O ocaso do homem-gol

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Quarta-feira 02/05/2012 Documentário sobre Jorge Mautner empolga a plateia no Cine PE. B5 O OCASO DO HOMEM-GOL Serviço Título: Nunca Houve um Homem como Heleno Autor: Marcos Eduardo Neves Editora: Jorge Zahar Preço: R$ 44 (360 págs.) Literatura esportiva O biógrafo de Heleno de Freitas indica cinco livros indispensáveis sobre futebol Título: Gigantes do Futebol Brasileiro Autor(es): João Máximo e Marcos de Castro Editora: Civilização Brasileira Preço: R$ 59,90 (450 págs.) Título: O Negro no Futebol Brasileiro Autor: Mario Filho Editora: Mauad Preço: R$ 62 (344 págs.) Título: Estrela Solitária – Um Brasileiro Chamado Garrincha Autor: Ruy Castro Editora: Companhia das Letras Preço: R$ 66 (536 págs.) Título: Puskas – Uma Lenda do Futebol Autor(es): Rogan Taylor e Klara Jamrich Editora: DBA Preço: R$ 15 (231págs.) Título: Como Eles Roubaram o Jogo – Segredos dos Subterrâneos da Fifa Autor: David Yallop Editora: Record Preço: R$ 52,90 (368 págs.) nos anos 1970. Material em vídeo consegui achar em Buenos Aires. Achei muito material de época; quem for ler o livro achan- do que vai ver só a história do Heleno vai dar um mergulho profundo nos anos 1940 e descobrir um Rio de Janeiro que tinha glamour, cassinos, boates luxuosas que competiam com as de Paris. Fiz uma pesquisa adicional muito grande sobre o contexto histórico; creio que um personagem só sobrevive diante do seu contexto. Você encontrou muitas pessoas que o conheceram? Encontrei umas cem pes- soas. Mas aí vinha o pro- blema. Entrevistava uma pessoa e falava: “Olha, posso te ligar de novo se eu precisar?”. Aí ligava du- as semanas depois e essa pessoa tinha morrido. Li- dava com um universo de pessoas de mais de 80, 90 anos. Fãs, torcedores, con- temporâneos, dirigentes, gente que conviveu com o Heleno. Hoje ele estaria com 92 anos. A dificulda- de foi essa, lutar contra o tempo para não perder possíveis depoimentos. Qual foi a sua participação no filme? Como foi seu con- tato com o produtor Rodri- go Teixeira? O projeto do filme já rola- va enquanto eu fazia o li- vro, mas eu não sabia do filme nem ele sabia do li- vro. A última pessoa a quem fui pedir autoriza- ção para publicar foi o fi- lho único do Heleno, Luiz Eduardo de Freitas, que sempre buscou juntar o quebra-cabeça do pai. Ele ficou muito feliz de ver minha pesquisa sobre o Heleno, mas não me deu a autorização porque tinha vendido os direitos para o Rodrigo. O Luiz então nos apresentou, e foi uma feli- cidade muito grande para nós dois. Para mim foi óti- mo saber que teria a bio- grafia mais completa de alguém que viraria filme, e mais do que isso, viraria um filme com Rodrigo Santoro. Foi bom para mim e bom para eles. Quando soube que o filme seria uma ficção, preferi não participar do roteiro, porque era a minha credi- bilidade. Não posso escre- ver no livro que o nome de uma mulher é Ilma e no filme ser Sílvia, ou dizer que ele perdeu um pênalti em uma final contra o Flu- minense que ele nunca ba- teu. O filme é uma ficção e dá uma grande ideia para o espectador que não tem o menor conhecimento so- bre o Heleno, suscita a cu- riosidade para saber mais, o que ele vai conseguir no livro. E é uma ficção de al- tíssima qualidade. Uma grande atuação do Rodri- go Santoro, uma bela dire- ção do Zé Henrique, uma fotografia linda do Walter Carvalho. Provavelmente é o grande filme de 2012, e fico muito feliz com isso. A minha participação no filme foi com consultoria, eles me ligavam quando tinham algum tipo de dú- vida, e de ter liberado o li- vro para que usassem seis ou sete cenas, transpor- tando-as