o mal

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0 FACULDADE SÃO BASÍLIO MAGNO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA MAURICIO SANGALETTI SEGUNDO ANO/TERCEIRO SEMESTRE O MAL E O LIVRE-ARBÍTRIO EM SANTO AGOSTINHO CURITIBA 2015

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Reflexões acerca da maldade humana sob o viés da filosofia existencialista de Sartre.

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FACULDADE SO BASLIO MAGNOCURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA

MAURICIO SANGALETTI

SEGUNDO ANO/TERCEIRO SEMESTRE

O MAL E O LIVRE-ARBTRIO EM SANTO AGOSTINHO

CURITIBA 2015

MAURICIO SANGALETTI

O MAL E O LIVRE-ARBTRIO EM SANTO AGOSTINHO

Trabalho apresentado disciplina de tica como requisito para a obteno de nota parcial.

Professor: Dr. Rogrio Miranda de Almeida

CURITIBA20152

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INTRODUOVenho por meio deste trabalho, apresentar uma breve reflexo sobre O mal em Santo Agostinho-. O problema do mal em Santo Agostinho se encontra de forma abundante em suas mais diversas obras. Contudo, almejamos desenvolver o presente trabalho de forma especifica na obra O livre-arbtrio e de forma mais especifica ainda, nos limitaremos a analisar a questo do mal no primeiro livro dessa obra.Escolhi a questo do mal para desenvolver este trabalho pelo impactante papel que este tema possui sobre o homem, porque parece ser impossvel conceber o ser humano sem conceber ao mesmo tempo o antagonismo de foras formado pelo bem e pelo mal que age em cada indivduo. Assim sendo, desenvolvendo este trabalho pretendo me aprofundar mais nessa questo, para assim tentar entender melhor como o mal e o bem esto relacionados com o gnero humano. Ademais, no h tambm de se negar, que essas duas foras que agem em cada pessoa so responsveis por constituir muito daquilo que ns somos, muito daquilo que as pessoas que esto ao nosso redor so e, sem dvida, muito daquilo que a sociedade e o mundo so. Deste modo, essa problemtica a partir desse ponto de vista se apresenta com uma relevncia muito mais excelsa em relao quela que muitas vezes imaginamos.Dividirei o presente trabalho em dois captulos. No primeiro captulo abordarei algumas definies acerca do mal que foram se desenvolvendo ao longo da histria da filosofia pelos mais diversos filsofos. Assim busco nesse primeiro momento apresentar uma viso mais geral a respeito da questo do mal.No segundo captulo abordarei de maneira especfica a questo do mal em Santo Agostinho, no primeiro livro da obra O livre-arbtrio. Este segundo captulo ser dividido em seis subcaptulos. A saber, no primeiro subcaptulo farei uma brevssima considerao a respeito da obra O livre-arbtrio; no segundo subcaptulo farei uma breve introduo a respeito da questo do mal em Santo Agostinho, aqui apresentarei tambm as trs espcies de mal; nos demais subcaptulos apresentarei de forma particular como Agostinho aborda a questo do mal no livro I da obra supracitada. Feitas tais consideraes adentremos no primeiro captulo do presente trabalho.

1 ETIMOLOGIA DA PALAVRA MALSegundo o dicionrio de filosofia Abbagnano, o termo mal, provm do grego KOCKV e do latim Malim[footnoteRef:1]. [1: Cf. ABBAGNANO, N. Dicionrio de Filosofia: 1a.ed., So Paulo: Martins Fontes, 2003, art. Mal.]

1.1 ALGUMAS DEFINIES DE MAL AO LONGO DA FILOSOFIAConforme o que expe o dicionrio de filosofia Abbagnano, o vocbulo mal possui uma enorme variao de significados, to extensa quanto a do termo bem do qual o termo mal correlativo[footnoteRef:2]. [2: IDEM.]

