O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9....

135

Transcript of O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9....

Page 1: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as
Page 2: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

SobreOmitodagrandeclassemédiaMarilenaChaui

Erguendo-se contra as simplificações neoliberais e pós-modernas acerca do

capitalismo contemporâneo, este livro esclarece como e por que se propala

mundo afora a ideia de “medianização” das sociedades e, no Brasil, a da

existênciadeumanovaclassemédia.

Dois dos critérios centrais de que se dispunha tradicionalmente para

determinaropertencimentoàclassemédia,istoé,oconsumodebensduráveise

serviçoseocréditobancário,sedesfazemnamaterialidadereal,umavezqueesses

critérios, agora, alcançam a classe trabalhadora (e, sobretudo, os trabalhadores

maispobres).Noentanto, ideologicamente essescritérioscontinuamaparecendo

comodefinidoresdaclassemédia,contratodososdadosconcretosquemostram

demaneirainequívocaosurgimentodeumanovaclassetrabalhadorabrasileira.

Livrodeanálisecontraosensocomum,estaétambémumaobradecombate

político, atenta aos riscosdo encobrimentoda realidade socialnão apenaspelo

imaginário neoliberal, mas também pela tradição autoritária da sociedade

brasileira, que, avessa ao sentidodemocráticodosdireitos,naturaliza e valoriza

positivamenteadivisãosocialcomooposiçãoentreoprivilégioeacarência.

2

Page 3: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Sobreoautor

Marcio Pochmann é professor titular do Instituto de Economia da

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de

Estudos Sindicais e de Economia da mesma instituição. Consultor de várias

entidades internacionais e nacionais, pesquisador visitante em universidades

europeias, foi secretário doDesenvolvimento,Trabalho e Solidariedade de São

Paulo (2001-2004) e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(2007-2012).PelaBoitempo,publicouOempregonaglobalização:anovadivisão

internacionaldotrabalhoeoscaminhosqueoBrasilescolheu(2001),Oempregono

desenvolvimento da nação (2008) eNova classe média?: o trabalho na base da

pirâmidesocialbrasileira(2012).

3

Page 4: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

4

Page 5: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

5

Page 6: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Copyright©BoitempoEditorial,2014

Copyright©MarcioPochmann,2014

Coordenaçãoeditorial

IvanaJinkings

Editoras-adjuntas

BibianaLemeeIsabellaMarcatti

Assistênciaeditorial

ThaisaBurani

Preparação

SaraGrünhagen

Revisão

LucianaLima

Diagramação

AntonioKehl

Capa

DavidAmiel

sobrefotodeDanielOines,2007

Produção

AdrianaZerbinati

Diagramação

SchäfferEditorial

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

P793m

Pochmann,Marcio,1962-

Omitodagrandeclassemédia[recursoeletrônico]:capitalismoeestruturasocial/MarcioPochmann.-

1.ed.-SãoPaulo:Boitempo,2015.

recursodigital

Formato:ePub

Requisitosdosistema:adobedigitaleditions

Mododeacesso:WorldWideWeb

ISBN978-85-7559-386-8(recursoeletrônico)

1.Classemédia-Brasil.2.Estruturasocial-Brasil.3.Brasil-Condiçõessociais.4.Brasil-Condições

econômicas.5.Desenvolvimentoeconômico-Brasil.6.Livroseletrônicos.I.Título.II.Série.

14-12525

CDD:305.550981

CDU:316.342.2

Évedadaareproduçãodequalquer

partedestelivrosemaexpressaautorizaçãodaeditora.

Estelivroatendeàsnormasdoacordoortográficoemvigordesdejaneirode2009.

1

a

edição:abrilde2014

6

Page 7: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

BOITEMPOEDITORIAL

www.boitempoeditorial.com.br

www.boitempoeditorial.wordpress.com

www.facebook.com/boitempo

www.twitter.com/editoraboitempo

www.youtube.com/user/imprensaboitempo

JinkingsEditoresAssociadosLtda.

RuaPereiraLeite,373

05442-000SãoPauloSP

Tel./fax:(11)3875-7250/3872-6869

[email protected]

7

Page 8: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

SUMÁRIO

Prefácio-MarilenaChaui

Apresentação

1.Classemédiaemquatrotempos

1.1.Nocapitalismodalivreconcorrência

1.2.Nocapitalismooligopolista

1.3.Nocapitalismopós-industrial

1.4.Nocapitalismomonopolistatransnacional

1.4.1.Padrõesdemobilidadeeclassemédia

1.4.2.Deslocamentodariquezaegeografiadocrescimento

1.4.3.Redivisãointernacionaldaclassemédia

1.4.4.Experiênciabrasileirarecente

Consideraçõesfinais

2.Classemédia:fatoseinterpretaçõesnoBrasil

2.1. Padrão de crescimento econômico e estrutura social no capitalismo

avançadodosegundopós-guerra

2.2.Industrializaçãotardiaesubconsumodaclassetrabalhadorabrasileira

2.3.Ascensãodostrabalhadorespobreseprojetosocial-desenvolvimentista

Consideraçõesfinais

3.Cadeiasglobaisdeproduçãoeciclosdemodernizaçãonopadrãodeconsumo

brasileiro

3.1.Cadeiasprodutivasglobaisemassificaçãodoconsumodebaixocusto

3.1.1.Novoparadigmadeprodução

3.1.2.Sociedadelowcost

3.2.CiclosdemodernizaçãodopadrãodeconsumonoBrasil

3.2.1.Alteraçãonaestruturadospreçosrelativos

3.2.2.Efeitosdarendaeamassificaçãodoconsumopopular

3.2.3.Impactodatributaçãosobrearendadasfamílias

3.2.4.Alteraçãonacomposiçãodopadrãodeconsumopornívelderenda

8

Page 9: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Consideraçõesfinais

4.TrajetóriasdistributivasnoBrasil

4.1.Sentidogeraldamobilidadesocial

4.2.Transformaçõesnaestruturaocupacional

4.3.Mudançasnadistribuiçãoderenda

4.3.1.Rendafamiliar

4.3.2.Rendaindividual

4.3.3.Rendadosocupados

Consideraçõesfinais

Referênciasbibliográficas

9

Page 10: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Comoatradiçãoautoritáriadasociedadebrasileiranãopodeadmitiraexistênciade

umaclassetrabalhadoraquenãosejaconstituídapelosmiseráveisdeserdadosdaterra,

ospobresdesnutridos,analfabetoseincompetentes,imediatamentepassou-seaafirmar

quesurgiuumanovaclassemédia,poisissoémenosperigosoparaaordem

estabelecidadoqueumaclassetrabalhadoraprotagonistasocialepolítica.

(MarilenaChaui,Umanovaclassetrabalhadora)

10

Page 11: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

PREFÁCIO

Erguendo-se contra as simplificações neoliberais e pós-modernas acerca do

capitalismocontemporâneo,estelivro,aopassardaaparênciaàessênciadosocial,

esclarececomoeporquesepropalamundoaforaaideiade“medianização”das

sociedadese,noBrasil,adaexistênciadeumanovaclassemédia.Defato,uma

vez que a perspectiva neoliberal se assenta sobre a afirmação da suposta

racionalidadedomercadoparaaregulaçãodavidasocial,elaconduzàdefesada

privatização dos direitos sociais sob a forma da compra e venda de bens e

serviços, de maneira que, politicamente, a afirmação da “medianização” das

sociedades fortalece a supressão de políticas sociais universais como ação do

Estado. Por outro lado, no caso específico do Brasil, os programas

governamentais de transferência de renda, implantados desde 2004 (como

expressão das lutas sociais e populares dos anos 1970-1990), levaram à

incorporaçãosocioeconômicadevastaparceladostrabalhadoresdebaixarenda,

atéentãodestinadosaosubconsumo,aospadrõesdeconsumodebensduráveis

consagradospelocapitalismodemodeloindustrialfordista,consumoquesóera

possível para os segmentos de classe média e rendas superiores. O acesso ao

consumo de bens duráveis e serviços por aqueles até há pouco deles excluídos

conduziuàafirmaçãodosurgimentodeumanovaclassemédiabrasileira.

Asafirmaçõessobrea“medianização”dassociedadesurbanaseindustriaisea

dosurgimentodeumanovaclassemédiabrasileira,quepoderiamparecerapenas

umequívocode interpretação, indicam,naverdade,aabsorção(deliberada,em

certoscasos;involuntária,emoutros)daideologiaedapolíticaneoliberaiscomo

focodeanáliseeação.Ou,comoexplicaPochmann,aausênciadeumaanálise

dasclassessociaisemsuadeterminaçãoconcretaousegundoascondiçõesreaisde

sua base material redunda em “um voluntarismo teórico inconsistente com a

realidade,salvointeressesespecíficosouprojetospolíticosdereduçãodopapeldo

Estado”.

Duasanálisesfundamentaissustentamestelivro.

11

Page 12: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

A primeira demonstra que a noção de classe média não é unívoca, e sim

heterogênea, pois sua realidade e seu sentido se modificam quando

acompanhamosasmudançasdoenomododeproduçãocapitalistadesdeafase

do capitalismo da livre concorrência até a do capitalismo monopolista

transnacional contemporâneo. Essemovimento histórico passa da classemédia

definida como pequena proprietária à classe média assalariada e, hoje, ao seu

estilhaçamentoeà suaprecarização, invalidandooscritériosdorendimento,da

ocupaçãoedaescolaridadeparadefini-la.Esseprimeirofocodeanáliselevanta,

de maneira cuidadosa e minuciosa, dados mundiais que evidenciam que as

condições atuais do capitalismo esvaziam “a concepção predominante de

‘medianização’ das sociedades urbanas e industriais” e levam à “perspectiva do

declínio,paranãodizerdomito,dagrandeclassemédiaassalariada”.

Asegundadireçãodaanálisesevoltaparaocasoespecíficodasociedadeeda

economiabrasileiras, alertandopara os problemasdeumapolítica que aceite a

ideiadesurgimentoecrescimentodeumanovaclassemédia,pois talaceitação

estimula a desigualdade social, promove a sociedade de serviços, isto é, a

terceirização e precarização do trabalho, e altera a estrutura da sociedade

brasileiracomaapostanoconsumoenaideologia liberaldamobilidadesocial.

Os dados trazidos por Pochmann indicam que a classe média assalariada

brasileira surge a partir da industrialização iniciada com JK e cresce

decisivamente com as políticas econômicas da ditadura, com as quais ocorre

tambémoaumentodograudeescolarizaçãoedaobtençãodediplomas(oudos

signosdeprestígioalmejadospelaclassemédia), assimcomoa“proliferaçãode

empregosassociadosàintensadesigualdadederenda”edepadrõesdeconsumo

de serviços de baixo custo, em vista do excedente demão de obra ocasionado

pelasmigraçõesdocampoparaascidadesedasregiõesmaispobresparaasmais

ricas,criando“umalegiãodeserviçais”que,juntamentecomosdiplomas,deram

àclassemédiaosentimentodeascensãosocial.

Todavia, o ponto nuclear deste livro, em sua decisão de colocar-se na

contracorrentedosensocomumeconômico-sociológico,consisteemevidenciaro

crescimentoeofortalecimentodaclassetrabalhadorabrasileira.

Opontodepartida é a comparação entre a situaçãoda classe trabalhadora

nospaísescentraisdocapitalismosobaaçãodoEstadodebem-estarsocialedo

fordismoe,namesmaépoca,adaclassetrabalhadorabrasileiranumprocessode

industrializaçãotardioeperiféricosobaaçãodiretadoEstado,sobadependência

econômicaetecnológicadospaísescentraisesobaperpetuaçãodadesigualdade

econômico-social,determinadaporummercadodetrabalhodesigual.

12

Page 13: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Em suma, diversamente dos países centrais, no Brasil o processo de

industrialização ocorreu sem o Estado de bem-estar social e, portanto, sem as

reformasbásicasnaestruturasocial(reformasagrária,urbana,tributária,sindical,

daeducaçãoedasaúde),oumelhor,ocorreucomreformasqueprivilegiarama

cúpuladapirâmidesocial (aelitebrancaeaclassemédiaurbanabranca)–ou,

comomostraPochmann,“entre1965e1977,[...]aremuneraçãodoscargosde

direção de empresas subiu 145%, enquanto o salário médio dos operários

aumentou apenas 17%”. O esvaziamento do poder sindical pela ditadura

juntamente com o rebaixamento do salário mínimo, o arrocho salarial, o

desemprego, o trabalho informal e a repressão permitiram que “o processo de

redistribuição intersalarial no interiordomercadode trabalhobrasileiro [fosse]

possibilitado pela transferência de renda da base da pirâmide social para a sua

cúpula, sobretudoduranteo regimemilitar”.A remuneraçãodos trabalhadores

ficou presa às despesas com alimentação e habitação. Em contrapartida, o

mercado privilegiou os segmentos já favorecidos, como foi o caso do crédito

bancário,doqualabasedapirâmidesocial ficouexcluída.Emresumo,escreve

Pochmann: “Completados quase cinquenta anos de consolidação do centro

dinâmicourbanoe industrialnoBrasil,constituiu-seumasociedadedeformada

composta pelos extremamente ricos, pela classe média não proprietária e pela

ampla maioria da população situada na base da pirâmide social”. Em 1980,

quandooBrasilpassouafigurarcomoaoitavaeconomiadomundo,ataxade

pobreza absoluta atingia 48,5% da população e a parcela salarial representava

apenas50%darendanacional.

Osanos1980verãoosurgimentodonovosindicalismo,apromulgaçãoda

nova Constituição, inspirada pela ideia dos direitos sociais e, portanto, pelos

princípios de justiça e solidariedade e pelo Estado de bem-estar social, com a

exigência de vinculação de fundos públicos para a educação e a criação do

SistemaÚnicodeSaúdeedoSistemadeAssistênciaePrevidênciaSocial.Porém,

essasmudançasexigirambatalhasparaqueonovosindicalismoeosmovimentos

popularesnãofossemcompletamentefreadospelaadoçãodepolíticasneoliberais

e seucortejodedesemprego, exclusão social eprioridadeparaopagamentoda

dívidaexternadeixadapeladitadura.

Essas lutasganharamexpressãopolíticanacional comaderrota eleitoraldo

neoliberalismo,edelasresultouainflexãoeconômicaedaestruturadasociedade

brasileira,ocorridaapartirde2004.De fato,osdados trazidosporPochmann

indicam o decréscimo populacional da base da pirâmide social: entre 1997 e

2004,elaerade34%dapopulaçãonacional;de2005a2008,passoua26%.Isso

significouque11,7milhõesdepessoaspassaramparaosestratossociaisdemaior

13

Page 14: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

rendaeganharammaiorrepresentatividadepopulacional.Comoconsequência,o

centrodapirâmidesocial,queerade21,8%dapopulaçãoem1995,subiupara

37,9% em 2008. E no topo da pirâmide social houve crescimento relativo de

16,2%.Entre2001e2008,a rendaper capitanacional cresceu19,8%,e, com

isso, 19,5 milhões de brasileiros registraram aumento real de seu rendimento

individualacimadaevoluçãodarendapercapita,oquecorrespondea11,7%do

total de brasileiros. Quase 71% das mudanças na base da pirâmide social se

deramnasregiõesNordesteeSudeste.

A questão trazida por essas mudanças é clara: pode-se dizer que surgiu e

cresceuumanovaclassemédianoBrasil?Ora,explicaPochmann,oconceitode

classemédia empregado pelos analistas corresponde ao período do capitalismo

industrial de tipo fordista enão alcança a realidade atual das classes sociais no

modo de produção capitalista em sua fase toyotista (ou pós-industrial)

monopolistatransnacional.

Ofocodaanáliseéoexamedachamadasociedade lowcost,oquepermite

determinar as causas da diminuição da desigualdade no consumo de bens

duráveiseserviços,emdecorrênciadaformaçãodecadeiasprodutivasmundiais

que acarretam a diminuição dos preços relativos de tais bens e serviços, com

efeitossobreosrendimentosdapopulação.NocasodoBrasil,comainserçãodo

paísnessascadeiastransnacionaisegraçasaonovosindicalismo,queconquistou

os contratos coletivosde trabalho (trazendoganhosdeprodutividade acimada

inflação)eobteveeleitoralmentevitóriapolíticacontraoneoliberalismo,houvea

adoção de políticas econômicas e sociais de estímulo ao pleno emprego, de

aumento real do salário mínimo, de combate ao desemprego, à pobreza e à

desigualdadedarenda,deampliaçãodeprogramasdegarantiadosalárioindireto

(os gastos sociais que, durante a ditadura, correspondiam a 14% do PIB, em

2010 corresponderam a 23% do PIB), de aumento em 39,7% da presença

femininanasocupações(oqueelevouarendamédiafamiliar)edeestímuloao

consumo por parte dos segmentos que pertencem à base da pirâmide social.

Houve,assim,mudançasnopadrãodeconsumonabasedapirâmidesocial,com

osurgimentodoconsumodemassadebaixocustooudoconsumopopularnão

só de bens duráveis e serviços, mas também de tecnologias de informação e

comunicaçãoedeacessoaosbensculturais.

ComoescrevePochmann:“de formatardia,opaís incorporouumaparcela

consideráveldaclassetrabalhadoraqueaindasemantinhaàmargemdoacessoao

consumodosbensduráveis.[...]Aparcelaconstitutivados40%maispobresdo

conjunto da população brasileira terminou sendo receptora domaior impacto

decorrentedomovimentodeascensãosocialdoperíodorecente”,namedidaem

14

Page 15: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

que38%dapopulaçãomaispobredopaísteveacessoaoemprego(nafaixade

1,5saláriomínimomensal)eaosbenefíciossociaisdecorrentesdosprogramasde

transferência de renda, incluindo também os inativos, uma vez que o salário

mínimo serve de indexador para o piso da previdência e assistência social.Os

dados trazidos por Pochmann permitem perceber que essas mudanças foram

acompanhadas por outras, referentes às ocupações nos setores secundário e

terciário da economia e à distribuição da renda (familiar e individual), com

significativaquedadadesigualdadeentreos extremosdapirâmide social (tanto

para os que possuem escolaridade superior emédia quanto para os que não a

possuem).

No entanto, o que este livro evidencia é que, se isto é o que se passa na

materialidaderealdasociedadebrasileira,nãoéassimqueoprocessoaparece.Ou

seja, dois dos critérios centrais de que se dispunha tradicionalmente para

determinaropertencimentoàclassemédia(ereforçadospeladitadura,primeiro,

epeloneoliberalismo,depois),istoé,oconsumodebensduráveiseserviçoseo

créditobancário,sedesfazemnamaterialidadereal,umavezqueessescritérios,

agora, alcançam a classe trabalhadora (e, sobretudo, os trabalhadores mais

pobres).Noentanto,ideologicamenteessescritérioscontinuamaparecendocomo

definidores da classe média, donde o prestígio ideológico tanto da ideia de

“medianização”dasociedadequantodaafirmaçãodequesurgiunoBrasiluma

nova classe média, contra todos os dados concretos que mostram de maneira

inequívocaosurgimentodeumanovaclassetrabalhadorabrasileira.

Livrodeanálisecontraosensocomum,esteétambémumlivrodecombate

político,atentoaos riscosdoencobrimentoda realidade socialnãoapenaspelo

imaginário neoliberal, mas também pela tradição autoritária da sociedade

brasileira, que, avessa ao sentidodemocráticodosdireitos,naturaliza e valoriza

positivamenteadivisãosocialcomooposiçãoentreoprivilégioeacarência.

MarilenaChaui

SãoPaulo,fevereirode2014

15

Page 16: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

APRESENTAÇÃO

Oúltimoquartodoséculopassadofortaleceuos sinaisdedescréditoquantoàs

experiênciasdesocialismorealeaosconsensosconstituídosemtornodoEstado

debem-estarsocial,istoé,aosdoisdosprincipaisprojetospolíticosdeêxitoede

grandeenvergaduranarevoluçãoprofundaounareformaconsideráveldomodo

deproduçãocapitalistadaeramoderna.

Concomitantementeàascensãodomodeloneoliberal–nãodesaconselhado

pela parceria com a chamada terceira via (ouneoliberalismo comdesconto) –,

transcorreu mais uma onda de modernização do capitalismo determinada por

avanços tecnológicos, sobretudo no campo da produção de informação e

comunicação. Não obstante o quadro de crise do capitalismo globalizado,

gerador de maior desemprego, pobreza e desigualdade em termos de renda,

riqueza e poder, o balanço das últimas três décadas segue ainda inconcluso,

alimentadoqueestápordificuldadesdeconsideráveldimensão.

Umadelasemergedoesvaziamentodaperspectivateóricatotalizanteecrítica

ao capitalismo, presente, em geral, nas análises atualmente existentes.

Certamente,afragmentaçãodosaberespecializado,quepredominanaconcepção

pós-modernadasociedade,contribuienormementeparaisso.

Na sequência encontra-se outra dificuldade de análise, associada à

predominância do ambiente contrarreformista liberal-conservador, provocador

deconstantesdesviosde atençãoporpartedas ciências sociais,particularmente

noque tange aos temasdas classes, da estratificação edamobilidade social.O

apequenamento das agendas de pesquisa levou ao empobrecimento das

interpretações sobre os rumos do capitalismo e seus impactos perversos nas

sociedadesatuais.

Énessesentidoqueacomplexidadedosproblemascadavezmaisprofundos

encontraparadoxalmenteasimplificaçãodasrespostascomoterrenofértilparaa

prevalência de uma abordagem limitada sobre as sociedades contemporâneas.

Encaixa-senestaperspectivaatemáticadaestruturasocialbrasileira,nitidamente

transbordada de realidade por força do superdimensionamento fictício de uma

grandeenovaclassemédia,descontextualizadadequalificaçãoanalíticaedebase

empíricaconsistente.

16

Page 17: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Exemplo disso parece ser a arbitrária identificação de dois em cada três

trabalhadoresdomésticoscomopertencentesà“novaclassemédia”brasileira.No

mesmodiapasão,destaca-seoregistronoqualumemcadadoischefesdefamília

semescolaridadeoucomensinofundamentalincompletoéincluídonacondição

de “nova classemédia”ou, ainda,namesma classificação social dametadedas

famíliasquemoraemfavelasnopaís.

Causa estranheza adicional reconhecer quemesmodefensores da existência

de uma “nova classe média” no Brasil terminam por reproduzir velhos

argumentosutilizadosporcientistassociaisliberaiseneoliberaiseuropeusdesdeo

final da década de 1980 para situações distintas

[1]

. Interessa aqui, contudo,

ressaltar que a insistência de alguns em superdimensionar o conceito de classe

média revela a miragem gerada em favor da substituição das políticas sociais

universais por aquelas de menor custo, ou seja, focalizadas estritamente nos

fundamentalmentemiseráveisdaestruturasocial.

Se umpaís assume a condiçãomajoritária de classemédia,mesmoquena

condiçãodemito,abre-seapossibilidadedeservistaatécomonaturaladefesade

serviços ofertados exclusivamente pelas forças de mercado. A partir do

rendimentode“novaclassemédia”,oprojetopolíticodaliberdadedecompraro

quemelhor convier se expressaria pelomeio propagandístico da justiça social,

aindaquefalsa.

Nestehorizonteemqueaportamosvetoresrecauchutadosdoneoliberalismo

impulsionado pelo BancoMundial e por suas articulações no plano nacional,

cabe tambémadefesadeumconsumismoa ser atendidodemaneira crescente

pelas importações de bens e serviços.A consequência disso tem tido o destino

certeirodadesindustrializaçãodoparqueprodutivonacionaledaespecialização

dasexportaçõesnovelhoeconhecidoextrativismomineralevegetal.Novamente

o Estado segue sendo o foco dos ataques antidesenvolvimentistas da abertura

passivaesubordinadaedoajustefiscalpermanente.

Poroutro lado,oenfrentamentodomovimentomaiordeesvaziamentodo

parque produtivo manufatureiro e do rebaixamento da pauta de exportação

poderia fornecer a receita necessária e coerente para a geração de verdadeiros

postos de trabalho de classe média aos brasileiros. Ao mesmo tempo, o

reposicionamento de uma nova plataforma dos serviços públicos guardaria

relação direta tanto com o pleno atendimento das demandas atuais –

secularmentenãoresolvidaspelosetorprivado–quantocomaportabilidadedas

novaseverdadeirasocupaçõesdeclassemédia.

É por essas razões que o presente livro pretende ser uma contribuição

adicional ao debate sobre as alterações em curso na estrutura social brasileira.

17

Page 18: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Quatro são suas partes constitutivas, tendo a primeira a urgência de situar no

tempo os distintos entendimentos a respeito das classes sociais, especialmente

porque, no caso da classe média, sua definição e constatação não deveriam

ocorrerdeformaisolada,masassociadaaoprópriodesenvolvimentodomodode

produçãocapitalista,conformeocapítuloinicialbuscafazer.

A segunda parte coloca no centro do debate a perspectiva da classe

trabalhadorabrasileirafrenteà imposiçãodacondiçãodesubconsumoderivado

dociclodeindustrializaçãotardiaeàresistênciadossegmentosdominantesem

aceitar as mesmas reformas civilizatórias realizadas nas economias capitalistas

avançadas.O exemplo dessesmesmos países demonstra, aliás, que a constante

inclusãonoconsumodemassadenovossegmentossociaisaolongodosegundo

pós-guerranãoterminouporconduziràmudançadeclassesocial;aocontrário,

essa mudança foi fruto da pressão e implementação da agenda da classe

trabalhadoraporgovernosdeesquerda.

Aterceirapartevolta-seàanálisedosaltorecentenoconsumodosbrasileiros,

sobretudodaqueles pertencentes à base dapirâmide social, como resultadodas

políticas sociais-desenvolvimentistas. Isso não obscurece, contudo, outros

aspectos, como a alteração nos preços relativos fundamentalmente à

modernização do padrão de consumo da população, constituído em meio ao

avançodocapitalismomonopolistaetransnacional.

Aquartaeúltimaparteconcentraareflexãosobreomovimentoderetornoà

mobilidade social na primeira década do século XXI. Após a longa noite

constituída pelas duas últimas décadas de congelamento da estrutura social

brasileira, consolidou-se uma expressiva geração de novas ocupações

acompanhada por uma consistente política de rendas voltada para o

deslocamento da curva da distribuição de renda dos 40% mais pobres da

população.A identificaçãodesses segmentoseaanálisedomovimentogeralda

ocupaçãoedorendimentoreforçamoslaçossignificativosdavoltadamobilidade

social ascendente no país, sobretudo na base da pirâmide social brasileira, que

nadatemdenova,tampoucodeclassemédia.

SãoPaulo,setembrode2013

[1]B.Jobert(org.),Letournantnéo-libéralenEurope(Paris,L’Harmattan,1994);A.Giddens,

BeyondLeftandRight:TheFutureofRadicalPolitics(Cambridge,Polity,1994).

18

Page 19: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

19

Page 20: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

1.CLASSEMÉDIAEMQUATROTEMPOS

Otermoclassemédianãoatendeaumabaseconceitualdeorigemcontrolada,

sendo por isso incerto e tendo significados distintos ao longo do tempo.

Ademais,odesdobramentoderivadodadeterminaçãodegrupossociaisconcretos

tendeuasediferenciarnãoapenasaolongodotempo,comotambémporregiões

geográficasmundiaiseporpaíses.

Em geral, a expressão classe média requer considerar – por ter sua força

constitutivamentemarcada pelo desenvolvimento capitalista – a temporalidade

emqueesteespecíficosegmentosocialganhouidentidadeanalítica.Combasena

revisão da literatura especializada, tornou-se possível estabelecer em quatro

temposhistóricosdistintos a evoluçãodasdefiniçõesde classemédia, e issode

forma concomitante às principais transformações estruturais no modo de

produçãocapitalista.

Assim, busca-se situar ao longo do desenvolvimento capitalista a

identificação do tema da classemédia a partir de um breve resgate do debate

realizadoacercadasclassessociais.Omaiordestaque,contudo,concentra-seno

período mais recente de repercussões na classe média derivadas de mudanças

substanciaisnomododereproduçãodocapital.

Isso tudo porque, ao longo do tempo, o capitalismo não levou à

simplificação da estrutura social, mas, sim, tornou cada vez mais complexo e

diversificado o seu entendimento. O reconhecimento de que o modo de

produção capitalista requer para a sua expansão a existência de um centro

dinâmico estruturado por economias satélites aponta para a conformação de

padrõesdedesenvolvimentodesiguaisecombinados.

Énocentrodinâmicodocapitalismoque se explicitammais claramenteas

principaisimplicaçõesparaaestruturasocial,estando,porisso,neleofocoinicial

da abordagem sobre o tema da classemédia.Não se desmerece, entretanto, o

debate referente à classe média realizado na periferia do sistema capitalista,

mesmoporqueeletendearevelardistinçõessignificativasnointeriordaestrutura

social, semprequeguardadasasdevidasatençãoeconsideração.Issoéoquese

podeobservaremanálisessobreotema

[1]

.

20

Page 21: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Por ser um fenômeno histórico determinado por acontecimentos díspares,

porém conectados ao funcionamento dos distintos modos de produção, a

estrutura de divisão do trabalho alterou-se ao longo do tempo e conforme o

espaçoterritorial.Énessesentidoqueasclassespodemservistascomoprocessos

vivoseemmovimentosconflituosos,oumelhor,comoprodutosdeumconjunto

de estruturas relacionadas com as esferas econômicas, políticas, culturais e

ideológicas

[2]

.

Na sequência apresentam-se as distintas manifestações identificadoras da

temática da classe média à luz de quatro principais tempos históricos de

transformação no modo de produção capitalista. Em cada um desses tempos,

modalidadesdistintasdeinterpretaçãodaclassemédiasãodestacadas.

1.1.Nocapitalismodalivreconcorrência

Desde a PrimeiraRevolução Industrial eTecnológica ocorrida na Inglaterra, a

velha estrutura social herdada do feudalismo entrou em decomposição. O

entendimentoa respeitoda emergênciadocapitalismoede suas consequências

na estruturação da nova sociedade urbana e industrial encontrou interessantes

esforçosinterpretativosnaquelaoportunidade.

Na perspectiva anglo-saxônica, a transição do servo pertencente à antiga

sociedade feudal europeia para a condição de operário urbano nas indústrias

inglesas em plena manutenção da nobreza resultaria no aparecimento de um

segmento intermediário, identificado por classe média. Na realidade, a classe

média seria expressão da própria burguesia nascente, constituindo-se por

industriaisecomerciantescapitalistasemergentes

[3]

.

Essa interpretação, contudo, não tardou a ser contestada. Pela perspectiva

marxista, poderia haver uma classe intermediária em relação aos extremos do

desenvolvimento capitalista concorrencial, estruturada entre o pauperismo dos

operáriosurbanoseariquezaapropriadapelanobreza.

O avanço de uma onda da industrialização retardatária disseminada em

países comoAlemanha, França e EstadosUnidos gerou novas interpretações a

respeito das classes sociais presentes no capitalismo de livre concorrência. Para

alémdaperspectivaanglo-saxônicadaclassemédiacomoexpressãodaburguesia

emascensão,surgeumavisãodeclassemédiaassociadaaodesenvolvimentodos

serviçosurbanos,portadoresdaautogestãonointeriordoprópriotrabalho

[4]

.

Resumidamente, ela seria formada por segmentos sociais constituídos por

trabalhadores intelectuais com interesses materiais e perspectivas ideológicas

comuns, incapazes de serem situados tanto na classe operária quanto na

21

Page 22: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

burguesa. A classe média dos serviços, expressa por ocupações mais

intelectualizadas,foiumacontribuiçãodosanarquistasdofinaldoséculoXIX.

Diferentementedisso,KarlMarxprocurouafastarqualquerpossibilidadeda

existência de classes intermediárias à polarização estabelecida entre as classes

estruturais (operária e burguesa) da sociedade capitalista em expansão. Isso

porque o movimento de acumulação de capital se configuraria como um

processo de proletarização do trabalho.Mesmo havendo classes intermediárias

acima dos antagonismos diretos entre proletários e burgueses, elas seriam

concebidas comoprovisórias.Deum lado,haveria apresençadeumapequena

burguesiaconstituídaporpequenosproprietáriosnaagricultura,nocomércioe

na produção urbana, que se apresentaria como uma espécie de resíduo de

sociedades pré-capitalistas. De outro, existiriam segmentos assalariados

compostos por empregados e técnicos superiores e portadores de relações

ambíguas entre operários e burgueses. Esses segmentos intermediários estariam

emfasedetransiçãoparaacondiçãodeproletarizaçãodecorrentedomovimento

geraldocapital

[5]

.

1.2.Nocapitalismooligopolista

DesdeasegundametadedoséculoXIX,aforçadaSegundaRevoluçãoIndustrial

e Tecnológica e a irradiação da industrialização retardatária para mais países,

comoItália,RússiaeJapão,gerarammudançasaindamaisprofundasnopadrão

de desenvolvimento capitalista. O impacto sobre a estrutura social urbana e

industrial não tardou a ocorrer, impulsionando um rico e diversificado debate

acercadodesenvolvimentocapitalistaedasclassessociais.

Isso porque, com a grande empresa, o capitalismo de livre competição se

direcionou para uma estrutura competitiva oligopolizada, e o preço final da

grande empresa se expressou pelo afastamento do exclusivo movimento entre

ofertaedemandaparaevoluirnadefiniçãodeumamargemdelucroadicionada

aocustototaldeprodução.Otamanhodamargemdelucrotenderiaarefletiro

graudemonopóliodecadaempresa.

Comisso,opreçodamãodeobraempregadatornou-secustofixonagrande

empresa, cujo contingente de ocupados passou para a casa de milhares,

contrastando com o perfil das micro e pequenas empresas vigentes até então.

Nesse sentido, a administração de múltiplas tarefas associadas às grandes

empresas determinou o aparecimento de novas ocupações tecnificadas da

produção para além das necessidades do chão de fábrica, como é o caso da

22

Page 23: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

supervisão,gerênciaediretoria,entreoutrastarefasdaburocraciaempresarialnas

áreasdevendas,recursoshumanos,compras,marketingetc.

Emsíntese,opredomíniodastécnicasdofordismocompreendeuaformação

de um novo contingente de quadros de nível técnico e superior nas grandes

empresas públicas e privadas. Aomesmo tempo, a passagemdo antigoEstado

mínimovigentenocapitalismodelivrecompetiçãoparaoEstadodebem-estar

social do capitalismo oligopolista significou a ampliação do emprego público

paracercadeumquartodapopulaçãoocupada.

Demaneirageral,oempregopúblicorepresentouumaabsorçãosignificativa

de mão de obra qualificada para dar conta de uma variedade de serviços de

educação, saúde, assistência, entre outros de maior remuneração. Em virtude

disso,asomatóriadoempregodecargosdenívelmédioesuperiornasgrandes

empresas públicas e privadas e no setor público permitiu ampliar a definição

inicialdeclasseoperáriaparaadeclassetrabalhadora.