para a tela. Os jogadores ditos ‘rebel- des’ são os que rendem as melhores histórias? Não tenho a menor dúvi- da. Se você for tentar es- crever sobre o Zico ou so- bre o Kaká, o leitor vai dormir no terceiro capítu- lo. É tudo muito certinho, muito exemplar. A roupa dobradinha, a comida per- feita, dentro de campo ele é amigo de todo mundo. Se você for escrever sobre Edmundo, Renato Gaú- cho, Heleno de Freitas, Serginho Chulapa ou Má- rio Sérgio, é uma pancada por parágrafo. Quando vo- cê acha que ele chegou ao limite, o Edmundo, por exemplo, vai lá e chuta a câmera do cinegrafista no Equador. Esses caras são saborosos porque eles têm o que falar, se expõem, vi- vem. Vivem com vigor. Eu prefiro sempre os polêmi- cos. O Kaká e o Zico são ótimos de ver o que eles fazem com a bola. Mas pa- ra ler, tem de ter um misto entre herói e vilão. Hoje está tudo muito pasteuri- zado, os jogadores dão a mesma entrevista. Aí o Ro- mário fala aquilo que nin- guém fala – “O Pelé calado é um poeta” –, e isso já dá um sabor, alguém falar al- go diferente. É o trans- gressor, o James Dean, o Elvis Presley, é o rebelde sem causa, juventude transviada... Heleno pode ser considera- do o precursor desse tipo de jogador midiático, afei- to a polêmicas? Eu tinha dúvidas se ele era o primeiro bad boy do fu- tebol brasileiro e hoje não tenho mais. O primeiro craque-problema foi o Leônidas da Silva. Mas porque ele não aceitava o racismo vigente na época, então se rebelava contra o status quo, quanto ao fato dele ser um negro, pobre, que jogava muito e nin- guém gostava disso. E ele jogava demais. O Heleno era o contrário. Ele tinha tudo para ser um Kaká, por exemplo, um garoto de família, articulado, es- tudou em grandes colégi- os, se formou em Direito, elegantíssimo, frequenta- dor do Copacabana Pala- ce; e era um monstro den- tro de campo. Não tinha nenhuma causa para ser um rebelde, e era o mais rebelde de todos. Os ad- versários morriam de me- do, mas os próprios com- panheiros o temiam tam- bém. Os dirigentes tinham medo de falar com ele. Você acredita que o ‘reina- do’ de Ricardo Teixeira na CBF poderia render uma re- portagem de fôlego? Quem poderia escrevê-la? Juca Kfouri. Quero ver se ele vai fazer, porque ele é muito maior que isso, acho que não deveria per- der seu tempo. Ele poderia fazer um livro-denúncia sobre o Ricardo Teixeira, biográfico, que não fosse chapa branca. Seria um li- vraço. Só com o que teria de podridão, daria um grande livro de máfia. Você acha que o interesse pela literatura esportiva tem aumentado no Brasil? Quando eu era criança re- clamava bastante. Queria ler livros sobre futebol e os que existiam eram apenas aqueles almanaques, acha- va arcaico. Acredito que de 1994 pra cá, quando a gente enfim voltou a ga- nhar uma Copa do Mundo depois de tanto tempo, houve um resgate dessa paixão nacional. Acho que isso fez bem também para o mercado editorial. Des- de meados dos anos 1990 a quantidade de livros so- bre futebol que é publica- da – sejam eles biografias, retratos de época, manu- ais, histórias de times e campeonatos – tem sido bastante legal. Qualquer jovem torcedor que queira conhecer sobre a história do futebol hoje tem mais oportunidade. ‡ Leia mais sobre Heleno na pág. B2 RAMIRO RIBEIRO REPÓRTER “Heleno foi um Titanic humano. Ele se julgava in- destrutível, o cara perfei- to, e, no fim, afundou. Ba- teu no iceberg da sífilis e afundou no mar gelado que era o vício em éter”. É assim, num misto de crue- za e imparcialidade, que o jornalista Marcos Eduardo Neves define o jogador Heleno de Freitas, primei- ro ‘craque-problema’ do futebol nacional. O ata- cante