentais!…

Em relação ao lowolo, deste facto de casamentos mistos podemsurgirem dificuldades. É que estas e outras diferenças representam, também,diferentes sensibilidades e visões sobre o assunto. Com efeito, seriainteressante saber como é que a questão do lowolo é vista nesses pequenosmundos e que trabalho está sendo aí feito. O nível económico entre famílias eindivíduos é também um aspecto importante: Para um milionário dar dezmilhões não é preciso pensar durante um minuto. Mas para um pobre, 500.000, 00Mt, significam o fim do mundo!

Mas muitas vezes, dois jovens podem não se dar conta ou podemnão querer dar-se conta dos mundos que cada um representa e traz,mundos que podem ter coisas inconciliáveis, que ainda que se lhescozinhassem numa panela a pressão… Aí, o “pluralismo” e “tolerância”serão palavras vãs. Portanto, o desconhecimento mútuo das família, dosgrupos sociais e sistemas de pensamento, e a subestima das diferenças porparte dos implicados são fontes de todo o tipo de problemas no casamentoem geral e no aspecto do lowolo, em particular. Como evitá-los? Antes detudo pensar!

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31.1.5 – Será sempre verdade?

O argumento dos meios financeiros aprece quase sempre comorazão de muitos jovens não se casarem e de muitos casais não regularizarema sua situação matrimonial. Até há pouco tempo, pensava-se que oproblema da diminuição de casamentos era apenas um problema dasIgrejas, mas os números mostram que o problema é comum a todasinstituições relacionadas com este assunto, incluindo os registos civis. Aquestão do lowolo polariza a discussão de tal maneira que basta alguémevocar a questão dos meios, as pessoas pensam, automaticamente, nolowolo. Se bem que este automatismo se justifique, não faltarão casos em queele não corresponda à verdade. Não seremos justos e verdadeiros seignorarmos ou se esquecermos que, de facto, há outras razões que fazemcom que a “carroça” não ande. O lowolo é uma entre outras razões. Ora,vejamos:

a)medo do compromisso – Embora não possamos prová-lo aqui eagora com dados estatísticos, é um facto gritante que adiminuição de casamentos constitui o fenómeno nos nossosdias. Isto não só em África mas mesmo e cada vez mais noprimeiro mundo, mundo este onde não se fala do lowolo. Já sesabe onde. Quem quiser confirmar a nossa afirmação, entre naInternet e peça dados e verá. Porque disto? Uma nova ‘filosofia’de vida, com um conceito de liberdade pessoal, fortementemarcada por um individualismo exacerbado. As novas geraçõesnão estão para suportar dependências ou mesmointerdependências, constrangimentos e limitações. Daquiresultam consequências: A dificuldade, senão mesmoincapacidade de uma convivência, equilibrada, sólida eduradoira. Esta, é impensável por quem não está preparadopara suportar o ‘cheiro’ e a ‘respiração’ dos outros. Um maridoé um “outro” e uma mulher é uma “outra”, com quem se deveconviver e suportar. Quando não conseguem suportar-se, odivórcio é um desfecho certo. Ora, o divórcio além de ser umfracasso, é um processo que engaja nervos… Não será melhorevitar todos estes incómodos, por quem duvida de sucesso? Porque se comprometer naquilo de que se duvida? Portanto, naatitude das novas gerações há o medo do compromisso,porque não se têm o capital humano e psicológico necessáriopara aguentá-lo. Esta é uma realidade, agradável ou não, ela estáaí. Esta incapacidade de suportar está já a afectar os já casados.

