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ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 9, n. 2, p. 432-451, mai./ago. 2014 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2014v9n2p432-451
O OLHAR DA SOCIOLOGIA SOBRE A EDUCAÇÃO: A QUESTÃO DAS
DESIGUALDADES EDUCACIONAIS
SOCIOLOGY’S LOOK AT EDUCATION: THE ISSUE OF EDUCATIONAL
INEQUALITIES
TURA, Maria de Lourdes Rangel
Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ
RESUMO Este texto pretende discutir indagações e análises, produzidas pela sociologia da educação, sobre as desigualdades de oportunidades escolares. Destaca que a constatação dessas desigualdades foi produto de inúmeras pesquisas nesse campo. São aspectos que entraram em confronto com a propalada democratização do ensino público e a perspectiva da função da escola na formação do cidadão e do trabalhador para uma sociedade em profundas mudanças. As investigações realizadas levaram a que se focasse a cultura – apoiada na noção de capital cultural de Pierre Bourdieu - e as estratégias pessoais e familiares na construção do sucesso escolar. A diferença cultural é também apresentada como uma questão que exige a atenção do pesquisador e, na busca de solução para esse problema, o que se verificou foi o acontecer de inúmeras propostas e políticas de cunho nacional e internacional. O problema, no entanto, não está resolvido e vai se apresentando a cada momento com novas feições e dimensões. PALAVRAS-CHAVE: Desigualdades de oportunidades escolares. Pesquisa no campo da Sociologia da Educação. Políticas educacionais.
ABSTRACT This paper aims at discussing inquiries and analyses on inequalities of school opportunities arising from the Sociology of Education. It highlights that such verification was an outcome of a number of studies in this field. These are aspects that came into collision with the so talked about democratization of the public school education and the perspective of the function of school in the citizen’s and worker’s formation for a society in deep change. The inquiries carried out leaded to a focus on culture – supported by the notion of cultural capital by Pierre Bourdieu – and the personal and family strategies in the construction of school success. The cultural difference is also presented as an issue requiring the researcher’s attention and, in the search of a solution for this problem, various domestic and worldwide proposals and policies have emerged. The problem, however, is not solved and at every moment it assumes new shapes and dimensions. KEYWORDS: inequalities of school opportunities; research in the field of Sociology of Education; educational policies.
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INTRODUÇÃO
Neste texto pretendo trazer discussões que se deram na Sociologia da
Educação a respeito de algo que tem sido objeto de muitas indagações no campo da
educação escolar. É a grande incidência daquilo que se denominou como fracasso
escolar, que se pauta no número enorme de retenção e evasão escolar de
estudantes, o que os colocava muitas vezes não indo muito além das primeiras
séries escolares. Isso acontece num contexto político em que as demandas por
instituição dos Sistemas Nacionais de Educação se apoiam no entendimento de que
a educação escolar é, de um lado, direito do cidadão e dever do Estado e, de outro
lado, fundamental para o desenvolvimento social em sociedades que apoiam sua
produção numa nova ordem do trabalho, que foi se constituindo a partir do século
XIX.
Localizo, então, a questão num contexto histórico que faz coincidir a
consolidação da sociologia como conhecimento científico com os primeiros passos
da instituição da educação pública.
As indagações a respeito do fracasso escolar apontaram – a partir de
inúmeras pesquisas de cunho quantitativo – para a perspectiva das desigualdades
educacionais, que se tornou uma questão de muita centralidade nos estudos dos
sociólogos da educação, que buscaram construir teorias explicativas para esse
problema.
O CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO QUE PRESIDE O MOMENTO DE
CONSOLIDAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA
O século XIX é marcado por inúmeras mudanças sociais e econômicas. Ou
seja, a sociedade estava se transformando num ritmo que nunca tinha sido
observado e nesse contexto a Europa ocupava uma posição dominante alicerçada
naquilo que se denominou a revolução industrial e na expansão mundial do
capitalismo, acompanhada do processo de colonização e da crença no liberalismo
econômico.