Todavia, podemos, do ponto de vista filosfico, reduzir toda essa gama de significados a duas definies fundamentais que, foram se constituindo no decorrer da histria da filosofia. A primeira definio a noo metafisica do mal, segundo a qual o mal o no ser ou uma dualidade do ser. A segunda definio do mal uma noo subjetivista, segundo a qual o mal objeto de aptido negativa ou de um juzo negativo. Agora trataremos da primeira noo metafsica do mal, a saber, a que visa colocar tal como j aludido o no ser diante do ser. Essa concepo de mal no aparece nos Esticos, ela formulada pelos neoplatnicos. Os Esticos, de maneira especial Crisipo, consideravam que os males no eram realmente males, uma vez que os mesmos so necessrios para a ordem e a economia do universo. Pois no haveria justia se no houvesse ofensa, no haveria trabalho se no houvesse indolncia, e assim por diante. Essa viso Estica, segundo Abbagnano, visa considerar bom tudo aquilo que existe e, portanto reduzir o mal ao no ser[footnoteRef:3]. J Plotino, em detrimento aos Esticos, vai identificar o mal como a matria e, para ele, a matria o no ser. [3: IDEM.]

A concepo de mal como o no ser vai se tornar tradicional dentro da filosofia Crist, embora essa seja reinterpretada pelos filsofos Cristos. Essa definio de mal vai ser retomada, por exemplo, por Clemente de Alexandria, por Orgenes e, por Santo Agostinho. Vale ressaltar que Agostinho foi o responsvel por difundir no ocidente a noo de mal como o no ser.A teodiceia de Leibniz est fundada na noo tradicional do mal. Para Leibniz, o mal a negao do bem. Para Hegel, o mal, entendido como vontade malvola, a nulidade absoluta dessa vontade[footnoteRef:4]. [4: IDEM.]

A segunda noo metafisica de mal, tal como j foi supracitado, o considera um conflito interno do ser. Conforme expe essa noo, o domnio do Ser dividido em dois campos e esses so opostos um ao outro e consequentemente dominados por foras antagnicas.O principal modelo dessa percepo metafsica de mal a religio Persa de Zaratustra. Conforme indica o Abbagnano, essa viso de mal constitui uma tentativa fcil para se explicar o problema do mal. Ademais, essa concepo de mal impede que o mesmo seja reduzido ao no ser, tal como acontece, por exemplo, com os Estoicos[footnoteRef:5]. [5: IDEM.]

Esse dualismo Persa teve seu reincio com o culto prestado a Mitra. Tambm, embora com algumas atenuaes, retornou com algumas seitas gnsticas dos primeiros sculos, assim como tambm com a seita maniquesta.No sculo XVII, Jacob Boehme, insistia na existncia em todos os aspectos da realidade de dois princpios em constante luta, esses dois princpios so: o bem e o mal. Para o filsofo em questo, a causa dessa luta reside no fato de existir em Deus dois fundamentos antagnicos. Para Boehme esses dois fundamentos estabelecem em Deus uma luta amorosa, uma vez que esto fortemente unidos.A segunda noo de mal adotada por todos aqueles que defendem uma viso subjetiva em relao ao bem. Hobbes, Spinoza e Locke compartilham dessa noo e, conforme assinala Abbagnano, Kant foi o responsvel por dar uma forma mais geral a essa concepo de mal[footnoteRef:6]. [6: IDEM.]

A filosofia moderna e contempornea tambm compartilha da viso subjetivista do mal. Pois, para elas, o mal simplesmente um desvalor, objeto portanto de um juzo negativo de valor. Assim, por exemplo, o mal em um terremoto se d quando o mesmo destri vidas humanas ou fontes de subsistncia humanas. Todavia, no um mal quando o terremoto no acarreta tais prejuzos, pois no est afetando a vida ou a subsistncia humana.Aps essa breve exposio a respeito de algumas definies de mal que se desenvolveram no decorrer da histria da filosofia, vejamos agora de forma mais especfica no prximo captulo como Santo Agostinho vai abordar esse problema

2 SOBRE A OBRA O LIVRE-ARBTRIOO livre-arbtrio, obra de Agostinho escrita em 395, apresenta em forma de dilogo as conversas de Santo Agostinho com Evdio, que era seu amigo e conterrneo. Evdio se converteu pouco tempo antes de Santo Agostinho ao Cristianismo e depois acabou se tornando bispo de Upsala. Evdio ainda aparece em outra obra de Santo Agostinho denominada De quantitate animae (Sobre a grandeza da alma)[footnoteRef:7]. [7: AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, O livre arbtrio. 5 ed. So Paulo: Paulus, 2008.]

