O LUGAR DAS LÍNGUAS MODERNAS E SEUS … · Ganhando contornos de língua instrumental, uma vez que...

12
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5014 O LUGAR DAS LÍNGUAS MODERNAS E SEUS PROFESSORES NO COLÉGIO PEDRO II: FRANCÊS, INGLÊS, ALEMÃO, ITALIANO E ESPANHOL 1 Renata dos Santos Soares 2 Flávia dos Santos Soares 3 Introdução Esse trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla que tem como objetivo estudar a construção da identidade profissional do professor do ensino secundário no Brasil, com um recorte institucional. A pesquisa toma como objeto de estudo o Colégio Pedro II, estabelecimento carioca de importância central no processo de institucionalização desse nível de ensino no Brasil. Fundado em 1837 como parte de um projeto de modernização e desenvolvimento da sociedade brasileira alavancado no período imperial e direcionado a formação das elites dirigentes do País, o Colégio refletiu em sua estrutura curricular, na organização e oferecimento das matérias bem como na composição do seu corpo docente os valores pensados como impulsionadores da modernidade. No caso das línguas modernas, ou “línguas vivas”, em oposição às línguas clássicas ou “mortas”, o latim e o grego, o estabelecimento no programas de ensino do Colégio representou o vínculo com os países desenvolvidos, a civilização clássica, as nações com produção artística, científica ou tecnológica que serviram de exemplo para a jovem nação brasileira. Como aponta Guimarães (2012) a institucionalização das línguas vivas no Brasil no século XIX surge ainda da necessidade de preparação do alunado para o ingresso em cursos superiores nos quais, em alguns casos, atuavam professores que usavam compêndios escritos em língua estrangeira, principalmente o francês. Outras demandas também impulsionaram a inserção das línguas no Colégio. No caso da língua inglesa, a crescente demanda que surgiu 1 Este texto é fruto das atividades do Grupo de Pesquisa História da Profissão Docente da PUC Rio liderado pela professora Ana Waleska Mendonça. 2 Doutora em Educação (PUCRio), Professora da Faculdade São Judas Tadeu. E-Mail: <[email protected]>. 3 Doutora em Educação (PUCRio), Professora da Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, E- Mail: <[email protected]>.

Transcript of O LUGAR DAS LÍNGUAS MODERNAS E SEUS … · Ganhando contornos de língua instrumental, uma vez que...

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5014

O LUGAR DAS LÍNGUAS MODERNAS E SEUS PROFESSORES NO COLÉGIO PEDRO II: FRANCÊS, INGLÊS, ALEMÃO, ITALIANO E ESPANHOL1

Renata dos Santos Soares2

Flávia dos Santos Soares3

Introdução

Esse trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla que tem como objetivo estudar a

construção da identidade profissional do professor do ensino secundário no Brasil, com um

recorte institucional. A pesquisa toma como objeto de estudo o Colégio Pedro II,

estabelecimento carioca de importância central no processo de institucionalização desse nível

de ensino no Brasil.

Fundado em 1837 como parte de um projeto de modernização e desenvolvimento da

sociedade brasileira alavancado no período imperial e direcionado a formação das elites

dirigentes do País, o Colégio refletiu em sua estrutura curricular, na organização e

oferecimento das matérias bem como na composição do seu corpo docente os valores

pensados como impulsionadores da modernidade.

No caso das línguas modernas, ou “línguas vivas”, em oposição às línguas clássicas ou

“mortas”, o latim e o grego, o estabelecimento no programas de ensino do Colégio

representou o vínculo com os países desenvolvidos, a civilização clássica, as nações com

produção artística, científica ou tecnológica que serviram de exemplo para a jovem nação

brasileira.

Como aponta Guimarães (2012) a institucionalização das línguas vivas no Brasil no

século XIX surge ainda da necessidade de preparação do alunado para o ingresso em cursos

superiores nos quais, em alguns casos, atuavam professores que usavam compêndios escritos

em língua estrangeira, principalmente o francês. Outras demandas também impulsionaram a

inserção das línguas no Colégio. No caso da língua inglesa, a crescente demanda que surgiu

1 Este texto é fruto das atividades do Grupo de Pesquisa História da Profissão Docente da PUC – Rio liderado pela professora Ana Waleska Mendonça.

