O menino do morro virou Deus - PerSe · O céu é o limite. 5 O menino do morro virou Deus Olho de...
Transcript of O menino do morro virou Deus - PerSe · O céu é o limite. 5 O menino do morro virou Deus Olho de...
2 O menino do morro virou Deus
Autor: Bruno Rico.
ISBN: 978-85-914558-1-2
Modelo de capa: Allan Vilela.
Fotógrafo: Efraim Fernandes.
Designer de arte final: Nathalie Nolasco.
Ano: 2014 – RJ.
Vendas pelo site: www.perse.com.br
Blogs do autor:
www.mundodorap.blogger.com.br
www.sentimentocritico.blogspot.com
Contatos: [email protected]
http://www.facebook.com/omeninodomorroviroudeus
http://www.facebook.com/bru.rico
3 O menino do morro virou Deus
Nesta segunda parte do livro, a
jornada de Julinho Faixa continua e
ele se torna um Deus de fato.
Boa leitura.
4 O menino do morro virou Deus
Sumário:
5..................................................... Olho de tigre.
31................................................... Foco na missão.
53................................................... AV/DV.
85................................................... Traição não tem perdão.
105................................................... O quinto elemento.
136................................................. Novos horizontes.
155................................................. O Senador.
170................................................. A todo vapor.
183................................................. Família em primeiro lugar.
196................................................. Carta abençoada.
200................................................. Excentricidades.
203................................................. O intocável.
210................................................. Na rede.
221................................................. O céu é o limite.
5 O menino do morro virou Deus
Olho de tigre.
Eram seis horas da manhã, a noite havia sido
cansativa e agitada, e eu estava tentando dormir, mas naquela
noite eu não consegui, pois um sujeito batia na minha porta aos
gritos:
- Acorda Julinho, acorda cara!
Levantei da cama no susto, peguei a minha arma em
cima da mesa da cozinha e fui ver quem é que estava me
gritando.
- O que houve Fabão, e esse sangue aí meu mano? E
essa cara de apavorado?
- Irmão! Mataram o Coelho, mataram a nossa
rapaziada também, o Vandinho, o Lino e o Murunga também
não estão mais entra a gente.
Na hora que ouvi o Fabão falando aquilo tudo, eu fiquei
totalmente chocado, mas ao mesmo tempo eu precisava agir
logo, não me restava muito tempo para raciocinar direito, até
porque a situação era muito séria, e o Fabão também parecia
estar ferido.
- Que merda que houve Fabão, como é que mataram
quatro dos nossos assim de uma vez?
6 O menino do morro virou Deus
- Pois é Julinho, na verdade eles queriam matar cinco,
eu estava incluído, mas levei um tiro no braço e consegui sair
fora, eu dei sorte, pois fui o último a ser alvejado, quando eles
vieram pra me matar eu já estava ligado no que estava
acontecendo e como não podia fazer mais nada, só me restou
salvar a minha própria vida.
- Eles quem Fabão, quem foi que fez essa sujeira?
- Pô, irmão, o Coelho estava passando por um
momento difícil, inclusive ele nem quis te preocupar com isso,
mas a questão é que ele teve um desentendimento com uns
policiais que faziam uns serviços pra ele, e junto a isso, foi
solto um bandidão da cadeia,e esse cara falou que quer tomar
São Paulo toda pra ele, e esse verme virou aliado dos caras
que o Coelho havia brigado, conclusão: esse bandido que foi
solto pagou os policiais para fazerem uma emboscada para o
Coelho, os caras chegaram lá falando que queriam fazer um
acordo, e passaram fogo em toda a nossa diretoria.
- Porra cara, que sujeira hein. E qual o nome desse
verme que mandou fazer isso com a nossa família?
- O nome do sujeito é Tenório.
Imediatamente eu coloquei uma roupa para me
agasalhar, pois a manhã estava congelante, saí de casa e fui
acordar os soldados que estavam dormindo para que a gente
pudesse dar uma checada no local do crime.
Enquanto rodava pelo morro fui colhendo mais
informações do ocorrido com o Fabão, que estava
extremamente agitado.
7 O menino do morro virou Deus
- E os policiais que fizeram isso, são aqui da área, são
os mesmos que aparecem aqui no meu morro?
- Não são não Julinho, são de outra área, é uma galera
aí da pesada que o Coelho tinha contato, mas eles não
circulam por aqui não.
- Menos mal então Fabão, porque se esses policiais
fossem daqui, o negócio ia ficar feio hoje mesmo, porque eu ia
passar fogo em todos eles, não ia nem querer saber de nada,
mas como são de outra área a gente tem que ver isso aí
melhor.