Essamudança importantena estruturadas sociedadesurbanas e industriais

convergiu para interpretações distintas, como no caso da definição de classe

média. Logo, na passagem para o século XX, ganhou destaque a controvérsia

geradaentrecomunistasesocial-democrataseuropeussobreestruturasocial.De

um lado, temos aqueles que identificaram o surgimento e o fortalecimento de

uma nova classe média, relacionados às ocupações de gestores e técnicos não

diretamente associadas à relação capital-trabalho, ainda que submetidas às

condiçõesgeraisdereproduçãoampliadadocapitalismo

[6]

.Poressaconcepção,

umanovaclassemédiaviriasubstituiraantiga,formadaporpequenosburgueses

(micro e pequenos empresários, artesãos, comerciantes e profissionais liberais,

entreoutros),queforacontidagradualmentepeloprocessodecentralizaçãoede

concentração do capital oligopolizado. Assim, a ampliação dos segmentos

ocupacionais intermediários resultaria da expansão da grande empresa fordista,

capazdealteraravelhaestruturasocial

[7]

.

Poroutro lado,areduçãorelativadaclasseoperáriaemcomparaçãocomo

númerototaldeocupadosseriapercebidacomoinsuficienteparadiminuiroseu

protagonismonoprocessodetransformaçãodasociedadecapitalistaetampouco

comprometeria o papel da luta de classe estabelecida no interior de uma

sociedadegeradapelomododeproduçãocapitalista

[8]

.

Ocaminhode“medianização”dasociedadeseriaobservadocomointrínseco

à geração ampliada de ocupações de classe média e ao movimento de

homogeneização do assalariamento regulado e, também, como estruturador do

conjunto do funcionamento do mercado de trabalho. Isso se tornou mais

evidentenospaísesondeoEstadodebem-estarsocialcomgarantiasderendaea

23

Page 24: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

difusãodoconsumodemassa semostraramuma realidade capazde contrairo

graudepolaridadeentreasclassesoperáriaeburguesa,especialmenteduranteos

trintaanosgloriosos(1945-1975)dequedadapobrezaabsoluta,deelevaçãoda

rendaedeplenoempregodamãodeobranaseconomiascentrais

[9]

.

1.3.Nocapitalismopós-industrial

AreconstruçãoeuropeiaocorridaapartirdofinaldaSegundaGuerraMundial

(1939-1945) transcorreu simultaneamente à difusão do processo de

industrialização tardia em alguns países capitalistas na América, na Ásia e na

África(ÁfricadoSul,Argentina,Brasil,Coreia,Índia,México,entreoutros).A

difusãodofordismosegundoopadrãomanufatureiroestadunidenseimpactoua

ocupaçãonospaísesdemaneirageneralizada,semresultar,necessariamente,em

mudançassemelhantesnaestruturasocial.

Ademais, as nações de industrialização madura (EUA, Japão, França e

Inglaterra, por exemplo) passaram a conviver com um decréscimo relativo da

população ocupada no setor industrial em comparação com o gigantismo do

setorterciário,sobretudodeserviços,apartirdasegundametadedoséculoXX.

Adiciona-se a issooprocessode transiçãodospadrõesdeprodução fordistada

grandeempresaparao toyotismo, assentadonomodelodeempresa enxuta,de

menorhierarquiaedecontidaburocratizaçãodabasetécnicaesuperiorpormeio

dageneralizaçãodasterceirizações,queocorreraminicialmentenasocupaçõesde

menor remuneração. Com isso, uma série de interpretações surgiu buscando

entenderosimpactosdessearranjosobreaestruturadeclassessociais,bemcomo

aconfiguraçãodaclassemédia.Deimediato,comaexpansãodosetordeserviços

reascendeu-seodebateemtornodotrabalhoprodutivoeimprodutivo.

Emgeral, entendeu-se queno capitalismodo final do séculoXXnão faria

mais sentido diferenciar o trabalho produtivo do improdutivo, uma vez que o

conjuntodosassalariadosestariasubmetidoàlógicadocapital,sejanasfábricas,

seja nos escritórios, seja nos comércios, nos bancos, entre outros

[10]

. Alguns

traços disso se associaram à redefinição da classe média assalariada que se

encontrava tanto no setor privado, na gerência entre operários e proprietários,

quanto no Estado, relacionado à administração do fundo orçamentário

intermediadoporinteressespúblicoseprivados

[11]

.

Alémdisso,amudançanacomposiçãodasocupaçõesestimuladapelaqueda

relativa dos setores primário e secundário da economia e pela elevação

significativadosserviçosematividadesdeprodução,distribuição,socialepessoal

gerou interessante discussão sobre a natureza do capitalismo.Uma nova classe

24

Page 25: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

médiadosserviçosestariasendoinfluenciadapelatransiçãoparaasociedadepós-

industrialcapazdealterarapolarizaçãonaestrutura tradicionaldeclassesentre

proletárioseburgueses.Emvezdoconflitocapital-trabalho,emergiramconflitos

maioresentreosdetentoreseosnãodetentoresdasinformaçõesestratégicas

[12]

.

Énessesentidoquesetratariadeumanovaclassemédiaportadoradefuturo,

com significativo poder sobre as formas de controle e de técnicas racionais de

dominação que atingem a todas as esferas da vida social

[13]

. Essa concepção

acercada existênciadeumanova classemédiados serviçosnão tardoua sofrer

reaçãodapartedeoutrasvisõesdistintas.Porum lado,daquelas interpretações

que identificavam o movimento geral do desenvolvimento capitalista como

responsávelpor levaràperdadacentralidadedo trabalho,oque terminavapor

esvaziar,assim,oseupapelfundamentalnaintegraçãosocial

[14]

.Poroutro,dos

estudos que reforçavam as transformações no interior da classe trabalhadora

diantedasmudançasnocapitalismogeradaspelarevoluçãoinformacional

[15]

.

Assim,amultipolarizaçãodaidentidadedoconjuntodosassalariadosdebase

informacionallevariaaoesvaziamentodopapeldarepresentaçãodossindicatose

ao rebaixamento da convergência em favor doEstado de bem-estar social. Em

virtudedisso, a identificaçãodeumanova classemédia comexpressãopolítica

seria a perspectiva de alguns autores ao desenvolverem a hipótese da

“medianização” da sociedade presente nas ocupações descentralizadas e não

hierarquizadas em expansão no capitalismo pós-industrial

[16]

. Outros autores,

contudo, rebateram com descrença esse movimento na estrutura social,

insuficiente para mover os avanços de um liberalismo libertário sem alteração

profundanomodode exploraçãodos assalariados. Isso, é claro, naperspectiva

daqueles autores convictos em relação ao avanço do trabalho imaterial como

reorganizadordanovaestruturasocial

[17]

.

1.4.Nocapitalismomonopolistatransnacional

A diversidade de estruturas sociais vigentes no início do século XXI reflete o

cursodeumanovadivisãointernacionaldotrabalho.Quantomaisaceleradafor

adinâmicaeconômica,maiortendeaseraforçadasmudançassociaiscujopeso

daocupaçãoerendaganhadestaque.

Nãosemmotivo,osestudossobremobilidadesocialascendentetendemase

concentrar nos países da região sul domundo, uma vez que são eles, cada vez

mais,osque respondempelamaiorparceladaproduçãoglobal.Assim,quanto

maior for o crescimento econômico sustentado pela força do capitalismo

industrial,maisamplatendeaseramodificaçãodaestruturasocial.

25

Page 26: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

O deslocamento do passado das sociedades agrárias, praticamente sem

grandesmudanças sociais para o presente das sociedades de classes amparadas

pelo curso da industrialização e suas consequências em termos de mobilidade

intra e intergeracional, tem sido apresentado como referência destacada nos

estudos sobre estrutura social.Destaca-se, ainda, a conformação de uma classe

média, intermediária à polarização entre as duas classes estruturadoras do

capitalismoindustrial(proletárioseburgueses).

Em países de conteúdo dinâmico associado à exploração dos recursos

naturais, a estrutura social tendeu a distanciar-se pouco das antigas sociedades

agrárias,demodoqueaclassemédiaexistentesemanteveprisioneiraàpossede

pequenapropriedadeeaosnegócios.Aseconomiasvinculadasàbasedosserviços,

cujas ocupações não apoiam a estrutura produtiva industrial e agropecuária,

demonstraramserdivergentescomaperspectivadeumaclassemédiaassalariada.

Na realidade, ocorreu expansão, em geral, das ocupações simples e

relacionadasaosserviçospessoaisedomésticos,ambosdependentesdarendadas

famíliasricas.Diferentementedisso,constata-sequesomentenospaísesdemaior

produçãoindustrialvigorouaformaçãodeumadensaclassemédiaestruturada,

nãoproprietáriaeassalariada.

Reconhecendo-se que a maior dimensão da classe média assalariada

relaciona-se à estruturaprodutiva industrial, percebe-se queodeslocamentoda

produçãomanufatureiradegrandepartedasregiõesdonorteparaasdosuldo

planeta impõe novas consequências para a estrutura social dos países. Nesse

sentido,oobjetivodeste capítulo é analisaro surgimentodeumanovadivisão

geográficadaclassemédianomundo.Antesdisso,contudo,destaca-searelação

da mobilidade social com a classe média. Na sequência, consideram-se o

deslocamentogeográficodariquezaesuasconsequênciasparaaclassemédiano

mundoenoBrasil.

1.4.1.Padrõesdemobilidadeeclassemédia

Anaturezadadiferenciação entre indivíduos e classesbemcomoa sucessãode

destinospessoaisegeracionaisencontram-sediretae indiretamenteassociadasà

diversidade de organização das sociedades. Ao se tomar como referência o

conceito de mobilidade social (intra e intergeracional) enquanto medida de

mudança no interior das sociedades, podem ser identificados dois tipos

fundamentaisdeestruturaçãosocial.

O primeiro tipo se vincula ao sistema de castas, cuja existência de grupos

hereditáriosseapresentapraticamente impermeávelàsmudançassociais.Assim,

26

Page 27: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

aolongodotempoessaestruturadesociedadeterminousendoareferênciageral

dasantigassociedadesagrárias,semsinaisimportantesdemobilidadesocial.

O desenvolvimento das sociedades sem classes desconhecia, em geral, a

presençadapropriedadeprivada,mantendoporlongotempoaestabilidadenas

relações sociais

[18]

. Mas o estatuto social definido pela hereditariedade

predominou até a consolidação do sistema de classes sociais, sobretudo com a

emergênciadas sociedadesurbanas e industriais apartirda segundametadedo

séculoXVIII

[19]

.

O desenvolvimento da base industrial capitalista permitiu difundir um

segundo tipo de estruturação de sociedade caracterizado por significativas

mudanças intra e interclasses sociais. Afora a difusão da propriedade privada

combinadacomaestruturaçãodasociedadeemclasses,ocorreuumconjuntode

mudanças sociais significativas na passagem do velho agrarismo para o

capitalismoindustrial.Emsíntese,arepetiçãonotempodesegmentossimilarese

homogêneos foi o traçomarcante das primitivas sociedades agrárias, enquanto

nas sociedades industriais capitalistas generalizou-se a noçãomoderna de classe

social

[20]

.

Comoavançodaproduçãomanufatureiraparaalémdesuaorigeminglesa,

especialmentepeladifusãodospadrõesde industrialização retardatária e tardia,

desde o século XIX a estruturação da sociedade em classes passou a ser

compreendida por sua dimensão global, ainda que prisioneira de condições

fundamentalmente nacionais. A diversidade de possibilidades nas trajetórias

pessoais e geracionais associou-se à consolidação da produção de manufatura,

gerando a expectativa de conformação de sistemas de relações sociais

relativamentemenosheterogêneosentrepaíses

[21]

.

Nesse sentido, a inserção no mundo do trabalho configurou-se como

referêncianadelimitaçãoconstitutivaededesenvolvimentodosdistintosestratos

sociais. O aparecimento do termo classe média não proprietária vinculou-se à

diferenciação das ocupações assalariadas intermediárias no interior da estrutura

produtivadebaseindustrial,permitindoasuadistinçãoemrelaçãoaotradicional

conceitodeclassemédiaproprietária

[22]

.

Emgrandemedida,adifusãodofordismonassociedadesindustriaisocorreu

como norma na organização do trabalho e no estilo de desenvolvimento da

produção de bens de consumo duráveis ao longo do século XX. Ainda que

marcadamenteestadunidense,aestruturaçãodomercadodetrabalhoefetuou-se

considerando a menor insegurança no emprego e o rendimento associado a

planosdecargosesaláriospraticadosnagrandeempresa.Issoocorreu,emgeral,

27

Page 28: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

ondeaproduçãodemanufaturaaumentousubstancialmente,comonospaísesdo

centrodocapitalismomundial

[23]

.

Também teve importância o papel do Estado na definição do padrão de

mobilidade social assentado nas sociedades industriais. As políticas públicas

voltadasaoplenoempregodaforçadetrabalho,especialmenteapartirdofimda

Segunda Guerra Mundial, contribuíram decisivamente para uma nova

estruturaçãosocial,emqueaclassemédiaexerciaumpapelimportante

[24]

.Essa

dimensãodaclassemédiamaisassociadaaodesenvolvimentodoEstadodebem-

estarsocialcircunscreveuospaíseseuropeusnosegundopós-guerra.

DesdeoúltimoterçodoséculoXX,contudo,opadrãodemobilidadesocial

motivado pelos avanços da sociedade no nível urbano e industrial sofre

importantes alterações, que se dão inicialmente nos países de capitalismo

avançado.Oesvaziamentodaproduçãoindustrialcombinadocomaexpansãodo

setor de serviços na economia faz regredir a estrutura de classes até então

existente

[25]

. Adiciona-se a isso o fato de que o predomínio das políticas

neoliberais reorientou o papel do Estado e favoreceu o avanço da globalização

desregulada e cada vez mais orientada pelo poder da grande corporação

transnacional. A autonomização do poder das altas finanças ocorreu

simultaneamente aomaiormovimento de deslocamento das plantas industriais

doantigocentrodocapitalismoestadunidensepararegiõesperiféricas,sobretudo

asiáticas.

Emsíntese,oambienteanteriordehomogeneizaçãodomercadodetrabalho

deu lugar a desiguais situações de trajetórias ocupacional e social. A passagem

para um assalariamento multipolar levou, por exemplo, ao estilhaçamento da

tradicionalclassemédianãoproprietária.

Emcertosentido,percebe-seadecomposiçãodaclassemédiafordista,coma

desconstruçãodessa identidadediantedacrescentedesvalorizaçãodosdiplomas

em meio à massificação dos ensinos técnico e superior e à precarização

generalizadadospostosde trabalho.Tudo isso consagrou a fasede rupturado

modelovoltadoparaasociedadedeclassemédia

[26]

.

Ademais, com a transição da sociedade industrial para a sociedade de

serviços,opesoda indústriadecaiumais rapidamentedesdeadécadade1970,

acelerando um movimento já observado desde os anos de 1950. Nessa

circunstância, a temáticada classemédia formada apartir dos serviços ganhou

novasperspectivas.

Paraalgunsautores,aestruturadeclassesatéentãoexistente sofreupressão

diretadasocupaçõesderivadasdo trabalho imaterial relacionadoaomaiorpeso

doconhecimento

[27]

.Ou seja, a gradual alteraçãoda estrutura social tornou-se

28

Page 29: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

cadavezmaiscompatívelcomaascensãodeumaeconomiadesmaterializada

[28]

,

cujadiferenciaçãodasformasdeocupaçãofezcrescertambémasnoçõesdeinside

(protegido)edeoutside(desprotegido)nointeriordopróprioassalariamento

[29]

.

O antigo movimento de estruturação do mercado de trabalho passou,

inclusive,adarlugaratrajetóriasdodesemprego,docontratoparcialdetrabalho,

entre outras formas de ocupação precária. Em grandemedida, a passagem do

fordismo para o novo sistema de produção (toyotista) terminou sendo

acompanhada de crescente instabilidade nos destinos ocupacionais, distante da

incorporaçãodosganhosdeprodutividade,semproteçãodoEstadoeausênciade

regulaçãopública

[30]

.

Nasociedadedosserviçosgeneralizadosdaseconomiascapitalistasavançadas,

atransiçãodopadrãodemobilidadesocialocorreseguidadeimportantesdebates

que questionam a utilização recorrente das clássicas categorias de classe social,

conformadas que eram anteriormente pela dinâmica própria do capitalismo

industrial. Sociedade individualizada, sociedade líquida, classes de serviços,

sociedadessemclasses,multidões,classesglobais,entreoutros,sãoostermosque

têm sido usados na profusão de estudos sobre transformações recentes nas

estruturassociaisnocentrodocapitalismomundial

[31]

.

Porcontadisso,odesenvolvimentodaproduçãocommenorparticipaçãodo

setor industrial temgerado certoparadoxodiantedo instrumental de análise a

respeito da estruturação das sociedades. Tanto assim que há autores que

identificam a nova conformação social criada pelo capitalismo global, nem

semprecomprometidacomoregimedemocrático,comaexpansãoeconômicae

social

[32]

,enquantooutrosjánãopossuemmaisamesmaperspectiva

[33]

.

De todo modo, o debate a respeito da mobilidade social nas economias

avançadas parece diferenciar-se em relação ao curso dos novos acontecimentos

em diversos países, sobretudo os subdesenvolvidos. Isso porque se observa a

difusão ainda em curso da industrialização tardia tanto em diversos países

asiáticos como também em outros que, mesmo sem completar plenamente a

industrialização (por exemplo, alguns da América Latina), registram sinais de

esvaziamentodaproduçãodemanufaturaemmeioàemergênciadasociedadede

serviços.

Especialmente em relação à dimensão e ao conceito de classe média, a

realidade das economias não desenvolvidas aponta para uma diversidade de

situaçõespoucocontempladaspelosestudosoriginadosnasnaçõesricas

[34]

.Sehá

um deslocamento na geografia global da produção industrial, a divisão

internacional do trabalho, particularmente a da classe média, sofre alterações

29

Page 30: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

significativas, nem sempre consideradas pelos estudos recentes sobre mudança

social

[35]

.

Alémdisso,umaparte importantedas investigaçõesvoltadasà identificação

das mudanças sociais nos países desenvolvidos também parece deixar de

incorporar aspectos fundamentaisdas transformações estruturaisdocapitalismo

nesteiníciodoséculoXXI.Oresultadodissocontribuideformaexpressivapara

darmaisevidênciaàaparênciadoqueàessênciadosfenômenossociaisatuais.

1.4.2.Deslocamentodariquezaegeografiadocrescimento

Desdeofinaldadécadade1960,assiste-seaoaprofundamentodossinaisde

deslocamento da produção mundial de manufatura do Ocidente para a Ásia.

Inicialmente,issosedeucomofortedesenvolvimentoindustrialjaponêsiniciado

nos anos de 1950, pelo apoio dos EstadosUnidos à reconstrução no segundo

pós-guerra.

Posteriormente,jánadécadade1970,outrospaísesasiáticos,comoTaiwan,

SingapuraeCoreiadoSul,ganharamcrescenteparticipaçãonaproduçãoglobal

demanufatura. Isso ficoumais evidente coma reestruturação japonesa apartir

do final da década de 1980, capaz de transferir investimentos industriais para

uma parcela da região asiática. Coincidentemente, com a proeminência da

China, sobretudo na década de 1990, ocorreu um maior deslocamento da

produção mundial de manufatura

[36]

. Em 2010, por exemplo, a China

respondeuporquase15%detodaaproduçãomundialdemanufatura,enquanto

em1990malalcançava2,5%.

Asprojeçõesparaoanode2020apontamparaumaparticipaçãoequivalente

daÁsiaemrelaçãoàproduçãoglobaldemanufaturasobaresponsabilidadeatual

dos países desenvolvidos. Estes, por sinal, apresentam desde a década de 1990

uma queda contínua em suas participações relativas no produto industrial do

mundo.Noanode2010,porexemplo,opesodospaísesdesenvolvidosnovalor

globaldamanufaturafoide66,2%ante81,5%em1990.

Desdeosanos1980,aeconomiadospaísesasiáticoscrescemaisrapidamente

que a do conjunto do mundo, avançando, com isso, o peso de sua

industrializaçãoemtermosglobais,bemcomoadensandosuascadeiasprodutivas

ediversificandoasexportações.Comisso,aseconomiasasiáticas,especialmentea

da China, aproveitam a onda da globalização neoliberal para melhor se

colocaremnarepartiçãodaproduçãoglobal.

Emoutrospaíses, comonosdaAméricaLatina,odesempenhoeconômico

distanciou-se da trajetória asiática

[37]

. O processo de abertura comercial e de

integração passiva à globalização desde o final da década de 1980 resultou na

30

Page 31: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

redução relativa de sua participação na produção global de manufatura, ao

mesmo tempo em que terminou reforçando a especialização de sua estrutura

produtiva nos setores demaior conteúdo de recursos naturais e intensivos em

mãode obra.Na virada para o séculoXXI, a participação relativa daAmérica

Latina na produção global de manufatura caiu 13,7%. No ano de 2010, por

exemplo,elafoide6,3%,enquantoem1990alcançava7,3%.(Verfigura1.1.)

Emresumo,aeconomiaglobalvemconhecendotransformaçõesestruturais

associadas ao deslocamento do antigo centro dinâmico do mundo, até então

representado pelos países pertencentes à Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), para parte importante das economias

quenãofazempartedaprópriaOCDE.Nocomeçodasegundadécadadoséculo

XXI,porexemplo,opesodospaísesnãomembrosdaOCDEnarepartiçãodo

PIBmundialequivaliaaopertencenteaoconjuntodaOCDE.

Figura1.1–Evoluçãodadistribuiçãodovaloragregadodamanufaturaemanosselecionados(total=100%)

Noutras palavras, o total da produção global repartida igualmente para as

duaspartesdomundo,sejamospaísesdefora,sejamospertencentesàOCDE.

Para o ano de 2020, por exemplo, as projeções apontam para a participação

relativa do conjunto das nações pertencentes à OCDE de 44% do Produto

InternoBruto global, enquanto em1990 essemesmo conjuntode países ricos

respondiaporquasedoisterçosdoPIBglobal.(Verfigura1.2.)

Figura1.2–EvoluçãodaparticipaçãodospaísesmembrosenãomembrosdaOCDEnoProdutoInternoBrutomundial(total=100%)

31

Page 32: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:OCDE(elaboraçãodoautor)

Amudançanarepartiçãogeográficadariquezamundialsegueacompanhada

daquedanataxademiseráveisnomundo.Éissooquesepodeconstatarcom

basenaanálisedaevoluçãodoparâmetrodemedidadepobreza estabelecidoa

partirdeumalinhamonetáriadasnecessidadesdeconsumoaserematendidas.

De acordo com as estimativas para a dimensão dosmiseráveis nomundo,

compreendidos pelo rendimento per capita familiar de até US$1,25 por dia,

observa-seaquedadequase42%detodaapopulação,em1990,paramenosde

umquartono inícioda segundadécadado séculoXXInoplaneta. (Ver figura

1.3.)

Figura1.3–EvoluçãodaparceladapopulaçãomundialquevivecomatéUS$1,25pordia(PPA*)

Fonte: Banco Mundial (elaboração doautor)

*PPA–ParidadenoPoderAquisitivo.

Como amaior parte da pobreza se concentra nos países nãomembros da

OCDE, percebe-se que o deslocamento da riqueza no mundo ocorre

simultaneamente à reduçãonaparceladapopulaçãoque vivediariamente com

atéUS$1,25.Nessesentido,ocrescimentoeconômicomais intensonospaíses

nãodesenvolvidostempermitidomelhorarascondiçõesdevidadapopulaçãona

basedapirâmidesocial.Osefeitosdesseimportantefenômenonaestruturasocial

não se apresentam homogêneos entre países. A mudança mais significativa,

32

Page 33: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

contudo, tende a convergir para um reposicionamento global da classemédia,

conformeidentificadaaseguir.

1.4.3.Redivisãointernacionaldaclassemédia

A formação de estruturas sociais complexas deve-se à transição das primitivas

sociedades agrárias para as avançadas estruturas sociais urbanas e industriais.

Estas, por sinal, consolidaram trajetórias significativas de mobilidade social

impulsionadas pela força do capitalismo industrial, cuja essência justificou o

aparecimentodeumanovaclassemédianãoproprietária.

Ainda que a definição de classe social não deva se restringir ao critério de

rendimento,utilizam-seaquiasinformaçõesoficiaisexistentesparacomprovaras

hipóteseslançadasanteriormentearespeitododesenvolvimentodaclassemédia

motivada pelo vigor do capitalismo industrial. Os países em ritmo de

desindustrialização tendemaperder importância relativade suas classesmédias

nototalglobal,aocontráriodaquelesbeneficiadospelodeslocamentogeográfico

da produção demanufatura que fortaleceu aindamais a estrutura social, com

importanteênfasenaclassemédianãoproprietária.(Verfiguras1.4e1.5.)

Observa-se, por exemplo, que no ano de 2009 cerca de um quarto da

populaçãodoplanetaeraconsideradadeclassemédiapelocritérioexclusivode

renda.Ou seja, o equivalente a 1,8 bilhão de pessoas, cujo rendimentomédio

familiarpercapitaencontrava-seentreUS$10eUS$100pordia(PPA)

[38]

.

Para o ano de 2020, projeta-se o conjunto de 3,2 bilhões de pessoas

identificadas por seu rendimento na condição de classe média, isto é, uma

elevação acumulada de 76,1% em duas décadas. Por um lado, a América do

Norte parece ser a única área do planeta que aponta queda absoluta na

quantidade de pessoas com rendimento classificável como de classe média

(-1,5%).

Figura1.4–EvoluçãodaparticipaçãorelativadapopulaçãocomrendapessoalentreUS$10eUS$100pordia(PPA)

33

Page 34: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Figura1.5–EvoluçãodaparticipaçãorelativadapopulaçãocomrendapessoalentreUS$10eUS$100pordia(PPA)

Por outro lado, constata-se que somente os países pertencentes à Ásia

projetam aumento absoluto e relativo na quantidade de habitantes vivendo na

condiçãodeclassemédiaparaoperíodode2009a2020.Daquiaseteanos,por

exemplo, mais de 54% da classe média medida por critério exclusivamente

monetáriodeveráseconcentrarnospaísesasiáticos.

Na comparação entre os anos de 1995 e 2009, omovimento de perda de

importânciarelativanototaldaclassemédiatornou-seaindamaisevidentenos

países não asiáticos. No caso das Américas do Sul e Central, por exemplo, a

diminuição relativa no total da classe média global foi de 16,6% no mesmo

períododetempo.

Também se percebe o decréscimo na participação relativa, não

necessariamente absoluta, dapopulação global consideradade classemédiapor

critério meramente monetário. Os casos mais evidentes disso são os países

europeuseosdaAméricadoNorte.Oinversoocorrenatrajetóriadospaísesda

Ásia. Entre 1995 e 2009 houve um aumento de 40%na expansão relativa da

classemédiaasiática.

34

Page 35: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Aindaparaomesmoconjuntode indicadoresdedefiniçãode classemédia

global por critério de rendimento, registra-se a redivisão no total da renda

compreendidapelossegmentosderendimentointermediário(deUS$10aUS$

100).Nota-se,porexemplo,quesomenteoconjuntodepaísesdaÁsiaapresenta

a expectativa de aumentar sua participação relativa no total da renda dos

segmentosdeclassemédia.

Enquanto aAmérica doNorte projeta umaquedade 34,6%entre 2009 e

2020,aÁsiadeveaumentarem86,2%nomesmoperíododereferência.Paraos

países da América do Sul e Central projeta-se estabilidade na participação no

totaldarendaconcentradanossegmentosdeclassemédia.

Em consonância com o deslocamento da riqueza global identificada pelo

vigor do crescimento econômico e com a força estruturadora da produção de

manufatura,háatendênciadeocorrerumaredivisãogeográficadaclassemédia

nomundo.Paísesanteriormenteindustriais,comoospertencentesàAméricado

Norte e à Europa, perderam a participação relativa na divisão global da classe

média, ao passo que a concentração da produção de manufatura na Ásia faz

convergiromaiorpesodaclassemédiaparaaquelapartedomundo.

1.4.4.Experiênciabrasileirarecente

De acordo com o que foi apresentado até aqui, diversos países desenvolvidos,

após terem alcançado a maturidade industrial, passaram a conviver com o

movimentodedesindustrializaçãoabsolutaourelativa.Eissopordoismotivos:

por um lado, em função do crescimento dos serviços associados à revolução

informacionaldesdeadécadade1970,e,poroutro,emrazãododeslocamento

dasplantasdemanufaturasapartirdadécadade1980para,emgrandemedida,a

regiãoasiática.

Comaformaçãodascadeiasprodutivasglobais,estimuladascrescentemente

pelomaiorgraudemonopóliodasgrandescorporaçõestransnacionais,terminou

por se distinguir cada vez mais a parte de cada país em relação ao total da

produçãomundial.Emfunçãodisso,aantigadiferenciaçãoentrecapitalnacional

e estrangeiro começa a perder sentido, uma vez que o determinante, a saber,

passaaseraparteemqueopaísencontra-sepresentenointeriordecadacadeia

globaldevalorlideradapelascorporaçõestransnacionais.

Os efeitos sobre a estrutura social de cada país desenvolvido tenderam a

apontarparaoesvaziamentodaconcepçãopredominantede“medianização”das

sociedadesurbanas e industriais.O sentidodaprecarizaçãodasocupações eda

desvalorizaçãodosdiplomasdiantedamassificaçãoda educaçãovoltadaparao

35

Page 36: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

funcionamentodomercadodetrabalhoaumentouaperspectivadodeclínio,para

nãodizerdomitodagrandeclassemédiaassalariada

[39]

.

Para oBrasil, que assumia a condiçãodepaís quenem sequer tinha ainda

conseguido completar sua fase de maturidade industrial, pareceu precoce a

convivênciacomsinaisdeenxugamentodopesorelativodosetor industrialno

total da produção nacional. Ademais, percebe-se que a própria estrutura social

tendeuasedeslocardaquelaverificadanospaísesdesenvolvidos.

Oexemplodanovaclassemédiaassalariadaapartirdosegundoquarteldo

séculoXXindicaoquantoasuaevoluçãonãofoihomogêneanemmesmoentre

aseconomiascapitalistasavançadas.Empaíseseuropeus,porexemplo,oavanço

da classe média assalariada dependeu fortemente do crescimento econômico

potencializado pela garantia do pleno emprego e da oferta de renda e pelos

serviçosgeradospeloEstadodebem-estarsocial.

Já nos Estados Unidos, o amplo assalariamento composto de quadros

técnicosedenível superiornagrandeempresa fordista terminoupororganizar

umaamplaclassemédiafortalecidaemmeioaobaixodesempregoeàtrajetória

daquedagradualnadesigualdadesocialederenda.OEstadodebem-estarsocial

nos EUA se mostrou contido e distante da experiência europeia de menor

desigualdadesocial.

Naeconomiabrasileira,aconfiguraçãodanovaclassemédiaassalariadadeu-

se a partir da instauração da industrialização pesada promovida pelo Plano de

Metas de Juscelino Kubitschek, capaz de facilitar a instalação de grandes

empresas,sobretudonosetordebensdeconsumoduráveis.Masosaltomesmo

da classe média brasileira ocorreu na década de 1970, com a ditadura militar

(1964-1985), estimulando políticas de proliferação de empregos associados à

intensa desigualdade de renda. Foram também adotadas políticas públicas

orientadasparaosmaisaltos salários (créditoaoconsumo,educação superiore

política habitacional diferenciada), de modo que se tornou possível a

modernizaçãodopadrãodeconsumoparaaeliteeaclassemédiaassalariadano

Brasil.

A desigualdade organizadora do avanço da classemédia brasileira permitiu

tambémque essa classedesfrutassedos serviçosdebaixo custo,potencializados

peloenormeexcedentedemãodeobrageradonasgrandescidadesporforçado

êxodo rural (ausência de reforma agrária). Assim, um verdadeiro exército de

serviçais esteve voltado à realização de qualquer atividade de sobrevivência,

sobretudo em serviço à nova classe média assalariada em ascensão, como nos

casos de motoristas particulares, domésticos em profusão, seguranças,

adestradoresdeanimais,entreoutros.

36

Page 37: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Constatou-se, assim, a internalização do padrão de consumo moderno

praticado apenas nos países de capitalismo avançado. No caso brasileiro, a

situaçãosemostrousingularemfunçãodalegiãodeserviçaisdestinadaaosricose

à classemédia assalariada, superior às classesmédias assalariadasnas economias

desenvolvidas

[40]

.

Desde a década de 1980, com a crise da dívida externa, o país abriu uma

longa fase de estagnação da renda per capita, responsável por impor fortes

constrangimentos à mobilidade social. No último quarto do século XX, o

abandono do projeto nacional desenvolvimentista foi acompanhado pela

emergência das políticas neoliberais de inserção subordinada à globalização

financeira.Oresultadodissofoiadesestruturaçãodomercadodetrabalho,coma

expansãododesemprego–quepassoude2,7%,em1989,para15%em2000–,

da informalidade e do desassalariamento formal. Assim, a marginalização dos

operáriosfoiacompanhadapelopróprioencolhimentodaclassemédiabrasileira.

Entre1981e2002,por exemplo, cercade11milhõesdebrasileiros foram

rebaixados ou constrangidos por uma grave piora na situação social.

Especialmentenaestruturaocupacionaldepostostradicionaisdeclassemédia,os

procedimentosde reestruturação industrial,de internacionalizaçãodeempresas,

deprivatizaçãodosetorprodutivoestatalede terceirizaçãodamãodeobrano

setorprivadoepúblicolevaramaoencolhimentodaclassemédiabrasileira

[41]

.

A recuperação da economia nacional desde 2004, com o abandono das

políticas de corte neoliberal e a influência de importantes políticas públicas,

comoaelevaçãorealdosaláriomínimo,oBolsaFamília,ocréditoaoconsumo

urbano e à agricultura familiar, as compras públicas, impactou diretamente a

estrutura social. Aomesmo tempo, a volta damobilidade social, sobretudo na

basedapirâmidesocial, foimotivadapelaquedasignificativanaquantidadede

miseráveisepelaampliaçãodoempregoformal,aindademenorrendimento.

Amelhoranarendaimpactouoconsumodegrandepartedapopulaçãode

baixaremuneração,contribuindoparaareduçãodapobrezaedadesigualdadede

renda no Brasil. Nos segmentos tradicionais de classe média assalariada, a

mobilidade social não se apresentou considerável, salvo em segmentos

proprietáriosdepequenosnegócioseautônomos

[42]

.

Paraaclassemédiaassalariada,oenfraquecimentoindustrialeaprecariedade

dos postos de trabalho no setor de serviços se chocaram ainda mais com a

elevaçãodosrendimentosetambém,porconsequência,doscustosematividades

de características serviçais. Assim, a contenção dos serviços baratos que

alimentavamo statusdos segmentosnãoproprietáriosdemeiosdeprodução e

37

Page 38: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

não vinculados a ocupações no chão da fábrica contaminou, em parte, a

possibilidadedareproduçãodaclassemédiaassalariada.

Da mesma forma, a continuidade de expansão nas ocupações e nos

rendimentosdabasedapirâmide socialpassouaexigira retomadada temática

tanto da reindustrialização, para reverter o atendimento de um padrão de

consumo por meio de importações, quanto da reconfiguração qualitativa dos

serviçospúblicos.Estasduastarefas,imprescindíveisnareorientaçãodaspolíticas

econômicaesocialdaatualidade,podemserportadorasdadifusãodeverdadeiros

empregosdeclassemédiaassalariadanoBrasil.

