O MARAVILHOSO CRISTÃO EM A CANÇÃO DE ROLANDO · séculos de história em um mesmo tempo e...

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1 doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03010 O MARAVILHOSO CRISTÃO EM A CANÇÃO DE ROLANDO BORGES, Maria do Carmo Faustino (UEM) Introdução Estudar uma obra de arte, principalmente aquelas mais antigas, exige-nos mergulhar em sua criação, em um contexto constituído de suas formas políticas, culturais e, sobretudo, dos elementos do mundo imaginário, cujas representações na mentalidade do povo influenciam decisões e produções materiais e intelectuais. Dentre as Artes, a Literatura faz a mediação entre a realidade e o mundo imaginado; e o maravilhoso é um dos artifícios presente na literatura de todos os tempos que colabora para o seu estatuto de Arte. Abordar o maravilhoso cristão em A Canção de Rolando 1 consiste no objetivo deste estudo, assim faz-se necessária uma pesquisa que resulta tanto de referenciais históricos quanto literários. Deste modo, apoiamo-nos nas teorias de Le Goff, Poirion, Bessière e Candido, bem como nos pressupostos de Vauchez, Espinosa e Franco Júnior; os quais possibilitaram efetuar uma leitura do maravilhoso cristão na referida obra literária e apreender a relação que se desenvolve entre os dois polos: real e imaginário. A queda do Império Romano do Ocidente (476) favoreceu a ocupação dos territórios do Estado Romano aos povos bárbaros, ocasionando grande desordem política, religiosa e social. A Igreja, baseada na fé cristã, ideal unificador, era a instituição capaz de oferecer resistência e domínio aos desajustes e ao caos criado. Desta maneira, a sua doutrina evidencia-se, sua influência sobrepõe-se às instituições já existentes. Tornou-se a maior força política do Ocidente e, em sua dependência, os Estados em formação, segundo Espinosa (1972). No século VIII, a monarquia franca, na liderança de Pepino, o Breve, 1 Este estudo consiste em um recorte da Dissertação de Mestrado O Maravilhoso em A Canção de Rolando, de nossa autoria, defendida no programa de Pós-graduação em Letras, pela UEM – Universidade Estadual de Maringá.

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doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03010

O MARAVILHOSO CRISTÃO EM A CANÇÃO DE ROLANDO

BORGES, Maria do Carmo Faustino (UEM)

Introdução

Estudar uma obra de arte, principalmente aquelas mais antigas, exige-nos mergulhar

em sua criação, em um contexto constituído de suas formas políticas, culturais e,

sobretudo, dos elementos do mundo imaginário, cujas representações na mentalidade do

povo influenciam decisões e produções materiais e intelectuais. Dentre as Artes, a

Literatura faz a mediação entre a realidade e o mundo imaginado; e o maravilhoso é um

dos artifícios presente na literatura de todos os tempos que colabora para o seu estatuto de

Arte.

Abordar o maravilhoso cristão em A Canção de Rolando1 consiste no objetivo deste

estudo, assim faz-se necessária uma pesquisa que resulta tanto de referenciais históricos

quanto literários. Deste modo, apoiamo-nos nas teorias de Le Goff, Poirion, Bessière e

Candido, bem como nos pressupostos de Vauchez, Espinosa e Franco Júnior; os quais

possibilitaram efetuar uma leitura do maravilhoso cristão na referida obra literária e

apreender a relação que se desenvolve entre os dois polos: real e imaginário.

A queda do Império Romano do Ocidente (476) favoreceu a ocupação dos

territórios do Estado Romano aos povos bárbaros, ocasionando grande desordem política,

religiosa e social. A Igreja, baseada na fé cristã, ideal unificador, era a instituição capaz de

oferecer resistência e domínio aos desajustes e ao caos criado. Desta maneira, a sua

doutrina evidencia-se, sua influência sobrepõe-se às instituições já existentes. Tornou-se a

maior força política do Ocidente e, em sua dependência, os Estados em formação, segundo

Espinosa (1972). No século VIII, a monarquia franca, na liderança de Pepino, o Breve,

1 Este estudo consiste em um recorte da Dissertação de Mestrado O Maravilhoso em A Canção de Rolando, de nossa autoria, defendida no programa de Pós-graduação em Letras, pela UEM – Universidade Estadual de Maringá.