- Mas você tem que tomar cuidado também Julinho,
todo mundo sabe que tu era homem de confiança do Coelho, e
eles podem vir atrás de você também.
- Fica tranquilo Fabão, pra me derrubar vai ser difícil.
Mas e você cara, depois de cuidar desse braço vai fazer o que
da vida?
- To pensando em voltar pra Paraíba, to com uma
sensação estranha Julinho, eu não sou de ter medo não, mas
to achando que se eu ficar vou morrer, a barra ta pesada.
Minha coroa lá na minha terra também já tinha me pedido pra
voltar, e eu to com um dinheirinho guardado que pelas minhas
contas já da pra eu viver por lá.
- Mas e o morro lá Fabão, como é que vai ficar, pensei
que tu ia assumir, tu era praticamente o segundo cérebro lá no
nosso grupo.
- Que nada Julinho, nem eu quero essa parada pra
mim, e tem outra, todo mundo sabia que o Coelho morrendo ou
indo preso o cara que assumiria seria você. Além de que, todo
8 O menino do morro virou Deus
mundo sabe do seu potencial, e eu tenho plena certeza que
além de não deixar a peteca cair, você ainda vai vingar a morte
dos nossos irmãos, e ainda vai ser um cara de sucesso, como
bem dizia o nosso finado chefe.
- Poxa Fabão, mas eu to meio por fora dos negócios lá
do morro, preciso saber dos contatos, das fontes, quem é
quem.
- Pois é Julinho, eu vou te ajudar nisso tudo, depois
que eu te passar tudo que sei, e depois que a gente matar
quem deve morrer, eu saio fora, mas só vou pra minha terra
depois que a missão estiver cumprida, não vou te deixar na
mão agora irmão.
- Ta certo parceiro, mas antes de qualquer coisa vamos
ver esse braço aí logo.
Na época desta triste situação eu já estava bem
mudado, tanto fisicamente, quanto na personalidade mesmo.
Quando o Coelho morreu eu estava com meus 19 anos
de idade, havia dado uma boa crescida, deixando para trás
aquela aparência mirrada e franzina. Justamente por estar bem
alto e com uma cara de homem feito, eu parecia ter mais do
que 19 anos, e isso ajudava a passar mais respeito para os
outros. Mas de fato eu já era um homem feito, inúmeras coisas
já haviam acontecido para que eu pudesse me considerar um
homem de verdade.
Para começo de conversa, já com 19 anos eu era
fascinado por matar, e já havia passado o fogo em muita gente
que havia atravessado o meu caminho, mas nada foi mais
prazeroso do que matar o assassino do meu irmão e a
9 O menino do morro virou Deus
namorada dele, o tal do Édson e a puta da Cilene pagaram
muito caro pela morte covarde do Gê. Quando eu os achei,
eles estavam morando no interior de São Paulo, eles ficaram
sabendo que eu havia virado bandido, e como sabiam que eu
era muito colado com o meu irmão, imaginaram que eu iria
atrás deles, daí tentaram se esconder, mas não adiantou,
quando eu quero algo, vou até no inferno pegar se for preciso,
mas no caso deles eu não precisei ir tão longe.
Fiz questão de matar os dois de frente, sem covardia,
para que eles pudessem ver bem a minha cara. A puta eu
matei com um tiro dentro da boca, e o verme do Édson eu
matei a facadas, achei mais prazeroso pra mim e mais
doloroso pra ele, e de fato foi.
Além dessas duas mortes, eu havia mandando pra
baixo da terra alguns outros desafetos também, inimigos que
eu fui colecionando conforme ia fazendo sucesso no crime.
Nessa época eu também já tinha mandado muito traíra pra
vala, atrás do Mané Rainha vieram outros tantos; no mundo do
crime essa raça parece que brota da terra. Eu tinha tanta cisma
com traição que teve gente que morreu só pelo simples fato de
eu desconfiar de alguma coisa, quando a dúvida surgia na
minha cabeça eu preferia matar a ficar com uma pulga atrás da
orelha.
Eu também estava com uma visão de negócios bem
diferenciada e ampliada, em comparação a que tinha antes, as
minhas ideias haviam se aperfeiçoado. Antes de o Coelho
morrer eu estava formando um grupo forte para começar a
invadir biqueiras inimigas, a intenção era aumentar o meu
10 O menino do morro virou Deus
território, mas devido aos imprevistos eu tive que mudar os
meus planos, pelo menos por um tempo.