2 Doutora em Educação (PUC–Rio), Professora da Faculdade São Judas Tadeu. E-Mail: <[email protected]>.

3 Doutora em Educação (PUC–Rio), Professora da Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, E-Mail: <[email protected]>.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5015

desde o início do século XIX com o comércio estrangeiro e o estabelecimento de tratados

visando à regulamentação das relações comerciais entre Brasil e outros países, ocasionou um

domínio inglês no mercado brasileiro, impondo assim a necessidade do conhecimento da

língua.

Nesse sentido, pode-se observar na fixação do inglês, francês, italiano e alemão um

movimento que representa tanto a consolidação do ensino dessas línguas estrangeiras

inauguradas no ensino secundário por iniciativa do Colégio Pedro II, quanto a especificidades

que levaram a construção de seus campos disciplinares próprios, além do papel exercido por

esses conhecimentos no erguimento do projeto de formação nacional.

Neste texto, tem-se como objetivo entender a importância do estudo das línguas

modernas no Colégio, o processo de implantação e construção desses campos disciplinares; a

posição das línguas modernas em relação às línguas “mortas”, bem como identificar e

reconhecer a atuação dos professores que inicialmente ficaram responsáveis pelo ensino

dessas línguas e que se destacaram na docência dessas matérias.

Sobre o ensino da língua francesa

Símbolo máximo da cultura e da civilização mundial, a França inspirou a construção de

um Brasil moderno. Influência para a organização urbana, para a moda, para as artes, para a

literatura e para a própria administração pública, a cultura francesa passou a funcionar como

paradigma de modernidade e prosperidade no século XIX.

A própria criação do Colégio Pedro II inspirou-se nos liceus franceses, com seus

currículos humanísticos e valorização das culturas clássicas. A influência dos movimentos

educacionais franceses continuou nas décadas seguintes e guiaram as reformas educacionais

brasileiras que atingiram o ensino secundário, notadamente as empreendidas por Couto

Ferraz em 1854 e Ildefonso de Souza Ramos em 1862.

Ganhando contornos de língua instrumental, uma vez que o seu conhecimento e

fluência garantiam a possibilidade do diálogo com a cultura moderna, da convivência na alta

sociedade com suas soirée frequentados por mademoiselles e messieurs, do contato com os

conhecimentos estruturantes da sociedade do século XIX produzidos por romancistas,

filósofos, músicos, e intelectuais de toda sorte, o francês passou a compor um dos pontos

centrais dos conhecimentos desejáveis para a formação da sociedade ilustrada. O uso de

obras em língua estrangeira fez com que o ensino das línguas vivas fosse um ponto

importante do programa de ensino a fim de dar acesso aos conteúdos a serem estudados.

Pode-se entender assim que:

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5016

Foi por meio das traduções francesas, por exemplo, que os brasileiros do século XIX leram autores clássicos da literatura mundial, como Goethe, Byron, Schiller, absorvendo tanto as interpretações feitas quanto as lacunas deixadas. Tal mediação trouxe, como consequência, a paulatina substituição do estudo das culturas e línguas clássicas pelo estudo do francês, língua considerada “universal” no início do século XIX, em que a França atingiria seu apogeu de prestígio e de função civilizador (PIETRARÓIA, 2008, p.8).

Nesse sentido, alinhado com o papel de formador das elites nacionais, o Colégio Pedro

II desde sua criação garantiu o ensino obrigatório da língua francesa por meio da organização

de seu primeiro mapa de aulas constante no Regulamento n. 8 de 1838.

Figura 1 – Mapa de Aulas do Colégio Pedro II (COLEÇÃO, 1838)

Mais tarde no Regulamento n. 62 de 1841, o francês passou a figurar em todos os anos

de ensino do Colégio ampliando seu espaço dentre as matérias de ensino estudadas, ainda

que continuasse a ter menos horas do que o latim.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5017

O ensino da língua francesa no Colégio seguia a metodologia conhecida como,

gramática-tradução comum no ensino do latim e do grego, que consistia na memorização de

vocábulos em exercícios de tradução e versão da língua estrangeira para a língua materna.