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prefeito do palácio (administrador supremo) e a Igreja firmaram aliança de cooperação: os

francos defendem a Santa Sé dos ataques dos Lombardos e o Papa concede a Pepino o

título de rei dos francos. Carlos Magno, filho de Pepino, herdou o título e assumiu tal

acordo, tornando-se em 800, também por intermédio da Igreja, imperador de Roma.

Esta pequena explanação histórica deve-se ao diálogo do plano sociocultural com a

Literatura em nosso objeto de estudo, A Canção de Rolando; canção de gesta (epopeia do

mundo cristão), que media o tempo e o espaço (séculos VIII – XII, Alta Idade Média),

ocorrendo nela a recriação de Carlos Magno e da Batalha de Roncesvales (778). O

teocentrismo organizava-se em torno da dicotomia Deus – Diabo; Bem versus Mal, e a fé

cristã firmava-se, muitas vezes, nos elementos permeados pelas crenças, incluindo os

rituais, as simbologias e todo o imaginário cristão da época na Europa Ocidental.

A canção de gesta, oral em sua primeira manifestação, tipicamente aborda os feitos

históricos de povos e seus heróis e dramas lendários. As façanhas e as fantasias criadas a

partir dos heróis eram relatadas geralmente pelos trovadores, transmitindo, por gerações, a

mentalidade daquelas populações.

A Igreja tinha o monopólio da cultura e influenciava as obras literárias. As

hagiografias, as crônicas, as canções de gesta, assim como as demais criações passavam

pela concepção das Sagradas Escrituras. No século XI, o adjetivo mirabilis do Latim,

merveillos em Francês antigo, presente no texto de A Canção de Rolando, ou merveillable

referindo-se à pessoa, objeto ou fenômeno, introduzia-se à categoria do maravilhoso. O

Latim erudito, utilizado pelos clérigos medievais, designava o que chamamos “o

maravilhoso”, pelo termo mirabilia (o maravilhoso medieval).2

Com o Cristianismo, impõem-se nova versão do imaginário; modificando,

recriando e construindo-se uma nova literatura, na qual o maravilhoso cristão é uma

adaptação: o maravilhoso passa a ser produzido por forças e seres sobrenaturais múltiplos,

a partir do mundo dos objetos e de ações diversas, dentro de uma religião monoteísta (LE

GOFF, 1994). Seguindo nosso objetivo e apoiando-nos na leitura das teorias do

2 O maravilhoso compreendia: “[...] uma coleção de seres, fenômenos, objetos, possuindo todos a característica de serem surpreendentes [...]. O maravilhoso medieval caracteriza-se pela raridade e pelo espanto que suscita, em geral admirativo. Ele afeta primariamente o olhar e implica qualquer coisa de visual, posto que deriva da raiz mir, a mesma que se encontra nos termos latinos miror, mirari (“surpreender-se”) e mirus (“surpreendente”)” (LE GOFF, 2002, p. 106 e 107).

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maravilhoso cristão3 em A Canção de Rolando, aqui elencadas, fundamentamos as nossas

considerações, apresentando excertos da obra literária, que nos permitem refletir as teorias

em questão.

A versão de A Canção de Rolando, utilizada neste estudo, assim como as citações e

excertos transcritos da obra literária são de Ligia Vassalo (1988) e serão referenciados com

as iniciais CR.

Desenvolvimento

O Cristianismo, ainda em fase de sedimentação na Alta Idade Média, norteou novos

rumos à Europa Ocidental e à cultura de toda a sociedade medieval. A Igreja ajudou a

unificar as estruturas sociais, permeada por representações ideológicas e simbólicas,

oriundas da sua leitura de mundo. Esta sociedade, marcada pela contemplação da “vida

eterna”, reprimia os anseios e os impulsos de ação do homem. O quadro político-social

modificou-se e favoreceu a intervenção de grupos interessados no poder, cujas decisões e

atuações estavam firmadas na retomada dos territórios do antigo Império Romano. Carlos

Magno, maior imperador da Idade Média, era cristão e muito colaborou na configuração

deste contexto.