Consideraçõesfinais

Combase no que foi apresentado até aqui, percebe-se que o sentido geral das

mudançassociais recentesnodesenvolvimentocapitalistaapontaparaumnovo

temponadefiniçãoda temáticadaclassemédia.De formadiversadeperíodos

anteriores,adimensãodaclassemédianãorequereriaconsiderarnecessariamente

omovimentomaisamplodadivisãointernacionaldotrabalho,comoseobserva

naatualidade.

Tomada fundamentalmente a partir do critério monetário, a classe média

assalariada global tende a se concentrar nos países asiáticos por força do

movimento maior do deslocamento da produção para esta mesma região do

mundo. Com a formação das cadeias globais de produção em meio ao

predomínio da globalização financeira neoliberal, percebem-se movimentos de

desindustrializaçãoemdiversospaíses.

Por forçadisso, regiõescomoAméricadoNorteeEuropa,quenopassado

eram responsáveis pela concentração de dois terços da classe média global,

passam a se tornar inacreditavelmente residuais na redivisão da classe média

mundial.Estima-sequeapenasumcontingentedecercadeumquintodototal

depessoascomrendimentofamiliarpercapitaentreUS$10eUS$100diários

estejalocalizadonasantigasregiõesdesenvolvidas.

Cabe, contudo, considerar a predominância da definição de classe média

assentadanaperspectivadaestruturaçãosocialprovenientedodesenvolvimento

docapitalismoindustrial.Namedidaemqueseassisteaoavançodassociedades

pós-industriais,comfortepesorelativodaocupaçãodeserviços,podetornar-se

semefeito a aplicação simplistado conceito tradicionalde classe, sobretudona

classificaçãodaclassemédiaancoradanocritérioderendimento.

Naseconomiasdepaísesderendimentointermediário,quenãocompletaram

plenamenteoseuprocessodeindustrializaçãoejáprecocementeavançamparaas

38

Page 39: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

estruturas sociaisdebasenosserviços,ousodoconceitodeclassemédia talvez

seja ainda mais extemporâneo. Isso porque a adoção de uma medida

descontextualizadadabaseoriginaldesuamaterializaçãopodeserevestirapenas

esimplesmentedeumvoluntarismoteóricoinconsistentecomarealidade,salvo

interesses ideológicos específicos ou projetos políticos de reconfiguração de

reduçãodopapeldoEstado.

Emvirtudedisso,aquestãodaclassemédiaempaísescomooBrasilmerece

maior aprofundamento, evitando-se conclusões apressadas e nem sempre

consistentes com a realidade. Essa abordagem, portanto, será explorada nos

capítulosseguintes.

[1]Ver:B.Kaiser,PouruneanalysedelaclassemoyennedanslespaysduTiersMonde,Revue

TiersMonde,Paris,v.26,n.101,jan.-mar.1985,p.7-30;A.BárcenaeN.Serra(orgs.),Clases

mediasydesarrolloenAméricaLatina(Santiago/Barcelona,Cepal/Cidob,2010).

[2]Umbomdebateaesterespeitoencontra-seem:B.Carter,Capitalism,ClassConflictandthe

NewMiddle Class (Londres, Routledge/Kegan Paul, 1985);N. Poultanzas,Les classes sociales

danslecapitalismeaujourd’hui(Paris,Seuil,1974);E.Thompson,Aformaçãodaclasseoperária

inglesa:aárvoredaliberdade(trad.DeniseBottmann,RenatoBusattoNeto,CláudiaRochade

Almeida,RiodeJaneiro,PazeTerra,1987);P.Anderson,ArgumentsWithinEnglishMarxism

(Londres, Verso, 1980); A. Przeworski,Capitalism and Social Democracy (Cambridge,MIT,

1985).

[3] Paramais detalhes, ver: L. James,TheMiddle Class: AHistory (Londres, Little, Brown,

2006).

[4]Ver:M.Bakunin,Marx, theBismarckof Socialism,1870, emL.Krimerman eP.Perry

(orgs.),Patterns of Anarchy: A Collection ofWritings on the Anarchist Tradition (Nova York,

AnchorBooks,1966).

[5] Ver: K. Marx, Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da

economiapolítica(trad.MarioDuayeretal,SãoPaulo,Boitempo,2011).

[6] Ver: K. Kautsky,A ditadura do proletariado (trad. Eduardo Sucupira Filho, São Paulo,

Ciências Humanas, 1979); E. Bernstein, Las premisas del socialismo y las tareas de la

socialdemocracia(trad.AlfonsoAricho,CidadedoMéxico,SigloVeintiuno,1982);A.Teixeira

(org.),Utópicos, heréticos emalditos: os precursores do pensamento social de nossa época (Riode

Janeiro,Record,2002).

[7] Ver: C. Mills, White Collar: The American Middle Classes (Oxford, OUP, 2002); J.

Burnham,The Managerial Revolution (Bloomington, IUP, 1960); G. Simmel, Sociologie et

épistémologie(Paris,PUF,1981).

39

Page 40: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

[8]Paramaisdetalhes,ver:V.Lenin,ArevoluçãoproletáriaeorenegadodeKautsky,emObras

escolhidas(Lisboa,Avante,1977).

[9]Ver:R.Nisbet,TheDeclineandFallofSocialClass,PacificSociologicalReview,Berkeley,

UCP,v.2,n.1,1959,p.11-7;H.Mendras,Laseconderévolutionfrançaise:1965-1984(Paris,

Gallimard,1988).

[10] Ver:M. Nicolaus, ElMarx desconocido: proletariado y clase media enMarx: coreografía

hegelianaydialécticacapitalista(trad.FernandoSantosFontenla,Barcelona,Anagrama,1972);

H. Braverman,Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX (trad.

NathanaelC.Caixeiro,3.ed.,RiodeJaneiro,Zahar,1980).

[11]Ver:B.Carter,Capitalism,ClassConflictandtheNewMiddleClass,cit.;R.Fausto,Marx:

lógicaepolítica: investigaçõesparaumareconstituiçãodo sentidodadialética (2.ed.,SãoPaulo,

Brasiliense,tomo2,1987);F.Oliveira,Osurgimentodoantivalor:capital,forçadetrabalhoe

fundopúblico,NovosEstudos,SãoPaulo,Cebrap,n.22,1988,p.8-28.

[12]Ver:D.Bell,Oadventoda sociedadepós-industrial:umatentativadeprevisão social(trad.

HeloysadeLimaDantas, SãoPaulo,Cultrix, 1977);A.Touraine,La société post-industrielle:

naissance d’une société (Paris, Denoël/Gonthier, 1969); C. Offe, New Social Movements:

Challenging the Boundaries of Institutional Politics, Social Research, Nova York, The New

School,v.52,n.4,1985,p.817-68.

[13]Ver:A.Gouldner,El futurode los intelectualesy elascensode lanuevaclase (trad.Néstor

Míguez,Madri,Alianza,1979);P.Bourdieu,Distinction:ASocialCritiqueoftheJudgementof

Taste(trad.RichardNice,Londres,Routledge,1984).

[14]Ver:A.Gorz,Adeusaoproletariado:paraalémdosocialismo(trad.AngelaRamalhoVianna,

SérgioGóesdePaula,2.ed.,RiodeJaneiro,ForenseUniversitária,1987);C.Offe,Capitalismo

desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e da política (trad.Wanda Caldeira

Brant,SãoPaulo,Brasiliense,1989).

[15]Ver:S.Mallet,Lanouvelleclasseouvrière(Paris,Seuil,1963);J.Lojkine,Laclasseouvrière

enmutations(Paris,Messidor,1986);Idem,Larévolutioninformationnelle(Paris,PUF,1992);

R. Antunes, Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do

trabalho(SãoPaulo/Campinas,Cortez/EditoradaUnicamp,1995).

[16]Ver:A.Giddens,Aterceiravia:reflexões sobreo impassepolíticoatualeo futurodasocial-

democracia(trad.MariaLuizaX.deA.Borges,RiodeJaneiro,Record,1999);B.Jobert(org.),

Letournantnéo-libéralenEurope,cit.

[17]Ver:A.Gorz,Oimaterial:conhecimento,valorecapital(trad.CelsoAzzanJúnior,2.ed.,

SãoPaulo,Annablume,2009);L.Habib,La forcede l’immatériel: pour transformer l’économie

(Paris,PUF,2011).

[18]Ver:M.Godelier,Antropologia (trad.EvaldoSintoni et al, SãoPaulo,Ática,1981);M.

Mazoyer e L.Roudart,História das agriculturas nomundo: do neolítico à crise contemporânea

(trad.CláudiaF.FalluhBalduinoFerreira,SãoPaulo,EditoraUnesp,2009);K.Marx,O18de

brumáriodeLuísBonaparte(trad.NélioSchneider,SãoPaulo,Boitempo,2011).

[19]Paramaisdetalhesarespeitodemobilidadeeestruturaçãosocial,ver:K.Marx,Ocapital:

crítica da economia política (trad. Reginaldo Sant’Anna, 22. ed., Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira,2004);E.Durkheim,Dadivisãodo trabalho social (trad.EduardoBrandão,2. ed.,

40

Page 41: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

São Paulo, Martins Fontes, 2004); D. Merllié e J. Prévot, La mobilité sociale (Paris, La

Découverte,1997).

[20]Paraestudossobreclassesocialnassociedadesindustriaiscapitalistasver:R.Dahrendorf,

Class and Class Conflict in Industrial Societies (Londres, Routledge/Kegan Paul, 1959); A.

Touraine,La conscience ouvrière (Paris, Seuil,1966);N. Poultanzas,Les classes sociales dans le

capitalismeaujourd’hui,cit.

[21] Ver: J. Dunlop, Sistemas de relaciones industriales (trad. Amadeo Monrabá, Barcelona,

Península,1978);C.Kerretal,IndustrialismandIndustrialMan:TheProblemsofLaborand

Management inEconomicGrowth (Princeton,PUP,1975);H.Braverman,Trabalho e capital

monopolista:adegradaçãodotrabalhonoséculoXX,cit.

[22]Ver:C.Mills,WhiteCollar,cit.;R.EriksoneJ.Goldthorpe,TheConstantFlux:AStudyof

ClassMobilityinIndustrialSocieties(Oxford,Clarendon,1993).

[23] Ver:M. Agliettà,Regulación y crisis del capitalismo: la experiencia de los Estados Unidos

(trad. Juan Bueno, Cidade do México, Siglo Veintiuno, 1979); P. Doeringer e M. Piore,

InternalLabourMarketsandManpowerAnalysis(2.ed.,NovaYork,Sharpe,1985);D.Gordon,

R.Edwards eM.Reich,SegmentedWork,DividedWorkers:TheHistoricalTransformation of

Labor in the United States (Cambridge, CUP, 1982); F. Zweig,The Worker in an Affluent

Society: Family Life and Industry (Londres, Heinemann, 1969); M. Pochmann, Políticas do

trabalho ede garantiade rendano capitalismo emmudança:um estudo sobre as experiênciasda

França,daInglaterra,daItáliaedoBrasildesdeosegundopós-guerraaosdiasdehoje(SãoPaulo,

LTr,1995).

[24]Ver:H.Wilensky,TheWelfareStateandEquality:StructuralandIdeologicalRootsofPublic

Expenditures (Berkeley,UCP,1975);A.Przeworski,CapitalismandSocialDemocracy, cit.;C.

Offe,Capitalismodesorganizado, cit.;W.Beveridge,Pleno empleo en una sociedad libre (trad.

Pilar LópezMáñez,Madri,MTSS, 1988); R.Castel,Asmetamorfoses da questão social: uma

crônicadosalário (trad. IraciD.Poleti,2.ed.,Petrópolis,Vozes,1998); J.Galbraith,Onovo

estadoindustrial(trad.LeônidasGontijodeCarvalho,SãoPaulo,AbrilCultural,1982).

[25]Paraummelhordetalhamentodopadrãodemobilidadesocialnospaísesdecapitalismo

avançado, ver: R. Erikson e J. Goldthorpe,TheConstant Flux, cit.; E.Wright, Rethinking,

Once Again, the Concept of Class Structure, em E. Wright (org.), The Debate on Classes

(Londres,Verso,1989).

[26] Ver: L. Chauvel, Le destin des générations: structure sociale et cohortes en France au

XXX

e

>siècle(2.ed.,Paris,PUF,2002);G.Lavau,G.GrunbergeN.Mayer,L’universpolitique

desclassesmoyennes(Paris,PFNSP,1983);D.Antunes,Capitalismoedesigualdade(Campinas,

IE/EditoradaUnicamp,2011).

[27] Ver: J. Bindé (org.), Rumo às sociedades do conhecimento: relatório mundial da Unesco

(Lisboa,InstitutoPiaget,2008);A.Touraine,Lasociétépost-industrielle,cit.;D.Masi(org.),A

sociedadepós-industrial(SãoPaulo,Senac,1999);K.Kumar,Dasociedadepós-industrialàpós-

moderna:novasteoriassobreomundocontemporâneo(trad.CarlosAlbertoMedeiros,2.ed.,Rio

deJaneiro,Zahar,1997);M.Castells,Asociedadeemrede(SãoPaulo,PazeTerra,1999);C.

Bidou-Zacharlasen, À propos de la “service class”: les classes moyennes dans la sociologie

britannique,RevueFrançaisedeSociologie,Paris,v.41,n.4,2000,p.777-96.

[28] Ver: A. Gorz, O imaterial, cit.; H. Amorim, Trabalho imaterial: Marx e o debate

contemporâneo (São Paulo, Annablume/Fapesp, 2009); O. Bomsel, L’économie immatérielle:

41

Page 42: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

industriesetmarchésd’expériences(Paris,Gallimard,2010).

[29]Ver:L.Chauvel,Ledestindesgénérations,cit.;A.Lipietz,Lasociétéensablier:lepartagedu

travailcontreladéchiruresociale(Paris,LaDécouverte,1996).

[30]Ver:R.KaziseM.Miller (orgs.),Low-WageWorkers in theNewEconomy:Strategies for

ProductivityandOpportunity (Washington,DC,UIP,2001);R.Infante(org.),Lacalidaddel

empleo: la experiencia de los países latinoamericanos y de los Estados Unidos (Santiago, OIT,

1999);J.Freyssinet,Letempsdetravailenmiettes(Paris,L’Atelier,1997);R.Sennett,Odeclínio

do homem público: as tiranias da intimidade (trad. Lygia Araújo Watanabe, São Paulo,

CompanhiadasLetras,1999).

[31]Destacam-se,porexemplo:M.HardteA.Negri,Multidão:guerraedemocracianaerado

Império (trad.ClóvisMarques,Rio de Janeiro,Record, 2005);D.Rothkopf,Superclass:The

GlobalPowerEliteandtheWorldTheyAreMaking(Londres,Little,Brown,2008);R.Frank,

Riquistão (trad.AlessandraMussi,Riode Janeiro,Manole,2008);A.Giddens,Capitalismo e

modernateoriasocial:análisedasobrasdeMarx,DurkheimeMaxWeber(trad.MariadoCarmo

Cary,5.ed.,Lisboa,Presença,2000);Z.Bauman,Asociedadeindividualizada:vidascontadase

históriasvividas(trad.JoséGradel,SãoPaulo,Zahar,2008).

[32] Ver: D. Coates, Models of Capitalism: Growth and Stagnation in the Modern Era

(Cambridge/Oxford,Polity,2000);R.Reich,Supercapitalismo(RiodeJaneiro,Elsevier,2008).

[33] Ver: E. Melman,Depois do capitalismo: do gerencialismo à democracia no ambiente de

trabalho:históriaeperspectivas(SãoPaulo,Futura,2002);J.Beinstein,Capitalismosenil (trad.

Ryta Vinagre, Rio de Janeiro, Record, 2001); J. Frieden, Capitalismo global: el trasfondo

económico de la historia del sigloXX (trad. JuanmariMadariaga,Barcelona,MemoriaCrítica,

2007).

[34] Ver:OCDE,Perspectives du développement mondial: le basculement de la richesse (Paris,

OCDE,2010);H.Kharas,TheEmergingMiddleClassinDevelopingCountries (Paris,OECD,

2010,SérieWorkingPapers),n.285.

[35]Destacam-secomoanálisesconsistentes:R.Franco,M.HopenhayneA.León(orgs.),Las

clasesmediasenAméricaLatina (CidadedoMéxico,SigloVeintiuno,2010);A.BárcenaeN.

Serra(orgs.),ClasesmediasydesarrolloenAméricaLatina,cit.

[36]Ver: R. Leão, E.Costa Pinto e L. Acioly (orgs.),AChina na nova configuração global:

impactos políticos e econômicos (Brasília, Ipea, 2011); E. Jabbour, China: infraestrutura e

crescimento econômico (São Paulo, Anita Garibaldi, 2006); C. Medeiros, Desenvolvimento

econômicoeascensãonacional,emJ.Fiori,C.MedeiroseF.Serrano(orgs.),Omitodocolapso

dopoderamericano (Riode Janeiro,Record,2008);R.Shapiro,Aprevisãodo futuro: comoas

novas potências transformarão os próximos 10 anos (trad. Mario Pina, Rio de Janeiro, Best

Business,2010).

[37] Ver: R. Carneiro,Commodities, choques externos e crescimento: reflexões sobre a América

Latina(Santiago,NaçõesUnidas,2012,SérieMacroeconomiadeldesarrollo),n.117;J.Neffa

e E. Toledo, Trabajo y modelos productivos en América Latina: Argentina, Brasil, Colombia,

México, yVenezuela luego de las crisis delmodo de desarrollo neoliberal (BuenosAires,Clacso,

2010);F.SartieC.Hiratuka(orgs.),Perspectivasdoinvestimentonaindústria(RiodeJaneiro,

Synergia,2010);CNI,OfuturodaindústrianoBrasilenomundo:osdesafiosdoséculoXXI(Rio

deJaneiro,Campus,1999).

42

Page 43: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

[38] Ver: H. Kharas, The Emerging Middle Class in Developing Countries, cit.; OCDE,

Pérspectiveséconomiquesdel’AmériqueLatine(Paris,OCDE,2010).

[39]Ver:J.Lojkine,L’adieuàlaclassemoyenne(Paris,LaDispute,2005);C.Peugny,Ledestin

auberceau:inégalitésetreproductionsociale(Paris,Seuil,2013).

[40]Ver:J.MelloeF.Novais,Capitalismotardioesociabilidademoderna(SãoPaulo,Editora

Unesp,2009);C.Furtado,Omitododesenvolvimento(SãoPaulo,CírculodoLivro,1979).

[41]Ver:W.Quadros,Brasil:estagnaçãoecrise(SãoPaulo,Gelre,2004);A.Guerraetal,Classe

média:desenvolvimentoecrise(SãoPaulo,Cortez,2006).

[42]Ver:W.Quadros,Aevoluçãodaestruturasocialbrasileira:notasmetodológicas(Campinas,

IE/EditoradaUnicamp,2008,SérieTextosparadiscussão),n.148;M.Pochmann,Novaclasse

média?:otrabalhonabasedapirâmidesocialbrasileira(SãoPaulo,Boitempo,2012).

43

Page 44: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

2.CLASSEMÉDIA:FATOSEINTERPRETAÇÕESNO

BRASIL

Omovimentode transformaçãoda estrutura socialbrasileira apartirda virada

para o séculoXXI se apresenta como um fato praticamente inquestionável.O

mesmonãopodeserditoemrelaçãoàsinterpretaçõessobreosentidogeraldessas

mudançasnoconjuntodasociedade.

Inicialmente,ahipótesedaalteraçãonaestruturadasociedadeexpressapela

identificação de uma nova classe média se estabeleceu rapidamente com

dominância explicativa. Gradualmente, contudo, outras interpretações mais

profundasarespeitodocursodastransformaçõesnocapitalismocontemporâneo

ede seus efeitos condicionantes no interior da estrutura social brasileira foram

surgindo,capazesdequestionaraversãodanovaclassemédiaporcontadesua

fragilidadeedeseusimplismo,eporser talhipótesedesprovidademaiorrigor

acadêmico.

É nesse contexto que o presente capítulo analisa omovimento recente da

incorporaçãodeparcelaimportantedostrabalhadoresdebaixarendanopadrão

tardio de consumo fordista, equivocadamente associado à ascensão social de

classe média. Para isso, busca-se recuperar brevemente as bases por meio das

quais a expansãocapitalistado segundopós-guerrado séculopassadoproduziu

estruturassociaisdiferenciadasentreospaíses.

De um lado, veem-se as economias desenvolvidas que conformaram as

estruturassociaiscomalgumgrauderelativaidentidadeemfunçãodopadrãode

crescimento urbano e industrial e da ação do Estado de bem-estar social. Em

decorrênciadisso,houveageneralizaçãodapossedosbensdeconsumoduráveis,

inclusivedaquelesdemaiorvalorunitário,comoautomóvelecasaprópria,oque

simbolizouum ciclo de expansão econômica associado a certa desconcentração

derenda.Inegavelmente,apressãoorganizadadostrabalhadorescontribuiupor

meiodasentidadessindicaisparaaelevaçãodosaláriorealemconformidadecom

osganhosdeprodutividadeeparaareduçãodajornadadetrabalho.Atravésdos

partidos políticos, a agenda dos trabalhadores foi transformada em políticas

44

Page 45: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

públicas,eissopormeiodaconsolidaçãoedaascensãodoEstadodebem-estar

social.

Deoutro lado,háosdemaispaíses capitalistasque, sem registrar adifusão

integraldopadrãofordistadocrescimentourbanoeindustrial,terminarampor

constituir estruturas sociais diferenciadas. O processo de periferização do

fordismolevouaosubconsumodostrabalhadoresemrelaçãoaopadrãodeacesso

aos bens duráveis como automóvel e moradia própria. Contribuiu para isso a

ausência tanto do Estado de bem-estar social quanto de acordos políticos

comprometidos com a redução da desigualdade na distribuição dos frutos da

expansãoeconômica.UmbomexemplodissofoioBrasil,cujaprioridadedada

ao crescimento econômico foi acompanhada por uma brutal concentração da

renda.AofinaldoséculoXX,oBrasil situava-seentreostrêspaísesdomundo

commaiordesigualdadederenda.

Somente na década de 2000 o país encontrou importante inflexão na

trajetória da desigualdade distributiva, com a inversão da antiga prioridade

nacional,istoé,comaopçãopeloestabelecimentodarepartiçãodarendacomo

um dos principais fatores determinantes para a promoção do crescimento

econômicoeparaadifusãodoconsumodemassa.

Ademais, o avançodoEstadodebem-estar social revelouo vigorhistórico

das lutas sociais, especialmente das organizações dos trabalhadores desde a

recuperação do novo sindicalismo ao final da década de 1970,

concomitantemente com a formação de uma novamaioria política favorável à

desconcentração da renda. Assim, o Brasil saiu da terceira posição de maior

desigualdadederendanomundoparaadécimaquarta.Comoconsequência,a

estruturasocialbrasileirasemodificou,tornando-secompatívelcomatendência

de homogeneização do padrão de consumo de bens duráveis, que até então

somente seapresentavaplenamente factível aos segmentosdeclassemédiaede

rendas superiores. Ademais, a característica do subconsumo dos trabalhadores

brasileiroscomeçouasersuperadacomoiníciodoprocessodedesconcentração

darendanacional.

O estrato social reconhecido pela literatura especializada como de

trabalhadores pobres (working poor) foi um dos principais beneficiados pelo

movimentopolíticodeinversãodeprioridades(distribuirparacrescer)ocorrido

no Brasil na primeira década do século XXI. As partes desenvolvidas a seguir

tratamde explicitar o fortalecimentoda classe trabalhadora, sobretudodaquela

de baixa renda, enquanto resultado da mudança recente na estrutura da

sociedadebrasileira.

45

Page 46: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

2.1.Padrãodecrescimentoeconômicoeestruturasocial

nocapitalismoavançadodosegundopós-guerra

AexpansãodocapitalismoapartirdasegundametadedoséculoXXocorreude

maneiradiferenciadaemrelaçãoàtrajetóriaverificadaatéadécadade1920.De

certaforma,houveumexpressivosaltoemrelaçãoàGrandeDepressãode1929e

àsduasguerrasmundiais,umavezquesecombinouaestruturaçãoedifusãodas

grandes escalas de produção herdadas da Segunda Revolução Industrial e

Tecnológica desde o final do século XIX com a inclusão emmassa de novos

consumidoresinternoseaampliaçãodocomércioexterno.

O esgotamento do sistema monetário internacional associado ao padrão

ouro-libraprotagonizadopeladecadênciadavelhaordemliberaldoséculoXIX

estrangulouocomércioentreasnaçõesapartirde1914.Aomesmotempo,as

experiênciasdasduasguerrasmundiaisrevelaramapolarizaçãoentreosEstados

Unidose aAlemanhaem tornodadisputapela sucessãodaarcaicahegemonia

inglesa.

O período do segundo pós-guerra iniciou-se com os Estados Unidos

exercendoopapeldenaçãohegemônicadoblococapitalistaecomaintrodução

de um novo sistema monetário vinculado ao padrão ouro-dólar e à ordem

mundial, esta regulada pelo poder militar da Organização do Tratado do

AtlânticoNorte(Otan)epelasagênciasmultilateraiscomooFundoMonetário

Internacional (FMI),oBancoMundial (BM)eoAcordoGeral sobreTarifase

Comércio (Gatt). Por um lado, com o apoio estadunidense à reconstrução

europeia(PlanoMarshall),ocomércioexternovigorou,fortalecidopelocrescente

investimentodasempresasmultinacionais,especialmenteasnorte-americanas.

Por outro lado, o legado de regressão econômica e social expresso pela

Depressão de 1929, em meio ao sucesso da experiência de socialismo real

atribuída desde a Revolução Russa, em 1917, impôs condições políticas

suficientes para a implantação de um importante programa de reformas

capitalistas semparalelohistórico.AemergênciadoEstadodebem-estar social,

consolidada por uma reforma tributária progressiva e responsável pela

determinaçãodeosricospagaremimpostos,ampliouofundopúblicodemenos

de10%paramaisde30%doProdutoInternoBrutonospaísesindustrializados.

Com isso, parte do custo de reprodução da força de trabalho passou a ser

financiada por recursos públicos, como no caso da universalização do acesso

público à educação (creche e ensinos fundamental, médio e superior), à

assistência social e à saúde.Tambémpormeiode subsídiospúblicos tornou-se

possívelreduzirosgastosdostrabalhadorescomtransporte,habitaçãoelazer

[1]

.

46

Page 47: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Antes disso, o custeio desses gastos dependia exclusivamente do salário do

trabalhador, limitando o consumodeuma empobrecida cesta de sobrevivência

porumaparcelasignificativadasociedade.

A generalização dos contratos coletivos de trabalho permitiu levar a

democracia ao local de trabalho, com a ampliação dos direitos sociais e

trabalhistaseaelevaçãodossaláriosemconformidadecomainflaçãoeosganhos

de produtividade. O aumento da remuneração média real dos trabalhadores,

acrescida aindamais pelo salário indireto proporcionado pelo Estado de bem-

estar social, esteve combinado à extensão da política de crédito e de inclusão

bancária, o que favoreceu o financiamento da aquisição generalizada dos bens

manufaturados, sobretudo os demaior valor unitário, como automóvel e casa

própria.

Nocasodosoperáriosfranceses,porexemplo,apossedeautomóvel,televisor

emáquinade lavareraresidualnoimediatopós-guerra.Nemumdécimodeles

possuía carro ou outros bens de consumo duráveis.Menos de quatro décadas

depois,ahomogeneizaçãodopadrãodeconsumoestavapraticamenteconcluída,

uma vez que a universalização do acesso aos bens duráveis, como automóvel,

televisoremáquinadelavar,estavaconsumada.(Verfigura2.1.)

Figura2.1–França:evoluçãodapossedebensdeconsumoduráveisporoperários(em%)

Políticas do trabalho e de garantia derenda no capitalismo emmudança, cit.,p.39

Omovimentodedesconcentraçãodarendaapartirdosegundopós-guerra

mundial se mostrou funcional para o atendimento da demanda das enormes

escalas de produção constituídas pela Segunda Revolução Industrial e

Tecnológica. Entre 1950 e 1986, por exemplo, o poder aquisitivo do salário

mínimonaFrançacresceu12%acimadaremuneraçãodosexecutivos.

47

Page 48: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Porforçadaelevaçãomaisrápidadorendimentonabasedapirâmidesocial,

ograudedesigualdadeentreasremuneraçõesdiminuiurapidamente.NaItália,

por exemplo, o salário médio do operário era de quase quatro quintos da

remuneraçãodo empregadodenível superior, enquanto em1938 representava

apenasumterço.

Com isso, a parcela salarial na renda nacional cresceu substancialmente,

passando a representar mais de dois terços do fluxo de riquezas geradas

anualmentenospaísesdesenvolvidos.Aomesmotempo,ataxadepobreza,que

chegouarepresentar21%dototaldapopulaçãoinglesaem1953,porexemplo,

reduziu-se a 7% em 1971, enquanto vigia praticamente o pleno emprego da

forçadetrabalho.

Nomesmosentido,ogastosocialimpulsionadopelaconsolidaçãodoEstado

de bem-estar social cresceu substancialmente. Em 1978, por exemplo, a

Inglaterra comprometia27,8%doPIB comogasto social, enquanto em1938

issorepresentavamenosde11%.

Aampliaçãodovalorrealdaremuneraçãodotrabalhador,acompanhadada

elevação do salário indireto pelo Estado de bem-estar social, permitiu cobrir a

extensãodasdespesasfamiliaresparaalémdasalimentares.Atéadécadade1940,

o ganho do trabalhador cobria fundamentalmente os gastos com alimentação,

que chegavam a responder por quase quatro quintos do total do salário dos

operários nos países desenvolvidos. Na década de 1970, por exemplo, o

trabalhador italiano possuía 71,5% de sua rendamédia liberada para despesas

nãoalimentares.Cincodécadasantes,somenteumterçodaremuneraçãopoderia

financiargastosnãoalimentares.

Em síntese, percebe-se como o ciclo do crescimento econômico nos países

desenvolvidos possibilitou o fortalecimento da tendência homogeneizadora do

padrão de consumo, sobretudo com a generalização do acesso aos bens de

consumoduráveis.Ocapitalismofordista,comoquaseplenoempregodamão

de obra e a elevação direta e indireta do rendimento da classe trabalhadora,

especialmentenabasedapirâmidesocial,alterouprofundamenteasociedadenos

paísesdocentrodocapitalismomundial.

Acondiçãodaplenaocupação,comtaxasdedesempregoabaixode5%do

total da população economicamente ativa, facilitou o acesso ao crédito para a

aquisiçãodebensdemaiorvaloraquisitivo,bemcomoimpediuqueocursodo

pagamento futuro do endividamento familiar ocorresse naturalmente. A

condição de insegurança da classe trabalhadora ameaçada pelo elevado

desemprego e pela rotatividade do trabalho no período pré-guerras terminou

48

Page 49: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

afastada na segunda metade do século XX nos países que adotaram o padrão

fordistadedesenvolvimento.(Verfigura2.2.)

Ainclusãodaclassetrabalhadoranosfrutosdocrescimentoeconômiconão

levouaoentendimentodequesetratavadeumamudançanaestruturadeclasses

dasociedade,tampoucoàascensãodeumanovaclassemédia.Oquehouvefoia

interpretação de que a força política dos trabalhadores, por meio de suas

organizações de interesses (associações, sindicatos e partidos políticos), tornara

possível a elevação do padrão de vida com acesso aos direitos sociais e

trabalhistas.(Verfigura2.3.)

A agenda dos trabalhadores conformada por décadas anteriores de lutas se

convertera em realidade, especialmente nos países de capitalismo fordista. O

acesso aos direitos sociais e trabalhistas elevou e possibilitou a trajetória de

homogeneizaçãodoníveldeconsumoapartirdoprocessodedesconcentraçãoda

renda funcional alinhado ao ritmo demaior crescimento econômico. Tanto é

assim que as quase três décadas que sucederam o final da Segunda Guerra

Mundial passaram a ser reconhecidas como golden years (anos dourados) do

capitalismo.

Figura2.2–Taxamédiadedesempregoempaíseseperíodosselecionados(em%daforçadetrabalho)

Adesordemdotrabalho,cit.,p.27

Figura2.3–Taxadesindicalizaçãoempaíseseperíodosselecionados(em%daforçadetrabalho)

49

Page 50: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Adesordemdotrabalho,cit.,p.47

No período entre 1950 e 1973, por exemplo, a somatória do Produto

InternoBrutonospaísescapitalistasfordistascresceunumataxamédiaanualde

4,9%, enquanto as exportações aumentaram, emmédia,8,6%ao ano.Na fase

anterior, que compreendeu os anos de 1913 e 1950, a taxa média anual de

crescimentodoPIB foide somente1,9%,enquantoavariaçãodasexportações

atingiuoritmodeapenas1%nocapitalismopré-fordista.

2.2.Industrializaçãotardiaesubconsumodaclasse

trabalhadorabrasileira

Ospaísescapitalistasqueviveramoêxitodofordismoapartirdosegundopós-

guerra experimentaram a industrialização no século XIX (industrialização

retardatária)ou,ainda,comonocasodaInglaterra,aindustrializaçãooriginal,na

metade do século XVIII. Outros países que conseguiram avançar a produção

manufatureirasomentenoséculoXXconviveram,emgeral,comasimplicações

daindustrializaçãotardia,namaiorpartedasvezestraduzidaspeladependência

tecnológicaeopredomíniodocapitalestrangeiro.

Nocasobrasileiro,oretardotemporaldaindustrialização–somenteapartir

dadécadade1930–impôsurgênciaàproduçãomanufatureiracomosefossea

traduçãodacópiadeumaestruturajáexistenteemnaçõesricas,contandocom

presença de empresas estatais nativas e grandes empresas multinacionais. A

fragilidade na demanda interna, constrangida ainda mais pela ausência de

reformas civilizatórias (agrária, tributária e social) e, por consequência, pela

dramáticaconcentraçãoderenda,estabeleceuàmaioriapolíticaresponsávelpela

conduçãodocrescimentoeconômicooimperativodefugaparaafrente.

Resumidamente, tornou-se necessário o compromisso político por uma

expansãoeconômicaaqualquercusto,eissoparafazerfrenteaocrescimentodas

taxas,demodoque seria fundamentalnesseprocessoaparticipaçãodoEstado,

comoumsócioestratégiconoprocessohistóricodeacumulaçãodecapital.Sem

isso,aindustrializaçãonoBrasildificilmenteteriaavançado,talcomoseverificou

entreasdécadasde1930e1970.