2.1 O PROBLEMA DO MAL PARA SANTO AGOSTINHOAo longo da filosofia a questo do mal foi um tema ao qual muitos filsofos se entregaram. De forma particular, essa questo se constituiu e ainda se constitui como um grande problema para a filosofia Crist. Pois, uma vez que se admite a existncia de Deus e que consequentemente se admite que o mesmo criador de tudo o que existe, algumas indagaes comeam a surgir com base nessas afirmaes, tais como: se Deus o criador de tudo, seria ele tambm o criador do mal? O mal procede de Deus? Deus quer fazer o mal para o homem? O mal consequncia de uma falha de Deus? etc.Tais indagaes a respeito do mal estiveram por muito tempo associadas vida de Santo Agostinho. Ele, visando encontrar uma resposta para essas questes acabou se convertendo a uma seita denominada Maniquesmo, onde permaneceu por nove anos. Todavia, insatisfeito com as respostas dadas nesta seita a respeito do problema do mal, ele se converte ao Cristianismo. Agostinho desenvolveu uma explicao sobre o mal que se constituiu durante muitos sculos, como um ponto de referncia e, ainda hoje podemos afirmar que essa interpretao de Agostinho possui o seu valor[footnoteRef:8]. [8: REALE, GiovanniHistria da filosofia. So Paulo: Paulus, 2003.]

O filsofo de Hipona encontrou a resoluo para o problema que tanto lhe afligia em Plotino. Com base em Plotino, Agostinho, vai concluir que o mal no um ser, mas a deficincia e a privao de ser. Adotando a concepo de mal desenvolvida por Agostinho, podemos afirmar, que os Maniqueus erraram sobretudo por considerar o mal um ser, uma vez que o mal a ausncia de ser. Alm do mais, o mal, sendo um nada, s pode existir a partir de um bem, o que deixa claro que o mal no um ser, pois o mesmo necessita da falta de ser para se constituir[footnoteRef:9]. O filsofo em questo, aprofundou mais ainda o problema do mal dividindo-o em trs espcies, so elas: o mal do ponto de vista metafisico, o mal moral e o mal fsico. Vejamos brevemente as caractersticas principais de cada uma dessas espcies de mal. [9: GILSON, EtienneIntroduo ao estudo de Santo Agostinho. So Paulo: Discurso Editorial, 2007. ]

A primeira noo de mal que abordarei : o mal do ponto de vista metafisico. Esse atesta que no existe mal no universo, o que existe so apenas graus inferiores em relao a Deus. Esses graus inferiores em relao a Deus, vo depender da finitude das coisas criadas e consequentemente dos diversos nveis de finitude. Contudo mesmo aquilo que aparentemente pode parecer um defeito aos nossos olhos e ser julgado desta forma como um mal, dentro da tica do universo, tal defeito desaparece. Considerando portanto as coisas dentro do todo que constitui o universo, percebemos que mesmo aquilo que mais banal tem a sua razo de ser e, dessa forma, constitui algo positivo e no negativo, isto , so um bem e no um mal. O mal do ponto de vista metafsico no depende das pessoas.A segunda classe de mal o moral. Esse mal, segundo Agostinho, provm do pecado. O pecado para o filsofo em questo emana de nossa vontade. Pois, a vontade humana pode fazer com que o homem se agrade mais com os bens terrestres do que aqueles que so oferecidos por Deus. Se pode afirmar, deste modo, que o mal moral provm de escolhermos os bens finitos ao invs dos bens infinitos. Tal ato sucede atravs de nossa vontade associado acima de tudo ao livre-arbtrio que Deus conferiu ao homem e que nos permite ir em uma direo ou em outra. Entretanto vale ressaltar que o livre-arbtrio dado por Deus no um mal, mas ao contrrio, um grande bem. O mal reside no fato do homem preferir, atravs tanto do livre-arbtrio quanto da vontade, deixar a Deus e abraar os bens finitos; ou seja, o mal moral se constitui por se servir de maneira incorreta dos bens dado por Deus ao homem. O mal moral aquele que depende essencialmente de cada indivduo.A terceira classe de mal o fsico. Esse mal, segundo Agostinho, consequncia do pecado original. Podemos perceber o mesmo com as doenas, com os sofrimentos, os tormentos de esprito, a morte, etc. Os seres humanos, por exemplo, so acompanhados claramente ao perpassar de sua vida pelos mais cruis sofrimentos que podem no mesmo imanar, tais como: as doenas, a morte... O mal fsico, at certo, no depende das pessoas. Aps essa breve exposio, adentremos agora de forma especifica na questo do mal no livro I da obra O livre arbtrio que o tema que nos propomos desenvolver neste trabalho