Essa metodologia garantia o ensino do francês e das demais línguas modernas, por meio de

obras de renome dos mais diversos campos disciplinares e exigia dos seus professores, além

do conhecimento da língua estrangeira e da língua portuguesa, uma cultura intelectual que

permitisse o trânsito pelas obras literárias que serviam de material didático.

Nesse sentido, a produção literária e didática francesa circulou amplamente pelo

Colégio e influenciou a organização e direção de campos disciplinares como a Matemática e

as Ciências. Em trabalho sobre o tema Lorenz (2003) ressalta que:

[...] a influência francesa se fazia sentir de forma marcante, uma vez que, principalmente os estudos propostos para o ensino de ciências e matemática eram calcados em livros didáticos franceses. A partir de 1856, o Colégio Pedro II citava em seus programas de ensino livros de ciência e matemática escritos predominantemente por autores franceses, e organizados de acordo com o Plan d'Etudes et Programmes d'Enseignement des Lycées Impériaux de 1852. Uma análise dos programas de ensino adotados no Colégio entre 1838 e 1898, revela que foram citados trinta e dois livros de ciências, sendo que vinte e sete deles escritos por autores franceses. Nos mesmos programas, também foram indicados trinta e dois livros de matemática, sendo que oito obras foram escritas por autores franceses, a maioria delas entre os anos de 1890 e 1900. Embora quase todos os livros restantes fossem elaborados por autores brasileiros, alguns deles eram compêndios que incluíram conteúdos extraídos de obras francesas. Os livros didáticos franceses influenciaram na seleção e na organização dos conteúdos de ciências e matemática no Colégio. Muitas vezes, os conteúdos ensinados e a metodologia adotada, eram os mesmos apresentados nos livros didáticos, de forma explícita ou implícita. A utilização dos livros didáticos franceses garantiu que o programa do Colégio Pedro II fosse, até certo ponto, equivalente aos programas de ciências e matemáticas das melhores instituições secundárias na França (p. 6-7).

O papel da língua francesa como componente estruturante e como matéria de ensino do

Colégio Pedro II leva-nos a pensar nos primeiros professores responsáveis efetivamente ou

interinamente pelas cadeiras de francês. Importa realizar, além do resgate biográfico, uma

análise do papel intelectual e/ou científico desses professores dentro ou fora do ensino da

língua francesa4.

Sobre o ensino da língua inglesa, alemã e italiana

Sem negar o papel hegemônico da língua francesa na formação da elite brasileira no

século XIX, Arriadas e Stander Farias (2008) ressaltam que o inglês, entretanto, não assumiu

4 Esta etapa da pesquisa ainda está em andamento junto às atividades do grupo de pesquisa.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5018

um papel secundário e, da mesma forma “as marcas e pertinências do idioma anglo-saxão

sempre estiveram presentes na ‘boa formação’ das elites” (p.67). Ainda de acordo com os

autores, a língua inglesa esteve presente na sociedade brasileira desde muito cedo, tendo se

intensificado com a chegada de D. João VI ao Brasil.

A abertura dos portos ao comércio estrangeiro e o estabelecimento de tratados visando

à regulamentação das relações comerciais entre Brasil e outros países, ocasionou um domínio

inglês no mercado brasileiro e impôs assim a necessidade do conhecimento da língua.

As aulas das línguas: inglesa e francesa, no inicio do século XIX, serviram como ferramenta para que os comerciantes pudessem desempenhar suas funções mercantis a contento. No entanto, essa política da Coroa Portuguesa contribuiu significativamente para a constituição do estudo dessas línguas como disciplinas escolares. O Estado sentiu a necessidade de melhor capacitar os novos profissionais que passaram a atuar no Brasil em virtude da abertura dos portos do país às nações amigas, realizada por D. João VI, mesma época em que foram instituídas as aulas de línguas vivas (GUIMARÃES, 2016, p. 51).