Embora as origens da Literatura estejam nas lendas e nos contos celtas e suas

formas nos clássicos gregos e romanos, houve a tentativa de rupturas com o, então, mundo

pagão herdado. A Canção de Rolando evidencia a presença da fé cristã em todos os

segmentos da sociedade, assim como reproduz o papel do cavaleiro idealizado. Na obra, as

questões da Reconquista e da expansão do Cristianismo misturam-se, ao narrar a história

de Rolando, herói lendário, e ressaltar a sociedade guerreira medieval, associada ao

período das conquistas de Carlos Magno (séculos VIII). Desta forma, a gesta converte três

séculos de história em um mesmo tempo e espaço.

Compreendemos, deste modo, que o maravilhoso cristão tem, na Idade Média, o

contexto favorável e produtivo à arte literária voltada ao ensino da fé cristã. Le Goff (1994,

3 O termo mirabilia, no plural, encontra espaço a partir de uma correspondência para além do milagre, cujo contexto se expandia a outras forças, seres e objetos, à ação dos anjos, dos santos e de Deus, como criador Onipotente. As origens pagãs (deuses, semideuses) não desapareceram na Idade Média e este mundo maravilhoso antigo aparece transportado para o contexto medieval com uma nova representação, a de um Deus único, do qual dependem todas as coisas (o maravilhoso cristão).

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p. 54) reflete sobre este aspecto, destacando que “[...] a recuperação cristã arrastou o

maravilhoso, por um lado, para o milagre e, por outro, para uma representação simbólica e

moralizante”. A partir deste enfoque, o maravilhoso cristão possibilita a leitura no plano

sobrenatural do imaginário desta mesma sociedade e, em A Canção de Rolando,

desempenha papel de destaque em diversas passagens como podemos observar na seguinte

cena: “O imperador acordou de manhã, com a primeira luz da aurora. São Gabriel, que o

vigia em nome de Deus, levanta a mão e faz sobre ele o sinal-da-cruz” (CR, 1988, p. 88).

Nos limites do império carolíngio, a toda a população, impunha-se o Cristianismo, assim,

podemos observar o diálogo entre a História e a Literatura: “[...] todos os súditos do

imperador cristão excepção feita ao grupo restrito dos Judeus deviam adorar o mesmo

Deus que ele, pelo simples facto de se encontrarem submetidos à sua autoridade [...]”

(VAUCHEZ, 1995, p. 18).

Os anjos representam a espiritualidade popular e a Igreja, como intercessores entre

Deus e o homem, embora a Onipresença divina fosse reconhecida. Os anjos, desta maneira,

constituíam a segurança do homem nas horas difíceis, também eram vistos como

protetores. Os mais conhecidos eram Miguel, Gabriel e Rafael, honrados com um culto

especial e podiam ser representados nas igrejas, segundo Vauchez (1995). No plano

espiritual, já havia a concepção de um Deus-Juiz, que tudo julgava. As exigências éticas da

fé cristã alcançaram, assim, efeitos positivos, o que foi traduzido no comportamento

daquela sociedade.

O maravilhoso da Idade Média, no período da escrita da Canção (séc. XII), já não

sofria grande repressão da Igreja à sua irrupção. O maravilhoso cristão, vinculado ao

sobrenatural propriamente cristão, o miraculosus, não dava conta de todos os elementos

que compreendiam aquele universo. Desta maneira, elementos do mundo sociocultural e

do mundo imaginado são mediados pela Literatura que devolve ao leitor/ouvinte a

possibilidade de interagir com o texto, sem questionar o extraordinário, o surpreendente, o

sobrenatural.

As discussões de teóricos como Le Goff (1994, p. 25) sobre a questão de esse

“subgênero” (derivado do fantástico) trazer alguns desfalques em relação às premissas do

maravilhoso cristão têm fundamento, como no que se refere à imprevisibilidade, quando

tudo se resolve e se explica a partir de Deus. Por outro lado, compreendemos que o

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maravilhoso cristão comporta outras asserções, em uma civilização em que o homem

justificava sua existência para Deus e na busca e conquista do “paraíso” depois da morte.