2.3 O MAL PROVM DA INSTRUO?J no incio do primeiro livro, Santo Agostinho, propem por meio de Evdio a seguinte pergunta: Ser Deus o autor do mal?[footnoteRef:10] [10: AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, O livre arbtrio. 5 ed. So Paulo: Paulus, 2008.]

Diante dessa indagao, Agostinho, pede que primeiramente Evdio especifique a que mal ele est se referindo. Pois, segundo o que expem Agostinho, normalmente o tema mal empregado em dois sentidos. O primeiro sentido o de dizer que determinada pessoa praticou o mal, ao passo que, o segundo sentido o de dizer que alguma pessoa sofreu o mal.Com essa questo colocada, Evdio, deixa claro que o seu interesse est em ambos os sentidos de mal. Diante disso, Agostinho vai ento expor que Deus bom e que portanto o mesmo no pode praticar o mal. Contudo, continua Agostinho, se deve verificar que Deus tambm justo e que assim sendo Ele deve distribuir recompensas aos bons e castigo aos maus. Dessa forma, os que esto imersos em tais castigos podem pensar que os mesmos so males. Todavia, conforme professamos com nossa f, sabemos claramente que os julgamentos de Deus no so injustos, mas ao contrrio, so justos. Assim sendo, Deus no pode ser o autor da primeira espcie de mal, s pode ser autor do segundo. Pois, podemos culpar a Deus desse segundo mal a partir do momento em que consideramos um castigo uma espcie de mal. Evdio almejando compreender a origem da primeira espcie de mal, questiona Agostinho novamente. Agostinho responde no saber dizer quem o autor desse mal. No entanto deixa claro que h um autor, pois se no houvesse no poderia ser cometido. O filsofo ainda expe que no h um nico autor do mal, mas sim vrios autores, uma vez que as pessoas tambm se tornam autores do mal ao comet-lo. Pois, tal como j foi expressado, as ms aes so punidas pela justia Divina. Ora, tais aes no precisariam ser punidas na justia Divina caso o mal no fosse praticado de modo voluntario. Nesse sentido fica claro que a prtica do mal uma opo do homem e que a justia de Deus age sobre essa opo.Prosseguindo na investigao, Evdio, questiona se o mal emana nas pessoas por ter sido ensinado. Agostinho, com suas argumentaes, defende que o mal no se aprende. Pois, na viso do filsofo, as instrues comunicam as pessoas apenas coisas boas, uma vez que atravs da instruo que se desperta nas pessoas, por exemplo, a cincia. Alm disso, no h outro modo de aprender se no atravs da instruo e essa tal como j foi aludido s transmite coisas boas e no males.Diante dessa resposta, Evdio, questiona novamente Agostinho. Pois se as ms aes no so aprendidas ento de onde o mal procede? Talvez, pondera Agostinho, as ms aes sejam a consequncia do homem se desinteressar e se afastar do verdadeiro ensino. O filsofo refora ainda essa questo ao reafirmar que a instruo um bem e consequentemente no se pode instruir para o mal, pois caso o mal fosse ensinado o mesmo estaria contido na instruo. Se assim fosse a instruo no seria um bem, mas sim um mal. Mas, tal como j foi supracitado, a instruo sendo um bem no instrui para o mal. A instruo pode contudo instruir para se evitar um mal. Assim, se praticssemos o mal, no seria por meio da instruo, mas sim por renunciar a instruo. Nesse aspecto, fica claro que o mal provm do afastamento do homem em relao verdadeira instruo e no provm consequentemente da instruo. Neste ponto percebemos que Agostinho faz uma breve exposio j do mal moral, enquanto ele se apresenta aqui como consequncia do afastamento do homem da verdadeira instruo que procede de Deus.Tendo Agostinho mostrado que o mal no provm por meio da instruo, ele vai expor tambm que o mal no provm por meio de nossa inteligncia. Essa colocao de suma importncia, pois o aprender no depende unicamente da instruo, mas depende tambm da inteligncia. Nessa perspectiva, poderamos afirmar acerca da possibilidade do mal residir na inteligncia, uma vez que como foi mostrado ele no est na instruo. Apesar disso, assim como a instruo, Agostinho, diz que a inteligncia boa. Todavia, segundo Agostinho, quem no usa a inteligncia no aprende. Desta forma, aquele que aprende est procedendo bem. Ora, todo aquele que aprende est se servindo da inteligncia e, todo aquele que usa a inteligncia est procedendo bem. Assim, procurar o autor de nossa instruo buscar o autor de nossas boas obras, pois da verdadeira instruo no emana se no o bem, uma vez que a mesma boa. Nessa perspectiva, se for mal no pode ser mestre e, caso seja mestre, no pode ser mal. interessante perceber que nesse ponto, Agostinho, assinala que tanto a instruo como o intelecto no esto associados ao mal por serem o contrrio disso, ou seja, um bem.No obstante ao que foi aludido, se ns no aprendemos a fazer o mal, ento interpela Evdio, qual a causa pelo qual o praticamos? Agostinho relata ento que essa uma questo que o atormentou desde jovem. Conta ainda Agostinho, que esse foi o problema que o levou a entrar no maniquesmo. O filsofo, faz uma crtica e consequentemente aponta os erros dos maniquestas no que se refere s respostas que os mesmos do a respeito desse problema. Prosseguindo em seu dialogo, o filsofo em questo, chama Evdio a conservar a f naquilo que ele acredita. Pois, nada mais recomendvel do que isso, mesmo quando est oculto a razo ser determinada coisa de uma forma ou de outra.