Pela Decisão de 22 de junho de 1809 por “notoriamente conhecida a necessidade e

utilidade” e como “aquellas que entre as línguas vivas tem o mais distinto logar”, mandou-se

criar na capital uma cadeira de língua francesa e outra de inglesa “para augmento e

prosperidade da instrucção pública”. Segundo Jucá (2010) a língua também se fez presente

pelos anúncios de professores de língua inglesa em jornais de época que já indicavam sua

importância e influência no Brasil.

Na leitura de Oliveira (1999), pela Decisão,

os alunos deveriam não apenas falar e escrever as respectivas línguas, mas também conhecer o seu ‘gênio’, ‘elegância’ e ‘estilo’, servindo-se para tanto ‘dos melhores modelos do século de Luís XIV’, o que mostra que o interesse pelas novas disciplinas revestia-se de um caráter cultural e literário, ultrapassando sua utilidade prática (p.26).

Contudo, Oliveira (1999) acrescenta que embora a criação de ambas as cadeiras tenha

atendido a um mesmo propósito, as intenções culturais e literárias da Decisão e das

nomeações parecem ter atingido apenas o ensino do francês, língua então considerada

“universal”. Para o autor o ensino de inglês restringiu-se inicialmente aos seus objetivos mais

imediatos constituindo assim uma disciplina complementar aos estudos primários, ou de

“primeiras letras”.

Em 1809 criou-se uma cadeira de língua inglesa com o Decreto de 30 de maio no curso

da então Academia Militar (Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho). A língua

ganha mais destaque com a Resolução de 7 de novembro de 1831 que insere o inglês como

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5019

matéria nos exames preparatórios aos cursos jurídicos juntamente com as cadeiras de latim,

francês, retórica e poética, lógica, metafísica e ética, aritmética e geometria, história e

geografia; e com a Lei de 03 de outubro de 1832 que passa a ser exigir a língua inglesa para o

ingresso aos cursos de Medicina.

Quanto ao ensino secundário, o Colégio Pedro II, já contava com o ensino do inglês no

programa de ensino desde sua criação por meio do Decreto de 2 de dezembro de 1837.

Art. 3º Neste collegio serão ensinadas as linguas latina, grega, franceza e ingleza; rhetorica e os principios elementares de geographia,historia, philosophia, zoologia, meneralogia, botanica, chimica, physica, arithmetica, algebra, geometria e astronomia.

Jucá (2010) aponta para o fato que a fundação do Colégio teve um papel importante

relativamente à organização do ensino de línguas vivas no País, cujo processo foi bastante

lento. No primeiro plano de estudos proposto, apesar do predomínio dos estudos das letras

clássicas, estudavam-se as línguas vivas estrangeiras, francês e inglês, que durante o Império,

sofreram com a falta de uma metodologia de ensino adequada, na visão de Jucá (2010).

Entretanto, com a leitura do primeiro Regulamento do Colégio de 1838, percebe-se que

os estudos das línguas “vivas” e “mortas” tinham cargas horárias distintas (Figura 1). Inglês

(ministrada no 3º, 4º e 5º anos) e francês (ministrada no 4º, 5º e 6º anos) tinham ao todo 5

lições por semana cada contra 50 lições de latim e 18 de grego.

Com o Regulamento n. 62, de 1º de fevereiro de 1841, o ensino no Colégio foi

reestruturado para sete anos e a língua inglesa passou a ter uma carga de 13 horas semanais

estando ausente somente no 1º ano. A língua francesa tinha 15 aulas distribuídas em todos os

anos.

O alemão, com a recomendação de uma “comissão composta de pessoas mui

respeitáveis”, nomeada pelo governo, julgou “que faria um serviço importante à mocidade

brasileira, estabelecendo uma aula daquela língua no Colégio” dado o “grande

desenvolvimento da literatura e das ciências no Norte da Europa” (MOACYR, 1936, p. 292),

foi inserido no programa de ensino com 12 aulas a partir do 3º ano.

