O MODELO DE ADVOCACY COALITION E AS MUDANÇAS … · acrescenta poder explicativo se comparado às...

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1 O MODELO DE ADVOCACY COALITION E AS MUDANÇAS NAS POLÍTICAS SOCIAIS NA SUÉCIA Autoria: Juliana Chueri Barbosa Correa Resumo Este trabalho analisa o processo de mudança da política social sueca de educação primária, saúde, assistência ao idoso e serviço creche utilizando o modelo Advocacy Coalization de Sabatier. Esse instrumental mostra-se adequado, pois permite privilegiar o papel da mudança de idéias da coalizão formada pelo Partido Social Democrata na alteração dessas políticas. Ademais, possibilita a inclusão de fatores como crises econômicas, mudança na opinião pública, atuação dos sindicatos e o papel da comunidade acadêmica. Assim, argumenta-se que essa análise mais abrangente acerca da mudança da política pública acrescenta poder explicativo se comparado às abordagens institucionalistas sobre esse tema.

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O MODELO DE ADVOCACY COALITION E AS MUDANÇAS NAS POLÍTICAS SOCIAIS NA SUÉCIA

Autoria: Juliana Chueri Barbosa Correa

Resumo

Este trabalho analisa o processo de mudança da política social sueca de educação primária, saúde, assistência ao idoso e serviço creche utilizando o modelo Advocacy Coalization de Sabatier. Esse instrumental mostra-se adequado, pois permite privilegiar o papel da mudança de idéias da coalizão formada pelo Partido Social Democrata na alteração dessas políticas. Ademais, possibilita a inclusão de fatores como crises econômicas, mudança na opinião pública, atuação dos sindicatos e o papel da comunidade acadêmica. Assim, argumenta-se que essa análise mais abrangente acerca da mudança da política pública acrescenta poder explicativo se comparado às abordagens institucionalistas sobre esse tema.

 

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Introdução

Esse artigo tem o objetivo de analisar, com base no modelo de Advocacy Coalition proposto por Sabatier (1988) e Sabatier e Jenkins-Smith (1993), as reformas nas políticas sociais de educação primária, saúde, cuidado ao idoso e serviço de creche ocorridas a partir dos anos de 1980 na Suécia. Essas mudanças ocorreram no âmbito do que ficou conhecido como Reforma Gerencial ou New Public Management e tiveram como principal característica uma aproximação do Estado à lógica do mercado através de terceirizações, privatizações, bem como da introdução de elementos de competição e livre escolha para os cidadãos. Esse estudo torna-se particularmente interessante uma vez que esse país possui um Estado de Bem Estar Social nomeado por Gosta-Esping Andersen de Social Democrata (1985). Esse modelo é conhecido como um dos mais abrangentes e generosos do mundo, sendo caracterizado por uma ampla provisão pública, universal e gratuita de serviços e transferências monetárias.

O nome dado ao modelo decorre do enorme sucesso da coalizão liderada pelo partido Social Democrata, amplamente apoiada pelos sindicatos, em institucionalizar, em meados do século XX, um modelo de proteção social extenso e bastante redistributivo. Essas políticas públicas lograram em redistribuir ganhos da sociedade capitalista de maneira a reduzir a disparidade social e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores (Przeworski,1989). Como decorrência, esse modelo gozou de grande legitimidade social e garantiu um notável sucesso eleitoral desse partido.

No entanto, a partir da década de 1970, diversos fatores colocaram em cheque esse modelo. Sucessivas crises econômicas, que culminaram em uma grande crise no fim da década de 1980, somadas ao envelhecimento da população colocaram em questionamento a possibilidade de coexistência de políticas universais custosas com uma situação de desemprego, recessão e desequilíbrio nas contas públicas. Além disso, outros fatores externos como o emburguesamento da população e a redução dos laços entre sindicatos e o Partido Social Democrata levaram a uma queda nos resultados eleitorais desse partido (Anthonsen; Lindvall; Schmidt-Hansen, 2011). Portanto, essa reforma nas políticas sociais pode ser compreendida num contexto mundial mais amplo de crise do Welfare State, que gerou uma janela de oportunidade para partidos liberais modificarem o sistema de proteção social construído no pós Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, o Partido Moderado sueco em 1991 propôs um projeto de reforma nas políticas sociais denominado Choice Revolution. Porém, o fato intrigante é que o Partido Social Democrata, líder da coalizão oposta, não apenas apoiou essas reformas, mas também aprofundou sua implementação em seu mandato. Esse posicionamento é aparentemente contraditório uma vez que a preservação de um Estado de Bem Estar Social público e universal está entre os tradicionais valores desse partido.

