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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 19, pp. 53 - 79, 2006 O MUNDO MODERNO E O ESPAÇO: APRECIAÇÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE HENRI LEFEBVRE. Anselmo Alfredo* *Professor do Instituto de Geociências do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais. Email: [email protected] ou [email protected] RESUMO: Trata-se de estabelecer uma análise possível da necessária relação entre o mundo moderno e as determinações espaciais para a efetivação do mesmo. Destaca-se o fato de que, na modernidade, expressa pela ampliação, em seus mais distintos sentidos, do mundo da mercadoria, os processos relativos à reprodução social serem postos e repostos pelas determinações da simultaneidade , efetividade do espaço, em detrimento das relações de sucessão, efetividade do tempo. Desta maneira, o trabalho aqui exposto destaca o papel das mediações e abstrações sociais concretizadas como espaço, tornando este uma problemática tanto social quanto analítica. A análise sobre a mesma, elevada ao plano conceitual analítico, está exposta ao longo do pensamento de Henri Lefebvre, sendo A produção do espaço um momento privilegiado desta sua reflexão. Procura-se, então, destacar a compreensão de Henri Lefebvre sobre a modernidade, levando-se em consideração sua imprescindível contribuição a respeito da categoria de espaço. PALAVRAS-CHAVE: Modernidade, abstrações concretas, mediações, simultaneidade, espaço e Henri Lefebvre. ABSTRACT: This work deals with a possible analysis about the necessary relation between the modern world and the spatial determinations to effective this very world. It is enlighten that, in modernity, expressed by the enlargement of the merchandise world in so many ways, the process related to the social re-production are placed and replaced by simultaneity determinations, space effectiveness, better than succession determinations, time effectiveness. In this way, the work enlightens the role of the social mediations and abstractions that became concrete as space. So that, space realises itself such as social as well as analytical problematic. The analysis of this problematic touches both the analytical and the conceptual level what is explained along of Henri Lefebvre´s thought. The Production of the Space is a privileged moment of his reflection. It is aimed to comment the Henri Lefebvre´s apprehension about modernity, so, considering your indispensable contribution concerning space category. KEY WORDS: Modernity, concrete abstractions, mediations, simultaneity, space and Henri Lefebvre

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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 19, pp. 53 - 79, 2006

O MUNDO MODERNO E O ESPAÇO:APRECIAÇÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE HENRI LEFEBVRE.

Anselmo Alfredo*

*Professor do Instituto de Geociências do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais. Email: [email protected] [email protected]

RESUMO:Trata-se de estabelecer uma análise possível da necessária relação entre o mundo modernoe as determinações espaciais para a efetivação do mesmo. Destaca-se o fato de que, namodernidade, expressa pela ampliação, em seus mais distintos sentidos, do mundo damercadoria, os processos relativos à reprodução social serem postos e repostos pelasdeterminações da simultaneidade , efetividade do espaço, em detrimento das relações desucessão, efetividade do tempo. Desta maneira, o trabalho aqui exposto destaca o papeldas mediações e abstrações sociais concretizadas como espaço, tornando este umaproblemática tanto social quanto analítica. A análise sobre a mesma, elevada ao planoconceitual analítico, está exposta ao longo do pensamento de Henri Lefebvre, sendo Aprodução do espaço um momento privilegiado desta sua reflexão. Procura-se, então, destacara compreensão de Henri Lefebvre sobre a modernidade, levando-se em consideração suaimprescindível contribuição a respeito da categoria de espaço.PALAVRAS-CHAVE:Modernidade, abstrações concretas, mediações, simultaneidade, espaço e Henri Lefebvre.ABSTRACT:This work deals with a possible analysis about the necessary relation between the modernworld and the spatial determinations to effective this very world. It is enlighten that, inmodernity, expressed by the enlargement of the merchandise world in so many ways, theprocess related to the social re-production are placed and replaced by simultaneitydeterminat ions, space ef fect iveness, better than success ion determinat ions, t imeeffectiveness. In this way, the work enlightens the role of the social mediations andabstractions that became concrete as space. So that, space realises itself such as social aswell as analytical problematic. The analysis of this problematic touches both the analyticaland the conceptual level what is explained along of Henri Lefebvre´s thought. The Productionof the Space is a privileged moment of his reflection. It is aimed to comment the HenriLefebvre´s apprehension about modernity, so, considering your indispensable contributionconcerning space category.KEY WORDS:Modernity, concrete abstractions, mediations, simultaneity, space and Henri Lefebvre

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Pontuar o início do que se denominamundo moderno certamente nos traz uma tarefade difícil realização. A divergência sobre talgênese é passível de apreciação na pluralidadede momentos históricos mencionados comoponto de partida disto que se constitui comoprocesso1 .

O próprio (logos), a razão grega, paracitarmos um quadro o mais exponencial destasdistinções, já foi considerado comohistoricamente possível na medida em querelações modernas permitiam pensar o mundode forma abstrata. Deste ponto de vista, formasde sociabilidade modernas se expressam nadesmitologização do mundo grego como razãofilosófica. Alfred Sohon Rethel (s/d), apontou talpossibilidade - da razão abstrata comoexpressão da gênese da modernização - comoresultante de relações que se davam nummundo já monetarizado, ainda que circunscrito,constituindo, o dinheiro, não só uma abstração,mas também uma necessidade de seestabelecer o pensamento abstrato comointegrado à reprodução desta sociabilidade.“Explicamos que os conceitos filosóficos purosganharam forma historicamente no caminho pelodinheiro, e vemos nesta opinião a alternativahistórico-materialista à tradição histórica-espiritualística do idealismo, que quer explicar agênese dos conceitos pelo caminho dopensamento” (SOHON-RETHEL, s/d, p.44). Desteponto de vista, a relação entre as comunidadese a natureza não mais se estabelecia de formadireta, mas pela troca e pelo dinheiro. Opensamento abstrato se faz presente comorazão filosófica. O metal monetário aponta-se,neste contexto, como condição e resultadogenético de uma sociabilidade abstrata e, soba perspectiva do autor, moderna.

O fato é que, mesmo de forma nuncaevolutiva ou linear, mas com interrupções,recuos, saltos, violências explícitas ouincorporadas como naturalidade - expressão decontradições internas e externas às realidadespostas - a realização de uma sociabilidadeestabelecida por parâmetros e medidasabstratas, constituindo a própria abstração como

elemento e medida do processo, comoidentidade contraditória daquilo mesmo que sefaz como moderno, estabelece-se, temporal econtraditoriamente, através da incorporação deuma materialidade renovada e redobrada sobresi como acumulação - não se trata aqui daacumulação capitalista, ao que pese a suaimportância no decorrer desta exposição -.Acumulação de temporalidades, de relações, deobjetos, de experiências que, mantidas ou nãoneste aqui e agora como conhecimento dasmesmas, integram, como síntese, a dinâmicadeste isto é como isto sendo. Assim, pode-sedelinear, do ponto de vista da análise,momentos deste redobrar sobre si do quetemos, por ora, considerado como acumulação.

Um outro momento definido comogênese do mundo moderno se refere às grandesnavegações, que passam a ser consideradas,sob diferentes enfoques, senão uma dasgêneses do mundo moderno, ao menos um dosmomentos deste redobrar sobre si de umprocesso modernizante, a partir das quais, ogestar de uma nova realidade passa a seapresentar como dinâmica presente em seudevir, síntese contraditória expressa na suaversão temporal.

Temporalidades - as grandesnavegações - que nos toca sob particularinteresse na medida em que estabelecem agênese do processo civilizatório americano,integrado ao plano da modernização efetivadaem sua extensão mundial. O debate sobre apresença do feudalismo ou da gênese americanacomo, desde o princípio, moderna2 , revela aimportância e presença do moderno comoparâmetro de compreensão dos fenômenospresentes e, ainda mais, como ponto de apoio,ainda que movente, certamente, para a análisedo mundo presente como processo redobradosobre si mesmo. O moderno como gênese daformação americana, a partir do século XVI, estáfundamentado na tese de que a AméricaPortuguesa relacionava-se, à sua maneira, coma reprodução do mundo da mercadoria,efetivado pelas grandes navegações. O sentidoda colonização 3 , exposto por Caio Prado Jr., não

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deixa de revelar esta abstração determinanteda formação americana.

Se, neste brevíssimo percurso,apontamos a abstração como elementoidentitário do moderno, em suas diferentesversões, expressas em diferentes quadrostemporais, é, sem sombra de dúvidas, aRevolução Industrial o momento a partir do quala modernização e o moderno se tornamrealidades empiricamente incontestáveis. Sejasob o enfoque reduzido referente aodesenvolvimento tecnológico, seja sob aperspectiva do estabelecimento de uma formade sociabilidade universal onde odesenvolvimento das forças produtivas detémum papel fundamental. Ainda mais, ao que nosparece, o acento dado sobre a modernização apartir deste período não só não desconsidera apossibilidade e a pertinência de tomá-lo sobaqueles e tantos outros momentos, comoaponta o mesmo como referência e relaçãopossível de contraposição ao hiato que a pré-modernidade representaria numa perspectivatemporal linear. A Revolução Industrial, semdesconsiderar elementos de moderno emmomentos e quadros distintos, ao mesmo tempoem que compõe a análise das condiçõeshistóricas que a tornaram possível - o períodocolonial como sendo o momento da acumulaçãoprimitiva para a Revolução Industrial, porexemplo, destacando-se, portanto, comosociabilidade moderna - mostra-se como oredobrar sobre si da acumulação, a tornar-se opróprio pressuposto de si mesma, efetivandoum sentido particular de acumulação -acumulação capitalista - e, assim, intensificandoo próprio sentido de moderno.

Marx apontou a modernização comodesenvolvimento das forças produtivas, tornadapossível a partir dos escombros do mundofeudal, ponto de apoio de uma realidade querevoluciona sociabilidades pré-existentes ou, seas mantém, o faz sob o jugo da necessidade dereprodução da identidade do moderno mesmo.Numa expressão explícita de Marx:

“As queixas daquelas antigas crônicas

são sempre exageradas, mas ilustramexatamente como a revolução nas condições deprodução impressionou os próprioscontemporâneos. Uma comparação dos escritosdo chanceler Fortescue e de Thomas Morustorna visível o abismo entre os séculos XV e XVI.De sua idade de ouro, a classe trabalhadorainglesa caiu sem transição, como Thomt dizacertadamente, à idade do ferro.” (MARX,1988,p.255).

Nesse ponto, Marx é fundamental aomostrar que o processo de constituição de umanova sociabilidade, talvez por o ser a moderna,se faz sob um plano temporal em que asrupturas aparecem como elos determinantes deum devir cuja particularidade se contradiz namedida em que, ao menos enquanto sentido,se faz como reprodução de si mesmo.

Tais rupturas o são não só no âmbitodaquilo que se estabeleceria como reproduçãopré-moderna da totalidade comunal, mas,também, como elos (contradição nos própriostermos?) que estabelecem a possibilidadeprópria do moderno e da modernização. Domoderno, enquanto um modo de ser e de seinteragir socialmente no mundo da mercadoriae da modernização, enquanto potência que otrabalho adquire como desenvolvimento dasforças produtivas, não desconsiderando aincorporação de um pelo outro. A exposiçãosobre o mundo moderno em Henri Lefebvrecontribuirá para a compreensão deste inteirarentre moderno e modernização.

A tese, segundo a abordagem aquiexpressa, posta em A assim chamadaacumulação primitiva 4 , exposição histórica deuma realidade determinada pelas formas lógicasde pensamento que se instituem como formasde sociabilidade - a abstração como medida eidentidade da reprodução social comoacumulação, nos termos mais acima expostos -se faz conduzida pela lógica das separações,cisões. Não se trata, portanto, de umaexposição de como se deu no tempo arealização daquilo que para Marx passa a seconstituir como o moderno e a modernização.