A fala do arcebispo Turpino demonstra o jogo dessa ideologia: “Em nome de Deus

não fugi, para que nenhum valente cante canções maldosas sobre nós. Mais vale, e de

muito, morrer lutando [...] Mas posso garantir-vos uma coisa, que o santo paraíso vos

espera e que ireis vos sentar entre os Inocentes!” (CR, 1988, p. 56), reiterando o Decreto,

em 1095, do Papa Urbano II, de oferecer a absolvição dos pecados àqueles que morressem

em combate pelo Cristianismo, segundo Franco Jr. (1991). O cavaleiro morreria, sem se

deixar abater pela covardia, sendo que a recompensa o esperava após a morte.

Consideramos que esse imaginário era um dos instrumentos que os poetas utilizavam para

melhor subverter o real. Se o mundo pagão era negado em favor do cristão, Deus, com a

milícia celeste, passava a ser o artifício sobrenatural, o maravilhoso, que podia explicar e

compensar o mundo e seus fenômenos.

Na ideologia cristã, os bons (cristãos) iam para o céu, protegidos de Deus; e os

maus (pagãos), para o inferno, protegidos do Diabo. Os cristãos são sempre vencedores e

os pagãos, os vencidos: “Os pagãos estão no erro e os cristãos no bom direito. Jamais um

mau exemplo virá de mim” (CR, 1988, p. 44) – fala de Rolando. No plano do maravilhoso,

ao analisar uma determinada obra literária, percebemos vestígios do imaginário de um

povo e de sua cultura. No que se refere a esta gesta, do povo francês e do tempo histórico,

apreendidos no texto da Canção.4

No texto literário, encontramos passagens que fortalecem o objetivo ideológico e

pedagógico em questão, como no ataque de Rolando ao vingar o amigo, Engelier: “Com

toda a força vai atacar o pagão. Sacode a lâmina: o pagão cai. Os demônios levam sua

alma” (CR, 1988, p. 57). A alma do pagão não tem salvação, é levada pela entidade do

Mal. Também, no final da história, os pagãos perdem suas riquezas e Saragoça para os

Franceses, porque os bons sempre prevalecem sobre os maus. De outro modo, mas não

diferente, no caso de Bramimonda, esposa de Marsílio, ela continua viva porque aceitou o

batismo e a fé cristã: “[...] ela ouviu tantos sermões e bons exemplos que quer acreditar em

4A religião construía toda essa distinção, resultado da concepção da luta entre o Bem e o Mal, sustentáculo da criação do maravilhoso. O sobrenatural caracteriza-se pela fantasia criada pelos francos, a de ser um povo superior aos demais, conceito que não seria necessariamente aceito por outra cultura.

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Deus e pede o batismo: batizai-a, para que Deus tenha sua alma. ‘ Assim seja, dizem os

bispos, [...] batiza-se aí a rainha da Espanha’ [...]” (CR, 1988, p. 117).

O discurso maravilhoso apresenta o cristão como belo e o pagão como feio.

Destacamos a descrição do herói Rolando: “Rolando tem o porte nobre, o rosto claro e

sorridente” (CR, 1988, p. 48), enquanto que Falseron, irmão de Marsílio é assim descrito:

“[...] debaixo do céu não há maior infiel; entre os dois olhos ele tem uma testa enorme,

onde se podia bem medir um meio-pé [...]” (CR, 1988, p. 49). Nos versos referentes a

Falseron, o uso da comparação metafórica entre “testa enorme” e “medir meio-pé”

aproxima elementos diferentes a partir do tamanho, um aspecto comum.

O mesmo processo de julgamento ocorre quanto às referências aos objetos. Um

deles é o escudo de Malprimis de Brigal (pagão): “[...] Seu belo escudo não vale mais que

um centavo: ele quebra o centro de cristal. Metade cai no chão [...]”, cujo valor é

inferiorizado pelo comentário “não vale mais que um centavo”. Reafirma-se, assim, que a

descrição é sempre depreciativa em relação aos pagãos, ao passo que, aos cristãos, são

destacadas qualidades e virtudes. No excerto em que Olivier se enfurece com injúrias de

Falseron se torna evidente a distinção: “[...] fustiga o cavalo com as duas esporas de ouro e

vai dar em Falseron um golpe de verdadeiro barão [...]” (CR, 1988, p. 50), ou seja, Olivier

estaria comportando-se como um nobre, mesmo atacando o outro.

