O mato

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Escrito por Bernard Ashley Ilustrado por Lynne O Mato

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Escrito por Bernard Ashley

Ilustrado por Lynne Willey

O Mato

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Joyce pôs-se a dançar quando os coelhos chegaram. Havia um coelho macho e uma fêmea. Não eram nada como os coelhos cinzentos e magrinhos que Joyce via em pleno mato. Estes eram coelhos gordos, brancos, com olhos cor--de-rosa e pelinho felpudo. Eram maiores e tinham um aspeto diferente.

A mãe de Joyce retirou-os do cesto e pô-los juntos numa gaiola de madeira.

Uma semana mais tarde, a mãe pôs cada um dos coelhos numa gaiola individual. E disse aos dois irmãos mais velhos de Joyce: “Arranjem mais madeira e construam mais gaiolas, por favor.”

“Para quê? Duas bastam, não achas?” perguntou Joyce.

“Vá lá, rapazes” disse a mãe. “Joyce, estás a estorvar a passagem. Deixa os teus irmãos trabalhar. Pensa lá bem, o que acontece quando pões um coelho macho e uma fêmea juntos, numa gaiola? Ora adivinha porque são precisas mais gaiolas!”

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Joyce descobriu rapidamente. Um mês mais tarde, a fêmea teve seis crias, todas cor-de-rosa e carequinhas. Pareciam todas iguais, mesmo depois de lhes ter crescido o pelo. Joyce gostava de todos os coelhos, mas havia um em especial… O mais mimalho de todos!

À hora de dar de comer, Joyce chamou “Coelho! Coelhinho! Coelhinho! Coelho! Coelho!” Um após outro, cinco coelhos apressaram-se a sair, os olhinhos cor-de-rosa a piscar, para comer as plantinhas verdes que Joyce lhes estendia. Depois, quando o seu amigo especial, o mimalhito, apareceu, Joyce chamou: “Kipenzi!” Que significa “o favorito”.

“Os coelhinhos são para nós brincarmos?” perguntou Joyce aos irmãos. Mas eles não sabiam.

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Nessa noite, enquanto fazia festinhas e dava de comer a Kipenzi, Joyce perguntou à mãe: “Estes coelhos são os nossos animais de estimação?”

“Não, Joyce” respondeu ela. “Quando eles forem grandes vão para o Mato. Nessa altura vão pagar-me um tanto por eles. Assim ganhamos algum dinheiro.”

Joyce concordou — todos os coelhos estavam a crescer fortes e depois seriam soltos em campo aberto, em liberdade, no meio do mato.

“Isso é bom” disse a menina. Mas não conseguia compreender porque é que a mãe ia ser paga por isso.

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As irmãs mais novas de Joyce também davam de comer aos coelhos, mas não ligavam a nenhum deles em especial. Os irmãos também não. Mas com Joyce era diferente.

Sempre que Joyce ia até à gaiola, Kipenzi saía e sentava- se no colo enquanto ela o acariciava suavemente. Quando já tinham comido todos os alimentos, os outros coelhos pulavam para longe, mas Kipenzi parecia querer fazer-se amigo. Lambia os dedos de Joyce e mordiscava-lhe a saia.

“Não fiques muito amiguinha desse aí” dizia a mãe de Joyce. “Lembra-te, ele vai para o Mato.”

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Joyce temia o dia em que teria de deixar partir Kipenzi, pulando em direção ao campo aberto. Mas ao menos iria saltar para a liberdade. E por isso a menina contava os dias. A princípio, era na semana seguinte que Kipenzi teria a sua liberdade. Depois, já era no dia seguinte!

Quando a altura chegou, Joyce fez miminhos a Kipenzi e tentou não chorar.

A mãe pôs os coelhos em seis sacos separados. Joyce deixou a mão dentro do saco de Kipenzi até o cordel de aperto lhe prender a mão de tal forma que, para a retirar, teve de dar um grande puxão.

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O pai e a mãe dos coelhos ficaram para trás, e as duas transportaram os seis nos sacos e foram esperar pelo autocarro na berma da estrada.

Joyce certificou-se de que era ela que levava o saco de Kipenzi. Não ia separar--se dele até que chegassem a campo aberto, até ao mato.

O autocarro chegou.Mas para onde é que ele ia? Não

estava a levá-las pelo caminho de lama dura em direção ao campo aberto. Estava a levá-las pela estrada grande que ia para a cidade!

“Este não é o caminho certo para o mato, pois não?” perguntou Joyce à mãe.

Mas a mãe nada disse.

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Quando chegaram à cidade, a mãe começou a fazer perguntas. A pedir indicações.

Tinha nas mãos quatro sacos com coelhos irrequietos, e Joyce tinha mais dois.

A mãe perguntava: “Onde fica o Mato? Pode indicar-me o caminho para o Mato?”

Uma mulher disse-lhe: “ Vá por esta estrada...”

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Joyce não conseguia entender…

O mato que conhecia não era, de maneira alguma, perto do sítio para onde se dirigiam.

As ruas estavam cheias de gente. Havia lojas e carros e bicicletas e autocarros. Mas foram continuando sempre e sempre, até onde os edifícios eram cada vez mais altos. Os topos pareciam tocar uns nos outros como se fossem pontas de dedos.