É preciso ressaltar que a aprovação dessa proposta pelo Partido Social Democrata foi um fator central para a implementação dessas reformas nas políticas públicas, uma vez que a coalizão vitoriosa era minoritária no parlamento e o Partido Social Democrata possuía poder de veto. Portanto, a mudança de posicionamento desse Partido em relação ao conteúdo da proposta motivada, principalmente, por fatores externos ao sistema político foi uma condição necessária para a mudança.

Dessa forma, essa artigo irá analisar o processo de mudança da política social sueca de educação primária, saúde, assistência ao idoso e serviço de creche utilizando o arcabouço proposto por Paul A. Sabatier em seu modelo Advocacy Coalization. Esse instrumental mostra-se apropriado e bastante explicativo uma vez que explicitamente privilegia as idéias e crenças como motores da ação política. Sendo assim, ele possibilita um estudo que aborde o papel da mudança de idéias da coalizão formada pelo Partido Social Democrata na alteração da política social.

 

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Ao mesmo tempo, o modelo não ignora outros fatores e atores que influenciam na elaboração e mudança da política, como por exemplo, a influência de fatores externos como crises econômicas, mudança na opinião pública, atuação dos sindicatos e o papel da comunidade acadêmica. Dessa forma, ele permite uma explicação mais abrangente a cerca dos motores dessas mudanças, que ultrapassa as abordagens tradicionais sobre o tema que privilegiam o papel das instituições na mudança da política (Pierson, 2001). O modelo de Advocacy Coalization na interpretação da mudança

Essa sessão irá descrever brevemente o modelo de Advocacy Coalization proposto e revisto por Sabatier (Sabatier, 1988; Sabatier e Jenkins-Smithm, 1993, Weible e Sabatier, 2007), com ênfase no processo de mudanças de uma política pública (Sabatier e Jenkins-Smithm, 1993). Esse modelo tem como mérito relativo a capacidade da abarcar uma série de possíveis causalidades da mudanças que vão desde fatores internos a fatores externos ao sistema político. Além disso, ele dá especial peso para as idéias, crenças e valores na ação política o que se mostrará bastante explicativo no caso em questão.

Sabatier define de advocacy coalization ou coalizão de defesa como:

Pessoas de uma variedade de posições (representantes eleitos e funcionários públicos, lideres de grupos de interesse, pesquisadores, intelectuais e etc.) que (i) compartilham determinado sistema de crenças: valores, idéias, objetivos políticos, formas de perceber os problemas políticos, pressupostos causais e (ii) demonstram um grau não trivial das ações coordenadas ao longo do tempo”. a coalizão feita por atores públicos e privados, de diversas organizações e de todos os níveis de governo, que compartilham certo conjunto de crenças e valores e que almejam atingir esses objetivos, por meio de ações coordenadas ao longo do tempo ao longo do tempo. (1988; 139)

Dessa forma, essa coalizão visa modificar regras e políticas no âmbito do governo a

fim de atingir seus objetivos ao longo do tempo. O que mantém essa coalizão unida é justamente esse compartilhamento de crenças entre seus membros, o que empregará um certa direção e sentido comuns as mudanças. Assim, o sistema de crenças que engloba idéias, valores, prioridades e interpretação a cerca das causalidades da política tem um papel central nesse modelo de análise, pois orienta e legitima certas ações. O autor divide esse sistema de crença em três escalas. O deep core ou núcleo duro que corresponde a axiomas normativos referentes a valores fundamentais como direito a vida, liberdade, justiça distributiva, além de questões ligadas a identidade sócio cultural. Segundo Sabatier, esses valores são relativamente estáveis e difíceis de se alterar ao longo do tempo.