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Mas, nos termos marxianos, de expressar amaterialidade de uma realidade que serásubjugada pelas determinações abstratas comoformas de sociabilidade universal.

A partir daí, como já apontamos, agênese desta modernização constitui nãoexclusivamente, talvez não mesmo isto, omomento inicial a partir do qual podemosconsiderá-la enquanto tal; mas especialmenteo culminar de um processo cumulativo a partirdo qual se pode compreender o sentido mesmo,em tempos e momentos distintos, do que sefaz enquanto moderno. Trata-se, enfim, de umponto de chegada temporal que, para a análise,estabelece-se como ponto de partida, de recuose avanços no sentido da análise sobre ahistória, especialmente porque é a partir destaruptura revolucionária que se estabelecemtodos os parâmetros possíveis de compreensãode realidades distintas. Este momento se faz,então, como uma expressão exponencial dosentido deste redobrar de acumulações. Ouseja, no mundo moderno, a própria acumulaçãose faz como identidade de si mesma, como formasocial que se estabelece como mediação de si,sendo esta mediação o seu próprio resultado.

Sociabilidade contradizente na medidaem que acumular se faz porque destitui - aomenos enquanto sentido, mas não enquantoefetividade - o presente como possibilidades.Só assim a mediação formal e abstrata torna-se mediação e resultado de si mesma.Autonomiza-se enquanto referência de si a simesma.

Henri Lefebvre destaca a potência dasmediações porque se constituem comoelementos fundamentais da reprodução socialmoderna. Em sua análise sobre as abstraçõesconcretas observa que as mediações sedestacam também pela capacidade queadquirem em “embaralhar” o fim e o meio, ooriginal e o terminal. Neste sentido, ganhamrelevância primacial na reprodução e posição damodernidade.5

“L´importance de mediations(vermittlugen, chez Hegel) réelles et non

seulement mentales (intelectuelles) ne peut sesurestimer. Dans les mediation - de al monnaie àl´image dans les médias modernes - se déploientles propriétés à la fois matérielles et formellesdes choses. Chez Hegel, la médiation ne se définitpas seulemnet par ce dont elle provient: origencause historique, “terminus quo”. Elle se défintaussi par le sens et le but, par la fin et le “terminusad quem”, mas surtout par l´operation que brouillela fin et le moyenm l´origenel et le terminal. L´outil(instrument) sert d´intermediaire (médiateur)entre l´activité et le mains du travailleur, d´uncoté, les matières travaillèes de l´autre. Or, lesgestes des travailleurs et les travailleurs eux-même changent, les matières de même. ”(LEFEBVRE, 1977,p.- 64-65).

Constituem-se, tais mediações, comoabstrações, na medida em que dada autonomiaé uma abstração dos pólos quenecessariamente põe em relação, objetivando-se a si mesma como determinação.

Neste ponto, as cisões, historicamentepostas na acumulação primitiva, efetivam-secomo lógica necessária para uma troca socialcujo resultado é a acumulação de uma abstraçãoque se faz como a identidade universal de tudoaquilo que ela mesma não o pode ser. Asseparações mediadas pelas distintas formas depropriedade: separação da indústria domésticae do cultivo da terra (propriedade privada daterra), “A relação-capital pressupõe a separaçãoentre os trabalhadores e a propriedade dascondições da realização do trabalho. ”(Marx,1988,p.252).

Destaque-se, também, a separaçãoentre o trabalhador e seus meios de produção(propriedade privada dos meios de produção):

“O produtor direto, o trabalhador, somentepôde dispor de sua pessoa depois que deixou deestar vinculado à gleba e de ser servo oudependente de outra pessoa. Para tornar-se livrevendedor de sua força de trabalho, que leva suamercadoria a qualquer lugar onde houver mercadopara ela, ele precisava ainda ter escapado dodomínio das corporações, de seus regulamentospara aprendizes e oficiais e das prescrições

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restritivas do trabalho. Assim, o movimentohistórico, que transforma os produtores emtrabalhadores assalariados, aparece, por um lado,como sua libertação da servidão e da coaçãocorporativa; e esse aspecto é o único que existepara nossos escribas burgueses da História. Poroutro lado, porém, esses recém-libertados só setornam vendedores de si mesmos depois quetodos os seus meios de produção e todas asgarantias de sua existência, oferecidas pelasvelhas instituições feudais, lhes foram roubados.E a história dessa sua expropriação está inscritanos anais da humanidade com traços de sangue efogo.” (MARX,1988, p.252).

Separação do trabalho em relação aotrabalhador (propriedade privada do trabalhoalheio) estabelece-se não só como elementoshistórico-genéticos que constituem apossibilidade do capital enquanto sociabilidade,mas, especial e fundamentalmente,estabeleceu-se, como já se expressou, comovínculos lógicos que possibilitam uma reuniãonão existente a não ser por uma abstraçãoresultante destas cisões. Abstração porque asdistintas formas de segmentações aparecemunivocamente expressas efetiva, aparente econtraditoriamente como divisão social dotrabalho; divisão que remete à unidade.

Há que se ponderar, portanto, que aunidade posta como pressuposto e resultadodo processo se faz pela e na constituição dotrabalho enquanto uma categoria social, namedida em que o mesmo se estabelece, nostermos de Postone (1996), como mediaçãosocial. Isto é, o elemento, a partir do qual aunidade das diferenças aponta-se comopassível de estabelecer uma equidadeintercambiável e, assim, uma abstração em suaefetividade, isto é, abstração comosociabilidade.

A condução do processo comomodernização se faz, portanto, a partir de umaacumulação de abstrações, deve-se considerara importância que o trabalho enquantocategoria temporalmente definida e, portanto,não trans-histórica, adquire como este elemento,

a partir do qual o capital se torna,contraditoriamente, uma efetividade. Fala-se,enfim, da modernização enquanto um processouniversal, na medida em que ela é a constituiçãodo trabalho como abstração cujo sentido é arealização de mais trabalho, acumulaçãoidentitária da modernidade posta pela e namodernização.

O redobrar desta acumulação,retomemos o tema inicial sobre o moderno e amodernização, como acumulação, abstração dotodo em uma forma lógica, repõe o modernocomo determinado pelo abstrato, masestabelece, nesta equação tautológica, a mera,a simples identidade entre começo e fim, namedida em que acumular é o pressuposto eresultado de uma sociabilidade que, por issomesmo, vê sua finalidade se efetivar na e comorealização de suas mediações.

Não se trata, portanto, de as mediaçõesconstituírem elementos a partir dos quais ostermos por elas referenciados tomem contato eefetivem uma certa dinâmica por elas regulada,mas sim, no mundo moderno, de as mediaçõesse colocarem, contraditoriamente, comofinalidade e efetividade de si mesmas. Abstraçãode si como mediação e reposição da abstraçãocomo identidade do moderno?

Retomemos o ponto que fundamenta aanálise de Marx sobre o mundo moderno, istoé, em sua análise do capital enquanto umasociabilidade fundamentada pelo trabalho,categoria social e analítica. Em outros termos,as cisões gestadas como elementos lógicos queestabelecem a possibilidade do moderno ofazem na medida em que a reunião, a religaçãose o fará pelo trabalho em sua divisão social.Contudo, como bem o sabemos, tal religaçãonão se faz como uma simples forma de integraro disperso, mas, especialmente, porque nessaforma posta como trabalho, a atividade socialsubstitui a desigualdade de suas formasconcretas na equivalência das mesmas comotempo de trabalho, efetivado como determinadaquantidade de trabalho socialmente necessárioe expresso em sua forma monetária como

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equivalente geral.

A acumulação do moderno, portanto, faz-se como acumulação de trabalho - abstraçãohistoricamente determinada - definindo-se aí osentido e, ainda mais, a determinação dasociabilidade posta na forma d’ O capital, isto é,num contínuo e pretensamente ininterruptoprocesso de reprodução ampliada do trabalhocomo mais trabalho. Neste transcurso lógico-temporal, Marx vê a contradição posta nestacategoria a partir da qual se torna possívelestabelecer a compreensão de uma dinâmicaque escapa à tautologia do trabalho como maistrabalho. Desnecessário, aqui, rescrever acontradição entre capital e trabalho. Fiquemos,brevemente, com a resultante da mesma, istoé, com aquela sociedade antevista por Marxcomo sendo o capitalismo da Grande Indústria,cuja análise se faz como exposição do sentidoque o mais trabalho toma como mediação efinalidade da sociabilidade posta pela forma d’O capital. Isto é, a destituição do próprio trabalhoda dinâmica reprodutora do moderno.

Não se trata, também, de re-elaborar atese sobre a redução do tempo de circulaçãodo capital enquanto capital circulante6 , mas de,especialmente, destacar que a efetivação, emsua máxima possibilidade, do pressuposto docapital como aquilo que lhe é posto, repõe anecessidade de se pensar a co-presença dosmomentos lógicos do capital, mas que induzemsua dinâmica histórica como restrição do própriotempo, o que exige, neste sentido, umanecessidade da compreensão da dimensãoespacial que a modernização adquire.

O plano lógico-formal da realidadeestabelecida pela forma valor tem esta potênciade, enquanto abstração, reduzir os momentosdispersos na condição de unidade da/nareprodução do valor. Deste ponto de vista, aunidade posta do capital enquanto momentoreflete a dimensão espacial do processoefetivado desde sua gênese histórica, masimplica também em uma gênese que apresentaas suas determinações lógicas. Deste ponto devista, Henri Lefebvre aponta a possibilidade de

se pensar o espaço como abstração concreta -no sentido de que a lógica posta na realizaçãoda forma valor, como redução do antes e dodepois a um só momento, determinação, ao queparece, das mediações enquanto queabstrações, efetiva o próprio espaço enquantocategoria analítica e social.

Deste ponto de vista, a abstraçãoespacial posta como necessidade lógica dareprodução do moderno, simultaneidadefundamentada pelo valor-trabalho, concretiza-se na medida em que se põe como forma desociabilidade reprodutora da forma valor. Daí atese de que o espaço social é, ao mesmo tempo,abstrato e concreto, redução do tempo aoespaço: “ Cet espace serit-il abstrait? Oui, maisil est aussi “réel”, comme la marchandise etl´argent, ces abstractions concrètes. Serait-ilconcret? Oui, mais pas de la même façon qu´unobjet, un produit quelconque. (...)”(LEFEBVRE,2000, p.-35-36). 7

Pós-modernismo e o problema espacial

Esta tese, aliás, segundo acompreensão aqui pontuada, ganhadissonância em relação ao ponto de vista queHarvey (1992) acentua no moderno como acondição pós-moderna . Há, certamente, umaporte em comum que se deve ressaltar emrelação ao tempo e ao espaço, na medida emque Harvey (1992) destaca a preocupaçãometodológica em considerar a compreensão eanálise do espaço e do tempo como integrantesa uma dada sociedade, ou seja, não se podeconsiderar tais categorias a não ser pelamaterialidade social que faz das mesmas umaforma específica de existência. O que implica emmúltiplas noções efetivadas entre tempo eespaço. Como explicita o autor:

“ Considero importante contestar a idéiade um sentido único e objetivo de tempo e deespaço com base no qual possamos medir adiversidade de concepções e percepções humanas.Não defendo uma dissolução total da distinçãoobjetivo-subjetiva, mas insisto em que

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reconheçamos a multiplicidade das qualidadesobjetivas que o espaço e o tempo podem exprimire o papel das práticas humanas em suaconstrução.” (HARVEY,1992, p.189).