Alémdisso, a fragilidadedo regimedemocráticodecorrenteda convivência

com a descontinuidade dos períodos autoritários (1937-1945 e 1964-1985)

permitiuqueoavançodas forçasprodutivascontinuasseconcentradonopoder

privado de poucos clãs de famílias que já dominavam o país desde a fase do

antigoagrarismoexportador.Nãoporacaso,oenfraquecimentodasorganizações

50

Page 51: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

de interesses dos segmentos situados na base da pirâmide social travou a

possibilidade de homogeneização do padrão de consumo de bens duráveis por

parte do conjunto da classe trabalhadora na virada da década de 1980. Um

exemplo disso foi a persistência da baixa taxa de sindicalização entre os

trabalhadores brasileiros. Em 1975, por exemplo, a taxa nacional de

sindicalizaçãofoide12,8%dostrabalhadoresurbanos,enquantoem1950erade

13,3%.

Não obstante a identificação de duas fases distintas no processo de

industrialização brasileira, o comportamento da sindicalização manteve-se

praticamente inalterado. Destaca-se que entre as décadas de 1930 e 1950 a

industrialização era restringida, sendo basicamente possível com base na

produção de bens de consumo não duráveis e intermediários (produção de

cimento,siderurgia,entreoutros).Asexportaçõesdebensprimárioscomoocafé

ainda continuavam a ser estratégicas na determinação do ritmo da expansão

econômicanacional.

Mesmoassim,ocursoda incorporaçãodaclasse trabalhadoraurbanahavia

sidoestabelecidodiantedoacessoaoconjuntodosdireitossociaisetrabalhistas

definidospelaConsolidaçãodasLeisdoTrabalho(CLT),em1943.Nafaseda

industrialização pesada, ocorrida entre 1955 e 1980, as condições econômicas

necessárias à elevaçãodopadrãode vidado conjuntoda classe trabalhadora se

tornarammais favoráveis,embora fosseminsuficientesporsi sóparapermitira

concretizaçãodosavançosesperados.

A presença de um regime autoritário por 21 anos congelou a difusão do

padrão de consumo de bens duráveis, conforme registrado nos países

desenvolvidos. A opção por grandes blocos de investimento nesse período

consagrouumaindustrializaçãopesadacominegávelavançonabasematerialda

economiaindustrial,porémdescoladododesenvolvimentosocial.

Porumlado,oPlanodeMetasdeJK(1956-1960) reformulouaestrutura

produtivacomainternalizaçãodosetordebensdeconsumoduráveis,oqualfoi

assentado na significativa presença de empresas multinacionais europeias e

estadunidenses,tendo,ainda,aliançacomempresasestataiseprivadasnacionais.

Poroutrolado,aimplantaçãodosegundoPlanoNacionaldeDesenvolvimento

de Geisel (1975-79) concedeu importante salto para a substituição de

importações industriais e energéticas, capaz de praticamente completar uma

estruturaprodutivadiversificadaeintegradanoespaçonacional.

Num período de cinquenta anos (1930-1980), a produção nacional foi

multiplicadapor18,2vezes(6%aoano),oquepossibilitouestabelecerumanova

estrutura econômica nacional (de base industrial), contemporânea e aliada ao

51

Page 52: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

sistemade proteção social e trabalhista para apenas umaparte do conjunto da

classetrabalhadora.Emboranecessário,ocrescimentoeconômicoporsisónãose

mostrou suficiente para a universalização do padrão de bem-estar social

comparávelàdospaísesdesenvolvidos.

Assim,oBrasiltransformadonãoseapresentoucompatívelcomosníveisde

pobreza,dehomogeneizaçãodomercadodetrabalhoedegraudedesigualdade

de renda quando comparado aos patamares dos países desenvolvidos com

desempenhoeconômicosimilar.Porcontadisso,ocapitalismofordistamostrou-

se periférico, tendo reservado ao conjunto da classe trabalhadora um papel

secundário no acesso ao padrão de consumo de bens duráveis, sobretudo

daquelesdemaiorvalorunitário,comomoradiaeautomóvel.

Aomesmo tempo, as políticas sociais não se universalizaram,mantendo-se

subordinadas ao comportamento da economia. Em síntese, o regime de bem-

estardoperíodoprevaleceucorporativoeparticularista,oquedeixouàmargem

umaparcelaconsideráveldaclassetrabalhadora.

Além disso, a estrutura tributária regressiva e dependente de impostos e

contribuições sobre o custo do trabalho estabeleceu aos assalariados ummaior

peso no financiamento da proteção social. Para o empregado urbano, por

exemplo, um terço do custo total de contratação se dirigia ao fundo social,

condiçãoquelhepermitiriaoacessoaosbenefíciossociais(aposentadoria,férias,

entreoutros).

Nessesentido,aelevaçãodacargatributárianoBrasilassentava-senoreforço

daregressividadedatributaçãonacional.Oresultadoeraomaiorpesorelativoda

cargatributáriaseapoiandonorendimentodosmaispobresdapopulação.Foio

que aconteceu com amultiplicação da carga tributária brasileira em 2,7 vezes

entreosanosde1930e1960,poispassoudeapenas8,9%doPIBpara24,1%.A

participaçãorelativadosimpostosindiretosnototaldacargatributáriadeclinou

de86,4%para67,9%nomesmoperíododetempo.

Porterofinanciamentodaspolíticassociaisvinculadoàarrecadaçãoindireta,

a incorporação de novos beneficiados (geralmente mais pobres) pelas políticas

sociais gerou a espontânea saída de setores de maior rendimento. As

transformações da educação primária estatal para poucos em ensino público

fundamental paramuitos na década de 1970 e da saúde regulada para alguns

segmentos assalariados em universalização do SistemaÚnico de Saúde pública

nosanosde1980constituemexemplosdogradualabandono,porexemplo,da

classemédiadosserviçosdoEstado.

Percebe-se, portanto, as dificuldades para a realização de alianças políticas

estratégicasentreostrabalhadoreseaclassemédiaemfavordoEstadodebem-

52

Page 53: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

estar social, conforme observado nos países desenvolvidos. No Brasil, o

corporativismodealgumascategoriasprofissionaiselitizadas,ameritocraciados

segmentos de maior escolaridade numa sociedade de baixa escolaridade e o

particularismo de setores ocupacionais de maior rendimento obstaculizaram

açõesconjuntasdefortalecimentodosistemadeproteçãoedepromoçãosocial.

Assim, a redução na participação relativa do rendimento do trabalho na

renda nacional ocorreu concomitantemente à expansão econômica sustentada

por escalas crescentes de produção de bens manufaturados. A separação da

trajetória dos salários em relação aos ganhos de produtividade indicou uma

redução da parcela salarial de 56,6% na renda nacional, em 1959/1960, para

50%,em1979/1980.

O processo de assalariamento da força de trabalho não desfigurou o

funcionamento heterogêneo do mercado de trabalho, com a presença de

ocupaçõesilegais,informais,entreoutras.Entreasdécadasde1930ede1980,a

taxadeassalariamentopassoudeumquintoparadoisterçosdototaldaforçade

trabalhonoBrasil.

Mesmoassimresistiramnopaísváriasmodalidadesdeexercíciodetrabalho

nãocapitalista,aocontráriodoquefoiregistradonaseconomiasdesenvolvidas.

Setores econômicos como agricultura de subsistência e serviços urbanos

vinculadosaoabastecimento(pequenasmercearias,lojaseoficinasdereparaçãoe

de atendimento pessoal e familiar) preservaram, muitas vezes, a condição de

economia com trabalho de baixo rendimento. Ao mesmo tempo permitiram

tambémareproduçãodaforçadetrabalhocomprodutoseserviçosdemenores

preços.Destacam-se,porexemplo,asmoradiasdeautoconstrução,muitasvezes

em terrenos ilegais, fruto do inchamento das cidades industriais sem

planejamento,aproduçãodealimentaçãodemenorcustoeserviçosdomésticos

decontidaremuneração,entreoutros.

Em função disso, a difusão do padrão de consumo de bens duráveis

transcorreu de maneira muito diferenciada no interior do conjunto da

população.Ainternalizaçãoperiféricadomodelofordistadeconsumodemassa,

comoumaespéciedemiméticadoconsumismoexorbitantedosricos,explicitou-

seaindamaisintensamentediantedabaixarendapercapitanacional.

Não obstante o forte crescimento dessa renda, a sua repartição, contudo,

ocorreudeformaextremamentedesigualparaoconjuntodapopulação.Noano

de1980,porexemplo,constatou-seque60%dapopulaçãobrasileiramaispobre

recebiaquantiaequivalentea17,8%darendanacional,enquantoem1960esse

númeroerade24,9%.Ouseja,houveumaquedade28,5%naparticipaçãodos

maispobresnarendanacionalentreosanosde1960e1980.

53

Page 54: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Como consequência, houve um aumento do peso relativo dos segmentos

mais ricos na renda nacional. No contexto da riqueza e da renda fortemente

concentradas, a internalização do novo padrão de consumo proveniente dos

países ricos ocorreu apenas para os segmentos privilegiados da estrutura social,

sejaporseurendimentoelevado, sejapeloperfildaspolíticaspúblicasadotadas

paraoandardecimadasociedade(crédito,tributação,entreoutras).

Em síntese, a repartição assimétrica dos bônus do crescimento econômico

combinadacompolíticaspúblicasmaisvoltadasaossetores sociaisprivilegiados

resultou na década de 1970 numa difusão direcionada do padrão de consumo

fordistaparaumseletoecontidoestrato socialdopaís (classesmédiae rica),o

queécompatívelcomaconsolidaçãodeumaeconomiacujoconsumodebens

duráveissedáporpartesomentedeumterçodoconjuntodapopulação.

Damesmaforma,oacessoaosprincipaispostosdetrabalhoproduzidospelo

próprioavançodaindustrializaçãopressupunha,emgeral,apassagempréviapelo

processodeensino-aprendizagemque terminousendooferecidocomqualidade

para somente a cúpula da pirâmide social.Com acesso franqueado à educação

superior, o passaporte para a rápida ascensão social esteve ao alcance

fundamentalmentedeumaeliteessencialmentebranca.

Tendoo acesso ao ensino superior se transformadoemmonopólioda elite

branca, restou a intensa competição no interior da base da pirâmide social

brasileira, sobretudo com as possibilidades de abandono da condição de

analfabetismo. Assim, o simples ingresso ao ensino básico funcionaria como

elemento diferenciador aos filhos de pais analfabetos e, ainda, facilitador na

disputaporvagasmaissimplesqueeramabertasnointeriordomercadogeralde

trabalho.

Noquedizrespeitoaosfilhosdasfamíliasdossegmentosdemaiorrenda,o

ingressonoensinosuperiornemsemprerepresentariaoequivalenteesforçopor

partedos segmentospertencentes à basedapirâmide social.Comqualidade, o

certificadodeconclusãoeducacionalassumiaacondiçãodeverdadeiropassaporte

para osmelhores postos de emprego, ocupados, namaior parte das vezes, pela

elitebrancadopaís.

Paraossegmentossociaisconstituídospornegrosemestiços,alémdamaior

exposiçãoàcompetiçãoimpostapelorestritoacessoeducacional,colaboroupara

essa disputa o funcionamento desigual do mercado de trabalho na base da

pirâmide social. Nesse sistema, de maneira geral, a predominância de brutal

excedentedemãodeobracontribuiuparaqueatrajetóriasalarialseguisseabaixo

dosganhosdeprodutividade.

54

Page 55: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Aosesomaroesvaziamentodopodersindical,especialmentenoprocessode

negociação salarial, com o rebaixamento da política do salário mínimo, o

resultado terminou sendo o rebaixamento do patamar de remuneração dos

trabalhadores em geral. Serve de exemplo disso a evolução desconexa do valor

realdosaláriomínimocomopoderaquisitivodarendapercapitanacional.(Ver

figura2.4.)

Nasdécadasde1940e1950nãohouvefortedispersãoentreosdoisvalores

reais. A partir da ditadura militar, contudo, o valor real do salário mínimo

manteve-seembaixa,enquantoarendapercapitaprosseguiucrescendo.Coma

remuneração associada ao valor do salário mínimo, os trabalhadores pobres

ficaramprisioneiros do contidopoderde comprade seus salários, ao contrário

dos segmentos sociais de remuneraçãomaior, cuja evolução ocorreu acima da

produtividade.Entre 1965 e 1977, por exemplo, a remuneraçãodos cargosde

direção de empresas subiu 145%, enquanto o salário médio do operário

aumentou apenas 17%. Nesse mesmo período, a produtividade do trabalho

acumulouumcrescimentode103%.

Figura2.4–Brasil:evoluçãodovalorrealdosaláriomínimoedarendapercapitanacional

Desenvolvimento e novas perspectivasparaoBrasil (SãoPaulo,Cortez,2010),p.68

A evolução diferenciada no rendimento do trabalho, especialmente em

relaçãoaocontidovalordosaláriomínimo,terminousemostrandofuncionalà

estratégia de rápida expansão econômica fundamentada na internalização da

produção enoconsumodebensdemaior valorunitário (bensduráveis, como

automóvel,moradiaeeletrodomésticos).Paraumpaísdebaixarendaper capita

comooBrasil,adifusãodopadrãodeproduçãoedeconsumooriundodenações

55

Page 56: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

ricassomentesedariamaisrapidamentepelocaminhodaopressivaconcentração

de renda, com a exclusão, por consequência, de enorme parcela da classe

trabalhadora.

Assistiu-se, assim, ao processo de redistribuição intersalarial no interior do

mercadodetrabalhobrasileiro,possibilitadopelatransferênciaderendadabase

dapirâmidesocialparaasuacúpula,sobretudoduranteoregimemilitar.Aforte

expansãoeconômicadiantedasnovasescalasdeproduçãoterminoudeixandode

foraossegmentossociaisdemaiorrendimento.

Por conta disso, a base da remuneração do conjunto de trabalhadores

permaneceucomprometidacomasdespesasdealimentaçãoedehabitação.No

final dos anos 1970, por exemplo, quase dois terços da renda do trabalhador

eram absorvidos pelas despesas de alimentação e de habitação, enquanto na

década de 1950 essas mesmas despesas representavam quatro quintos do

rendimentodaclassetrabalhadora.

Percebe-se tambémque,noavançodasestruturasprivadasdeprodução,os

laços de sociabilidade foram constritos, uma vez que as forças de mercado

tenderam aprivilegiar o atendimentodos segmentos já favorecidos.A inclusão

bancária pode ser perfeitamente um exemplo disso, uma vez que a base da

pirâmide permaneceu excluída, o que permitiu consolidar uma estrutura de

créditofundamentalmentedestinadaaossegmentosdealtasemédiasrendas.

Completados quase cinquenta anos de consolidação do centro dinâmico

urbanoeindustrialnoBrasil,constituiu-seumasociedadedeformadacomposta

pelos extremamente ricos, pela classe média não proprietária e pela ampla

maioria da população situada na base da pirâmide social. Ao contrário do

cosmopolitismoquesurgiunasclassesaltasemédias,possibilitadopelalógicado

consumismoepelapreferênciadosmonopóliossociais,oconjuntodapopulação

foi somente favorecido no que tange à mobilidade social. Ou seja, todos os

segmentossemoveramsimultaneamente,porémcomvelocidadesmuitodistintas

entresi,gerandomaiordesigualdadesocial.

É nesse sentido que se constata uma industrialização tardia associada ao

subconsumodaclassetrabalhadora.Em1980,quandooBrasilfiguravacomoa

oitavamaioreconomiaindustrialdomundo,ataxadepobrezaabsolutaatingiaa

48,5% da população e a parcela salarial representava apenas 50% da renda

nacional.Nomesmoano,umoperáriofrancêsprecisavade7mesese21diasde

trabalhoparacomprarumautomóvelpopular,enquantoumoperáriobrasileiro

precisaria acumular 33 meses de salário para poder fazer isso. Nesse mesmo

sentidocomparativo,osaláriodooperáriofrancêspermitiaadquirir149entradas

56

Page 57: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

de cinema ao mês, enquanto o operário brasileiro se restringia a somente 77

ingressos.

2.3.Ascensãodostrabalhadorespobreseprojetosocial-

desenvolvimentista

A partir do final da década de 1970, o fortalecimento do chamado novo

sindicalismo brasileiro favoreceu a constituição de uma agendamais ampla do

desenvolvimentovinculadaaoconjuntodostrabalhadoresruraiseurbanos.Isso

jáhaviaficadoclaronofinaldosanos1950,comoaparecimentodeumanova

pauta sindicalmoldada pela forte expansão do emprego nas grandes empresas

instaladasduranteoPlanodeMetasdeJK,sobretudonaregiãoSudestedopaís.

Atéaquelaépocapreponderavaaculturadodissídiocoletivo,emqueopapel

daJustiçadoTrabalhoeracentral,definindo,paraalémdaCLT,osparâmetros

das relações de trabalho entre patrões e empregados. Isso porque prevalecia a

lógica pulverizada das relações de trabalho no âmbito das micro e pequenas

empresas,demodoqueossindicatosencaminhavamparaaJustiçadoTrabalho

as reivindicações dos trabalhadores sem que os empregadores se dispusessem a

negociar.

Em1959,porexemplo,osindicadodosmetalúrgicosdeSãoPauloentregou

àFederaçãodasIndústriasdoEstadodeSãoPaulo(Fiesp)aprimeirapropostade

contrato coletivo de trabalho de abrangênciamaior que os limites da empresa

privada. Mesmo sem resposta patronal, o novo sindicalismo, originalmente

surgidonoBrasilnocalordasgrandesempresasoriundasdoPlanodeMetasde

JK,buscavananegociaçãocoletivaofórumparaamodernizaçãodasrelaçõesde

trabalho.

O golpe de 1964, todavia, soterrou por longo tempo as esperanças das

chamadasreformasdebase,fortementeimpulsionadaspelosindicalismoativodo

período.Pormaisdeduasdécadas,oregimemilitaresvaziouopoderdaJustiça

doTrabalhoeproibiuaaçãosindicalindependente,cujadinâmicaregressivadas

relaçõesdetrabalhofoimoldadapelapolíticadearrochosalarial.

Coincidentemente,aretomadadatemporadadelutaspelonovosindicalismo

no final dos anos 1970 contribuiu de forma satisfatória para a efetivação da

transiçãodoregimemilitaraoregimedemocráticoem1985.Aomesmotempo,

as relações de trabalho viveram fortes modificações com o avanço da

sindicalização,dasgrevesedosacordoscoletivosdetrabalhonoBrasil.

Em1988, comaaprovaçãodeumanovaConstituiçãoFederal, a estrutura

doEstadodebem-estarsocialpassouaserformalmenteinstalada,comacriação

57

Page 58: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

do Sistema Único de Saúde e a unificação do Sistema de Assistência e

Previdência Social para todos os trabalhadores urbanos e rurais. Ainda que

tardiamente, o Brasil começava a criar as bases para a difusão do padrão de

consumo de massa, não obstante a regressão socioeconômica registrada nas

décadas de 1980 e 1990 com o baixo dinamismo econômico, o crescente

desemprego e o amplo processo de exclusão social, gerado especialmente pela

adoçãodepolíticasneoliberais.

Com a aceleração inflacionária e a elevação do desemprego, ambos

decorrentes do programa de ajuste exportador do início da década de 1980,

voltado para o pagamento da dívida externa acumulada na década de 1970, a

pautadonovosindicalismoobteveconvergêncianacionalaindamaior.Nota-se

que a retomada do novo sindicalismo foi motivada originalmente pelo

rebaixamento das remunerações imposto pela política de arrocho salarial

estabelecidopeloregimemilitar(1964-1985),bemcomopelamanipulaçãodos

índicesde inflação.Destaca-se, ainda,o fatodequenoperíodoemqueopaís

acumulouelevadosíndicesdecrescimentoeconômicoeganhosdeprodutividade

o salário médio dos empregados e o salário mínimo dos trabalhadores de

remuneraçãodebasenãoacompanharamnemmesmoainflação.

Diantedaaceleraçãoda taxade jurosdosEstadosUnidosedaposiçãodos

bancos credores de não mais emprestarem recursos adicionais aos países

endividados domundo, o antigo governo do regimemilitar aceitou fazer um

acordo com o Fundo Monetário Internacional. Assim, entre 1981 e 1983, a

reorientação da economia brasileira implicou realizar uma forte recessão,

encolhendooníveldeempregoepoderaquisitivodossaláriosdostrabalhadores

emnomedaproduçãodoelevadoexcedenteexportadorparaopagamentodos

serviçosdadívidaexterna.

Com o arrocho salarial em meio ao regime de superinflação, as greves

intensificaram-se,tendooBrasilalcançadoopostodepaíscomosegundomaior

número de paralisações domundo ao final dos anos 1980. Em virtude disso,

pode-seressaltartambémqueatéofinaldadécadade1970oBrasilpossuía,fora

daatuaçãodoEstado, somente trêsatoresderelevânciaeexpressãonacional:o

Exército,aIgrejaeatelevisão.

Com o protagonismo da agenda do novo sindicalismo, a pauta de

reivindicações dos metalúrgicos do ABC Paulista, por exemplo, tornou-se um

anseio de dimensão nacional, permanentemente presente nas greves e nas

negociaçõessindicaisdasmaisdiferentescidadeseestadosdopaís.Assim,onovo

sindicalismoseconverteu,defato,ematornacional,equestõescomoreposição

58

Page 59: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

salarialeavançonosdireitossociaisetrabalhistastornaram-seobjetodalutade

diferentescategoriasdetrabalhadores.

O encaminhamento de parte importante da agenda do novo sindicalismo

para os programas dos partidos políticos em expansão na década de 1980

contribuiu ainda mais para a centralidade eleitoral. A volta das eleições

presidenciaisconsolidouaviadainclusãosocialetrabalhistanoprimeiroplano

dapolítica.

Tanto assim que, entre os três principais colocados no primeiro turno das

eleiçõesde1989,dois expressavamforte identidadecomaagendado trabalho.

De um lado, havia Leonel Brizola, como herdeiro da força das lutas dos

trabalhadoresdoperíodoanterioraogolpede1964,e,deoutro,Lula,comolíder

emergente do movimento de retomada do novo sindicalismo após a ditadura

militar.

Paradoxalmente, a primeira eleição presidencial desde 1960 não foi

convergente com a agenda do novo sindicalismo. A vitória do programa

neoliberalrepresentadapelacandidaturadeFernandoCollordeMelloperseguiu,

apartirde1990noBrasil,aspolíticasantilabor,aexemplodoquefoiobservado

anteriormente nos EstadosUnidos, na Inglaterra e na Alemanha, entre outros

países.

Ao mesmo tempo, o Brasil retrocedia econômica e socialmente, com a

passagem do posto de oitava economia mundial em 1980 para o de décima

terceira no ano 2000. Ademais, o país acumulou desemprego emmassa, bem

comomaiorreduçãonaparticipaçãodossaláriosdarendanacional.Em2000,a

taxa nacional de desemprego alcançou 15% da força de trabalho, enquanto a

parcelasalarialpassouacorrespondera39%doPIB.Vinteanosantes,em1980,

a taxa de desemprego era de 2,7% da população economicamente ativa e o

rendimentodotrabalhorepresentava50%darendanacional.

A explosão do desemprego e a perda do poder aquisitivo dos salários dos

trabalhadores associaram-se ao movimento governamental de perseguição dos

dirigentessindicaisaguerridosedejusticializaçãodosatosgrevistasnascategorias

mais importantes do novo sindicalismo. O resultado disso não tardou a se

manifestarsobreaatuaçãosindical,comafortereduçãononúmerodegrevese

nataxadesindicalização.

Apartirdadécadade1990, aquantidadedegrevesdiminuiucercadeum

quarto em comparação às realizadas nos anos 1980, enquanto a taxa de

sindicalizaçãodecaiupraticamenteparaametade.Onovosindicalismoterminou

sendo frontalmente atacado, não obstante sua agenda ter se mantido atual,

defendidaporalgunspartidosdeoposiçãoaoneoliberalismo.(Verfigura2.5.)

59

Page 60: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Figura2.5–Brasil:evoluçãodataxadesindicalização(em%daforçadetrabalhoocupada)

Desenvolvimento e novas perspectivasparaoBrasil,cit.,p.78

Somente na primeira década do século XXI o país conseguiu reverter

novamenteas trajetóriasdeclinantesdodesempregoedopoderde comprados

trabalhadores.Em2010,oBrasilnãoapenaspassouaseencontrarentreasseis

principais economias do mundo como também reduziu significativamente a

pobrezaeadesigualdadederenda.

A derrota do neoliberalismo nas eleições presidenciais de 2002 abriu

caminho para a implementação da agenda do novo sindicalismo associada à

difusão do padrão de consumo de massa e ao desenvolvimento do Estado de

bem-estarsocial.Paraisso,abuscapeloplenoempregoeocombateàpobrezaeà

desigualdadederendasemostraramestratégicos.

Com a reversão do desemprego e o melhor reposicionamento do

sindicalismo,adensidadesindicalvoltouaserecuperar.Mesmoassim,aelevação

nãosemostrousuficientepararetomarafaseanterior,tendoemvistaaexpansão

de postos de trabalho em setores tradicionalmente de baixa filiação sindical,

comonossetoresdeserviços.

Aomesmo tempo, a consolidação das bases doEstado de bem-estar social

favoreceu a ampliaçãodas políticas de garantia do chamado salário indireto ao

conjunto da classe trabalhadora. Atualmente, por exemplo, o total dos gastos

sociais em proporção ao PIB aproximou-se dos 23%, enquanto ao final da

ditaduramilitar(1985)essevalorerainferiora14%doProdutoInternoBruto.

(Verfigura2.6.)

Figura2.6–Brasil:evoluçãodogastosocial(%doPIB)

60

Page 61: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:M.Pochmann,DesenvolvimentoenovasperspectivasparaoBrasil, cit.,p.43

O movimento de constitucionalização dos direitos dos trabalhadores

significouavalorizaçãodosprincípiosda justiçaeda solidariedade,permitindo

que o gasto social avançasse em relação aoProduto InternoBruto e passasse a

apresentarresultadosdemelhoraimportantenobem-estargeraldapopulação

[2]

.

Em 2008, por exemplo, a força dos benefícios da previdência e da assistência

socialassociadaàelevaçãodovalorrealdosaláriomínimoevitouquequase45%

dosbrasileirosseencontrassemnacondiçãodepobrezaextrema.

Em 1988, a pobreza atingia 41,7% da população, e o índice de Gini de

desigualdadeda rendado trabalhoerade0,62.Duasdécadasdepois, a taxade

pobrezacaiupara25,3%dosbrasileiros (quedade39,3%)e adesigualdadeda

rendadiminuiupara0,54(reduçãode11,7%).

Na área da saúde, a trajetória não se mostrou diferente. Percebe-se, por

exemplo,comoaquedade62%nataxademortalidadeinfantil(de50,8óbitos

pormil nascidos vivos, em1988, chegou-se a 19,3 em2008) terminou sendo

acompanhada pela elevação na expectativa média de vida dos brasileiros em

10,6%(de65,8para72,8anosentre1988e2008).

Emrelaçãoàeducação,observa-seaelevaçãonafrequênciaescolarde26,9%

para 78,1% entre 1988 e 2008 na faixa etária de 4 a 6 anos; de 84,1% para

98,1%noestratode7a14anosede52,4%para83,7%entre15e17anosde

idade,oquecontribuiuparaaampliaçãodaescolaridademédiadapopulaçãode

15 anos e mais de idade de 5,1 para 7,4 anos desde a implementação da

ConstituiçãoFederalde1988.

Sinteticamente, compreendem-se como a formação dos grandes complexos

públicose suacrescente integraçãooperativamenteemcadaumdossetoresdas

políticas sociais respondeude formapositiva à implantaçãodapautaoriginária

donovosindicalismo.Éclaroquedesdeasegundametadedadécadade1980,

comaimplantaçãodoSistemaÚnicodeSaúde(SUS),passandoporoutrasáreas

atéchegarmaisrecentementeaoSistemaÚnicodeAssistênciaSocial(Suas),foi

umlongotempodeintensabatalhapolíticaelaboral.

61

Page 62: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Deve-seressaltarqueemcadaumdossetoresverticalmenteorganizadosdas

políticas sociaishouve tambémavançosna especializaçãonecessáriadas ações e

do corpo funcional, acompanhado, geralmente, da prévia fixação e até da

vinculação da parcela em alguns casos de recursos orçamentários no

financiamentode cadaumadaspolíticas sociais. Sem isso, as açõesde atenção

social perderiam efetividade, especialmente no contexto de baixo dinamismo

econômicoverificadoduranteasduasúltimasdécadasdoséculoXX.(Verfigura

2.7.)

O retorno do crescimento econômico associado ao redirecionamento do

gastosocial favoreceuaampliaçãodaspossibilidadesdeempregoederendana

basedapirâmidesocialbrasileira.Comisso,opaíspassouaregistrardesde2004

uma importante inflexão na evolução da estrutura da sociedade. De uma

estratificação social congelada ao longo da década de 1990 passou-se a uma

significativamobilidadesocialnossegmentosdemenorrendimento.Emresumo,

houveumdecréscimorelativonabasedapirâmidesocialvinculadoàascensãode

novos segmentos de rendimento. Isso pode ser constatado se dividirmos o

conjunto da população brasileira no ano 2001 em três partes equivalentes e

acompanharmosasuaevoluçãoapartirdeentão.(Verfigura2.8.)

Figura2.7–Brasil:benefícioegastoemcomplexosdeatençãosocialem2008

Brasil em desenvolvimento: estado,planejamentoepolíticaspúblicas,cit.,p.16.

Percebe-sequenoprimeiroterçodototaldapopulaçãoencontra-seabaseda

pirâmidesocial,cujorendimentoindividualédeatéR$188mensaisnoquese

refere aoanode2008.Osegundo terçopopulacional compreendeo segmento

intermediárioderenda,identificadoqueépelorendimentoindividualdeR$188

aR$465mensais.Porfim,oterceiroeúltimoterçodapopulaçãorepresentao

62

Page 63: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

estrato superior da renda, com rendimentos individuais acima de R$ 465

mensais.

A partir dessa divisão populacional em três partes equivalentes se tornou

possívelretroagireavançarnotempoemrelaçãoaoanode2001.Oquesepode

ressaltarnoperíodoconsideradoserelacionaàperdadeimportânciarelativano

totaldapopulaçãodomenorestratoderenda.Entre1997e2004,porexemplo,

osegmentodebaixarendaeraformadoporcercade34%dapopulaçãonacional,

mas desde 2005 passou a reduzir rapidamente a sua participação relativa. Em

2008, o segmento de menor renda representou apenas 26% dos brasileiros, a

menorparticipaçãorelativadesde1995.

Resumidamente,percebe-sequeaparticipaçãorelativadapopulaçãonabase

da pirâmide social encolheu 22,8% entre 2005 e 2008, resultado direto da

mobilidadeascensionalde11,7milhõesdepessoasparaestratosdemaiorrenda.

Por consequência, o segundo (médio) e o terceiro (alto) estratos de renda

ganharammaiorrepresentatividadepopulacional.

Figura2.8–Brasil:evoluçãodaestruturasocialsegundotrêsníveisderendade1995a2008(total=100%)

Apartir de 1997, o estrato intermediário de renda cresceu relativamente à

suaparticipaçãoaté2005,quandoapresentouumsaltoexpressivo.Em2008,o

segundo estrato de renda respondeu por 37,4% da população, enquanto em

1995elesignificavasomente21,8%.Entreosanosde2004(34,9%)ede2008

(37,4%),oestratointermediárioregistrouumaelevaçãorelativade7,2%nototal

dapopulação,oqueequivaleuàincorporaçãode7milhõesdebrasileiros.

Nasequência,oestratosuperiorderendapassouaapresentarumatrajetória

de perda relativa na participação populacional. Entre 1998 e 2004, saiu de

35,3%para31,5%dapopulação,eapartirde2005recuperouposiçãorelativa.

63

Page 64: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Em2008,oestratosocialsuperiorrespondeupor36,6%dototaldapopulação

brasileira,amaisaltaparticipaçãoregistradadesde1995.Entre2004(31,5%)e

2008 (36,6%), o crescimento de sua participação relativa foi de 16,2%,

significandoque11,5milhõesdebrasileirosforamabsorvidosnoestratosuperior

derenda.

Em síntese, registra-se que, somente entre 2005 e 2008, 11,7 milhões de

brasileiros abandonaram a condição de menor renda, enquanto 7 milhões de

indivíduos ingressaramnosegundoestratoderendae11,5milhõestransitaram

paraoestratosuperiorderenda.

As modificações recentes na estrutura social brasileira encontram-se

diretamente relacionadas à recente trajetória de ascensão social. Somente entre

2001 e 2008, a renda per capita nacional cresceu 19,8% em termos reais, ao

passo que 19,5 milhões de brasileiros registraram aumento real no seu

rendimento individual acima da evolução da renda per capita nacional, o que

correspondeua11,7%dototaldosbrasileiroscomrendimentoscrescendoacima

damédiadaevoluçãodarendapercapitarealdopaís.

Se considerado o total da população com desempenho superior à renda

média do conjunto dos brasileiros, nota-se ainda que 13,5 milhões (69,2%)

ascenderam ao estrato de renda intermediária, enquanto 6 milhões (39,8%)

passaramparao segmentode renda superior.Napassagemdoprimeiroparao

segundoestratoderenda,registra-sequeasregiõesSudeste(36,3%)eNordeste

(34,1%) responderampor quase 71%domovimentonacional demudançana

estrutura social na base da pirâmide brasileira. A região Sudeste registrou a

inclusãode4,9milhõesdeindivíduosnosegundoestratoderenda,enquantoa

doNordesteincluiu4,6milhões,seguidode1,5milhãodaregiãoSul(11,1%),

1,4milhãodaregiãoNorte(10,4%)e1,1milhãodoCentro-Oeste(8,1%).

Consideraçõesfinais

Por força do processo de desindustrialização, os países perdem também

participaçãorelativadaclassemédiaassalariadanototaldapopulação.Aomesmo

tempo,registra-seodeslocamentodamaiorparceladaclassemédiamundialpara

ospaísesasiáticos,emvirtudedaconcentração,nessespaíses,departeimportante

damanufaturaglobal.

No caso brasileiro, as duas últimas décadas do séculoXX forammarcadas

pela regressãoeconômicae social.Exemplodissoocorreucomacontençãodos

postos de trabalho em geral, sobretudo de classe média, interrompendo quase

64

Page 65: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

cinquenta anos de importante mobilidade social, ainda que extremamente

desigual.

Apartirdadécadade2000,oBrasilcombinoucrescimentoeconômicocom

distribuição de renda, o que permitiu a retomada da mobilidade social,

especialmente aquela associada à base da pirâmide social. Por intermédio de

significativa expansão do nível de emprego com remuneração levemente acima

dovalordosaláriomínimoegarantiaderendaaossegmentosempobrecidosda

população, ocorreu a incorporação de quase um quarto dos brasileiros no

mercadodeconsumodemassa.

Tal como observado nos países de capitalismo avançado no segundo pós-

guerra,parcelaimportantedaclassetrabalhadorafoiincorporadanoconsumode

bens duráveis, como televisão, fogão, geladeira, aparelho de som, computador,

entreoutros.Esse importantemovimento socialnão se converteu, contudo,na

constituiçãodeumanovaclassesocial,tampoucopermitequeseenquadremos

novosconsumidoresnosegmentodaclassemédia.

Trata-se, fundamentalmente, da recomposição da classe trabalhadora em

novasbasesdeconsumo.Porém,diantedomovimentogeraldeconsolidaçãodo

capitalismomonopolistatransnacional,emquecadapaísparticipaparcialmente

dascadeiasdeprodução,aestruturasocial sofremodificaçõesmais importantes

ainda.