Em A Canção de Rolando, o imaginário medieval é reforçado, ainda, por meio de

textos bíblicos. De acordo com o narrado na Bíblia5, no dia da morte de Cristo, ao meio-

dia, houve relâmpagos, trovões e trevas. O poeta estabelece uma comparação entre tal

evento e o da morte de Rolando:

[...] na França há uma tormenta maravilhosa, tempestade de trovoada e vento, chuva e granizo em excesso, o raio cai a intervalos curtos e repetidos e, com toda a certeza toda a terra treme, de São Miguel do Perigo até Saints [...] em pleno meio-dia, surgem grandes trevas (CR, 1988, p. 54).

5 “Desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra. Imediatamente a cortina do santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu e as pedras se partiram” (BÍBLIA SAGRADA, Mat. 26:45 e 51).

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No excerto anterior, ocorre uma intertextualidade, refletida em um discurso rico e

fantasioso, que procura comparar o herói a Jesus, a fim de exaltá-lo ao máximo diante da

sociedade cristã.

A obra mostra outra produção intertextual, a partir do livro do Apocalipse e de seu

conteúdo, voltada ao Juízo Final6, em torno do qual ocorreram várias especulações. Uma

delas referente ao ano 1000. De acordo com Vauchez (1995, p. 65), “[...] Perto do ano mil

a atenção fixou-se, sobretudo no Anticristo, hidra de cem rostos que incessantemente

renasce e cuja vinda o clero julgava reconhecer nas vicissitudes da história: invasões,

calamidades diversas, aparecimento de heresias. [...]”, quando se previa o final do mundo.

Na Canção, temos o registro desta ideia: “Todos aqueles que vêem tais coisas se espantam,

e alguns dizem: É o fim do mundo, a consumação dos séculos que chegou agora!” (CR,

1988, p. 54).

Em um jogo arbitrário, ocorre a reorganização do imaginário, em que a descrição

da tempestade pode ser interpretada como o fim do mundo, e a densidade dos fatos

excedem o natural, no plano maravilhoso. Conforme Le Goff (1994, p. 56), “O que no

maravilhoso causa espanto vem, para os homens da Idade Média, da tolerância do

cristianismo, que lhe permite existir e manifestar-se”.

O maravilhoso cristão, na Canção, identifica-se ainda em outros trechos com

acontecimentos sobrenaturais que dialogam com o texto bíblico.7 Carlos e seu exército

precisavam da ajuda divina para inverter a posição do combate que lhes era desfavorável.

O discurso maravilhoso apossa-se de figuras e formas da Bíblia e, neste caso, faz-se

referência ao dia em que Javé entregou os amorreus aos israelitas8. Deus sempre quis

formar uma nação que O seguisse, que obedecesse à Sua vontade. Os israelitas eram

incumbidos de atacar as cidades pagãs. O Deus cristão, segundo o relato, fez parar o Sol.

Assim, a permanência do dia favoreceu a vitória do povo israelita, e semelhante acontece

com os franceses nesta gesta:

6 Quem não temeria, Senhor, e não glorificaria o Teu nome? Sim! Só Tu és santo! Todas as nações virão ajoelhar-se diante de Ti, porque Tuas justas decisões se tornaram manifestas!” (BIBLIA SAGRADA, Apocalipse 15:4). 7 De acordo com Todorov (1975, p. 173), “O acontecimento sobrenatural intervém para romper o desequilíbrio mediano e provocar a longa busca do segundo equilíbrio”. 8 “E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. (BÍBLIA SAGRADA, Josué 10:13).