O ponto, contudo, ao que pese o tributodo autor à noção de espaço e de produção deespaço de Henri Lefebvre, é o da torção nomodo de estabelecer o sentido do espaço comorealidade empírica e analisável no processosocial. Ao que parece, Harvey (1992) destacaas distintas formas de percepçãointersubjetivas de espaço que ganhariam umadimensão significativa em sua própriaconstituição enquanto categoria analítica. Apartir daí pode-se observar uma certacoincidência entre o que o autor chama deconcepções espaciais e aquilo que para HenriLefebvre ganha força como prática espacial. Nãose trata, portanto, ao modo de Pritchard (s/d)ao analisar o tempo e o espaço Nuer, retomadopor Harvey (1992), de compreender taiscategorias como elementos que passam a terpresença e determinação na reprodução a partirde uma ou várias concepções subjetivas,grupais ou sociais dos mesmos; mas deestabelecer a distinção entre aquilo que seefetiva como determinação espacial nareprodução social e como que as mesmastorcem-se como formas ilusórias a seestabelecerem distintas do que são comosubjetividade. Se a análise de Harvey é válidae obtém importância a partir das comunidadesNuer , ou das comunidades indígenasamericanas, o fulcro da tese lefebvriana sobreo moderno a partir do espaço é exatamentecompreender a distinção que estas noçõesganham no interior da reprodução e como re-produção do mundo da mercadoria. Destamaneira, Haussmann e Le Courbusier não seconstituem como sujeitos redefinidores doespaço, a partir do que “ temos, forçosamenteque ajustar as nossas práticas diárias “(HARVEY,1992,p.190), mas sim que introjetam,como subjetividade, o espaço como saber,concepção cuja lógica abstrata se expressacomo uma necessidade da reprodução de ummodus operandi social onde os sujeitos

transfiguram essa racionalidade como merasubjetividade e/ou capacidade. A análise deHarvey (1992), contudo, mostra a suapertinência no momento em que analisa aimportância de uma realidade que constitui opercebido através de imagens que introjetam,objetivamente, a representação de umasubjetividade, cuja resultante é a reproduçãodaquilo mesmo que o cidadão americano estádiscorde. É assim que Harvey (1992) expõe apotência das representações lefebvrianas nareprodução da relações sociais de produção,vistas do ponto de vista do político. Tatcher eReagan aparecem como expoentes destasrepresentações na análise do autor.

Se se trata de uma análise do moderno,como condição da pós-modernidade, a partir dotempo e do espaço, torna-se necessário umadistinção entre essas duas categorias para quese possa estabelecer a relação posta entre asmesmas num dado processo social. Ao se colocareste problema para Harvey (1992), o percursoexposto se apresenta pela distinção entre o vir-a-ser, como identidade do tempo, e o ser, comoidentidade do espaço, tese aliás, muito próximadaquela exposta por Santos (1977)8 , onde aformação econômico social efetiva-se comoespaço, daí a tese de formação sócio-espacial,enquanto que o modo de produção aindaabstrato refere-se ao tempo, por que não realizado- noção de abstração exposta por Santos (1977)nesse trabalho.

Harvey (1992) destaca esta distinção namedida em que observa a identidade damodernidade com o progresso, o que permitiriaum destaque, um prevalecimento da abordagemtemporal, do vir-a-ser, em detrimento do ser, noespaço e no lugar (HARVEY,1992, p.190),estabelecendo, no ato da crítica teórica, o seuponto de vista a respeito da identidade que seefetiva como tempo e como espaço. O paradoxoapontado pelo autor é justamente o de asformas de representações (fotos, cartogramas,etc.) não serem suficientes para - enquantoespaço que são, pois que se tratam de um dadotempo t, como um aqui e agora - envolverem afluência da velocidade posta como mundo

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moderno. Como pergunta o autor: “Até que pontosão adequados esses modos de pensamento eesses conceitos diante do fluxo da experiênciahumana e dos potentes processos de mudançasocial? “ (HARVEY,1992.p.191). Questão quederiva para o seguinte questionamento: nãoestaria, aí, o autor ressaltando, uma vez mais,os processos exclusivamente temporais, já queum dado instante (dimensão temporal) étomado como identidade do espaço? Sejamos,de modo saudável, provocativos; nãoestaríamos, em verdade, incorrendo naindistinção entre tempo e espaço que obscurecea importância das determinações espaciais nomundo moderno? Se sim, aliás, isto teráconseqüências na análise do autor a respeitodo que considerou como próprio damodernidade e condição da pós-modernidade, ouseja, a compressão do tempo e do espaço, ou,mais polêmico ainda, a compressão, pelo tempo,do espaço. Mas caminhemos o passo anterior...

Certamente, a redefinição posta navivência e na efetividade do tempo e do espaçono mundo moderno tem nos permitido umanecessária reflexão sobre os mesmos. A relaçãoestabelecida entre tais categorias tem sidoobjeto de diferentes abordagens. Milton Santos,em seu trabalho sobre a Nova Geografia, destacanão só a necessidade de uma ciência do espaço,como a importância de se considerar a noçãode tempo-espaço como algo indissolúvel.

“Tudo o que existe articula o presente e opassado, pelo fato de sua própria existência. Poressa mesma razão, articula igualmente o presentee o futuro. Desse modo, um enfoque espacialisolado ou um enfoque temporal isolado são ambosinsuficientes. Para compreender uma qualquersituação necessitamos de um enfoque espaço-temporal. A lógica do tempo, escreveu Anuchin(1973, p.52) reúne os dois aspectos da existênciada matéria, isto é, tempo e espaço (SANTOS,1978,p.203).” [E mais à frente expressa]: “é noespaço que uma atualidade se dá “(SANTOS,1978, p.204). É oportuno destacar aquio reconhecimento de Milton Santos em relaçãoà importância de Henri Lefebvre naproblematização do espaço e de sua produção

para a compreensão dos processos sociais:“Todas as tentativas de explicar o espaçosubtraíram praticamente o problema chave de suaprodução, a grande exceção vindo de H. Lefebvre(1973).” (SANTOS,1978, p.161).

Ainda que aqui reencontremos adiferença entre tempo como devir e o espaçocomo um aqui e agora, trata-se de considerar odesafio posto pelo mundo moderno. Em outrostermos, para Milton Santos o espaço também éobjeto da simultaneidade posta como resultadodo mundo moderno, do que deriva a tese sobreo espaço como acumulação desigual de tempos(SANTOS,1978,p.209). A partir disto, em suaobra A natureza do Espaço (SANTOS,1996),considera o espaço como um sistemaindissociável entre objetos e ações justamenteporque as técnicas permitiriam realizar o tempocomo espaço, constituindo a idade do lugar, namedida em que elas efetivariam este acúmulodesigual de tempos, constituindo-se um sistemaespecífico de realização temporal e simultâneoque se faz como espaço. A noção de que oespaço retém tempos, deriva, em Santos (1996),deste raciocínio. O problema posto, segundo aapreciação aqui exposta sobre o autor, é o fatode o espaço ser aquela identidadepresentificadora do tempo9 , onde a abstraçãofreqüentemente estaria referida à dimensãotemporal e a concretude ao espaço porque opresente. Suscita-se aí, levado o raciocínio aoextremo, uma impossibilidade de se pensar nãosó as abstrações espaciais como o próprioespaço abstrato. Dado que ao espaço cabe estaidentidade concreta e concretizante,indistinguem-se as representações espaciaiscomo uma forma de ser e de apresentação dopróprio espaço e, portanto, o espaço, comorepresentação de concreticidade; ao não serassim discernido na análise, é tomado pela suarepresentação como se somente espaçoconcreto fosse. Tributo custoso ao pensamentomaterialista ao exigir de si como pensamentocientífico uma necessidade de se pensar asdimensões concretas da realidade posta. Nesteaporte do e sobre o real, as determinaçõesconcretas das abstrações são tomadas como

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uma idealidade que se confunde como idealismo.A ruptura deste marxismo com a idealidadehegeliana dispensou a análise das abstraçõespara a compreensão do moderno e damodernidade, como se a referência científica aelas fosse algo que desprestigiasse a noção dematerialismo e ou materialidade, o que suscitoua não compreensão das determinaçõesmetafísicas da sociabilidade sob a forma docapital10 . A partir daí, científico confunde-se como material, o concreto, partido de suasdeterminações metafísicas. É a este falsodesprestígio que se justifica, então, aimportância do espaço, pois a ele sãoreferenciados os atributos do materialismo quejustificariam a análise não idealista do moderno,como se as determinações metafísicas do realna sua forma social capitalista não guardassema problemática sob o moderno a serdesvendada. Enfim, o engodo do mundomoderno passa a se estabelecer como seexplicação dele fosse.

Cabe ainda ressaltar que a primaziadada ao mundo das técnicas dá a este umestatuto cuja análise põe o real a confirmar averdade das categorias propostas,estabelecendo-se o seu percurso teórico maiscomo uma preocupação em construir uma razãoaxiomática do que explicitar o real a partir decategorias a ele pertinentes, inversão quecoincide com a do próprio sentido doconhecimento em sua versão científica. Mas oponto que nos parece fundamental nas distintasanálises que por ora nos ocupa é a busca dearticular a importância do espaço num momentoem que o capitalismo, enquanto uma reproduçãosocial global, ganha formas qualitativamentenovas de reprodução no interior de sua própriacondicionante histórica, ressaltando, de acordocom o nosso argumento neste pequenotrabalho, a relação e importância entre o espaçoe o mundo moderno, o que aliás nos permiteretomar o diálogo com Harvey (1992).

Para este último, o ponto que expressauma diferenciação do espaço - no sentido deuma postura materialista - no e como mundomoderno está transposto na crescente

velocidade do tempo, dada pela circulação docapital cuja rotação, historicamente, deve seefetivar cada vez mais rapidamente. Sob esseprisma, Harvey (1992) aponta uma necessáriaaceleração, na modernidade capitalista, do ritmodos processos econômicos e da vida social, doque deriva uma necessidade de se ultrapassaras barreiras espaciais (HARVEY, p. 210-212),contraditoriamente, através da produção de umdado espaço (HARVEY,1992, 234), mas cujaresultante é a compressão do tempo e do espaçoa partir da modernidade, como condição do pós-moderno. Na afirmativa do autor:

“ Como os usos e significados do espaço edo tempo mudaram com a transição do fordismopara a acumulação flexível? Desejo sugerir quetemos vivido nas duas últimas décadas umaintensa fase de compressão do tempo-espaço quetem tido um impacto desorientado e disruptivosobre as práticas político-econômicas, sobre oequilíbrio do poder de classe, bem como sobre avida social e cultural.” (HARVEY,1992, p.257).

Na relação necessária entre tempo eespaço, - tomada por Santos (1977) o espaço,como o aqui e agora, constitui-se como umaacumulação desigual de tempos e, por Harvey(1992), como um processo cuja resultante é acompressão espaço-temporal - torna-senecessário, para este último autor, umapergunta. Se o sentido é desta compressão,quando de sua efetividade, o que resta? Umasociedade a-temporal e a-espacial? Caberia,portanto, pensada nesses termos, apossibilidade da pós-modernidade? E, agora,uma outra derivação... Se o espaço é o elementorelativo ao ser e não ao devir, como derivar daías determinações espaciais do mundomoderno? Seria o espaço apenas um problemarelativo às representações , nos termosabordados pelo próprio Harvey (1992)? Aliás,este talvez seja um dos caminhos possíveis dese compreender o sentido desta compressão,pois, segundo a compreensão aqui exposta, anoção de crise de representação do espaço paraHarvey (1992) refere-se mais ao problemarelativo às representações estéticas, subjetivasou de um dado espírito da época, como o caso

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do Iluminismo abordado pelo autor, o que,segundo o nosso entendimento, difere bastanteda forma pela qual Henri Lefebvre irá abordaras representações do espaço em sua tríade11 ,destacada aliás pelo próprio Harvey (1992).