Eu confesso que quando o Fabão apareceu na minha
porta cheio de sangue, falando que o Coelho havia morrido,
junto com os outros parceiros que eu também considerava
como uma família, eu fiquei bastante abalado, o meu coração
que havia se transformado numa pedra de gelo, chegou a
derreter um pouco, foi um choque muito grande pra mim, e
posteriormente uma responsabilidade maior ainda, pois eu
sabia que tudo que era de domínio do Coelho, agora passaria a
ser meu, esse era o ciclo, o Coelho sempre me falava que
gostava de ver ou eu, ou o Fabão assumindo o lugar dele caso
acontecesse alguma coisa, e como o Fabão não queria, a
responsabilidade de assumir tudo ficou comigo.Mas eu estava
preparado, tudo que havia acontecido na minha vida me deixou
pronto para aquele momento, eu me assustei um pouco de
início, mas logo em seguida parti para a vingança, e depois de
me vingar eu já iria começar a tocar os negócios de uma forma
avassaladora.Esse era o meu pensamento, era só colocar tudo
em prática.
Quem me olhava, falava que eu estava com sangue
nos olhos, espumando ódio, e de fato estava. A minha vontade
era matar logo o tal do Tenório, que além de mandar matar o
Coelho, era um perigo real para as minhas biqueiras. Eu
também precisava passar ferro nos policiais que haviam feito a
emboscada. Só que eu sabia que iria encontrar grandes
dificuldades ao tentar realizar esses meus dois desejos,
portanto, eu precisava deixar a ansiedade de lado e pensar em
11 O menino do morro virou Deus
algo bem orquestrado para que tudo acontecesse da melhor
forma possível.
O Tenório eu fiquei sabendo que era de fato um
bandido de grande porte, além de ser muito considerado,
conclui-se logicamente que ele andava com muitos
seguranças, o que dificultaria qualquer tipo de ação. Quanto
aos policiais, eu descobri que eram três da Civil, ou seja, se eu
matasse um, o cerco já iria se fechar pra mim, se eu matasse
os três então, aí é que eu iria ver a polícia toda de São Paulo
querendo a minha cabeça; portanto eu precisava pensar em
algum tipo de morte que não me envolvesse, pelo menos no
caso dos policiais.
Enquanto eu pensava em alguma solução rápida e
eficaz, não só para me vingar, como para me resguardar
também, o Fabão foi me passando algumas coisas do negócio,
eu estava a partir daquele momento tomando conta do meu
antigo morro, e do morro que havia me visto nascer, o morro
que havia me ensinado tudo na vida. Saber que agora eu era o
chefe, mesmo naquela situação conturbada e perigosa, me
deixou bastante orgulhoso, porque querendo ou não, era uma
realização de infância. Pois quando eu via os caras vendendo
na biqueira, eu sempre pensava: “Eu ainda vou ser dono desse
morro.”
Dentre as coisas que o Fabão foi me passando, algo
me intrigou bastante, o contato do Amorim, aquele doleiro
pilantra que planejou o assalto a casa de câmbio do amigo.
De imediato eu perguntei para o Fabão:
12 O menino do morro virou Deus
- O Coelho manteve contato com esse Amorim pra
quê?
- Pô, Julinho, esse Amorim às vezes vinha aqui no
morro, se trancava na sala com o Coelho e ficava um bom
tempo conversando, eu nunca soube ao certo qual era a
ligação dos dois, mas pelo que o Coelho deixou entender uma
vez, esse tal de Amorim era o contato dele com uns
fornecedores estrangeiros aí.
Hoje em dia até existem alguns lugares no Brasil onde
se cultiva a plantação da folha de coca, que depois de tratada
quimicamente vira a pasta de coca e posteriormente cocaína,
mas mesmo dizendo que alguns lugares possuem esse plantio,
eu também posso afirmar que isso é coisa rara, aqui no Brasil
esse costume não é muito comum, portanto praticamente
100% da droga que se vende nessas terras são oriundas de
outros países, principalmente dos vizinhos da Bolívia, Colômbia
e Peru. Agora você imagina no tempo que o Coelho era vivo,
ou seja, eu estou falando de uns 15 anos atrás, naquele tempo
sequer existia ou sequer se cogitava de plantar folha de coca
por aqui, portanto, tudo vinha de fora, e um contato direto da
fonte era muito importante, pois cortava intermediários e
consequentemente aumentava os lucros, e era isso que o
Coelho estava querendo com o Amorim, pelo menos foi isso
que eu descobri um tempo depois.
O Amorim era um cara com muito dinheiro, muito
mesmo, e gente assim costuma ter amigos de todos os tipos,
por conveniência é claro, principalmente bandidos de ofício e
policiais que são bandidos, pois esse tipo de gente sempre é
13 O menino do morro virou Deus
muito útil para certos tipos de trabalhos, se é que o nobre leitor
me entende. E o Coelho era um dos amigos bandidos do
Amorim, e com isso um fazia favores para o outro, muito mais o
Coelho ao Amorim, pois o doleiro quase sempre aparecia com
um trabalhinho sujo lá no morro para a quadrilha fazer, e em
contrapartida o Coelho vivia pedindo para o Amorim colocá-lo
em contato direto com os fabricantes das drogas, já que o
Coelho comprava a droga de um sujeito que comprava direto
da fonte, e ele queria cortar essa ponte, pois seria muito mais
vantajoso para ele.