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Hoje, vemos lares já há muito formados a desmoronar-se quenão há cintas que os assegure!

b) O espectáculo – O não casar-se ou o não regularizar a situaçãomatrimonial por falta de meios, em alguns casos, significa nãoter dinheiro para o banquete, para a festa. Falta saber apercentagem de casos que se devem a esta questão da festa. Maso número não é pequeno. É um obstáculo que muitos nãoconseguem transpor, ficando com o casamento por realizar.Que dizer disto? As igrejas vão martelando e devem continuar amartelar, para convencer o contrário às pessoas mas, a coisaestá difícil e os argumentos resumem-se num só: é uma“vergonha”. Vergonha de ser pobre? Perguntamos nós. Mas,então fique claro que isto é um fardo, que cada um se impõe a simesmo para carregar. Mas o mais grave é que o acento é postomais na festa do que na causa da festa que é o casar-se e isto apartir dos próprios noivos, daí a gravidade da coisa. Parece queos noivos e as próprias família estão mais preocupados emimpressionar, luta-se mais pelo estrondo da festa. Dandoimpressão que o significado e o valor do casamento está noespectáculo: quanto mais brilho e barulho, se dirá que: tudocorreu bem; que Y e X casaram-se bem (?!). Mas, quantas vezes oestrondo da festa não é seguido por um outro estrondo… dodivórcio, daqueles que há 15 dias se casaram ‘bem’ e tudo correu‘bem’!… De facto, se o importante era a festa e esta aconteceu,daquela maneira, o divórcio pode vir à vontade, talvez para darlugar a uma outra festança. No meio de tudo isto, nós é que nãodevemos ser precipitados nas nossas intuições, atribuindo logoa culpa ao lowolo quando alguém nos fala de meios para ocasamentos. É bom perguntarmos ao dito cujo: meios para quê?Porque, como vemos, às vezes quer-se dinheiro para estoirar.Não seria melhor fazer a festa quando o casal completar 25anos para ver se até aí não aconteceu o divórcio?

32 – O papel decisivo dos pais

A solução do problema à volta do lowolo passa, também pelasensibilização dos pais e das famílias em geral. Se dizemos famílias (noplural) não é por engano. É que a família do rapaz pode ter manias de

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grandeza e querer exibir a sua riqueza diante da outra família: lowolos gordos,festas tais que até aos cães não é permitido comer ossos naqueles dias! Destamaneira desperta o apetite do dinheiro adormecido, não só ou não tantonos seus próprios compadres da família X, cuja filha é tomada, mas dasociedade em geral, ao criarem uma mentalidade de que com o lowolo sepode fazer dinheiro, onde a família da menina sai ‘beneficiada’. Isto faz-noslembrar em alguém a quem os antepassados pedem para matar uma galinhapara uma pequena cerimónia da família nuclear e ele vai matar um boi econvida até a quem passa pelo caminho!…Começos deste tipo têmprenunciado fracassos e desgraças.

Papel decisivo têm os pais da menina. Estes têm o poder de dar orumo e ritmo aos acontecimentos à volta do Casamento da sua filha. Porisso, eles precisam muito de um bom senso e equilíbrio. Eles e toda afamília do rapaz devem preocupar-se mais e sobretudo pela criação deverdadeiros laços familiares, como faziam aqueles que nos precederam,antepassados. Tanta festa e tanto dinheiro para aqui e para ali, não é distoque depende a criação de um lar sólido e feliz dos seus filhos, mas, pelocontrário, podem-se criar precedentes negativos:

a) Em relação à própria filha – Revelando um espirito deganância, oportunista e comercial, há casos em que o rapaz atépode pagar tudo, mas perguntem-se a si mesmos se isso nãoserá motivo de vergonha para a própria filha. É muitoimportante que os pais da menina não olhem só para odesgraçado do rapaz, ‘vítima’ do seu desejo, da sua paixão e, porisso tem que dar tudo por tudo, mas devem ter em conta asensibilidade da sua própria filha, que podem estar a manietá-la.

b) ambiente que se pode gerar – O rapaz ou a sua famíliapodem esfolar-se para satisfazer as exigências insuportáveis.Graças a esse esforço, desumano, podem até conseguir cumprircom tais exigências, mas o que fica nas relações entre duasfamílias? Hão-de se ver como, realmente, famílias unidas e afavor daqueles dois jovens? Os antigos se preocupavam muitopor este aspecto, porque é vital para o futuro das relações.Faziam-se exigências mas dentro de um equilíbrio, espírito decompreensão e estima mútua. Numa palavra: os antigos exigiammas não perdiam a dignidade de pais e adultos por causa dodinheiro ou coisas.