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Então, de repente, Joyce descobriu para onde é que iam! Ali, escritas a vermelho na frente de um grande edifício, estavam umas palavras que ela conseguia ler perfeitamente: O e Mato...

Aquele Mato nada tinha a ver com o mato em campo aberto. Mato era o nome de um grande hotel!

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Joyce estacou. “É para aqui que vamos?”A mãe assentiu: “Sim, é aqui. Lá atrás,

para a cozinha.” “A cozinha?” Joyce apertou o saco de

Kipenzi contra o peito.Cozinhas significam cozinhados e

panelas, e panelas significam coisas para meter dentro delas. Como coelhos. Como Kipenzi.

“Ele vai ser morto! Para comer!” Joyce quase gritou com a mãe.

“Sim, para comer. É em troca disso que nos pagam.”

Mas agora Joyce gritou mesmo. “O Kipenzi não! Por favor, o Kipenzi não!”

“Joyce! Para com esse barulho!”A mãe de Joyce contornou o caminho até

ao pátio nas traseiras do hotel. Este ficava perto de um campo de golfe. Estava um homem sentado no pátio, no exterior da porta das traseiras.

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Por detrás dele, Joyce conseguia ver o interior da cozinha. Havia facas enormes e compridas penduradas em prateleiras, tachos fumegantes e panelas a ferver. O homem levantou-se. Era muito alto e parecia bastante ameaçador.

“Coelhos” disse a mãe de Joyce.“Quantos tem?”“Seis.”“Dê-mos.” Ele esticou a mão e agarrou os

quatro sacos que a mãe de Joyce segurava. Espreitou com ar zangado para dentro de cada um dos sacos. Puxou para fora um coelho para o ver de mais perto. Pegou nele com tal brusquidão que até se ouviram queixumes. “São todos assim?”

“Sim.”

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O olhar ameaçador do homem dizia que era mesmo bom que assim fosse. Puxou para fora os outros três coelhos e enfiou os quatro no mesmo saco. “Mais dois?” e estalou os dedos.

“Aqui estão eles.” A mãe de Joyce tirou um dos sacos das mãos de Joyce e deu-lho.

“Assim são cinco” resmungou ele, empurrando mais aquele coelho também para o saco.

A mãe de Joyce olhava para ela. “Dá esse ao homem!” Mas Joyce estava bem agarrada ao saco de Kipenzi. O talhante não ia ficar com Kipenzi. “Não! Não! O Kipenzi não. Fique com cinco.”

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“Quero os seis!” disse o homem, agarrando o saco.

Num segundo, Kipenzi estava junto com os outros.

“Não é preciso ser tão bruto!” disse a mãe de Joyce.

“Vou buscar o seu dinheiro” disse o talhante.

Pôs o saco com os coelhos irrequietos em cima da cadeira, virou-se e dirigiu-se à cozinha.

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Num ápice, Joyce estava junto da cadeira. Agarrou o saco e deixou sair todos os coelhos. “Vão! Vão!” gritou. Usou o seu próprio pé para apressar os coelhos na corrida pelo pátio fora e através da vedação, e foi até ao campo de golfe.

“Que estás a fazer?” gritou a mãe, tentando recuperar todos os coelhos mas sem apanhar nenhum.

O talhante também estava a tentar apanhá-los. As suas mãos grandes agarravam aqui e ali, mas um coelho amedrontado é demasiado rápido até mesmo para um talhante. “Voltem, voltem aqui!” gritava ele.

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Mas havia um coelho que ainda ali estava: Kipenzi. Era dócil, por isso não conseguia fugir. Estava sentado na cadeira, de olhos arregalados, à espera que o acariciassem.

Joyce, a mãe e o talhante, todos pareceram vê-lo ao mesmo tempo. Três pares de mãos correram a agarrá-lo. As de Joyce, por amor, as do talhante, pela faca, e as da mãe de Joyce por ... por quê?

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A mãe de Joyce chegou lá primeiro. Pegou em Kipenzi e segurou-o nos braços. O talhante olhou para ela. Joyce olhou para ela. O que é que a mãe ia fazer com Kipenzi?

O talhante disse: “Dê cá!” Joyce gritou: “Não dês!”Kipenzi continuava calmo. A mãe

de Joyce disse: “Desculpe” por cima do ombro, e levou Joyce e Kipenzi para fora do pátio.

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Caminhou rapidamente até ao parque dos autocarros para apanhar um até casa. Não disse uma palavra durante todo o percurso — nem mesmo quando deu Kipenzi a Joyce. Olhava em frente, pela janela do autocarro. Joyce também nada dizia, limitava-se a afagar Kipenzi. Mas o seu coração batia tão acelerado quanto o dele.

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Finalmente, na paragem do autocarro, quando já ninguém podia ouvi-las e ninguém podia vê-los, a mãe de Joyce falou. Não aos gritos, mas com um lento abanar de cabeça.

“Foram as suas mãos brutas. Foi a maneira como ele mexeu naquelas criaturinhas. Foi tão cruel! Não gosto de ver nenhum animal maltratado. Ainda bem que os ajudaste a escapar.”

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Então a mãe pôs-se a caminho de casa, seguindo em frente com passo firme. “Teremos que ganhar dinheiro de uma outra forma. Vamos plantar e colher.”

Joyce seguiu-a, sorrindo e acariciando Kipenzi a cada passo que dava.