Deep core beliefs involve very general normative and ontological assumptions about human nature, the relative priority of fundamental values such as liberty and equality, the relative priority of welfare of different groups, the proper role of government vs. Market in general, and about Who should participate in governmental decision making. The traditional left/right scales operate at deep core level. (Weible; Sabatier, 2007; 194)

A segunda escala é o policy core ou núcleo político que se refere a aplicação dos valores do núcleo duro. Essa dimensão envolve todas as posições importantes da coalizão e os valores normativos no âmbito da política pública como identificação de grupos sociais

 

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prioritários, aspectos distributivos, relação entre mercado e sociedade, escolha entre diversos instrumentos de política pública, entre outros. Essas diferenças abrangem todo o subsistema político e guiam o comportamento estratégico das coalizões. Dessa forma, esses valores são relativamente estáveis ao longo do tempo e constituem o principal elo de união de aliados e separação de oponentes.

O terceiro nível corresponde aos secundary aspects ou aspectos instrumentais. Essa dimensão tem escopo relativamente menor e se refere a maior parte das decisões práticas a cerca das políticas públicas. As crenças nesse nível são de menor destaque e menor amplitude como alocação de recursos orçamentários, interpretação das normas. Decorre, portanto, que as mudanças nesses aspectos são relativamente mais fáceis e comuns.

Portanto, esse arcabouço oferece uma ferramenta inicial para a identificação das coalizões e para a interpretação de mudanças. Isso porque a alteração nas crenças e valores dentro das coalizões é um importante motor para a mudança na política pública. Além disso, ele permite identificar a amplitude dessas transformações: mudanças mais significativas são fruto de alterações no núcleo duro ou núcleo político. Por outro lado, mudanças nos aspectos instrumentais correspondem a uma alteração de menor porte.

Posto isso, é preciso entender as diversas origens da mudança. O modelo coloca o aprendizado como uma importante fonte de mudança, ele pode ser fruto de um processo de learning by doing, de novas descobertas científicas ou de informações técnicas. No entanto, esse processo geralmente ocorre nos aspectos instrumentais, portanto, em mudanças de menor alcance. Por outro lado, mudanças no núcleo político geralmente são motivadas por fatores externos ao sistema político (Weible; Sabatier, 2007).

A figura abaixo descreve o modelo de forma esquemática e mostra que há dois tipos de fatores exógenos capazes de motivar uma mudança. Há parâmetros externos relativamente estáveis no médio prazo como as regras institucionais e valores sociais fundamentais. Os eventos externos, por outro lado, correspondem a crises, alterações na opinião pública, nas condições sociais e políticas e coalizões governamentais. Esses fatores são relativamente mais dinâmicos no período de uma década ou mais e são responsáveis pela alteração na distribuição de recursos no sistema político o que cria janelas de oportunidades para uma determinada coalizão iniciar uma mudança.

 

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Figura 1. Diagrama Advocacy Coalition

Fonte: Weible; Sabatier, 2007

No entanto, mudanças nos fatores externo são condições necessárias, porém não

suficientes para a mudança da política pública. Tal fato indica que deve haver uma combinação de fatores para que a mudança ocorra. Na revisão do modelo feita por Sabatier e Weible (2007) há inclusão de duas variáveis que afetam a possibilidade de alteração da política: o nível de consenso necessário para uma mudança significativa na política pública e o grau de abertura do sistema político.

É possível notar que essas duas dimensões estão correlacionadas. A primeira está relacionada ao número de pontos de vetos em um determinado sistema político, uma vez que quanto maior o número de veto players mais difícil será alterar uma política pública. O grau de abertura do sistema, por outro lado, está ligado ao número de instâncias decisórias para a aprovação de uma mudanças. Essas instâncias podem ser níveis de governo ou conselhos que uma proposta de mudança deve necessariamente passar para ser implementada. Assim, quanto mais aberto é o sistema, ou seja, quanto mais instâncias decisórias, maior é a possiblidade de se formarem pontos de veto nessas instâncias. Portanto, essa situação exige uma maior necessidade de consenso para que ocorra uma mudança da política.