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A par disso que se pode entender como o progresso e o crescimento
econômico, também se verifica o acontecer de um circuito de conflitos bélicos que
atingiram todo o centro do continente europeu como a França, a Confederação
Alemã, o Império Austríaco e a Itália e a instabilidade política ocupou esse vasto
território, como estudou Hobsbawm (1982). Afora isso, presenciou-se também aquilo
que se pode distinguir como revoluções sociais em que a classe média,
trabalhadores pobres, campesinos e intelectuais ocuparam a cena política. Foi
nesse contexto que os Estados Nacionais tiveram que fazer muitas concessões para
esses novos sujeitos políticos e, a partir da segunda metade do século XIX, pode se
observar uma relativa estabilidade política. Digo relativa porque vamos ver acontecer
na primeira metade do século XX a instabilidade social e política de forma nunca
pensada com a eclosão de duas grandes guerras mundiais.
A Europa esteve no centro desses acontecimentos.
Essas questões/ tensões/ instabilidades foram sendo acompanhadas de
ações políticas que tinham suas bases no ideário da Revolução Francesa do final do
século XVIII. Quero distinguir como centro dessas ações políticas os movimentos
republicanos e os investimentos na expansão do ensino público, que estavam
baseados no que se veiculou como direitos sociais e humanos.
Nossa atenção então se fará para a questão da expansão da educação
pública, dos esforços na implantação de processos nacionais de escolarização e que
fez com que as escolas viessem a progressivamente ir substituindo a família e a
igreja no ensino do que se entendia como os saberes elementares, no dizer de
Hébrard (1990).
Esse é um movimento que atinge os diferentes países da Europa e também
da América e entre eles o Brasil. Podemos lembrar a proclamação da república no
Brasil em 1989, assim como os esforços na construção de escolas publicas,
voltadas para o acesso da população àquilo que vinha se instituindo como o ensino
elementar ou básico. No caso brasileiro a escola primária.
É também no século XIX que se viu consolidar a sociologia como um saber
científico, como ocorreu com outras ciências do campo das ciências sociais e
humanas.
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Essa área de conhecimento que estava se estruturando teve seu interesse
voltado para o estudo das questões sociais desse tempo e entre elas estava a
educação escolar.
Émile Durkheim, que pode se distinguir como um dos pais fundadores da
sociologia, preocupou-se em distinguir as “regras” na constituição desse novo saber
científico, seus objetos de estudo e as bases da explicação sociológica. As questões
mais proeminentes do século XIX lhe interessavam muito e seus estudos se
apoiaram nas suas posições em relação à ciência, à sociedade e ao momento
histórico que presenciou. E, nesse sentido – como se pode imaginar – as discussões
a respeito da instituição escolar estiveram muito presentes em seus textos.
Seus escritos sobre esse tema, que foram muito deles traduzidos para o
português (cf. DURKHEIM, s/d; 1987; 1995), mostram o foco central do que estava
sendo pensado em relação à organização do ensino público e distingue a
importância da educação escolar, a partir daquilo que se entendia como a sua
função coletiva e civilizadora, no preparo dos jovens para a vida social. É essa a
razão da ênfase que dá à responsabilidade do Estado pela educação escolar posto
que no caso contrário, ela se:
...porá ao serviço dos interesses particulares e a grande alma da pátria se dividirá, esfacelando-se numa multidão incoerente de pequenas almas fragmentárias, em conflito umas com as outras. Não pode nada ser mais contrário ao objetivo fundamental da educação (DURKHEIM, s/d, p. 48).
Fazendo essa leitura, em primeiro lugar, pode se observar nessa afirmação
que os ideais iluministas e positivistas – muito presente na construção dessa ciência
– estão aí se destacando.
Em segundo lugar, Southwell (2008, p. 121) lembra que na modernidade, “os
sistemas de escolarização foram estabelecidos em torno da ideia de que a
sociedade era resultado da ação educacional”. São aspectos que nos levam a
entender a dimensão da importância dada à educação pública no século XIX e as
crenças que se desenvolviam nas suas possibilidades civilizatórias e sua efetiva
atuação na formação de um trabalhador afinado com as novas formas de produção
econômica.
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Essas expectativas também vão estar colocadas como pressupostos nos
estudos da sociologia em seus primórdios e dão força às indagações que se fazem
partir da primeira metade do século XX com relação aos entraves e problemas
observados nos processos de escolarização de massa.
Nesse contexto, Nogueira (1990) localiza nos anos de 1950 e 1960 o
momento da constituição da Sociologia da Educação como um campo de pesquisa
e, também, destaca que nas sociedades mais desenvolvidas e industrializadas –
França, Inglaterra e Estados Unidos - esta encontra seus espaços de maior
desenvolvimento.