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[Quando a tarde cai, o rei] desce à relva verde de um prado, deita-se na terra e pede a Nosso Senhor que pare para ele o curso do sol, retarde a noite e prolongue o dia. Então um anjo que costumava falar com ele deu-lhe logo voz de comando: ‘Cavalga Carlos, pois a ti a claridade não falta [...] para Carlos Magno Deus realizou uma grande maravilha: o Sol interrompe seu curso. Os pagãos fogem. Os Francos os perseguem com firmeza [...] (CR, 1988, p. 79).

Acontecimentos narrados com a intercessão de anjos e de santos são próprios do

maravilhoso cristão, uma vez que, como mensageiros de Deus, participam dos eventos

sobrenaturais, geralmente com a função de operar e conceder graças e milagres. Poirion

(1982, p. 9) afirma que “[...] La Chanson de Roland emprunte à l’hagiographie, entre

autres traits, le merveilleux de cette communication divine [...]”9. Neste sentido, temos o

episódio do momento da morte do herói Rolando, quando ofereceu sua luva direita a Deus,

e os anjos vieram buscar sua alma:

[...] São Gabriel pegou-a nas mãos. Sobre o braço mantinha a cabeça inclinada; com as mãos juntas chegou ao seu fim. Deus enviou seu anjo Querubim e São Miguel do Perigo; ao mesmo tempo que os outros, veio São Gabriel; levam a alma do conde ao Paraíso (CR, 1988, p.78).

O mundo dos símbolos, no período medieval, torna-se mistificado e, até nossos

dias, práticas ocorrem em forma de ritos. Os objetos, os gestos, as fórmulas tornavam-se

necessários às representações mentais. Tais manifestações levavam o homem a expressar

seu mundo interior e a interpretar e a buscar explicações da natureza.

Desse universo imaginário, A Canção de Rolando sugere uma variedade de

elementos que nos proporcionam conceber algumas ideias sobre os meios que o homem

utilizava para explicar sua existência e o mundo em que vivia. Como toda explicação

provinha do mundo cristão, a contextualização desse inventário remete-se ao plano divino,

uma vez instituído pela Igreja, a partir da fé cristã:

[...] Porque o mundo oculto era um mundo sagrado, e o pensamento simbólico [...] era mais que a forma elaborada, decantada, no plano dos doutos, do pensamento mágico que impregnava a mentalidade comum

9“A Canção de Rolando empresta da hagiografia, entre outros traços, o maravilhoso dessa comunicação divina.” (Tradução nossa.)

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[...], para a massa, as relíquias, sacramentos e preces eram seus equivalentes autorizados. Tratava-se sempre de encontrar as chaves que abrissem as portas do mundo sagrado, o mundo verdadeiro e eterno, aquele onde se podia encontrar a salvação [...] (LE GOFF, 2005, p. 337).

A obra favorece-nos observar alguns vestígios daquela cultura, dentre eles, alguns

gestos que sinalizam o aspecto religioso, com a confissão que liberta a alma para a

salvação, e bater a mão no peito, como reconhecimento da culpa:

[...] [Rolando] bate no peito e pede perdão a Deus: “Pai verdadeiro, que nunca mentiste, que ressuscitaste São Lázaro dentre os mortos, que preservaste Daniel dos leões, preserva a minha alma de todos os perigos, pelos pecados que cometi em vida!” [...] (CR, 1988, p. 78).

A Literatura, por meio do discurso, torna verdade aquilo que estava na imaginação

da coletividade, permitindo ao leitor o diálogo entre simbologias e a realidade. Como

pondera Le Goff (1994), o problema com o maravilhoso cristão está na convergência de

todo o sobrenatural a um Deus único, sendo que o maravilhoso é próprio do sobrenatural e

da plurissignificação.

Por meio do maravilhoso, conseguimos estabelecer a justaposição entre o mundo

em que primeiramente foram instituídos tais rituais e o mundo em que o ser humano se

situa. De acordo com Poirion (1982, p. 10), “[...] Par rapport à une mentalité plus

primitive qui situe la force surnaturelle dans l’immanence, le merveilleux chrétien traduite

une volonté d’épuration et de spiritualization en attribuant cette force à la transcendence

divine […]”10. Compreendemos que o autor se refere a um comportamento característico e

intransferível, que poderia ser associado ao sentimento “fé”, inquestionável do ponto de

vista do ser humano que o pratica. Este completa-se com a reflexão de Bessière (1974) de

que o maravilhoso, por meio da representação literária, provoca a emancipação do mundo

real e possibilita a adesão do leitor ao mundo representado. No plano do maravilhoso

cristão, o ritual do culto aos mortos11 representava a extensão à Vida Eterna, praticado

pelos vivos:

10“[...] Em relação a uma mentalidade mais primitiva que situa a força sobrenatural na imanência, o maravilhoso cristão traduz uma vontade de purificação e de espiritualização atribuindo essa força à transcendência divina [...]”. 11 “[...] Por isso vemos a Igreja, durante muito tempo reservada relativamente a certas orientações da devoção popular, acolher, na época carolíngia, as que lhe parecem compatíveis com a doutrina cristã. Tomou

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O imperador mandou conservar o corpo de Rolando, o de Olivier e o de Turpino. Diante de si manda abrir todos os três, para recolher os corações num tecido de seda, e manda colocá-los em alvos esquifes de mármore; em seguida pegaram os corpos dos barões, colocaram-nos em peles de cervos, depois de os lavarem bem com pimenta e vinho [...] (CR, 1988, p. 91-92).

Desse modo, o maravilhoso é o recurso que veicula a percepção e a aceitação

dessas crenças, dessa cultura, transportando-nos ao passado de forma natural, ao mundo

que o poeta nos quer traduzir. Na realidade, nunca saberemos o que toda essa simbologia

representava exatamente para aquela sociedade, porém o discurso maravilhoso envolve-nos

e convida a interagir com o texto, sem, no entanto, levar-nos a questionar os significados.

Nas palavras de Bessière (1974, n.p.), “[...] O maravilhoso não problematiza a essência

própria da lei que rege o acontecimento, mas a expõe. Neste sentido, ele possui sempre a

função e o valor de exemplo ou de ilustração [...]”. Entendemos, assim, que o maravilhoso

mostra o acontecimento, a necessidade de sua presença no texto, sem, no entanto,

relativizar o fato e suas consequências.

Em experiências de transcender o mundo real, a sociedade medieval procurava,

ainda, por meio dos sonhos, das aparições, das visões12, buscar as graças que amenizassem

as decepções da vida terrena e os desconfortos ante o desconhecido. O sonho, com sua

interpretação, colaborava neste sentido, uma vez que nele tudo pode acontecer, este é

instável, não obedece à ordem do mundo natural, daí o seu caráter maravilhoso. Os sonhos

estão incluídos na herança da cultura medieval, principalmente a partir do Antigo

Testamento, em que Javé tem os reis e os profetas beneficiários de visões ou de sonhos

enigmáticos, portanto, fazem parte do inventário maravilhoso dos medievos, segundo Le

Goff (1994).

A cena a seguir, baseada em um sonho, corresponde ao momento em que Carlos e

seu exército se preparam para retornar à França. Este excerto pode ser classificado como

um sonho premonitório, em que o imperador deveria se precaver contra a traição de

particularmente a seu cargo o culto dos mortos, como o testemunha no século IX a instituição da festa de Todos-os-Santos, a qual veio satisfazer uma necessidade especial da piedade popular, sublinhando a vocação dos fiéis defuntos para a salvação [...]” (VAUCHEZ, 1995, p. 30). 12 Na Alta Idade Média, todos, leigos e clérigos, estão convencidos de que Deus intervém em seus destinos, dessa forma Ele não permite que o homem seja castigado contra sua justiça, por isso adverte-o por meio de visões e de milagres (VAUCHEZ, 1995).

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Ganelão e, neste caso, para evitar a desgraça que viria desta ação, comprovando as

inquietações de Carlos a respeito do caráter daquele cavaleiro: “[...] Carlos, o poderoso

imperador adormece. Sonha que está nos largos desfiladeiros de Ciza e que segura nas

mãos a lança de freixo; e então o conde Ganelão a arranca, sacode-a e empurra-a com tal

furor que as centelhas voam para o céu [...]” (CR, 1988, p. 37).

Em outro sonho de Carlos, observamos o caráter de revelação, de algo que está para

acontecer; o anjo revela as dificuldades e a dureza da batalha que ele teria pela frente.