Em novo Decreto de 25 de março de 1849, as lições de inglês e alemão se igualaram em

13 aulas e seus professores tinham vencimentos maiores do que os de língua francesa, que

tinha 15 aulas.

Oliveira (1999), a partir de dados levantados por José Ricardo Pires de Almeida,

destaca que no Município da Corte a demanda de alunos para a cadeira de inglês fora do

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5020

Colégio de Pedro II aumentou após 1851 (de 5 ou 6 alunos em 1843 e 1844, para 28 em 1851),

apesar de ter apresentado um baixo número de estudantes inscritos até então.

Em 1854 Couto Ferraz manteve o ensino das línguas no Colégio sendo duas cadeiras de

latim, uma de grego, uma de inglês, uma de francês e uma de alemão (Decreto 1331A de 17 de

fevereiro, Art. 79).

Em 1855 o ensino das línguas estrangeiras talvez tenha alcançado um lugar

aparentemente paralelo ao ocupado pelas línguas clássicas que, a partir de então, passaram a

ter seu status no plano de estudos diminuído, ao menos em carga horária (JUCÁ, 2010).

Outra observação interessante é sobre qual o lugar das línguas vivas dentro do programa de

ensino.

Segundo o plano de estudos estabelecido pelo Regulamento de 17 de fevereiro de 1855, o ensino de Inglês figurava do segundo ao quarto ano. Pode-se constatar também que o ensino de Francês figurava do primeiro ao terceiro ano. É interessante observar que o ensino destas duas línguas “vivas” faziam parte apenas dos Estudos de Primeira Classe, ao lado do ensino das Matemáticas, das Ciências Físicas e Naturais e da História e Geografia do Brasil. Portanto, o ensino de Francês e de Inglês eram vistos como um conjunto de disciplinas básicas necessárias para aqueles que pretendessem seguir uma das carreiras técnicas ou pretendessem prosseguir os estudos de segunda classe (p.61).

Pelo de Decreto de 1854 os vencimentos ficaram assim regulados (Art. 97): os de

línguas vivas o ordenado de 800$ e a gratificação de 400$ e os das línguas mortas, do alemão

e das outras matérias o ordenado de um conto de réis e a gratificação de 600$. Em 1858 esses

os vencimentos das cadeiras de francês e inglês do Internato e do Externato são igualados aos

vencimentos dos professores das línguas mortas e de alemão.

A presença de tantas línguas vivas no programa ficou comprometida, entretanto, na

década seguinte. Em 1860, o francês era matéria ensinada no 1º, 2º e 3º anos; inglês, no 2º e

3º e 4º anos (e também no 5º em 1861); alemão, no 5º e 6º e 7º anos e italiano no 6º ano.

Euzébio de Queiroz em seu Relatório da Inspectoria Geral da Instrucção Primaria e

Secundaria do Município da Corte referente ao ano de 1862 elenca as preocupações que

levaram à modificação no curso de estudos do Colégio:

A experiência havia com effeito demonstrado a necessidade de retoca-lo em alguns pontos [...]. Convinha sem duvida reduzir o ensino de certas matérias, e ampliar o de outras, distribui-lo pelos differentes annos do curso de modo mais razoavel, segundo as precedencias exigidas, e o desenvolvimento dos meninos quedos frequentão, evitara accumulação exagerada de estudos simultâneos, e, detendo por mais tempo os professores nas explicações e exercícios das aulas, menos sobrecarregar os alumnos de esforços muitas vezes inúteis, quando não devidamente dirigidos (BRASIL, 1862, p.12,13).

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5021

O Decreto 2883 de 1 de fevereiro de 1862 eliminou o alemão do ensino obrigatório,

conservando-o como estudo voluntário, do mesmo modo que o italiano, “diminuindo o

numero de línguas vivas em um curso de humanidades já tão sobrecarregado” (BRASIL,

1862, p. 13). Assim, alemão e o italiano tornaram-se disciplinas optativas, sendo estudadas

“em feriados ou às horas do recreio” (Art.2), juntamente com desenho, a música, a ginástica e

a dança. O inglês passou a ser ensinado somente a partir do terceiro ano.