Associado a isso, os financiamentos para a pesquisa educacional cresceram
muito e vários proeminentes sociólogos foram chamados a realizar investigações,
que pretendiam levantar dados sobre as formas de administração desses sistemas e
o conhecimento da população escolar. Esse processo tem origem no movimento de
reconstrução de cidades e instituições num momento histórico que ficou conhecido
como o pós-guerra.
A QUESTÃO DAS DESIGUALDADES DE OPORTUNIDADES ESCOLARES
A observação do que foi se distinguindo como o fracasso escolar foi o que
desde o início do século XX esteve preocupando os estudiosos do campo da
educação.
Os grandes investimentos feitos na construção dos prédios escolares, na
formação de professores, na organização dos currículos escolares, na produção de
material didático e outros recursos pedagógicos, assim como a abertura do sistema
para a escolarização de estudantes dos diferentes grupos sociais e a observação de
que os resultados desse investimento ainda eram precários estavam a produzir
inúmeras indagações dos gestores desse sistema (MAINARDES, 2007).
O que podia estar faltando?
A busca de respostas para essa questão possibilitou antes de tudo que se
avolumassem as dúvidas em reação à democratização do ensino.
Vale nesse ponto lembrar os múltiplos levantamentos estatísticos realizados
nos anos de 1960 e 1970, com o objetivo de balizar as condições de funcionamento
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da escola, como foi analisado por Nogueira (1990), e que eram demandas que
tinham inclusive cunho político num momento de muita disputa entre os diferentes
países capitalistas e comunistas. Esses estudos foram conhecidos como uma
“aritmética política”, que devia servir à administração dos sistemas educacionais no
sentido da implementação de reformas.
Forquin (1995) apresenta, nesse conjunto de trabalhos investigativos, a
pesquisa longitudinal realizada na França pelo Institut National d’ Études
Démographiques (INED) que tem sido analisada como uma importante fonte de
informação sobre os mecanismos de orientação e seleção escolar. Um mesmo
grupo de estudantes (17.461) que haviam terminado a quarta série do primário em
1962 foi acompanhado durante 10 anos (até 1972) em sua trajetória escolar. As
conclusões indicaram diferentes situações – o sucesso e a idade de conclusão da
quarta série; o meio geográfico etc. – como marcantes das possibilidades em
relação à longevidade dos estudos, mas aquilo que esteve registrado como aspecto
principal foi o meio social de origem do aluno.
Enfim, essa série de estudos possibilitou que se pudesse formular como
conclusão estatística que havia uma correlação positiva entre desigualdades sociais
e desigualdades de oportunidades escolares.
São considerações que nesse momento – da guerra fria e de disputas em
torno de ações políticas que se pretendiam democráticas - causaram muito impacto
por distinguirem tanto as desigualdades sociais quanto as desigualdades de
oportunidades escolares.
Assim, corroborando com esses estudos, Forquin (1995) indicou – baseado
nas pesquisas educacionais– que os obstáculos ao prosseguimento dos estudos
estão relacionados à origem social dos alunos e não ao talento individual.
Constatações como essa alimentaram a discussão sobre os déficits culturais de
certos grupos sociais e a inadequação de currículos escolares pautados nos códigos
culturais de uma elite social erudita, como estudou Bourdieu (1999a).
Pierre Bourdieu (1999a) em seu texto analisou “as desigualdades frente à
escola e à cultura”, tendo por referência aquilo que se podia entender como uma
expectativa, uma estimativa “objetiva” de sucesso e fracasso escolar baseada nas
diferentes origens sociais dos estudantes.
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O autor nesse estudo faz uma critica radical a muitos dos significantes que
foram se hegemonizando em relação ao sistema escolar. Ou, melhor dizendo, a
ideia de uma “escola libertadora”, que tem a função de propiciar a mobilidade social
numa sociedade democrática. Segundo o autor, os dados dos levantamentos
estatísticos realizados indicavam, por exemplo, que “um jovem da camada superior
tem oitenta vezes mais chances de entrar na Universidade que o filho de um
assalariado agrícola e quarenta vezes mais que um filho de operário” (BOURDIEU,
1999a, p.41). São questões que o levam a afirmar que é necessário descrever os
mecanismos que determinam essas diferenças ou a eliminação contínua das
crianças dos grupos mais desfavorecidos.
Nesse contexto, elaborou a noção de capital cultural, que se traduz em um
conjunto de códigos de linguagem, valores, costumes, saberes e gostos próprios de
uma cultura letrada e erudita, que é transmitida como herança cultural aos filhos dos
indivíduos posicionados nos grupos sociais mais favorecidos..