Por conta disso, o próximo capítulo tem por objetivo destacar o novo

dinamismo capitalista, bem como seus impactos na estrutura social dos países,

especialmentedoBrasil.

[1]Ver:J.Mattoso,Adesordemdotrabalho(SãoPaulo,Scritta,1995);M.Pochmann,Políticas

dotrabalhoedegarantiaderendanocapitalismoemmudança,cit.Asinformaçõesquantitativas

citadaspertencemaessasduaspublicações.

[2]Ver:IPEA,Brasilemdesenvolvimento:estado,planejamentoepolíticaspúblicas(Brasília,Ipea,

2009);J.CastroeJ.Ribeiro,Situaçãosocialbrasileira(Brasília,Ipea,2009).

65

Page 66: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

3.CADEIASGLOBAISDEPRODUÇÃOECICLOSDE

MODERNIZAÇÃONOPADRÃODECONSUMO

BRASILEIRO

Com a difusão da produção de manufaturas gerada pela Primeira Revolução

Industrial e Tecnológica na Inglaterra, o acesso a bens e serviços civilizados

começou gradualmente a romper com a herançamalthusiana estabelecida pelo

desempenhodasociedadeagrária.Ouseja,atrajetóriadaexpansãodemográfica

diante da contida capacidade de elevar a produção no campo implicava não

apenasanaturalizaçãodapobreza e,por consequência, aprivaçãoaoacessode

bens e serviços civilizados como também tornar as vítimas (os miseráveis)

responsáveisporsuaprópriasituaçãodeexclusão.

Se consideradoso rendimentodecrescentequederivavadaocupaçãomaior

de terras agriculturáveis e o predomínio da perspectiva das vantagens

comparativasentreasnações,adesigualdadenadistribuiçãodaofertadebense

serviços seria natural. As revoluções industriais e tecnológicas terminaram por

aboliraslimitaçõesestabelecidasemrelaçãoàprivaçãodasociedadeagrária,uma

vez que a partir de uma pequena quantidade de ocupados se tornaria possível

elevar a capacidade de produção num nível muito acima do das necessidades

humanas.

Dessaforma,adesigualdadenoacessoaosbenseserviçosdeixoudeseralgo

naturalparasetornarcadavezmaisumproblemadenaturezapolítica.Assim,as

classespassaramasemovimentarpolíticaeorganizadamente,afimdereduziro

diferencialnoacessoaosbenseserviçoscivilizados.

NoséculoXX,nãoobstanteaprevalênciadadesigualdadenopertencimento

debenseserviços,odiferencialdeacessoaopadrãodeproduçãodeconsumoem

massa decaiu consideravelmente. Em geral, o entendimento político acerca do

senso de injustiça na determinação do acesso ao consumo contribuiu para a

reduçãodasdesigualdades.(Verfigura3.1.)

Figura3.1.–Tendênciadeacessoaosbenseserviçoscivilizados,segundodiferentestiposdesociedadeeestratossociais

66

Page 67: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte: A. Maddison, The WorldEconomy: Historical Statistics (Paris,OECD, 2003), p. 189 (elaboração doautor)

O movimento de alteração no padrão de consumo cada vez mais

fundamentado nos bens e serviços vinculados às atividades industriais seguiu

impulsosnaformadeondasdeexpansão.Namaiorpartedasvezes,asondasde

difusãodo consumo, sobretudodebensduráveis (geladeira, rádio,máquinade

lavar, micro-ondas, rádio, televisor, automóvel, entre outros), associaram-se às

modificaçõesnadistribuiçãoderendacapazesdepermitira inclusãodeantigos

segmentospauperizadosnoconsumo

[1]

.

Além da elevação do nível de renda das famílias, por força da expansão

econômica com a elevação do emprego e do crédito, tiveram importância as

modificaçõesnospreçosrelativos,ouseja,odiferencialdepreçosrelacionadosao

consumo dos bens industriais quando comparados a preços de outros itens de

consumo,sobretudoaquelesassociadosaosserviços.

Comapassagemparaa sociedadepós-industrialdesdeoúltimoquarteldo

séculopassado,odeslocamentomaiordopesorelativodosbensindustriaispara

os de serviços repercutiu consideravelmente sobre o padrão de consumo das

famílias.Influenciounãoapenasaalteraçãonospreçosrelativos,mesmoquesem

mudança significativa na distribuição de renda, mas também possibilitou a

diminuiçãodosgastoscomdespesascombensindustriais.

Ademais, o aparecimento de inegáveis inovações nas tecnologias de

informaçãoecomunicaçãosuportadaspelainternetprotagonizouumpadrãode

consumo cada vez mais dependente dos serviços. Em relação ao grau da

desigualdadenoacessoaosbenseserviçoscivilizados,percebe-seasuacrescente

dependênciaaojogodapolíticadiantedaabundânciadeofertaquedecorredas

escalas globais de produção do capitalismo, organizadas pelas corporações

transnacionais.

Emfunçãodisso,asuperaçãodasdesigualdadesnoacessoaosbenseserviços

civilizados permanece associada à capacidade de uma atuação política efetiva

67

Page 68: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

construídaapartirdamaioremelhorcompreensãoacercadainjustiçapresente

no funcionamento da sociedade capitalista. Mesmo assim, constata-se que o

padrãodeconsumoassentadonosserviçosderivadelastrosdeumasociabilidade

virtualeindividualizada,comoesvaziamentodosespaçospúblicospertencentes

às antigas formas de relacionamento social reproduzido nos espaços públicos

comopraças,parques,cinemas,entreoutros.

No Brasil, por outro lado, a desigualdade no acesso aos bens e serviços

civilizadosvemdemuitotempo.SomenteapartirdaviradaparaoséculoXXIo

processodemodernizaçãoe inclusãonopadrãodeconsumodosbensduráveis

ganhoumaiordimensãosocial.Éporcontadissoqueopresentecapítulobusca

analisarasprincipaisrazõesexplicativasparaareduçãodograudedesigualdade

no padrão de consumo de bens e serviços civilizados. Uma primeira razão

encontra-se associada à globalização do novo paradigma de produção

impulsionadapelascorporaçõestransnacionais.

Não somente as cadeias globais de produção e o comércio intrafirmas

ganharammaior importância como também a continuidadedomovimentode

deslocamento da produção demanufatura para países commenores custos de

produção, como os da Ásia, tornou possível a tendência de homogeneização

mundial do consumo. Em grande medida, a mudança nos preços relativos

provocadapeladistribuiçãoglobaldaproduçãoindustrialasiáticacomomenor

custo do mundo favoreceu a ampliação do consumo de segmentos sociais de

menorrenda,sobretudonospaísesnãodesenvolvidos.

Uma segunda razão explicativa decorre das especificidades da inserção

brasileira nas cadeias produtivas globais, que coincidem com a adoção de

políticas econômicas e sociais de estímulo ao consumo para os segmentos

pertencentesàbasedapirâmidesocial.Oaumentoeadiversificaçãodoacessoao

consumo de bens duráveis são resultado das decisões políticas tomadas na

primeiradécadadoséculoXXI.Aseguir,apresenta-seacombinaçãodamudança

nos preços relativos gerada pela reorganização do capitalismo monopolista

transnacionalcomaadoçãodaspolíticasgovernamentaisbrasileirasdefomento

aoconsumodemassa,capazesdealteraraestruturasocialdopaísnosanos2000.

3.1.Cadeiasprodutivasglobaisemassificaçãodoconsumo

debaixocusto

Apartir dos anos 1980, a intensificaçãoda globalização foi acompanhadapela

consolidação de dois movimentos especiais e reestruturadores das sociedades

capitalistas.De um lado, houve o aparecimento de uma superclasse de padrão

68

Page 69: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

global representada pela força organizativa das elites dirigentes e apoiada pelas

grandes corporações transnacionais nas altas finanças, na mídia e em algumas

religiõesdedimensãomundial

[2]

.Aomesmotempo,somadosaessasuperclasse

global,surgemosoperadoresdasmaioresorganizaçõescriminosaseterroristasdo

planeta.Deassociaçõesdemafiososaempresasdelavagemdedinheiro,passando

porparaísosfiscaiseumabiopiratariaexpandida,taisoperadoressãoconstituídos

porumaelitecontroladoradocrimeemescalaglobal

[3]

.

Deoutrolado,deu-seaconfiguraçãodeumamassahumanaindistintaesem

contornosdefinidosqueabrangeatodos,excetuando-seosmuitoricoseosmais

miseráveis.Nessesentido,multidõesdepessoascomrendimentoscadavezmais

conectadosaoconsumismoeapoiados, sobretudo,peloaumentoemergentedo

acessoaosbenseserviços,geradosquesãoporumnovoparadigmadeprodução

debaixocusto(lowcost),ganharamumadimensãonemsemprepolarizadoraem

relaçãoàsuperclasseglobal

[4]

.

Areorganizaçãodasatividadeseconômicaspostaemmarchapelaescaladas

cadeias globais de produção tornou possível a trajetória de uniformização

mundialdoconsumo.Emgeral,trata-sedeumacestadeconsumocompostapor

bensnãoduráveis,comocalçadosesportivos,alimentaçãofast-fooderoupasde

grifes,edebensduráveisdiversos,comoveículoseeletrônicose,ainda,serviços

deviagenseturismo.

Assim,acapacidadedeconsumoenquantoelementocentraldeidentificação

do sentido de multidões de individualidades terminou por ser impulsionada

tantopelasmídiastradicionaiscomopelasnovidadesassociadasà internet

[5]

.O

avançodastecnologiasdecomunicaçãoedeinformaçãoredundouemredesde

escalaglobaldeumconsumismodesenfreadoealienante.

Essesdoismovimentosreestruturadoresdassociedadesmodernasexpressam

modificaçõesmaioresemcursogeradasporumnovoparadigmadeproduçãode

menor custo capaz de conectar partes fragmentadas geograficamente em escala

global. Como consequência, a produção de bens e serviços de baixo custo

permitiuampliaroconsumodesegmentosdemenorrendasemquehouvessea

préviaenecessáriaelevaçãodonívelderendimentodospobresnomundo.

3.1.1.Novoparadigmadeprodução

Odesmantelamentodas experiênciasde socialismo realnaviradadadécadade

1990impulsionouoaumentodaforçadetrabalhode1,5bilhãopara2,9bilhões

depessoasnomundo.Oacréscimodemaisde1,4bilhãode trabalhadoresaos

mercados capitalistas provenientes do Leste Europeu e da Ásia se mostrou

providencial para a estratégia das grandes corporações transnacionais

69

Page 70: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

manufatureiras, que se encontravam ameaçadas pela adoção de políticas

neoliberaisnaseconomiascapitalistasavançadasdesdeoiníciodosanos1980

[6]

.

Aascensãodoneoliberalismoterminouporrestabeleceropoderdosbancos

no mundo, após o interregno de meio século que se sucedeu ao desastre

financeiroeespeculativodaGrandeDepressãode1929.Antesdisso,opapeldos

bancosnatrajetóriadodesenvolvimentocapitalistaerainegável

[7]

.

Com a vigência do Acordo de Bretton Woods, realizado em 1944 com

representantesde44países,osistemabancárioefinanceirointernacionalpassou

a funcionar combase num conjunto de regras previamente definidas.O dólar

fixoeconversívelaoouroseriaamoedadecursointernacional,enquantoataxa

dejurosfixatambémsemanteria,namaiorpartedasvezes,estabelecidaabaixo

da inflação. Instituições multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo

Monetário Internacional e o Acordo de Livre Comércio, que antecedeu à

OrganizaçãoMundial doComércio, passarama regular as relações econômicas

entreospaíses.

Porquasetrêsdécadas,aseconomiasdocentrodocapitalismopercorrerama

épocadeouro,combinandoaexpansãosignificativadaproduçãocomaredução

dapobrezaedadesigualdade.Nospaísesdaperiferiacapitalista,osegundopós-

guerra representou a possibilidade de construção de economias nacionais, com

alguns avanços em termos de industrialização da produção e de mudança na

estruturasocial.

Apartirdoúltimoquarteldo séculoXX,porém,parcelas significativasdas

economias passaram a ser dirigidas novamente pelo comportamento das altas

finanças,comasatividadesbancáriae financeiradesreguladasassumindomaior

centralidade no conjunto das políticas governamentais. O resultado observado

desdeentãosecaracterizouporumdesempenhoeconômicodospaísesassociado

acrisesfinanceirasdeimportanteproporção.

Nasúltimastrêsdécadashouveacadadoisanos,emmédia,amanifestação

depelomenosumacrise financeira.Essequadrodeturbulências internacionais

na dinâmica do capitalismo foi resultado, em grande medida, da atuação

majoritária da indústria bancária no mundo

[8]

. Sendo assim, a difusão do

processo de financeirização das economias se caracterizou por três aspectos

principais.

O primeiro associa-se ao movimento mais geral de desregulamentação

financeira, presente desde a década de 1970, com a reversão dos Acordos de

BrettonWoods.Odesaparecimentodetaxasdejurosfixaseabaixodainflação,

acompanhadodaexpansãodemercadosfinanceirossemtermaisocontrolefirme

dasautoridadespúblicasnacionaiseinternacionais,impulsionouodeslocamento

70

Page 71: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

crescente das finanças no comportamento real da economia.Novas formas de

geraçãoderiquezaforamampliadas,muitasvezessemcontrapartidasemtermos

de produção. A inovação tecnológica e a sofisticação dos produtos e serviços

financeiros lastrearam parte significativa do avanço de uma economia

desmaterializada.

Osegundoaspectorefere-seàdiminuiçãoprogressivadapresençadosbancos

públicos na indústria bancária. No final da última década do século XX, as

economiascapitalistasavançadasregistravamaindacercadeumquartodototal

dosativosbancáriossobaresponsabilidadedosetorpúblico,enquantonosanos

1970essenúmerochegouaatingirdoisquintos.Oprocessodeprivatizaçãodas

atividades bancárias se generalizou, ainda que no Leste Europeu (ex-bloco

soviético) e na América Latina tenha ocorrido mais o esvaziamento da

participaçãodoEstadono setor bancário.Entre as décadas de 1970 e 1990, a

presença do Estado no total dos ativos bancários caiu 44,4% nos países da

Europa, ao passo que na América Latina reduziu-se em 37,5%. No mesmo

períododetempo,aregiãoasiáticaapresentouquedade16,3%naparticipação

do setor público no total dos ativos bancários, sendo essa queda de 6,4%nos

paísesdosuldaÁsia.Somentenoperíodode1987a2003,porexemplo,maisde

250bancosforamprivatizadosnomundo,oquerepresentoua injeçãodeUS$

143bilhõesnoscofrespúblicos.

Por fim, o terceiro aspecto refere-se à terceirização de uma parcela dos

produtos e serviços bancários demenor rentabilidade e demaior risco.Assim,

atividades correspondentes à intermediação financeira, que até então eram

pertencentesaomonopóliodacorrespondênciabancária,foramexternalizadasàs

entidadesoriginalmenteexógenasaosegmentotradicionaldosbancos.Foinesse

particular que empresas e organismos não governamentais terminaram por

assumirtarefascorrespondentesàsatividadesbancárias,comoorecebimentode

contas a pagar, os empréstimos individual e coletivo, a retirada de recursos de

contasbancárias, entreoutras funções.Emboranãodefinidocomopertencente

aos bancos tradicionais, o conjunto de atividades que foram terceirizadas não

deixou de fazer parte do ramo da produção bancária. O elemento central de

descentralização das operações, com redução de custos, baixa rentabilidade e

riscosmaiores,foiofatordeterminantenoprocessodereestruturaçãobancária.

Esse movimento geral no interior da indústria bancária expressou o

predomíniodaperspectivaneoliberalacercadavisãodesuperioridadedasforças

de mercado e da ineficiência do Estado

[8]

. Assim, prevaleceu a trajetória que

favoreceu umamaior concentração bancária, com a diminuição, por exemplo,

71

Page 72: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

em41%dototaldosbancoscomerciaisdosEstadosUnidosentre1990(12.343)

e2007(7.282).

O reposicionamento do poder dos bancos na passagem para o séculoXXI

resultoudosmovimentosdeprivatização,fusãoeincorporaçãonosegmentoeda

externalizaçãodefunçõesparainstituiçõesdecorrespondênciabancária,comoas

operações de microcrédito. Em síntese, a ascensão das altas finanças

concomitantemente ao avanço das corporações financeiras transnacionais

sustenta o próprio processo de globalização capitalista com baixa regulação

pública.

Diantedisso,aestratégiadascorporaçõestransnacionaismanufatureirasfoia

de interligar os avanços da Terceira Revolução Tecnológica com as

oportunidades geradas pelo deslocamento de suas filiais para as regiões de

menores custos de produção.Ou seja, a parte domundo em transição para o

capitalismo, cuja exploração da força de trabalho se mostrou mais avançada

diantedaausênciaderegulaçãosocialetrabalhista

[10]

.

A exposição de maior fluxo de mão de obra proveniente das diversas

modalidades de desregulamentação dos mercados nacionais de trabalho,

motivada seja pelo desmantelamento do bloco soviético, seja pela abertura das

economias chinesas e indianas, seja pela flexibilização na América Latina,

impulsionouaindamaisograudecompetiçãoporpostosdetrabalho.Atravésda

terceirização de serviços (outsourcing) e da transferência da produção para o

exterior(offshoring),cercade500grandescorporaçõestransnacionaiselevaramo

níveldeatividadeapartirdecustosmenoresdeproduçãodosbensdeconsumo

duráveis.

Assim, o estabelecimento de cadeias globais de produção possibilitou uma

concentração cada vez maior no setor por parte das grandes corporações

transnacionais. No ano de 2010, elas respondiam, por exemplo, por quase

metade de toda a produçãomundial, enquanto em 1980 não alcançavam um

quintodoprodutoglobal

[11]

.

Amudançadoparadigmadeprodução fordistaparao toyotistapermitiua

redução dos custos de produção por meio da externalização dos serviços e da

concentraçãointernanasatividadesfinalísticasdecadaempresa.Comoavanço

das tecnologiasde informaçãoe comunicação (TICs), essamodalidadepossível

deproduçãonoplanolocalsetornouviávelemescalamundial.

Dessa forma, a grande empresa transnacional obteve vantagens absolutas,

combinandocapitaldealtatecnologiacommãodeobrabarataemregiõescom

infraestruturasuficientementeadequadaparaaabsorçãodeempresasdeslocadase

de investimentos diretos do exterior provenientes dos países capitalistas

72

Page 73: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

avançados. O intercâmbio crescente no interior das grandes corporações

transnacionais(intrafirma)resultouemcadeiasglobaisdeprodução,responsáveis

porcercadedoisterçosdetodoocomérciomundial.

Com base no planejamento e na coordenação dos investimentos e da

produção das corporações transnacionais, avança cada vez mais a integração

horizontaldasatividadeseconômicasempraticamentetodooterritóriomundial.

Assim, os países capitalistas avançados, responsáveis por 16% da população

mundial, respondem por 95% das 500 maiores empresas transnacionais, cuja

atuação conjunta abrange dois terços do comércio internacional e mais da

metadedosinvestimentosempesquisaedesenvolvimentotecnológico.

3.1.2.Sociedadelowcost

Amassificação do consumo de bens e serviços para além do seleto segmento

socialdemaior renda tevecomopontodepartidaageneralizaçãodeumnovo

paradigma de produção. Por meio da grande corporação transnacional, a

combinaçãodocapitaldealtatecnologiacomousodemãodeobrabarataem

regiõescominfraestruturaadequadadeproduçãoresultounascadeiasglobaisde

produção.

Nesse sentido, a inclusão de imenso reservatório de trabalhadores com

educação elevada, pertencente anteriormente aos países do bloco soviético e às

naçõesquepassarampelaaberturaeconômica,contribuiusignificativamentepara

omovimentoderelocalizaçãogeográficadasplantasindustriais.Porcontadisso,

prevaleceu uma enorme desigualdade na distribuição regional das plantas de

produçãodemanufatura,tendoemvistaasdecisõesautônomasdascorporações

transnacionais.

Com o acirramento da competição entre os trabalhadores, houve ainda

maior estímulo à redução do custo do trabalho. Quando associado ao

rebaixamento dos demais custos de produção (transporte, informação,

tributação, entre outros) e à introdução de novas tecnologias, consolida-se o

paradigmadeproduçãodemenorcustoeconectadamundialmente.

Emgrandemedida, o avançodo consumomassificadodependeuda oferta

crescentedebenseserviçosbaratoscolocadosàdisposiçãodasmultidõesdebaixa

renda.Mas isso, por si só, não seria suficiente para a ampla incorporação de

novasmassasdeconsumidoressemasuperaçãoadicionaldetrêscondicionantes

fundamentaisquefavoreceramarigideznadistribuiçãoderendanointeriorde

cadapaís.

O primeiro condicionante enfrentado passou pelos processos de abertura

produtiva,comerciale laboral.Dessa forma,ascondiçõesgeradaspelosegundo

73

Page 74: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

pós-guerra mundial de construção dos espaços nacionais de políticas públicas

voltadas aodesenvolvimentode estruturas produtivas, comerciais e de trabalho

foramdesconstituídaspelaforçadaglobalizaçãodosmercados.

Assim, a emergência das cadeias globais de produção tornou a economia

internacional cada vez mais integrada, interdependente e especializada. Os

ganhosdoprocessodeproduçãomanufatureiraseapresentaramfragmentadose

movidospelodesempenhoemescalaglobaldasatividadeseconômicas.

De todo modo, a ampla abertura das economias tornou acessível um

conjunto de bens e serviços de baixo custo gerado pelas cadeias globais de

produção. Em contrapartida, a desindustrialização se expandiu nas regiões

deslocadasdasopçõesdeproduçãodascorporaçõestransnacionais,resultandono

movimentodeespecializaçãodaseconomias.

Osreflexosnageraçãoderendaedeempregosforamimediatoseevidentes.

Semaindústriademanufaturacomopromotoradodesenvolvimento,ospostos

de trabalho em profusão, geralmente associados aos setores primário

(agropecuáriaeextrativismomineralevegetal)eterciário(comércioeserviços),

foramosquetiverammenorrenda.

Nãoobstanteageneralizaçãodeocupaçõesdesalárioscontidos,asociedade

debaixo custo avançou amassificaçãodo consumodebens e serviços baratos.

Comisso, reafirmaram-seasmarcasda identidadeedaposição social expressas

porfalsossinaisdepertencimentoaoestratosuperiortãosomentepelainclusão

noconsumo.

O segundo condicionante refere-se à barreira da exclusão bancária aos

segmentosdebaixarenda.Porforçadeocupaçõesdescontínuaseremunerações

insuficientes, os segmentos constitutivos da base da pirâmide social demuitos

países permaneciam deslocados das oportunidades do endividamento para o

acessoaoconsumo,sobretudodebenseserviçosdemaiorvalorunitário.Dessa

forma, a inclusão no consumo de bens não duráveis, como os de grifes, e

duráveis,comoeletrodomésticoseautomóveis,permaneciapostergada.Foinesse

contexto que a terceirização no interior dos bancos e a operacionalização dos

correspondentesbancáriosfavoreceramodesenvolvimentodeatividadesdebaixo

retornoemaior custo e risco,destinadas especialmente aos segmentosdebaixa

renda.

Ao mesmo tempo, a implementação de novas formas de intermediação

bancária, como os empréstimos consignados, os programas de transferência de

rendas,entreoutros,estimulouoendividamentoparaoconsumodapopulação

de baixa renda.Mesmo diante de uma ocupação vulnerável e um rendimento

precário,oacessoampliadoaocrédito se tornoupossível,permitindodesataro

74

Page 75: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

nó da exclusão bancária enquanto forma de constrangimento ao consumo de

benseserviçosdemaiorvalorunitário.

Porfim,oterceirocondicionanteestávinculadoàestruturaconstitutivados

preços dos bens e serviços até então reservados ao consumo dos segmentos de

maiorrenda.Adiversidadedaofertadebenseserviçosdeconsumopopularcom

preços cadentes abriu uma folga adicional nos orçamentos familiares de baixa

rendaparaainclusãodenovacestadeconsumo.

Assim,amudançanaestruturarelativadospreçosdebenseserviçosreduziu

opeso,porexemplo,dosgastoscomalimentaçãoevestuário.Namesmamedida,

tornou-se possível a incorporação do consumo de artigos eletrônicos, telefones

celulares,microcomputadoreseserviçosdeviagensabaixocusto.

Nesses termos,a sociedade lowcostganhouexpressãoglobal,ocorrendoem

diferentespaísessemquefossenecessáriaumaalteraçãosensívelnarepartiçãoda

rendaounaestruturadeclassessociais.Acontecequeainclusãodossegmentos

de baixo rendimento no consumo de bens e serviços que até então estavam

reservados aos estratos de maior renda favoreceu ainda mais a ideologia da

ascensãosocialdocapitalismoglobalizado.

3.2.Ciclosdemodernizaçãodopadrãodeconsumono

Brasil

OpadrãododesenvolvimentocapitalistanoBrasil temrespondidodesdea

décadade1930acertaregularidadede,pelomenos,duasdinâmicasestruturais:a

primeira, relacionada à expansão e diversificação das forças produtivas

promovidasquandodaimplantaçãodeverdadeirosblocosdeinvestimentos;ea

segunda, revelada por ciclos de consumo decorrentes da capacidade ociosa

ocasionada,existenteemfunçãodapréviaexpansãodosinvestimentos.

Assim, o aumento considerável da capacidade de produção da economia,

proporcionadoporumconjuntodeinvestimentos,criaoportunidadeparaquea

expansão do nível de atividade ocorra por um longo período de tempo. Nos

últimos oitenta anos, por exemplo, a economia brasileira experimentou três

momentosdistintosdeimplementaçãodegrandesblocosdeinvestimentos.

Oprimeirograndeblocodeinvestimentosocorreuentreasdécadasde1930

e1940eestevevoltadoàimplantaçãodasindústriasdebase,comoaCompanhia

SiderúrgicaNacional,aCompanhiaValedoRioDoce,aCompanhiaNacional

deÁlcaliseaFábricaNacionaldeMotores.Dessamodalidadede investimento

estatalnasceuabasesobreaqualseerigiuaindustrializaçãonacionalapartirdo

primeirogovernoVargas(1930-1945).

75

Page 76: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

O segundo grande bloco de investimentos aconteceu na década de 1950,

sobretudocomasiniciativasdogovernodeJK(1956-1961).Aindaem1953,a

criação da Petrobras no segundo governo de Vargas teve importância

fundamental,mas foicomoPlanodeMetas,nasegundametadedadécadade

1950, que o país engatou num enorme esforço de coordenação de gigantesco

conjunto de investimentos públicos e privados. O resultado principal foi a

expansão e a diversificação de seu parque produtivo, sobretudo com a

implantação das indústrias de bens de consumo duráveis (automóveis e

eletrodomésticos). Além disso, a força dos investimentos fortaleceu também

váriossetoresdeinfraestrutura(energiaelétrica,petróleoeinsumos).

O terceiro grande bloco de investimentos foi estabelecido em meados da

década de 1970 com a implementação do Segundo Plano Nacional de

DesenvolvimentopelogovernodogeneralGeisel.Emplenacriseinternacional,

deflagrada pelo choque do petróleo em 1973, o Brasil ampliou

consideravelmenteosinvestimentosparafazeravançaremasindústriasdebensde

capital e de computadores, para alémdos programas substitutivos dopetróleo,

comoosdoProálcooledeenergianuclear.

Alémdosblocosdeinvestimentosconcentradosnotempo,têmimportância

na dinâmica estrutural do desenvolvimento capitalista brasileiro os ciclos de

consumo,geralmente relacionados àmudançanas estruturasdadistribuiçãode

rendanacionaledospreçosrelativos.Dessaforma,afolgaabertanointeriordo

orçamentodasfamíliaspermitiumodernizarseupadrãodeconsumo.

Concomitantemente aos blocos de investimentos, os ciclo de consumo se

estruturaram o suficiente para conferir dinamismo à economia nacional. Se

consideradas as últimas oito décadas, pode-se identificar a existência de pelo

menos três ciclos distintos de expansão do consumo de bens duráveis

(eletrodomésticoseveículos)entreosbrasileiros.

Oprimeirociclodeconsumoexistiuantesdainternalizaçãodaindústriade

bensduráveisnoBrasil,verificadasomenteapartirdasegundametadedadécada

de1950,comogovernodeJK.Nessecaso,oacessoaosbensduráveisdependia

fundamentalmentedaimportaçãoprovenientedospaísesindustrializados,oque

implicava elevado custo e, portanto, quase uma reserva de consumo aos

segmentosmaisenriquecidosnopaís.

Osegundociclodeconsumodebensduráveis transcorreudesdeo finalda

década de 1960, coincidindo com o período também conhecido por “milagre

econômico” (1968-1973). Naquela época, em que se consolidou a chamada

classe média assalariada brasileira, gerada pelo avanço de empregos superiores

tantonasgrandesempresasprivadasquantonaburocraciaespecializadadosetor

76

Page 77: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

público, houve um conjunto de medidas governamentais favoráveis à

concentração dos rendimentos especialmente nos segmentos intermediários da

distribuição de renda. Ao contrário da massa de trabalhadores, que teve seus

rendimentoscontidosabaixoda inflação,osestratosdeclassemédiaassalariada

elevaram suas remunerações acima da inflação, incorporando ganhos

significativosdeprodutividade.Alémdisso,aspolíticasdosgovernosautoritários

da época favoreceram esses mesmos segmentos com crédito subsidiado ao

consumo e à aquisição da casa própria (Banco Nacional da Habitação) e do

automóvel,bemcomocomaexpansãodasvagasnoensinosuperior.

O terceiro ciclo de consumo foi motivado por duas razões principais. A

primeira está associada às mudanças significativas dos preços relativos,

especialmente comaquedados custosdosbensde consumoduráveisdesdeos

anos 1990, enquanto a segunda razão deve-se aosmovimentos importantes de

ampliação do crédito ao consumo e de desconcentração de renda na base da

pirâmidesocial.

Dessemodo,oprocessorecentedemodernizaçãonopadrãodeconsumose

mostroucapazdeincorporarmaissegmentosdapopulaçãodebaixarenda,sendo

este o objeto de análise na sequência do texto. Para isso, consideram-se como

elementos explicativos principais as mudanças nos preços relativos, os efeitos

sobreosrendimentosdapopulaçãoeasalteraçõesnacomposiçãodaestruturade

consumodasfamíliasbrasileiras.

3.2.1.Alteraçãonaestruturadospreçosrelativos

Um dos fatores que podem modificar o padrão de consumo das famílias diz

respeitoàevoluçãodospreçosdediferentesbenseserviçosquandopensadaem

relaçãoaocomportamentogeraldainflação.Assim,adiferençaentreospreçosde

benseserviçosquecrescemacimaouabaixodataxamédiade inflaçãotendea

apontar para uma mudança relativa que impacta o padrão de consumo das

famílias.

Paraaanálisedaalteraçãodospreçosrelativosaolongodasdécadasde1990

e2000,utilizou-sedeumconjuntodeinformaçõesprimáriasgeradaspeloIBGE

por meio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os

gráficosaseguirbuscamidentificarospreçosdesagregadosdebenseserviçosque

seapresentaramacimaouabaixodocomportamentomédiodataxade inflação

medidapeloIPCAemcincoperíodosdetempodistintos.

Neste primeiro período de tempo, que congrega os anos de 1991 a 1994,

destaca-seafasedesuperinflaçãonoBrasil.Ataxamédiaanualdeinflaçãofoide

1.062,9%eataxaacumuladanomesmoperíodochegoua17.289,3%,segundo

77

Page 78: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

avariaçãodoIPCA.Dos22gruposdebenseserviçosacompanhados,somente7

cresceram abaixo da taxa de inflação e 6 acima, enquanto os 9 restantes

praticamenteacompanharamaevoluçãomédiadoIPCA.Entreospreçosdebens

eserviçosquecresceramabaixodainflaçãodestacam-seosartigosderesidênciae

vestuário,aopassoqueospreçosdealimentação,saúde,educaçãoecomunicação

elevaram-seacimadoIPCA.(Verfigura3.2.)

Figura3.2–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1991e1994(IPCAacumulado=100)

Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)

Assim, embora o país tenha sido impactado por uma série de medidas

radicaisvoltadasàaberturacomercialeàprivatizaçãodosetorprodutivoestatal

desde o governoCollor (1990-1992), asmudanças nos preços relativos não se

apresentaramsignificativas.Omesmo,contudo,nãopodeserditoemrelaçãoà

implantaçãodoPlanoReal.

Nosegundoperíododetempoanalisado,quecompreendeosanosde1995a

1998,asmudançasnospreçosrelativosforamconsideráveis.Comaestabilização

monetária alcançada e a valorização do real, a abertura comercial terminou

favorecendoaampliaçãodaofertadeprodutosdoexteriorcompreçosinferiores

aos praticados internamente.O acirramento da competição resultou na queda

doscustosedasmargensdelucrodasempresas.Emfunçãodisso,percebe-seque

o comportamento dos preços de bens e serviços vinculados aos setores

alimentício, de vestuário e de artigos de residência, como os eletrodomésticos,

moveu-se abaixo da inflação medida pelo IPCA. Outros setores, contudo,

elevaramospreçosacimadainflação,inclusivenaquelasatividadesquepassaram

pelo processo de privatização, como as relacionadas a produtos e serviços de

utilidade pública (telefonia, gás, energia elétrica, estradas, entre outros). (Ver

figura3.3.)

78

Page 79: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Figura3.3–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1995e1998(IPCAacumulado=100)

Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)

No terceiro período considerado, asmudanças nos preços relativos não se

apresentaram tão intensas diante do contexto de maior inflação e de baixo

dinamismoeconômico.Porcontadisso,observa-sequeosserviçosforam,entre

os anos de 1999 e 2003, os que apresentaram um comportamento abaixo da

inflação, tendoemvista as restriçõesna rendados consumidoresdiantedeum

custodevidaque,emgeral,permaneceumaior.(Verfigura3.4.)

Figura3.4–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1999e2003(IPCAacumulado=100)

Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)

Os artigos de residência e a energia elétrica destacaram-se com preços que

evoluíramacimadainflação.Issoocorreu,maisumavez,emsetoresvinculados

aoprocessodeprivatização,quepressionourelativamentemaisocomportamento

geraldainflação.

Noquartoperíodo,representadopelosanosde2004e2008,aalteraçãonos

preços relativos se confirmou novamente pelos artigos de residência, com

importante destaque no conjunto do setor de bens de consumo duráveis. Os

79

Page 80: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

demaispreçospraticamenteacompanharamocomportamentodainflação,salvo

osetordeserviços,assimcomoodecuidadospessoais.(Verfigura3.5.)

Por fim, o quinto período de tempo, referente aos anos de 2009 a 2012,

reforçaaindamaisamudançanospreçosrelativosatinentesaoseletroeletrônicos

e aos serviços de comunicação, que praticaram preços abaixo da inflação. Por

motivodemaiorcontrolenoscontratosnossetoresdeutilidadepúblicaporparte

dos governos, como nas estradas privatizadas, na energia elétrica e na

comunicação, a população pagou por preços que aumentaram menos se

comparadosàelevaçãodocustodevida.(Verfigura3.6.)