Harvey, contudo, toca num ponto que,segundo o argumento destacado ao longodeste trabalho, é fundamental, qual seja: aaceleração do tempo está posta pela velocidadede reprodução do próprio capital, sendo a noçãode rotação do capital, destacada por Marx(1997) e retomada por Harvey (1992), omomento fundamental para a compreensão doprocesso. Contudo, o problema posto por Marxé que o capital enquanto conceito realizado,mesmo que ilusoriamente, realiza-se, nestaaceleração do tempo, como tempo zero decirculação, donde a unidade do conceito recorresem tempo, ou então, como tempo zero. Por que,portanto, derivar daí, a compressão do espaço,e não a posição de suas determinações nomundo moderno, mais do que as do tempo,dado que a simultaneidade ocorre de modo maisefetivo? Em outras palavras, esta velocidadetemporal, em sua necessária relação com oespaço, não só adquire um sentido quantitativo,mas redefine qualitativamente o tempoefetivando a reprodução do moderno a partirdas determinações espaciais, isto é, a partir dasimultaneidade como elemento fundamentalpara a reprodução da modernidade enquantoum modo de produção no sentido amplo, isto é,que envolve a produção e reprodução social.Harvey (1992), portanto, segundo o ponto devista aqui exposto, evita o confronto teóriconecessário para compreender a importância daanálise sobre a reprodução do moderno a partirdas determinações espaciais, na medida em queo espaço e o tempo, enquanto objetos de suaanálise, tendem à compressão. Harvey (1992)mesmo aponta, ao final de sua obra, apossibilidade de a pós-modernidade ser umarepresentação de um mesmo fluxo socialtemporal, isto é, da pós-modernidade ser umamáscara do moderno, demonstrando, segundoo nosso ponto de vista, uma interrogante quese exerce como auto-crítica em relação a suatese sobre o problema relativo à compressão.

Ao analisar as distintas respostas sobre oproblema assim observa o ponto de vista deVirilio e Baudrillard:

“A quarta resposta tem sido tentar montarno tigre da compressão do tempo-espaço mediantea construção de uma linguagem e de imagenscapazes de espelhá-la e, quem sabe, dominá-la.Eu ponho os escritos frenéticos de Baudrillard eVirilio inclinados a fundir-se com a compressão dotempo-espaço e a reproduzi-la em sua própriaretórica extravagante.” (HARVEY, 1992, p.316).

E ainda faz a seguinte observação deque há: “ Um reconhecimento de que asdimensões do espaço e do tempo são relevantes,e de que há geografias reais de ação social,territórios e espaços de poder reais e metafóricos...”(HARVEY,1992, p.321).

Falamos mais acima de uma mudançaqualitativa do tempo e espaço, justamenteporque na aceleração temporal asdeterminações da simultaneidade passam a serpreponderantes àquelas relativas à diacronia, oque nos remete à problemática espacial. Anecessidade, acentuada pelo próprio Harvey(1992), de uma produção espacial (ferrovias,telégrafos, rodovias, etc.) não seria exatamentea expressão de uma exacerbação dasdimensões espaciais em detrimento do tempo,dado a historicidade do próprio capital?.. Oponto fulcral, talvez, seja exatamente explicitarporque, neste momento, não se trata, asimultaneidade, de algo relativo apenas aotempo, pois que se refere a uma mudançaqualitativa do tempo que se configura comoespaço. Isto implica dizer que a aceleraçãotemporal é um outro modo de dizer sobre a suasupressão, ao menos como sentido, e, assim,num adensamento de temporalidades diversase co-presentes cuja efetividade é a própriasobreposição das determinações espaciais nomundo moderno. O adensamento temporal é adeterminação espacial do tempo. Não importaaqui se a exposição se faz de modo metafórico,mas sim que o problema nos está posto. O pontoé que, nesta simultaneidade lógica e prática, asua realização enquanto forma de sociabilidade

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se torna efetiva também na medida em queposta como aquele espaço visível e produzido,no sentido da Produção do Espaço, tomado porLefebvre (2000). Daí ter-se aqui destacado umacerta contradição no argumento de Harvey(1992) a respeito da compressão espacialjustamente quando da necessidade de seproduzir um espaço através das ferrovias,telégrafos, etc. Trata-se de um adensamentotemporal que se efetiva como espaço, como jáse pontuou. Esta compreensão, defende-seaqui, está expressa no pensamento de HenriLefebvre cuja tese refere-se à impossibilidadede se analisar o mundo moderno sem que seleve em consideração as determinaçõesespaciais de sua re-produção, resultantes desua historicidade crítica. Daí uma apreciaçãomais aproximada desta discussão percorrendoalgumas das obras que compõem o seupensamento.

O moderno e o espaço em Henri Lefebvre

Quando Henri Lefebvre acentua anecessidade de se compreender a modernidadea partir da produção do espaço, levanta não sóo problema relativo ao fato de que o espaçodeve ser compreendido como um produto social,no qual se pode desvendar, por exemplo, aagregação de valor-trabalho, mas que se referea uma forma social específica, a partir do qual areprodução está posta como possibilidadecrítica. Trata-se aí de uma compreensão de quea relação espaço-temporal passa a seestabelecer a partir de relações onde o antes eo depois perdem a potência de determinação.Mais do que isso, trata-se de uma realidadeonde esta possibilidade temporal passa a sercontradizente, isto é, impeditiva da reproduçãosocial moderna. Dado o seu aspecto crítico,estabelece-se uma sociabilidade supressora dotempo. Prevalece, aí, a co-presença representadacomo sucessão através das abstrações. Istoimplica dizer que o “embaralhar” do seqüencial,pondo-se como simultaneidade, não estáexplícito, mas, necessariamente comparece àrealidade como aquilo que ele não é. A abstração

dos distintos momentos como simultaneidadeé a representação de uma linearidade temporalou linearidade que, contudo e por isso, tornaefetivo o espaço, simultaneidade necessária àrealização crítica, e porque crítica, do mundoda mercadoria.

A sociedade que se assenta sob areprodução ampliada da riqueza abstrata,expressa em sua forma monetarizada, tem,como pressuposto e resultado, odesenvolvimento das forças produtivas. Sobeste aspecto, o próprio espaço produzido portal desenvolvimento, no mundo moderno, é, elemesmo, uma força que intensifica aprodutividade fundamentada pela reproduçãoampliada do valor. Como diz o autor:

“ Les forces productives (nature, travailet organisation du travail, techniques etconnaissances) et bien entendu les rapports deproduction, ont un röle - à déterminer - dans laproduction d´espace”(LEFEBVRE, 2000, p.57)12 .

Henri Lefebvre de forma conscientedefende, portanto, a tese de que mais do queem qualquer outra forma de sociabilidade pré-moderna, na modernidade, o espaço passa ase constituir numa categoria fundamental paraa compreensão e análises de fenômenos eprocessos a ela inerentes. Trata-se, enfim, decompreender não exclusivamente o papel doespaço nesta reprodução, o que nos remeteriaa uma leitura funcionalista do mesmo, mas asdeterminações espaciais na constituição,produção e reprodução do mundo moderno.

Se, na fundamentação do próprio autor,a cada modo de produção corresponde umespaço específico, cabe-nos desvendar oespaço da e na modernidade enquanto umacategoria filosófico-analítica. Deste ponto devista, as contradições não se limitam a seconstituírem como contradições relativas aotempo, mas, na modernidade, tratam-se,fundamentalmente, de contradições espaciais,dada a redução, já mencionada, do tempo aoespaço.

Se há, por assim dizer, caminhos

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profícuos de análise do mundo modernoapontados por Henri Lefebvre, é a imposiçãodo espaço como determinação da reproduçãosocial que faz destes caminhos umanecessidade teórica emergente, o que, comocontraponto, oferece-nos a não ontologizaçãodo espaço, no sentido de se estabelecer comouma categoria trans-histórica. O espaçocapitalista como sendo aquele que correspondeaos nexos do processo de acumulação ereprodução do valor.

Mas, retomemos uma derivação pordemais necessária no pensamento de HenriLefebvre. É fundamental destacar que em sualeitura da obra de Marx, Lefebvre desbravou anecessidade de se compreender fenômenos eprocessos oriundos de uma realidade posta naformação e constituição do capital, portantoexpressos e analisados por Marx, mas quetiveram seus desdobramentos posteriores,constituindo uma realidade que,categorialmente, traria elementos novos enecessários de serem inseridos na análise domoderno, mas em uma unidade analíticacompreensiva, necessidade teórica explicitadaem uma de suas reflexões: Vejamos estapassagem :

“um fluido único percorre o conjunto;tenho buscado restituir a teoria de Marx em todasua integridade e amplitude empreendendo aomesmo tempo seu aggionamento; depois de umséculo de grandes transformaçõe, o materialismohistórico e o dialético tão poderosos no plano teóriconão podem se sustentar dogmaticamente”(LEFEBVRE, 1976, p.09)13 .

A tese marxiana fundamental relativa aodesenvolvimento das forças produtivas,constituindo o fim do trabalho comodeterminação do próprio capital, está, segundoo ponto de vista aqui expresso, subjacente nacompreensão da modernidade em HenriLefebvre. Aliás, pode-se dizer que o própriocapital como uma lógica crítica expressa em suascontradições, constitui uma análise ecompreensão do processo a partir da qualderiva-se a necessidade de questionamentos

pertinentes ao mundo contemporâneo. HenriLefebvre constrói seu pensamento tendo estatese sempre subjacente e motora de suasreflexões sobre a modernidade.

Marx já havia derivado o raciocínio deque a concorrência entre os diferentes capitais,ao ser efetivada na contradição entre capital etrabalho, cuja resultante seria a redução dotrabalho necessário, implicava, por outra via,num aumento das forças produtivas que nãoredundaria apenas numa mudança quantitativa.Isto é, não se tratava apenas da redução dotrabalho necessário e aglomeração do capitalem grandes empresas. Mas que, sobretudo, coma intensificação do desenvolvimento das forçasprodutivas, o trabalhador passa a ser um merovigia do processo produtivo, dada aexpropriação relativa de seu trabalho, assim, ocapital, como forma social, muda em seu aspectoqualitativo.

A Grande Indústria, denominada por Marxnos Grundrisse, momento fundamental de seupensamento, sintetiza o momento em que se épossível, portanto, realizar e pensar o trabalhono seu sentido propriamente social. O queimplica numa compreensão de que as forçasprodutivas não mais se limitam à capacidadeprodutiva do que ainda o autor denomina comocapital fixo. Como expressa Marx:

El trabajo ya no aparece tanto comorecluido en el proceso de producción, sino que másbien el hombre se comporta como supervisor yregulador con respecto al proceso de producciónmismo (MARX: 1997, p.228).

Trata-se, sim, de que, na expansão dotempo livre, aquilo que se deveria realizar comoócio é apropriado pela reprodução social comoforça produtiva. As ciências parcelares e opróprio pensamento nessa forma científicapassam a constituir o trabalho social como forçaprodutiva.

Isto implica na necessidade de secompreender a modernidade, no século XX,vivido por Henri Lefebvre, não maisexclusivamente do ponto de vista das lutas de

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classe ou do trabalho no interior do processoprodutivo propriamente dito. Trata-se deanalisar, enfim, a expansão do capital comogeneralização espaço-temporal, isto é, comoincorporação dos momentos e lugares da vidasocial que, mesmo postos possivelmente comosua contraposição, ainda que nessa condição,passam a ser incorporados na reprodução dasrelações sociais do produção, Lefebvre (1973).

A questão fundamental expressa porHenri Lefebvre, derivada, segundo o argumentoque se procura tecer, desta tese marxiana, é,portanto, compreender como e porque noaprofundamento das contradições postas narelação capital trabalho, justamente aí, ostermos da contradição perdem a sua potênciarevolucionária e incorporam os sentidos da re-produção. Ao que se parece, este seria umsentido forte de modernidade esculpido porHenri Lefebvre. As separações edistanciamentos entre o homem e a natureza,Lefebvre (1969), as cisões a partir de umaunidade pré-moderna forjadas na modernidadecomo pertencimento, Lefebvre (1990), asdivisões postas como divisão social do trabalho,Lefebvre (1980), dentre outras, contradiçõesnecessárias da reprodução social, passam a serelementos integrados no pulsar da forma valor,apesar de e no interior da sua crise fundamental.Aquilo que é contraditoriamente necessário,apesar desta contradição posta, passa, aolongo da modernidade e, talvez, comomodernidade, a ser incorporado no âmbito daextensão crítica do mundo da mercadoria. Aextensão do mundo da mercadoria é resultantede suas próprias contradições.