marcou época com a camisa do Botafogo quan- do o futebol engatinhava como fenômeno de massa, nos anos 1940. O biógrafo conheceu seu biografado por meio do jornalista Luiz Mendes. O encontro rendeu um dos livros mais marcantes sobre o futebol brasileiro, Nunca Houve um Homem como Heleno , de 2006. Com o lançamento de He- leno – O Príncipe Maldito, filme do diretor José Hen- rique Fonseca que pode ser visto até amanhã (03) no Cine Sesi, a obra ga- nhou nova edição. Marcos elogia o resulta- do da cinebiografia, mas faz questão de ressaltar o viés ficcional da obra. “Quando soube que o fil- me seria uma ficção, pre- feri não participar do ro- teiro, porque era a minha credibilidade. Não posso escrever no livro que o no- me de uma mulher é Ilma e no filme ser Sílvia, ou di- zer que ele perdeu um pê- nalti em uma final contra o Fluminense que ele nun- ca bateu”. Para além das quatro linhas, livro e filme retratam o Rio de Janeiro do pós-guerra, com seus cassinos e boates de luxo. Em tempos de Adriano e Ronaldinho Gaúcho, He- leno correspondia em campo. É o que Marcos Eduardo Neves conta nu- ma descontraída conversa por telefone, ao falar de seu interesse por jogado- res polêmicos, que incen- deiam a torcida. Confira. Gazeta. Você afirmou ter conhecido a história do He- leno por sugestão do jorna- lista Luiz Mendes: vocês trabalharam juntos? Marcos Eduardo Neves. Eu tinha escrito um livro so- bre o Renato Gaúcho (An- jo ou Demônio – A Polêmi- ca Trajetória de Renato Gaúcho ), outro jogador mulherengo, bonitão e po- lêmico, e no prefácio o Luiz escreveu que estava feliz de poder ver a histó- ria do Renato retratada no livro e que com esse po- tencial de pesquisa que ti- nha eu poderia fazer res- surgir o Heleno de Freitas. Fiquei bastante intrigado e comecei a pesquisar na in- ternet quem era o Heleno e cada vez que eu desco- bria um adjetivo novo fica- va mais certo de que eu ti- nha de mergulhar fundo na história. E não deu ou- tra. Quando mergulhei, vi que dava um grande livro. A primeira edição é de 2006. Quanto tempo você levou entre pesquisa e pro- dução até lançá-lo? Comecei a escrever em 2003 e lancei no comeci- nho de 2006. Foram três anos e alguns meses de muita pesquisa, muitos te- lefonemas, muitas idas à Biblioteca Nacional, muita busca por fotos. E foi difícil encontrar mate- rial da época? Muito difícil. O futebol era gravado de maneira muito incipiente. Acho que tal- vez só o Jofre Rodrigues (irmão de Nelson Rodri- gues) que fazia gravações, e mesmo assim tudo tinha sido comprado pela Globo e se perdido num incêndio BIOGRAFIA. Se hoje o futebol repercute em diferentes setores da vida brasileira e mobiliza paixões por todo o território nacional, foi por causa de jogadores como Heleno de Freitas. Um dos nossos primeiros ídolos nas quatro linhas, o atacante que aliava técnica, raça e elegância brilhou com as camisas do Botafogo e da seleção na década de 1940. De família rica, formado em Direito e frequentador dos cassinos do Rio de Janeiro, era e ainda é a antítese do jogador pobre que supera obstáculos. Sua personalidade intensa e trajetória marcante foram retratadas no livro Nunca Houve um Homem como Heleno, do jornalista Marcos Eduardo Neves, que serviu de base para o filme Heleno, protagonizado por Rodrigo Santoro. Em entrevista à Gazeta, Neves revê os bastidores de sua pesquisa e fala sobre o aumento do interesse pela literatura esportiva no País. Confira nalista Heleno , azeta , a au um me en nt to o f fi ir ra a Heleno de Freitas morreu no dia 08 de novembro de 1959, aos 39 anos 20 012 1 empolga a plateia no Cine PE. B5 JULIANA TORRES/DIVULGAÇÃO REPRODUÇÃO