2.4 A CAUSA DO MAL E A LEI HUMANA E DIVINADando continuidade ao dilogo, Agostinho e Evdio, vo se dedicar agora de forma mais especfica a buscar a causa do pecado. Contudo, aponta Agostinho, se faz necessrio antes de dizer qual a causa de agirmos mal, examinar o que proceder mal. Aqui, o bispo de Hipona, indaga para que Evdio cite algumas ms aes. Dentre tantas, Evdio, cita como ms aes os adultrios, os homicdios e os sacrilgios.Utilizando como exemplo o adultrio, o filsofo, vai tentar investigar de onde procede esse mal. Primeiramente Agostinho vai concluir que o adultrio no um mal porque a lei o probe. Tambm no pode ser julgado como mal porque o homem se dirige a autoridade da lei, uma vez que necessrio buscar pela verdadeira essncia da causa do mal e, no pela autoridade da lei que o julga como sendo um mal. O adultrio tambm no pode ser considerado um mal porque pessoas so presas por comet-lo, uma vez que muitas pessoas so presas injustamente. Ademais, nem tudo aquilo que o homem condena um mal, assim, no se pode atestar que o adultrio um mal porque pessoas so condenadas em vista da prtica do mesmo. Depois dessas consideraes, Agostinho, vai concluir que o mal do adultrio talvez resida na malicia das paixes. Pois, ao buscar o mal no exterior se falhou, todavia, se pudssemos mostrar os desejos, por exemplo, de um homem que anseia por abusar de uma mulher e que ele faria se o pudesse, esse homem no seria menos culpado do que se tivesse sido flagrado nesse delito. Assim sendo, o mal provm da paixo interior, tanto referente ao adultrio como ainda referente aos demais males. Podemos inferir dessa maneira, que o mal decorre do homem no se governar pela razo, mas sim pelas paixes interiores que o dominam.Uma vez exposto que os males procedem do fato do homem se governar pelas paixes ao invs da razo, Agostinho, vai questionar se um homem que mata outro no pelo desejo, mas sim a fim de viver sem medo, ou no um homicida? O filsofo vai expor ento, que viver a vida sem temor um desejo tanto de homens bons como tambm de homens maus. Todavia, a grande diferena entre ambos reside na motivao que a paixo possui ao cometer determinado delito, pois os homens bons almejam viver a vida sem temor se despojando daquelas coisas que no se pode ter sem o perigo de se perder, ao passo que, os homens maus almejam viver sem temor a fim de gozar com segurana dessas coisas que os primeiros se privam, nessas condies para conseguir esse fim esses homens maus fazem de tudo.Prosseguindo, Agostinho, se questiona a respeito dos crimes que so cometidos em autodefesa e que so admitidos pela lei. Nesta circunstncia, o filsofo se pergunta se as leis so injustas por admitir tal procedncia, uma vez que para Agostinho, uma lei que injusta no uma lei. A soluo para essa questo, est no fato de que embora a lei permita que um homem mate o outro a fim de se defender, a mesma no obriga a proceder de tal modo. Assim, a lei d a possibilidade para que se mate, mas no fora a matar. Com base nisso, Evdio, vai concluir que no condena a lei por permitir que se mate em auto defesa, mas contudo, no encontra como justificar os que desse modo agem, levando em conta como j foi acenado, que a lei no obriga a matar.Evdio ainda salienta que embora essas pessoas no sejam punidas pelas leis humanas por matar em defesa, isso no significa que no sero punidas pela lei Divina. Pois, como uma pessoa que mata outra pode estar isenta de pecado? Assim, parece ficar claro que a lei humana no pune certos atos que a lei Divina no permite.Com base nisso o filsofo em questo aponta para a necessidade de se saber distinguir as leis, pois na viso de Agostinho existem duas espcies de leis, so elas: as leis temporais e a Lei Divina. Para o filsofo a lei Divina eterna e imutvel, ao passo que, a lei humana temporal e como consequncia est constantemente em mudana. O bispo de Hipona assinala que tudo o que h de justo na lei humana procede da Divina. Essa lei Divina superior, na viso de Agostinho, a todas as demais leis humanas e, a nica tambm sobre a qual todas as leis se regulam. 2.5 A RAZO E AS PAIXESProsseguindo na investigao Agostinho questiona se Evdio tem certeza absoluta de viver. Diante dessa questo, Evdio, aponta que no h como se duvidar de tal fato. Com base nessa afirmao, Agostinho, pede para que seu amigo diferencie de que uma coisa viver e, de que outra coisa saber que se vive. Como Evdio no foi capaz de fornecer uma resposta satisfatria a tal questo, o presente filsofo, vai conduzir o raciocnio de Evdio com mais perguntas at que o mesmo chegue concluso de que aquilo que denominamos saber no outra coisa seno o que percebemos pela razo[footnoteRef:11]. Tal fato, na viso de Agostinho, o que coloca o homem acima dos animais. Pois, embora os animais possuam diversas vantagens em relao ao homem, os mesmos so subjugados pelo homem por no possurem razo. Nessa perspectiva podemos afirmar que a nobreza do homem em detrimento das demais criaturas reside em sua prpria razo. Baseado nisso, Agostinho, vai retomar as perguntas inicialmente dirigidas a Evdio e, ir concluir que o conhecimento de que se vive nos permite viver de uma forma mais pura e, que esse modo de se viver conforme acima exposto, s pode ser adquirido por seres dotados de razo e no pelos seres que no a possuem. [11: AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, O livre arbtrio. 5 ed. So Paulo: Paulus, 2008.]