A escola produz seu currículo tendo por base os códigos dessa cultura letrada
e erudita, que também é a matriz da produção do conhecimento científico. Assim, a
família de origem dos indivíduos marca de forma substancial a trajetória escolar do
aluno.
Colocando então a ênfase naquilo que distingue como uma herança cultural,
Bourdieu vai, também, chamar a atenção para as crianças da classe média que:
devem à sua família não só os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, mas também um ethos de ascensão social e aspiração ao êxito na escola e pela escola, que lhes permite compensar a privação cultual com a aspiração fervorosa à aquisição de cultura (BOURDIEU, 1999a, p.48).
Num outro sentido, afirma que o “sucesso excepcional” de alunos
provenientes de grupos sociais mais desfavorecidos dá uma aparência de
legitimidade à seleção escolar.
Foi pensando em todas essas diferentes situações que Bourdieu (1999b)
asseverou que a noção de capital cultural é indispensável para os estudos das
desigualdades escolares. Lembra, então, que se pode pensar nessa noção como
algo que se incorpora como uma aquisição, uma acumulação, uma apropriação,
uma assimilação, uma inculcação de bens culturais. “O capital cultural é um ter que
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se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da
‘pessoa’, um ‘habitus’” (BOURDIEU, 1999b, p.74-75). A instituição escolar ao
conferir àquele que possui o capital cultural o reconhecimento de seu saber e de sua
competência – o diploma – sanciona as diferenças relativas à incorporação dos
benefícios econômicos, sociais e culturais.
Em estudos que podem se associar ao que foi discutido por Bourdieu, Forquin
(1993) chama a atenção para a importância que deve ser dada à cultura ou às
culturas dos alunos e professores na análise das desigualdades escolares. O autor
entende que esse é um caminho para que se possa buscar compreender as práticas
e situações escolares.
Em torno dessas questões, diversos grupos e suas demandas políticas se
articularam no sentido de realizar reformas e projetos educacionais que garantissem
melhores resultados escolares.
Observou-se, então, em diversos países, o acontecer de muitas novas
políticas educacionais e a criação de muitos projetos que tinham por foco, por
exemplo, o crescimento do número de matrículas escolares e, ao mesmo tempo, a
extensão da obrigatoriedade escolar.
Observando essas situações, Duru-Bellat (2003) afirmou que não se pode
deixar de levar em conta as mudanças ocorridas na distribuição global da educação
e de observar os efeitos das políticas de ampliação da oferta escolar. Contudo, fala
de uma “democratização segregativa” quando se observa as diferenças entre as
diversas camadas sociais no acesso a determinados cursos e no Brasil podemos
exemplificar isso com a existência de uma organização do sistema educacional
distribuído em instituições da rede pública e privada. No nível do ensino fundamental
e médio, a massa dos estudantes dos grupos sociais mais favorecidos frequenta as
escolas da rede privada. Na Universidade essa situação se inverte e esse grupo
está, em sua maioria, frequentando as Universidades públicas.
Enfim, novas formas de exclusão vão acontecendo, balizadas nessas
reformas e nas muitas políticas de aceleração da aprendizagem, de redução da
defasagem idade/série etc. Essas providências - de formas peculiares ou de acordo
com suas diferenças - estão presentes nos vários países do ocidente, posto que a
questão das desigualdades de oportunidades escolares continua a estar presente no
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meio escolar. Ou seja, não houve uma substancial modificação nessa situação e
isso é mostrado nos estudos de Bourdieu e Champagne (1999) que analisaram
outra forma de exclusão que é decorrente dessas providências e políticas estatais. É
o que distinguiram como uma “eliminação branda”, que se processa ao longo da
trajetória escolar, e produz os “excluídos do interior”. Esse fenômeno está alicerçado
nas modificações relativas ao valor econômico e simbólico dos diplomas e na
circunstância de que as “escolhas” mais decisivas – para alcançar o acesso às boas
escolas e faculdades – devem ser feitas cada vez mais precocemente.
Nesse contexto, ficou muito conhecido o trabalho de Bernard Charlot (2000).