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Entrevista com o jornalista Marcos Eduardo Neves

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Quarta-feira 02/05/2012

Documentário sobre Jorge Mautner empolga a plateia no Cine PE. B5

O OCASO DO HOMEM-GOL

Serviço Título: Nunca Houve um Homem como HelenoAutor: Marcos Eduardo Neves Editora: Jorge Zahar Preço: R$ 44 (360 págs.)

Literatura esportiva

O biógrafo de Heleno de Freitas indica cinco livros indispensáveis sobre futebol

∫ Título: Gigantes do Futebol BrasileiroAutor(es): João Máximo e Marcos de Castro Editora: Civilização Brasileira Preço: R$ 59,90 (450 págs.)

∫ Título: O Negro no Futebol BrasileiroAutor: Mario Filho Editora: Mauad Preço: R$ 62 (344 págs.)

∫ Título: Estrela Solitária – Um Brasileiro Chamado GarrinchaAutor: Ruy Castro Editora: Companhia das Letras Preço: R$ 66 (536 págs.)

∫ Título: Puskas – Uma Lenda do FutebolAutor(es): Rogan Taylor e Klara Jamrich Editora: DBA Preço: R$ 15 (231págs.)

∫ Título: Como Eles Roubaram o Jogo – Segredos dos Subterrâneos da FifaAutor: David Yallop Editora: Record Preço: R$ 52,90 (368 págs.)

nos anos 1970. Material em vídeo consegui achar em Buenos Aires. Achei muito material de época; quem for ler o livro achan-do que vai ver só a história do Heleno vai dar um mergulho profundo nos anos 1940 e descobrir um Rio de Janeiro que tinha glamour, cassinos, boates luxuosas que competiam com as de Paris. Fiz uma pesquisa adicional muito grande sobre o contexto histórico; creio que um personagem só sobrevive diante do seu contexto.

Você encontrou muitas pessoas que o conheceram? Encontrei umas cem pes-soas. Mas aí vinha o pro-blema. Entrevistava uma pessoa e falava: “Olha, posso te ligar de novo se eu precisar?”. Aí ligava du-as semanas depois e essa pessoa tinha morrido. Li-dava com um universo de pessoas de mais de 80, 90 anos. Fãs, torcedores, con-temporâneos, dirigentes, gente que conviveu com o Heleno. Hoje ele estaria com 92 anos. A dificulda-de foi essa, lutar contra o tempo para não perder possíveis depoimentos.

Qual foi a sua participação no filme? Como foi seu con-tato com o produtor Rodri-go Teixeira? O projeto do filme já rola-va enquanto eu fazia o li-vro, mas eu não sabia do filme nem ele sabia do li-vro. A última pessoa a quem fui pedir autoriza-ção para publicar foi o fi-lho único do Heleno, Luiz Eduardo de Freitas, que sempre buscou juntar o quebra-cabeça do pai. Ele ficou muito feliz de ver minha pesquisa sobre o Heleno, mas não me deu a autorização porque tinha vendido os direitos para o Rodrigo. O Luiz então nos apresentou, e foi uma feli-cidade muito grande para nós dois. Para mim foi óti-mo saber que teria a bio-grafia mais completa de

alguém que viraria filme, e mais do que isso, viraria um filme com Rodrigo Santoro. Foi bom para mim e bom para eles . Quando soube que o filme seria uma ficção, preferi não participar do roteiro, porque era a minha credi-bilidade. Não posso escre-ver no livro que o nome de uma mulher é Ilma e no filme ser Sílvia, ou dizer que ele perdeu um pênalti em uma final contra o Flu-minense que ele nunca ba-teu. O filme é uma ficção e dá uma grande ideia para o espectador que não tem o menor conhecimento so-bre o Heleno, suscita a cu-riosidade para saber mais, o que ele vai conseguir no livro. E é uma ficção de al-tíssima qualidade. Uma grande atuação do Rodri-go Santoro, uma bela dire-ção do Zé Henrique, uma fotografia linda do Walter Carvalho. Provavelmente é o grande filme de 2012, e fico muito feliz com isso. A minha participação no filme foi com consultoria, eles me ligavam quando tinham algum tipo de dú-vida, e de ter liberado o li-vro para que usassem seis ou sete cenas, transpor-tando-as para a tela.

Os jogadores ditos ‘rebel-des’ são os que rendem as melhores histórias? Não tenho a menor dúvi-da. Se você for tentar es-crever sobre o Zico ou so-bre o Kaká, o leitor vai dormir no terceiro capítu-lo. É tudo muito certinho, muito exemplar. A roupa dobradinha, a comida per-feita, dentro de campo ele é amigo de todo mundo. Se você for escrever sobre Edmundo, Renato Gaú-cho, Heleno de Freitas, Serginho Chulapa ou Má-rio Sérgio, é uma pancada por parágrafo. Quando vo-cê acha que ele chegou ao limite, o Edmundo, por exemplo, vai lá e chuta a câmera do cinegrafista no Equador. Esses caras são saborosos porque eles têm

o que falar, se expõem, vi-vem. Vivem com vigor. Eu prefiro sempre os polêmi-cos. O Kaká e o Zico são ótimos de ver o que eles fazem com a bola. Mas pa-ra ler, tem de ter um misto entre herói e vilão. Hoje está tudo muito pasteuri-zado, os jogadores dão a mesma entrevista. Aí o Ro-mário fala aquilo que nin-guém fala – “O Pelé calado é um poeta” –, e isso já dá um sabor, alguém falar al-go diferente. É o trans-gressor, o James Dean, o Elvis Presley, é o rebelde sem causa, juventude transviada...