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c) Pensar no futuro do lar – Imaginemos que o rapaz se despojee, até, se endivide até conseguir responder às pesadasexigências. Imaginemos que os pais da menina vão visitar onovo lar e lá não encontrem uma esteira, não encontrem umcobertor para se cobrir, nem uma colher, nem uma cadeira,porque o casal é muito pobre, porque o rapaz engajou todas assuas economias no casamento. Como se sentirão esses pais?

d) lowolo não se tira de uma só vez – Imaginemos um noivoque cumprisse com todas as exigências possíveis e imagináveise, depois, não tivesse com os seus sogros qualquer outro gestode liberalidade e generosidade. O lowolo recebido seria muitopouco porque o valor de hoje amanhã é um ridicularia. Por issonos rimos quando ouvimos dizer que alguém foi lowolada poruma enxada ou por um boi, pois, na altura em que foi feito olowolo, um boi tinha valor mas, hoje… Uma pessoa não tempreço. Depois de todos os lowolos pagos por uns e recebidos poroutros fique-se com a certeza de que tudo isso não é preço deuma pessoa. Os antigos têm um ditado: Wansati ava heti kulowola/ wansikati kha va heti kulowola, que quer dizer: não se acaba dese lowolar uma mulher. Porque o genro sempre terá deveres desolidariedade e de generosidade para com os seus sogros, comofilho da casa que é e deve ser, isto para o genro; aos sogros, oditado quer dizer: se quererem tudo hoje estarão a pedir pouco,pois, amanhã hão de necessitar mais e não sabem, porenquanto, o que vão necessitar!

33 – Acabar com o lowolo?

Perante a polémica à volta desta coisa que se chama lowolo, a reacçãoimediata e que parece ser a mais lógica e que, aparentemente, resolveria omal pela raiz seria de acabar com o lowolo.

a) Por uma afirmativa – Se dissermos que sim, acabe-se, tenha-se em conta tudo quanto vimos como significado e função dolowolo, para ver se se suprimir o que se ganharia. Por outraspalavras, o que se ia pôr no lugar do lowolo. Que mesquinheznão haverá à volta da dote, nas sociedades onde existe estaprática, como por exemplo, no Ocidente? Não deixa de ser um

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pesadelo para os pais da menina, ao ter que fazer um arrombona sua economia ou na sua propriedade. Dir-se-á: mas isso é embenefício do novo lar! Certamente. Mas há quem tira e há quemrecebe e isto nem sempre se passa pacificamente: Para uns podeser pouco e para outros pode ser muito demais… Onde háganhos e perdas o coração de carne geme, mesmo que emsilêncio!

b) Não é possível! – Não é só porque não convém suprimir olowolo. Não é a nossa boca que diz que não é possível, mas sim aHistória é quem o diz. O lowolo é uma instituição que estáresistindo a um combate secular em todo o Continente africanoe contra forças poderosas, que se sucedem. Cada uma dessasforças sonhou e jurou eliminar esta instituição, utilizandodiversas tácticas de combate. O ‘melhor’ resultado que seconseguiu até hoje foi desorganizar esta instituição e o fruto datal desorganização foi tornar selvagem o lowolo. Selvagem na suaactuação nos dias de hoje. É que, fugindo ao combate, osistema ou a instituição remeteu-se à clandestinidade e age nosilêncio. Ora, agir no silêncio e clandestinamente age-se semregras e isto faz mal. Muitos dos males que afectam o lowolo sãoo resultado deste agir na clandestinidade, onde escapa davigilância. Numa situação de clandestinidade, um agente ouforça sofre desvios e não há quem ou não há possibilidade decorrigi-lo. Desorganiza-se mas continua a actuar,defeituosamente. Os erros são justificados pelo princípio deexcepção e de emergência. Sabe-se que não é assim, mas tolera-se porque a situação não permite observara a regra mas, pelocontrário, às vezes, é aconselhável desviar-se. Isto acontece como lowolo.