Charlot inicia seu texto questionando por que certos alunos fracassam na escola e, a
seguir, afirma que ao se discutir o fracasso escolar se está trabalhando com “um
campo saturado de teorias construídas e opiniões do senso comum” (CHARLOT,
2000, p. 9). O que está posto aqui é, exatamente, o indicativo de que esse assunto
já vem sendo sobejamente estudado e já extrapolado o ambiente acadêmico e se
tornou objeto de discussão nos mais diferentes espaços e, entre eles, aqueles dos
circuitos da comunicação de massas, da mídia impressa e televisiva.
Pela recorrência no estudo e nas demandas políticas relativas àquilo que em
sentido mais geral se pôde distinguir como as desigualdades de oportunidades
escolares, foi-se observando certo deslocamento em muitas pesquisas no campo da
Sociologia da Educação que se fez no sentido de olhar essa questão por outro lado.
Ou seja, a partir dos anos de 1990, vimos avançar estudos sobre o sucesso
escolar de grupos de alunos que tinham origem nas camadas populares. Aqueles
que fugiam à regra, aqueles que podiam em sua trajetória escolar indicar caminhos
que se abriam a partir de fatores que contribuíram para o alcance de seu sucesso
escolar.
São estudos que têm por base a discussão, por um lado, da noção de capital
cultural de Bourdieu, que é recontextualizada a partir das mudanças socioculturais
do tempo que vivemos. Por outro lado, vemos o destaque que é dado à perspectiva
das estratégias familiares no prolongamento da trajetória escolar de alunos oriundos
de grupos sociais de baixa renda.
Nesse sentido, cabe destacar o estudo de Lahire (1997) que teve muita
penetração entre os sociólogos da educação no Brasil.
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O autor traz em seu livro os resultados de uma pesquisa com 26 famílias dos
meios populares. Nesse texto investiga as relações sociais mantidas por esse grupo
e os processos de socialização das crianças. Distingue, então, as formas familiares
da cultura escrita, as condições e disposições econômicas, a ordem moral
doméstica, as formas de autoridade familiar e as condições familiares de
investimento pedagógico. O que foi observado, num sentido mais amplo, foi a
heterogeneidade dos processos de socialização, que acompanhavam também a
variedade de condições socioeconômicas e culturais do grupo investigado. São
situações bastante presentes no tempo em que vivemos e nas atuais formas de
organização social.
O investimento familiar na educação escolar das crianças, os valores ligados
ao cumprimento das regas e normas e à valorização do trabalho escolar são
aspectos que trazem mudanças no perfil do estudante. Assim, o que está em
questão é o interesse desse pesquisador em analisar as várias formas de
socialização nos diversos ambientes sociais, posto que, segundo o seu
entendimento, esses são processos que possibilitarão a alguns estudantes oriundos
dos meios populares alcançarem uma trajetória escolar mais longa.
Observar alternativas ou estratégias familiares para romper com a tradição do
fracasso escolar em ambientes de poucos recursos econômicos e baixa
escolaridade foi então algo que passou a interessar muitos pesquisadores e, entre
eles, quero destacar trabalhos que foram realizados no Brasil, como os de Viana
(2000), Portes (2000), Setton (2005) e Zago (2006, 2007). Também se podem
distinguir estudos com grupos sociais pertencentes às classes médias em que se
analisam os esforços familiares encetados no sentido de possibilitar que suas
crianças possam usufruir das melhores condições de aproveitamento da excelência
escolar, visando o sucesso em carreiras acadêmicas e instituições do ensino
superior mais prestigiadas (NOGUEIRA, 1998; ROMANELLI, 2000; ALMEIDA,
2000). Entre esses mecanismos de acompanhamento e supervisão dos movimentos
dos filhos em relação ao que se pode distinguir como o bom aprendizado dos
conhecimentos escolares, esses estudos destacam não só a escolha dos bons
estabelecimentos de ensino, como a atenção e auxílio nos deveres de casa, a
regulação do tempo dedicado aos estudos, a atenção dada ao contato com os
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professores e a escolha de atividades extraescolares de modo a estar
potencializando as condições de aproveitamento escolar e de contato com a cultura
erudita.
Nas pesquisas com alunos das camadas populares que obtiveram sucesso
escolar, vamos então destacar o trabalho de Viana (2000) que apresenta em seu
texto o resultado de uma investigação que serviu de base para a sua tese de
doutorado. As questões que nortearam sua pesquisa se faziam em torno da relação
família, filho-aluno e escola, tendo por base um grupo de estudantes do ensino
superior oriundo de famílias de camadas populares. A presença familiar ou os
modos da presença familiar nesse contexto estiveram no centro das indagações,
assim como as inter-relações com outros grupos de referência ou a inserção
simultânea em dois grupos sociais.