Heleno pode ser considera-do o precursor desse tipo de jogador midiático, afei-to a polêmicas? Eu tinha dúvidas se ele era o primeiro bad boy do fu-tebol brasileiro e hoje não tenho mais. O primeiro craque-problema foi o Leônidas da Silva. Mas porque ele não aceitava o racismo vigente na época, então se rebelava contra o status quo, quanto ao fato dele ser um negro, pobre, que jogava muito e nin-guém gostava disso. E ele jogava demais. O Heleno era o contrário. Ele tinha tudo para ser um Kaká, por exemplo, um garoto de família, articulado, es-tudou em grandes colégi-os, se formou em Direito, elegantíssimo, frequenta-dor do Copacabana Pala-ce; e era um monstro den-tro de campo. Não tinha nenhuma causa para ser um rebelde, e era o mais rebelde de todos. Os ad-versários morriam de me-do, mas os próprios com-panheiros o temiam tam-bém. Os dirigentes tinham medo de falar com ele.

Você acredita que o ‘reina-do’ de Ricardo Teixeira na CBF poderia render uma re-portagem de fôlego? Quem poderia escrevê-la? Juca Kfouri. Quero ver se ele vai fazer, porque ele é muito maior que isso,

acho que não deveria per-der seu tempo. Ele poderia fazer um livro-denúncia sobre o Ricardo Teixeira, biográfico, que não fosse chapa branca. Seria um li-vraço. Só com o que teria de podridão, daria um grande livro de máfia.

Você acha que o interesse pela literatura esportiva tem aumentado no Brasil? Quando eu era criança re-clamava bastante. Queria ler livros sobre futebol e os que existiam eram apenas aqueles almanaques, acha-va arcaico. Acredito que de 1994 pra cá, quando a gente enfim voltou a ga-nhar uma Copa do Mundo depois de tanto tempo, houve um resgate dessa paixão nacional. Acho que isso fez bem também para o mercado editorial. Des-de meados dos anos 1990 a quantidade de livros so-bre futebol que é publica-da – sejam eles biografias, retratos de época, manu-ais, histórias de times e campeonatos – tem sido bastante legal. Qualquer jovem torcedor que queira conhecer sobre a história do futebol hoje tem mais oportunidade. ‡ Leia mais sobre Heleno na pág. B2

RAMIRO RIBEIRO REPÓRTER

“Heleno foi um Titanic humano. Ele se julgava in-destrutível, o cara perfei-to, e, no fim, afundou. Ba-teu no iceberg da sífilis e afundou no mar gelado que era o vício em éter”. É assim, num misto de crue-za e imparcialidade, que o jornalista Marcos Eduardo Neves define o jogador Heleno de Freitas, primei-ro ‘craque-problema’ do futebol nacional. O ata-cante marcou época com a camisa do Botafogo quan-do o futebol engatinhava como fenômeno de massa, nos anos 1940.

O biógrafo conheceu seu biografado por meio do jornalista Luiz Mendes. O encontro rendeu um dos livros mais marcantes sobre o futebol brasileiro, Nunca Houve um Homem como Heleno, de 2006. Com o lançamento de He-leno – O Príncipe Maldito, filme do diretor José Hen-rique Fonseca que pode ser visto até amanhã (03) no Cine Sesi, a obra ga-nhou nova edição.

Marcos elogia o resulta-do da cinebiografia, mas faz questão de ressaltar o viés ficcional da obra. “Quando soube que o fil-me seria uma ficção, pre-feri não participar do ro-teiro, porque era a minha credibilidade. Não posso escrever no livro que o no-me de uma mulher é Ilma e no filme ser Sílvia, ou di-zer que ele perdeu um pê-nalti em uma final contra o Fluminense que ele nun-ca bateu”. Para além das quatro linhas, livro e filme retratam o Rio de Janeiro do pós-guerra, com seus cassinos e boates de luxo.

Em tempos de Adriano e Ronaldinho Gaúcho, He-leno correspondia em campo. É o que Marcos Eduardo Neves conta nu-ma descontraída conversa por telefone, ao falar de seu interesse por jogado-res polêmicos, que incen-deiam a torcida. Confira.