É possível perceber que essas duas variáveis buscam captar o impacto da dimensão institucional na mudança. O número de instâncias decisórias e a presença de pontos vetos estão ligados a uma série de fatores institucionais como unicameralismo ou bicameralismo, multipadarismo ou bipartidarismo, federalismo ou governo unitário entre outros. Assim, é possível afirmar que a análise institucional da possibilidade da mudança está presente de forma explícita no modelo revisado do Advocacy Coalition e se combina- com uma série de outros fatores que também impactam a mudança da política.

Posto isso, a sessão seguinte será dedicada a interpretação do caso sueco com base nesse instrumental. Assim, será analisada a mudança nas políticas sociais de saúde, educação básica, creche e assistência ao idoso como um produto de eventos externos ao sistema político que gerou uma alteração na distribuição de recursos e criou uma oportunidade para a coalizão formada pelo Partido Moderado iniciar uma mudança. Por outro lado, essa mudança só foi

 

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concretizada pela obtenção de consenso no sistema político, uma vez que o partido Social Democrata constituía uma ponto de veto no parlamento. Assim, argumenta-se que a mudança de posicionamento deste partido em relação ao tema foi central para a reforma nas políticas sociais.

As mudanças nas políticas sociais suecas e o papel da Social Democracia

O objetivo dessa sessão é descrever as mudanças nas políticas sociais de saúde, educação básica, serviço de creche e assistência ao idoso ocorridas na Suécia e analisar as diversas fontes dessas transformações. O estudo terá como base o modelo de Advocacy Coalization exposto anteriormente, uma vez que ele possibilita uma análise conjunta de fatores internos e externos ao sistema político como propulsores da mudança. Além disso, ele dá atenção especial à mudança de valores e idéias das coalizões como condições necessárias para a alteração significativa de uma política pública, principalmente, nesse caso onde o consenso é necessário para a mudança.

Antes de analisar as reformas nas políticas sociais nesse país será feita uma breve explicação a cerca dos antecedentes dessas políticas e do papel da coalizão formada pelo Partido Social Democrata em sua institucionalização. A Suécia possui um Estado de Bem Estar Social que na tipologia de Gosta Esping-Andersen é denominado de Social Democrata (1990). O nome escolhido deve-se à importância dos partidos Sociais Democratas, partidos ligado aos trabalhadores, que lograram em formar, em meados do século XX, uma coalizão vitoriosa com o Partido Rural e institucionalizar uma vasta gama de políticas sociais.

De maneira geral, essas políticas públicas tinham como objetivo central promover uma melhora na condição de vida do trabalhador, por meio da redução de sua dependência em relação ao mercado de trabalho (Esping-Andersen, 1990). Para tanto, o governo é responsável não só pela produção e distribuição de uma série de serviços universais como creche, educação, saúde, assistência ao idoso, bibliotecas, teatros e museus, mas também por transferências monetárias como pensão, aposentadoria, auxílio gravidez, auxílio saúde e seguro desemprego, também com caráter universal e altamente distributivo (Christensen, 1997).

A grande convergência em torno desse modelo pode ser evidenciada pelos bons resultado eleitorais do Partido Social Democrata, tradicionais guardiões do Welfare State. Entre 1944 e 1976 esse partido atingiu uma porcentagem de votos para o parlamento que variou entre 43,8% e 50,1% e elegeu seu primeiro ministro em todos esses anos. No entanto, nas últimas décadas esse partido vem perdendo sua hegemonia para a coalizão da direita liderada pelo Partido Moderado. Tal movimento pode ser observado no gráfico abaixo:

 

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Gráfico1. Porcentagem de votos para o Partido Social Democrata Sueco (1948-2002).

Fonte: Statistics Swedeni

Essa perda de espaço está relacionada a períodos de crise econômica e financeira que impactaram profundamente o país. Nesse momento, pôs-se em questão a capacidade desse partido gerenciar crises e questionou-se a possibilidade de coexistência de um Estado de Bem Estar Social extremamente custoso, que se traduzia em um alto nível de gasto público, com uma situação de desequilíbrio na balança de pagamentos, inflação e desemprego. (Chistiansen, 1998).

É nesse contexto de crise que a Suécia embarca em modificações neo-liberais em sua política econômica que acabam por afetar seu Welfare State. Esse processo, no campo das políticas sociais, culminou no que ficou conhecido como Choice Revolution. Esse plano, proposto pelo Partido Moderado durante seu governo em 1991, pode ser enquadrado em um movimento mais amplo conhecido como Reforma Gerencial ou New Public Management.