Para Henri Lefebvre a Grande Indústriaestende-se, na segunda metade do século XX,especialmente após a Segunda Grande Guerra,como mundo do consumo. Em outros termos, atensão posta na contradição capital trabalho,desenvolvendo daí o fim do trabalho comopossibilidade em efetivação, redobra ascontradições do mundo da mercadoria para aesfera onde o consumo passa a serdeterminante. Há, enfim, para o autor, umatensão necessária de se explicitar na relação

contraditória entre o aprofundamento da crisee o renovar das reproduções. Uma não secertifica sem a outra e, na vida cotidiana nomundo moderno, acentuam-se os termos dareprodução obscurecendo, no plano dopercebido, a importância do ponto ou dospontos críticos. O pêndulo da análiselefebvriana, um ponto fixado na crise e outrona re-produção, mostra, no seu movimento, aunidade contraditória dos mesmos. O mundo doconsumo ou da mercadoria resulta destadinâmica.

Não se trata, portanto e contudo, domero consumo das mercadorias produzidas parasalvar o montante de investimento no capitalfixo. Trata-se sim de, na crise do mundo dotrabalho, estabelecer o consumo comosubstituto das determinações que a esfera daprodução teve na formação e reprodução domundo capitalista. Lefebvre não se limitou a umacompreensão reduzida no sentido de que naextensão da grande indústria estava posto umproblema relativo à super-produção. Não setrata de um requentar da velha, mas atuantepois que se faz como saber, economia política.Seria mais adequado reconhecer que nestanova dinâmica - em que o trabalho não maispõe as determinações de medida da reproduçãosocial, ou seja, no momento a partir do qual opróprio capital perde a sua medida abstratacomo tempo de trabalho - o mundo do consumodeve integrar não somente o seu sentidoreferente à realização do salto mortal damercadoria, mas, ao ser esta a suaparticularidade na reprodução da universalidadevalor deve, como consumo, realizar - de modocondensado - também os sentidos que antesestavam postos no momento da produção. Istoimplica dizer que, para Lefebvre, o século XXdirimiu, acirrando novas contradições e distendooutras, a distinção entre produção e consumono consumo, revolvendo este último comoprodução e reprodução social. Ou seja, é noconsumo que a sociedade, consumindo-se, seproduz. Novas contradições? Superar de umpensamento restrito à formalidade da economiapolítica? Restrição extremada das distinções

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seqüenciais do tempo a efetivar asimultaneidade como espaço? Reconhecimentodo pensamento lefebvriano para a compreensãodo mundo moderno? Cotidiano efetivado comocategoria social e analítica? Fiquemos com aprimeira interrogante...

A contradição capital trabalho assimposta, impõe a própria necessidade de osdistintos capitais se efetivarem como tal namedida em que realizam o mundo do consumocomo a esfera talvez privilegiada deinvestimentos. Trata-se, enfim, de produzir aesfera da circulação e do consumo comomomento integrado da reprodução social. Oconsumo sendo determinante da totalidade, aomenos enquanto sentido. Isto implica dizer quenão se trata de consumir este ou aquele objeto,esta ou aquela mercadoria, mas de estabelecero ato de consumir como representação de algumsentido qualitativo que o mundo da mercadorianão mais repõe, a não ser como contravençãoou contraposição. Como expõe Lefebvre:

“Não é o consumidor nem tampouco oobjeto consumido que têm importância nessemercado de imagens, é a representação doconsumidor e do ato de consumir, transformadoem arte de consumir...” (LEFEBVRE,1991,p.64).

Numa realidade esvaziada deconteúdos, onde o próprio trabalho concretocomo necessidade para a sua abstração comotempo de trabalho perde a densidade antesexistente, a extensão do mundo da mercadoriaterá de se fazer como consumo de tudo aquiloque se coloca como necessidade de reprodução.Assim, o próprio consumo, enquanto forma queé, deve se representar enquanto um conteúdoque efetivamente não está posto. Trata-se,enfim, do que Henri Lefebvre considerou comoa espetacularização do consumo ou espetáculodo mundo:

“O desvio da energia criadora de obras paraa dramatização, para a visualização espetacular domundo (cinema, televisão) tem suas implicações.O ‘espetáculo do mundo’ torna-se consumo deespetáculo e espetáculo do consumo, o que forneceum bom exemplo de torniquete, uma espécie de

pleonasmo que os racionalistas da organizaçãotomam por um equilíbrio (feedback) satisfatório.”(LEFEBVRE,1991,p.71).

A geógrafa Ana Fani Alessandri Carlosinterpreta a partir do pensamento Lefebvrianoa tese de que o mundo moderno não serestringe apenas às praças ou espaços deconsumo, mas da integração do próprioconsumo do espaço, onde o tempo livre,produzindo o espaço do lazer sustenta apassividade do usuário posto como tal naespetacularização do mundo como e através doconsumo, donde o lazer e o turismo têm umpapel a se desvendar.

“O consumo do espaço se analisa nomovimento de generalização da transformação doespaço em mercadoria, que impõe ao uso aexistência da propriedade privada das parcelas doespaço. Assim, o processo de reprodução do espaçoaponta para a tendência da troca sobre os modosde uso, o que revela o movimento do espaço deconsumo para o consumo do espaço” (CARLOS,1999, p.186).

Fala-se, enfim, da indistinção entresignificante e significado que põe o significadocomo auto-referência, constituindo-se o mundomoderno como um conjunto de subsistemas quese explicam tautologicamente enquanto tais. Alinguagem, como subsistema auto-referencial,talvez se expresse como um exemploexponencial da forma se redobrando para serepresentar enquanto conteúdo. A partir daí,onde tudo deve se realizar na forma doconsumo, como necessidade da reproduçãosocial, tudo aquilo que não corresponda a estasimultaneidade do consumo como consumo eprodução pelo consumo passa a se estabelecer,objetivamente, como o dispensável, oinutilizável, aquilo que cabe e não cabe ser dito,que pode e não pode ser escrito, que deve enão deve ser integrado, o que pode e não podesequer ser pensado..., enfim, a centralidade daforma tornando periferia a densidade dosconteúdos do viver. Trata-se da expressão maisacabada do Cotidiano enquanto modo de vida,administrado, portanto, a partir de uma lógica

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do terror, pois que eivado pela violência latente,explícita ou mesmo implícita.

“Na ‘sociedade terrorista’ reina um terrordifuso. A violência permanece em estado latente.As pressões se exercem de todos os lados sobreos membros dessa sociedade; eles têm umaenorme dificuldade para se desembaraçar delas,para afastar esse peso. Cada um se torna terroristados outros e seu próprio terrorista; cada um aspiraa tornar-se um terrorista exercendo (nem que sejapor um momento) o Poder.” (LEFEBVRE,1991,p.158).

O Cotidiano, portanto, como sociedadeburocrática de consumo dirigido é a busca deestender, de modo terrorista, o consumo comototalidade da reprodução. Evidentemente quenão sem contradições, mas a partir dascontradições então postas. Observe-se,contudo, que esta reflexão sobre o Cotidiano,em Henri Lefebvre, é oriunda da extensão dotempo de não-trabalho que, na reprodução dasrelações sociais de produção, é incorporado aomundo da mercadoria. Ponte, passagem, veredaque não se pode perder de vista.

Assim, tempo e espaço do ócio,constituídos na sua versão crítica moderna,apresentam-se como lazer: consumo de tempoe de espaço, produção espacial para consumode tempo e espaço que reproduzam, ainda quecriticamente, as relações sociais sob a formavalor. Numa rápida exposição do autor:

“Os espaços de lazer constituem objeto deespeculações gigantescas, mal controladas efreqüentemente auxiliadas pelo Estado (construtorde estradas e comunicações, aval direto ou indiretodas operações financeiras, etc.)” (LEFEBVRE,1977,p.247).

A preocupação relativa ao espaço,tomada como questão fundamental para secompreender o mundo moderno, reflete aincorporação da reprodução social comototalidade, ainda que contraditória, na medidaem que a sociedade se faz e se reproduz a partirde um espaço específico. Neste sentido, otempo dado pela sociedade enquanto forma

específica de sociabilidade se faz através doespaço e a categoria espacial retém auniversalidade do processo.

Não se trata de um mero discursoespacial, se é que isso se possa parecer àprimeira vista, mas de compreender adeterminação espacial numa sociabilidade cujosentido, como já mencionamos, é a redução dotempo ao espaço. Trata-se, enfim, de, nestaredução, - estabelecida pelas mediações queembaralham o antes e depois como merapresentificação que, enquanto talsimultaneidade , efetivam-se como espaço -desvendar as determinações espaciais destareprodução. Daí deriva uma necessária teoriaespacial em Henri Lefebvre cuja reflexão maisapurada encontra-se em La Production del´Espace 14 .

Aqui pode-se considerar que Lefebvre(2000) destaca a modernidade como umasociabilidade cuja reprodução se efetiva atravésde uma prática espacial. O mundo moderno comosendo aquele constituído especialmente atravésda realidade urbana.15 - isto pelo surgimento ecrescimento das grandes metrópoles, induzidaspela industrialização ao longo do XIX e primeirametade do século XX 16 - apresenta-se comouma evidência das determinações espaciais damodernidade. Eqüivale dizer que o espaço éefetivação da simultaneidade necessária àreprodução social das relações capitalistas. Nãosem motivos, Henri Lefebvre considerou asimultaneidade como aquele elemento referenteà forma do urbano no mundo moderno,pressuposto necessário para a reprodução dasociedade capitalista.

Observa-se que, em realidades onde arealização do capitalismo se faz a partir dadesigualdade do desenvolvimento 17 , asupressão da sucessão é, talvez, mais explícitacomo elemento necessário à realização docapitalismo, colocando ainda mais o problemarelativo ao espaço. Em sua pesquisa sobre aformação das cidades na área de fronteira, cabedestacar a definição de “cidade sem infância”,apontada por Sérgio Martins, donde a lógica da

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mercadoria não se estabelece numa dimensãotemporal linear, mas aos saltos e simultânea aosnexos da forma. Essa supressão do uso desdea gênese, estabelece-se, num tributoexpressamente lefebvriano, na realização doespaço como reprodução daquilo que estáposto. Ao analisar esse processo a partir dacidade Chapadão do Sul, numa área de fronteirada expansão capitalista, observa:

“Chapadão do Sul é uma cidade quenasceu adulta porque concebida segundo umaracionalidade que passa longe da festa comosentido de apropriação, de ‘consumo’ da cidadepelas representações da imediaticidade da vida. As‘ festas a bem da colonização’ , realizadas pelopróprio Fomentador, precederam a cidade. Mas,como anti-festa, elas são privadas deespontaneidade, pois provas em essência, de umaintencionalidade dada de antemão, que tem acidade como finalidade de ser o local e o centro deconsumo das Coisas, do encontro delas, e não daspessoas.” (MARTINS,1996, p.40) 18 .

Aprecia-se a incorporação na análise deuma compreensão sobre o mundo moderno,realizado enquanto tal, como espaço, totalidadecontraditória, isto é, aberta, como devir. Nassuas múltiplas perspectivas efetivas e analíticas,o espaço se põe como o elemento que realiza omundo moderno como totalidade, em suasformas particulares, através do e como espaço.O pensamento lefebvriano constrói-se, numdado momento exposto mais a seguir, como umateoria espacial, vínculo flagrante com a Geografiacomo uma forma de conhecimento. Comoobserva a geógrafa:

“Abre-se assim o pensamento para aformulação de uma teoria unitária do espaço quesintetiza o natural (quadro físico), o mental (osespaços de representação e ou representações doespaço) e o social, com a prática correspondente,vista já, como prática espacial. Formula-se assim,o conceito de espaço social. Para operar com ele épreciso ir discernindo três níveis do real: opercebido, o vivido e o concebido, em cujaassincronia se apreciariam confrontos e conflitos,o movimento do devir. “ (SEABRA,1996, p.09).