Gazeta.Você afirmou ter conhecido a história do He-leno por sugestão do jorna-lista Luiz Mendes: vocês trabalharam juntos? Marcos Eduardo Neves. Eu tinha escrito um livro so-bre o Renato Gaúcho (An-jo ou Demônio – A Polêmi-ca Trajetória de Renato Gaúcho), outro jogador mulherengo, bonitão e po-lêmico, e no prefácio o Luiz escreveu que estava feliz de poder ver a histó-ria do Renato retratada no livro e que com esse po-tencial de pesquisa que ti-nha eu poderia fazer res-surgir o Heleno de Freitas. Fiquei bastante intrigado e comecei a pesquisar na in-ternet quem era o Heleno e cada vez que eu desco-bria um adjetivo novo fica-va mais certo de que eu ti-nha de mergulhar fundo na história. E não deu ou-tra. Quando mergulhei, vi que dava um grande livro.

A primeira edição é de 2006. Quanto tempo você levou entre pesquisa e pro-dução até lançá-lo? Comecei a escrever em 2003 e lancei no comeci-nho de 2006. Foram três anos e alguns meses de muita pesquisa, muitos te-lefonemas, muitas idas à Biblioteca Nacional, muita busca por fotos.

E foi difícil encontrar mate-rial da época? Muito difícil. O futebol era gravado de maneira muito incipiente. Acho que tal-vez só o Jofre Rodrigues (irmão de Nelson Rodri-gues) que fazia gravações, e mesmo assim tudo tinha sido comprado pela Globo e se perdido num incêndio

BIOGRAFIA. Se hoje o futebol repercute em diferentes setores da

vida brasileira e mobiliza paixões por todo o território nacional,

foi por causa de jogadores como Heleno de Freitas. Um dos

nossos primeiros ídolos nas quatro linhas, o atacante que aliava

técnica, raça e elegância brilhou com as camisas do Botafogo

e da seleção na década de 1940. De família rica, formado em

Direito e frequentador dos cassinos do Rio de Janeiro, era e

ainda é a antítese do jogador pobre que supera obstáculos. Sua

personalidade intensa e trajetória marcante foram retratadas

no livro Nunca Houve um Homem como Heleno, do jornalista

Marcos Eduardo Neves, que serviu de base para o filme Heleno,

protagonizado por Rodrigo Santoro. Em entrevista à Gazeta,

Neves revê os bastidores de sua pesquisa e fala sobre o aumento

do interesse pela literatura esportiva no País. Confira

nalista

Heleno,

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Heleno de Freitas morreu no dia 08

de novembro de 1959, aos 39 anos

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empolga aplateia no Cine PE. B5

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Page 2: O ocaso do homem-gol

GAZETA DE ALAGOAS, 02 de maio de 2012, Quarta-feira2 Caderno BB

Fátima (nascida Alves) e

des. James Magalhães

(ele novel imortal da

AAL), clicados na

Serata Italiana do

colunista

Teomirtes de Barros Malta, imortal da Academia Alagoana de Letras e do Ihgal, clicada em evento deste colunista

Acadêmico dr. Milton Hênio Netto de Gouveia, que proferirá o discurso de saudação ao novel imortal da AAL

ROMEU DE LOUREIRO [email protected]

Posse na AAL O jurista, escritor e poeta Carlos Barros Méro, presi-dente da Academia Alagoana de Letras, convida este colunista para a sessão solene que será realizada esta noite, a partir das 19h30, para a posse do escritor e desembargador James Magalhães de Medeiros (atual corregedor-geral da Justiça), como sócio-efetivo, na Cadeira nº 30 (antes, ocupada pelo folclorista José Tenório Rocha) e que será saudado pelo acadêmico e médico dr. Milton Hênio Netto de Gouveia (do Con-selho Estratégico da OAM e colaborador da Gazeta). Haverá um intermezzo lítero-musical, a cargo da de-clamadora Neílda Costa Cavalcanti e da cantora Ma-dalena Oliveira. Depois, serviço de coquetel.

EDILSON OMENA/CORTESIA

EDILSON OMENA/CORTESIA

EDILSON OMENA/CORTESIA

ESTREIA DE BALLETEnquanto isso, no Teatro Deodoro, acontece (a partir das 19 horas) a estreia do novo espetáculo da Companhia de Dança Maria Emília Clark, 1912: Oração e Vozes, baseado em roteiro do histo-riador Fernando Gomes de Andrade (sócio efetivo do Ihgal e sócio-correspondente do Iahg-PE), que contextualiza o estigma da intolerância aos cultos afros que explodiu na Quebra dos Xangôs, em 1º de fevereiro de 1912.