Essa proposta tinha como principal objetivo a redução da fronteira entre o setor público e o privado por meio de mecanismos como terceirizações, privatizações e outsourcing. Além disso, propunha-se a introdução de elementos de competição dentro do setor público e maior poder de escolha para o cidadão (Christiansen, 1998; Green-Pedersen, 2002). Observou-se, também, uma tendência a priorização da eficiência do gasto em detrimento a objetivos equitativos (Blomqvist, 2004).

O fato intrigante dessa análise é que apesar do Partido Social Democrata ter poder de veto no parlamento, uma vez que o governo do Partido Moderado era minoritário e precisava do seu apoio, ele não impediu essas mudanças. Pelo contrário, foi favorável a reforma e nas eleições seguintes, em 1994, esse Partido tornou-se governo e aprofundou as reformas iniciadas no governo anterior.

Assim, apesar do Partido Social Democrata constituir um ponto de veto no parlamento a obtenção de consenso foi possível, tal fato constituiu um aspecto central para a possibilidade da mudança. Com isso, houve uma grande institucionalização desses novos mecanismos e uma inflexão no sentido de uma maior aproximação do governo à lógica do mercado. A seguir serão apresentadas de forma sintética as mudanças ocorridas nas políticas sociais de saúde, educação primária, serviço de creche e assistência ao idoso.

 

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Saúde

A reforma da saúde iniciou-se na Suécia nos anos de 1990 e introduziu três pontos principais: utilização de taxas de uso para os cidadãos, maior possibilidade de escolha entre médicos públicos e privados e um maior espaço para a atuação de empresas privadas no setor (Chistiansen, 1998). As taxas de uso, que correspondem a um pagamento feito pelo usuário referente a um percentual do valor do serviço, chegaram a atingir, em média, 20% na década de 1990.

O aumento da participação do setor privado foi possível com a maior descentralização dos serviços. A responsabilidade da provisão foi transferida do governo central para os governos locais com a possibilidade de contratação de serviços de instituições não estatais. Em 2000, cerca de dez anos depois de o sistema ter sido implantado, 85% das localidades possuíam fornecedores privados de serviços de saúde e esse grupo atendia cerca de 25% dos pacientes (Blomqvist, 2004). Assistência ao Idoso

A Suécia tem uma extensa rede de proteção aos idosos com assistência médica domiciliar, habitação custeada pelo governo e asilos públicos. Todos esses serviços eram inteiramente públicos e gratuitos, financiados por meio de impostos. A partir de 1990 o país iniciou uma reforma que se caracterizou pela maior participação de empresas privadas na provisão desse serviço. Em 1999, 9% do serviço direcionado ao idoso era provido por empresas privadas, um avanço significativo comparado com a porcentagem de 3,5% em 1997 (Green-Pedersen, 2002).

Além disso, em 1999, 25% dos governos locais tinham contratado empresas privadas para provisão desses serviços e 40% deles tinham comprado vagas em instituições privadas para complementar sua oferta (Green-Pedersen, 2002). Outra mudança importante foi a introdução de um sistema de repartição dos custos entre consumidores e Estado, de maneira análoga ao que ocorreu nos serviços de saúde. Serviço de Creche

A provisão desse serviço é descentralizada na Suécia e uso de tarifas sempre ocorreu.

A possibilidade de provisão não pública desses serviços iniciou-se nos anos de 1980. Inicialmente apenas organizações sem fins lucrativos poderiam atuar no setor, mas, em 1992, essa possibilidade foi estendida para empresas privadas. Em 1999, 13% das crianças com mais de seis meses eram atendidas por empresas privadas. Além disso, a reforma possibilitou um aumento das taxas cobradas por esses serviços (Green-Pedersen, 2002).

Educação Primária

A reforma na educação iniciou-se em 1992, a principal mudança foi a possibilidade de livre escolha entre a escola pública e privada. Caso os pais escolhessem a opção privada o governo fornecia um voucher que cobria 85% do valor da mensalidade. Em 1993, foi concedido o direito a essas escolas de cobrarem livremente taxas dos usuários. No entanto, com a volta do governo Social Democrata ao poder, o desconto através do voucher foi estipulado em 75% e, mais tarde em 1996, após uma grande polêmica e mobilização popular, o voucher passou a corresponder ao valor total da criança na escola (Blomqvist, 2004).