A mobilização positiva das famílias desses estudantes no sentido de facilitar o
acontecer desse “improvável” – a trajetória de seus filhos até ensino superior – foi
bastante observada e nesse conjunto Viana (2000) verificou inclusive atitudes de
outros familiares – irmãos, por exemplo – que buscavam oportunizar formas daquele
que permanecia na escola por mais tempo ter um menor tempo dedicado ao
trabalho remunerado.
A construção do sucesso escolar desse grupo de estudantes foi, então, um
processo que foi se construindo a partir de “êxitos escolares parciais” que atraíram
êxitos subsequentes.
O que a autora nos traz de forma mais geral é a história de sete estudantes
de graduação ou de pós-graduação que tinham origem em ambientes em que a
trajetória escolar era curta e eles se distinguiram com o seu sucesso escolar, que
produziu dificuldades no lidar/ conviver com culturas muito diferentes. Uma das
estudantes que participaram da pesquisa afirmou “se sentir estrangeira,
desadaptada, marginal, como peixe fora d’água” (VIANA, 2000, p. 55) nos espaços
acadêmicos.
No final de seu texto, a autora chama a atenção para a importância de
estudos como esse que ela produziu e que abordam questões que têm preocupado
muito pesquisadores de diferentes nações do ocidente.
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Há também o trabalho de Portes (2000) que tem por base uma pesquisa com
um grupo de estudantes do ensino superior pertencentes a famílias das camadas
populares e que entraram, entre 1990 e 1995, na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) em cursos supervalorizados socialmente, como a medicina, a
fisioterapia, o direito, a comunicação social, a engenharia elétrica e a ciência da
computação.
Muitas questões envolveram a observação da trajetória desses estudantes. A
primeira delas é que cabe indicar que se verificou que há muitas diferenças nas
histórias desses sucessos, muitas alternativas que vão se distinguindo e estão
ligadas a oportunidades ou a especificidades ou peculiaridades do ambiente social
de cada um desses jovens. Contudo, há um importante destaque para a complexa
relação família/ escola, assim como para os embaraços causados pelas dificuldades
econômicas e a necessidade do trabalho para ajudar a manutenção da família. No
conjunto de estratégias utilizadas foi se distinguindo a situação de se ter criado no
ambiente doméstico – como já foi apresentado no estudo de Viana (2000) – algumas
facilidades ou contribuições dos familiares que observavam os esforços
empreendidos por esses alunos para alcançar uma trajetória escolar de longo curso
e se constituir naquilo que seria uma improbabilidade estatística.
Outra questão que Portes (2000) destaca é o que denomina a ordem moral
doméstica que indica o esforço familiar em inculcar em seus filhos uma disciplina
para o trabalho escolar desde o início da escolarização, assim como o empenho
para “compreender e apoiar o filho” nas muitas situações difíceis que podemos
imaginar que esses alunos viveram no seu processo de escolarização.
Estão ai também relacionados a contribuição de determinados professores e
a ajuda material de membros da família dos estudantes.
Nas conclusões, Portes (2000) deixa muito clara a importância da família do
estudante no sucesso alcançado e nesse contexto se destaca especialmente a
figura da mãe naquilo que denominou o “trabalho escolar da família”
Setton (2005, p. 88) fez um estudo com “10 alunos e algumas de suas mães,
a fim de apreender a articulação das configurações familiares e o sucesso escolar
apresentado”. O que esteve em foco foram alunos que obtiveram sucesso em sua
trajetória escolar e estavam frequentando um curso de ensino superior. A autora
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indica então a importância das características familiares e as reconfigurações em
relação à noção de capital cultural, dando destaque para um “saber informal
midiático em ambientes familiares dóceis à cultura escolar” (SETTON, 2005, p. 90).
Ou seja, está em presença a cultura das mídias que vai se inter-relacionando com a
cultura escrita e abrindo outros espaços de informação, comunicação e educação.
Fala, então, de um capital cultural midiático, que deve, no entanto, estar associado a
um ethos familiar predisposto a valorizar e incentivar o conhecimento e que está a
construir uma nova ordem de estratégias e práticas culturais.