MÊS DAS NOIVAS Por tradição, maio é considerado o mês das noivas, em virtude do grande número de casamentos que acontecem no seu transcurso, lotando as agendas das igrejas com antecedência de até um ano. Para alegria dos colunistas sociais, que têm nos casa-mentos matéria-prima para suas colunas. Isso por-que o casamento ainda é um evento conspícuo por excelência – aquele que serve para alardear a ri-queza (nem sempre real) da família da noiva.

MÊS DE MARIA A Igreja Católica Roma-na proclamou maio o mês de Maria – progra-mando liturgias especi-ais em homenagem à Virgem Maria. Não cus-ta lembrar que esse cul-to mariano foi implan-tado na Idade Média, como forma de comba-ter crenças pagãs.

∫ Festejou idade nova, ontem, Zilda de Oliveira Hansen (sra. Paulo Affonso Hansen).

∫ Mudando de idade, hoje, a socialite Simone Caju Wanderley (sra. dr. José Wanderley Neto), devidamente festejada.

∫ Outro festejado aniversariante deste dia: o socialite e empresário Pedro Rocha Cavalcanti Nogueira.

VESTIDO DA NOIVA A praxe do ves t ido branco para a noiva nasceu no casamento da rainha Vitória, da Grã-Bretanha, com o príncipe Alberto de Sa-xe-Coburgo-Gotha. Até então, as noivas vesti-am-se luxuosamente, de qualquer cor (menos preto, claro!).

CONTRADIÇÃO No seu ensaio Mitologia Cristã: Festas, Ritos e Mitos da Idade Média (que vem de ser publicado, sob o alto patrocínio do Cesmac), o professor e doutor Philippe Walter, da Universidade Stendhal-Greno-ble III (França), ensina que em Roma e na Idade Média vigorava a interdição de casamentos no mês de maio, pois o mesmo era consagrado aos ances-trais, havendo a crença na efração do mundo so-brenatural ao mundo humano, com o perigo de al-guém desposar um fantasma ou uma mulher en-feitiçada do outro mundo.

Carlos Barros Méro, presidente da Academia Alagoana de Letras, que esta noite dará posse

ao des. James Magalhães de Medeiros

ROMEU DE MELLO LOUREIRO

O TRISTE FIM DE UM CRAQUE DOS GRAMADOS

CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. “Pela consciência que tinha de sua derrocada, a história de Heleno é mais triste que a de Garrincha”, avalia o escritor, pesquisador e crítico musical João Máximo

Trecho do livro Em Nunca Houve um Homem como Heleno, o jornalista

e escritor Marcos Eduardo Neves reconstitui não apenas a brilhante trajetória de um craque, mas também sua

instável personalidade. Não à toa, a biografia do ídolo do Botafogo recebeu elogios de nomes de peso das letras, a exemplo de Ruy Castro. “Marcos Eduardo

Neves resgata um ser humano que teria sido patético e marcante em qualquer atividade. O acaso quis que

Heleno jogasse futebol, daí o ineditismo dessa narrativa: um drama quase cinematográfico, estrelado por um galã de calções e chuteiras – da praia aos estádios, das boates ao hospício”, escreveu o autor de Estrela Solitária sobre o livro. A seguir, um trecho da obra.

Começava o jogo.

Aquele berro despertou a argúcia da torcida pó de arroz, a do Fluminense, assim chamada com desdém pelas massas rivais por causa de seu perfil aristocrático. Gilda remetia à personagem de Rita Hayworth no filme homônimo de Charles Vidor, que estreara cinco dias antes na cidade. Não havia apelido melhor. Gilda era mulher linda, glamourosa e temperamental. Capaz de derrubar homens cantando e jogando suas luvas para eles. Atributos que se encaixavam, exceto pelas luvas e melodias, em Heleno de Freitas de forma perfeita. Nao tardou em virar coro da multidão.

– Gilda! Gilda! Gilda! – os torcedores do time da casa já começavam a incomodar. Heleno não podia pegar na bola que escutava a saudação. Comecava a ser travada uma espécie de guerra psicológica, que, embora tentasse disfarcar, o desestabilizava emocionalmente.