Agostinho, continuando o seu discurso, ainda vai salientar que somente quando a razo domina todos os movimentos que advm do corpo o homem pode se dizer perfeitamente ordenado. Pois, segundo o que o filsofo expe, no se pode falar de ordenamento quando se est inclinado das coisas boas as menos boas, isto , quando nossa inclinao se dirige para as paixes. Assim, o homem que ordena a sua vida o homem que se dirige para Deus. Esse ordenamento s possvel por meio da razo. Nesse caso, conforme podemos perceber, a razo se apresenta de modo ambivalente, pois ela pode tanto levar o homem a se aproximar de Deus como tambm a se afastar do mesmo.Dando continuidade ao dilogo, o bispo de Hipona, vai concluir que o homem que domina as paixes por meio da mente sbio. Todavia, o filsofo vai evidenciar que a grande maioria dos homens no so sbios, mas insensatos. Pois esses, ao contrrio dos sbios, embora tambm possuam mente, no fazem com que a mesma domine sobre as paixes, mas, se deixam arrastar por elas.Conforme Agostinho aponta, a mente mais forte do que as paixes e assim sendo, a mesma, capaz de dominar sobre todas s paixes. Expem ainda, que as virtudes esto acima dos vcios, pois essas provm do uso da mente e, sendo a mente superior as paixes, as virtudes tambm o devem ser. Nessa perspectiva, quanto mais sublime for uma determinada virtude, tanto mais inabalvel a mesma ser diante dos vcios. Nessa circunstncia podemos inferir que uma alma repleta de virtudes no pode ser corrompida por uma alma repleta de vcios. Assim, alm de Deus, no existe nada mais nobre do que a mente dotada de razo e sabedoria. Uma vez que, a razo possibilita as virtudes e, atravs das mesmas as almas virtuosas no se entregam s paixes, mas antes se dirigem para Deus. No obstante ao que foi supracitado, poderamos ainda indagar acerca da possibilidade das paixes imanarem em nossas almas a partir da vontade de Deus, uma vez que, como foi aludido, o mesmo se encontra acima de nossa mente. Agostinho, a respeito dessa questo, vai concluir que Deus embora esteja muito alm das almas virtuosas, o mesmo no pode ser injusto. Mesmo que Deus tivesse esse poder, Ele no foraria as almas cheias de virtude a se submeterem s mais diversas paixes. Nessa circunstncia, uma vez que Deus no pode ser o causador da submisso do homem s paixes, como tambm no o pode ser as coisas inferiores a mente, uma vez que a mente superior s mesmas, o mal s pode imanar da vontade e do livre arbtrio do homem. Dando prosseguimento a averiguao, Evdio, levanta uma questo muito interessante a respeito das penas que sofremos. Pois, como aponta Evdio, as penas que nos advm s pode apontar que todos ns estamos entre os insensatos. Pois, caso contrrio no haveria justia nas penas que sofremos, pois como j foi exposto, Deus age sempre de modo justo. Diante de tal questo, Agostinho, salienta que Evdio pensa como se ns nunca tivssemos sido sbios, pois ele no leva em conta outra coisa a no ser o tempo em que nascemos para esta vida. Contudo, a alma pode ter vivido uma outra vida antes de nossa alma se unir ao corpo que agora possumos e, assim, ter desfrutado por algum tempo da sabedoria.