Só para constar um dado de grande importância, o
Coelho comprava de um terceiro, mas no mercado da droga
existe gente que consegue os seus produtos de diversas
formas possíveis, os grandes atacadistas como eu compram
direto da fonte, mas isso é para poucos, porque boa parte dos
traficantes compram de terceiros, ou chegam até mesmo a
comprar da mão de um sujeito que comprou de um terceiro,
que comprou da fonte, ou seja, as vezes a droga chega a vir de
uma quarta pessoa e com isso o fio fica muito longo, e quanto
mais longo o fio da transação da droga for, menor é o lucro do
vendedor direto, por isso todo mega traficante compra direto da
fonte. E era isso que o Coelho estava planejando, mas quando
ele começou a fazer esse esquema, estranhamente meses
depois ele veio a falecer junto com seus comparsas, pois no
meio disso tudo alguma coisa havia dado errado, e era isso
que eu precisava descobrir.
E devido ao fato de o Coelho ter morrido pouco tempo
depois de ter entrado nessa nova fonte de compra, por
14 O menino do morro virou Deus
intermédio do Amorim, que era um cara que eu já não confiava
muito, eu fiquei desconfiado que o tal do Amorim tivesse
alguma coisa a ver com a morte do meu ex-patrão, ou que até
mesmo fosse ele o real mandante da chacina. Na situação em
que me encontrava eu precisava pensar em todas as
hipóteses, e a desconfiança em cima do doleiro era algo que
sempre vinha em minha mente, e antes de tomar qualquer tipo
de atitude, eu precisava tirar isso a limpo, pois era algo que
estava me incomodando profundamente, e só existia uma
maneira de resolver isso, e essa maneira era ter uma conversa
pessoalmente com o Amorim.
Eu havia assumido a biqueira do Coelho no meio do
fogo, eu não sabia o que me esperava e tudo indicava que eu
seria a próxima vítima a qualquer momento, por isso eu
precisava me resguardar, mas pelo menos para isso eu estava
preparado, e bem preparado.
Antes de o Coelho morrer eu estava preparando um
exército no meu morro, eu tinha planos de invadir outras áreas
para expandir o meu território, e com isso eu passei anos
juntando e capacitando soldados para a minha quadrilha; eu
recrutava, treinava e os colocava no campo de batalha, aliás,
eu era e ainda sou muito bom em fazer tudo isso, primeiro
porque eu tenho um bom poder de persuasão, e com isso eu
usava todos os tipos de argumentos para convencer o jovem
que estava desiludido com a vida.E segundo que eu como
treinador não deixava a desejar em nada, eu ensinava a dar
tiro, ensinava a fazer e a sair de emboscadas, ensinava a
15 O menino do morro virou Deus
traçar planos e ensinava a ter sangue nos olhos, que pra mim é
algo primordial na construção de um bom soldado.
E graças a isso tudo, quando o Coelho morreu, o meu
exército já estava praticamente completo, e já estava pronto
para me defender em uma guerra. E a guerra acabou por
aparecer de forma inesperada, como toda boa guerra.
Quantidade para mim nunca foi sinônimo de poderio, e
sim qualidade, mas eu estava com as duas coisas, eu tinha
apenas 19 anos, mas já possuía um pequeno exército com
quantidade e qualidade, e esse era um trunfo que eu tinha na
guerra, e provavelmente os meus inimigos não tinham ciência
dessa minha carta na manga, eles certamente achavam que eu
era um moleque inexperiente, assustado, que mal sabia atirar,
e que deveria ter no máximo meia dúzia de bandidos
despreparados ao meu lado, e era exatamente assim que eu
queria que eles estivessem pensando, pois a maior arma de
uma guerra é o fator surpresa, e eles teriam uma bela de uma
surpresa se tentassem algo contra mim. Além dos meus
soldados, eu ainda tinha alguns soldados do bando do Coelho,
que ficaram no morro e passaram a ser do meu bando, ou seja,
o meu exército havia aumentado, e a negrada estava
espumando de ódio.
E foi justamente esse exército que eu usei para tomar
conta do meu mais novo morro, sem esquecer é claro do meu
antigo, pois eu não poderia descuidar de nada, não poderia
falhar em um simples detalhe, pois esse simples detalhe
poderia me custar tudo que eu havia conseguido até aquele
momento, ou até mesmo a minha vida.