Corajoso, impetuoso, Heleno seguia lutando, louco para fazer um gol.

va que começava a miná-lo. “Eu sou a própria von-tade de vencer”, diz Hele-no novamente pela voz do ator que o representa so-berbamente no filme de José Henrique Fonseca. Um filme que enfatiza a derrocada do ídolo em re-lação à glória de Heleno como centroavante clássi-co, de passes e chutes pre-cisos, excelente cabecea-dor, titular do Botafogo, da seleção carioca e do es-crete brasileiro, no tempo em que se escrevia scratch.

Em mais de uma cena, fica-se sabendo do sonho (na verdade, obsessão) de Heleno em relação à Copa do Mundo que se realiza-ria no Brasil em 1950. Ou-tra vez, verdade. Heleno

tinha sido um dos grandes nomes do Campeonato Sul-Americano de 1945, no qual, com Tesourinha e Zizinho de um lado, Jair e Ademir do outro, formara um ataque “cheio de lu-zes”, como o definiu a re-vista argentina El Grafico. Tinha cumprido, também, excelentes temporadas de 1946 a 1949. Neste último ano, com a camisa do Vas-co, pelo qual sagrou-se campeão invicto (triste ironia para um botafo-guense que jamais passara de vice em seu clube de coração). Enfim, com Leô-nidas da Silva perto de aposentar-se e sem outro centroavante de seu nível à vista, Heleno tinha todo o direito de sonhar.

A quem assiste ao filme – sem ter tido a oportuni-dade de viver aquela épo-ca – talvez ocorra uma pergunta: não fosse a bri-ga com Flávio Costa, técni-co do Vasco e da seleção brasileira (briga de revól-ver que o filme revive), se-rá que Heleno teria reali-zado seu sonho? E, com ele no ataque, o Brasil te-ria melhor sorte?

Resposta negativa para as duas perguntas. A briga com Flávio já era atestado de que a raiva de Heleno dera lugar à loucura. E o admirável craque que ele tinha sido já saíra de cam-po para não mais voltar. No final, no sanatório, mal lhe restavam as lembran-ças de quando fora feliz. ‡

ROGÉRIO FAISSAL/DIVULGAÇÃO

Rodrigo Santoro como Heleno

na cinebiografia dirigida por José

Henrique Fonseca: filme tem último

dia em cartaz hoje em Maceió

JOÃO MÁXIMO AGÊNCIA O GLOBO

Rio de Janeiro, RJ – “Eu era mais feliz quando tinha raiva”, diz Heleno de Freitas pela voz de Rodri-go Santoro. Verdade. O Heleno de Freitas da vida real era muito mais feliz antes de a sífilis e o éter transformarem raiva em loucura. Sua história, das mais dramáticas vividas por um jogador de futebol no Brasil, é a de um ídolo – bonito, elegante, inteli-gente, rico, famoso, excep-cionalmente bom de bola – que em pouco tempo perdeu tudo isso para vi-ver seus últimos anos en-tre as paredes de um sana-tório em Barbacena. Nisso, e pela consciência que ti-nha de sua derrocada, a história de Heleno é mais triste que a de Garrincha.

Sua raiva era de um craque diferente, pela von-tade de ganhar, pelo de-sespero com que buscava a perfeição, pela intolerân-cia com os pernas de pau, pela aversão aos adversá-rios desleais e a reação ex-plosiva aos árbitros incom-petentes. O futebol era a sua vida. E quando o do-mínio da bola começou a perder-se nos pés do ho-mem de nervos estropia-dos, foram-se a raiva e a felicidade.

Na época, chamavam-no de “temperamental”, poucos percebendo, por trás dos destemperos com os adversários e com pró-prios companheiros, vestí-gios da paralisia progressi-

Quando errava um chute, não escapava da gozação:

– Gilda! Gilda! Gilda! – a massa se divertia, aliviava o espírito.

Sujo, no empurra-empurra da área, nos escanteios, segurava os colhões de adversários, artimanha que aprendera com os argentinos.

– Gilda! Gilda! Gilda!

Num lance, atracou-se com o meia Orlando Pingo de Ouro.

– Gilda! Gilda! Gilda!

Assim que o juiz Mário Vianna virou as costas para os dois, Orlando deu uma cotovelada em Heleno. Irascível, o goleador alvinegro se vingou sem medir consequências. Com força diabólica, arrancou o cordão do pescoço dele.

– Gilda! Gilda! Gilda!

A torcida teimava em não se calar. Nas arquibancadas e sociais, uma festa só. Ainda mais com o resultado nitidamente dando certo. Ainda que o Botafogo estivesse vencendo, Heleno estava a um passo da insalubridade.