Zago (2006) nesse mesmo caminho de discussão das desigualdades
educacionais apresenta uma pesquisa realizada com 27 estudantes universitários,
que provinham de famílias com condições econômicas desfavoráveis, e estavam
cursando diferentes faculdades da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Todo o grupo havia feito sua formação no ensino fundamental e médio em escolas
públicas.
Nesse texto indica que “a desigualdade de acesso ao ensino superior é
construída de forma contínua e durante toda história escolar do candidato” (ZAGO,
2006, p. 230) e nisso se distinguem aqueles estudantes oriundos das camadas mais
abastadas e os oriundos dos meios populares. A própria expectativa/ certeza dos
primeiros em relação à sua entrada na faculdade se contrapõe a daqueles que os
membros de suas famílias têm pouca escolarização e eles têm também pouco
conhecimento sobre os ritos de entrada na universidade. É algo que não está ao
alcance deles posto que, como indica Zago (2006), são casos “atípicos” ou
“trajetórias excepcionais”. Nesse contexto, chama a atenção para as dificuldades de
participação desse grupo de estudantes em muitas atividades que fazem parte dos
investimentos na formação – como a ida a congressos e conferências – calcada nas
dificuldades financeiras e que seus outros colegas têm possibilidade de usufruir.
Em outro texto, Zago (2007, p. 128), mantendo o interesse de estudar o
“acesso ao nível superior de estudantes de escolas públicas, pertencentes a famílias
de reduzidos recursos econômicos, sociais e culturais”, apresenta uma investigação
de caráter longitudinal, realizada entre os anos de 1991 e 1998 com os filhos (56) de
16 famílias de baixa renda e moradores na periferia de Florianópolis.
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Relacionando seus dados de pesquisa com outros trabalhos semelhantes
realizados em diferentes regiões do Brasil distingue então aspectos que podem ser
destacados como facilitadores da possibilidade dos alunos oriundos das camadas
populares alcançarem o acesso ao ensino superior. São eles: a presença da família
na trajetória do estudante e a mobilização e autodeterminação do estudante – que
também foram destacados no estudo de Viana (2000) -; e o apoio de professores
que encorajam os estudantes a prosseguir nos estudos.
Para contextualizar o foi produzido na sua pesquisa, Zago (2007) faz
observações em relação às mudanças no desempenho educacional brasileiro; à
variação regional da distorção idade/série no ensino fundamental; à diminuição da
taxa de analfabetismo; à expansão do número médio de anos de ensino que são
fatores que explicam a diminuição das desigualdades educacionais. A isso se alia o
aumento dos gastos públicos na esfera educacional; a rápida urbanização e
transição demográfica; as mudanças nas condições de vida da população; o
crescimento da demanda popular por educação; o sistema de cotas e o Programa
Universidade para Todos (ProUni); e a existência de cursos pré-vestibulares
gratuitos.
Contudo, Zago (2007) afirma que o país continua a apresentar forte
estratificação educacional e que se deve observar o risco que pode significar se
estar dando um peso muito grande para esses que são os casos individuais de
exceção.
Nesse sentido, vale o destaque para a existência de uma hierarquia de cursos
superiores - há carreiras que são mais prestigiadas - e a escolha desses estudantes
provenientes das camadas populares vai se dar naqueles que estão mais abaixo na
classificação; além disso há o problema da permanência desses estudantes na
universidade. As questões financeiras estão muitas vezes os eliminando antes da
conclusão do curso.
Isso posto há que se acrescentar que esses vários estudos reafirmaram que
as chances de entrada e permanência nos cursos de nível superior não são iguais.
Essas investigações também fizeram com que a cultura, em seu sentido mais
amplo e na sua diversidade, estivesse centrando o olhar de muitos pesquisadores.
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As desigualdades de oportunidades escolares têm se mostrado muito
balizadas nas diferenças culturais e o espaço da educação escolar continua pautado
em uma forma de cultura, que podemos denominar, em sentido genérico, a cultura
letrada, a cultura erudita.
Vivemos, no entanto, em sociedades multiculturais em que múltiplos códigos
linguísticos, variados costumes, crenças, tradições, gostos etc. estão em
convivência e, muitas vezes, em confronto.