 

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O Modelo de Advocacy Coalition na interpretação das mudanças

Conforme foi apresentado, as políticas sociais suecas sofreram mudanças significativas, como a maior participação de empresas não estatais no provimento dos serviços e cobrança de taxas de uso nos serviços que eram usualmente gratuitos. Como sugerido na reformulação do modelo (Weible; Sabatier, 2007) os eventos externos constituem condições necessárias mais não suficientes para a mudança. Há dois outros fatores relevantes para explicar a mudança: o grau de consenso necessário para a mudança e o grau de abertura do sistema político. O primeiro aspecto mostra-se central para a explicação da mudança no caso estudado uma vez que na Suécia a existência de governos minoritários é frequente. Assim, o consenso é necessário para qualquer alteração de política pública que tenha que passar pelo parlamento.

Portanto, essas modificações só foram possíveis pela obtenção de consenso entre o Partido Conservador e Partido Social Democrata. É fato que esse alinhamento só pôde ser obtido devido a uma reorientação de valores do partido Social Democrata a cerca da relação entre Estado e setor privado e seus papéis na sociedade. Isso porque o apoio a essas medidas mostrara uma inflexão do partido no que se refere a sua tradicional priorização da equidade em detrimento de parâmetros de eficiência e sua defesa ao monopólio do Estado na provisão de serviços relacionados ao Welfare State.

Assim, é possível apontar que uma alteração no sistema de crenças foi fundamental para a mudança da política, tal como sugerido pelo modelo de Advocacy Coalition. A partir do exposto é possível inferir que essa mudança de idéias e valores foi de caráter amplo e, portanto, envolveu mudanças de valores no núcleo político e não apenas em aspectos instrumentais de menor alcance. Isso porque ela envolveu valores normativos centrais no âmbito da política pública como aspectos distributivos da política e inclusão de atores privados em atividades tradicionais do Estado.

Sendo assim, cabe agora apontar algumas das possíveis causas dessa mudança. Como sugere Sabatier, as mudanças mais abrangentes geralmente se originam de alteração nos fatores externos. De fato, diversos foram os eventos externos ao sistema político que motivaram essas mudanças. Merecem destaque a crise econômica que assolou o país no ano de 1989, as alterações nas condições sócio-econômicas do país e a mudança na opinião pública. Os fatores externos propulsores da mudança

É possível afirmar que as sucessivas crises econômicas, que se iniciaram com os choque do petróleo em 1970 e culminaram em uma grande crise no final dos ano de 1989, constituem fatores externos relevantes para a mudança de valores do Partido Social Democrata, assim como, para a alteração dos recursos políticos das coalizões. Essa grande crise começou com um padrão comum: desregulação do mercado financeiro, que iniciou-se em meados da década de 1980, que foi seguida por uma grande expansão do crédito. Essa situação levou a uma bolha econômica evidenciada, principalmente, pela grande elevação nos preços dos imóveis.

O estopim para o início da crise foi o aumento dos juros nacionais motivados pela elevação dos juros alemães, resultado da reunificação do país. Esse movimento levou a sucessivos default nos contratos que acabaram por atingir todo o sistema financeiro. O resultado foi uma queda do PIB em 5,1% entre 1991 e 1993 e altas taxas de desemprego, que chegaram a atingir 10%. O Partido Social Democrata, que estava no poder, recusou-se a implementar políticas fiscais mais restritivas com a justificativa de que elas causariam efeitos sociais negativos (Englund, 1990).

 

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Essa atitude fez com que a opinião pública colocasse em questão a capacidade do Partido de gerenciar uma crise econômica e nas eleições seguintes, em 1991, a coalizão formada pelo Partido Moderado vence as eleições e propões no parlamento uma agenda econômica de cunho liberal. Neste momento crítico, o Partido Democrata, deslegitimado, revê sua posição em relação a essas medidas e apóia a nova agenda.