Figura3.5–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre2004e2008(IPCAacumulado=100)

Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)

Figura3.6–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre2009e2012(IPCAacumulado=100)

Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)

Obalançogeralsobreocomportamentodospreçosdesagregadosapartirda

estabilidade monetária entre os anos de 1995 e 2012 aponta para uma

importantemudança nos preços relativos noBrasil. Por um lado, nota-se, por

exemplo, uma inequívoca queda nos setores de artigos de residência, como

80

Page 81: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

eletrodomésticos, vestuário, alimentação e cuidados pessoais em relação ao

comportamentogeraldainflação.Poroutro,nossetoresvinculadosàhabitação,

educaçãoecomunicação,bemcomonosserviçosdeutilidadepública,verifica-se

umcomportamentodospreçosacimadavariaçãodainflaçãomedidapeloIPCA.

Da equação entrepreçosdebens e serviços, emalta e embaixa, e o índicede

inflação resultou a alteração nos preços relativos e, por consequência, a

modernizaçãodopadrãodeconsumodapopulação,especialmentedademenor

rendimento.(Verfigura3.7.)

Figura3.7–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1995e2012(IPCAacumulado=100)

Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)

É nesse sentido que se consagrou a onda de difusão do consumo de bens

duráveis mais acessíveis à base da pirâmide social brasileira. A inversão do

processodeconcentraçãode renda tambémfavoreceuaalteraçãodopadrãode

consumonopaísnoperíodorecente,conformeserátratadoaseguir.

3.2.2.Efeitosdarendaeamassificaçãodoconsumopopular

Aliadoaomovimentodealteraçãonospreços relativos, conformedemonstrado

anteriormente, assistiu-se também às alterações no comportamento dos

rendimentos da população. Se a queda relativa dos preços de bens

industrializados fortaleceuaondademodernizaçãonoconsumo, a elevaçãodo

rendimento,especialmentenosegmentoqueconstituiabasedapirâmidesocial,

ampliouaindamaisamudançanademandadasfamíliasbrasileiras.

O crescimento real verificado na renda média da população ocupada

impactoudiretamenteoconsumodasfamílias,quepassouaresponderpormais

de dois terços da dinâmica de crescimento doProduto InternoBruto do país.

Emfunçãodisso,cabeconsideraroconjuntodeefeitospositivossobreonívelde

rendadasfamíliasocorridoapartirdaviradaparaoséculoXXI,taiscomo:(I)a

reduçãonotamanhomédiodasfamílias;(II)oaumentodainserçãodamulher

81

Page 82: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

no mercado de trabalho; (III) a queda do desemprego; (IV) o aumento do

rendimento médio real motivado pela elevação do salário mínimo, pelas

negociaçõescoletivasdetrabalhoepelosprogramasdetransferênciaderenda;e

(V)aampliaçãodocréditoaoconsumopopular.

O avanço femininona ocupação constitui um elemento importante para a

elevação do rendimento familiar. Para além do salário do chefe de família

ocupado, o adicional de renda familiar gerado pela incorporação de mais

membros nomercadode trabalho contribui consideravelmente para a elevação

dorendimentopercapitafamiliar.

Nadécadade2000,porexemplo,ataxadeocupaçãofemininasubiu24%,

poispassoude35,4%,noano2000,para43,9%,em2010.Nadécadaanterior,

ataxadeocupaçãofemininahaviaaumentadoem19,6%,oquejáfoibemacima

doobservadonadécadade1980(9,6%).Nessesentido,percebe-sequeapartir

dos anos 1990 a aceleração do ingresso da mulher no mercado de trabalho

contribuiuaindamaisparaaelevaçãodarendanointeriordasfamílias.Issosem

mencionaroaumentotambémdapresençadamulhernascondiçõesdechefede

família. No ano de 2010, por exemplo, 37,3% das famílias brasileiras eram

chefiadas por mulheres ante 26,7% no ano 2000. Ou seja, trata-se de um

acréscimode39,7%daresponsabilidadefemininanachefiadasfamíliassomente

naprimeiradécadade2000.(Verfigura3.8.)

Figura3.8.–Brasil:evoluçãodonúmeromédiodemembrosdafamíliaetaxademulheresocupadasemanosselecionados

Além da presença de mais mulheres ocupadas, contribuiu também para a

elevação na rendaper capita familiar o decréscimona quantidade demembros

das famílias.No anode 2010, por exemplo, as famílias brasileiras tinham, em

média, 3,3 membros, enquanto em 2000 eram 3,7 membros. Na primeira

décadade2000,onúmeromédiodemembrosporfamíliacaiu10,8%,enquanto

nadécadade1990haviadiminuídosomente5,1%.Commenorquantidadede

82

Page 83: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

pessoas fazendo parte das famílias e maior presença dasmulheres ocupadas, a

renda familiar aumentou, sobretudo em relação ao rendimentomédio familiar

percapita.

Ocomportamentododesempregotambémtendeuaserefletirsobreonível

dorendimentodasfamílias.Observa-seque,apartirde1990,atrajetóriadataxa

nacional do desemprego foi crescente, salvo os breves e pontuais períodos de

desaceleraçãodadesocupação,comonosanos1993-1994e2001-2002.Depois

de2004,odesempregovoltouaserdecrescenteaté2008.Em2009,oaumento

do desemprego esteve associado às manifestações da crise econômica

internacionalpara imediatamente ser reduzidocoma recuperaçãodaeconomia

nacional.

Aoseconsiderarnãoapenasataxanacionaldodesemprego,mastambéma

quantidade de trabalhadores desocupados, registram-se ainda situações

interessantes a seremdestacadas.Nos anosde1980, por exemplo, o acréscimo

anual de novos desempregados no Brasil foi de 134mil pessoas, enquanto na

décadade1990oaumento foide910milpessoasdesempregadasporano,em

média.Issoporqueopaíspassoudemenosde3milhõesdedesempregadosem

1991para11,2milhõesnoano2000,ouseja,3,7vezesmais.Desdeoano2001,

entretanto, a trajetória do desemprego se apresentou demaneira diferente.Na

décadade2000,onúmerodedesempregadosdecaiuem35,9%,oquesignificou

a saída média anual de 402 mil trabalhadores da condição do desemprego

nacional.Emgrandemedida,aquedanataxadedesempregotemquevercoma

significativageraçãodeempregosnoperíodorecente.(Verfigura3.9.)

Figura3.9–Brasil:evoluçãodataxanacionaldedesemprego(em%)edonúmerodedesempregadosemanosselecionados

Fonte:IBGE/Censosdemográficos/PNAD(elaboraçãodoautor)

A presença do desemprego afeta diretamente a evolução do rendimento

médiorealpercapitafamiliar.Nadécadade2000,porexemplo,arendamédia

83

Page 84: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

realper capitadas famíliascomapresençadedesempregadoaumentou16,6%,

enquantonadécadade1990haviacrescidosomente2,9%.

Alémda condiçãododesemprego, considera-se tambémo comportamento

dorendimentodotrabalhadorocupado.Aelevaçãoouaretraçãodatrajetóriado

poder aquisitivo do trabalhador ocupado se reflete diretamente no orçamento

familiar.Nas últimas três décadas, por exemplo, o rendimentomédio real dos

ocupados apresentou cinco fases de expansão (1980-1981; 1985-1986; 1989;

1993-1996 e 2004-2009) e três de retração (1982-1984; 1987-1992; 1997-

2003). Nesse largo período de tempo considerado, o ano de 1986 foi o que

registrou omaior poder aquisitivo do rendimento do trabalhador, enquanto o

menorocorreuem1980.(Verfigura3.10.)

Figura3.10–Brasil:evoluçãodoíndicedorendimentomédiorealdosocupados

Fonte:IBGE/PNADsajustadas(elaboraçãodoautor)

Na década de 2000, além do comportamento positivo no emprego e no

rendimentomédiorealdotrabalhador,constata-setambémaampliaçãodarenda

médiadasfamílias,sobretudodaquelassituadasnabasedapirâmidesocial.Em

decorrênciadopapelativodaspolíticaspúblicas,especialmentedosprogramasde

garantiade renda fortalecidosmais recentemente,o rendimentomédio familiar

per capita no topo da distribuição de renda (entre os 10%mais ricos) cresceu

1,6%,emmédia,entre2003e2008,enquantoorendimentomédiofamiliarper

capitanabasedadistribuiçãoderenda(entreos10%maispobres)cresceu9,1%

porano.Ouseja,orendimentomédioentreospobresfoi5,7vezesmaiorqueo

dosricos.(Verfigura3.11.)

Figura3.11–Brasil:variaçãodorendimentomédiomensalrealfamiliarpercapitapordecilde1995a2002ede2003a2008(em%)

84

Page 85: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Deve-seressaltarqueissosedeveufundamentalmenteàpolíticadeaumento

real do salário mínimo, capaz de injetar R$ 1 trilhão na parcela salarial dos

trabalhadoresocupadosdebasesomenteentreosanosde2003a2010.Também

nãopairamdúvidasarespeitodaimportânciadapolíticadetransferênciadireta

de renda entre os diversos segmentos vulneráveis (idosos, portadores de

necessidades especiais, desempregados e pobres) por meio do sistema de

Previdência e deAssistência Social. Somente no período de 2002 a 2008, por

exemplo,medianteessesprogramas,atransferênciaderendaparaasfamíliasde

baixa renda foi nominalmente multiplicada por 2,3 vezes, o que significou a

passagem de R$ 134,7 bilhões para R$ 305,3 bilhões no mesmo período de

tempo.

Nadécadade1990,adinâmicadistributivanãofoiamesma.Orendimento

médio das famílias pertencentes aos estratos superiores da pirâmide social

decrescia em valor real (0,4% ao ano, emmédia, para os 10%mais ricos) ao

passo que para as famílias de rendimento inferiores aumentava num índice

abaixode2%emmédiaaoano(1,8%paraos10%maispobres).

Porfim,tambémcaberiaacrescentaroimpactodasnegociaçõescoletivasde

trabalho,umavezquedizemrespeitoaumamassaconsiderávelderendimento

do trabalho regida sob a determinação nominal das relações entre empresas e

sindicatos.Percebeu-se,emgeral,queossindicatosconseguiramestabelecerpara

osacordoscoletivosdetrabalhoreajustesdesaláriosacimadoíndicedainflação,

ouseja, incorporaramaosalárioganhosdeprodutividadeparaalémdainflação

passada.

Diante dos efeitos da modernização do padrão de consumo do brasileiro

sobrearendarecebidapelasfamíliasnoperíododeestabilidademonetária,resta

aindaconsideraropapeldocréditosobreasdecisõesdeconsumo,especialmente

aquelasqueenvolvemacompradebensduráveis(geladeira,televisor,automóvel,

entre outros), cujos valores unitários superam, em geral, a renda das famílias,

sobretudo as da base da pirâmide social, para quem o crédito tem um valor

fundamental.

85

Page 86: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Pormeiodo endividamento, as famíliaspodemanteciparparaomomento

presenteopoderaquisitivonecessárioparaaaquisiçãodebenseserviços,oque

tornoupossívelamodernizaçãonopadrãodeconsumo.Entreosanosde2002e

2009,porexemplo,asoperaçõesdecréditonototaldoProdutoInternoBruto

aumentaram em 86%, passando de 24,2% do PIB, em 2002, para 45%, em

2009. Assim, o volume de recursos de financiamentos destinados às pessoas

físicas foimultiplicado emmaisdequatro vezesnomesmoperíodode tempo,

enquanto o repasse de recursos à agricultura familiar aumentou de R$ 2,4

bilhões, em 2003, para R$ 10,8 bilhões, em 2009. Também no âmbito das

operações de crédito destaca-se o avanço do financiamento voltado para a

habitação,quesubiudeR$25,7bilhões,em2004,paraR$80bilhões,em2009.

Emsíntese,asomatóriadosefeitossobrearendadasfamílias,especialmente

aquelas situadas na base da pirâmide social brasileira, por força da elevaçãona

ocupação com a redução do desemprego, do maior ingresso da mulher no

mercadode trabalho,daquedadonúmerodemembros familiares,daelevação

dorendimentomédiorealedaampliaçãodocrédito,permitiuamassificaçãodo

consumo. Cabe, ainda, considerar os contrafeitos gerados pela tributação,

conformetratadoaseguir.

3.2.3.Impactodatributaçãosobrearendadasfamílias

O Brasil registrou desde a década de 1980 uma significativa trajetória de

aumentonacargatributária,porcontaespecialmentedosimpostosindiretos,que

sãoaquelesincorporadosnopreçofinaldosbenseserviços.Entre1980e2009,

porexemplo,acargatributáriabrutapassoude24,5%doPIBpara34,3%,oque

significou uma elevação de 40% na carga tributária em relação ao Produto

InternoBrutobrasileiro.

Duranteoperíododesuperinflação(1980-1994),oaumentoanualdacarga

tributáriafoi,emmédia,de1,2%,enquantonafasedeestabilidademonetáriao

crescimento dos impostos, das taxas e das contribuições foi um poucomenor

(1,1% ao ano, emmédia).De toda forma, o crescimento da tributação pouco

alterouacomposiçãodaarrecadação,mantendo-sefortementeinfluenciadopela

tributaçãoindireta.

Ao somar-se a tributação proveniente da incidência sobre renda, bens e

serviçosefolhadesalários,chega-sea86,4%detodaacargatributáriadoanode

2009ante83,1%em1980.Ouseja,umaleveelevaçãonabasedaatuaçãodos

tributos indiretos. No ano de 2009, por exemplo, 42% da carga tributária

provinhadaincidênciasobrebenseserviços,enquantoem1980elaerade44%.

86

Page 87: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

No mesmo período de tempo cresceu a tributação sobre a renda (68,9%) e

diminuiuaquelasobreafolhadesalários(14,5%).(Verfigura3.12.)

Tendo em vista a prevalência de uma estrutura tributária assentada

fundamentalmentenaarrecadaçãodeimpostosindiretosaolongodosanos,cabe

indagar a respeito do seu impacto sobre a renda bruta das famílias. Após a

incidênciadeimpostos,taxasecontribuiçõesnorendimentobrutodasfamílias,

resta,portanto,aovalorlíquidodarendasetransformaremconsumodebense

serviços ou em aquisição de ativos financeiros. Por conta disso, interessa

considerar o peso da tributação em relação ao nível da renda nos diferentes

estratos de rendimentos familiares que compõem a sociedade brasileira. Em

conformidadecomaspesquisas sobreorçamentofamiliar realizadaspeloIBGE,

torna-sepossívelestimarograudeincidênciadeimpostos,taxasecontribuições

sobrecadaumadasdespesasidentificadas.

Em 2009, por exemplo, a carga tributária incidente sobre a renda das

famílias com rendimentode até2 saláriosmínimos foi estimada em32%; isso

significaqueadisponibilidadelíquidaaquisitivadessasfamíliasapósaincidência

da carga tributária reduziu-se para 68% de sua renda bruta. Assim, para as

famíliascomrendimentomensalbrutode2saláriosmínimos,opoderdecompra

líquidofoirebaixadopara1,4saláriomínimo.

Figura3.12–Brasil:evoluçãodacomposiçãodacargatributáriabrutaemanosselecionados(em%)

Nocasodasfamíliasdemaiorrendimento,comoaquelasqueganhammais

de30 saláriosmínimosmensais, a carga tributária estimada chegou a21%em

2009.Assim,paraquemrecebesse30saláriosmínimosmensais,arendalíquida

(apósa tributação) reduzia-separa23,7 saláriosmínimos, istoé,79%dovalor

brutodarenda.(Verfigura3.13.)

87

Page 88: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Percebe-se que a carga tributária desacelera à medida que há elevação na

rendadasfamílias.Dessaforma,ograudedesigualdadedascargastributáriasem

2009foide1,52vez,segundoacomparaçãoentreosextremosdadistribuiçãode

renda das famílias (até 2 s.m. emais de 30 s.m.).Resumidamente, a carga de

tributosincidentessobrearendadasfamíliascomaté2saláriosmínimosmensais

foi52,3%superioràincidentesobrearendadasfamíliascommaisde30salários

mínimos.

Figura3.13–Brasil:evoluçãodacargatributárianarendafamiliarsegundofaixasderendimentoemanosselecionados(em%)

Adesigualdadenaaplicaçãodostributos,taxasecontribuiçõessobrearenda

dasfamíliaspermaneceurelativamenteestávelnafasedeestabilidademonetária.

No ano de 1996, por exemplo, o grau de desigualdade na aplicação da carga

tributáriaentreosextremosdadistribuiçãoderendadasfamíliaserade1,55vez,

ouseja,asfamíliasdeaté2saláriosmínimostinhamumataxação55,5%maior

que as famílias de mais de 30 salários mínimos. Apesar disso, nota-se que o

aumento considerável na carga tributária ocorrida no período da estabilização

monetárianãofoihomogêneoentreas famílias.Aquelasdemenorrendimento,

por exemplo, que já pagavam, proporcionalmente à renda, maior tributação,

terminaramfazendopartedasclassesfamiliaresdemenorelevaçãodostributos.

Seem2009asfamíliasdeaté2saláriosmínimosmensaistinhamumacarga

tributáriade32%desuarenda,em1996essacargaerade28%.Ouseja,uma

elevaçãode14,3%.Jáas famíliasdemaisde30saláriosmínimosmensais,que

tinhamumacargatributáriaestimadaem18%em1996,passarampara21%em

2009,oquerepresentouumaelevaçãode16,7%.

Osegmento intermediáriodos estratosde rendimentodas famílias éoque

registrouamaiorelevaçãodacargatributáriaentre1996e2009.Foramoscasos

88

Page 89: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

dasfamíliascomrendaentre10e20saláriosmínimosmensais,quetiveramuma

elevação de quase 47%nomesmo período de tempo na carga tributária. (Ver

figura3.14.)

Figura3.14–Brasil:variaçãonacargatributáriaporfaixasderendadasfamíliasemanosselecionados(em%)

Seacomparaçãoforcomoperíododesuperinflação,nota-sequeatrajetória

dacargatributáriaapontouparaaumacontençãonosrendimentosdasfamílias.

Em1996,por exemplo, as famílias comrendimentodeaté2 saláriosmínimos

mensais comprometiam cerca de 28% de sua renda familiar com tributação,

enquanto em1975essa fatia estava levemente acimade37%,oque significou

umareduçãode24,4%nacargatributária.Noestratoderendafamiliarde10a

15 salários mínimos mensais, a queda na carga tributária foi ainda maior,

atingindo27,4%.Poroutrolado,nocasodasfamíliascomrendimentoacimade

30 salários mínimos mensais, registrou-se um aumento na carga tributária de

0,6%entreosanosde1975e1996.

Resumidamente,constata-sequeadimensãotributáriainterferenadefinição

darendalíquidadasfamíliasparaoconsumo.Dependendodoaumentodacarga

tributária, pode haver queda nessa renda líquida das famílias, aomenos que o

aumentodarendabrutasejasuperioràelevaçãodacargatributária,anulando-se,

assim,aalteraçãonarendalíquida.

Detodaforma,avariaçãonacargatributáriainterferenocomportamentoda

renda das famílias em relação ao padrão de consumo. Conforme foi possível

observar, as famílias demenor renda suportam proporcionalmente umamaior

carga tributária no Brasil, o que impõe efeitos regressivos sobre o padrão de

consumo.

89

Page 90: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Diante do sistema tributário nacional, caracterizado que é por sua

regressividade, o nível de consumo das famílias se mantém pressionado pela

evoluçãonãoda rendabruta,mascadavezmaisdopoderaquisitivo registrado

apósaincidênciadacargatributária.Assim,asalteraçõesnopadrãodeconsumo

dasfamíliasdependem,emparte,dainfluênciadatributaçãobrasileira.

3.2.4.Alteraçãonacomposiçãodopadrãodeconsumopornívelderenda

Amodificaçãonospreçosrelativoscombinadacomdiversosdeseusefeitossobre

onívelderendatemafetadosubstancialmenteopadrãodeconsumodasfamílias.

Na década de 1970, por exemplo, o padrão de consumo concentrava-se

fundamentalmente nas despesas com alimentação e habitação, pois juntas elas

representavamcercadedoisterçosdoorçamentodasfamíliasbrasileiras.Maisde

trêsdécadasdepois, a somatóriamédiadasduasmesmasdespesaspassaapesar

poucomaisdedoisquintosnoorçamentodasfamílias.Assim,observa-secomo,

ao longo do tempo, as despesas associadas aos bens industrializados, como

alimentação,vestuárioeartigosderesidência,perderamimportânciarelativa,ao

contrário do que aconteceu com o setor de serviços, tais como habitação,

transporteesaúde,queregistroucrescimentodeimportância.(Verfigura3.15.)

Figura3.15–Brasil:evoluçãodosprincipaiscomponentesdedespesasdoorçamentodasfamíliasbrasileirasemanosselecionados(em%)

Aosetomarporreferênciaaspesquisasdeorçamentofamiliarrealizadaspelo

IBGEnosúltimos30anos,pode-seconstataraimportânciadosmovimentosde

quedaeaumentonasparticipaçõesrelativasnointeriordadistribuiçãodosgastos

com consumo. Isso ajuda a entender as principais mudanças no padrão de

consumo das famílias brasileiras, principalmente no que concerne à redução

relativadasdespesascombensindustriais,acompanhadapelaelevaçãodosgastos

comserviços.

90

Page 91: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Entreosanosde1987e1996registra-se,porexemplo,umaquedanopeso

relativodaalimentação(13,5%),dosartigosderesidência(11,6%),devestuário

(47,0%),dedespesasdiversas (6,3%) epessoais (12,3%).Demaneirageral, os

gastos que apresentamquedano valor real foramos bens industrializados.Em

contrapartida,pode-seobservartambémumconjuntodedespesasqueaumentou

sua participação relativa na composição das despesas familiares, como as de

habitação (61,2%), saúde e cuidados pessoais (23,9%), transporte (3,1%) e

educação(17,4%).Aqui,emsíntese,pode-sedestacaromaiorpesodosserviços

nasdespesasfamiliares.(Verfigura3.16.)

Figura3.16–Brasil:distribuiçãodosgastoscomconsumoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias

Itens

Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%

1987 1996 2009 1987-1996

1996-2009

Despesasdeconsumo 81,9 80,4 81,3 -1,8 1,1

1.Alimentação 26,6 22,9 16,1 -13,5 -29,7

2.Habitação 10,3 16,6 25,1 61,2 51,2

2.1.Aluguel 3,5 5,4 12,8 54,3 137,0

2.2.Artigosdelimpeza 0,9 0,8 0,6 -11,1 -25,0

3.Artigosderesidência 6,9 6,1 4,1 -11,6 -32,8

3.1.Mobiliárioseartigosdolar 2,9 2,1 1,8 -27,6 -14,3

3.2.Eletrodomésticos,som,TV 2,7 3,5 2,1 29,6 -40,0

3.3.Consertoemanutenção 1,3 0,5 0,2 -61,5 -60,0

4.Vestuário 10,0 5,3 4,5 -47,0 -15,1

5.Transporte 9,8 10,1 16,0 3,1 58,4

5.1.Urbano 3,7 5,5 2,2 48,6 -60,0

5.2.Veículopróprio 4,5 3,3 11,1 -26,7 236,4

6.Saúdeecuidadospessoais 7,1 8,8 7,8 23,9 -11,4

6.1.Higieneecuidadospessoais 1,7 1,7 1,9 0,0 11,8

6.2.Assistênciaàsaúde 5,4 7,1 5,9 31,5 -16,9

6.2.1.Remédios 2,4 2,8 2,8 16,7 0,0

91

Page 92: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

7.Despesaspessoais 5,7 5,0 2,8 -12,3 -44,0

7.1.Recreaçãoecultura 2,7 2,2 1,6 -18,5 -27,3

7.2.Serviçospessoais 1,2 1,2 0,9 0,0 -25,0

8.Educação 2,3 2,7 2,5 17,4 -7,4

8.1.Cursos 1,3 2,0 2,8 53,8 40,0

9.Despesasdiversas 3,2 3,0 2,4 -6,3 -20,0

10.Outrasdespesascorrentes 7,2 6,6 10,9 -8,3 65,2

Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)

Nocasodoperíodoquecompreendeosanosde1996e2009,oconjuntode

mudanças no padrão de consumo mostrou-se ainda mais significativo, isso

porque, inicialmente,houveumaelevaçãodasdespesasdeconsumoemrelação

aoorçamentodasfamílias,seguidaporumacontinuidadenareduçãorelativados

gastoscombensindustrializados.Destacam-se,noconjuntodediminuiçõesdos

pesos relativos no orçamento das famílias, os artigos de residência (32,8%), a

alimentação (30%) e o vestuário (15,1%). Além disso, percebe-se também a

quedaemdeterminadostiposdeserviçosrelativosàsdespesaspessoais(44%),de

saúdeecuidadospessoais(11,4%)edeeducação(7,4%).

No mesmo período de tempo, as despesas com transporte (58,4%) e

habitação (51,2%) foram as que mais aumentaram em relação ao orçamento

familiar.Somenteessesdoisitensdedespesaconsumiram41,1%doorçamento

dasfamíliasem2009,ante26,7%em1996e20,1%em1987.

A diminuição na participação relativa de alguns itens de serviços no

orçamentodasfamíliasbrasileiraséresultadonãoapenasdaalteraçãonopadrão

de consumo dos bens duráveis, mas também da maior importância dada aos

serviços de comunicação e informação. De certa forma, o padrão anterior de

sociabilidadeassociadoaosespaçospúblicos,comoteatros,cinemas,entreoutros,

se modificou rapidamente com o deslocamento das preferências para os bens

culturaissuportadospelastecnologiasdeinformaçãoecomunicação.(Verfigura

3.17.)

Assim,ainternet,difundidapormeiodediferentesequipamentoseletrônicos

(computador pessoal, telefone celular, tablet, entre outros), favorece cada vez

mais o uso privado dos tradicionais bens culturais como livro, cinema e

música

[12]

. Nesses termos, surge um novo padrão de sociabilidade virtual que

independedolocalparaoacessoaosbensculturais.

Nãoobstanteo crescimentono consumo totaldas famílias (57%) entreos

anosde1995 e 2009, caíram as vendasde livrosno setor privado (44%) ede

92

Page 93: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

músicasgravadas(87%).Noentanto,somenteaaquisiçãodeingressosemsalas

decinemascresceu6%nomesmoperíodo,eissoapóslongosanoscomvendas

abaixodasdoanode1995.Alémdaquedanosgastoscomimportantepartedas

opçõesde entretenimento emespaçospúblicos, tambémperderam importância

relativa as despesas com áreas de significativa precariedade estrutural noBrasil,

comosaúdeeeducação.Asdespesasaumentaramrelativamentenosserviçoscom

moradiaetransporte.

Figura3.17–Brasil:evoluçãodoíndicedeconsumototaldasfamíliasedosbensculturais(1995=100)

MudançasnoconsumodebensculturaisnoBrasilapósaestabilizaçãodamoeda,cit.,n.1,p.13

Essa abordagem a respeito das modificações no padrão de consumo pela

visãomédiadas famíliaspodeocultar algunsmovimentos também importantes

emrelaçãoà evoluçãodasdespesas segundoosdiferentes estratosde rendados

consumidores. Para dar conta disso, procurou-se considerar a seguir alguns

grupos de despesas segundo a perspectiva dos diferentes estratos de renda das

famílias, especialmente no que concerne às possíveis alterações no padrão de

consumoentreosextremosdaestruturadedistribuiçãoderenda.

Emrelaçãoaoitemalimentação,observa-se,porexemplo,queasfamíliasde

menor rendimento (até 2 salários mínimos mensais) foram as que menos

reduziram o peso relativo no orçamento durante a fase atual de estabilização

monetária (15,2%), aopassoquenoperíodode alta inflação foramo segundo

estrato de renda com amaior queda (18,4%). Ainda na fase de alta inflação,

observa-se que as famílias com renda mensal acima de 15 salários mínimos

tinhampassadoporumaelevaçãonopesodoitemalimentaçãonototaldeseus

orçamentos. Em grande medida, isso foi reflexo da elevação dos preços da

alimentaçãoforadodomicílio.

93

Page 94: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Atualmente,asfamíliascomrendadeaté2saláriosmínimoscomprometem

seus rendimentos com alimentação 3,2 vezes mais que as famílias com

rendimentoacimade15 saláriosmínimos.Em1996, essadiferença erade2,6

vezes, o que significa que na estabilidade monetária a desigualdade entre

diferentesestratosderendafamiliaraumentounosgastosrelativosàalimentação

noBrasil.(Verfigura3.18.)

Figura3.18–Brasil:distribuiçãodosgastoscomalimentaçãoporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias

Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009

Até2s.m. 40,2 32,8 27,8 -18,4 -15,2De2a3s.m. 38,0 33,4 24,8 -12,1 -25,7De3a6s.m. 32,1 29,1 20,9 -9,3 -28,2De6a10s.m. 27,1 24,2 16,7 -10,7 -31,0De10a15s.m. 23,4 18,9 13,7 -19,2 -27,5De15a25s.m. 16,1 16,2 11,7 0,6 -27,8Maisde25s.m. 12,1 12,4 8,5 2,5 -31,5Médiageral 26,6 22,9 16,1 -13,9 -29,7

Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)

Ao contrário da alimentação, o item habitação apresentou aumento

considerávelemsuaparticipaçãorelativanoorçamentodasfamíliasnasúltimas

três décadas. Enquanto na fase de alta inflação os aumentos ocorreram nas

famíliasdemaiorrenda,operíododeestabilizaçãomonetáriafoiacompanhado

deforteelevaçãonosgastosrelativoscomhabitaçãoentreossegmentosderenda

inferiora6saláriosmínimosmensais.

A ampliação do orçamento comprometido com habitação deveu-se à

elevação dos preços dos aluguéis, especialmente na fase de alta inflação. No

períodorecentedeestabilidademonetária,emqueapopulaçãodemenorrenda

foi amais atingida pela elevação dos gastos comhabitação, as razões para isso

concentram-semaisnocrescimentodedespesascomserviçospúblicosvinculados

atelefone,saneamento,energiaelétrica,entreoutros.(Verfigura3.19.)

Com isso, a dispersão dos gastos entre as famílias aumentou

desfavoravelmente para aquelas de menor rendimento. No ano de 2009, por

exemplo, a diferença de gastos relativos com habitação entre as famílias com

rendimentomensaldeaté2saláriosmínimoseaquelascomrendimentoacima

de25saláriosmínimoserade1,6vez,enquantoem1996foide1,3vez.

94

Page 95: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Figura3.19–Brasil:distribuiçãodosgastoscomhabitaçãoporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias

Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009

Até2s.m. 13,5 18,6 31,2 37,8 67,7De2a3s.m. 12,3 17,1 31,1 39,0 81,9De3a6s.m. 11,1 16,9 28,4 52,3 68,0De6a10s.m. 10,5 16,7 25,9 59,0 55,1De10a15s.m. 9,8 16,8 24,0 71,4 42,9De15a25s.m. 8,4 16,1 21,7 91,7 34,8Maisde25s.m. 8,1 14,5 19,9 79,0 37,2Médiageral 10,3 16,6 25,1 61,2 51,2

Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)

No caso dos artigos de residência, também se comprova um aumento na

desigualdadeentreosextremosdadistribuiçãoderendanasfamílias.Entre1996

e2009,porexemplo,adispersãodosgastos relativoscomartigosde residência

aumentou de 1,8 para 2,1 vezes entre as famílias com remuneração de até 2

saláriosmínimos e as demais de 25 saláriosmínimos. Isso porque as despesas

comaquisiçãodeeletroeletrônicosreduziram-sedeformageneralizada,aindaque

emmenorescalaparaasdiferentesclassesderenda.Paraasfamíliascomrendade

até3saláriosmínimos,porexemplo,osgastosrelativoscomartigosderesidência

decrescerammenosqueosdasfamíliasdemaiorrenda.

Talvez, a incorporação dos bens eletroeletrônicos e a maior aquisição de

artigos de residência para as famílias de baixa renda possam explicar também

porque esse item havia aumentado entre os anos de 1987 e 1996.Na fase de

estabilidademonetária,caiuoseupesorelativonasdespesastotais,aindaqueem

menorritmo.(Verfigura3.20.)

Figura3.20–Brasil:distribuiçãodosgastoscomartigosderesidênciaporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias

Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009

Até2s.m. 6,3 7,1 6,0 12,7 -15,5De2a3s.m. 7,2 6,6 5,4 -8,3 -18,2De3a6s.m. 7,6 7,4 4,9 -2,6 -33,8De6a10s.m. 6,7 6,1 4,3 -9,0 -29,5De10a15s.m. 7,3 5,9 3,6 -19,2 -39,0De15a25s.m. 6,5 4,9 3,4 -24,6 -30,6Maisde25s.m. 6,4 4,0 2,9 -37,5 -27,5

95

Page 96: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Médiageral 6,9 6,1 4,1 -11,6 -32,8

Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)

Jánasdespesascomvestuário,houveumaumentosomenteparaasfamílias

comrendadeaté2saláriosmínimos(1,9%),aocontráriodoqueaconteceucom

osdemaisestratosderendimento,queregistraramreduçõesimportantes,comoa

apresentada pela faixa de 10 a 15 salários mínimos (26,3%). Em geral, o

aumentonarendafamiliarfoiacompanhadopelareduçãorelativadosgastoscom

vestuário,oquepodesercomprovadopelaevoluçãocomparativanointeriordo

custodevidadapopulação,sobretudoduranteafasedealtastaxasde inflação.

Comoessatendêncianãosemostrouperfeitanafasedeestabilidademonetária,o

graudedesigualdadecresceu.Em2009,adiferençaentreosgastosrelativosdas

famíliascomaté2saláriosmínimosera1,7vezmaiorqueadaquelascomrenda

demaisde25saláriosmínimos,aopassoqueem1996adiferençafoide1,4vez.

(Verfigura3.21.)

Figura3.21–Brasil:distribuiçãodosgastoscomvestuárioporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias

Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009

Até2s.m. 7,8 5,3 5,4 -32,1 1,9De2a3s.m. 9,6 5,5 5,2 -42,7 -5,5De3a6s.m. 10,3 5,8 5,3 -43,7 -8,6De6a10s.m. 11,2 5,7 5,0 -49,1 -12,3De10a15s.m. 11,4 5,7 4,2 -50,0 -26,3De15a25s.m. 9,7 4,6 4,0 -52,6 -13,0Maisde25s.m. 8,3 3,9 3,2 -53,0 -17,9Médiageral 10,0 5,3 4,5 -47,0 -15,1

Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)

Osgastosrelativosasaúdeecuidadospessoaisdecrescerammaisnasfamílias

deaté2saláriosmínimosderendamensal(27,8%)duranteafasedeestabilidade

monetária.Nasfamíliascommaisde25saláriosmínimosmensais,aquedanos

gastos com saúde e cuidados pessoais diminuiu 4,3% no mesmo período de

tempo, o que pode indicar a pressão dos preços de assistênciamédica,muitas

vezesassociadaàelevaçãodospreçosdosconvêniosmédicos.