Em 1870, figuram no programa de ensino o latim, o francês, o inglês e o grego. A

frequência na aula de alemão continua facultativa (Art.14). A aula de italiano ficou suprimida

assim como o ensino de dança (Art.14). O inglês, agora ensinado do quarto ao sétimo ano por

conta do Decreto 4468 de 1.º de fevereiro de 1870, na leitura de Oliveira (1999),

parecia deixar de servir exclusivamente a fins práticos para adquirir ingredientes culturais, incluindo em seu programa ‘leitura, análise, composição e recitação’, no sexto ano, e ‘história da língua, leitura, tradução e apreciação literária dos clássicos’, no sétimo (p.51).

Um acréscimo também nesta ocasião foi da cadeira de retórica que foi transformada em

história da literatura geral. Essa alteração institui pela primeira vez o ensino das literaturas

estrangeiras (OLIVEIRA, 1999).

Ainda na década de 1870, José Bento da Cunha e Figueiredo reformulou mais uma vez

o plano de estudos do Colégio de Pedro II, extinguiu as matrículas avulsas e estabeleceu um

novo currículo por meio do Decreto n. 613 de 1.º de maio de 1876. O inglês, ensinado apenas

no quinto ano, manteve o caráter humanista que lhe foi conferido pela reforma anterior

(OLIVEIRA, 1999), e continha em seu programa de ensino “gramática, temas, versão de

prosadores e poetas ingleses e portugueses gradualmente difíceis e conversação”. O alemão

voltou ao rol de matérias obrigatórias para o 6º e 7º anos.

Em 1878, o decreto 6884 de 20 de abril de 1878, retoma o ensino de todas as línguas

vivas, e traz de volta o italiano a ser ensinado no 3º ano.

No ano seguinte, novas alterações. A Reforma Leôncio de Carvalho (Decreto n. 7247 de

19 de abril de 1879) introduziu a frequência livre no Colégio de Pedro II e restabeleceu as

matrículas avulsas, outrora extintas. O Decreto ainda ampliou os preparatórios exigidos para

as matrículas nas faculdades de Direito (Art. 23 § 10) e Medicina (Art. 24 § 16), que passaram

a incluir as línguas alemã e italiana a partir de 1881. O inglês manteve o mesmo programa da

reforma anterior e teve sua carga horária aumentada e presente no terceiro e quarto anos.

Barão Homem de Mello por meio do Decreto n.º 8.051, de 24 de março de 1881,

restringiu o inglês ao quarto e quinto anos e manteve os preceitos da reforma de Leôncio de

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5022

Carvalho. No plano de estudos do Colégio Pedro II, mantiveram-se o francês, ensinado no

segundo e terceiro anos do curso; o inglês, no quarto e no quinto; e o alemão e o italiano, nos

sexto e sétimo.

Carlos Maximiano Pimenta de Laet, no Relatório dos acontecimentos notáveis do ano

de 1882 que consta do Relatório Ministerial do ano de 1882, relatou a situação das línguas no

Colégio e criticou sua abordagem e ressentindo-se por sua exagerada influencia gramatical.

Para Laet,

o inconveniente que disto resulta é que, em geral, o alumno sae do Collegio conhecendo inúmeras e minuciosas regras de grammatica de que não curam ainda os que bem fallam taes línguas, mas sem a necessária pratica, para destas servir-se como meio de communicação do pensamento, no que alias parece estar a máxima vantagem da aprendizagem de estranhos idiomas (BRASIL,1882, p.12).

Entretanto, Laet não entendia que o ensino devia ser suprimido, mas prolongado por

maior número de anos. Como sugestão ele propôs que os professores substitutos se

encarregassem de doutrinar e exercitar os alunos nas línguas até o último ano do Colégio.

Para Leffa (1999)

ainda que não se tenha estatísticas exatas sobre aspectos importantes do ensino de línguas desse período, muitos deles dependentes de decisões locais tomadas pelas congregações das escolas, tais como a carga horária semanal de cada língua ensinada, o que se tem, através de leis, decretos e portarias, mostra uma queda gradual no prestígio das línguas estrangeiras na escola (p.5).