É também nesse contexto que as reformas nas políticas sociais são propostas pela oposição e apoiadas pelo Partido Social Democrata. O fato desse partido ter dado continuidade e aprofundamento a essas reformas durante o seu mandato, que iniciou em 1994, serviu como uma sinalização para o eleitorado de que ele não iria abandonar a política econômica restritiva iniciada pela oposição.

A literatura aponta, também, transformações em parâmetros sócio-econômicos que resultaram em alterações importantes nas intenções de votos. A sociedade sueca é tradicionalmente bastante homogênea, uma vez que não há distinções lingüísticas ou étnicas no país. Tal fato fez como que as intenções de voto estivessem compreendidas na tradicional divisão classista entre direita e esquerda. No entanto, a elevação do padrão de vida da população levou a um emburguesamento da sociedade e uma decorrente redução dos votos ligados a classes sociais (Arter, 2006). Isto ocasionou o emburgesamento dos eleitores da social democracia, que pode ser constatado no gráfico abaixo:

Gráfico 2. Porcentagem de votos totais da classe trabalhadora e média para o Partido Social Democrata sueco (1956-1998)

Fonte: Arter, 2006

Além disso, o envelhecimento da população tornou cada vez mais difícil sustentar

uma política de aposentadoria e assistência ao idoso generosas frente uma redução da arrecadação de impostos. Outro fator que explica a complexificação das intenções de votos é o surgimento de novas questões sociais relevantes como a entrada do país na União Européia, uso de energia nuclear, imigração e meio ambiente. Tais fatos levaram a uma emergência de novos partidos com plataformas eleitorais ligadas a assuntos mais difusos como, por exemplo, o meio ambiente e o combate à imigração. Esse movimento acarretou uma queda no desempenho eleitoral da Social Democracia.

 

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É importante mencionar, também, a redução da coesão entre trabalhadores e sindicatos, principais apoiadores desse partido. Uma importante causa desse fenômeno foi a dispersão das unidades fabris pelo pais, o que deteriorou a rede social formada por trabalhadores que antes habitavam um mesmo bairro. Essa redução da força dos laços sociais ligados a classe levou a um enfraquecimento dos sindicatos (Anthonsen;Lindvall, Schmidt-Hansen, 2011).

Além disso, é possível apontar a própria redução da coesão entre sindicatos e o Partido Social Democrata, principalmente, a partir da década de 1980. Desentendimentos originados pela política tributária do Partido levou a um arrefecimento dessa relação que mostra uma tendência de enfraquecimento (Anthonsen;Lindvall, Schmidt-Hansen, 2011). Conclusão

Esse artigo analisou, por meio do modelo de Advocacy Coalition, as mudanças nas políticas sociais de educação primária, saúde, serviço de creche e assistência ao idoso ocorridas na Suécia, no âmbito do que ficou conhecido como Reforma Gerencial ou New Public Management. A escolha desse modelo deve-se a sua contribuição para a análise da mudança na política pública uma vez que privilegia o papel das idéias e crenças como motores da mudança e, ao mesmo tempo, não ignora outros aspectos como o papel de eventos externos ao sistema político.

O estudo mostrou que as reformas nas políticas sociais iniciaram-se com um projeto chamado Choice Revolution, proposto pelo Partido Moderado durante seu mandato. Essa proposta teve como objetivo a aproximação do Estado com o setor privado por meio de terceirização, privatização e outsourcing. Além disso, houve introdução de mecanismos de competição, taxas de uso e maior possibilidade de escolha para cidadão. Argumenta-se que essa proposta surge de uma janela de oportunidades gerada, principalmente, pela crise econômica que assolou o país e alterou a distribuição de recursos no sistema político.

Observa-se que Partido Social Democrata, líder da coalizão oposta, apesar de ter poder de veto no parlamento aprovou essas mudanças. A análise sugere que o posicionamento aparentemente contraditório desse Partido também tem origem em eventos externos que promoveram uma mudança de valores do núcleo político da coalizão. Além da crise econômica, é possível apontar mudanças sócio-econômicas, como emburguesamento e envelhecimento da população e a redução de votos ligados a classes sociais. Tais transformações motivaram um reposicionamento ideológico do Partido a fim de lidar com o novo contexto político-econômico.