2.6 O MAL, A VONTADE E O LIVRE ARBITRIO Dando continuidade ao dilogo, Agostinho, lana uma nova problemtica a respeito da existncia de alguma vontade que reside em cada pessoa. O filsofo vai dar a prpria definio daquilo que ele julga ser essa vontade. Para Agostinho a vontade : Aquilo pelo qual desejamos viver com retido e honestidade, para atingir o cume da sabedoria[footnoteRef:12]. Evdio vai concluir que no possumos apenas uma vontade, mas sim, possumos uma boa vontade. O filsofo, dando prosseguimento, vai expor que as prticas das virtudes so derivadas da nossa boa vontade. Pois, na pessoa que estima e ama a sua boa vontade se encontram as quatro virtudes, que so: a prudncia, a fora, a temperana e a justia. [12: AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, O livre arbtrio. 5 ed. So Paulo: Paulus, 2008.]

Agostinho apontar tambm que pela nossa boa vontade que podemos levar uma vida tanto feliz e louvvel como tambm infeliz e vergonhosa. Contudo, verdade, segundo Agostinho, que todo o homem deseja uma vida feliz, mas que no entanto nem todos a conseguem. A causa disso que embora a felicidade seja desejada por todas as pessoas, nem todas elas visam uma vivncia reta. A felicidade ela emana da boa vontade do homem que procede retamente e, aqueles que no se comportam desse modo, no alcanam a felicidade tanto almejada.Agostinho aponta ainda a existncia de duas espcies de homens. O primeiro aquele que amigo das coisas eternas e o segundo aquele que amigo das coisas temporais. Agostinho vai distinguir ainda, como j foi aludido, a existncia de duas leis, so elas: a lei eterna e a lei temporal. Evdio vai concluir que aqueles ao qual o amor s coisas eternas o tornam felizes, devem viver sob os ditames da lei eterna, ao passo que os outros esto submissos a lei temporal. Aqueles que vivem na lei eterna no possuem necessidade da lei temporal e, aqueles que esto submetidos a lei temporal no podem se isentar da lei eterna, uma vez que, como j foi referido, da lei eterna que deriva tudo aquilo que bom e justo na lei temporal. Sendo assim, a felicidade do homem reside do mesmo buscar a lei eterna e, nada a no ser a prpria vontade pode fazer com que o homem abandone esse reto caminho.A lei eterna nos ordena ao desapego das coisas temporais, ao mesmo tempo nos purifica e nos faz voltar para as coisas eternas. J a lei temporal possui como principal objetivo a manuteno da sociedade, pois ela pune privando as pessoas de alguns bens que elas possuem. Assim, essas pessoas observam a lei temporal por medo de serem privadas desses bens que as mesmas tm. Dessa forma, no podemos fazer um julgamento das coisas a partir delas mesmas, mas a partir dos homens que podem fazer bom ou mau uso delas. Assim, aqueles que se apegam de