Na fase de alta inflação, os gastos com saúde e cuidados pessoais tinham

aumentado surpreendentemente mais para as famílias de renda menor. Em

funçãodisso,nota-sequeaosecompararadesigualdadedegastosrelativoscomo

96

Page 97: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

item saúde entre os anos de 1996 e 2008 houve um decréscimo no grau de

desigualdade,poisestepassoude1,7vezpara1,3vez.(Verfigura3.22.)

Porfim,emrelaçãoàsdespesascomeducação,registra-sequeoperíodode

estabilidade monetária terminou por interromper o padrão esperado de

simultaneidadenaampliaçãoda rendaedosgastos relativos.Todavia, issonão

ocorreunoBrasil.Nafasedealtainflação,somenteasfamíliascomrendaacima

de 10 salários mínimos elevaram os gastos relativos a educação. Nos estratos

inferioresderendimentofamiliar,houveumaquedanasdespesascomeducação,

salvoaestagnaçãodasdespesasqueocorreunasfamíliasdeaté2saláriosmínimos

mensais.(Verfigura3.23.)

Figura3.22–Brasil:distribuiçãodosgastoscomsaúdeecuidadospessoaisporclassesderendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias

Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009

Até2s.m. 7,1 11,5 8,3 62,0 -27,8De2a3s.m. 8,0 9,2 8,7 15,0 -5,4De3a6s.m. 6,8 8,7 8,7 27,9 0,0De6a10s.m. 7,1 8,6 8,0 21,1 -7,0De10a15s.m. 7,2 8,4 7,5 16,7 -10,7De15a25s.m. 7,2 8,5 7,6 18,1 -10,6Maisde25s.m. 6,4 6,9 6,6 7,8 -4,3Médiageral 7,1 8,8 7,8 23,9 -11,4

Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)

Noperíododeestabilidademonetária,osgastoscomeducaçãocaírampara

todos os estratos de renda familiar, salvo para o segmento de 6 a 10 salários

mínimos. Esse diferencial se deve ao peso que os cursos privados tiveram nos

distintosestratosderenda.Emfunçãodisso,percebe-seograudedesigualdade

nasdespesasrelacionadasàeducaçãoentreasfamíliasdemaioredemenorrenda.

Em2009,porexemplo,asfamíliascomumarendamensalacimade25salários

mínimos comprometiam 3,2 vezes mais do orçamento com educação que as

famílias com renda de até 2 saláriosmínimos, ante um valor de 2,9 vezes em

1996.

Figura3.23–Brasil:distribuiçãodosgastoscomeducaçãoporclassesderendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias

Itens Despesasdasfamíliasem% Variação1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009

97

Page 98: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Até2s.m. 1,4 1,4 0,9 0,0 -35,7De2a3s.m. 1,7 1,5 1,2 -11,8 -20,0De3a6s.m. 7,9 2,0 1,6 -74,7 -20,0De6a10s.m. 2,3 2,2 2,4 -4,3 9,1De10a15s.m. 2,5 3,2 3,0 28,0 -6,2De15a25s.m. 3,1 4,4 4,0 41,9 -9,1Maisde25s.m. 3,0 4,1 2,9 36,7 -29,3Médiageral 2,3 2,7 2,5 17,4 -7,4

Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)

Consideraçõesfinais

UmaconjunçãodefatorescontribuiuparaquenaviradadoséculoXXhouvesse

umamudança significativa no padrão de consumo da população brasileira.O

ciclo de modernização no padrão de consumo contemplou a incorporação de

parcelassignificativasdapopulaçãosituadanabasedapirâmidesocial.

Por um lado, a reconfiguração da produção de bens duráveis, conformada

nasgrandescorporaçõestransnacionaispormeiodascadeiasglobaisdeprodução,

permitiudifundiroconsumodebaixocusto.Assim,oconceitodesociedadelow

cost ganhou notoriedade, especialmente com o deslocamento da produção

manufatureiraparaospaísesasiáticos,sobretudoaChina.

Por outro lado, as decisões tomadas internamente levaram a alterações

importantesno comportamentodospreços relativos.Dessa forma,mesmoque

não houvesse elevação no nível de renda da população empobrecida, haveria

induçãoaummaiorconsumodebens industrializados,comoosdoâmbitoda

alimentação, do vestuário e dos artigos de residência, sobretudo dos

eletroeletrônicos.

Ao mesmo tempo, a elevação do nível de renda de toda a população,

especialmente daquela situada na base da pirâmide social, permitiu ampliar o

consumo, incorporando bens e serviços até então reservados ao consumo das

famíliasdemaiorrendimento.Nessecaso,acontribuiçãopositivasobreonível

de rendimento das famílias dependeu da redução do número demembros das

famílias (oqueocasionoua elevação imediatada renda familiarper capita), do

aumentodapresençadamulhernomercadodetrabalho(contribuindoparaum

rendimento adicional no orçamento familiar), da diminuição do desemprego

comaelevaçãodoemprego,doaumentodopoderdecompradosaláriomínimo,

da ampliação dos programas de garantia de renda e da difusão do crédito ao

consumo.Tudoissoimplicouumamudançainegávelnacomposiçãodopadrão

de consumo das famílias brasileiras. De forma tardia, o país incorporou uma

98

Page 99: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

parcelaconsideráveldaclassetrabalhadoraqueaindasemantinhaàmargemdo

acessoaoconsumodosbensduráveis.

[1]Ver:L.Cohen,AConsumer’sRepublic:ThePoliticsofMassConsumptioninPostwarAmerica

(NovaYork,Vintage,2003);K.Matsuyama,TheRiseofManConsumptionSocieties,Journal

ofPoliticalEconomy,Chicago,TheUniversityofChicagoPress,v.110,n.5,2002,p.1035-70.

[2] Ver: D. Rothkopf, Superclass, cit.; R. Frank, Riquistão, cit.; M. Pinçon e M. Pinçon-

Charlot,Voyageengrandebourgeoisie:journald’enquête(Paris,PUF,2010).

[3]Ver:L.Napoleoni,Economiabandida(trad.PedroJorgensenJúnior,RiodeJaneiro,Difel,

2010); J.McCain eM.Salter,WhyCourageMatters:TheWay to aBraverLife (NovaYork,

RandomHouse,2004).

[4]Ver:M.Hopenhayn,Niapocalípticosniintegrados:aventurasdelamodernidadenAmérica

Latina(2.ed.,CidadedoMéxico,FCE,2006);M.GaggieE.Narduzzi,Elfindelaclasemedia

yelnacimientodelasociedaddebajocoste(trad.CuquiWeller,Madri,LenguadeTrapo,2007);

U.Beck eE.Beck-Gernsheim,La individualización: el individualismo institucionalizado y sus

consecuenciassocialesypolíticas(trad.BernardoMorenoCarrillo,Barcelona,Paidós,2003);M.

HardteA.Negri,Multidão,cit.

[5] Ver: N. Ferguson, Civilization: The West and the Rest (Londres, Penguin, 2011); Z.

Bauman,Vidaparaoconsumo:atransformaçãodaspessoasemmercadoria(trad.CarlosAlberto

Medeiros,Riode Janeiro,Zahar, 2008);P.Bourdieu,A economiadas trocas simbólicas (trad.

SergioMicelietal,2.ed.,SãoPaulo,Perspectiva,2009).

[6] Ver: R. Freeman, The Great Doubling: The Challenge of the New Global Labor Market

(Boston, FED, 2006); P.Nolan e J. Zhang,GlobalCompetitionAfter the FinancialCrisis,

NewLeftReview,Londres,v.64,jul.-ago.2010,p.97-108.

[7]Ver:G.Arrighi,O longo séculoXX:dinheiro, poder e as origens denosso tempo (trad.Vera

Ribeiro,RiodeJaneiro/SãoPaulo,Contraponto/EditoraUnesp,1996).

[8]Ver:R.Guttmann,Umaintroduçãoaocapitalismodirigidopelasfinanças,NovosEstudos,

São Paulo, Cebrap, n. 82, 2008, p. 11-33; R. Andrade e A. Mendonça (orgs.), Regulação

bancáriaedinâmicafinanceira:evoluçãoeperspectivasapartirdosAcordosdeBasileia(Campinas,

IE/EditoradaUnicamp,2006).

[9]Ver:E.Boehmer,R.Nashe J.Netter,BankPrivatization inDevelopingandDeveloped

Countries:Cross-SectionalEvidenceontheImpactofEconomicandPoliticalFactors,Journal

ofBankingandFinance,Roma,v.29,2005,p.1981-2013;G.Clarkeetal,StructuralReformin

LatinAmericanBankingSince1990(Stanford,LASU,2004).

[10]Ver: E.Mouhoud,Mondialisation et délocalisation des entreprises (Paris, LaDécouverte,

2008); G. Stumpo (org.), Empresas transnacionales: procesos de reestructuración industrial y

políticaseconómicasenAméricaLatina(BuenosAires,Alianza,1998).

99

Page 100: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

[11]Ver:M.Pochmann,DesenvolvimentoenovasperspectivasparaoBrasil,cit;T.Sturgeone

O.Memedovic,MappingGlobalValueChain:IntermediateGoodsTradeandStructuralChange

intheWorldEconomy(Viena,Unido,2011,SérieWorkingPapers),v.5.

[12] Ver: F. Earp e L. Paulani,Mudanças no consumo de bens culturais no Brasil após a

estabilizaçãodamoeda(RiodeJaneiro,IE/EditoraUFRJ,2011,SérieTextosparaDiscussão),

n.1.

100

Page 101: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

4.TRAJETÓRIASDISTRIBUTIVASNOBRASIL

Após a convergência das análises a respeito do movimento geral de

transformação do capitalismo e de suas implicações para a estrutura de classe,

especialmente no caso da classe média, buscou-se considerar o que estaria

ocorrendo na sociedade brasileira neste início do século XXI. Asmodificações

conformadasnabasedapirâmidesocialdopaísrevelaramoimpactoprincipaldo

projetosocial-desenvolvimentistadeestímulosvariadosàinclusãopelaampliação

do emprego eda renda, cujo resultadomais evidentepode ser constatadopela

ampliaçãodoconsumopopular.

Segundo observado na experiência histórica das economias de capitalismo

avançado no segundo pós-guerra, a elevação do emprego e da renda dos

trabalhadoresconverteu-sediretaeindiretamentenaconformaçãodocapitalismo

deconsumodemassa.Adifusãodoacessoaoconsumodebensdemaiorvalor

unitáriocomoautomóvelemoradianãoseapresentousuficienteparaevidenciar

uma mudança de classe social nos países ricos, mas significou apenas o

atendimento de uma das principais demandas pertencente à agenda dos

trabalhadores.

Ademais, procurou-se também ressaltar a importância verificada para a

difusãodo consumodebensmanufaturados, inclusivedaquelesdemaior valor

unitário,da alteraçãonospreços relativosnoBrasil.Assim, amodernizaçãono

padrão de consumo dos brasileiros no período recente foi acompanhada pela

queda dos preços relativos de bens manufaturados, em parte constitutiva do

rearranjogeradopelocapitalismoglobal,queestácadavezmaisorganizadoem

torno de cadeias produtivas globais estabelecidas por grandes corporações

transnacionais.

A crescente localização da manufatura na Ásia, especialmente na China,

resultou em custos menores de produção dos bens industriais para o mundo.

Dessa forma, o acesso ao consumo de bens industriais por parte de novos

segmentos sociais, fundamentalmente aqueles demenor rendimento, tornou-se

uma das marcas recentes da transformação do capitalismo monopolista

transnacional.

101

Page 102: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Para além disso, constata-se que, mais recentemente, o Brasil passou a

combinaroretornoaocrescimentoeconômicocomavoltadamobilidadesocial,

sobretudonabasedapirâmidesocial.Porcontadisso,opresentecapítulovolta-

separaaanálisedosefeitosdamobilidadesocialpromovidospelosmovimentos

deocupaçãoederendimentos,conformeapresentadoaseguir.

4.1.Sentidogeraldamobilidadesocial

Aprimeiradécadado séculoXXI foi acompanhadapelodeslocamentodeuma

parcelaimportantedacurvadedistribuiçãodorendimentonoBrasil.Pelasrazões

já adiantadas anteriormente, seja pelo perfil das ocupações geradas, seja pelo

enfoque das políticas de garantia de renda adotadas, a parcela constitutiva dos

40%maispobresdoconjuntodapopulaçãobrasileiraterminousendoreceptora

do maior impacto decorrente do movimento de ascensão social no período

recente.Issopareceinegável,sobretudoquandosecomparaaevoluçãodaslinhas

dedistribuiçãopessoaldorendimentodosocupadoscomrendaentreosanosde

2001 e de 2011. Nota-se que a principal mudança na curva da distribuição

ocorreujustamentenafaixaquecompreendeos6%aos38%dapopulaçãomais

pobredopaís.

Essa alteração significativa na base da pirâmide social brasileira decorreu

fundamentalmentedageraçãodepostosdetrabalhoconcentradosnafaixadeaté

1,5saláriomínimomensal.Emboraoníveldeocupaçãotenhaseexpandidoem

todosossetoresdaatividadeeconômica,destaca-seespecialmenteodeserviços.

Tendoemvistaqueovalordopisonacionalderemuneraçãofoiobjetode

forteelevaçãorealemseupoderaquisitivonoperíodorecente,osefeitospositivos

disso agiram não somente entre os ocupados, mas também entre os inativos

beneficiadospelaspolíticasdegarantiade renda. Issoporqueovalordosalário

mínimoservede indexador tambémparaopisodaprevidênciaedaassistência

social,doseguro-desemprego,entreoutros.(Verfigura4.1.)

Figura4.1–Brasil:distribuiçãoacumuladadorendimentopessoaldosocupadoscomrendaentre2001e2011(total=100%)*

102

Page 103: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

*Escaladelogaritmo

Em termos de distribuição do rendimento monetário auferido pela

população brasileira, registra-se que, em 2011, a faixa de remuneração situada

entre R$ 150 e R$ 600 mensais foi a que mais se distanciou da curva de

distribuiçãodoanode2001.Tambémsedestacaqueaampliaçãonaquantidade

enovalorrealdosbenefíciospagospelosprogramasdetransferênciaderendafoi

determinante para o deslocamento da curva de distribuição da população com

menorrendimentoentre2001e2011.

Emfunçãodisso,percebe-sequeosentidogeraldarecentemobilidadesocial

impactou todos os brasileiros, especialmente o segmento específico de menor

rendimento.Assim,odeslocamentodacurvadedistribuiçãodorendimento,que

ficou próximo do valor mediano no conjunto da população com renda entre

2001e2011,comprovouomovimentofocadonasocupaçõescomrendimento

entreR$150eR$600mensais,representandoamassadepessoaspertencentesà

faixade6%a38%maispobresdoconjuntodostrabalhadores.(Verfigura4.2.)

Figura4.2–Brasil:distribuiçãodosrendimentosdapopulaçãoentre2001e2011(reaisde2011)*

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

103

Page 104: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

*Escaladelogaritmo

4.2.Transformaçõesnaestruturaocupacional

Umavezidentificadoodeslocamentonacurvadedistribuiçãoderendaocorrido

fundamentalmente para a parcela mais pobre dos brasileiros, cabe analisar, de

início, o comportamento das ocupações. Após uma longa fase temporal de

congelamentonaestruturadasocupaçõesdopaís,observa-senadécadade2000

umaimportantealteração.

NasduasúltimasdécadasdoséculoXX,quase60%dosocupadosrecebiam

remunerações concentradas no primeiro quintil da distribuição de renda da

população, ou seja, no grupo dos 20%mais pobres dos brasileiros. Nos anos

2000,asituaçãosealterou,tendohavidoumareduçãoparapoucomaisde50%

dosocupadosconcentradosentreos20%maispobresdapopulação.Comisso,

registra-se uma queda de 12,5% no peso relativo dos ocupados no primeiro

quintildadistribuiçãoderendaem2011emrelaçãoàqueleobservadonoanode

2001.Nosdemaisquintisdadistribuiçãoderendadosocupados,foiregistrado

um crescimento da participação relativa nos anos 2000. A maior expansão

aconteceunoquartoquintildadistribuição,comaumentode30,2%,decorrente

dapassagemde5,3%dosocupadosnoanode2001para6,9%em2011.(Ver

figura4.3.)

Figura4.3–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoemanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Quando se analisa a evolução da distribuição dos ocupados por quintil de

rendimento, constata-se que o setor econômico secundário, constituído pela

104

Page 105: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

indústriaepelaconstruçãocivil,foioquemaissofreualteraçãonaestruturado

emprego de mão de obra no período recente. Após ter apresentado certa

estabilidadenaestruturadedistribuiçãodosrendimentosdosocupadosentreos

anosde1981e2001,houve,naprimeiradécadade2000,umaquedanopeso

relativo da repartição dos ocupados agrupados no primeiro quintil de renda.

Com isso, a quantidade dos ocupados entre os 20% mais pobres, que

representava52,3%doconjuntodos trabalhadoresbrasileiros em1981,decaiu

para45,2%em2011.Ouseja,houveumareduçãode13,6%em30anos.

Se considerados os dois primeiros quintis da distribuição (os 40% mais

pobres dos ocupados), percebe-se uma redução menor (6,5%) na comparação

entreosdoisanos.Em2011,porexemplo,71%dototaldosocupadossituavam-

se entre os 40% mais pobres dos brasileiros, enquanto em 2001 eles

representavam77,5%dototal.

Oquartoquintildadistribuiçãoderendadosocupadosfoioqueapresentou

amaior alta relativa no setor secundário da economia. Entre 2001 e 2011, a

parceladosocupadossituadanessemesmoquintilderendasubiude6,5%para

9,3%,oqueequivaleua43,1%deaumento.

Nasequência,oquintoquintilampliouem39,2%suaparticipaçãorelativa

no total dos ocupados.Mas esse quintil, que representa os 20%mais ricos da

população ocupada, respondeu, em 2011, por somente 3,2% do total dos

ocupadoscomrendimento,suamaiorparticipaçãorelativaverificadadesde1981.

(Verfigura4.4.)

Em relação à estruturadedistribuiçãodo rendimentono setor terciárioda

economiabrasileira,tambémseassistiuàreduçãodopesorelativodosocupados

pertencentes ao grupo dos 20% de menor rendimento simultaneamente à

elevação dos demais quintis de renda. Nos anos de 1981, 1992 e 2001, os

ocupadosagrupadosnoprimeiroquintilde renda representavamcercade60%

dototaldosetorterciário.Em2011,porém,opesodos20%maispobresentre

osocupadospassouaserde52,7%,oqueequivaleuaumaquedade12,3%em

relaçãoaoanode2001.No sentido inverso, registra-seumaampliação relativa

docontingentedeocupadosdosetorterciárionosdemaisquintisdadistribuição

derenda.

Figura4.4–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorsecundáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)

105

Page 106: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Nosegundoquintil,oaumentorelativonoperíodoentre2001e2011foide

15,7%, enquanto no terceiro quintil o aumento foi de 21,9%, no quarto de

24,1%enoquintode20%.Ouseja,amaiorampliaçãodeocupadosocorreuno

quartoquintildarepartiçãoderenda,passandode5,4%dototaldosocupados,

em2001,para6,7%,em2011,oquerepresentaomaiorpesorelativonosetor

terciárioverificadodesde1981.(Verfigura4.5.)

Além da evolução na composição dos ocupados segundo a distribuição de

rendapessoal,aseguirseconsideratambémadinâmicadoempregodemãode

obraemconformidadecomoníveldeescolaridade.Antecipa-se,contudo,queo

mesmo sentido do deslocamento da ocupação na distribuição pessoal dos

rendimentos também foi constatado em relação aos trabalhadores commenor

escolaridade.Éocaso,porexemplo,dosocupadoscomensinofundamental,que

registraram,entre1981e2001,umleveaumentode2,5%naconcentraçãodos

trabalhadores justamentedomenorquintilderendimento.Naprimeiradécada

do século XXI, entretanto, o peso relativo dos ocupados com formação até o

ensinofundamentalelocalizadosnoprimeiroquintilderendacaiu10,5%.

Figura4.5–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorterciáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)

106

Page 107: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Oquintildemaior rendaapresentoumovimentodistinto,comumaqueda

na participação relativa dos ocupados com menor escolaridade. Entre 1992 e

2001, os ocupados do grupo pertencente aos 20% de maior rendimento

reduziramoseupesorelativoem4,1%.Noperíodosubsequente,entre2001e

2011,aquedaocorreucommaiorvigor(4,3%).

Nosegundo,terceiroequartoquintisdarepartiçãodosrendimentospessoais

dosocupadoshouveaumentosemsuasparticipaçõesrelativasnaprimeiradécada

do séculoXXI.A elevaçãomaior ocorreu no terceiro quintil (13,7%), seguida

pelosegundo(12,7%)epeloquarto(8,2%)quintis.(Verfigura4.6.)

Em relação aos ocupados com nível de escolaridade equivalente ao ensino

médio,parecenão terhavidomudanças substantivas. Isso sedeu, inicialmente,

pelo fato de as ocupações do primeiro quintil terem semantido relativamente

estáveis em relação à distribuição dos postos de trabalho no interior da

distribuiçãopessoalderenda.

Figura4.6–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoeensinofundamentalemanosselecionados(total=100%)

107

Page 108: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Entre 2001 e 2011, o peso relativo dos ocupados com escolaridade

equivalente ao ensino médio entre os 20% mais pobres da população

permaneceu estável, diferentemente do que ocorreu com os demais quintis de

renda. Para o mesmo período de tempo, o segundo quintil aumentou a

participação relativa dos ocupados em 5%, enquanto decresceu a participação

relativa do terceiro (0,6%), do quarto (4,8%) e do quinto (14,9%) quintis de

rendadosocupadoscomnívelmédiodeescolaridade.(Verfigura4.7.)

Arelativaestabilidadenacomposiçãodoconjuntodosocupadossegundoa

distribuição de renda nos anos considerados para os trabalhadores de ensino

médio foi acompanhadaporoutromovimentodistributivonasocupações com

maior nível de escolaridade. Desse modo, houve maior concentração de

ocupadoscomníveldeensinosuperiornosdoisúltimosquintisderenda.Assim,

os40%maisricosdadistribuiçãoderendaaumentaramsuaparticipaçãorelativa

entreototaldosocupadosde9,7%em2001para10,6%em2011.Noentanto,

em1981,essesmesmosdoisquintisderendachegaramarepresentar13,1%do

totaldaocupaçãonoBrasil.

Figura4.7–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoeensinomédioemanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Entre 2001 e 2011, os 20% mais pobres da distribuição de renda

permaneceram estabilizados em 54,4% das ocupações. Além disso, o segundo

(2,6%) e o terceiro (1,5%) quintis da distribuição de renda decresceram suas

participações relativas entre os ocupados no mesmo período de tempo. (Ver

figura4.8.)

108

Page 109: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

A partir de uma breve análise da evolução da composição das ocupações

segundoarepartiçãoderenda,pode-seavançarparaumaabordagemdatrajetória

distributiva. Isso deve permitir uma melhor compreensão a respeito da

apropriação do rendimento do trabalho pelos brasileiros no período de tempo

selecionado.

Figura4.8–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoeensinosuperioremanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

4.3.Mudançasnadistribuiçãoderenda

Ocomportamentodarendatemsidoumdosimportanteselementosexplicativos

dos efeitos distributivos na estrutura da sociedade. Por conta disso, torna-se

fundamental considerar a evoluçãoda repartiçãoda renda ao longodo tempo,

poisdessaformaéquesepodecompreendermelhorcomoaestruturasocialde

umpaísserefletenastrajetóriasdistributivas.

Nessesentido, tomou-secomoreferênciaocomportamentodaestruturade

distribuição da renda nas últimas quatro décadas. A partir das informações da

PesquisaNacionalporAmostradeDomicílios(PNAD)doIBGEobtidasparaos

anos de 1981, 1992, 2001 e 2011, pode-se compreender a evolução das

estruturasderepartiçãoderendanasdécadasprecedentes,istoé,nasdécadasde

1970,1980,1990e2000.Aanálise comparativa entreosquatroanospermite

tratar de trajetórias distributivas ao longo do tempo. Foram consideradas na

análise de evolução da renda as partes constitutivas do rendimento familiar

(somatóriados rendimentosde todososmembros ativos e inativosda família),

do rendimento individual (ativo e inativo) e do rendimento dos ocupados

(ativos).

109

Page 110: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Assim,têm-secondiçõesparaavaliaremquemedidaaestruturaderepartição

darendaterminousendoafetadapelatrajetóriadistributivanoBrasil.Conforme

sepoderáconstataraseguir,opaísestabeleceuumanovatrajetóriadistributivaa

partirdaviradadoséculoXXI.

4.3.1.Rendafamiliar

Deacordocoma evoluçãona repartiçãodo rendimento familiardapopulação

brasileira com renda, destaca-se que o peso relativo dos 20% mais pobres

(primeiroquintildadistribuiçãoderenda)registrouumatrajetóriadequedanos

anos de 1981, 1992 e 2001. Entre 1981 e 2001, o peso relativo do primeiro

quintilderendacaiu6,1%.

Amesmatrajetóriadequedatambémfoiobservadaemrelaçãoaosegundo,

terceiro e quarto quintis da repartição da renda nacional. Numa comparação

entreoanode2001eode1981,osegundoquintilregistrouumadiminuiçãode

4,3%, o terceiro, de 6,0%, e o quarto, de 5,5%. O ano de 1992, contudo,

representouumadistinçãointeressante,poistodosostrêsquintisintermediários

(segundo, terceiro e quarto) registraram aumentos de participação relativa na

renda das famílias em relação a 1981. Na sequência, contudo, a queda se

mostroumuitomaispronunciada,quandocotejadacomoanode2001.

De todo modo, o único quintil de renda das famílias cujo peso relativo

cresceufoiosuperior.Assim,os20%maisricosdapopulaçãoaumentaramsuas

participações relativas,passandode58,4%,em1981,para60,6%,em2001,o

que significou uma elevação de 3,4% nomesmo período de tempo. Situação

equivalente foi verificada nos quintis intermediários, com o aumento de suas

participaçõesrelativasentre1981e1992eumadiminuiçãonoperíodode1992

e2001.Paraos20%maisricos,ocorreuumatrajetóriadequedanoiníciopara

na sequênciahaver significativa elevação.Em síntese, houveumdecréscimode

4,8%entre1981e1992eumaelevaçãode9%entre1992e2001.(Verfigura

4.9.)

Figura4.9–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadapopulaçãocomrendimentofamiliaremanosselecionados(total=100%)

110

Page 111: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Dada a trajetória da concentração de renda, verifica-se um aumento da

distânciaqueseparaosdoisextremosdadistribuiçãodorendimentofamiliar.No

anode2001,por exemplo,opeso relativodos20%das famíliasmais ricasna

rendanacionalera19,5vezesmaiorqueaparticipaçãodos20%dasfamíliasmais

pobres,enquantoem1981essadiferençafoide17,7vezes.Ouseja,nota-seum

crescimentode10,2%nograudedesigualdadeentreosextremosdadistribuição

derenda.

Nadécadade2000,adistribuiçãoderendasemodificou,comoregistrode

umamaiorparticipaçãoporpartede80%dapopulação.Entre2001e2011,por

exemplo, a parcela dos 20% das famílias mais pobres na renda nacional

aumentou 32,3%, enquanto o crescimento foi 24,2% no segundo quintil, de

16,5%noterceiroede6,4%noquarto.Apenasaparticipaçãorelativados20%

das famílias mais ricas diminuiu 9,2%. Assim, em 2011, o último quintil da

distribuiçãoderendaabsorvia55%darendanacional,enquantonoanode2001

suaparticipaçãoerade60,6%.

A mudança recente no sentido da trajetória distributiva indicou uma

desconcentração na repartição da renda das famílias. A diferença entre o peso

relativodos20%dasfamíliasmaisricasedos20%dasfamíliasmaispobresera

de 19,5 vezes em 2001, passando para 13,4 vezes no ano de 2011, o que

significouumaquedade31,3%.

Poroutro lado,observa-seque40%dapopulação commenor rendimento

noBrasilcapturou12,3%darendadetodasasfamíliasem2011,enquantoem

2001essamesmaparcelaabsorviasomente9,7%,ouseja,21,1%amenosdoque

em2011.Em1992,aparticipaçãodos40%dasfamíliasdemenorrendaerade

10,4%,istoé,umvalor15,4%abaixoemrelaçãoaodoanode2011.Nocaso

111

Page 112: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

dos 40% das famílias mais ricas houve pouco decréscimo.O peso relativo na

distribuiçãoderendapassoude79,3%,em2001,para74,9%,em2011.Noano

de1981,essevalorerade78,2%,eem1992,de77,3%.

4.3.2.Rendaindividual

Para além domovimento distributivo da renda das famílias, interessa também

analisar a evolução da distribuição do rendimento individual. Consideram-se,

para isso, todos os indivíduos com 14 anos oumais com rendimento, seja na

condiçãodeativosocupados,sejanadeinativosreceptoresdealgumaformade

renda(aposentadoria,pensão,programadetransferênciaderenda,entreoutros).

Nota-se que no período de 1981 a 2011 não se percebe omesmo sentido da

trajetóriadistributivaverificadaanteriormentenoconjuntodasrendasfamiliares.

Emvezdedoismovimentosnítidosnoprocessodistributivo entre a rendadas

famíliasantesedepoisde2001,constata-sequenocasodarendadosindivíduos

atrajetóriadeinversãodistributivainicia-seantecipadamente.

No primeiro quintil de renda dos indivíduos, por exemplo, após um

estancamentodesuaparticipaçãorelativaentreosanosde1981e1992,houve

uma importante elevação de 27,6% registrada em 2001. Além disso, dez anos

depois, a participação dos 20% dos indivíduos mais pobres voltou a crescer

(21,6%).Poroutrolado,noextremodadistribuiçãoderenda,aparticipaçãodos

20%dosindivíduosmaisricosnãosofreualteraçãoentreosanosde1981,1992

e2001.Somenteem2011équeseregistrouumaquedade8,8%.

Emfunçãodisso,adesigualdademedidapeladiferençaentreasparticipações

doprimeiro(omaispobre)edoquinto(omaisrico)quintisdedistribuiçãode

rendapermaneceuestávelentreosanosde1981(21,5vezes)e1992(21,4vezes).

Noanode2001(16,9vezes),adesigualdadeentreosextremosdadistribuiçãode

rendaindividualdecresceu21%e,em2011(12,6vezes),decaiumais25,4%.

Nos quintis intermediários (segundo, terceiro e quarto), o sentido

distributivo também não foi homogêneo. No segundo quintil, por exemplo,

houveaumentonaparticipação(12,7%)darendaindividualdapopulaçãode14

anosoumaiscomrendimentoentre1981e1992,equeda(9,9%)entre1992e

2001.Na sequência, entre os anos de 2001 e 2011, houve novo aumento na

participaçãorelativa(34,4%)dosegundoquintil.Noterceiroquintil,aquedado

peso relativo da renda individual da população ocorreu somente em 1992

(5,7%),demodoquenosanosde2001e2011osaumentosnaparticipaçãoda

rendaforamde3%e14,7%,respectivamente.

Por fim,oquartoquintil registrouestabilidadeemsuaparticipaçãorelativa

nadistribuiçãoderendaindividualentre1981e1992.Noanode2001houve

112

Page 113: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

quedade3,9%eaumentode5,8%em2011.

Aosetomarcomoreferênciaaparticipaçãonadistribuiçãoderendados40%

dosindivíduosmaispobres,percebem-seoscrescimentosde9,2%em1992,de

10%em2001ede13,2%noanode2011.Nocasodos40%dos indivíduos

commaiorrendimento,omovimentofoi inverso;houvequedasde0,4%entre

1981(80,4%)e1992(80,1%),de0,5%em2001(79,7%)ede5,6%em2011

(75,2%).(Verfigura4.10.)

Figura4.10–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadapopulaçãocomrendimentoindividualemanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

4.3.3.Rendadosocupados

Uma vez analisada a evolução das estruturas de rendimento das famílias e dos

indivíduos nos últimos 30 anos, resta acompanhar o movimento ocorrido na

renda proveniente fundamentalmente do exercício do trabalho. Isso porque as

rendas das famílias e dos indivíduos contêm a presença importante dos

rendimentos originados pela intervenção das políticas públicas, como

aposentadoria, pensão, seguro-desemprego, programas variados de transferência

derenda,entreoutras.

No caso da renda dos ocupados, o valor total segue mais a dinâmica do

funcionamentodomercadodetrabalho,aindaquecontenhaapresençadaação

doEstado.Issoporqueocomportamentodorendimentodotrabalhoexpressaa

influência das políticas governamentais no emprego e na remuneração de

funcionários públicos, no valor do salário mínimo e nos benefícios do marco

regulatórioparaosempregadosedesempregados.

Nesse sentido, identifica-seummovimentodomercadode trabalhomenos

desfavorável para os 20% mais pobres dos ocupados na primeira década do

séculoXXI.Aomesmotempo,constata-setambémtantoumaquedarelativano

113

Page 114: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

peso dos 20% mais ricos dos ocupados quanto uma expansão dos quintis

intermediáriosdadistribuiçãoderenda.

O resultado desse movimento foi a redução significativa do grau de

desigualdadenoconjuntodarendadosocupadosem2011.Antesdisso,ouseja,

entre 1981 (3%) e 1992 (2,8%), por exemplo, o peso relativo dos 20% dos

ocupados demenor rendimento decaiu 6,7%, enquanto subiu 25% em 2001

(3,5%)e40%em2011(4,9%).

No caso do quinto quintil da distribuição, sua participação relativa

aumentouem1992(0,3%)eem2001(1%).Noanode2011,aquedanopeso

relativodarendados20%maisricosdiminuiu9,3%.

Emfunçãodisso, a trajetóriadadesigualdadenaparticipaçãodos20%dos

ocupados commenor rendimento em relação ao peso dos 20% dos ocupados

maisricosregistrouaumentode7,3%entre1981(20,5vezes)e1992(22vezes).

Nosanosseguintes,houvequedade19,1%em2001(17,8vezes)ede35,4%em

2011 (11,5 vezes). Nos mesmos anos, o segundo e o quarto quintis da

distribuição de renda dos ocupados apresentaram trajetória semelhante, isto é,

crescimentoentre1981e1992eentre2001e2011,bemcomodecréscimode

1992 a 2001. O terceiro quintil decaiu em 1992, estabilizou-se em 2001 e

somentecresceuem2011.

Nocasodos40%dosocupadosmaispobres (primeiro e segundoquintis),

registra-se estabilidadeemsuaparticipação relativana renda total entre1981e

1992(9,7%).Em2001(10,1%)eem2011(13,5%),houveelevaçõesde4,1%e

de 33,7%, respectivamente, no peso dos dois quintos dos ocupados demenor

rendimento. No entanto, percebe-se que no caso dos 40% dos ocupados de

maiorrendimentohouveaumentode0,9%emsuaparticipaçãorelativanarenda

verificada entre os anos de 1981 e 1992. Nos anos seguintes, contudo,

contabilizaram-se quedas de 0,5% entre 1992 e 2001 e de 6,4% entre 2001 e

2011.(Verfigura4.11.)