CONCLUSÃO

Chegados a este ponto da nossa reflexão, podemos tentar algumasconclusões. A primeira conclusão é que o lowolo é uma instituição. Asinstituições são expressões e concretizações da cultura de um povo que asconcebe e as faz existir. Daí que se o lowolo é uma instituição ele é um

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fenómeno cultural. A cultura é algo de muito particular num grupo humano,sendo assim, uma crítica que queira ser honesta desapaixonada e construtivasó é possível a partir de dentro, isto é, com o conhecimento de causa.Doutra maneira, seria pretender substituir uma prática cultural por umaoutra, que se julga melhor(?). O lowolo é expressão de um tipo de sociedade,que se organiza e cria princípios e sistemas para o seu funcionamento, para orelacionamento dos seus membros. Uma sociedade cria tudo isto a partir dasua experiência quotidiana, como reposta a esta experiência, no tempo elugar concretos. Se Uma sociedade possui ‘princípios’ com que se orienta naprática, isso significa que aquilo que são suas instituições não funcionam aoacaso, nada é arbitrário, como somos tentados a concluir, muitas vezes, aoapreciar aquilo que não é nosso.

Na discussão sobre o lowolo, temos de estar prevenidos de que aquestão de fundo é a cultura e com a cultura está em questão a concepçãoda família e do próprio casamento. Se este é um contrato entre doisindivíduos, que se unem como dois elementos isolados do mundo que osrodeia, então, o lowolo não tem sentido nem justificação alguma. Mas, aí,estaríamos num terreno árido, que ameaça secar tudo o que aí tentagerminar: Assim, se os cônjuges nada devem a ninguém, acabarão devendonada um ao outro e cada um pode ir para o seu lado, num dia em que cadaum quiser. Pois, os gestos de gratuidade e de gratidão ter-se-ão extinguido esem estes a vida a dois não será mais possível. Para o negro-africano, ocasamento é uma aliança entre duas famílias. Dizer famílias é dizer realidadesvivas e complexas. Aliança de famílias expressa pela união de duas pessoasconcretas; uma união que é solidariedade de duas necessidades. Aí, os taisgestos de gratuidade e de gratidão florescem e se multiplicam à medida docoração, não só entre aqueles que fizeram das suas vidas uma só (osesposos) mas também para os demais. Assim, a generosidade com que osdois se alimentam mutuamente será como um rio que, correndo, fertiliza aterra por onde passa.

De facto, o casamento é união de indivíduos dentro de uma sociedade,sociedade esta que começa na família nuclear e passa pela família alargada.Isto significa que tais indivíduos se não podem passar um sem o outro, osdois juntos não podem passar sem a sociedade que os envolve. Dentrodeste enquadramento maior, que é a sociedade, os gestos atrás referidosdevem repetir-se em ponto maior e circular, como seiva vital, entre o casal ea sociedade. Um casal que se fecha egoisticamente, em relação à sociedade eà família, que é a família alargada, seria como a gema de ovo quepretendesse subsistir fora da clara, tal gema não se aguentaria uma horaviva. Na África negra tradicional o lowolo nunca foi um dogma aplicado e

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observado cegamente. Por isso, hoje mesmo permanece um objecto deopção, em cada caso. Agora, seja qual for essa opção, em cada caso, eladeve ser uma expressão de convicção e deve estar baseada numa visão positivada vida. Uma opção favorável ao lowolo, em cada caso, deve assentar numaapreciação positiva do sentido e valor. Se opto pelo lowolo deve ser por terdescoberto e entendido o seu significado e por ter ficado encantado poresse significado.