modo demasiado a essas coisas, so aqueles que fazem o mau uso delas, ao passo que o bom uso das mesmas feita pelo homem que no se prende a elas de forma to demasiada a ponto das mesmas se tornarem membros de sua prpria alma.Com base nas consideraes feitas, tanto Agostinho como tambm Evdio vo concluir que na verdade o mal no provm de outro lugar se no do afastamento que o homem faz das coisas divinas, para se apegar s coisas passageiras. Essa atitude prpria de uma alma desordenada, que ao invs de dominar os bens materiais a eles se apega. Dessa forma, quanto mais uma pessoa se aproxima da lei eterna, tanto mais a mesma feliz. Todavia, quanto mais essa pessoa se afasta dessa lei eterna, tanto mais essa pessoa infeliz.

CONCLUSOA presena do mal no mundo sem dvida fcil de ser observada. Contudo, as explicaes e justificativas que vo se elaborar ao longo da histria da filosofia, visam de certa maneira ou responder a esse problema ou mesmo isentar Deus da responsabilidade da existncia do mal no mundo. Com base naquilo que foi exposto no presente trabalho, percebemos que Agostinho deu uma das possveis respostas no que se refere a essa problemtica. O mal para o filsofo vai aparecer como o no ser. As trs classes de mal, ainda visam um aprofundamento maior da presente questo. Alm do mais, as indagaes que so apresentadas por Santo Agostinho referente a essa problemtica, sem dvida so questes as quais tambm nos j raciocinamos. Assim sendo, a possibilidade de trabalhar esse problema ajuda de certa forma a entender tambm a partir da razo algo que parece inerente nossa natureza humana, isto , o bem e o mal. Partindo da ideia do autor, a primeira noo que fica clara que o mal no reside nem na instruo e nem na inteligncia. Percebemos tambm que o mal no se encontra fora do homem, mas sim dentro do homem e, que o mal no emana de outro lugar se no do homem se submeter s suas paixes antes de se submeter a sua razo. Pois, todos os homens possuem razo e, a prova disso que todos realizamos os mais diversos trabalhos aos quais no poderiam ser realizados se no por meio da razo; contudo, nem todos utilizam a razo para se ordenar e se tornam escravos das paixes. Ademais, como vimos, o mal no emana de outro lugar, se no do livre arbtrio somado vontade do homem, pois um possibilita a escolha para o homem e, a outra possibilita que o mesmo se mova para a direo almejada.

BIBIOGRAFIA

- ABBAGNANO, NicolaDicionrio de filosofia. 4 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2000. - REALE, GiovanniHistria da filosofia. So Paulo: Paulus, 2003.- AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, O livre arbtrio. 5 ed. So Paulo: Paulus, 2008.- GILSON, EtienneIntroduo ao estudo de Santo Agostinho. So Paulo: Discurso Editorial, 2007.