Nesse contexto, muitos estudos têm olhado para as diferenças culturais, que
são bastante visíveis nos vários ambientes da vida escolar. Assim, Bhabha (2007,
p. 227) indica que “a diferença cultural não pode ser compreendida como um jogo
livre de polaridades e pluralidades no tempo homogêneo e vazio da comunidade
nacional”. O que está em foco, então, é uma crítica ao que e convencionou entender
como culturas totalizadas em um momento em que várias culturas estão em
confronto com determinados conteúdos simbólicos e tradições que se tornaram
hegemônicos. O que está em questão é a ideia de uma “cultura nacional” e em seu
lugar o que vemos crescer são culturas locais, são os hibridismos culturais. É o que
se verifica – como dissemos - nos ambientes escolares. Falamos então de uma
diferença cultural que deixa muitos professores e gestores da educação perplexos
diante desse novo. Ou seja, estas são situações que estamos encontrando a cada
momento nas escolas, que ainda pautam seus currículos pela cultura letrada e
erudita, tida – como dissemos acima - como aquela que é a mais perfeita para
possibilitar o crescimento e a aprendizagem dos alunos, esquecendo suas
diferenças e seus diversos códigos de comunicação.
Nos anos de 1980 e 1990, ocorreram em todo o mundo aceleradas mudanças
na organização da vida social, nos processos tecnológicos e nas relações
internacionais, fortemente apoiadas por reformas políticas que pretendiam
estabelecer um novo pacto entre Estado e capital e uma nova cultura institucional
(BALL, 2001).
Assim, em um momento de construção de uma nova ordem social, marcada
pela aceleração das mudanças sociais, tecnológicas e culturais, observamos que a
questão das desigualdades escolares ainda se mantém e estão a demandar
políticas que possam dar conta desse problema. Nesse sentido, observando as
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disputas em relação aos sistemas educacionais, a partir dos anos de 1990, Ball
(2004) sustenta que, apesar da ênfase no discurso da “educação para todos”, as
instituições educacionais se expandiram como mais uma oportunidade de negócios,
ganhando a dimensão da competitividade econômica e de formação de uma
mentalidade adaptada às exigências de flexibilidade e de desempenho, próprios das
formas contemporâneas de organização dos sistemas econômicos e políticos.
Essa preocupação tem feito com que o conhecimento/ ensino estejam se
apresentando de forma cada vez mais padronizada e homogeneizada (MACEDO,
2012). Ou, como entende Biesta (2013, p. 30), “a linguagem da educação tem sido
em grande parte substituída por uma linguagem da aprendizagem”.
A crítica que vemos formulada por Macedo e Biesta é relativa à redução da
educação ao processo de ensino e/ou de aprendizagem de conteúdos padronizados/
estandardizados e ligados a uma cultura que se fez hegemônica e que pretende ser
entendida como aquela que possibilita o acesso ao conhecimento válido para ser
ensinado na escola e que irá possibilitar aos estudantes usufruírem as benesses
sociais, econômicas e culturais de nosso tempo.
ENFIM
Estamos diante de uma questão que foi se recontextualizando,
ressignificando, acompanhando as muitas mudanças ocorridas nos espaços
culturais e políticos que vivemos e que estão atualmente imiscuídas na aceleração
das transformações encetadas pelas novas tecnologias da informação e
comunicação (TICs): a desigualdade de oportunidades educacionais.
Temos observado que, a partir da segunda metade do século XX - no
momento distinguido como o do “pós-guerra” –, junto à reconstrução dos estados
europeus e na realidade de todo um mundo em mudanças que os sistemas
educacionais estiveram vivendo uma profusão de reformas e no nosso país
podemos começar pensando nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB nº
4.024 /1961; LDB nº 5.692/1971, LDB nº 9.394/1996), nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997), nas muitas outras diretrizes curriculares e projetos de
cunho nacional e locais, que mostraram a preocupação com a reformulação do
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sistema educacional brasileiro, retratando que se tinha muito claro que este estava
longe de alcançar o projeto de democratização de oportunidades, que o próprio
sentido da formação do cidadão pressupõe.
Indicamos também que a sociologia da educação esteve nesse período muito
presente na busca da produção de teorias explicativas do fenômeno das
desigualdades educacionais e esses estudos tiveram como resultado o afirmar da
existência de muitas novas formas de se apresentar isso que interfere
profundamente nos ideais da democracia e construção da cidadania, na visão da
educação como espaço de mobilidade social. Ou seja, as desigualdades
educacionais se mantêm, tendo tomado, contudo, novas conotações e dimensões.
MARIA DE LOURDES RANGEL TURA Doutora em Educação. Professora Associada da Faculdade de Educação do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-graduação em Educação – PROPED/ UERJ.
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