Em Henri Lefebvre, dado que asimultaneidade, efetividade enquanto espaço,adquire contornos no interior da teoria dasformas, e passa a ser um elemento componentee necessário da reprodução social capitalista,enquanto forma, estabelece-se como elementológico que reduz as dimensões do possível naunidade contraditória do mundo da mercadoria.Simultaneidade, enquanto espaço, é redução dasucessão, efetividade do tempo:

“Plus que des invariances ou constances,ce passage incessant de la temporalité(sucession, enchainement) à la spatialité(simultanéité, synchronisation) définit touteactivité produtrice (LEFEBVRE, 2000, p.87)19 .

A realidade urbana toma uma dimensãoimportante no pensamento do autor justamenteporque contém, de modo o mais acabadopossível, este sentido do espaço comodeterminação do mundo presente. HenriLefebvre distingue a cidade do urbanojustamente porque considera que a formaurbana, enquanto simultaneidade, não maispode limitar-se ao espaço da cidade. Assim, ourbano passa a integrar o Cotidiano enquantocategoria social que explicita, de forma maisacabada, o sentido da reprodução das relaçõessociais de produção, como já nos referimosacima. Pode-se dizer que se trata não daprodução material, mas de uma produçãoespecífica, como expressa Carlos (2004).

“...Lefebvre nos coloca diante da idéia deque o modo de produção precisa se reproduzir, umareprodução que não coincide com a produção dosmeios de produção, mas se efetuaria também emoutros planos, colocando-nos diante das “novasproduções” capazes de explicitar o mundomoderno: o espaço, o urbano, o cotidiano(cotidianeidade).” (CARLOS, 2004, p.25).

Cabe destacar que esta abordagemlefebvriana mostra sua pertinência, pelaGeografia, quando da abordagem relativa àurbanização brasileira. Em seu estudo sobre ametropolização de São Paulo, Seabra (2004)mostra como que o urbano, como modo de vida,integrado simultaneamente na vida de bairro -

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espaços de representação - constitui-se comoum processo a partir do qual redefine e incorporaos atributos do viver às dimensões do vivido,nível já relacionado ao mundo da mercadoria eàs representações do espaço. Nestasimultaneidade oriunda da necessidade dareprodução ampliada do capital e, portanto, damodernização, o processo, como demonstra ageógrafa, é, necessariamente, espacial. Comoexpressa:

“ Logo o urbano como modo de vida temsua gênese na cidade histórica. É o social seconstituindo onde cada indivíduo, cada trabalho,formando-se como parte de um todo, perde-se nohorizonte propriamente individual porque se tornaabstrato. No presente, o urbano se consuma nafragmentação do espaço e do tempo,...” (SEABRA,2004,p.13-14).

Simultaneidade que se apresenta, nomomento de reprodução crítica, e sempre críticado mundo da mercadoria, por uma insuficiênciado próprio espaço enquanto estasimultaneidade, sendo o mesmo subtraído desi mesmo como espaço para repor-se, enquantotal no processo de reprodução, constituindo oque Carlos (2000) observou como o espaçoamnésico a partir do tempo efêmero, isto é,espaço que, na necessária simultaneidade paraa reprodução, sequer a memória social nelepode, sob o capitalismo financeiro, ser retida.O que se deriva, contraditoriamente, é que,nesta lógica avassaladora, o destruir e construircomo produção expressa a preponderância dopróprio espaço como condição, resultado enecessidade do Cotidiano enquanto re-produção global.

“Aqui, a fragmentação do espaço, impostapela propriedade privada do solo urbano, se realizatambém como fragmentação da vida social. O novoengole, incessantemente, as formas onde seinscreve o passado; sem referencial, a buscaincessante do novo transforma a metrópole noinstantâneo...” (CARLOS, 2000, p. 47).

Caberia ainda destacar como que nopróprio processo de formação do espaço urbano,particularizado pelo desenvolvimento desigual

do capitalismo, do qual o Brasil é parteconstituinte, a forma da simultaneidade, comoforma do urbano mesmo, acaba por seestabelecer como um elemento que conduz, porantecipação, à própria produção do espaço.Tese que destaca a simultaneidade como aprópria identidade do espaço, que, nestadensidade temporal, se efetiva em seutranscurso histórico como produção espacial.

“A simultaneidade do urbano será a de seapropriar [de] momentos para a produção de seuespaço. O espaço da realização da riqueza na formavalor, monetária, sendo ele mesmo a constituiçãode formas de acumulação originária. ”(SILVA,2005,p.20).

Destaca-se, assim, a simultaneidadeposta na forma mercadoria, a partir da qual, oespaço, efetivação da densificação do tempo,se realiza como sua produção. A forma dasimultaneidade aqui transparece como espaçoantes mesmo do espaço se colocar comoprodução espacial. Lógica e história serelacionam a explicitar a densificação do própriotempo como espaço.

As determinações espaciais, para HenriLefebvre, ao se referirem aos sentidos da re-produção social, relacionam-se tanto a estareprodução ou a este sentido, como também,ao conterem esta determinação, só a realizamna medida em que representam a diversidadedaquilo que não são. Portanto, é no espaço eatravés do espaço que a sociedade se lê noreflexo de seu espelho, pois que, para Lefebvre,a imagem nítida do espelho é aquela que mostrao seu outro como se fosse o mesmo. Lembremoso destaque que o autor dá ao tecer suasdigressões na Arquitetônica Espacial 20 , aoconstruir a idéia de que o espelho reflete, naimagem, aquele ou aquilo que está fora, demodo invertido. Vale lembrar que, nestemomento, Lefebvre busca ressaltar que, noespelho, o lado direito, refletido, aparece comose fosse o esquerdo.

“ Le miroir? Cette surface pure et impure,presque matérielle, quasiment irréelle, faitapparaître devant l´ego sa présence mattérielle;

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elle suscite son inverse, son absence et soninhérence dans cet espace ‘autre’. Sa symétrie s´yprojetant, il l´y découvre et peut croire que ‘ego’coïncide avec cet “ autre”, alors qu´il le représente,image inverse, où la gauche vient à droit, réflexionqui produit une différence extrême, répétition quitransforme le corps de l´ego en un fantômeobsédant. De sorte que l´identique est aussil´absolument différent, et la transparence équivautà l´opacitè.” (LEFEBVRE,2000,p.-214-5)21 .

Reflexão ou representação? Deste modo,o espaço passa a se constituir também, enecessariamente, a expressão reflexa dasociedade e, enquanto tal, representação damesma, daquilo que ela não é como se issofosse.

A tese sobre o espaço capitalista como oespaço de catástrofe do espaço perspectivo,denota, de modo contundente, a dimensãorepresentativa que este espaço adquire eoferece na reprodução das relações sociais deprodução, extremada na imponência da fachadapor sobre as perspectivas que se referem àprofundidade e expressam relações de unidadeentre forma e conteúdo de sociabilidades pré-modernas. Paul Klee, segundo o autor, reveloua catástrofe da perspectiva pelo seuestilhaçamento na hipérbole da fachada,através do cubismo. Bauhaus, mais do que osímbolo desta expressão espacial damodernidade, realizou, em algum grau, ossentidos do espaço no mundo moderno.

No pensamento lefebvriano, o espaçocapitalista, portanto, na medida em que seintegra como universalidade do mundo damercadoria, deve não somente ser a merareprodução ou funcionalidade posta sob asestratégias da reprodução, mas sim que deveconformar os discursos sobre a totalidade paraefetivar a autonomia das partições esegmentações postas como pressuposto eresultado do mundo moderno, enquanto prática;a partir do que ganha um novo sentido adimensão funcional estruturalista da/nareprodução social. Não se trata de negar oestruturalismo e o funcionalismo, mas de

compreendê-los como representações detotalidade que, postos em sua autonomia auto-referenciada como totalidade, ganham estatutoprático na reprodução, na medida em querepresentam o possível como reprodução dopresente22 .

Destaca-se, portanto, a importância dasrepresentações no mundo moderno. Se asrelações postas entre termos distintos tornam-se possíveis porque resultam de contradiçõespróprias do mundo da mercadoria, as mesmasestabelecem lógicas próprias, redutoras ereduzidas, circundam-se em estreitos planos darealidade na autonomia da exatidão que aícircunscrevem para representarem a nãocontradição da contradição que os colocou comoefetividade. Mais do que isto, a representação,ao constituir símbolos aproximativos daquilo quenão existe, a não ser como representação,intercala o resultado como algo já dado,simultaneidade que efetiva o sentido espacialque a modernidade aí assenta. Giannotti (1983),também destacara o sentido da antecipação quea representação traz ao processo social:

“Podemos fazer da relação social um pactoporque um indivíduo se reporta a outrem porintermédio dum objeto que carrega uma dimensãorepresentativa, a antecipação duma ação a quedeve corresponder uma reação de terceiros.”(GIANNOTTI,1983,p.59).

É com pertinência, portanto, que asrepresentações do espaço ganham estatutocategorial na teoria espacial lefebvriana. Trata-se, enfim, de, contraditoriamente, ser o espaçoessa universalidade que, enquanto tal,reproduz, na forma de representação, a suaverdade como subsistema que se faz comototalidade. Contradição do espaço? Numaapreciação sobre a problemática espacial assimacentua Damiani (2004) a importância sobre ométodo:

“É preciso uma noção que coloque,francamente, os processos sociais de produção,na sua historicidade. É preciso ir em direção a umaconcepção da produção do espaço, que exija maisdo que a lógica formal.” (DAMIANI,2004,p.84).

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Neste particular momento, pode-seafirmar que, na teoria lefebvriana a respeito doespaço, em sua perspectiva contraditória, põe-se o mesmo como o espelho, a partir do qual asociedade se entende como tal. É na produçãoe reprodução espacial que, apropriando-se detemporalidades, ainda que na forma dapropriedade, o espaço reflete - segundo aquelaperspectiva do espelho já comentada a partirda Arquitetônica Espacial - a realidade que elecircunscreve.

Neste jogo de espelhos, a própriadimensão espacial da sociedade faz-se limitadaà sua extensão concreta e palpável:representação do espaço como espaço..., masque fundamenta a sua politização nasestratégias intervencionistas no próprio âmbitodo que o autor chamou de a produção do espaço.Deste ponto de vista, a neutralidade espacialLefebvre (1976) só pode se apresentar, para oautor, como uma representação do espaço comoespaço. Enquanto universalidade, portanto, opróprio espaço subverte a si representando-secomo sistema autonomizado, como totalidadefechada da realidade que o produz e o efetivacomo unidade contraditória do/no mundo damercadoria.

Lefebvre não traria esta correlação doespaço enquanto representação de si e dasociedade, necessidade do mundo damercadoria, sem que se tivesse por traz a suacontribuição à teoria das representações. Valeressaltar que, para não repetir o já expostoacerca das representações do espaço, asrepresentações, em sua teoria correspondente,compõem-se como elementos formais a partirdos quais a unidade contraditória dos termosreferentes se apresenta como identidadesimples, dirimindo a percepção dosantagonismos e contradições que daí derivam.Desta maneira, o contrato, o casamento, osalário, dentre outros, são formas quesubvertem a tensão da desigualdade pondo-ano plano das equivalências. Como observouatentamente José de Souza Martins ...”a funçãoda forma é a de revestir de coerência aquilo que écontraditório e tenso. É, por isso, negação

mediadora das relações que expressa ”(MARTINS,1990,p.13). Em sua pesquisa sobrea expansão da metrópole através dos conjuntoshabitacionais, Damiani (1992) ressalta como quea forma, tendo este sentido, estabelece-se natensão aos conteúdos a ela referentes;supressora, instaura, numa metrópole queparticulariza o movimento geral da reprodução,uma sociabilidade que não atinge o cotidiano,mas tão somente o infra-cotidiano.

