O NORTE MiguelEstevesCardoso

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  • 8/12/2019 O NORTE MiguelEstevesCardoso

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    O NORTE

    Primeiro, as verdades.O Norte mais Portugus que Portugal.As minhotas so as raparigas mais bonitas do Pas.O Minho a nossa provncia mais estragada e continua a ser a mais bela.As estas da Nossa !enhora da Agonia so as maiores e mais impressionantes que "# se viram.

    $iana do %astelo uma cidade clara. No esconde nada. No h# uma $iana secreta. No h# outra

    $iana do lado de l#. &m $iana do %astelo est# tudo ' vista. A lu( mostra tudo o que h# para ver. )uma cidade verde*branca. $erde*rio e verde*mar, mas branca. &m Agosto at o verde mais escuro,que se v nas #rvores antigas do Monte de !anta +u(ia, parece tornar*se branco ao olhar. At ogranito das casas.

    Mais verdades.

    No Norte a comida melhor.

    O vinho melhor.

    O servio melhor.

    Os preos so mais bai-os.

    No dicil entrar ao calhas numa taberna, comer muito bem e pagar uma ninharia.

    &stas so as verdades do Norte de Portugal.

    Mas h# uma verdade maior.

    ) que s o Norte e-iste. O !ul no e-iste.

    As partes mais bonitas de Portugal, o Alente"o, os Aores, a Madeira, +isboa, et caetera, e-istem

    so(inhas. O !ul solto. No se "unta.

    No se di( que se do !ul como se di( que se do Norte.

    No Norte di(em*se e orgulham*se de se di(er nortenhos. /uem que se identiica como sulista0

    No Norte, as pessoas alam mais no Norte do que todos os portugueses "untos alam de Portugalinteiro.

    Os nortenhos no alam do Norte como se o Norte osse um segundo pas.

    No ha"a enganos.

    No alam do Norte para separ#*lo de Portugal.

    1alam do Norte apenas para separ#*lo do resto de Portugal.

    Para um nortenho, h# o Norte e h# o 2esto. ) a soma de um e de outro que constitui Portugal.

    Mas o Norte onde Portugal comea.

    3epois do Norte, Portugal limita*se a continuar, a correr por ali abai-o.

    3eus nos livre, mas se se perdesse o resto do pas e s icasse o Norte, Portugal continuaria a e-istir.%omo pas inteiro. P#tria mesmo, por muito pequenina. No Norte.

    &m contrapartida, sem o Norte, Portugal seria uma mera regio da &uropa.Mais ou menos peninsular, ou insular.

    ) esta a verdade.

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    +isboa bonita e estranha mas apenas uma cidade. O Alente"o especial mas ibrico, a Madeira encantadora mas inglesa e os Aores so um caso 'parte. &m qualquer caso, os lisboetas no alamnem no %entro nem no !ul * alam em +isboa. Os alente"anos nem sequer alam do Algarve * alam doAlente"o. As ilhas alam em si mesmas e naquela entidade incompreensvel a que chamam, qualhipermercado de mil misturadas, %ontinente.

    No Norte, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. &st# muito estragado, mas um estragadoportugus, semi*arrependido, como quem noquer a coisa.

    O Norte cheira a dinheiro e a alecrim.

    O asseio no assptico * cheira a cunhas, a conhecimentos e a arran"inho.4em esse deeito e essa verdade.

    &m contrapartida, a conservao ant#stica de 5algum6 Alente"o impec#vel, porque os alente"anosso mais rios e conservadores 5menos portugueses6nessas coisas.

    O Norte eminino.

    O Minho uma menina. 4em a doura agreste, a timide( insolente da mulher portuguesa. %omo um

    brinco doirado que lu( numa orelha pequenina, o Norte d# nas vistas sem se dar por isso.

    As raparigas do Norte tm bele(as perigosas, olhos verdes*impossveis, daqueles em que os versos,desde o dia em que nascem, se p7em a escrever*seso(inhos.

    4m o ar de quem pertence a si prpria. Andam de mos nas ancas. Olham de rente. Pensam em tudoe di(em tudo o que pensam. %oniam, mas no do coniana. Olho para as raparigas do meu pas eacho*as bonitas e honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas,erguidas pelo nari(, seguras pelo quei-o, aprumadas, mas sem vaidade. Acho*as verdadeiras. Acreditonelas. 8osto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes ala e da maneira comopodem pu-ar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes alta ao respeito. 8osto das pequeninas,com o cabelo pu-ado atr#s das orelhas, e das velhas, de carrapito pereito, que tm os olhos

    endurecidos de quem passou a vida a cuidar dos outros. 8osto dos brincos, dos sapatos, das saias.8osto das burguesas, vestidas ' maneira, de brao enlaado nos homens. 1a(em*me todas medo, namaneira calada como condu(em as cerimnias e os maridos, mas gosto delas.

    !o mulheres que possuem9 so mulheres que pertencem. As mulheres do Norte deveriam mandarneste pas. 4m o ar de que sabem o que esto a a(er. &m $iana, durante as estas, so as senhorasem toda a parte. Numa procisso, numa barraca de eira, numa taberna, so elas que decidemsilenciosamente.

    4rabalham trs ve(es mais que os homens e no lhes do import:ncia especial.

    ! descomposturas, e mimos, e carinhos.

    O Norte a nossa verdade.

    Ao princpio irritava*me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no Norte, porque me pareciaque o orgulho era aleatrio. 8ostavam do Norte s porque eram do Norte. Assim tambm eu. Ansiavapor encontrar um nortenho que preerisse %oimbra ou o Algarve, da maneira que eu, lisboeta, preiro oNorte. Ainal, Portugal um caso muito srio e compete a cada portugus escolher, de cabea ria ecorao quente, os seus pedaos e pormenores.3epois percebi.

    Os nortenhos, antes de nascer, "# escolheram. ;# nascem escolhidos. No escolhem a terra ondenascem, se"a Ponte de +ima ou Amarante, e apesar de as deenderem acerrimamente, p7em acimadessas terras a terra maior que o

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    No Porto, di(em que as pessoas de $iana so melhores do que as do Porto. &m $iana, di(em que asestas de $iana no so to autnticas como as de Ponte de +ima. &m Ponte de +ima di(em que a vilade Amarante ainda mais bonita. O Norte no tem nome prprio. !e o tem no o di(. /uem sabe se mais Minho ou 4r#s*os* Montes, se litoral ou interior, portugus ou galego0 Parece vago. Mas no .=asta olhar para aquelas caras e para aquelas casas, para as #rvores, para os muros, ouvir aquelasvo(es, sentir aquelas mos em cima de ns, com a terra a tremer de tanto tambor e o cu em ogo,para adivinhar.

    O nome do Norte Portugal. Portugal, como nome de terra, como nome de ns todos, um nome do

    Norte. No s o nome do Porto. ) a maneira que tm e di(er