O mapa do erro

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18 |Escola Adventista Leonardo Siqueira Educadores analisam o papel pedagogico da falha ,

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Reportagem para a revista Escola Adventista

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18 |Escola Adventista

Leonardo Siqueira

Educadores analisamo papel pedagogico

da falha

,

As aulas de hoje não são mais as mesmas. Procurando formas alternativas de encarar o erro na sala de aula, muitos professores estão inovando. O famoso caderno de caligrafia e

outras atividades de escrita, como o ditado e a divisão silábica, foram substituídas por um mapa cheio de traços e linhas tortas.

Trata-se de uma aula de Língua Portuguesa, na qual os mais variados assuntos dividem o mesmo espaço. Errar é humano e

nisso até educadores concordam. Porém, a polêmica é aceitar que a persistência na falha é, de fato, burrice. Será?

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METODOLOGIA

10 Semestre 2009 | 19

Divisão silábica, ditado e exer-cícios de escrita perderam espaço na sala de aula. Na

cartolina, um mapa cheio de traços e linhas tortas substitui, agora, os antigos rabiscos do caderno de cali-grafi a. Trata-se de uma aula de Língua Portuguesa, mas com assuntos tão diferentes como Estados Unidos, futebol e ecologia dividindo o mes-mo espaço no papel. Numa leitura rápida, qualquer observador atento logo apontaria incoerências. Coisas fora do lugar, palavras desconexas e conceitos equivocados estariam, quem sabe, na lista negra de muita gente. Que errar é humano, todo o mundo sabe e até mesmo os educa-dores concordam. A polêmica, po-rém, está em aceitar que a persistência na falha é, de fato, burrice. Será?

Seja dentro ou fora da sala de aula, a postura de pais e educadores perante o erro quase sempre é ne-gativa. E ela pode variar bastante, da indiferença à reprovação. “Isso não é assim”, “desse jeito não pode”, “está errado, conserta isso aí”, “você não aprende mesmo”, são algumas das falas mais comuns quando a criança erra diante de alguma atividade pro-posta. A professora Lea Anastasiou, pós-doutora em Educação, explica que a origem dessa prática de ava-liação punitiva remonta no Brasil ao período dos jesuítas, conside-rados os primeiros educadores do país. Lea afi rma que ao adotar esse tipo de postura o professor está, na verdade, repetindo um comporta-mento histórico.

A especialista afi rma, entretan-to, que é exatamente nessa dinâ-mica do erro que pesquisadores ligados à educação encontram uma forte ferramenta pedagógica. “Os professores geralmente fi cam sé-rios quando o aluno fracassa. Eles esperam o acerto do estudante, uma resposta completa”, analisa Lea. Segundo ela, é necessário fa-zer uma análise do erro e ver quais foram os caminhos utilizados pelo aprendiz na hora de responder a determinada pergunta.

A discussão, porém, não se res-tringe ao ambiente escolar. Os pais desempenham um papel importante nessa relação. “Os professores não são os únicos a adotar esse tipo de com-portamento. A família, de certa forma, também age dessa maneira”, avalia a professora associada da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e dou-tora em Educação, Nadia Aparecida de Souza. Na visão dela, o erro não é fonte de culpa, mas parte do pro-cesso de aprendizagem. “Parece que nós, professores, persistimos no erro. Tratamos mal o aluno que falha ao in-vés de ajudá-lo a aprender. Com isso, o deixamos constrangido na frente dos demais colegas”, admite.

De acordo com Nadia, o erro normalmente é tratado como algo que deve ser escondido ao invés de revelado, quando a postura correta seria a de permiti-lo a fi m de des-cobrir um defeito cognitivo, alguma

distração. Na mesma linha de ra-ciocínio, a coordenadora do curso de Pedagogia do Unasp, campus Engenheiro Coelho, Betania Stange, destaca o papel do não-acerto no en-sino. Conforme ela explica, o equívo-co representa mais que uma resposta incompleta ou inefi caz. “A falha deve ser vista como um marco revelador, um ponto de referência entre o espe-rado e o obtido. Um elemento natural e integrante do processo vivenciado pelo aluno na apropriação de novos saberes”, salienta.

Abordagens Muitos professores adotam me-

todologias diferenciadas ao tratar do erro na sala de aula. Uma dessas abordagens é o mapa conceitual avaliativo. “Trata-se de uma estrutu-ra avaliada pela criança. Começa na cabeça dela. O aluno retira textos conceituais, palavras-chave e outras ideias relacionadas a determinado tema e relaciona isso tudo na forma de um mapa, que pode ter setas e outras fi guras de ligação”, explica Nadia. Essa dinâmica permite ao estudante comparar o próprio con-teúdo com os demais colegas. E é aí que vem a percepção do erro. Dessa forma, “a difi culdade e o equívoco não persistem, mas são corrigidos”, destaca a pesquisadora.