“ O cotidiano não é somente ordemimposta, ele é, no plano subjetivo, uma organizaçãode vida assegurada. Quando o banal do dia a dia,como se alimentar, vestir-se, alojar-se, locomover-se, produzir, faz parte da vida de forma segura.Com esses tempos, atividades e espaçosconquistados de maneira que parece definitiva. Éa ordem diária da segurança material. Tendocotidiano se dorme em paz. Lefebvre define ocotidiano, neste sentido, como algo entre o infra-cotidano e o supra-cotidiano, enquanto uma sortede média social. “ (DAMIANI,1992,p.20).

No pensamento de Henri Lefebvre aforma da mercadoria, tal como Cotidiano ,estende-se como domínio por todas asdimensões da sociabilidade fundada no mundoda troca e do valor. Daí a tese fundamentalrelativa à presença-ausência Lefebvre (1983). Háque se representar o ausente, efetivando-ocomo representação, para reproduzir o que estápresente, tomando este tanto o sentidotemporal como o sentido daquilo que está posto.Uma vez mais, mediação que embaralha aseqüência do tempo, realizando a efetividadedo espaço como elemento determinante damodernidade.

Esta preocupação permeia opensamento lefebvriano desde suas primeirasincursões a respeito da modernidade e nãoesteve ausente em sua interpretação a respeitodas rupturas estabelecidas na passagem paraa modernidade do feudalismo francês. Em seuestudo sobre as comunidades dos pirineusLefebvre (1963) a perda da condição comunal,estabelecida numa luta contra o domínio feudale contra a ampliação do mundo da troca e da

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equivalência, resulta no prevalecimento, atravésdeste último, da inserção das representaçõesefetivadas através da mediação monetária.Como o sentido é de ruptura e de passagempara as relações modernas trata-se de, assim,representar, pelo moderno, as relaçõescomunais. A ritualização da assembléia geral -prática costumeira -, a definição dos ofícios pelomontante monetário, dentre outros, é aexpressão empírico-analítica de que asrepresentações adquirem este papel mediáticoque suprime o tempo como seqüência. Asimultaneidade posta pelas representações -feudal e moderno ao mesmo tempo - expressamas representações e as mediações comoefetividade do espaço. O costume, transmutadoem direito costumeiro e este em direito,exacerbação da escrita - forma - sobre apalavra, realiza o plano das representaçõescomo elementos constituintes e efetivos damodernidade em seu transcurso mais ou menosviolento, mas sempre como violação. O percursotemporal para a modernidade, portanto, é aposição do espaço como reprodução social.

“Le droit coutumier (ou prédroit) déjà fixèpar des textes, c´est-à-dire réglant les rapportsde la communauté organisée avec l´extérieur,avec les instances supérieures, et aussi avec sespropres organismes et représentants permanents.

Il s´agit, en fait, déjà d´un ‘ droit écrit’puisque stipulé par des textes. Mais il s´agit encorede coutumes rédigée après des événmemens ouchangements, presque toujours avec l´illusiond´une nouvelle durée coutumière illimitée.”(LEFEBVRE,1963, p.140)23 .

Neste ponto, o próprio espaço se põecomo representação do espaço e a ilusão deconcretude que daí deriva integra a teselefebvriana de que o mundo da mercadoriapassa a se constituir também pelosuperdimensionamento do visual por sobreoutros sentidos, o que resulta num embaralhardos sentidos e da percepção filtrados comorepresentação de conhecimento pelavisualidade, contribuiindo a fundamentar oespaço como ilusão de concreticidade, ilusão

espacial. Trata-se, certamente, da tese sobre alegibilidade espacial. O pressuposto é que nestesubverter dos sentidos pelo visível, a relaçãoentre objeto e conhecimento se reduz alinguagens particionadas que, em assim sendo,auto-referenciam-se conduzindo o real a umconjunto de sistemas e subsistemas que seauto-explicam. Aqui tudo aparece comolinguagem ou linguagens, que passam então aconter, cada uma, a sua própria sintaxe. Averdade, mais uma vez, reduzida à exatidão,parece transparecer na medida em que asregras destas distintas, múltiplas e variadaslinguagens, são meramente executadas. É comose a validade das regras sintáticas das múltiplaslinguagens - que se efetivam como subsistemasfechados que se fazem como totalidade - fossesuficiente para expressar a verdade daquilo aque se referem. Resulta daí uma mera unidade,isto é, uma indistinção entre texto e contexto,donde o prevalecimento do texto,representando a si mesmo como contexto, retira,sem o expressar, a relação de inteligibilidadeque se faz entre significante e significado. Alinguagem, portanto, ao atingir este grau zeroem relação aos seus referenciais, sendo elareferência de si mesma, estabelece ametalinguagem como instrumento dereprodução.

“Existe conflito entre a função referenciale a função metalingüística. Esta corrói e suplantaaquela. Quanto mais opaco se torna o referencial,mais cresce a importância da metalinguagem.Quando a linguagem e o discurso são tomadoscomo referenciais, estamos no reino dametalinguagem. Operando no segundo grau (e àsvezes no terceiro), a metalinguagem afasta edissolve os referenciais. Reciprocamente, cadadesaparecimento de um referencial anuncia aextensão de uma metalinguagem (ou dametalinguagem num setor particular), de modo quea metalinguagem substitui a l inguagem,transferindo para si mesma os atributos delinguagem dotada de um referencial. Cadareferencial que cai libera significantes soltos,destacados e, por conseguinte, disponíveis. Ametalinguagem se apodera desses significantes e

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os utiliza num emprego ‘no segundo grau’. Esseemprego contribui para dissolver os referenciais,e a metalinguagem reina sob uma luz fria (o gênerocool).” (LEFEBVRE, 1991,p.140).

A teoria espacial lefebvriana, portanto,teve que desvendar esta ilusão espacial, isto é,mostrar que o espaço não se oferece ao mundomoderno como um subsistema a partir do qualse pode daí derivar uma linguagem oumetalinguagem, uma sintaxe, de modo que omesmo contemple, através dele, umalegibilidade do social.

“Autrefois prédominant, le trait ‘nature’s´estompe et devient subordonné. Alorsqu´inversement le caractère social de l´espace(les rapports sociaux qu´il implique, qu´il contientet dissimule) commencent à l´emportervisiblement. Ce trait caractéristique, la visibilité,n´entraîne portant pa la lisibilité des rapportssociaux inhérents. L´analyse de ces rapports, aucontraire, devient difficile, à ce point qu´il lui arrived´avoisiner le paradoxe ”. (LEFEBVRE, 2000,p.100)24 .

Isto só é possível como i lusão ourepresentação espacial, daí o paradoxo entre aimportância do espaço no mundo moderno e asua presença como representação daquilo quenão é. Contradição do espaço? Em termosrelativos à relação entre forma e conteúdo,trata-se do desvendamento, em sua teoria, daautonomização das formas. O espaço seconstitui como um instrumento na medida emque delimitado como objeto desta ou daquelaciência, sendo o planejamento e a burocraciaformas particionadas do conhecimento quefazem do espaço esta metalinguagem, daí atese, uma vez mais, da não neutralidade e dapolitização do espaço.

Os espaços de representação, dimensãodo qualitativo e do concreto, passam a seconstituir como momentos necessários para aefetivação das representações do espaço,subversão que integra os sentidos damodernidade. Portanto, a ausência de estilocomo o estilo da modernidade, realidade quese reproduz a partir da desintegração da relação

entre ética, estética e estilo, resultando emestetismos, revigora o romantismo a buscar nopassado espaços de representação que sereproduzam no presente como mundo damercadoria. A moda e o demodé, o espaço deconsumo, mas, especialmente, o consumo deespaço, explicitam a dimensão superficial e semprofundidade, mas necessária, na e para aconstituição da modernidade.

O espaço, ao conter esta universalidadedo real enquanto modernidade, repõe asdimensões do formal como determinantes.Explicitemos... Para Henri Lefebvre a reproduçãodas relações sociais de produção, ainda quecriticamente e por serem críticas, fazem-se apartir de determinações espaciais, comocomentado mais acima. Disto deriva que o planodas lógicas, redutoras, efetiva-se, no mundo damercadoria, como aquela identidade, pelamediação, do antes e do depois. Deste pontode vista, elas antecipam o resultado que,enquanto efetividade, fazem-se como concepçãode mundo. O plano do concebido, portanto, sese integra à esfera das estratégias e do político,não deixa de ser uma forma da totalidade socialexacerbada pelo mental: razão comoinstrumento da reprodução. Deve-se ressaltar,ainda, que as concepções devem conter outrosníveis da realidade na medida em que tendem -e dentro do possível o fazem - ,contraditoriamente, a reduzi-las à própriaidentidade da concepção. Daí o sentido da folhaem branco do arquiteto e da tábula rasa que oconcebido adquire no pensamento de HenriLefebvre. Trata-se de uma unidade das distintasdimensões ou níveis espaciais da realidadedeterminados pela negatividade posta comoviolência. O concebido , portanto, realiza-setriadicamente (com o percebido e o vivido, outrasduas dimensões do moderno enquanto espaço)porque, sendo esta negatividade específica asua identidade, detém os outros termos darelação como ausências. Daí a sua aparenteindependência e isolamento em relação àrealidade. Esta específica negatividade doconcebido, pode-se dizer, constitui a sua própriadeterminação, segundo a apreciação que se fazdo pensamento lefebvriano. Como tal, trata-se

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do império das formas e da razão postas comoinstrumento e como verdade de per si. É, nainterpretação do autor, o plano do equilíbriocomo representação, restaurar de um Apolo amarejar indelével sobre a turbulência de umoceano dionisíaco, intempestivo. A importânciade Niesztche para a compreensão do mundomoderno no pensamento de Henri Lefebvre estáexpressa em algumas de suas obras fundantes,das quais pode-se citar Lefebvre (1983) e(1987). Vejamos uma passagem:

“ La ‘perdida de identidad’? Es lo trágico dela situación. Alienación? Efecto de una alienación?No. Este juicio ya no basta. La ‘perdida de identidad’,condición de la metamorfosis, puede rechazarse.Entonces triunfa la identidad, es decir, la repetición.Al ser aceptada “ la pérdida de identidad como víapeligrosa de una metamorfosis y, por tanto, deuna diferencia, triunfa la embriaguez dionisíaca.La vida en el grado más elevado hace uso de losdos procedimientos. La embriaguez dionisíaca porsí sola arrastra hacia la aventura sin ley, la droga,el erotismo, el abandono instantáneo y la locura,y al mismo tiempo hacia la desintegración de símismo y la persecución de la trascendencia. Lamemoria y el conocer permitem frenar, controlarhasta cierto punto la metamorfosis, a riesgo deimpedirla. Apolo, considerado aisladamente, implicael peligro de otra disolución. La unida en elcontraste y el enfrentamiento de las dos potencias:esa es la vía, según Nietszche.” (LEFEBVRE, 1983,p. 273).

Nesta representação apolínea, contudo,é que se faz como possível a efetividadeabstrata. Fala-se, enfim, das estratégiasespaciais, isto é, das formas da mediação, aintegrarem a produção do espaço. Nestepercurso, as concepções espaciais forjam oespaço naquele simples sentido do espaçorepresentado como espaço. O planejamento,âmbito prático das concepções espaciais,adquire, portanto, uma importância nãonegligenciável na produção do espaço moderno.