Assim, é possível afirmar que essas reformas nas políticas sociais foram impulsionadas por fatores externos ao sistema político, uma vez que eles geraram uma redistribuição de recursos no sistema político, colocando em cheque a hegemonia do Partido Social Democrata no país. Dessa forma, o Partido Moderado teve a possibilidade propor mudanças nas políticas públicas que refletissem seus valores. Por outro lado, esse cenário motivou uma mudança de valores dentro da Social Democracia a fim de se adaptar às novas questões sociais e recuperar a credibilidade perdida. Esse reposicionamento em relação à certos valores e prioridades permitiu a obtenção do consenso necessário no parlamento para uma mudança nas políticas sociais aqui analisadas. Assim, observa-se que esse arcabouço analítico permite visão ampla acerca dos propulsores da mudança das políticas sociais, o que é particularmente interessante em casos complexos em que as idéias e valores têm papéis centrais. Ressalta-se que uma análise com foco apenas no aspecto institucional não captaria todas as causalidades da mudança, além disso, teria dificuldades em explicar a alteração do posicionamento do Partido Social Democrata e a superação do ponto de veto no congresso sueco. Portanto, apenas uma análise

 

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que leva em conta o papel de fatores externos impulsionando mudanças profundas de idéias dentro da coalizão é capaz de explicar a mudança das políticas sociais suecas. Bibliografia Anthonsen, M; Lindovall, J; Schmidt-Hansen. “Social democrats, unions and corporatism: Denmark and Sweden compared”. Party Politics. V. 17, N.1, 2011. Arter, D. Democracy in Scandinavia. Consensual, majoritarian or mixed? Manchester University Press, Manchester, 2006. Blomqvist, P. “The Choice Revolution: Privatization of Swedish Welfare Services in the 1990s”. Social Policy & Administration. V. 38, 2004. Christensen, G. J. “The Scandinavian Welfare State: The Institutions of Growth, Governance and Reform”. Review Article. Scandinavian Political Studies. V. 20, N.4, 1997. Christiansen, M. P. “A Prescription Rejected: Market Solutions to Problems of Public Sector Governance”. Governance. V. 11, 1998. Englund, P. “The Swidsh Banking Crisis: Roots and Consequences”. Oxford Review of Economic Policy. V. 15, N. 3. 1999. Esping-Andersen, G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Cambridge: Polity Press. 1990. Ferlie, E. et al. The New Public Management in Action. Oxford University Press, 1996. Green- Pedersen, C. “New Public Management Reforms of the Danish and Swedish Welfare States. The Role of Different Social Democratic Responses”. Governance, V. 15, 2002. Klitgaard, B. M. “Do Welfare States Regimes Determine Public Sector Reforms? Choice Reforms in American, Swedish and German Schools”. Scandinavian Political Studies, V. 30, 2007. Pierson. P. “Coping with Permanent Austerity: Welfare State Restructuring in Affluent Democracies” . In: The New Politics of Welfare State. Oxford University Press, 2001. Pollitt, C. “Clarifying Convergence. Striking similarities and durable differences in public management reform”. Public Management Review. V.3, N.4, 2001. Pollitt, C; Bouckaert. G. Public Management Reform Comparative Analysis. Oxford University Press, 2004. Przeworski. A. Capitalismo e Social- Democracia. Companhia das Letras. São Paulo, 1989. Sabatier P. “An Advocacy Coalition Model of Political Change and the Role of Police Orientated for Learning”. Policy Sciences, 21, 1988.

 

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________.”Toward Better Theories of the Policy Process”. Political Science and Politics, V. 24, N. 2, 1991. Sabatier, P; Jenkins-Smith, H. (Eds.). Policy Change and Learning: An Advocacy Coalition Approach. Westview Press, 1993. ________. “Evaluating the Advocacy Coalition Framework”. Journal of Public Policy, V. 14, N. 2, 1994. Weible, C. M; Sabatier, P. “The Advocacy Coalition Framework: Innovations and Clarifications”. In. Paul, S. (ed.). Theories of the Policy Process. Westview Press, 2007. Weible, C. M; Sabatier, P. A; McQueen, K. “Themes and Variation: Taking Stock of the Advocacy Coalition Framework”. Policy Studies Journal, 37, 2009.

                                                        i In http://www.scb.se, consultado em 03/10/2011, às 14:00