Elementos da natureza e animais narrados no excerto elencam as forças do Mal,

interpretação da religião cristã:

Carlos adormece como um homem roído pela angústia. Deus lhe envia São Gabriel com a ordem de velar por ele. O anjo permanece toda a noite à sua cabeceira. Numa visão revelou-lhe uma batalha que ainda vai ser travada. Através do sonho mostrou-lhe o cruel significado dela. Carlos levantou os olhos para o céu, vê trovões, ventos, nevascas, borrascas, tempestades violentas, e chamas de fogo, está tudo ali e se abate sobre seu exército [...] em seguida, ursos e leopardos querem devorá-los, cobras e serpentes, dragões e demônios; há também grifos, mais de trinta mil [...] (CR, 1988, p. 81).

Confirma Le Goff (2005, p. 334) que “O mundo animal era, sobretudo, o universo

do mal [...] os animais fabulosos, como o áspide, o basilisco, o dragão e o grifo são

satânicos, verdadeiras imagens do diabo”. Observamos, mais uma vez, que o maravilhoso

intersecciona com a ficção; embora os animais ali descritos pertençam ao mundo real, o

modo como o poeta os coloca, adequados à situação que a narrativa desenvolve, esses

elementos passam a pertencer ao mundo maravilhoso.

Carlos desconhecia os planos da traição, assim, essa visão nada significava naquele

momento de paz com o inimigo, portanto ela serve apenas para despertar suspeitas e

cautela. O sonho era um estímulo da vida mental, porque refletia pensamentos, anseios e

medos do homem daquela sociedade.

As relíquias também compõem o imaginário cristão medieval na Canção. Para os

fiéis, parte dos corpos e objetos que tinham pertencido aos santos eram procurados com

paixão, pois eles acreditavam que delas emanavam benefícios, como vitórias, curas etc. A

espada de Rolando configura-se como objeto do maravilhoso, do sobrenatural: “[...] Ah!

Durindana, como és bela e santa! No teu punho há muitas relíquias, um dente de São

Pedro, sangue de São Basílio, cabelos de São Dinis, um pedaço da roupa da Virgem Maria

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[...]” (CR, 1988, p. 77). O excerto evidencia a presença e força do maravilhoso cristão,

uma vez que o herói lendário, de posse da espada, era considerado imbatível.

O maravilhoso cristão pode ser configurado, desse modo, como o instrumento que

o poeta dispunha para melhor recriar e expressar eventos da realidade medieval,

possibilitando verdades a que somente a Literatura consegue ser fiel e disponibilizar ao

leitor em forma de Arte.

Conclusão

O maravilhoso cristão, embora questionado em sua legitimidade, torna-se previsível

a partir de preceitos de uma religião monoteísta, o que permeia a obra A Canção de

Rolando como artifício literário na construção da narrativa. O maravilhoso remete-nos a

formas de culturas e de heranças culturais pré-cristãs. Por meio da obra literária em

questão, concluímos que, na Idade Média, essas mesmas raízes influenciaram o imaginário

medieval do Ocidente, porém foram transformadas, e as atitudes evoluíram para um mundo

teocentrista, construído a partir de crenças no sobrenatural. A literatura, deste modo,

realiza-se nas manifestações do maravilhoso, principalmente cristão, que pela linguagem as

expressa no início do século XII, representando o homem e a sociedade de seu tempo.

A Literatura, sem comprometimento com a realidade, criou e recriou um mundo

cristão, em que as simbologias, os ritos nos possibilitam apreender elementos do

sociocultural. O meio estilístico escolhido pelo poeta, o maravilhoso cristão, foi

fundamental para consolidar sua inspiração, pois se tudo era explicado e fundamentado no

Cristianismo, o poeta e os textos literários não ficaram imunes à sua influência.

A obra literária, desta maneira, apresenta um diálogo com o homem daquela

sociedade, representante da coletividade que busca sua identidade no cavaleiro idealizado,

possibilitando ao leitor “mirar” os fatos e os objetos em uma dimensão que excede o

natural e reler as maravilhas mais antigas pelo viés cristão.

REFERÊNCIAS

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