Embora o resultado possa não vir tão rápido, o método pelo menos funciona. É o que defende a mestre

em Educação Ronise Ribeiro, também da UEL. “É

imagens: stock.xchng

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um método diferente. Os alunos re-fl etem sobre o conteúdo produzido, seja por meio de análise ou compa-ração. A estratégia para a superação do erro vem deles. Geralmente, o que acontece na escola é o inverso. Os professores é que desempenham esse papel.” A educadora ainda ressalta que, em geral, o aprendiz espera tudo pronto; que a resposta certa venha do professor, e assim por diante. No entanto, o mapa conceitual permite que os estudantes se tornem agentes ativos da própria aprendizagem.

A educadora cita o exemplo de uma atividade desenvolvida com alunos do ensino fundamental. A tarefa consistia na descrição de algu-mas funções do sistema digestório. Entre uma seta e outra, um aluno logo rabiscou que a insulina vinha da ingestão dos alimentos. Houve, contudo, um questionamento por parte do estudante. “Ninguém julgou aquilo antecipadamente. Mas sempre questionávamos o porquê das coisas. Foi numa conversa dessas, que ele mesmo deu a resposta. A mãe do ga-roto era diabética e na cabeça dele, a insulina vinha dos alimentos. Depois de um tempo, ele mesmo pesquisou e descobriu que a insulina, na verdade, é produzida pelo pâncreas. Aquele erro ganhou uma dimensão prática e real na vida dele”, relembra. Assim como existem várias possibilidades dentro dessa mesma abordagem, outras tantas estão espalhadas por aí. Além disso, não existe um “mapa es-pecífi co”, observa Ronise. Portanto, cabe ao educador, escolher a melhor tática a ser aplicada na sala de aula.

O portfólio avaliativo é outra dessas ferramentas à disposição dos educadores. Trata-se, numa lin-guagem simples, de uma pasta com uma série de atividades realizadas e escolhidas pelo estudante. Com o decorrer das tarefas, esse material é utilizado com o intuito de avaliar o progresso do aluno. A professora do Colégio Unasp Stella de Melo

adotou a técnica com alunos do ensino médio. “Pedi a eles que fi zes-sem um mapa sobre um gênero de texto, que, naquela atividade, era a crônica. Deixei bem claro para eles que não queria nada sobre a história de uma crônica, ou seja, que eles não deveriam simplesmente descrever os personagens de um livro. A maioria me entregou exatamente o que eu não tinha pedido. Depois disso, ava-liamos o conteúdo do portfólio deles e foi aí que muita gente entendeu a atividade”, revela.

Que a técnica tem as suas van-tagens, ninguém duvida. O difícil é agradar a gregos e troianos, con-fessa Stella. “Eles têm difi culdades em identifi car, relacionar e concluir. Muitos reclamam do tamanho da questão alegando que a pergunta é muito difícil ou que não entende-ram direito. Mas acredito que esse questionamento faz parte da apren-dizagem. Apesar disso, os resultados são positivos”, avalia.

E nas materias exatas?

Como qualquer iniciativa, o méto-do abre espaço para muita discussão. Não somente aqui, mas em outras partes do globo. Alguém até poderia resmungar: “Tudo bem. Lidar com o erro no Português e na Biologia é fácil, quero ver quem se arrisca a usar esses métodos na Física e na Matemática, por exemplo.” Por in-crível que pare-ça, tem gente estudando o papel do erro em outras disci-plinas, inclusive na Matemática, c o n s i d e r a d a ainda por muita gente, um bicho papão. Mas para isso é preciso ir para o outro lado

Matemática, por exemplo.” Por in-crível que pare-

Dicas de Leitura

AQUINO, J. C. (Org.). Erro e Fracasso na

Escola: alternativas teóricas. São Paulo: Sum-

mus Editorial, 1997.

LA TORRE, S. Aprender Com os Erros: o erro

como estratégia de mudança. Porto Alegre:

Artmed, 2007.

LUCKESI, C. C. Avaliação da Aprendiza-

gem Escolar. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1995.

do hemisfério, na Alemanha. É lá que a chefe do grupo de Tecnologias Educacionais do Centro de Pesquisas para Inteligências Artificiais da Alemanha, Erica Mellis, encontrou um jeito de identificar falhas na Matemática e transformá-las num ata-lho em direção ao acerto. “Estamos trabalhando num projeto que empi-ricamente testa o efeito de exemplos errados na Matemática. O objetivo é adaptar algumas sequências, tipos de exemplos errôneos e interações à personalidade do estudante. Isso inclui o conhecimento prévio, a mo-tivação e o jeito que o aluno apren-de”, comenta. A pesquisa é feita em parceria com o instituto alemão Forschungsgemeinschaft (DFG).

Na avaliação da pesquisadora, ao serem confrontados com os erros cometidos por outras pessoas, os es-tudantes perceberão o potencial das próprias falhas. Além disso, examina a cientista, a interação com exemplos errados, entre elas uma troca de sinal ou uma operação incompleta, por exemplo, irá ensiná-los a monitorar a melhor resolução de uma questão a fi m de evitar a falha. Tudo do jeito de-les. “Com ajuda os discentes podem reconhecer os próprios equívocos por meio de confl itos cognitivos e reme-diar tais concepções. Tudo isso são hipóteses as quais tentamos avaliar empiricamente”, fi naliza.

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