O quadro a seguir ilustra esse declínio ao longo da segunda metade do século XIX.

QUADRO 1

O ENSINO DAS LÍNGUAS NO IMPÉRIO EM HORAS DE ESTUDO

Ano latim Grego Francês Inglês Alemão Italiano Total em

horas 1855 18 9 9 8 6 3(F)5 50

1857 18 6 9 10 4 3(F) 47

1862 18 6 9 10 4 6F 47

1870 14 6 12 10 - - 42

1876 12 6 8 6 6F - 32

1878 12 6 8 6 4 - 36

1881 12 6 8 6 4 3(F) 36

Fonte: Leffa (1999)

5 * Obs. (F) = Facultativo

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5023

Nos anos seguintes, até o final do Império todas as línguas vivas se mantiveram

presentes no Colégio. O inglês manteve-se como disciplina obrigatória e oscilou entre o

mínimo de 6 e o máximo de 12 horas semanais, juntadas todas as séries. Dentre as línguas

vivas, observa-se, entretanto “que a ênfase no estudo do francês se dá como representação à

intelectualidade e o ensino de inglês ao estudo puramente comercial” (JUCÁ, 2010, p. 42).

Observa-se que, enquanto o inglês e o francês gozaram de certa estabilidade como

línguas de estudo, o mesmo não aconteceu com o alemão e com o italiano, que ora constavam

ora eram dispensadas do programa, ora em caráter obrigatório, ora facultativas.

O caso do espanhol

O interesse pela cultura hispano-americana, segundo Guimarães (2012) data do último

quartel do século XIX, quando obras são traduzidas por autores brasileiros. Entretanto a

implantação formal da disciplina de espanhol no âmbito escolar só ocorreu no século XX.

Guimarães (2014) organizou algumas informações que remetem a reformas de ensino do

Colégio que possibilitaram a inclusão de conteúdos relacionados à literatura espanhola e

hispano-americana no programa de disciplinas de História da Literatura e Literatura geral.

O autor garante que seguramente existia um ensino não institucionalizado de espanhol

desde pelo menos o século XIX, dada a presença de anúncios de oferta de emprego para

mestres e anúncios de mestres oferecendo-se para ensinar espanhol em colégios e para aulas

particulares.

Contudo, a inclusão do ensino de espanhol no ensino brasileiro só se efetivou em 1919,

com a abertura de concurso para a cadeira de espanhol no Colégio de Pedro II. Essa criação

deu-se também em virtude de uma política de reciprocidade ao ato do governo do Uruguai

que criou uma cadeira de português (GUIMARÃES, 2014). O primeiro professor a assumir foi

Antenor Nascentes (1886-1972). Em 1920, Nascentes publicou o livro Gramática da Língua

Espanhola, pela Companhia Editora Nacional: primeira gramática de espanhol publicada no

Brasil.

Os professores das línguas vivas

Dentre os professores das línguas vivas foram identificados nomes de professores que

atuaram no Colégio como professores efetivos, repetidores ou substitutos identificados

inicialmente pelo Almanak Laemmert e depois complementados com outras fontes (Quadro

2).

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5024

Os nomes dos professores que lecionaram as línguas estrangeiras vivas é a primeira

etapa de um levantamento sobre todos os docentes que atuaram no Colégio Pedro II, no

período do Império. Um estudo maior com dados biográficos, formação e redes de

relacionamento dos professores do Quadro 2 está ainda em andamento.