Um Não deve ser sincero, baseado em razões positivas e não deveser uma estratégia: mudar apenas o rótulo, falando em ‘prendas’ de carros ,casas, televisores e mais milhões e milhões, em vez de falar de lowolo! Nãosejamos sugestionáveis: Que diríamos de uma pessoa que fosse confundidacom um assassínio e essa pessoa, se levantasse e começasse, de facto, amassacrar gente? Seria bonito, não é?! Se alguém não entendeu bem osignificado do lowolo, e o confundiu com um negócio, não devemosconfirmar isso, fazendo-o de facto, negócio! A recusa do lowolo não deve serfruto de ignorância, pintada com as cores de uma falsa civilização, uma tal'civilização' seria como chuva que não penetrou a terra: tarde ou cedo asobras dirão. É mais honroso ser-se sincero e honesto: Que o azul sejabonito como azul; que o vermelho seja feio como vermelho. Nada de dizeramarelo, enquanto se quer dizer verde! Um Não ao lowolo não deve ser fruto dapropaganda de quem nunca entendeu nem entenderá, talvez nunca quisnem quer entender a cultura negro-africana. Não deve ser a xenofobia queme leva a negar-me a mim mesmo. Uma tal atitude seria como se meencontrasse com um xenófobo, que pretendesse matar-me, e eu próprio meliquidasse diante dele. Com tal atitude seria facilitar-lhe o trabalho e fazermeu o crime dele!

Quando ouvimos uma crítica qualquer, devíamos parar eperguntarmo-nos donde e de quem vem essa crítica. A sábia e mamãEuropa tem muitas coisas para nos ensinar. Mas não nos esqueçamos queela alienou a sua cultura tradicional(talvez com uma certa ingenuidade efanatismo na altura em que se civilizou e se cristianizou!). Cultura essa queparece estar a fazer-lhe falta agora. Agora, não queimemos a nossa casa sóporque a do vizinho ardeu. Na nossa corrida para a civilização, cuidemos defazer aquilo que os franceses chamam de "despejar a água suja da baciajuntamente com a criança". Isto é, fazer as coisas sem o sentido crítico,procurando ver e preservar o bem que existe no meio do mal. O Ocidentedeitou fora, distraída e ingenuamente, muita da sua 'roupa' e agora anda nú.Que o noivo moçambicano de hoje se situe culturalmente e seja capaz degestos de generosidade e delicadeza africanas, como o jovem de ontem, emrelação à família que lhe esculpiu uma mulher que lhe encanta. Que seja

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capaz de gestos sinceros de reconhecimento, como expressão de umcoração agradecido. Então, poderão sair carros, as dívidas de hoje e deamanhã poderão ser liquidadas, as casas de alvenaria poderão ser erguidas,mesmo 10, 25… anos depois do casamento, mas não arrancados à sanguefrio como condição para se ser genro da casa da sua noiva.

O dever das Igrejas e demais instituições sociais é de acompanhar estaoutra instituição, que se chama lowolo, tão enraizada na cultura dos Povosnegro-africanos. As Igrejas devem evangelizar esta instituição e evangelizarnão é violentar nem ridicularizar, deve-se-lhe ensinar a fazer diferentementeaquilo que necessita de ser melhorado. Assim, o lowolo poderá continuar adar à família aquilo que ele tem de válido. Deste modo a família seráenriquecida e revigorada, ela que anda tão abalada e despida dos autênticosvalores da humanidade, unidade e estabilidade. Assim ela será aquelafamília que um dia Deus pensou e formou. O lowolo, bem orientado, podedar alguma contribuição para esta restauração tão desejada, num momentoem que os seus membros andam desarticulados como pedaços de um navionaufragado e desfeito no alto mar. Talvez não veríamos mais velhos, pais esogros de milionários abandonados à sua sorte!

Phakama!