A unidade posta no espaço comodimensão determinante do mundo damercadoria é, ao mesmo tempo, o

desenvolvimento das partições estabelecidascomo condição e pressuposto do mundomoderno, ressaltadas já por Marx em A assimchamada acumulação primitiva . Osuperdimensionamento do espaço, ou se sequiser, da importância do espaço na re-produção, na medida em que há uma reduçãodo tempo ao espaço, realiza nesta unidade assegmentações.

Dada a prevalência do mental por sobreo social, ou ainda, do concebido sobre o vivido,resultado da extensão do mundo do trabalhocomo não trabalho, as relações de integridadede elementos espaciais se desdobram comopartições elementares, perdendo a relação queentre elas se torna possível estabelecer, istoao menos no âmbito da consciência. Forma,função e estrutura, destituídas de suas relaçõesintrínsecas, na modernidade, dado a prevalênciaacima citada, destituem, nesta unidade não maisposta, a percepção como relação integrada entresujeito e objeto. A expressão desta integridadeque compõe o pensamento de Henri Lefebvrese dá nas Termas romanas, onde forma espacial,vinculada a uma função que, necessariamente,recorre a uma estrutura que é o antes (anatureza donde está o possível como Termas),o durante (as Termas propriamente) e o depois(reincidência da unidade expressa nas linhascurvas que integram esta totalidade para alémda mera função, retirando desta a possibilidadede prevalência) está sempre a explicitar ummundo em sua integridade, seja como objeto,seja como consciência deste objeto. Concebidoe percebido, enfim, realizam-se como vivência,desfrute. Não se trata de uma idealização domundo romano, mas, especialmente, de umaincursão reflexionante naquilo que compõe osentido de uma unidade “apenas” representadano mundo moderno. Se este percursoidealizante se faz em relação ao mundo romano,a teoria lefebvriana é muito mais umaexplicitação do moderno do que um possíveldesvirtuamento do que ali, nas Termas, poder-se-ia expressar. A regressão lefebvriana ésempre um pulsar de consciência sobre opresente como devir e não uma estritaexplanação sobre o passado.

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“ L´habitus grec de l´espace,inséparablement social et mental, autorisait-il laformulation des concepts essentiels: forme,fonction, structure? Certainement, puisque laphilosophie s´engage dans cette formulationexplicite et que le philosophe s´en charge, mieuxencore Aristote que Platon. Chez celui-ci, l´uniditéresplendit dans la transcendence ontologique. ChezAristote, elle devient théorie du discours, duclassement, de la cohérence. A peine franchi leseuil de la formaulation, les concepts se dissocient;le conçu se sépare du vécu e L´habitus del´intuits, brisant leur unityé présupposée. Parcontre, dans l´intuitus romain, la subordinationde la forme, de la strutcture, de la fonctionenchaque chose (pas de meilleur exemple que lesThermes) à un principe à la fois matériel (unbesoin) et juridicitionnel (civique) qui en fixel´usage social, laisse pour ainsi dire du jeu à l´unité. L´espace romain s´encombrera d´objets(le forum) mais sera productif. Et plus libre, cedont témoigne un plus large emploi des coubures.L´uynité de la Loi, du Droit, de la Proprieté, de laVille-État, parce que vécue et percue mieux queconçue, évitera la cassure irrémédiable. Le besoin,à Rome, aparaît comme un caractère presquetotal: les Thermes comme la Villa contiennent toutce que demanden les corps et les esprits des libres(et riches) citoyens.” (LEFEBVRE, 2000, p.277)25.

O percebido, mesmo na fragmentaçãocomo mundo moderno, termo médio entre aconcepção e o vivido, restaura a tríade comopossibilidade, na medida em que se integracomo necessidade racional para a realização -na partição entre mental e social, entre forma,função e estrutura - da própria razão como

instrumento. Se aí o vivido aparece como oâmbito da supressão pela forma que prevalececomo concebido, é nele que as contradições seexpressam de forma mais explícita, sãocontradições tanto entre a forma e o conteúdo,como contradições do conteúdo para consigomesmo. Ressalte-se, portanto, que em Lefebvreos termos, embora segmentados na práticasocial, são sempre formas particulares dereunião da tríade que, assim posta comoespaço, realizam nesta relação o moderno comoprática espacial. Isto é, cada um dos termosrealiza-se na relação com o outro como espaço,e um espaço, aquele da modernidade. Daí anoção de prática espacial permear um sentidode unidade nos distintos termos. Noção que,posta na determinação lógica do mundomoderno, implicará em relações de inclusão-exclusão que o espaço, enquanto tal, realizade modo mais acabado.

Por fim, a importância do estudo damodernidade a partir do pensamento de HenriLefebvre não só traz reflexões e apontacaminhos profícuos como contribui para aconstrução de um conhecimento que tome oespaço como uma categoria filosófica, mais doque um mero vocábulo. Neste ponto, a Geografiaganha uma tarefa e um papel fundamental, namedida em que a compreensão do espaço e damodernidade constituem parte integrante deseu objeto enquanto ciência. Se a sociedademoderna se efetiva através do que o autorconsiderou como prática espacial, a importânciade sua obra para a Geografia está posta, nãocomo algo dado, mas como desafio do e para oconhecimento.

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Notas

1 Agradeço ao Prof. Dr. Sérgio Martins, do Institutode Geociências da Universidade Federal de MinasGerais, pelas sugestões e leitura crítica.

2 O debate sobre feudalismo ou capitalismo noperíodo escravista e colonial brasileiro pode servisitado em Prado Jr. (1977).

3 A tese sobre o sentido da colonização, defendidapor Caio Prado Jr., apresenta-se como um marcoteórico divisor sobre o debate relativo aofeudalismo ou capitalismo como sociabilidadedeterminante da formação brasileira e pode servisto em: Prado Jr. (1999).

4 Trata-se do título do capítulo XXIV do primeirovolume de O Capital de Karl Marx (1997).

5 “A importância das mediações (vermittlugen, emHegel) reais e não somente mentais (intelectuais)não pode se subestimar. Na mediação - dodinheiro à imagem nas mídias modernas - sedesenvolvem as propriedades de uma só vezmateriais e formais das coisas. Em Hegel, amediação não se define somente por isso de ondeprovêem: origem, causa histórica, “terminus quo”.Ela se define também pelo sentido e pelo objetivo,pelo f im e pelo “terminus ad quem”, massobretudo pela operação que embaralha o fim eo meio o original e o terminal. O utensíl io(instrumento) serve de intermediário (mediador)entre a atividade e a mão do trabalhador, de umlado, as matérias trabalhadas do outro. Ora, osgestos dos trabalhadores e os trabalhadores elesmesmos mudam, as matérias a mesma coisa.”(LEFEBVRE, 1977,p.-64-65).

6 Cf: Marx (1997).Uma apreciação sobre relaçãoentre capital circulante e o espaço pode-seobservar em Alfredo (2005).

7 “ Esse espaço seria ele abstrato? Sim, mas eletambém seria “real”, como a mercadoria e odinheiro, essas abstrações concretas. Seria eleconcreto? Sim, mas não do mesmo modo queum objeto, um produto qualquer. (...)”(LEFEBVRE,2000, p.-35-36).

8 Refletimos sobre essa tese Santos (1977) emAlfredo (2005).

9 Esta tese está explícita em algumas de suas obras,considero aqui portanto duas publicações: Santos(1991) e uma publicação parcial desta mesma

obra: Santos (2002).10 Cf. Giannotti (2000).11 A respeito dessa tríade (concebido, percebido e

vivido) far-se-á uma abordagem ao longo doartigo, quando da análise sobre a problemáticaespacial em A produção do espaço de HenriLefebvre, mais à frente.

12 “As forças produtivas (natureza, trabalho eorganização do trabalho, técnicas econhecimentos) e, bem entendido, as relaçõesde produção, têm um papel - a determinar naprodução do espaço.” (LEFEBVRE, 2000, p.57).

13 Uma reflexão sobre essa perspectiva teórica deHenri Lefebvre pode ser encontrada em Martins(1999).

14Cf: Lefebvre (2000).15Deve-se, contudo, distinguir aqui realidade urbana

da noção sociedade urbana, cujo sentido é outroe está expresso em A revolução urbana.Realidade urbana, expressa aqui, apenas serefere ao crescimento das grandes cidades aolongo do XIX e XX, como se referenciou no texto.

16Cf: Lefebvre (1972); (1983); (1972).17O desenvolvimento desigual como uma questão de

método para a análise da expansão do capitalismopode ser observada em Lenin (1982).

18 Confrontar também, Martins (1993).19 “Mais que invariâncias ou constâncias, essa

passagem incessante da temporalidade(sucessão, encadeamento) à espacial idade(simultaneidade, sincronização) define todaatividade produtora” (LEFEBVRE, 2000,p. 87).

20 Trata-se do título do terceiro capítulo de HenriLefebvre, La production de l´espace , Paris,Anthropos, 2000.

21 “O espelho? Essa superfície pura e impura, quasematerial, quase irreal, faz aparecer diante do egosua presença material, ela suscita seu inverso,sua ausência e sua inerência nesse espaço“outro”. Sua simetria aí se projetando, ele aídescobre e pode crer que “ego” coincide com esse“outro”, então que ele o representa, imageminvertida, onde a esquerda se torna a direita,reflexão que produz uma diferença extrema,

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repetição que transforma o corpo do ego em umfantasma obsessivo.” (LEFEBVRE, 2000,p.214-5).

22 Sobre Henri Lefebvre e o estruturalismo vale aconsulta Lefebvre (1973); (1967).

“O direito costumeiro (ou pré-direito) desde já fixadopelos textos, isto é, regulando as relações dacomunidade organizada com o exterior, com asinstâncias superiores, e assim com seus própriosorganismos e representantes permanetentes.Trata-se, de fato, desde já de um ‘direito escrito’pois que estipulado pelos textos. Mas trata-seainda de costumes redigidos apósacontecimentos ou mudanças, quase sempre coma i lusão de uma nova duração costumeirailimitada.” (LEFEBVRE,1963, p.140).

23 “Anteriormente predominante, o traço ‘natureza’rompe-se e se torna subordinado. Então que, aocontrário, o caráter social do espaço (as relaçõessociais que ele implica, que ele contém edissimula) começa a tomar importânciavisivelmente. Esse traço característico, avisibilidade, não reúne portanto a legibilidade dasrelações sociais inerentes. A análise dessasrelações, ao contrário, torna-se difícil, a pontoque se chega a avizinhar de um paradoxo.(LEFEBVRE, 2000, p.100).

24 “ O habitus grego do espaço, inseparavelmentesocial e mental, autorizaria a formulação deconceitos essenciais: forma, função, estrutura?Certamente, pois que a filosofia se engaja nessaformulação explícita e que a fi losofia seencarrega, melhor ainda Aristóteles que Platão.Nesse, a unidade resplandece na transcendênciaontológica. Em Aristóteles, ela se torna teoria dodiscurso, da classificação, da coerência. A penaatravessa o limite da formulação, os conceitosse dissociam; o concebido se separa do vivido eo habitus do intuitus, quebrando sua unidadepressuposta. Pelo contrário, no intuitus romano,a subordinação da forma, da estrutura, da funçãoem cada coisa (sem melhor exemplo que asThermas) a um princípio de uma só vez material(uma necessidade) e jurídico (cívico) que fixa ouso social, deixa, por assim dizer, o jogo àunidade. O espaço romano se preencherá deobjetos (o forum) mas será produtivo. E maislivre, o que então testemunha um mais amploemprego das curvas. A unidade da lei, do Direito,da Propriedade, da Cidade - Estado, porquevivido e percebido melhor que concebido, evitaráa quebra irremediavél. A necessidade, em Roma,aparece como uma característica quase total: asThermas como a cidade que contém tudo o quedemandam os corpos e os espíritos dos (ricos) elivres cidadãos. (LEFEBVRE, 2000, p. 277).

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Trabalho enviado em março de 2006

Trabalho aceito em abril de 2006

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