QUADRO 2 RELAÇÃO DOS PROFESSORES DAS LÍNGUAS FRANCESA, INGLESA,

ALEMÃ E ITALIANA (1838-1889)

Francês

Francisco Maria Piquet

Fernando Francisco Lessa

José Francisco Halbout

João Luiz Keating

Simeão Pereira De Moraes Abunayuba

Pedro Affonso De Carvalho

Manoel De Magalhães Couto

João Maria Berquó

Joaquim De Oliveira Fernandes

Rubem Tavares

Inglês

Diogo Maze

José Luiz Alves

José André Garcia Ximenes

Guilherme Fairfax Norris

Ernesto Ferreira França Filho

Valdez Y Palacios

A. Galeano Ravara

Cyro Cardoso De Menezes

Alberto Cumberwarth

João Luiz Keating

Simeão Pereira De Moraes Abunayba

Philippe Da Motta Azevedo Corrêa

Manoel Pacheco Da Silva Junior

Custodio Americo Dos Santos

Affonso Carlos Moreira

José Carlos Pereira De Almeida Torres

João Rodrigues De Macedo

Benedicto R. Da Silva

Alfredo Alexander

José Rodrigues Ferreira

Alemão

Carlos Roberto (Barão De Planitz)

Barão De Tautphoeus (Joseph Hermann)

Jorge Gade

Berthold Goldschmidt

José Augusto Pereira Lima

Oscar Adolpho De Bulhões Ribeiro

Jorge Adolpho Otto Niemeyer

Carlos Jansen

Italiano

Luiz Vicente De Simoni

João José Moreira

Monsenhor Gregório Lipparoni

Alberto Desnele De Gervais

João Onofre De Souza Breves

José Rodrigues Ferreira

Fonte: Almanak Laemmert e diversos.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5025

Referências

ARRIADA, E.; STANDER FARIAS, L. “O thou, that with surpassing glory crown’d”: ensinando inglês aos estudantes brasileiros. Revista História da Educação, v. 12, n. 26, set./dez. 2008, p. 59-90. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/29210/pdf>. Acesso em 03 abril de 2016. BRASIL. Ministério do Império. Relatório Ministerial. 1862, 1882. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Anuário do Colégio Pedro II – vol. XV, 1949-1950. Rio de Janeiro, 1954. COLEÇÃO das leis do Império do Brasil. Coleção publicada pela Imprensa Nacional em texto integral digitalizado. Inclui Cartas de Leis, Decretos, Alvarás, Cartas Régias, Leis e Decisões imperiais publicados entre os anos de 1808 e 1889. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/doimperio> Acesso em: 3 mar. 2017. GUIMARÃES, A. A língua espanhola como disciplina escolar: Considerações iniciais de pesquisa. COLÓQUIO INTERNACIONAL “EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE”, 6, São Cristovão. Anais... Universidade Federal de Sergipe, Grupo de estudos e pesquisas Educação e Contemporaneidade (EDUCON), 2012. Disponível em: <http://educonse.com.br/2012/> Acesso em: 12 ago. 2016. GUIMARÃES, A. Panamérica utópicas: a institucionalização do ensino de espanhol no Brasil (1870-1961). 165f. São Cristovão, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe, 2014. GUIMARÃES, A. A língua espanhola na formação comercial no Brasil (1905-1931). Interfaces Científicas, v.4, n.3, p. 51-60, jun. 2016. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/index.php/educacao/article/view/1645. Acesso em 12 ago. 2016. JUCÁ, R. W. Q. A Língua Inglesa no ensino secundário brasileiro: 1838-1930. 135f. Curitiba, 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2010. LEFFA, V. J. O ensino de línguas estrangeiras no contexto nacional. Contexturas, APLIESP, n. 4, p. 13-24, 1999. Disponível em: http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/oensle.pdf Acesso em 19 mar. 2017. OLIVEIRA, L. E. M. A historiografia brasileira da literatura inglesa: uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951). Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 1999. LORENZ, K.M. O ensino de ciências e o Imperial Collegio de Pedro II: 1838-1889. In: VECHIA, A.; CAVAZOTTI, M.A. A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX). São Paulo: Annablume, 2003. p. 49-75. MOACYR, P. A instrução e o Império: subsídios para a história da educação no Brasil. v. I (1823-1853). São Paulo: Nacional, 1936. PIETRARÓIA, C. C. A importância da língua francesa no Brasil: marcas e marcos dos primeiros períodos de ensino. Revista Estudos Linguísticos. São Paulo, v. 37 (2), p. 7-16, 2008.