Paraatrajetóriadistributivadarendadosocupados,cabetambémconsiderar

os efeitos do emprego e da remuneração nos distintos setores de atividade

econômica. Pode-se observar, por exemplo, que o setor terciário da economia,

constituído pelos serviços públicos e privados e pelo comércio, trouxe amaior

contribuiçãoparaaelevaçãodaparticipaçãoderendadosocupadosnoperíodo

analisado,aocontráriodoqueocorreunosetorprimário(agropecuária,extração

mineralevegetal),quefoioquemenoscontribuiuparaaalteraçãodatrajetória

distributivadosocupados.

Figura4.11–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoemanosselecionados(total=100%)

114

Page 115: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Em relação às últimas quatro décadas, o peso do primeiro quintil na

distribuiçãoda rendadosocupadosdosetorprimário somenteaumentouentre

osanosde1992e2001(12,5%).Nosdemaisperíodosselecionadosdetempo,

houvequedasde25,6%entre1981e1992ede11,1%entre2001e2011.No

outroextremodadistribuiçãoderendadosocupadosnosetorprimário,houve

elevação de 4,8% apenas no período de 1981 e 1992, enquanto se registram

quedasde2,4%entre1992e2001ede5,2%entre2001e2011.Assim,ograu

de desigualdade na renda dos ocupados por quintis entre os extremos da

distribuiçãoaumentoude13,6vezes,em1981,para17,7vezes,em2011.

Os quintis intermediários aumentaram suas participações relativas na

comparaçãodoanode1981comode2011.Nesseperíodo,somenteoprimeiro

e o quinto quintis da distribuição de renda dos ocupados no setor primário

apresentaram os menores pesos relativos à distribuição da renda. (Ver figura

4.12.)

Figura4.12–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorprimáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)

115

Page 116: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Na ocupação do setor secundário da economia brasileira, composta

principalmente pelas indústrias de transformação e de construção civil, a

trajetória distributiva teve outro sentido. Desde 1981, houve um aumento na

participaçãorelativadoprimeiroquintildadistribuiçãoda rendadosocupados

comcrescimentosde5%em1992,de14,3%em2001ede37,5%em2011.Já

o segundo e o terceiro quintis da distribuição decresceram seus pesos relativos

somenteem1992paraaumentaremtantoem2001quantoem2011.Oquartoe

o quinto quintis de renda dos ocupados elevaram suas posições relativas em

1992,masdecresceramem2001.Noanode2011,oquartoquintilaumentou

sua participação relativa na renda dos ocupados em 8,5%, enquanto o quinto

quintildecresceuem12,1%oseupesorelativo.

Com isso, a desigualdade entre os extremos da distribuição de renda caiu

significativamente.Em2011,adiferençaentreaparticipaçãodoquintoquintil

derendaemrelaçãoaoprimeiroquintilfoide7,6vezes,enquantoem1981essa

diferençaerade14,5vezes.Issosignificou,portanto,umadiminuiçãode47,6%

nograudedesigualdadedarendadosocupadosnosetorsecundáriodeeconomia

brasileira.(Verfigura4.13.)

Figura4.13–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorsecundáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Em relação ao setor terciário da economia, a distribuição da renda dos

ocupadosapresentoumudançasaindamaisexpressivas.Deumlado,houveum

maiorecontínuocrescimentodaparticipaçãonarendados20%ocupadosmais

pobresdesde1981.Noanode1992,porexemplo,aparticipaçãorelativadessa

parcelacresceu3,8%,e,nosanosde2001e2011,osaumentosforamde25,9%

116

Page 117: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

e50%,respectivamente.Deoutro,comoopesorelativodoquintoquintilcaiu

em1992e2011,areduçãonadesigualdadeentreosextremosdadistribuiçãofoi

elevada.Noanode2011,porexemplo,ograudedesigualdadeentreoquintoeo

primeiro quintil na repartição da renda dos ocupados do setor terciário foi de

11,2 vezes ante a diferença de 23,7 vezes constatada em 1981, o que

correspondeuaumaquedade52,7%nomesmoperíododetempo.

Ossegundoequartoquintissubiramsuasparticipaçõesrelativasem1992e

2011,apresentandoquedaem2001.Emcompensação,opesorelativonarenda

do terceiroquintildecresceuem1992e2001,para somente em2011voltar a

aumentar sua posição relativa na renda dos ocupados do setor terciário. (Ver

figura4.14.)

Figura4.14–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintildosocupadoscomrendimentonosetorterciáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Alémdos setores da atividade econômica, considera-se tambéma trajetória

distributiva dos ocupados segundo o nível de escolaridade. Com isso, pode-se

observarmelhorocomportamentodarepartiçãodarendaentre1981e2011.

Nota-se, por exemplo, que entre os ocupados com ensino fundamental o

pesorelativonarendadoprimeiroquintildecresceuem1992(20%)eaumentou

em2001(11,1%)eem2011(37,5%).Nooutroextremo,odoquintoquintil,a

participaçãorelativaaumentouem1992(0,6%)eem2001(2,8%),decaindono

ano de 2011(3,7%). Como consequência, o grau de desigualdade entre a

participaçãorelativados20%maisricoscomensinofundamentaleados20%

maispobrestambémcomensinofundamentalcaiude13,1vezes,em1992,para

8,5vezes,em2011,oquesignificouumdecréscimode35,1%.

Noquetangeàdesigualdademedidaentreasparticipaçõesrelativasdos40%

dosocupadosdemaiorremuneraçãoedos40%demenorremuneração,também

seobservaidênticomovimentodequeda.Noanode2011,adiferençaentreas

117

Page 118: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

duasparticipaçõesfoide3,9vezes,e,em1992,de5,4vezes,oquerepresentou

umadiminuiçãode27,8%nadesigualdadederendaentreosquintis.(Verfigura

4.15.)

Figura4.15–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomensinofundamentalecomrendimentoemanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Com relação aos ocupados do ensino médio, nota-se que a trajetória

distributiva se diferenciou sobretudo no quinto quintil. Isso porque o peso

relativonarendatotaldos20%ocupadosdemaiorrendimentocresceuem1992

(0,6%) e em 2011 (3,8%), caindo, entretanto, em 2001 (3,9%).No caso do

primeiro quintil de distribuição do rendimento dos ocupados, constata-se um

movimentodistinto.Ouseja,houveaumentosrelativosnoanode2001(9,6%)e

de2011(21,1%)eumaquedaem1992(14,7%)entreos20%maispobresdos

ocupados.

Assim,ograudedesigualdadeentreaspontasdadistribuiçãoporquintilde

renda dos ocupados cresceu 25,6% somente na comparação entre os anos de

1981 e 1992. Na sequência, percebe-se uma queda na desigualdade na

comparaçãoentre1992e2001(12,3%)eentre2001e2011(14,2%).

No conjunto dos quintis intermediários (segundo, terceiro e quarto) da

distribuiçãoderendadosocupados,houvequedanaparticipaçãoemrelaçãoao

totaldorendimentoentre2001e2011.Amaiordiminuiçãoocorreunosegundo

quintil(9,5%),seguidopeloquartoquintil(5,7%)epeloterceiroquintil(4,1%)

dadistribuiçãodosocupadosdeensinomédionacomparaçãodomesmoperíodo

detempo.(Verfigura4.16.)

Figura4.16–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomensinomédioecomrendimentoemanosselecionados(total=100%)

118

Page 119: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

Por fim, analisa-se a distribuição da renda dos ocupados com ensino

superior.Oquintildos trabalhadoresdemenor rendimentodecresceu seupeso

relativoem1992(6,7%)eem2011(4,5%),comumaumentoem2001(4,8%).

O quintil de maior renda dos ocupados com ensino superior cresceu sua

participação relativa tantoem1992 (1,6%)quantoem2001 (8,8%),decaindo

em2011(1,8%).

O resultado da desigualdade medida entre os quintis extremos da

distribuição do rendimento entre os ocupados de ensino superior indicou

crescimentosem1992(8,8%),em2001(3,9%)eem2011(2,9%).Somenteo

terceiro(1,7%)equarto(5,1%)quintisdadistribuiçãoderendadosocupadosde

ensino superior aumentaram seus pesos relativos, enquanto o segundo quintil

permaneceuestávelentreosanosde2001e2011.(Verfigura4.17.)

Figura4.17–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomensinosuperiorecomrendimentoemanosselecionados(total=100%)

Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)

119

Page 120: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Consideraçõesfinais

Aanáliserelativaàevoluçãotemporaldaestruturaderepartiçãonarendarevela

alteraçõesimportantesnacomposiçãodasocupaçõesporquintisderendimentos,

bemcomonaapropriaçãodarendaporindivíduosefamíliasnoBrasil.Seentre

osanosselecionados,condizentescomoperíodode1981a2001,houverelativa

estabilidadenaestruturaregressivadadistribuiçãoderenda,omesmonãopode

serditoemrelaçãoàprimeiradécadadoséculoXXI.

Constatou-se nos anos 2000 uma leve desconcentração do conjunto das

ocupações situadas no primeiro quintil da distribuição do rendimento dos

trabalhadores. Da mesma forma, no que tange a esse primeiro quintil, não

obstanteareduçãodesuadimensãorelativa,cresceuopesodarendaabsorvida.

Assim, compreende-se que após longo período em que a composição das

ocupações não registrava significativas modificações, na década de 2000

começaram a ser registradas alterações substanciais na estrutura dos postos de

trabalhoconcentradosfundamentalmentenabasedapirâmidesocialdopaís.O

resultadodisso foi a ampliaçãoda rendaabsorvidapelo segmentopopulacional

representadopelos40%maispobresdosbrasileiros.

Essa ampliação no nível do rendimento dos trabalhadores de menor

rendimento permitiu ampliar o consumo, uma vez que esse segmento social

dificilmente teria condições de poupar, dada a demanda reprimida

historicamente. Com isso, a elevação no rendimento permitiu incluir, pelo

consumo, parcela importante da sociedade, derivadadosmovimentos positivos

dasocupaçõesedosrendimentosdostrabalhadoresdesaláriodebase.

120

Page 121: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

AGLIETTÀ,M.Regulaciónycrisisdelcapitalismo:laexperienciadelosEstadosUnidos.Trad.Juan

Bueno.CidadedoMéxico,SigloVeintiuno,1979.

AMORIM, H. Trabalho imaterial: Marx e o debate contemporâneo. São Paulo,

Annablume/Fapesp,2009.

ANDERSON,P.ArgumentsWithinEnglishMarxism.Londres,Verso,1980.

ANDRADE,R.;MENDONÇA,A.(orgs.).Regulaçãobancáriaedinâmicafinanceira:evoluçãoe

perspectivasapartirdosAcordosdeBasileia.Campinas,IE/EditoradaUnicamp,2006.

ANTUNES,D.Capitalismoedesigualdade.Campinas,IE/EditoradaUnicamp,2011.

ANTUNES, R.Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do

trabalho.SãoPaulo/Campinas,Cortez/EditoradaUnicamp,1995.

_______.Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo,

Boitempo,1999.

ARRIGHI,G.OlongoséculoXX:dinheiro,podereasorigensdenossotempo.Trad.VeraRibeiro.

RiodeJaneiro/SãoPaulo,Contraponto/EditoraUnesp,1996.

BAKUNIN,M.Marx, the Bismarck of Socialism (1870). In: KRIMERMAN, L.; PERRY, P.

(orgs.).Patterns of Anarchy: A Collection ofWritings on the Anarchist Tradition. Nova York,

AnchorBooks,1966.

BÁRCENA, A.; SERRA, N. (orgs.). Clases medias y desarrollo en América Latina.

Santiago/Barcelona,Cepal/Cidob,2010.

BARTELT, D. (org.). A “nova classe média” no Brasil como conceito e projeto político. Rio de

Janeiro,FundaçãoHeinrichBöll,2013.

BAUMAN,Z.A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas.Trad. JoséGradel.

RiodeJaneiro,Zahar,2008.

_______.Vidaparao consumo:a transformaçãodaspessoas emmercadoria.Trad.CarlosAlberto

Medeiros.RiodeJaneiro,Zahar,2008.

BECK,U.;BECK-GERNSHEIM,E.Laindividualización:el individualismoinstitucionalizadoy

susconsecuenciassocialesypolíticas.Trad.BernardoMorenoCarrillo.Barcelona,Paidós,2003.

121

Page 122: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

BEINSTEIN,J.Capitalismosenil.Trad.RytaVinagre.RiodeJaneiro,Record,2001.

BELL,D.Oadventodasociedadepós-industrial:umatentativadeprevisãosocial.Trad.Heloysade

LimaDantas.SãoPaulo,Cultrix,1977.

BERNSTEIN, E. Las premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Trad. Alfonso

Aricho.CidadedoMéxico,SigloVeintiuno,1982.

BEVERIDGE,W.Plenoempleoenuna sociedad libre.Trad.PilarLópezMáñez.Madri,MTSS,

1988.

BIDOU-ZACHARLASEN, C. À propos de la “service class”: les classes moyennes dans la

sociologiebritannique.RevueFrançaisedeSociologie.Paris,v.41,n.4,2000,p.777-96.

BINDÉ, J. (org.). Rumo às sociedades do conhecimento: relatório mundial da Unesco. Lisboa,

InstitutoPiaget,2008.

BOEHMER, E.; NASH, R.; NETTER, J. Bank Privatization in Developing and Developed

Countries:Cross-SectionalEvidenceontheImpactofEconomicandPoliticalFactors.Journal

ofBankingandFinance.Roma,v.29,2005,p.1981-2013.

BOMSEL,O.L’économieimmatérielle:industriesetmarchésd’expériences.Paris,Gallimard,2010.

BOURDIEU, P.Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste. Trad. Richard Nice.

Londres,Routledge,1984..

_______. A economia das trocas simbólicas. Trad. Sergio Miceli et al. 2. ed., São Paulo,

Perspectiva,2009.

BRAVERMAN,H.Trabalhoecapitalmonopolista:adegradaçãodo trabalhono séculoXX.Trad.

NathanaelC.Caixeiro.3.ed.,RiodeJaneiro,Zahar,1980.

BURNHAM,J.TheManagerialRevolution.Bloomington,IUP,1960.

CARNEIRO, R. Commodities, choques externos e crescimento: reflexões sobre a América Latina.

Santiago,NaçõesUnidas,2012.(SérieMacroeconomiadeldesarrollo,n.117).

CARTER, B.Capitalism, Class Conflict and the NewMiddle Class. Londres, Routledge/Kegan

Paul,1985.

CASTEL,R.Asmetamorfosesdaquestãosocial:umacrônicadosalário.Trad.IraciD.Poleti.2.ed.,

Petrópolis,Vozes,1998.

CASTELLS,M.Asociedadeemrede.SãoPaulo,PazeTerra,1999,v.2.

CASTRO,J.;RIBEIRO,J.Situaçãosocialbrasileira.Brasília,Ipea,2009.

CHAUI, M. Uma nova classe trabalhadora. In: SADER, E. (org.). 10 anos de governos pós-

neoliberaisnoBrasil:LulaeDilma.SãoPaulo/RiodeJaneiro,Boitempo/Flacso,2013.

122

Page 123: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

CHAUVEL,L.Ledestindesgénérations:structuresocialeetcohortesenFranceauXX

e

siècle.2.ed.,

Paris,PUF,2002.

_______.Lesclassesmoyennesàladerive.Paris,Seuil,2006.

CLARKE,G. et al.StructuralReform inLatinAmericanBanking Since 1990. Stanford, LASU,

2004.

CNI.OfuturodaindústrianoBrasilenomundo:osdesafiosdoséculoXXI.RiodeJaneiro,Campus,

1999.

COATES, D. Models of Capitalism: Growth and Stagnation in the Modern Era.

Cambridge/Oxford,Polity,2000.

COHEN,L.AConsumer’sRepublic:ThePoliticsofMassConsumptioninPostwarAmerica.Nova

York,Vintage,2003.

DAHRENDORF,R.Class andClass Conflict in Industrial Societies. Londres, Routledge/Kegan

Paul,1959.

DOERINGER, P.; PIORE,M. Internal LabourMarkets andManpower Analysis. 2. ed.,Nova

York,Sharpe,1985.

DUNLOP, J.Sistemasde relaciones industriales. Trad. AmadeoMonrabá. Barcelona, Península,

1978.

DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo,

MartinsFontes,2004.

EARP,F.;PAULANI,L.MudançasnoconsumodebensculturaisnoBrasilapósaestabilizaçãoda

moeda.RiodeJaneiro,IE/EditoraUFRJ,2011.(SérieTextosparaDiscussão,n.1).

ERIKSON,R;GOLDTHORPE, J.TheConstant Flux: A Study of ClassMobility in Industrial

Societies.Oxford,Clarendon,1993.

FAUSTO,R.Marx:lógicaepolítica:investigaçõesparaumareconstituiçãodosentidodadialética.2.

ed.,SãoPaulo,Brasiliense,tomo2,1987.

FERGUSON,N.Civilization:TheWestandtheRest.Londres,Penguin,2011.

FRANCO,R;HOPENHAYN,M;LEÓN,A.(orgs.).LasclasesmediasenAméricaLatina.Cidade

doMéxico,SigloVeintiuno,2010.

FRANK,R.Riquistão.Trad.AlessandraMussi.RiodeJaneiro,Manole,2008.

FREEMAN,R.The Great Doubling: The Challenge of the New Global LaborMarket. Boston,

FED,2006.

FREYSSINET,J.Letempsdetravailenmiettes.Paris,L’Atelier,1997.

123

Page 124: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

FRIEDEN,J.Capitalismoglobal:eltrasfondoeconómicodelahistoriadelsigloXX.Trad.Juanmari

Madariaga.Barcelona,MemoriaCrítica,2007.

FURTADO,C.Omitododesenvolvimento.SãoPaulo,CírculodoLivro,1979.

GAGGI,M.;NARDUZZI,E.Elfindelaclasemediayelnacimientodelasociedaddebajocoste.

Trad.CuquiWeller.Madri,LenguadeTrapo,2007.

GALBRAITH,J.Onovoestadoindustrial.Trad.LeônidasGontijodeCarvalho.SãoPaulo,Abril

Cultural,1982.

GIDDENS,A.BeyondLeftandRight:TheFutureofRadicalPolitics.Cambridge,Polity,1994.

_______.Aterceiravia:reflexõessobreoimpassepolíticoatualeofuturodasocial-democracia.Trad.

MariaLuizaX.deA.Borges.RiodeJaneiro,Record,1999.

_______.Capitalismoemodernateoriasocial:análisedasobrasdeMarx,DurkheimeMaxWeber.

Trad.MariadoCarmoCary.5.ed.,Lisboa,Presença,2000.

GIMENEZ,D.Ordem liberal e a questão socialnoBrasil: desenvolvimento econômico e os limites

paraenfrentaraquestãosocialnoBrasilcontemporâneo.SãoPaulo:IE/EditoradaUnicamp/LTr,

2008.

GODELIER,M.Antropologia.Trad.EvaldoSintonietal.SãoPaulo,Ática,1981.

GOLDTHORPE,J.SocialMobilityandClassStructure inModernBritain.Oxford,Clarendon,

1987.

_______etal.TheAffluentWorker:PoliticalAttitudesandBehaviour.Cambridge,CUP,1968.

GORDON,D.;EDWARDS,R.;REICH,M.SegmentedWork,DividedWorkers:TheHistorical

TransformationofLaborintheUnitedStates.Cambridge,CUP,1982.

GORZ,A.Adeusaoproletariado:paraalémdosocialismo.Trad.AngelaRamalhoVianna,Sérgio

GóesdePaula.2.ed.,RiodeJaneiro,ForenseUniversitária,1987.

_______.Oimaterial:conhecimento,valorecapital.Trad.CelsoAzzanJúnior.2.ed.,SãoPaulo,

Annablume,2009.

GOULDNER,A.Elfuturodelosintelectualesyelascensodelanuevaclase.Trad.NéstorMíguez.

Madri,Alianza,1979.

GUERRA,A.etal.Classemédia:desenvolvimentoecrise.SãoPaulo,Cortez,2006.

GUTTMANN, R.Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças.Novos Estudos. São

Paulo,Cebrap,n.82,2008,p.11-33.

HABIB,L.Laforcedel’immatériel:pourtransformerl’économie.Paris,PUF,2011.

HARDT,M.;NEGRI,A.Multidão:guerraedemocracianaeradoImpério.Trad.ClóvisMarques.

RiodeJaneiro,Record,2005.

124

Page 125: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

HOPENHAYN,M.Niapocalípticosniintegrados:aventurasdelamodernidadenAméricaLatina.

2.ed.,CidadedoMéxico,FCE,2006.

INFANTE,R. (org.).La calidad del empleo: la experiencia de los países latinoamericanos y de los

EstadosUnidos.Santiago,OIT,1999.

IPEA.Brasilemdesenvolvimento:estado,planejamentoepolíticaspúblicas.Brasília,Ipea,2009.

JABBOUR,E.China:infraestruturaecrescimentoeconômico.SãoPaulo,AnitaGaribaldi,2006.

JAMES,L.TheMiddleClass:AHistory.Londres,Little,Brown,2006.

JOBERT,B.(org.).Letournantnéo-libéralenEurope.Paris,L’Harmattan,1994.

KAISER,B.Pouruneanalysede la classemoyennedans lespaysduTiersMonde.RevueTiers

Monde.Paris,v.26,n.101,jan.-mar.1985,p.7-30.

KAUTSKY,K.Aditadurado proletariado. .Trad.EduardoSucupiraFilho.SãoPaulo,Ciências

Humanas,1979.

KAZIS, R.; MILLER, M. (orgs.). Low-Wage Workers in the New Economy: Strategies for

ProductivityandOpportunity.Washington,DC,UIP,2001.

KERR,C. et al. Industrialism and IndustrialMan: The Problems of Labor andManagement in

EconomicGrowth.Princeton,PUP,1975.

KHARAS,H.The EmergingMiddle Class inDeveloping Countries. Paris,OECD, 2010. (Série

WorkingPapers,n.285).

KUMAR,K.Dasociedadepós-industrialàpós-moderna:novasteoriassobreomundocontemporâneo.

Trad.CarlosAlbertoMedeiros.2.ed.,RiodeJaneiro,Zahar,1997.

LAVAU, G.; GRUNBERG, G.; MAYER, N. L’univers politique des classes moyennes. Paris,

PFNSP,1983.

LEÃO, R.; COSTA PINTO, E.; ACIOLY, L. (orgs.). A China na nova configuração global:

impactospolíticoseeconômicos.Brasília,Ipea,2011.

LENIN, V. A revolução proletária e o renegado de Kautsky. In: _______. Obras escolhidas.

Lisboa,Avante,1977.

LIPIETZ, A. La société en sablier: le partage du travail contre la déchirure sociale. Paris, La

Découverte,1996.

LOJKINE,J.Laclasseouvrièreenmutations.Paris,Messidor,1986.

_______.Larévolutioninformationnelle.Paris,PUF,1992.

_______.L’adieuàlaclassemoyenne.Paris,LaDispute,2005.

MADDISON,A.TheWorldEconomy:HistoricalStatistics.Paris,OECD,2003.

125

Page 126: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

MALLET,S.Lanouvelleclasseouvrière.Paris,Seuil,1963.

MARX,K.O capital: crítica da economia política. Trad. Reginaldo Sant’Anna. 22. ed., Rio de

Janeiro,CivilizaçãoBrasileira,2004.

_______.Grundrisse:manuscritoseconômicosde1857-1858:esboçosdacríticadaeconomiapolítica.

Trad.MarioDuayeretal.SãoPaulo,Boitempo,2011.

_______.O 18 de brumário de Luís Bonaparte. Trad. Nélio Schneider. São Paulo, Boitempo,

2011.

MASI,D.(org.).Asociedadepós-industrial.SãoPaulo,Senac,1999.

MATSUYAMA, K. The Rise of Man Consumption Societies. Journal of Political Economy.

Chicago,TheUniversityofChicagoPress,v.110,n.5,2002,p.1035-70.

MATTOSO,J.Adesordemdotrabalho.SãoPaulo,Scritta,1995.

MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise

contemporânea.Trad.CláudiaF.FalluhBalduinoFerreira.SãoPaulo,EditoraUnesp,2009.

MCCAIN,J.;SALTER,M.WhyCourageMatters:TheWaytoaBraverLife.NovaYork,Random

House,2004.

MEDEIROS,C.Desenvolvimentoeconômicoeascensãonacional.In:FIORI,J.;MEDEIROS,

C.;SERRANO,F.(orgs.).Omitodocolapsodopoderamericano.RiodeJaneiro,Record,2008.

MELLO,J.;NOVAIS,F.Capitalismotardioesociabilidademoderna.SãoPaulo,EditoraUnesp,

2009.

MELMAN, E. Depois do capitalismo: do gerencialismo à democracia no ambiente de trabalho:

históriaeperspectivas.SãoPaulo,Futura,2002.

MENDRAS,H.Laseconderévolutionfrançaise:1965-1984.Paris,Gallimard,1988.

MERLLIÉ,D.;PRÉVOT,J.Lamobilitésociale.Paris,LaDécouverte,1997.

MILLS,C.WhiteCollar:TheAmericanMiddleClasses.Oxford,OUP,2002.

MOUHOUD,E.Mondialisationetdélocalisationdesentreprises.Paris,LaDécouverte,2008.

NAPOLEONI,L.Economiabandida.Trad.PedroJorgensenJúnior.RiodeJaneiro,Difel,2010.

NEFFA, J.; TOLEDO, E.Trabajo y modelos productivos en América Latina: Argentina, Brasil,

Colombia,México,yVenezuelaluegodelascrisisdelmododedesarrolloneoliberal.BuenosAires,

Clacso,2010.

NICOLAUS,M.ElMarxdesconocido:proletariadoyclasemediaenMarx:coreografíahegelianay

dialécticacapitalista.Trad.FernandoSantosFontenla.Barcelona,Anagrama,1972.

126

Page 127: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

NISBET,R.TheDeclineandFallofSocialClass.PacificSociologicalReview.Berkeley,UCP,v.

2,n.1,1959,p.11-7.

NOLAN, P.; ZHANG, J. Global Competition After the Financial Crisis. New Left Review,

Londres,v.64,jul.-ago.2010,p.97-108.

OCDE.Perspectivesdudéveloppementmondial:lebasculementdelarichesse.Paris,OCDE,2010.

_______.Perspectiveséconomiquesdel’AmériqueLatine.Paris,OCDE,2010.

OFFE,C.NewSocialMovements:Challenging theBoundaries of Institutional Politics.Social

Research.NovaYork,TheNewSchool,v.52,n.4,1985,p.817-68.

_______.Capitalismodesorganizado:transformaçõescontemporâneasdotrabalhoedapolítica.Trad.

WandaCaldeiraBrant.SãoPaulo,Brasiliense,1989.

OLIVEIRA, F. O surgimento do antivalor: capital, força de trabalho e fundo público.Novos

Estudos.SãoPaulo,Cebrap,n.22,1988,p.8-28.

PEUGNY,C.Ledestinauberceau:inégalitésetreproductionsociale.Paris,Seuil,2013.

PINÇON,M.;PINÇON-CHARLOT,M.Voyageengrandebourgeoisie:journald’enquête.Paris,

PUF,2010.

POCHMANN,M.Políticas do trabalho e de garantia de rendano capitalismo emmudança: um

estudo sobre as experiências da França, da Inglaterra, da Itália e doBrasil desde o segundo pós-

guerraaosdiasdehoje.SãoPaulo,LTr,1995.

_______.Oempregonaglobalização:anovadivisãointernacionaldotrabalhoeoscaminhosqueo

Brasilescolheu.SãoPaulo,Boitempo,2001.

_______.DesenvolvimentoenovasperspectivasparaoBrasil.SãoPaulo,Cortez,2010.

_______.OtrabalhonoBrasilpós-neoliberal.Brasília,Liber,2011.

_______.Classesdotrabalhoemmutação.RiodeJaneiro,Revan,2012.

_______.Novaclassemédia?:otrabalhonabasedapirâmidesocialbrasileira.SãoPaulo,Boitempo,

2012.

_______. Subdesenvolvimento e trabalho. São Paulo, LTr, 2013. (Coleção Debates

Contemporâneos,v.10).

POULTANZAS,N.Lesclassessocialesdanslecapitalismeaujourd’hui.Paris,Seuil,1974.

PRZEWORSKI,A.CapitalismandSocialDemocracy.Cambridge,MIT,1985.

QUADROS,W.Brasil:estagnaçãoecrise.SãoPaulo,Gelre,2004.

_______.A evolução da estrutura social brasileira: notasmetodológicas.Campinas, IE/Editora da

Unicamp,2008.(SérieTextosparadiscussão,n.148).

127

Page 128: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

_______;GIMENEZ,D.;ANTUNES,D.OBrasileanovaclassemédiadosanos2000.Carta

SocialedoTrabalho.Campinas,Cesit/IE/EditoradaUnicamp,n.20,out.-dez.2012.

REICH,R.Supercapitalismo.RiodeJaneiro,Elsevier,2008.

ROTHKOPF,D.Superclass:TheGlobalPowerElite and theWorldTheyAreMaking.Londres,

Little,Brown,2008.

SARTI, F.; HIRATUKA, C. (orgs.). Perspectivas do investimento na indústria. Rio de Janeiro,

Synergia,2010.

SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Trad. Lygia Araújo

Watanabe.SãoPaulo,CompanhiadasLetras,1999.

SHAPIRO,R.A previsão do futuro: como as novas potências transformarão os próximos 10 anos.

Trad.MarioPina.RiodeJaneiro,BestBusiness,2010.

SIMMEL,G.Sociologieetépistémologie.Paris,PUF,1981.

STUMPO, G. (org.) Empresas transnacionales: procesos de reestructuración industrial y políticas

económicasenAméricaLatina.BuenosAires,Alianza,1998.

STURGEON,T.;MEMEDOVIC,O.MappingGlobalValueChain: IntermediateGoodsTrade

andStructuralChange in theWorldEconomy.Viena,Unido,2011.(SérieWorkingPapers,v.

5).

TEIXEIRA, A. (org.).Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa

época.RiodeJaneiro,Record,2002.

THOMPSON, E. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Trad. Denise

Bottmann, Renato Busatto Neto, Cláudia Rocha de Almeida. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

1987.

TOURAINE,A.Laconscienceouvrière.Paris,Seuil,1966.

_______.Lasociétépost-industrielle:naissanced’unesociété.Paris,Denoël/Gonthier,1969.

WEBER,M.Economiae sociedade: fundamentosdasociologiacompreensiva.Trad.RegisBarbosa,

KarenElsabeBarbosa.4.ed.,Brasília,UnB,2004.

WILENSKY, H. The Welfare State and Equality: Structural and Ideological Roots of Public

Expenditures.Berkeley,UCP,1975.

WRIGHT,E.Rethinking,OnceAgain,theConceptofClassStructure.In:WRIGHT,E.(org.).

TheDebateonClasses.Londres,Verso,1989.

ZWEIG,F.TheWorker in anAffluent Society: Family Life and Industry.Londres,Heinemann,

1969.

128

Page 129: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

129

Page 130: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Publicadoemmaiode2014,dezanosdepoisda

implementaçãodosprogramasgovernamentaisde

transferênciaderenda,determinantesnaconstituiçãodaatual

estruturasocialbrasileira,comooBolsaFamília,aelevação

realdosaláriomínimoeocréditoaoconsumo.

130

Page 131: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

E-BOOKS[a]DABOITEMPOEDITORIAL

Altíssimapobreza

GiorgioAgamben

Brasilemjogo

AndrewJennings,RaquelRolnik,AntonioLassanceetal.

Ocapital,LivroII

KarlMarx

Acidadeeacidade

ChinaMiéville

Acrisedoneoliberalismo

GérardDuménileDominiqueLévy

Ditadura:oquerestadatransição

MiltonPinheiro(org.)

EstadoepolíticaemMarx

EmirSader

Feminismoepolítica

FláviaBirolieLuisFelipeMiguel

Ohomemqueamavaoscachorros

LeonardoPadura

IntérpretesdoBrasil

LuizBernardoPericáseLincolnSecco(orgs.)

Ajauladeaço

MichaelLöwy

Omitodagrandeclassemédia

MarcioPochmann

Mulher,Estadoerevolução

WendyGoldman

Onovotempodomundo

PauloArantes

Onovotempodomundo

PauloArantes

131

Page 132: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

ParaentenderOcapitalIIeIII

DavidHarvey

Oódioàdemocracia

JacquesRancière

PilatoseJesus

GiorgioAgamben

Semmaquiagem

LudmilaCosthekAbílio

Tempo,trabalhoedominaçãosocial

MoishePostone

Temposdifíceis

CharlesDickens

Trabalhadores,uni-vos

MarcelloMusto(org.)

Violência

SlavojŽižek

[a]FormatoePub.

132

Page 134: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

Índice

SobreOmitodagrandeclassemédia 2Sobreoautor 3Créditos 6Sumário 8Prefácio-MarilenaChaui 11Apresentação 161.Classemédiaemquatrotempos 201.1.Nocapitalismodalivreconcorrência 211.2.Nocapitalismooligopolista 221.3.Nocapitalismopós-industrial 241.4.Nocapitalismomonopolistatransnacional 25

1.4.1.Padrõesdemobilidadeeclassemédia 261.4.2.Deslocamentodariquezaegeografiadocrescimento 301.4.3.Redivisãointernacionaldaclassemédia 331.4.4.Experiênciabrasileirarecente 35

Consideraçõesfinais 382.Classemédia:fatoseinterpretaçõesnoBrasil 442.1.Padrãodecrescimentoeconômicoeestruturasocialnocapitalismoavançadodosegundopós-guerra 46

2.2.Industrializaçãotardiaesubconsumodaclassetrabalhadorabrasileira 50

2.3.Ascensãodostrabalhadorespobreseprojetosocial-desenvolvimentista 57

Consideraçõesfinais 643.Cadeiasglobaisdeproduçãoeciclosdemodernizaçãonopadrãodeconsumobrasileiro 66

3.1.Cadeiasprodutivasglobaisemassificaçãodoconsumodebaixocusto 68

3.1.1.Novoparadigmadeprodução 693.1.2.Sociedadelowcost 73

3.2.CiclosdemodernizaçãodopadrãodeconsumonoBrasil 753.2.1.Alteraçãonaestruturadospreçosrelativos 77

134

Page 135: O mito da grande classe média: Capitalismo e estrutura social (Coleção Mundo do ... · 2017. 9. 9. · Sobre O mito da grande classe média Marilena Chaui Erguendo-se contra as

3.2.2.Efeitosdarendaeamassificaçãodoconsumopopular 813.2.3.Impactodatributaçãosobrearendadasfamílias 863.2.4.Alteraçãonacomposiçãodopadrãodeconsumopornívelderenda 90

Consideraçõesfinais 984.TrajetóriasdistributivasnoBrasil 1014.1.Sentidogeraldamobilidadesocial 1024.2.Transformaçõesnaestruturaocupacional 1044.3.Mudançasnadistribuiçãoderenda 109

4.3.1.Rendafamiliar 1104.3.2.Rendaindividual 1124.3.3.Rendadosocupados 113

Consideraçõesfinais 120Referênciasbibliográficas 121

135